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Espaço e Economia (2012) Ano I, Número 1 ................................................................................................................................................................................................................................................................................................ Pedro Henrique Ferreira Costa e Paulo Roberto Teixeira Godoy As marcas das metamorfoses do capitalismo contemporâneo e suas implicações no espaço geográfico: o caso do Wal-Mart ................................................................................................................................................................................................................................................................................................ Aviso O conteúdo deste website está sujeito à legislação francesa sobre a propriedade intelectual e é propriedade exclusiva do editor. Os trabalhos disponibilizados neste website podem ser consultados e reproduzidos em papel ou suporte digital desde que a sua utilização seja estritamente pessoal ou para fins científicos ou pedagógicos, excluindo-se qualquer exploração comercial. A reprodução deverá mencionar obrigatoriamente o editor, o nome da revista, o autor e a referência do documento. Qualquer outra forma de reprodução é interdita salvo se autorizada previamente pelo editor, excepto nos casos previstos pela legislação em vigor em França. Revues.org é um portal de revistas das ciências sociais e humanas desenvolvido pelo CLÉO, Centro para a edição eletrónica aberta (CNRS, EHESS, UP, UAPV - França) ................................................................................................................................................................................................................................................................................................ Referência eletrônica Pedro Henrique Ferreira Costa e Paulo Roberto Teixeira Godoy, «As marcas das metamorfoses do capitalismo contemporâneo e suas implicações no espaço geográfico: o caso do Wal-Mart », Espaço e Economia [Online], 1 | 2012, posto online no dia 09 Março 2013, consultado o 29 Maio 2015. URL : http:// espacoeconomia.revues.org/114 ; DOI : 10.4000/espacoeconomia.114 Editor: Núcleo de Pesquisa Espaço & Economia http://espacoeconomia.revues.org http://www.revues.org Documento acessível online em: http://espacoeconomia.revues.org/114 Documento gerado automaticamente no dia 29 Maio 2015. © NuPEE

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  • Espao e Economia1 (2012)Ano I, Nmero 1

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    Pedro Henrique Ferreira Costa e Paulo Roberto Teixeira Godoy

    As marcas das metamorfoses docapitalismo contemporneo e suasimplicaes no espao geogrfico: ocaso do Wal-Mart................................................................................................................................................................................................................................................................................................

    AvisoO contedo deste website est sujeito legislao francesa sobre a propriedade intelectual e propriedade exclusivado editor.Os trabalhos disponibilizados neste website podem ser consultados e reproduzidos em papel ou suporte digitaldesde que a sua utilizao seja estritamente pessoal ou para fins cientficos ou pedaggicos, excluindo-se qualquerexplorao comercial. A reproduo dever mencionar obrigatoriamente o editor, o nome da revista, o autor e areferncia do documento.Qualquer outra forma de reproduo interdita salvo se autorizada previamente pelo editor, excepto nos casosprevistos pela legislao em vigor em Frana.

    Revues.org um portal de revistas das cincias sociais e humanas desenvolvido pelo CLO, Centro para a edioeletrnica aberta (CNRS, EHESS, UP, UAPV - Frana)

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    Referncia eletrnicaPedro Henrique Ferreira Costa e Paulo Roberto Teixeira Godoy, As marcas das metamorfoses docapitalismo contemporneo e suas implicaes no espao geogrfico: o caso do Wal-Mart, Espao eEconomia [Online], 1|2012, posto online no dia 09 Maro 2013, consultado o 29 Maio 2015. URL: http://espacoeconomia.revues.org/114; DOI: 10.4000/espacoeconomia.114

    Editor: Ncleo de Pesquisa Espao & Economiahttp://espacoeconomia.revues.orghttp://www.revues.org

    Documento acessvel online em:http://espacoeconomia.revues.org/114Documento gerado automaticamente no dia 29 Maio 2015. NuPEE

  • As marcas das metamorfoses do capitalismo contemporneo e suas implicaes no espao geog (...) 2

    Espao e Economia, 1 | 2012

    Pedro Henrique Ferreira Costa e Paulo Roberto Teixeira Godoy

    As marcas das metamorfoses docapitalismo contemporneo e suasimplicaes no espao geogrfico: o casodo Wal-MartIntroduo

    1 A pesquisa em pauta teve como inteno central a investigao acerca das transformaes docapitalismo contemporneo, sob uma concepo histrica e geogrfica. Para tanto, delinearam-se algumas consideraes gerais a respeito da rede varejista norte-americana Wal-Mart, comoferramenta para a anlise do tema em curso.

    2 A expresso contemporneo, aplicar-se- em relao a toda uma poca, a qual acusamudanas socioculturais, econmica e poltica. E, no entanto, deram forma s maneiras comas quais a sociedade convive no espao de uma gerao. (NUNES, 1991). Desta forma, ocapitalismo contemporneo, para os fins deste estudo remete-nos segunda metade do sculoXX, no qual transformou tanto os processos produtivos quanto as relaes sociais e de governo.

    3 A formao e a expanso do modo de produo capitalista no mundo, no decorrer dos sculos,implicaram em um aumento dos meios de acumulao primitiva, de maneira a permitir umacaracterizao do sistema capitalista em diferentes perodos sob diferentes modelos. Admite-seque o capitalismo apresenta especificidades em momentos distintos de seu transcurso global,sem necessariamente alterar o centro vital do processo de alocao do recurso, onde se situao fulcro do decurso de acumulao do capital. Porm este no abandona suas caractersticase se mantm to alienante quanto antes.

    4 O estudo da base do capitalismo moderno um prottipo das experincias subseqentes daseras capitalistas anteriores, as quais tiveram como conseqncia, menos uma superao doque uma continuao das relaes de produo. Neste movimento, as sociedades capitalistas,pr-existentes, arcaram com as mutaes apresentadas pelo sistema e propagaram os novosconjuntos de valores universais adquiridos (DOBB, 1971; ARRIGHI, 1996).

    5 A economia capitalista moderna um imenso cosmos que veio para dominar a vida econmica,para educar e selecionar os sujeitos de quem precisa, mediante um processo de sobrevivnciados mais aptos. O esprito do capitalismo teve de lutar por sua supremacia contra um mundointeiro de foras hostis (WEBER, 1967).

    6 A fase embrionria de acumulao do capitalismo germina nas malhas da sociedade feudal epadece dos limites estreitos deste perodo (HOBSBAWM, 1979). Desse modo, o decurso daruptura das bases da sociedade feudal foi dilacerando-se lentamente, cujo processo teve iniciono sculo XI e prolongou-se at o sculo XVI. Para alguns autores, nesse perodo permitiu-segeneralizar ao contexto mundial como a era do capitalismo. Ainda que o esboo da produocapitalista fosse prematuro em algumas cidades do Mediterrneo, a era capitalista s data dosculo XVI com o comercio e o mercado mundial, onde o poder capitalista disperso passapara um poder concentrado, no caso a fuso do Estado com o capital e comea a penetrar naproduo em escala considervel. (MARX, 1977; DOBB, 1971; BRAUDEL, 1989; ARRIGHI,1996).

    7 A organizao e o aumento da produo, a extorso do trabalho, a prestao de serviosremunerados, seja por gnero ou em dinheiro, do contrato salarial, da propriedade privada,da retomada do comercio frente circulao de moeda, do abastecimento de produtos para omercado, do renascimento da vida urbana e da formao da classe burguesa, contriburam paraanunciar o desenvolvimento do sistema capitalista. A essncia do capitalismo encontra-se noestado de esprito e no comportamento humano condizente a existncia das formas econmicasde acumulao. A emergncia de novas mentalidades influenciou e inspirou o modo de vidade toda uma poca, de modo que contribuiu para legitimar o modo de produo capitalista

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    vigente. (DOBB, 1971; MARX, 1977; BRAUDEL, 1989). Na trajetria do capitalismo, a partirda introduo do gene do capital, torna-se claro que o sistema capitalista passou por umalonga marcha para chegar ao perodo maduro do capitalismo contemporneo.

    As novas configuraes do capitalismo contemporneo8 O capitalismo contemporneo no renunciou as bases do regime de acumulao financeira,

    em que os mercados e os operadores adquiriram certa importncia (CHESNAIS, 2003),porm anunciou o desenvolvimento do regime capitalista atravs dos fatores cognitivos. Ocapitalismo contemporneo consagra-se por apresentar um novo modelo de reproduo domundo e um novo modelo de acumulao. Ambos, centrado, sobretudo, nos movimentosdo capital financeiro, na circulao de bens e servios, na informao, na satisfao e naeficincia, do que situado somente na unidade de produo. Esta fase depende mais de umaatividade intelectual, comunicativa e/ou afetiva, criadora de signos e de subjetividades do queda prpria estrutura produtiva materialista. De acordo com Pelbart,

    a produo de subjetividade, os processos vitais ricos em relaes intelectuais e valores afetivos,passam a ocupar um lugar cada vez mais central do processo produtivo(PELBART, 2003, p. 36).

    9 Pode-se considerar que esta ordem capitalstica incide na produo de desejo, subordinada sformas de inconsciente expressivo, sob os fluxos decodificados que se precipitam e confundemo sujeito. De modo que a produo materialista, agenciados pelos universos lingsticos,pressupe e condiciona a apropriao e a utilizao do consumo pelo vis do capital. O desejoproduz um imaginrio que duplica a realidade como se houvesse um objeto sonhado por detrsde cada objeto real ou uma produo mental por detrs das produes reais (DELEUZE &GUATTARI, 1996).

    (...) o capitalismo liberta os fluxos desejantes, mas nas condies sociais que definem o seulimite e a possibilidade da sua prpria dissoluo, de modo que contraria constantemente comtodas as suas desesperadas foras o movimento que o impele para este limite. (DELEUZE &GUATTARI, 1996, p. 143).

    10 O capitalismo iguala-se a ponto de uma mquina moderna que tem o objetivo de intervir nodesejo e transform-lo numa categoria fundamental da economia. O capitalismo tende para umlimiar que liberta os fluxos de desejos num campo desterritorializado do sujeito e o incentivaa consumir.

    11 As evidencias de que estamos sob o Imprio do Efmero, contribuem para a espetacularizaodo real, imprimindo-lhe um sentido puramente ficcional. Esta artificialidade da vida, que sealimenta do processo posto em movimento pelo capital, empurra o sujeito sob a apoteose daseduo e para o declnio da referncia. A imagem, instrumento das estratgias capitalistas,legitima a sociedade do consumo e contribui para tornar a racionalidade humana numimaginrio puro. E isso influi sobre a razo do indivduo na construo e reproduo de umaimagem distorcida e particular do mundo. Assim, o indivduo torna-se prisioneiro daquiloque descreve e ao mesmo tempo compactua com o capitalismo (LIPOVETSKY, 1989; SFEZ,1994).

    12 O capitalismo contemporneo inscreve-se no tecido social de forma a domesticar o homematravs da linguagem e das relaes cognitivas. Este sistema encontra na produo materialistadaquilo que so consideradas comuns e naturais s maneiras de confundir o sujeito e lev-loa consumir sob o signo do novo.

    13 Na concepo de Hardt e Negri (HARDT & NEGRI, 2000), as grandes potncias industriais efinanceiras produzem no apenas mercadoria, mas tambm subjetividades, ou seja, produzemum universo de linguagem que encerram por construir o simblico e o imaginrio. Asubjetividade encarada como produo social. Ela essencialmente fabricada e modeladano registro social e assumida por indivduos em suas existncias particulares. (GUATTARI& ROLNIK, 1986).

    14 Desta forma, a produo da subjetividade, toma o lugar das coisas materiais e constri desdeo modelo de consumo at o mundo do consumidor. Esta cria o universo das necessidades, dasrelaes sociais, dos corpos e mente. A sociabilidade entre os indivduos e o mundo passa, nocontexto do capitalismo contemporneo, pela a artificialidade das coisas. Segundo Moles:

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    As relaes do indivduo com o meio social passam, a partir de agora e fundamentalmente, pelosobjetos e produtos transformados nas expresses mais tangveis da presena e da sociedade em seuambiente, desde o momento em que tomam o lugar das coisas naturais (MOLES, 1975, p. 12).

    15 Nesse sentido ser na produo de subjetividade que os mecanismos econmicos tendema persuadir o sujeito. Com efeito, as empresas tornar-se-o um campo de representao daprpria subjetividade dos indivduos. No obstante do mundo atual, as empresas seriam maisfornecedoras de produtos desejados pela a sociedade e passariam a atuar como fora poltica depoderosa expresso de nossa poca. Assim, estas no apenas organizam a produo, circulaoe consumo, mas a justificam e a legitimam.

    16 A estratgia colocada em movimento por biopoderes, na viso foucaultiana, ou seja, o poderdas empresas, no capitalismo contemporneo, chega gesto poltica da vida e controla aconscincia, a mente, o corpo. A finalidade produzir, atravs do pulso de desejo capitalista,um estado de alienao.

    17 Contudo, sob a presso do atual momento histrico, os fatores de competitividade elucratividade nunca estiveram to presente. Estes se tornaram formas de sociabilidade e o quese constri uma sociedade desumana e concorrencial. A sociedade civil burguesa, sntesedas relaes sociais movidas pela reproduo do capital, visa somente acumular e as empresasusufruem deste paradigma capitalista.

    18 Nesta fase do capitalismo s uma coisa universal, o mercado. Este passou a administrar nos o paradoxo da fabricao de pobreza como tambm o da riqueza.

    19 Desta forma, as estratgias empresariais mudaram profundamente a maneira de comoconquistar alguns segmentos do mercado. Essas modernizaram as interrelaes entre oselementos constituintes das empresas: produo, administrao, marketing, transporte, entreoutros; e permitiram um bom posicionamento no mercado.

    A empresa controla no somente todo o aparelho da sua produo, que compreende seres ecoisas, mas tambm controla, de uma forma mais indireta, os seres e as coisas por intermdio deseu ou de seus mercados. Quando entra em concorrncia com outras empresas, coloca na balanatudo ou parte de seus trunfos. (RAFFESTIN, 1993, p. 59)

    20 Na estrutura interna do capitalismo contemporneo, seguindo as determinaes do capital,as empresas souberam utilizar dessas novas ferramentas para persuadir o consumidordesguarnecido. Isto , as empresas utilizam, cada vez mais, das ferramentas da comunicaosocial para assegurar os objetivos intencionais, quanto mercadoria, do que as realizaesproporcionadas. Para Raffestin,

    (...) fizemos da imagem um objeto em si e adquirimos, com o tempo, o hbito de agir maissobre as imagens, simulacros dos objetos, do que sobre os prprios objetos. (RAFFESTIN, 1993,p. 145)

    21 Portanto, pode-se refletir que as empresas no existem fora dos consumidores. Estes que soobjeto de sua manuteno no mercado. Conforme Marx:

    (...) a produo no produz somente um objeto para o sujeito. A produo produz, portanto, oconsumo, primeiro fornecendo-lhe materiais, segundo deturpando o modo de consumo e, terceiro,excitando no consumidor a necessidade dos produtos colocados por ela como objetos. Logo, elaproduz o objeto de consumo, o modo de consumo, e a tendncia para o consumo (MARX, 1977,p. 210).

    22 Marx, j apontava que a produo cria os objetos de consumo, e o consumo cria o sujeito paraesse objeto, mas alm de criar o sujeito para esse objeto, na contemporaneidade, o consumoinventa todo espao que esse sujeito faz parte. A empresa no cria o objeto (a mercadoria), maso mundo onde o objeto existe. Ela no cria tampouco o sujeito (trabalhador e consumidor),mas o mundo onde o sujeito existe (LAZARATTO, 2004).

    23 Assim, as empresas permitem que o sujeito expresse como sua prpria extenso territorial.De forma que, o territrio torna-se resultado tambm, de aes conduzidas por sujeitos. Nestecaso, o valor do territrio existencial: ele circunscreve, para cada um, o campo do familiare do vinculante, mas as distncias em relao a outrem e protege do caos (DELEUZE, 1997),contudo esse territrio tambm voltil e seu produto esta relacionado com as vantagensoferecidas pelas empresas ao consumidor e de como o consumidor se identifica com a empresa.

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    Para tanto, as empresas trabalham de forma a anular o efeito das possibilidades do consumidorem reaver seus conceitos sobre aqueles produtos oferecidos e no perder de maneira nenhumao territrio conquistado para as demais concorrentes.

    24 Essas empresas foram assumindo, cada vez mais, o papel de representantes nas economiascapitalistas por meio da internacionalizao da produo que o permitiu a emergncia de ummundo globalizado. Desse modo, apresentar-se-o no cenrio mundial as multinacionais, asquais contriburam para que os espaos econmicos nacionais no mais coincidissem com osespaos geopolticos dos capitais.

    25 Para isto, as companhias mudaram para uma mentalidade internacional e comearam a dedicar-se a uma intensa estratgia de produo global em plano a uma poltica agressiva de penetraoem outros mercados nacionais.

    26 Alm de dominar o setor de exportaes as empresas multinacionais passaram a investirem unidades de produo e comercializao destes produtos em outros pases, distintos dalocalizao da matriz. Consequentemente, as empresas ampliaram a presena em outroslugares. Para Hymer (HYMER, 1983, p. 47), as grandes empresas dos Estados Unidoscomea-se a deslocar-se para pases estrangeiros logo aps se completar sua integrao emescala continental e que as grandes empresas de todos os pases terminaram, cada vez mais,por ter como habitat o mundo (idem, p. 114). H exemplo das grandes empresas norteamericanas destaca-se a rede varejista Wal-Mart que vive, na dcada de 1990, o incio do seuprocesso de internacionalizao.

    O processo de internacionalizao da rede varejista Wal-Mart

    27 Para evitar a derrocada ou falncia e garantir a prosperidade, a rede varejista Wal-Martpreferiu optar pela busca de novos mercados. No entanto, o processo de internacionalizaoda empresa, no incio da dcada 1990, s ocorreu aps a rede varejista minar a concorrnciae atestar sua dominao no setor de varejo norte-americano.

    (...) a Wal-Mart s passou verdadeiramente a ter conscincia de seu papel influente no varejo nofinal dos anos 80. Embora a primeira loja Wal-Mart tenha sido inaugurada em 1962, a superlojamodelo s decolou em 1988 e foi apenas em 1991 que a Wal-Mart que na poca inaugurava 150lojas de desconto por ano ultrapassou a Kmart e a Sears e se tornou a fora mais poderosa novarejo americano (KLEIN, 2003, p. 156).

    28 A fase foi marcada pela modernizao da estrutura administrativa. As operaes comerciaisforam, ento, monitoradas por dispositivos tecno-informacionais que permitiram conectar arede varejista com os principais fornecedores e, tambm, controlar o estoque das centraisde distribuio. Esta revoluo tecnolgica ampliou os horizontes da empresa e a colocouem contato com outros mercados consumidores. Esta fez uso das estratgias capitalistas paraostentar sua dominao no setor varejista e se tornar um potencial concorrente nos novosmercados.

    29 O processo de internacionalizao iniciou-se no Mxico, em 1991. A rede varejista Wal-Martem menos de 10 anos, no Mxico, j assumia o cargo de maior empresa do setor. A poltica depreo baixo controlou o mercado e, indiretamente, forou as pequenas e mdias empresas dosetor filiar-se a bandeira norte-americana. A estratgia poltica da rede avana pelos principaispases da Amrica Latina. Hoje, em 2011, atravs do processo de internacionalizaoda empresa, pode-se encontrar estabelecimentos da rede, nos seguintes pases: Argentina,Brasil, Canad, Chile, China, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, ndia, Japo,Mxico, Nicargua e Reino Unido. Como conseqncia, a empresa, aps o processo deinternacionalizao, multiplicou sua venda liquida em equaes logartmicas.

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    Grfico1: Venda lquida por ano fiscal

    Fonte: Annual Reports Wal-Mart Stores (1989-2011)

    Grfico 2: Lucro lquido por ano fiscal

    Fonte: Annual Reports Wal-Mart Stores (1989-2011)

    30 O efeito Wal-Mart atravessou os continentes e os oceanos levando a cultura capitalista daempresa a mercados que sustentam uma classe mdia emergente e um contingente de possveisconsumidores.

    Wal-Mart e a cultura capitalista: implicaes no espaogeogrfico

    31 O professor de histria Nelson Lichtenstein, autor do livro Wal-Mart: The face of Twenty-First Century Capitalism, da Universidade da Califrnia, advertiu que em cada perodo docapitalismo norte-americano encontra-se um tipo de empresa como padro, provocando umarevoluo nas estruturas sociais, econmicas e poltica do mundo capitalista. Desta forma, umanova organizao do trabalho e da produo, um modelo mais eficiente e lucrativo e novosacordos entre as diversas classes da sociedade emergem a exemplo de controlar o mercadocapitalista mundial a favor das empresas.

    32 Entretanto, no sculo XIX, tivemos a presena da Pennsyvania Railroad, maior empresa deferrovias norte-americana; no incio do sculo XX foi a vez da Ford; em meados do sculo aGeneral Motors seguido pela a Microsoft e o McDonalds (SADER, 2005). Agora no incio

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    do sculo XXI, a rede varejista Wal-Mart aponta como modelo de empresa capitalista. Estaimpe lgicas de dominao no territrio e transforma o mundo da concorrncia atravs deum sistema de produo, de distribuio e de emprego multinacional e fortemente integrado.

    Esse o modelo de empresa capitalista do sculo XXI, que combina superexplorao dostrabalhadores na periferia do sistema com superexplorao dos trabalhadores imigrantes dentrodos Estados Unidos, proibio de sindicalizao e expropriao dos direitos sindicais, includa aproibio de sindicalizao (SADER, 2005, p.40)

    33 A rede varejista norte americana foi capaz de alterar o zoneamento das cidades americanas,estabelecerem padres de salrios e at mesmo conduzir negociaes diplomticas com outrospases (GREENHOUSE, 2004, p. A28). A empresa exigiu mudanas nas vias de acesso loja, na construo de facilitadores urbanos, na instalao de semforos nas ruas prximas unidade, entre outros instrumentos e infra-estrutura responsveis para reproduzir a lgicaburguesa da rede varejista.

    34 As melhorias virias fruto de uma relao entre o poder local e o empreendedor e no umarelao de responsabilidade social. Estas atendem prioritariamente reproduo do capital eno s necessidades postas pela sociedade. O que se conclui que a ordem social determinadapela dinmica econmica.

    35 Desta maneira, o gigantismo da rede Wal-Mart, que abastece as residncias de quase 80% dasfamlias americanas, fora os fornecedores a expor seus produtos nas estantes do varejista. Asvendas da companhia Wal-Mart somam, todo ms: 320 milhes de latas de Coca-Cola, 250milhes de litros de gua mineral Nestl e 101 milhes de litros de leite de sua marca prpria,Great Value. Alm de representar, como venda dentro dos EUA, 1 CD ou DVD em cada 5compradores, 1 tubo de pasta de dente em cada 4, 1 bero de bebe em cada 3, 1 boneca Barbiea cada 2 segundos (GUROVITZ, 2005). O preo baixo, a qualidade do produto, o atendimentodiferenciado e a garantia de venda aos fornecedores so valores desleais compartilhados emtodas as unidades da rede.

    36 Uma corporao poderosa como uma nao, que compra produtos a preo de banana em pasesasiticos, compactuando com trabalho semi-escravo, para revend-los garfando suculentasmargens de lucro. Uma empresa de tentculos gigantescos, capazes de destruir o pequenocomrcio e de espremer cada centavo nas negociaes com fornecedores, at lev-los abancarrota. Um empregador cruel, que paga os piores salrios do mercado, descriminamulheres e minorias, desdenha planos de sade e combate ferozmente os sindicatos - no hum nico sindicalizado entre 1,3 milhes de americanos que trabalham para o Wal-Mart. Umgrupo de fanticos moralistas, capazes de censurar CDs, filmes e livros, de proibir remdioslegais como uma verso da plula do dia seguinte e de tentar impor ao resto do planeta acultura caipira do Meio-Oeste americano (GUROVITZ, 2005, p. 24-25).

    37 Na China, por exemplo: a fbrica da Wal-Mart paga de US$ 0,13 a US$ 0,35 por horatrabalhada, com turno de 10 a 12 horas, entre 6-7 dias por semana, com condies irregulares:horas extras foradas, multas severas pela recusa ao trabalho, sem contrato legal e sembenefcios; os prdios, sem sada de incndio, dormitrios sujos e apinhados (KLEIN, 2003)

    38 Ademais, a rede varejista Wal-Mart se recusa a vender qualquer material que possa ferir aintegridade da imagem da loja, uma vez que esta acredita que ser uma loja de famlia aessncia de seu sucesso financeiro. Segundo Klein, o caso mais conhecido envolveu a recusada cadeia em vender o segundo disco do Nirvana, In Utero, embora o lbum anterior da bandatenha recebido quatro disco de platina, por fazer objeo arte da contracapa, que retratavafetos (KLEIN, 2003, p. 191). Diante de uma perda estimada de 10% (a participao da Wal-Mart na venda de disco nos EUA na poca), a Warner e o Nirvana voltaram atrs e mudarama contracapa. Eles tambm mudaram o ttulo da cano Rape Me (Estupre-me) para WaifMe (Abandone-me). Assim, os produtos de entretenimento, que representam somente umafrao de seus negcios, lanam verses higienizadas de seu trabalho e apresentam, paraa avaliao da rede, exemplares que sero comercializados antes de iniciar o seu processoprodutivo. A partir de estratgias pontuais a rede varejista Wal-Mart construiu o seu impriono ramo. Neste setor, em 2005, a Wal-Mart detm sozinha 47% das vendas gerais das dozemaiores empresas varejistas mundiais (DUPAS, 2005, p. 95).

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    39 No Brasil, a alta penetrao da rede varejista norte-americana Wal-Mart estabeleceu umapoltica forte de concorrncia e elevou a disputa entre as empresas lderes, Carrefou, Pode Aucar e Wal-Mart. Esta tenso aumentou a participao do mercado entre as 3 maioresbandeiras frente aos consumidores. Estas sozinhas controlam, comparada com as 20 maioresredes supermercadista do pas, aproximadamente 75% das vendas liquidas do setor no Brasil.Dado que o resultado objetivado pela concorrncia e configurado no cenrio brasileiro aacumulao de capital nas mos de poucos e, por conseqncia, conduz a um quadro aparentede monoplio. Como diria Marx os nicos motivos que pem em movimento a economiapoltica so a avareza e a guerra entre os varos, a competio (MARX, 1975, p.158).

    40 Diante disso, a intensificao da disputa pelo cliente, exige das empresas estender osseus tentculos no solo fecundo do consumo, por meio de suas estratgias modulares deinterveno, seduo e captura que, a um s tempo direcionam e padronizam os interessesda sociedade (DELEUZE, 1997). A interceptao desses consumidores parte de um controle,cada vez menos visvel e material e cada vez mais sutil e imaterial (FOUCAULT, 1989).

    Consideraes finais41 Contudo, a estratgia de globalizao da rede varejista marginal ao interesses do grupo.

    O fortalecimento interno no mercado americano ainda o objetivo principal tendo em vistaque a menor parcela do valor arrecadado vem de outros pases. Apesar da rede varejista terquase 40% das lojas operando fora dos EUA, os 80% de residncias abastecidas por produtosde bandeira Wal-Mart ou produtos vendidos no estabelecimento desfocam os interesses daempresa em investir no mercado externo. Tambm, apesar das crises de 2008 e 2009, fatoconsiderar que existe uma disparidade de renda entre os consumidores dos diferentes pasesonde a empresa possui sede. Alm de considerar o territrio norte-americano como um pasgenuinamente consumista.

    42 A rede varejista Wal-Mart transita entre as funes de vendedor de bens de consumo dirios aagente de produo de significados e modos vivendi, j que imprime no slogan every day lowprice a oportunidade dos consumidores em experimentar o tamanho da fora de sua marca.A relao entre consumo e produto se converte em consumo consumido, onde o consumidortorna-se produto-objeto e o produto adquiri autonomia frente ao desejo do consumidor.

    43 A trajetria do Wal-Mart aponta tambm para um esforo de retomada de praticas sociaiscalcadas em relaes de fidelidade e subsuno que faz com que a imagem consumidor idealse ajuste a iluso confortante de relaes de natureza domsticas ou familiares. As faces deaderncia que se constituem nas relaes entre a empresa e o consumidor so peculiares sformas com que a apropriao da subjetividade se refaz a cada instante pelas investidas da emempresa em mercados ainda no cativos.

    44 Em suma, estamos inteiramente de acordo com Sader acerca do modelo polticogerencial adotado pela rede Wal-Mart relacionado combinao entre superexplorao dostrabalhadores, sobretudo migrantes, e as formas de subordin-los s regras arbitrrias daempresa, bem como a assertiva de Marx a respeito da produo do consumo como fator deexcitao, no consumidor, de desejos por objetos que so em si mesmos e ulteriormente objetosdo consumo.

    Bibliografia

    ARRIGHI, G. O longo sculo XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. Rio de Janeiro: EditoraUNESP, 1996.

    BASKER, E. The Causes and Consequences of Wal-Marts Growth, unpublished paper, University ofMissouri, 2007.

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    Para citar este artigo

    Referncia eletrnica

    Pedro Henrique Ferreira Costa e Paulo Roberto Teixeira Godoy, As marcas das metamorfoses docapitalismo contemporneo e suas implicaes no espao geogrfico: o caso do Wal-Mart, Espao eEconomia [Online], 1|2012, posto online no dia 09 Maro 2013, consultado o 29 Maio 2015. URL:http://espacoeconomia.revues.org/114; DOI: 10.4000/espacoeconomia.114

    Autores

    Pedro Henrique Ferreira CostaDoutorando em Geografiapela Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP RioClaro). Bolsista CAPES. E-mail: [email protected] Roberto Teixeira GodoyDoutor em Geografiapela UNESP e Professor Assistente Doutor da Universidade Estadual PaulistaJlio de Mesquita Filho (UNESP Rio Claro). E-mail [email protected]

    Direitos de autor

    NuPEE

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    Resumos

    O artigo tem como finalidade apresentar as metamorfoses que marcaram o capitalismocontemporneo e suas implicaes no espao geogrfico. Assim, toma a rede varejista norte-americana Wal-Mart como exemplo de empresa capitalista do sculo XXI. Conclui-se que estano cria a mercadoria, mas o mundo onde a mercadoria existe.

    Metamorphosis in the contemporary capitalism and their implicationsin the geographical space: the Wal-Marts caseThe article aims to introduce the metamorphoses that defined contemporary capitalism andits implications in the geographic space. It has, therefore, the retailer Wal-Mart (U.S.) as anexample of capitalist enterprise of XXI century. And with this it is possible to conclude thatthe company does not create the commodity, but the world where the commodity exists.

    Les mtamorphoses du capitalisme contemporain et leurs impactssur lespace gographique: le cas de Wal-MartCet article a lintention de prsenter les mtamorphoses du capitalisme contemporain et leursimpacts sur lespace gographique. Il sappuie sur le rseau nord-amricain Wal-Mart commeexemple dune entreprise capitaliste au XXIme sicle. partir de ses pratiques, on peutconclure que ce nest pas lentreprise qui cre la marchandise, mais le monde au sein duquella marchandise existe.

    Entradas no ndice

    Mots-cls :capitalisme, espace gographique, rseau, marchandise, Wal-MartKeywords :capitalism, geographic space, network, commodity, Wal-MartPalavras chaves :capitalismo, espao geogrfico, rede, mercadoria, Wal-Mart