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Metodologia de Pesquisa PROF. DR. Camilo Rodrigues Neto Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) - USP

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Metodologia de Pesquisa

PROF. DR. Camilo Rodrigues NetoEscola de Artes, Ciências e Humanidades

(EACH) - USP

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BIBLIOGRAFIA- APPOLINÁRIO, Fábio, Metodologia da Ciência, Filosofia e Prática da Pesquisa.

São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2006, 209 p.- BOOTH, Wayne C., COLOMB, Gregory G. e WILLIAMS, Joseph M., The Craft of

Research. Chicago: University Of Chicago 3 edition, 2008, 336 p.- BOOTH, Wayne C., COLOMB, Gregory G. e WILLIAMS, Joseph M., A arte da

pesquisa. São Paulo: Martins Fontes, 2005, 352 p.- DE WAAL, Frans, Our Inner Ape: a Leading Primatologist Explains Why We

Are Who We Are. New York: Riverhead Books, 2006, 304 p.- LEBRUN, Jean-Luc, SCIENTIFIC WRITING: a reader and writer´s guide.

Singapore: World Scientific, 2007, 223p.- GILOVICH, Thomas. How We Know What Isn't So: The Fallibility of Human

Reason in Everyday Life. New York: Free Press, 1993, 216 p.- GOULD, Stephen Jay. Acerca de heróis e tolos na ciência. In: Darwin e os

grandes enigmas da vida. São Paulo: Martins Fontes, 1987, p. 199-204.- NAVEGA, Sérgio. Pensamento Crítico e Argumentação Sólida. São Paulo:

Publicações Intelliwise, 2005, 312 p.- SAGAN, Carl, O Mundo Assombrado pelos Demônios. São Paulo: Companhia

das letras, 2006, 512 p.- SCHICK Jr, Theodore e VAUGHN, Lewis. How to think about Weird Things.

4.ed.. New York: Mc Graw Hill, 2005, 338 p.

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Aula 4. Determinantes motivacionais e sociais de crenças

duvidosas

Ao final dessa aula, você deve ser capaz de identificar o efeito da fonte sobre a qualidade da informação e avaliar o

papel do ambiente social na formação e manutenção das crenças duvidosas.

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Aula 1 - Os limites da experiência pessoal:• Ilusões, sentidos e os limites da percepção:

– constância da grandeza em relação ao tamanho dos objetos;– constância da forma em relação ao formato de objetos

conhecidos;– constância da cor, que depende da qualidade e quantidade de luz

recebida;– princípio da adjacência: objetos distantes são considerados

próximos.• Alucinações:

– expectativas e auto-engano;– imprecisão da memória, que é constantemente reconstruída.

Aula 2 - Determinantes cognitivos das crenças duvidosas:• Algo a partir de nada - percepção e interpretação equivocadas de

dados aleatórios:– ilusão de agrupamento;– julgamento de representatividade;– regressão estatística.

Sumário das aulas 1, 2 e 3

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Aula 3 - Determinantes cognitivos das crenças duvidosas:

• Muito a partir de pouco: interpretação equivocada de dados incompletos e não representativos;

• Vendo o que se espera ver: avaliação tendenciosa (enviesada) de dados ambíguos e inconsistentes.

Sumário das aulas 1, 2 e 3

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Aula 4 - Determinantes motivacionais e sociais das crenças duvidosas:

• Vendo o que queremos ver: determinantes motivacionais;• Acreditando no que nos é dito: a influência das fontes de

informação;• A anuência dos outros: o efeito do meio social nas crenças

duvidosas.

Veremos nessa aula

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Quais os determinantes das Crenças duvidosas?

• Determinantes cognitivos (ação de adquirir um conhecimento)– Algo a partir de nada: percepção e interpretação equivocadas de

dados (informação) aleatórios– Muito a partir de pouco: interpretação equivocada de dados

incompletos e não representativos– Vendo o que se espera ver: avaliação tendenciosa (enviesada) de

dados ambíguos e inconsistentes

• Determinantes motivacionais e sociais– Vendo o que se quer ver: determinantes motivacionais das

crenças– Acreditando no que é dito: efeitos tendenciosos da informação de

segunda mão– O apoio imaginário dos outros: impressões exagerados de apoio

social

• O que fazer então? – Desafiando crenças duvidosas: o papel da ciência

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Evidências

São citados como prova ou em apoio das crenças de alguém:• Eu vi acontecer!• Eu conheço alguém que viu!• Pode-se ver o tempo todo!

• Eu sei que os búzios podem predizer o futuro, porque eu vi acontecer!

• Estou convencido que pode-se curar do câncer através da força do pensamento positivo, porque eu conheço alguém que se curou após praticar “projeção mental”.

• Evidências do tipo mencionado são certamente necessáriaspara as crenças serem verdadeiras, e elas devem ser visíveis para todos.

• Mas esse tipo de evidências dificilmente são suficientes.

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Adoção de crianças e a sucessiva concepção

Muitas das crenças de que falamos são a respeito da relação entre duas variáveis. As evidencias relevantes podem ser representadas da seguinte maneira:

Para testar se adoção leva à adoção, deve-se comparar:• a probabilidade de concepção após adoção A/(A+B);• com a probabilidade de concepção se não adotou

C/(C+D).

Existe uma tendência em confiar nas instâncias A e D.

DCnão adotar

BAadotar

não conceberconceber

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Influência das instâncias confirmatórias

Perguntados sobre se:• Treinar na véspera da partida está relacionado

com a vitória?– Enfatizaram o número de vezes em que se treinou e

ganhou!

• Treinar na véspera da partida está relacionado com a derrota?– Enfatizaram o número de vezes em que se treinou e

perdeu!

• Se existe um número razoável de casos positivos (instâncias confirmatórias), o fenômeno “precisa existir”?

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Erro de disponibilidade: iludido pela visibilidade.

• Ao chegar nos EUA para trabalhar no projeto nuclear, Enrico Fermi foi apresentado a um grande general americano.– O que é um grande general?– Um que venceu 5 batalhas consecutivas.– E quantos grandes generais tem os EUA?– Uns poucos por cento.

• Mas as chances de 5 vitórias consecutivas ao acaso são +/- 3 %

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Tendência a procurar evidencias confirmatórias

• Para muitos dos fenômenos de interesse do mundo real, é freqüentemente possível encontrar instâncias confirmatórias em número suficiente para estabelecer a relação entre duas variáveis:

– É mais provável precisar de algo após jogarmos ela fora;– Nascem mais crianças em noite de Lua cheia;– Após um sucesso, outro é mais provável.

• A pessoas tendem a procurar por evidencias que confirmem a hipótese do que por evidencias que neguem a hipótese.

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O problema de dados inacessíveis ou ausentes

• Como vimos, não utilizamos adequadamente toda a informação disponível quando testamos nossas hipóteses (lembre-se dos quadrantes A, B, C e D).

• Mas em muitos casos, a informação relevante simplesmente não está disponível. Considere o caso seguinte:

– Critério de seleção xCritério de saída– Admissão numa escolaou empresa– Apenas os “bons” estãodisponíveis para estudo– Os formados são vistoscomo “bons” e lhes é dadomais oportunidades

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O problema de dados inacessíveis ou ausentes

• Nesses e outros casos, é algumas vezes difícil contornar a limitada exposição aos dados relevantes, uma vez que mesmo conscientes das limitações, a alternativa simplesmente não existe.

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A maior diferença entre o mundo da ciência e o do dia-a-dia em relação às crenças errôneas reside no conjunto de técnicas e procedimentos que a primeira utiliza para proteger-se das fontes de vieses e erros de que temos falado, um conjunto de ferramentas que as pessoas comuns não estão preparadas para utilizar:

• ferramentas estatísticas contra a ilusão de agrupamento em seqüencias randômicas;

• grupos de controle e amostragem aleatória que permitem inferências a partir de dados incompletos e não representativos;

• observadores “cegos” para eliminar avaliação enviesada.

A cautela mais importante talvez seja a preocupação em especificar precisa e objetivamente o significado dos vários resultados possíveis de um experimento (de preferência, antecipadamente).

Especificar quais observações (medidas) e o que significa intervalo das medidas.

Ciência x Senso Comum

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• Liste alguns dos seus objetivos de pesquisa?

• Quais as hipóteses que você gostaria de testar?

• Quais são os possíveis resultados de sua pesquisa?

• Quais seriam os critérios para sucesso e fracasso?

• Como planejaria uma pesquisa para corroborar ou refutar suas teorias?

Vocês iniciaram a pesquisa?

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Vendo o que desejamos ver

• O jogo das personalidades– Quem gostaria de ser Marylin Monroo? Ou James Dean?– Aceitaria se não pudesse reconhecer sua mãe? Seu marido,

filhos e amigos?

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Resistência a negociar

Em geral, é difícil achar candidatos a realmente efetivar a troca, mesmo que a troca envolva obviamente (aos olhos de um terceiro) mais saúde, fama e grandes feitos. Essa é mais uma manifestação de um fenômeno conhecido em economia como “relutância a negociar”:

• Ex: colecionadores relutam em trocar suas peças, ainda que seja boa a troca (se vista por um terceiro) e o resultado é que os dois ficam insatisfeitos.

Essa tendência em superestimar nossas próprias habilidades e feitos leva-nos a acreditar nas mais “incríveis” capacidades de nós mesmos, simplesmente porque gostaríamos que fosse verdade:

• segundo pessoas que os amam de verdade, quais são suas melhores capacidades?

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O desejo de acreditar

Num experimento, foi fornecido um texto com informações dos efeitos da pena de morte sobre a taxa de crimes hediondos a dois grupos que haviam se declarara previamente contra e a favor da pena de morte.

Ambos os grupos concordaram que o texto era-lhes favorável!

Após debates de candidatos a presidência, a avaliação dos correligionários é em geral favorável a seu candidato.

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Acima da média - Lake Wobegon effect

Recebe esse nome devido à novela que se passa em uma cidade fictícia Lake Wobegon onde, de acordo com o apresentador, “todas as mulheres são fortes, todos os homens são bonitos e todas as crianças estão acima da média“.

Uma pesquisa entre um milhão de colegiais apontou que 70 % consideravam-se acima da média em liderança e somente 2 % consideravam-se abaixo da média. Em termos da habilidade de socialização, 60 % afirmaram estar entre os 10 % melhores e 25 % entre os 1 % melhores.

Entre professores universitários, 94 % afirma serem melhores em seus trabalhos do que seus colegas.

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Acima da média

É comum acreditar que podemos:• fazer melhor que nossos colegas;• ganhar mais dinheiro, se realmente quiséssemos;• ter mais sucesso com as mulheres, se não fossemos honestos;• menos propensos a problemas de relacionamento e de saúde.Atletas, estudantes, profissionais ... tendem a explicar o próprio

desempenho como efeito de esforço próprio e o fracasso como responsabilidade de outros.

Se a tendência a acreditar que somos os melhores e que o mundo nos favorece é claramente universal e bem documentada. Já a interpretação da razão porque isso acontece gera grande controvérsia:

• por razões motivacionais (por necessidade e motivos), e.g., para melhorar nossa auto-estima ou conquistar promoções;

• por razões cognitivas (nesse caso uma pessoa puramente racional, isenta de necessidades e motivos, também teria o mesmo comportamento).

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Quais as evidências necessárias?

Em um experimento, dos grupos de estudantes foram levados a pensar que extroversão, ou introspecção, estava associado à performance escolar.

O primeiro grupo declarou-se mais extrovertidos e relataram vários eventos de suas vidas que demonstravam essa característica de personalidade.

O segundo grupo declarou-se mais introvertido e foi capaz de apresentar evidências disso.

Quais as evidências necessárias? • Tipo de evidências: esse tipo de hipótese assimétrica facilita

que se encontrem evidências para o quer que seja que se deseje comprovar.

• Quantidade de evidências: além disso, quando as evidências iniciais apóiam nossas preferências, em geral a procura éencerrada.

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O desejo de acreditar

Apesar das evidências e a realidade moldarem nossas crenças, elas não determinam completamente.

Para quase todos os assuntos complexos, as evidências são repletas de ambigüidades e abertas a interpretações alternativas.

Uma das maneiras pelas quais nossos desejos ou preferências resolvem essas ambigüidades em nosso favor ésimplesmente parando de pesquisar quando a conclusão é a que queremos.

O melhor cachorro do quarteirão: quando se trata de determinar qualidades subjetivas de suas próprias habilidades, as pessoas utilizam critérios diferentes, o que certamente diminui suas chances de uma boa avaliação.

Então, não se trata de simplesmente “ver o mundo como gostaríamos” (o que seria claramente patológico), mas de interpretar e justificar nossas crenças com a quantidade e tipos certos de evidências.

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Acreditando no que nos é contado

Como a necessidade ou o desejo de contar uma boa história podem distorcer a precisão da informação que recebemos de segunda mão?

Dado que a maior parte do que conhecemos hoje não provem de experiência direta, mas do relato de terceiros. Então, como evitar as armadilhas desse tipo de conhecimento?

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Contando uma boa história

Quais as necessidade de quem conta e de quem ouve uma história?

Quais os objetivos que eles têm nessa interação?

Muitos das necessidades e objetivos dos agentes são recíprocos. Entre eles, o ato da comunicação deve ser “justificado”:– quem conta deseja que quem ouve preste

atenção;– quem ouve deseja que a história valha o tempo

envolvido na comunicação.

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Para que contador e ouvinte estejam satisfeitos quanto à conversação, os seguintes quesitos são necessários:

• a mensagem precisa ser compreensível (não se deve assumir muito conhecimento por parte do ouvinte) e

• a mensagem não deve estar sobrecarregada de detalhes desnecessários (não se deve assumir muito pouco conhecimento por parte do ouvinte).

Mesmo esses dois simples quesitos podem distorcer a mensagem: relatos de segunda mão são em geral “mais simples” e “limpos” do que a história original (têm menos inconsistências e detalhes ambíguos):

• a brincadeira do telefone sem fio;• relatos (de alguém que você confia) sobre pessoas particularmente

carismáticas e interessantes ou desagradáveis e de mau caráter em geral não conferem com a pessoa quando finalmente conhecida;

• Existe uma confusão entre ações e atores, comum em personagens históricos (político x homem, cientista x pai, Flora x Patrícia Pillar, Donatela x Cláudia Raia).

Contando uma boa história

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Distorções na comunicação

Vimos que uma comunicação para valer a pena deve satisfazer os quesitos de clareza e profundidade (nem muitos, nem poucos detalhes).

A comunicação deve também satisfazer alguns outros quesitos: • a história deve ser (ou parecer) próxima

– e.g., ter acontecido com nosso tio ou conosco mesmo, mesmo que esse não seja o caso;

– ter curado nossa tia-avó, em vez de ser o remédio de civilizações extintas;

• a história deve parecer informativa – mas para isso pode exagerar nos efeitos das drogas sobre os

usuários, intencionalmente ou não;– ”Vendo o peixe pelo que me cobraram”; “Baseado em fatos reais”

• a história de servir ao entretenimento – algumas vezes chamada de licença literária, como a história do

corintiano que fez um churrasco para festejar o campeonato, mas não contou para ninguém;

– como as manchetes de certos periódicos: “Localizada cabeça de extraterrestres encolhida por canibais” ou “Eu fui amante do Pé-grande” .

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A pressão por produzir conteúdo para TV, Radio e Internet pode gerar alguns excessos:

• histórias de detetives psíquicos, OVNI’s (o Projeto Livro Azul), o sudário de Turim, Pé-grande, Chupa-cabra ... em geral baseados em fontes duvidosas;

• distorções a serviço de interesses particulares;• distorções a serviço da plausibilidade (em minha

cidade natal, um pinguço e maluco, andarilho da cidade a décadas foi lançado como candidato a vereador e uma biografia respeitável foi inventada a seu respeito; fontes são maquiadas).

Distorções na comunicação

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• Até aqui vimos que muitas das maneiras usuais para a avaliação de evidências estão sujeitas a erro e portanto podem invalidar lições do dia a dia.

• A experiência pessoal não é um guia infalível da realidade (ou verdade, ou dos fatos) e portanto deve-se confiar mais em evidências concretas e fatos objetivos, comparando a experiência pessoal com informação confiável.

• Mas poucos de nós são capazes de obter as informações relevantes diretamente de jornais científicos e os relatos para leigos são terrivelmente distorcidos. Algumas dicas:– Considere credibilidade da fonte;– Confie mais em fatos e menos e projeções;– Esteja atento ao balanço entre precisão e detalhamento na

comunicação e suas distorções;– Desconfie de testemunhos.

Um paradoxo

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• Uma regra geral (heurística) é comparar a experiência pessoal com informação confiável: se as duas concordarem estaremos em terreno “mais” seguro, caso contrário, nosso raciocínio pode estar comprometido e é mais razoável assumir que não se pode ter certeza sobre a questão: algumas vezes não é tanto o que não sabemos que nos põe em problemas, mas o que nós pensamos que sabemos.

• Atento à dificuldade que é fazer nossas crenças compatíveis com as evidências, Bertrand Russell propôs a adoção do seguinte princípio: “É indesejável acreditar numa proposição quando não há motivos para se supor que seja verdadeira.”

• Isso diminuiria os rendimentos daqueles que vivem da esperança irracional dos infelizes e abandonados e em muito aliviaria o sofrimento no mundo.

• Para alcançar tal propósito, ele propunha:– “(1) que quando os especialistas concordam, a opinião contrária não

pode ser tida como certa; (2) que quando eles não concordam, nenhuma opinião deve ser tomada como certa pelo não especialista; e (3) que quando todos sustentam que não há razão suficiente para uma opinião certa, o homem comum faria bem em não formar uma opinião.”

Um paradoxo

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O apoio imaginário dos outros

O que acreditamos é fortemente influenciado pelo que outros pensam:

• nosso estilo de vida;• ir a uma peça teatral, cinema ou show;• o quanto estamos dispostos a gastar com o

amigo secreto.Em termos sociais, quanto mais pessoas

acreditarem em algo, mais provável é ela ser verdadeira; mais somos previdentes se fizermos o mesmo (em Roma, faça como os romanos).

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Dois problemas surgem:• nem sempre a multidão tem razão;• mesmo que tenha, nem sempre é possível

identificar corretamente a opinião dela.

Essa dificuldade em estimar corretamente o que outras pessoas pensam é uma fonte potencial de problemas:

• quando ocorre o efeito do falso consenso;• quando tem-se uma resposta inadequada

(ou insuficiente) dos outros.

O apoio imaginário dos outros

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Efeito do falso consenso

Existe uma tendência (bem documentada) das pessoas em atribuir a outros características que eles sabem que possuem.

Por exemplo, pessoas que gostam de música alta, carros rápidos e baladas; ou colecionadores de moedas, selos e bonecas; tendem projetar suas preferências nos outros.

Este é o efeito do falso consenso, i.e., as pessoas tendem a pensar que outros concordariam nas suas opções e preferências nesses campos. Suas causas seriam:

• o desejo de que nossas crenças coincidam com o da maioria;

• pelo fato de em geral nos cercarmos de pessoas com preferências similares;

• a percepção de que nossas crenças são determinadas por causas externas e não por preferências pessoais.

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Resposta inadequada dos outros

Algumas das coisas que pensamos sobre outros são rapidamente postas à prova no relacionamento interpessoal: “Com quem você pensa que está falando?” ou “Não sou desse tipo!”

Mas em certas circunstâncias, as pessoas são relutantes em discordar: “Como seus filhos são bonitos!” ou “Este vestido lhe caiu tão bem!”

Muitas vezes, dizer o que os outros desejam ouvir é mais produtivo do que dizer o que se pensa. Outras vezes, pode levar a desastres (exemplo dos caso da Baia dos Porcos, em Cuba).

Nossa inabilidade em lidar com as diferenças e com situações de conflito aberto também é citado como fonte para fofoca. Ela serviria como um instrumento para aproximar-se da verdade indiretamente.

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Próximas aulas:

• Lógica (dedutiva e indutiva) e Falácias;• Ciência e Pseudociência.

Veremos nas próximas aulas