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    ISSN 2177-2312

    Publicação trimestral dos alunos de pós-graduação de programasvinculados ao Observatório das Metrópoles.

    revista eletrônica e-metropolis

    Observatório das MetrópolesPrédio da Reitoria, sala 522Cidade Universitária – Ilha do Fundão21941-590 Rio de Janeiro RJ

    Tel: (21) 2598-1932Fax: (21) 2598-1950

    E-mail:

    [email protected]

    Website:www.emetropolis.net

    A revista eletrônica e-metropolis é uma publicação trimestral que temcomo objetivo principal suscitar o debate e incentivar a divulgação detrabalhos, ensaios, resenhas, resultados parciais de pesquisas e propostasteórico-metodológicas relacionados à dinâmica da vida urbana contem-porânea e áreas ans.

    É direcionada a alunos de pós-graduação de forma a priorizar trabalhosque garantam o caráter multidisciplinar e que proporcionem um meiodemocrático e ágil de acesso ao conhecimento, estimulando a discussãosobre os múltiplos aspectos na vida nas grandes cidades.

    A e-metropolis é editada por alunos de pós-graduação de programas vincu-lados ao Observatório das Metrópoles e conta com a colaboração de pesqui-sadores, estudiosos e interessados de diversas áreas que contribuam com adiscussão sobre o espaço urbano de forma cada vez mais vasta e inclusiva.

    A revista é apresentada através de uma página na internet e tambémdisponibilizada em formato “pdf”, visando facilitar a impressão e leitura.Uma outra possibilidade é folhear a revista.

    As edições são estruturadas através de uma composição que abrange umtema principal - tratado por um especialista convidado a abordar um temaespecíco da atualidade -, artigos que podem ser de cunho cientíco ouopinativo e que serão selecionados pelo nosso comitê editorial, entrevistas

    com prossionais que tratem da governança urbana, bem como resenhas depublicações que abordem os diversos aspectos do estudo das metrópoles eque possam representar material de interesse ao nosso público leitor.

    A partir da segunda edição da revista incluímos a seção ensaio fotográco,uma tentativa de captar através de imagens a dinâmica da vida urbana.Nessa mesma direção, a seção especial - incorporada na quarta edição - éuma proposta de diálogo com o que acontece nas grandes cidades feita deforma mais livre e de maneira a explorar o cotidiano nas metrópoles.

    Os editores da revista e-metropolis acreditam que a produção acadêmicadeve circular de forma mais ampla possível e estar ao alcance do maiornúmero de pessoas, transcendendo os muros da universidade.

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    conselho editorialProfª Drª. Ana Lúcia Rodrigues (DCS/UEM)Prof Dr. Aristides Moysés (MDPT/PUC-Goiás)Prof Dr. Carlos de Mattos (IEU/PUC-Chile)Prof Dr. Carlos Vainer (IPPUR/UFRJ)Profª Drª. Claudia Ribeiro Pfeiffer (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Emilio Pradilla Cobos (UAM do México)Profª Drª. Fania Fridman (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Frederico Araujo (IPPUR/UFRJ)Profª Drª. Héléne Rivière d’Arc (IHEAL)

    Prof Dr. Henri Acserald (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Hermes MagalhãesTavares (IPPUR/UFRJ)Profª Drª. Inaiá Maria Moreira Carvalho (UFB)Prof Dr. João Seixas (ICS)Prof Dr. Jorge Natal (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Jose Luis Coraggio (UNGS/Argentina)Profª Drª. Lúcia Maria Machado Bógus (FAU/USP)Profª Drª. Luciana Corrêa do Lago (IPPUR/UFRJ)Profª Drª. Luciana Teixeira Andrade (PUC-Minas)Prof Dr. Luciano Fedozzi (IFCH/UFRGS)Prof Dr. Luiz Antonio Machado (IUPERJ)Prof Dr. Manuel Villaverde Cabral (ICS)

    Prof Dr. Marcelo Baumann Burgos (PUC-Rio/CEDES)Profª Drª. Márcia Leite (PPCIS/UERJ)Profª Drª.Maria Julieta Nunes (IPPUR/UFRJ)Profª Drª. Maria Ligia de Oliveira Barbosa (IFCS/UFRJ)Prof Dr. Mauro Kleiman (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Robert Pechman (IPPUR/UFRJ)Prof Dr. Robert H. Wilson (University of Texas)Profª Drª. Rosa Moura (IPARDES)Ms. Rosetta Mammarella (NERU/FEE)Prof Dr. Sergio de Azevedo (LESCE/UENF)Profª Drª. Simaia do Socorro Sales das Mercês (NAEA/UFPA)Profª Drª Sol Garson (PPED/IE/UFRJ)Profª Drª. Suzana Pasternak (FAU/USP)

    editor-chefeLuiz Cesar de Queiroz Ribeiro

    editoresAna Carolina ChristóvãoCarolina ZuccarelliEliana KusterFernando PinhoJuciano Martins RodriguesPatrícia Ramos NovaesPedro Paulo Machado BastosRenata Brauner FerreiraSamuel Thomas Jaenisch

    assistenteDaphne Besen

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    EditorialPacelli Teodoro faz um relato sobre

    as motivações que o levaram a acom-

     panhar o cotidiano de três ocupações

    urbanas em Minas Gerais e seus res-

     pectivos personagens. Foi assim que

    nasceu a ideia do documentário Isi-doro – quando o discurso dissimula

    o cotidiano (2014), que ilustra as

    contradições e as controvérsias que

    se estabelecem entre as questões eco-

    lógicas, preservacionistas e o direito

    à moradia. Em Ocupações urbanase retratos cotidianos, as imagensdão rosto às moradoras e aos mora-

    dores que protagonizam esse embate

     por mais direitos. Flagrados por um

    momento, esses rostos nos olham en-quanto olhamos para eles. Suas vo-

    zes podem até ecoar dentro de nós.

    São rostos que expressam o suor e a

    dor da luta por direitos, mas, acima

    de tudo, são rostos que transbordam

    esperança.

     Na entrevista  A cidade latino--americana em seu labirinto, o pro-fessor Emilio Pradilla Cobos fala

    sobre uma série de questionamentos

    que permeia as metrópoles da Amé-

    rica Latina na sua fase neoliberal.

    O caráter labiríntico, neste caso, se

    reete nas diferentes temáticas per -

    corridas por Cobos para explicar a

    dinâmica das nossas cidades, com

    especial atenção à (re)concepção dos

    espaços públicos e sua relação com

    o capital imobiliário nanceiro, ele-

    mento preponderante nas políticas

     públicas atuais, especialmente na-

    quelas oriundas de governos vistos

    como progressistas.Voltemos à esperança – eis uma

     palavra valiosa. Com ela, encerramos

    esse editorial. E é também com essa

     palavra, com esse sentimento, que

     procuramos terminar este ano e dar

     boas-vindas a 2016. Aproveitamos

     para agradecer as pessoas que leem e

    divulgam a e-metropolis, as que a se-

    guem em sua página na internet e nas

    redes sociais, as que submetem seus

    trabalhos, enm a todas e a todos quetêm tornado este um lugar de reexão

    e ação.

    Boa leitura! Boas festas!

    social do município, mas sim busca

    retratar a tendência de distribuição do

     bem estar no espaço, demonstrando

    a importância da utilização de indi-

    cadores sociais para o planejamento

    urbano.

    Uma signicativa parcela da lite-

    ratura crítica tem mostrado que, parao capitalismo, as cidades se resumem

    a uma mera mercadoria e que a luta

    de classes se expressa e materializa

    no espaço urbano. A cidade é produ-

    zida coletivamente, mas apropriada

     por uma pequena parcela da popu-

    lação, aumentando cada vez mais a

    desigualdade e criando uma massa

    de sujeitos que tem negado o seu di-

    reito à cidade: o precariado urbano.

    Assim, o artigo de Thiago Canettieri

    e William Azalim do Valle,  Dos ex-cluídos da cidade à revolução urba-na – defnições de um novo sujeito

     político, pretende contribuir para oentendimento do processo de despos-

    sessão a que os trabalhadores urba-

    nos são submetidos e apontar para a

    abertura de possibilidades de mudan-

    ça a partir da própria cidade.

    Em seguida, o ensaio fotográ-

    co Cidade do avesso, de Maria João

    Gomes, Madalena Corte-Real e Ma-rianna Monte, apresenta registros de

    uma estética quase invisível em Lis-

     boa. Suas fotograas surpreendem

     por descortinar espaços escondidos,

    inesperados, discretos e íntimos, em

    uma poética que se aproveita de li-

    nhas retas e curvas presentes nesses

    instantâneos do lado de dentro e do

    ordinário da vida, estabelendo uma

    relação silenciosa, implícita e ten-

    sa com a espetacularização urbana,mesclando aparentes oposições entre

    urbano/rural e presente/passado.

     Na seção especial, o professor

    nº 23 ▪ ano 6 | dezembro de 2015

           ▪

    Iniciamos a e-metropolis 23 com

    uma reexão sobre os meios,

    vetores e veículos de ação para

    o planejamento territorial no Bra-

    sil – esse “enorme espaço-mosaico

    em movimento”, “simultaneamente

    dinâmico, heterogêneo e desigual”,

    como o descreve o professor CarlosBrandão. O artigo Transformar a

     provisão de bens e serviços públicose coletivos nos espaços urbanos eregionais do Brasil traz uma estimu-lante discussão sobre as escalas espa-

    ciais de análise e ação a serem cons-

    truídas no país e a necessidade de

     políticas consistentes de provisão de

     bens e serviços em seus espaços ur-

     banos e regionais, sobretudo aqueles

    mais carentes e com maior destitui-

    ção de direitos e serviços coletivos.

    Mais adiante, trazemos um texto

    que considera a importância dos estu-

    dos multidisciplinares sobre a violên-

    cia para o desenvolvimento de políti-

    cas públicas. No artigo Geografa do

    crime: estudo do Índice de ViolênciaCriminalizada - IVC e da tipologiasociespacial , o professor Pablo Lirafaz uma análise da distribuição espa-

    cial da violência urbana no municí-

     pio de Vitória, buscando estabeleceruma correlação entre as estatísticas

    criminais e a organização social do

    território.

    Em  Índice de bem-estar urbanono município do Rio Grande, RS , ageógrafa Bianca Reis Ramos avalia a

    qualidade de vida e infraestrutura ur-

     bana no município do Rio Grande, a

     partir das dimensões de mobilidade,

    condições ambientais, condições ha-

     bitacionais, atendimento de serviçoscoletivos e infraestruturas. A análi-

    se feita não pretende representar de

    forma estática a complexa dinâmica

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    editorial

    Capa

    06 Transformar a provisãode bens e serviços públicose coletivos nos espaços

    urbanos e regionaisdo BrasilTransforming the provision

    of goods and collective and

     public services in urban and

    regional spaces in Brazil

    Por Carlos Brandão

    Artigos

    15 Geografa do crime: estudodo Índice de ViolênciaCriminalizada - IVC e datipologia sociespacialGeography of crime: study of

    Criminalizing Violence Index

    and of socio-spatial tipology 

    Por Pablo Lira

    24 Índice de Bem-Estar

    Urbano no Municípiodo Rio Grande, RSUrban Welfare Index

    in Rio Grande City, RS

    Por Bianca Reis

    Especial

    49 Ocupações urbanase retratos cotidianosUrban occupations

    and daily pictures

    Por Pacelli HenriqueMartins Teodoro

    Entrevista

    54 A cidade latino-americanaem seu labirintoThe Latin-American city

    in its maze

    Por Emilio Pradilla Cobos

    Índicenº 23 ▪ ano 6 | dezembro de 2015

    Projeto gráficoe editoração eletrônica

    Paula Sobrino

     [email protected]

    Revisão

     Aline Castilho

    [email protected]

     A Ilustração de capa foi feita porBernardo Magina , mestrando em Artesna UERJ, artista plástico, curador, professore empreededor. Foi assistente de atelier eparceiro de sala de aula de Orlando Mollica,além de monitor de José Maria Dias da Cruznos cursos de teoria da cor também naEAV-Parque Lage.

    [email protected]

     www.cargocollective.com/bernardomagina

     cha técnica

    35 Dos excluídos da cidadeà revolução urbana:defnições de um

    novo sujeito políticoFrom city exclusion to urban

    revolution: denitions of

    a new political individual

    Por Thiago Canettieri eWilliam Azalim do Valle

    Ensaio44 Cidade do avesso

    The inside-out city 

    Por Maria João Gomes,Madalena Corte-Real eMarianna Monte

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    capa

      Carlos Brandão

    Transformar a provisão de bense serviços públicos e coletivos nosespaços urbanos e regionais do Brasil

    ResumoO Brasil, um país de modernização conservadora em ritmo acelerado, dotado de elites

    conservadoras e retrógradas, malgrado dispor de uma das bases materiais mais potentes

    do planeta, não proveu direitos, serviços e bens públicos e coletivos à maior parte de

    suas massas populacionais. A destituição dos direitos e o baixo acesso, em quantidade e

    qualidade, a meios de consumo coletivo, foi a marca principal de sua trajetória histórica.

    Partindo de uma concepção da produção social das variadas escalas espaciais, o artigo

    busca privilegiar três planos escalares, meios e veículos para o planejamento no Brasil.

    Destaca as escalas espaciais, de análise e de ação, ausentes no país e a necessidade de

    implementar políticas consistentes de provisão de bens e serviços em seus espaços urba-

    nos e regionais.Palavras-chave: Brasil; Serviços urbanos; Escalas espaciais; Lugar; Ações públicas.

     

    AbstractThe Brazil, a country of conservative modernization at a accelerated pace, endowed with

    reactionary elites, despite having one of the most potent material bases of the planet,

    did not provide rights, public and collective services and goods to most of its population

    masses. The removal of rights and low access, in quantity and quality, the means of col-

    lective consumption, was the leading brand of its historical trajectory. From a conception

    of social production of spatial scales, the article seeks to favor three scalar plans, equip-

    ment and vehicles for planning in Brazil. It highlights the spatial scales and action absent

    in the country and the need for consistent policies of provision of goods and services inits urban and regional areas.

    Keywords: Brazil; Urban services; Space scale; Place; Public actions.

    Carlos Brandãoé professor do Instituto de Pesquisa

    e Planejamento Urbano e Regional da

    Universidade Federal do Rio de Janeiro

    (UFRJ), professor titular em Economia

    Urbana pela UNICAMP e coordenador dosite www.interpretesdobrasil.org .

    [email protected]

    http://www.interpretesdobrasil.org/http://www.interpretesdobrasil.org/

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    7nº 23 ▪ ano 6 | dezembro de 2015 ▪ e-metropolis

    No século XXI, a anomia social e o Estado deexcepcionalidades permanentes ganharam terreno.Mais recentemente, grassa a hegemonia da peque-na política, em que as questões parciais e as alian-ças parlamentares e eleitoreiras, a política menor eas manipulações midiáticas ameaçam as conquistassociais, por exemplo, da Constituição de 1988. Alémdo esgotamento do padrão de acumulação e de seuregime de regulação, ocorreram mudanças profundas

    no “padrão de sociabilidade”.Em países enormes e heterogêneos como o Bra-

    sil, é crucial promover o suporte infraestrutural daprovisão de bens e serviços públicos essenciais e deuso coletivo para a consolidação de uma sociedadede direitos de massas, que busque ofertar, de formaadequada e territorialmente, o acesso aos direitossociais (acesso à saúde, educação, seguridade social,transporte urbano de alta densidade, moradia, sane-amento, aprendizado etc.).

    Iniciando por algumas rápidas lembranças teóri-

    cas sobre espaço e escalas, este ensaio parte de umaconcepção da produção social das escalas espaciais,buscando privilegiar três planos escalares e discutiros três meios e veículos mais adequados para o plane-

     jamento espacializado e inclusivo do Brasil. Destacaas escalas espaciais, de análise e de ação, ausentes, aserem construídas no país e a necessidade de políticasconsistentes de provisão de bens e serviços em seusespaços urbanos e regionais, sobretudo os mais ca-rentes e com maior destituição de direitos e serviçoscoletivos.

    ESPAÇO E SUAS ESCALAS:PLANOS ESCALARES,MEIOS E VEÍCULOS PARA OPLANEJAMENTO

     As interpretações conservadoras veem o espaço comoreceptáculo e abrigo de locação de atores-objetoe suas decisões individuais. O espaço é visto comouma plataforma homogênea harmoniosa e passiva,em um plano geométrico dado. Assentadas em mo-

    delos teóricos nitidamente a-históricos e a-escalares,estas interpretações concebem o espaço como entesem moldura ou contexto e sem ambiente constru-

    capa

    INTRODUÇÃO

    O Brasil apresentou uma trajetória histórica sui ge-neris  no ocidente, ao avançar suas bases materiais eapresentar processos potentes, acelerados e simultâ-neos com as seguintes características: modernizaçãoconservadora; industrialização truncada e incomple-ta (sem núcleo inovador e sem regime de financia-mento de longo prazo) e urbanização desigual, semurbanidade e com travamento e interdição do acessoaos direitos para a maioria de sua população (umaparte com as características de massa inorgânica, nosentido de Caio Prado Jr., não absorvida adequada-mente pelos mercados formais do núcleo modernocapitalista). Forças sociais heterogêneas esculpiramno território nacional uma das dez maiores e maiscomplexas economias e sociedades nacional-urbano-

    -industriais do planeta e uma das sociedades maisdesiguais, excludentes e predatórias. Uma nação comconstrução travada, tendo no núcleo de seu poderuma das elites mais conservadoras e retrógradas jáexistentes na história mundial e uma imensa massapopulacional destituída de direitos, cidadania plenae acesso adequado a bens e serviços coletivos.

    Este enorme espaço-mosaico em movimento,chamado Brasil, é simultaneamente dinâmico, hete-rogêneo e desigual. Por um lado, apresenta mecanis-mos de potente dinamismo econômico, resultantes

    do seu engate de subordinação externa e dos efeitosde multiplicação e aceleração da renda e da riqueza,proporcionados, sobretudo, pela sua dimensão con-tinental e pela grande massa demográfica e por suasofisticada rede urbana, paradoxalmente concentradae dispersa. De outro, apresenta as cicatrizes dos trava-mentos das reformas sociais e da interdição do acessoaos direitos para grande parcela da sociedade, margi-nalizada dos frutos do progresso material e excluídasdos centros de decisão.

    Sob pacto de dominação conservadora, sua es-trutura sociopolítica soldou um contrato socialprodutor de diversas expressões de desigualdades,montando uma das maiores máquinas de reprodu-ção de assimetrias do planeta, que desativam direitos,enquanto reativam a potência espoliativa e de fugapara a frente do poder privado e a preservação dosdireitos de propriedade, com precária constituição desujeitos sociopolíticos portadores de decisões trans-formadoras. Consolida-se assim um espaço nacionalem que todos “vivem atormentados pelo ‘susto’ damodernidade. Padecem da perplexidade diante dosestilos de vida e das formas de convivência impostas

    pela emergência do mercado e do dinheiro como for-mas predominantes de sociabilidade no capitalismo”(Belluzzo, 2005, p.35).

    O Brasil é um país que se apresenta hoje, em grande medida,moderno, industrializado e urbanizado. Em casos clássicos de desen-volvimento econômico, quando essas três condições foram atingidas,

    isto é, a modernização, a industrialização e a urbanização, tambémse havia alcançado a prosperidade material e o bem-estar social.

    — João Antônio de Paula (2015).

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    c a p a

    contestável, processual e contingente, passando a serinterpretada como lócus e veículo in situ, através dosquais as relações socioespaciais se estruturam e ope-ram.

    Deste modo, a escala espacial, socialmente pro-duzida, passou a ser vista como um recorte para aapreensão das determinações e condicionantes dosfenômenos sociais referidos no território. A escala deobservação pode trazer a mais pertinente elucidaçãodesses fenômenos (Castro, 1995).

    Como “categoria da prática”, a construção escalaré um processo eminentemente político, estabelecen-do a diferenciação de determinado ângulo-prisma oucampo de luta social pelo controle de determinadoespaço. Como modo particular de acumular, orga-nizar e dispor de seus recursos políticos (incluindoa utilização de recursos simbólicos e discursivos), a

    “política de escala” se manifesta na constituição dearenas e instâncias, em que se buscam estabeleceralianças, confrontos etc., possibilitando acionar ins-trumentos, dispositivos e recursos diversos, segundoesse ângulo-prisma. Ou seja, escala espacial é tam-bém arena política e lócus do exercício de poder ehegemonia, que permite desvendar e antepor poderesdiversos. Assim, a escala delimita, desenha e recorta,em processo constante de confrontos e por intera-ção/oposição, compromissos sociopolíticos em mo-vimento conflituoso e contingente. É preciso tomar

    escala como representação, em que atores e sujeitospoliticamente constituídos buscam dar determinadosentido simbólico e material às suas ações e decisões.

     A discussão das escalas deve ser incorporada aoprocesso de planejamento. O território, e suas múl-tiplas escalas, pode cumprir o papel de lócus e cata-lisador da articulação, da integração, da elaboraçãoe da implementação da ação pública estruturante epode, ainda, dar maior consistência a estratégias dedesenvolvimento mais duráveis.

    O Brasil precisa romper com sua trajetória histó-rica perversa de ter construído persistentes privilégiospara uma minoria e destituído de direitos lato sensue marginalizado a maior parte da sua população dosbenefícios do progresso técnico e material e do acessoaos serviços sociais públicos básicos, o que travou aconstrução civilizatória de um mínimo de homoge-neização social. O país montou, ao longo de sua his-tória, um padrão perverso de desenvolvimento para odesfrute de 1/5 da sociedade, enquanto interditou osdireitos plenos a esses benefícios por parte dos outros4/5. al situação precisa ser revertida.

    Desde Brandão (2008), propusemos que o plane-

     jamento no Brasil deveria incorporar uma visão dasescalas espaciais que tivesse pelo menos os seguintesníveis e movimentos (para cima e para baixo) nos pla-

    ído por forças sociais e políticas. O que é fruto derelações sociais aparece como relação entre objetos.Há uma coisificação do espaço.

     Ao contrário desta visão, na realidade concreta, oespaço é uma produção social contestada e disputada.É tradução e objetivação da divisão social do trabalhoposta na sociedade. É ligadura e junção de conflu-ências e conflitualidades de projetos em disputa desujeitos sociopolíticos situados. É lócus de embate deprojetos alternativos rivais em confrontação e con-traponto de representações, sentidos e significadossociais e políticos. É unidade privilegiada de repro-dução social, denominador comum, desembocadura,encarnação de processos diversos e manifestação deconflitualidades. Portanto, a área do planejamentourbano e regional é aquela das análises dos conflitosque se estruturam e das lutas que se travam em torno

    do ambiente construído socialmente.Na mesma chave analítica, por ser uma dimensão

    do espaço, as escalas espaciais não podem ser vistastão somente em sua dimensão ordenada cartográfica--analógica-métrica, estática, mecanicista e geometral,tomadas como mera relação de proporcionalidade,dotadas de representação e comensurabilidade demedidas de tamanho e enquanto entidades fixas. Nãopodem ser tomadas enquanto unidades imutáveis oupermanentes.

    Escalas espaciais são inerentemente inexatas

    e dinâmicas, pois são inscritas e esculpidas em de-terminado espaço e erguidas ou erigidas, material esimbolicamente, em processos, por natureza, sociais.Devem ser vistas enquanto instâncias e entidades emque a vida social é organizada e reproduzida dinami-camente.

    Há uma longa tradição nos estudos sobre escalasespaciais nas Ciências Sociais. Está consolidado emgrande parte da literatura crítica uma distinção, umaprimeira aproximação, mais de natureza didática, en-tre: 1) escala, como categoria e unidade de análise,recurso epistemológico e heurístico, prisma e campode observação; 2) escala, enquanto categoria da práti-ca, plano discursivo e narrativa, campo e instrumentode projetos e estratégias de desenvolvimento que seencontram em disputa. O desafio é simultaneamentecientífico e político: procurar definir o que cada esca-la pode revelar cientificamente e com que meios, me-canismos e instrumentos políticos cada escala podecontar para mobilizar, contestar, acionar, regular, co-mandar ou controlar.

    Como “categoria e unidade de análise”, a inves-tigação teórica e empírica da escala, enquanto en-

    carnação concreta de relações sociais, histórica e ge-ograficamente determinadas, passou a tomá-la sobo prisma de sua natureza eminentemente relacional,

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    nos analíticos escalares:1. Do plano escalar sul-americano ao nacional;2. Do plano escalar nacional ao mesorregional;3. Do plano escalar mesorregional ao microrre-

    gional / supralocal / lugar / sítio.

     Assumimos que esta concepção não poderia sermecânica e linear. Além do movimento reverso, quedeveria partir do sítio se dirigindo ao nacional, varia-dos nexos interescalares paralelos deveriam ser esta-belecidos e acionados pelas políticas públicas, atravésde alguns meios e veículos a serem privilegiados nes-ta ação.

    No “Estudo da dimensão territorial para o pla-nejamento” CGEE/MPOG (2008), elaborado porBertha Becker, ania Bacelar, Clélio Campolina,Carlos Brandão e Antônio Galvão, foram propostos

    pelo menos três diferentes meios e veículos do plane- jamento territorial:

     A. Sistema de Infraestrutura, que amplia a aces-sibilidade/mobilidade dos agentes e se desdobra emum conjunto de redes infraestruturais, sendo a prin-cipal referência para o plano escalar do continentesul-americano ao nacional;

    B. Sistema de Cidades, que organiza a estruturae a rede urbana e responde pelo essencial das possi-bilidades de conexão das aglomerações urbanas noplano escalar do nacional ao mesorregional e seus

    macropolos;C. Sistema de Oferta de Bens e Serviços e aProvisão de Infraestruturas de Utilidade Pública,

    referente ao perfil produtivo e base de interação es-pacial, estabelecendo padrões de especialização dosterritórios, que estruturam o plano escalar que vai domesorregional e microrregional e atinge o local e seusupralocal imediato e se cristaliza no lugar, no sítio,no plano da vida cotidiana.

    Muito esquematicamente, em um esforço analíti-co, certamente de simplificação da complexidade doreal-concreto, construímos o seguinte quadro meto-dológico (Quadro 1).

     1 – Quanto ao primeiro plano escalar, foi su-gerida ênfase nas conexões estruturais promovidaspelo suporte infraestrutural, buscando a integraçãofísica nas escalas continental e nacional. As políticaspúblicas deveriam ser orientadas pela coesão físico--territorial nas escalas correspondentes à AméricaLatina e ao Brasil.

     A - O Sistema de Infraestrutura permite o aces-so e é a principal referência que poderia reforçar ainteração espacial, sobretudo através das conexõesdas redes técnicas de transporte e telecomunicações,e lograria a coesão física e socioeconômica do terri-tório nessas escalas. Na periferia do capitalismo, essesuporte infraestrutural tem o permanente desafio deconciliar a universalização dos serviços básicos coma oferta de serviços sofisticados, pautados no resgateda capacidade de planejamento de longo prazo, na

     justiça social e na justiça territorial.

    O princípio heurístico e analítico que permiteconceber ações articuladas de planejamento terri-torial é o da interregionalidade, que expressa a co-

    Escalas Espaciaise

    Planos Escalares

    Meios, Vetores eVeículos da Ação

    Princípiosheurísticose analíticos

    ConceitosPrivilegiados

    Ancoragem eArticulação/Diálogo ParaBaixo e Para Cima dos

    Níveis de GovernoConstrução de

    Interinstitucionalidades

    Naturezada Coesão

    Do Continental aoNacional

    Sistema deInfraestrutura

    Interregionalidade Integração União Coesão Físico-produtiva

    Do Nacional aoMesorregional

    Sistema deCidades / Rede

    Urbana

    Interurbanidade

    Relaçõesinterfederativas

    Polarização Estados Coesão Econômica

    Do Mesorregional

    ao Microrregional,supralocal, lugar, sítio

    Provisão Bens/Serviços Públicos

    e ColetivosEssenciais

    Inter-ramicaçõessetoriais e

    Intersetorialidade(das políticas

    públicas)materializadas

    no lugar

    HomogeneizaçãoSocial

    (Habilitação econstrução da

    Cidadania)

    Contra-hegemonia

    de base

    Municípios Coesão Social

    Quadro 1

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    erência no território dos processos socioeconômicosde integração físico-produtiva e promoveria o fluircoerente dos circuitos, fluxos e espaços de circulaçãoe reprodução da atividade econômica, configurandocerta armadura territorial que organiza estratégica eestruturalmente o espaço social, espaços de circulaçãoe reprodução da atividade econômica e de suas estru-turas decisórias. rata-se de centrar a abordagem naarticulação, coesão e integridade dos processos que sedão em determinado espaço, explicitando seus me-canismos de coordenação e regulação, engendrandouma coerência estruturada. É preciso reconhecer noterritório os mecanismos de coordenação, os modosde integração econômica através dos quais os várioselementos na produção são reunidos, e as diversasatividades socialmente organizadas e produzidas dasociedade são unidas em um todo coerente e coeso.

    2 – Quanto ao segundo plano analítico propos-to, aquele que transita do plano escalar nacional aomesorregional e seus polos urbanos principais, o des-taque são as conexões das estruturas e redes urbanas,colocando a ênfase nas polarizações e centralidades.O estudo Regiões de influência das cidades dá umaprimeira aproximação a este plano analítico.

    B – O Sistema de Cidades organiza a estrutura ea rede urbanas brasileiras e engendra as potencialida-des de interconexão de suas principais aglomeraçõesespaciais e assentamentos humanos. Este sistema or-

    ganiza a estrutura e a rede urbanas e engendra as po-tencialidades de interconexão das principais aglome-rações espaciais humanas. De acordo com o IBGE/REGIC (2007), a rede de cidades é a estrutura queorganiza o território e é o substrato que o condiciona,sobre o qual atuam as políticas públicas e os agentessociais e econômicos que compõem a sociedade.

    O princípio heurístico e analítico concebido paraeste plano escalar foi o da interurbanidade, capaz dedemonstrar a posição em uma divisão interurbana eintraurbana do trabalho social, revelar as formas desociabilidade urbana em dado recorte espacial e as po-sições dos diversos espaços urbanos em uma relaçãohierárquica superior e averiguar as estruturas e hierar-quias que conformam as relações e interações entreos diversificados espaços sociourbanos. Nesse plano,coloca-se ênfase nas articulações intersetoriais desdedentro da rede urbana e com as diversas dinâmicasregional, rural e da urbanização em cada território,integrando a matriz de relações intersetoriais com amatriz de relações interurbanas. A interurbanidadedemonstra a posição em uma divisão interurbana eintraurbana do trabalho social, sendo assim, revela as

    formas de sociabilidade urbana em dado recorte es-pacial e as posições dos diversos espaços urbanos emuma relação hierárquica superior.

    É preciso averiguar recorrentemente as estruturasque conformam a interurbanidade, as relações e in-terações entre espaços sociourbanos e sua posição noconcerto de uma divisão interurbana e intraurbanado trabalho social, conformando uma determinadasociabilidade urbana em variados planos e dimen-sões espaciais. Pensar dinamicamente a natureza dasformas urbanas de organização social, a reproduçãosocial da existência da vida material que se projeta noespaço urbano. Projeção que, por sua vez, se processadesde dentro da rede urbana e do sistema de cidadesregionais, desde o espaço interno da cidade até seuhinterland .

     A rede urbana é constitutiva e constituinte, in-tegrante e estruturadora/articuladora do movimentoe da dinâmica da região. É preciso estudar suas per-manências, rupturas, normas e ritmos, seu regime de

    expansão, questionando sua inserção e posição nossistemas e complexos de cidades existentes em váriasescalas espaciais.

    3 – Quanto ao terceiro plano escalar aqui propos-to, aquele que vai da escala microrregional, supralo-cal e atinge o lugar, o sítio, ressaltam-se a estruturaçãode uma adequada oferta de serviços e infraestruturasde utilidade pública, aptas a reforçar os efeitos di-nâmicos e modificar o formato e as modalidades dachegada (com solidez, estabilidade e consistência) daação pública no território, com plasticidade, em sua

    escala espacial menor.C – O Padrão de Oferta de Bens e Serviços tempotencialmente a possibilidade de ser veículo para ahabilitação e a homogeneização sociais. al padrãopode se transformar na principal base para a devi-da adequação do perfil produtivo e para a interaçãoespacial que construam cidadania e coesão social. Aprovisão com qualidade, que instale a habilitação ci-dadã deve ter por base os serviços de utilidade públicaenquanto meios de reprodução, de consumo coleti-vo, ou seja, instrumentos auxiliares na formação am-pliada das forças e capacidades produtivas e inovati-vas humanas, que promovam ações universalizantes ede criação de patamar adequado de homogeneidadesocial, pela via da construção de habilitação e das ino-vações sociais e institucionais.

    O território deve ser o espaço-resultante, o ime-diato sensível, localizado, da implementação daspolíticas públicas eficazes. Serão necessárias aproxi-mações sucessivas e ingresso no sítio para atingir ade-quadamente o lugar ( place ), o sítio, em que a atuaçãopública é mais necessária, sobretudo nas porções ter-ritoriais mais débeis. O lugar é a expressão das singu-

    laridades que precisam ser captadas nas ações públi-cas emancipatórias e é o lócus último da efetivação eda efetividade dessas ações.

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    PROVER UM ADEQUADOPADRÃO DE OFERTA DE BENS ESERVIÇOS PARA ENFRENTAR ADESTITUIÇÃO DE DIREITOS E ASDESIGUALDADES NAS ESCALAS

    MICRORREGIONAL, SUPRALOCALE DO LUGAR 

    Em países tão grandes, desiguais e heterogêneoscomo o Brasil, o desafio de transformar, ao longoda trajetória histórica, o padrão de oferta de bens eserviços e a provisão de infraestruturas de utilidadepública e inovativas é tarefa hercúlea. A ação públicadeve executar estratégias coletivas no sítio-lugar, ins-tilando no espaço-tempo da (con)vivência cotidianauma cultura permanente de transformação pedagó-

    gica-politizante.É necessário promover políticas redistributivas

    (não apenas focalizadas e compensatórias), que te-nham capacidade de engendrar assimetrias virtuosas,de forma difusa e pervasiva, geradoras de combatesfrontais às heterogeneidades estruturais e aos meca-nismos socioeconômicas de destituição, exploraçãoe marginalização. Ações que logrem enfrentar a po-tência e a persistência das estruturas de dominaçãopolítica e de produção das múltiplas expressões dedesigualdades presentes nos territórios.

    Essas ações exigiriam o aprimoramento da capa-cidade de interveniência do Estado em ambientesinstitucionais e econômicos refratários ou poucocapacitados / aptos a absorver e enraizar processosdinâmicos. Além do mais, a ação estatal no espaço seprocessa instável e contraditoriamente e o Estado éatravessado por dinâmicas e interesses contraditórios.Há forças contraditórias em disputa, seja nas conjun-turas de roll back  (momento destrutivo da regulaçãopassada), seja em conjunturas de roll out  (momentode montagem proativo da re-regulação). Barcellos(2015) discute os projetos de “reescalonamento doEstado”, em seus momentos roll back  e roll out . Estedebate é decisivo para as ações espaciais estatais. OEstado, em sua ação espacial, deve provocar e darimpulso a ações concretas que busquem o abando-no de atitudes acomodatícias por parte da populaçãolocal, procurando institucionalizar o envolvimento epromover o diálogo e a concertação contratualizadade interesses, a fim de criar elementos políticos re-dutores de incertezas e neutralizadores de fatores deinstabilidade, oportunismos e ciclos políticos, alémde engendrar novos instrumentos de geração de esco-

    lhas públicas e coletivas para a solução de problemasespecíficos, impulsionando a criatividade social, comaderência, plasticidade e pragmatismo com lugares

    específicos. Deve apoiar segmentos prioritários degrande capilaridade espacial ligados aos complexos desaúde e educação, habitação, saneamento, transporteurbano, recursos hídricos, energias renováveis, agri-cultura e processos produtivos de baixa intensidadede uso de recursos naturais e energia, entre outros,decisivos em países como o Brasil, que requerem re-dobrado esforço de inversão em serviços públicos denatureza social e coletiva, em utilidade pública, istoé, em Capital Básico Social e em atividades indireta-mente produtivas. Fomentar tecnologias sociais queatendam demandas dos setores sociais mais necessi-tados, especialmente em temas como segurança ali-mentar e nutricional, energia, habitação, saúde, sane-amento, meio ambiente, agricultura familiar, geraçãode emprego e renda e inserção de jovens.

     Além disso, é necessário enxertar implantes di-

    versificadores e elos de cadeias e circuito de ofertastransformativas de situações cristalizadas nos espaçosmais destituídos de direitos, realizando inversões pul-verizadas densificadoras e enraizadoras de dinamis-mos, antes ocultos ou latentes e agora aptos a seremrevelados por estratégias de planejamento territorial.

    Certamente, a atuação na escala menor, na extre-midade, no sítio, no evento, no espaço cotidiano, nolugar, “na ponta”, é decisiva para o êxito ou fracassodessas políticas. Nesse sentido, é importante iden-tificar e qualificar os limites e as potencialidades de

    construção de estratégias de desenvolvimento quepossam avançar maiores níveis de integração e coesãosocial, físico-territorial e econômica do país nos pró-ximos anos, valorizando o trunfo de nossa diversida-de e a criatividade e complexidade do nosso processode urbanização.

    Se o capitalismo engendrou capacidades para cir-cular e sustentar a dinamicidade dos fluxos de bense informações na urbanização que sustenta a circu-lação de capital (Brenner, 2015), seria preciso forta-lecer o contraponto da mobilidade socioespacial dosde baixo e lutar por fazer circular em quantidade equalidade os meios coletivos e de cidadania contra--hegemônicos, fazendo com que as pessoas tenham“controle sobre condições que governam suas vidas”.

    Muitas questões complicadas acabam surgindo so-bre a forma de urbanização na qual estamos viven-do atualmente diante do conflito de se defender justiça social, igualdade e democracia, isto é, deque as cidades devem ser construídas e transfor-madas socialmente, num contexto em que elas são,na verdade, construídas e transformadas “de cimapara baixo” através de empresários, gestores oumembros da elite. Neste sentido, pressupõe-se queas pessoas não tenham controle sobre as condiçõesque realmente governam suas vidas cotidianas” (...)“Seria necessário forte engajamento das pessoas

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    na busca coletiva para apossar-se do controle deapropriação das suas condições de vida” (...) “lutarcontra essas forças a fim de ganharem controle so-bre o mundo no qual vivem a partir de processoscoletivos. (Brenner, 2015, p. 61-62).

    O esforço de grande transformação da situaçãosocioespacial brasileira deve ser articulada simulta-neamente em variadas dimensões (tecnológica, pro-dutiva, social etc.), em várias escalas espaciais (nolugar, na micro, meso e macrorregião, e nos espaçosnacional, continental e internacional), coordenandodiferentes níveis de governo (União, estados e muni-cípios) e tendo por base múltiplas institucionalidadese diversificados sujeitos sociopolíticos.

    Deve-se pretender, com tais políticas, a “recom-posição territorial” através da ação planejada; a re-construção de espaços públicos e dos canais institu-

    cionalizados de participação e a criação de variadasarenas que possam aglutinar e dar vazão aos diferen-tes interesses.

    Vem dos ensinamentos do pensamento críticolatino-americano uma interessante visão de que oprocesso de desenvolvimento implica necessaria-mente um conjunto de mudanças materiais, sociais,simbólicas e mentais pelas quais o aparato de produ-ção e reprodução de determinado país é articuladoe acoplado à vida concreta de sua população, de talmodo que o aparelho econômico libere o produto

    que fique a serviço da população, em vez de lhe seralheio. Esta seria a “essência de desenvolvimento”,envolvendo simultaneamente as coesões econômica,espacial-territorial e social, garantindo a equidade dasoportunidades, mas, sobretudo, a universalização dosdireitos. Para sua construção, seria preciso avançarem ações sistêmicas que possam construir a aderênciae a coerência entre o perfil produtivo e ocupacional,a base de interação espacial e a coesão social. Nestesentido, o Brasil necessita construir estratégias e ins-tituições capazes de conectar os canais de interaçãoentre crescimento econômico, integração territorial,construção de cidadania social, ciência, tecnologia einovação e aprimoramento de capacidades humanasemancipadoras. Só assim, poderá romper a históricae persistente marginalização da maior parte da po-pulação brasileira dos benefícios do progresso técni-co e do acesso aos serviços sociais públicos coletivosbásicos para a adequada construção da almejada ho-mogeneização social, ainda mais nessa conjuntura debrutalidades e intolerâncias. A eterna dupla tarefa danação brasileira (combater suas desigualdades e valo-rizar suas diversidades) nunca foi tão atual.

    Foi consagrado desde o texto do PPA 2004/2007a urgência em se transformar profundamente o pa-drão de oferta de bens e serviços e de provisão de

    infraestruturas sociais de utilidade pública. Com oPAC, em seu segmento Infraestrutura Social e Ur-bana (saneamento, habitação, metrôs, trens urbanos,universalização do programa Luz para odos e recur-sos hídricos), promoveram-se importantes inversõespúblicas e privadas, contudo, carentes de diálogo ecoordenação entre elas. Poder-se-ia ter avançado emmaior consistência e articulação das múltiplas inter-faces entre o Sistema Nacional de Fomento (BN-DES, CEF, BB, BNB etc.), o Sistema de Proteção eProvisão de Bem-Estar Social, o Sistema de Apren-dizado / Educação / C,&I e o Sistema Nacionalde Políticas Urbanas, Rurais e Regionais. O certo éque a mudança no Padrão de Oferta de Bens e Ser-viços tem potencialmente a possibilidade de reforçaros efeitos dinâmicos e sinérgicos entre estes sistemas(alguns deles ainda precários em sua estruturação).

    Como simples exemplos, entre muitos outros de ca-ráter sistêmico que poderiam ser lembrados, existia apossibilidade de ter articulado melhor suas políticasde C,&I e industriais em torno de equipamentosde monitoramento de água, de mobilidade urbana demassa, de saúde, de lazer, de cultura; deveria ter-seaplicado maior impulso às ações educativas, artísti-cas, de prevenção de doenças, pedagógicas-politiza-doras, deveriam ter sido melhor articuladas, atravésde postos e pontos de atendimento, eventos, utiliza-ção de espaços físicos como escolas, arenas e estádios

    de futebol, rádios comunitárias, emissoras públicas,clubes etc., em uma ação pública de indução massiva,catalisadora e integrada no terreno da vida cotidiana,a começar pelas áreas mais carentes dos espaços ur-banos e rurais de cada região brasileira. Na verdade,estes exemplos e outros visam a demonstrar que nãodeveria haver contradição, mas antes complementari-dade, entre ações exigentes de tecnologias avançadase de ponta e ações que reclamam antes tecnologiassociais e mobilização, ativismo e agito socioculturais.

    Obviamente, há a consciência dos limites da pro-posta aqui realizada, pois existem vários constrangi-mentos das escala da vida cotidiana, no espaço fami-liar e do lar:

    anto pelas consequências da desorganizaçãofamiliar sobre o sistema de bem-estar das pessoasinvolucradas, como por seus efeitos sobre aestrutura social, um dos problemas principais queabordam as políticas de família é encontrar a formade contribuir-se para a constituição e consolidaçãode unidades que possam cumprir funções desocialização adequadas às exigências das sociedadesatuais. Sem dúvida, as situações mais graves decarência a esse respeito se concentram nos estratospopulares urbanos, [em que] não só é precisocriar condições que facilitem o acesso aos recursosmateriais, [mas também] apoiar uma repartição

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    mais equitativa do poder de decisão intrafamiliar.(Katzman, 2015, p.12).

    Propõe-se aqui formas emergenciais, um verda-deiro “tratamento de choque” na provisão de direi-tos, com adequadas quantidade e qualidade, quepromovam a habilitação cidadã, com base na ofertaincisiva, concentrada e enfeixada de bens e serviçosde utilidade pública, enquanto meios de reproduçãoda vida social, infraestruturas sociais e meios de con-sumo-direitos coletivos, ou seja, instrumentos auxi-liares na formação ampliada das forças e capacidadesprodutivas e criativas-emancipatórias humanas, quepossam desatar e mobilizar ações universalizantes ede criação de patamar adequado de homogeneida-de social, pela via da construção da habilitação e dasinovações sociais e institucionais. Devem ser acio-

    nados, apoiados e articulados setores e segmentosprioritários de grande capilaridade espacial, ligadosaos complexos de saúde, educação, habitação, sane-amento, transporte urbano, recursos hídricos, ener-gias renováveis, agricultura e processos produtivosde baixa intensidade de uso de recursos naturais eenergia, entre outros. As ações de indução pública ecoletiva devem ultrapassar a simples lógica fragmen-tária, “setorialista” e compartimentada, promovendoa capacidade articuladora do tecido sócio-produtivo--territorial, ao lado de impulsionar os adequados en-

    gate e conexão de aparelhos produtivos localizadose a distribuição de riqueza e renda, habilitando edistribuindo territorialmente direitos sociais aos ci-dadãos. Essa ação de conjunto do Estado brasileirodeveria partir de uma visão de “não inventar a roda”(não propor, de início, nem novas políticas públicas,nem novas instituições), mas partir do que já se temdisponível (alguns ativos, capacitações e recursosociosos ou latentes) em cada território: Equipamen-tos, ações e iniciativas já existentes, identificação delideranças, agentes de transformação e novas lógicasde participação etc. Seria importante utilizar insti-tucionalidades já disponíveis, capacitando-as para anova tarefa, por exemplo, os CRAS — Centro deReferência da Assistência Social. Antes de tudo, cabeconstruir um “efeito demonstração” da presença ro-busta e benfazeja do Estado no território (a popu-lação precisa sentir “de que lado estão os aparelhosestatais”!). Esta ação deveria partir da própria Presi-dência da República, através de sua Secretaria-Geral.

    Em suma, é urgente prover o suporte adequadode bens e serviços públicos básicos, essenciais e cole-tivos, transformando o formato e as modalidades de

    chegada (com solidez, estabilidade e consistência) doEstado no território, com plasticidade e resiliência,no chão das práticas cotidianas e do imediato sensí-

    vel, das experiências localizadas, no lócus específicode reprodução social das “pessoas de carne e osso”.Urge realizar a provisão desses bens e serviços paraa consolidação de uma sociedade de consumo e dedireitos de massa, que logre acessar (territorialmente)plenamente direitos sociais e cidadania (saúde, edu-cação, seguridade social, transporte urbano de altadensidade, moradia, saneamento, aprendizado etc.).Do mesmo modo, é fundamental prover infraestru-turas sociais que aperfeiçoem habilidades e propi-ciem habilitações. É preciso construir a atuação comalta efetividade do Estado brasileiro, por meio deinstitucionalidades, instrumentos e mecanismos que,capilarmente, difundam, concretizem e enraízemações de Estado em todo o vasto território nacional.Operacionalmente, serão necessárias aproximaçõessucessivas e ingresso adequado no sítio para atingir

    adequadamente o lugar ( place ), em que a atuaçãopública é mais necessária, sobretudo nas porçõesterritoriais mais débeis. O lugar / cotidiano é a ex-pressão do singular que precisa ser captada nas açõespúblicas emancipatórias e é o lócus último da efeti-vação e da efetividade dessas ações. Os “estoques” e“fluxos” de bens, infraestruturas, funções e serviços,agentes de transformação dessas áreas, precisam seridentificados rapidamente. Pelo interior do Brasil, arede de cidades médias deverá ser utilizada na im-plementação da estratégia, criando o supralocal (na

    hinterlândia do centro urbano intermediário). Nosgrandes centros metropolitanos, deveria ser centradoem suas periferias e nas áreas mais densas demogra-ficamente e com maior carência de equipamentosurbanos. Nos espaços rurais e regiões isoladas a açãoteria que guardar muitas especificidades. Deveria serdada atenção especial às cidades pequenas e espaçosrurais, distantes de outras cidades mais bem equipa-das, buscando-se atender às demandas por serviçossociais, mesmo que os contingentes populacionaissejam pouco expressivos. O certo é que as interurba-nidades, interruralidades e interinstitucionalidadesprecisam progredir em renovadas formas de sociabi-lidade e reciprocidades urbanas e rurais, que preci-sam ser acionadas e revolvidas, gerando Plataformaserritoriais de Articulação da Cidadania em todo oBrasil, em uma grande mobilização nacional cidadã,pedagógica e politizadora, neste momento dramáticoe reacionário da vida nacional.

    REFERÊNCIAS

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    artigos

    ResumoEste artigo consiste em uma análise da distribuição espacial da criminalidade violenta no

    território da capital capixaba. A partir de ideias e contribuições de várias correntes do

    pensamento sócio-espaço-temporal, a saber, Urbanismo, Geograa, História, Filosoa,

    Sociologia, Economia, Criminologia e Arquitetura, este trabalho apresenta a distribuição

    espacial da violência urbana, construindo, sintetizando e geoprocessando o Índice de

    Violência Criminalizada (IVC). Tabelas, construídas a partir de dados adquiridos junto aosbancos de dados ociais, e Mapas, confeccionados no ambiente de trabalho do Sistema

    de Informação Geográca (SIG), facilitaram a representação do escopo do estudo. Assim,

    pretende-se discutir algumas hipóteses que buscam explicar a lógica da distribuição es-

    pacial da criminalidade violenta na capital do estado, Vitória, na perspectiva da tipologia

    socioespacial, desenvolvida no âmbito da rede de pesquisa do Instituto Nacional de Ciên-

    cia e Tecnologia - INCT Observatório das Metrópoles.

    Palavras-chave: Geograa do crime; Índice de Violência Criminalizada (IVC); Tipologia

    socioespacial; Análise espacial; Sistema de Informação Geográca (SIG).

     

    Abstract

    This paper presents an analysis of the spatial distribution of violent crime in this stateof Espírito Santo. Through ideas and contributions of various currents of thought social-

    -space-time, for example, Urbanism, Geography, History, Philosophy, Sociology, Econo-

    mics, Criminology and Architecture, this researching presents the spatial distribution of

    urban violence, constructing, summarizing and geoprocessing the Criminalizing Violence

    Index (IVC). Tables, settings by information from ofcial database, and maps, settings

    with Geographic Information Systems (GIS), help the representation of paper’s objecti-

    ves. Therefore, we intend to discuss some hypotheses that tries to explain the spatial

    distribution of criminalizing violence in capital of state, Vitória, in point of view of the

    socio-spatial typology, developed within the research network of the National Institute of

    Science and Technology – INCT Metropolis Observatory.

    Keywords: Geography of crime; Criminalizing Violence Index (IVC); Socio-spatial

    typology; Spatial analyze; Geographic Information System (GIS).

     ____________________

    Artigo recebido em 29/01/2015

    Pablo Liraé especialista do IJSN/ES, coordenador do

    Núcleo Vitória do Observatório das Metró-

     poles e professor do Mestrado Prossional

    de Segurança Pública UVV.

    [email protected]

     

    Pablo Lira

    Geografa do Crime estudo do Índice de Violência Criminalizada - IVCe da Tipologia Sociespacial

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    a r t i g o s

    INTRODUÇÃO

    O aumento das ocorrências criminosas no Brasil tor-nou inegável a importância dos estudos sobre violên-cia. Com base no sistema de informação da Organi-zação Mundial da Saúde (OMS), constata-se que, noano de 2004, entre 84 nações selecionadas, o Brasilocupou a 4ª posição no ranking  da taxa bruta (B)de homicídio. Com a taxa de 27 assassinatos por 100mil habitantes, o país somente apresentou situaçãofavorável em relação à Colômbia, Rússia e Venezuela,regiões que possuem sérios problemas de repercussãointernacional: Conflitos bélicos e políticos, atuaçãode esquadrões da morte, cartéis do narcotráfico e/oucomércio ilegal de armamentos pesados (WHOSIS,2006, on-line).

    De acordo com dados do Ministério da Saú-

    de, em 1980 foram registrados no Brasil e EspíritoSanto, respectivamente, 11,7 e 15,1 homicídios por100 mil habitantes. Passados trinta anos, em 2010,essas mesmas taxas mais que dobraram para o casobrasileiro (27,4 homicídios por 100 mil habitantes)e mais que triplicaram para o caso capixaba (51,0homicídios por 100 mil habitantes), evidenciando anecessidade da priorização da segurança pública noplanejamento, nas políticas, nas ações e na mobili-zação da sociedade, com a finalidade de redução dosíndices de violência criminal. al planejamento deve

    ser norteado por indicadores e estudos estratégicos.Segundo Molina (1997), os dados estatísticose indicadores relativos à criminalidade violenta de-vem dar suporte tanto às intervenções de repressãoqualificada por parte do Estado, quanto às políticaspúblicas e ações da sociedade voltadas para a preven-ção primária (avanços no campo da educação, saúde,assistência social, habitação e outras áreas), preven-ção secundária (intervenções no desenho arquitetô-nico e urbanístico, ordenamento territorial, sistemade vídeo-monitoramento, policiamento ostensivo,entre outros) e prevenção terciária (programas de di-minuição de reincidência criminal e ressocializaçãode internos do sistema prisional). Esta é uma cartilhabásica de boas práticas no campo da Segurança Públi-ca e Justiça Criminal que vem mostrando resultadospositivos desde a década de 1990, como mostram asexperiências dos programas e ações implementadasem Nova Iorque, nos Estados Unidos, e em Bogotá,na Colômbia.

    Para Beato (2012), nas últimas três décadas noBrasil, a proposição de políticas públicas de segurançaevidenciou um movimento pendular, oscilando entre

    a reforma social e a dissuasão individual. Segundo oreferido pesquisador, a ideia de reforma social:

    [...] decorre da crença de que o crime resulta defatores socioeconômicos que bloqueiam o acesso ameios legítimos de se ganhar a vida. Essa deteriora-ção das condições de vida traduz-se tanto no acessorestrito de alguns setores da população a oportuni-dades no mercado de trabalho e de bens de servi-

    ços, como na má socialização a que são submetidosno âmbito familiar, escolar e na convivência comsubgrupos desviantes. Consequentemente, propos-tas de controle da criminalidade passam, inevita-velmente, tanto por reformas sociais de profundi-dade como por reformas individuais, no intuito dereeducar e ressocializar criminosos para o convívioem sociedade (Beato, 2012, p. 39, grifo nosso).

    Outra característica das políticas públicas brasilei-ras de segurança pública, sobretudo de alguns estados(São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Pernam-buco e Espírito Santo), é a priorização no controle e

    prevenção dos homicídios, crime de maior impactona sociedade e que ainda gera maior clamor social,mesmo em tempos de banalização da violência e davida.

     Além dos homicídios, que representam o nível ex-tremo que a violência pode alcançar, outros tipos decriminalidade violenta, como tentativa de homicídio,lesão corporal, ameaça, estupro, roubo, furto e tráficode drogas ilícitas, são constatados cotidianamente emcidades, como Vitória, capital do estado do EspíritoSanto.

    Sabendo disso e partindo do pressuposto de queo fenômeno da violência encontra-se arraigado a fa-tores urbanos e socioeconômicos, este estudo buscaanalisar possíveis correlações espaciais entre as esta-tísticas criminais e a organização social do território,por meio dos produtos cartográficos da tipologiasocioespacial. A citada tipologia é desenvolvida noâmbito da rede de pesquisa do Instituto Nacional deCiência e ecnologia - INC Observatório das Me-trópoles1.

    Insta salientar que a violência não é exclusivi-dade do meio urbano. odavia, é na cidade que osconflitos e desentendimentos interpessoais apare-cem com maior vigor, talvez pela própria estruturacentralizadora e concentradora que o meio urbanoapresenta. Segundo Costa e Freitas (2013) a crimina-lidade violenta, particularmente os homicídios, nãose distribui homogeneamente sobre todos os espaços.

     Aparentemente, ela acompanha as desigualdades so-ciais intraurbanas. Esta discussão é abordada maisprofundamente na seção 2 deste artigo.

     Ao mesmo tempo, o artigo que aqui se insere

    1 Para um maior detalhamento consultar Ribeiro e Ribeiro(2013).

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    apresenta a metodologia do Índice de Violência Cri-minalizada (IVC) com o intuito de complementar aanálise da distribuição espacial do fenômeno pesqui-sado, que não se resume somente à problemática doshomicídios.

    al índice é formado pela conjugação de indi-cadores que são constituídos por grupo de variáveiscriminais. Por meio da correlação com informaçõessocioeconômicas, o IVC visa a facilitar uma aproxi-mação do entendimento sobre os fatores estruturaisque provavelmente influem na dinâmica criminal,bem como fornecer subsídios para a proposição depolíticas públicas e estratégias de prevenção e contro-le da violência na capital capixaba 2.

    Uma defnição em construção

     A palavra violência pode possuir e/ou representardiversos significados. A dificuldade na definição doque é violência nos remete a uma análise etimoló-gica, necessária ao embasamento das ideias contidasneste trabalho.

     A palavra “violência” vem do latim violentia , quese refere a vis   que, por sua vez, quer dizer vigor epotência no emprego da força física, mas tambémquantidade, abundância, essência ou caráter essen-cial de uma coisa. Mais precisamente, a palavra vis  significa energia em ação, o recurso de um corpo

    para exercer sua pujança e, portanto, a potência, ovalor, a força vital (Harper, 2001, on-line).De acordo com Zaluar (1999, p. 08) a força su-

    pracitada torna-se violência quando transgride limi-tes ou perturba acordos tácitos, regras ou normas queordenam as relações sociais. A autora ainda apontaque é a percepção do limite da perturbação e do so-frimento alheio que caracteriza um ato como violen-to. Esta percepção varia cultural e historicamente.

     As sensibilidades para o excesso no uso da forçafísica,

    [...] seja em termos do sofrimento pessoal ou dosprejuízos à coletividade, dão o sentido e o focopara a ação violenta. Além de polifônica no sig-nificado, ela é também múltipla nas suas manifes-tações. Do mesmo modo, o mal a ela associado,que delimita o que há de ser combatido, tampou-co tem definição unívoca e clara. Não é possível,portanto, de antemão, definir substantivamente aviolência como positiva e boa, ou como destrutivae má (Zaluar, 1999, p. 08).

    2 Em caráter introdutório e experimental, os bairros da cida-de de Vitória foram escolhidos como unidades de análise parao cálculo do IVC.

    Como se percebe, diversos significados recobrema palavra violência. Considerando a complexidadeenvolvida na discussão, o termo impossibilita umadefinição clara. Dessa forma, sua conceituação nãoé uma das tarefas mais fáceis. Segundo Pinheiro e

     Almeida (2003, p. 14), não obstante de um signifi-cado “aparentemente tão simples, de uso tão banal,‘violência’ tende a ser uma palavra complicada”.

    Considerando a definição utilizada pela Organi-zação Mundial da Saúde3 (OMS) e buscando contri-buir para uma ampliação do conceito, trataremos aviolência como o uso da força física, aí incluído o usode armas, ou do poder, real ou potencial, abrangen-do as ameaças, intimidações e opressões explícitas,implícitas e/ou simbólicas, contra si próprio, contraoutras pessoas ou contra uma coletividade, que re-sulte em morte, invalidez, lesão, trauma psicológico,

    dano econômico e/ou privação.

    CRIMINALIDADEURBANA VIOLENTA

    Como visto na seção anterior, o tema violência é am-plo, permitindo uma ampla abordagem. Ainda queseu crescimento se faça sentir em inúmeras regiõese zonas do país, a distribuição espacial dos crimesviolentos não ocorre de maneira homogênea no ter-

    ritório nacional.Em uma análise preliminar, com base na litera-tura sobre temáticas da segurança pública brasileira(Andrade; Freire, 2013), observa-se que a crimina-lidade violenta está essencialmente concentrada nasáreas urbanas. Usualmente, sabe-se que conflitos detodos os aspectos e motivos também ocorrem naszonas rurais. Entretanto, é na cidade que os confli-tos e desentendimentos interpessoais aparecem commaior vigor, talvez pela própria estrutura centraliza-dora e concentradora que o meio urbano apresenta.

    Por meio do conceito de macrocefalia urbana,Santos (2004, p. 306) descreve como a massiva con-centração das atividades econômicas em algumasmetrópoles propícia o desencadeamento de proces-sos descompassados: Redirecionamento e conver-gência de fluxos migratórios, deficit   no número deempregos, ocupação desordenada de determinadasregiões da cidade e marginalização de estratos sociais.

    3 “Uso intencional da força física ou do poder, real ou po-tencial, contra si próprio, contra outras pessoas ou contraum grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grandepossibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico,deficiência de desenvolvimento ou privação” (KRUG, 2002,p. 05).

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     As referências especializadas (Zaluar, 2004; Misse,

    2006; Zanotelli et al., 2011; Andrade; Freire, 2013)indicam que na cidade a violência criminalizada estáarraigada à desigualdade existente entre as classesabastadas e as populações desprivilegiadas. Além damá distribuição de renda e riqueza, recursos urbanosde toda ordem (serviços e equipamentos coletivos)são distribuídos de forma desigual.

    Não se almeja com isso afirmar que a desigual-dade socioeconômica seja a causa da violência. Semadiantar conclusões, pode-se afirmar que a causali-dade da criminalidade violenta nunca se deve a um

    único fator, mas sempre a um conjunto de fatores. Éimportante registrar, previamente, que devido à com-plexidade envolvida, a criminalidade urbana violen-ta não pode ser reduzida a uma causa única (Misse,2006).

     A maneira desigual e contraditória pela qual oespaço urbano é construído e reproduzido torna a ci-dade um palco privilegiado para os conflitos e desen-tendimentos interpessoais. A violência emana nestecontexto e é influenciada pela segregação social. Damesma maneira que o espaço urbano é fragmentado,a violência se desdobra distintivamente atingindo es-tratos da sociedade de forma diferenciada.

    CONSIDERAÇÕESMETODOLÓGICAS

    Índice de Violênc,ia Criminalizada (IVC)

    Em tempos recentes, mensurar a distribuição espacialda violência tem sido uma meta perseguida por gesto-res públicos, pesquisadores, estudiosos especializados

    e formadores de opinião. Várias metodologias forampropostas para tal fim. Entretanto, muitas apresenta-ram limitações, uma vez que a criminalidade violenta

    é um dos problemas sociais mais complexos da con-

    temporaneidade.Na maioria das vezes, o tratamento das informa-

    ções sobre violência é efetuado por métodos que evi-denciam somente os homicídios como indicador vio-lento. Isto permite leituras incompletas e equivocadasdo fenômeno, que são difundidas cotidianamentepelos meios de comunicação sem o menor controle ecuidado. Quantas vezes lemos nos jornais, revistas eartigos que “a cidade Z é a mais violenta do país” ouque “o bairro J é o mais violento da cidade”.

    Na verdade, o homicídio é o principal exponen-

    cial da violência, pois envolve vigor e potência noemprego da força física, com ou sem o uso de armas,resultando em grave perturbação e sofrimento alheio.odavia, ele não retrata a totalidade da violência per-cebida e consumada nos centros urbanos brasileiros.

     A imposição do medo de viver em cidades como Vi-tória é construída a partir da conjugação de tipos decriminalidade violenta diversos.

    Visando a contribuir com o debate sobre a vio-lência, este estudo apresenta o Índice de ViolênciaCriminalizada (IVC). Definido, segundo a literaturaestatística, como um indicador síntese, o IVC pos-sui semelhanças metodológicas com o IDH4 (ONU/PNUD, 2005, on-line). Ele é formado pela associa-ção de nove indicadores básicos que são constituídospor grupos de variáveis criminais. A abela 1 apresen-ta a agregação das variáveis que compõem os indica-dores básicos do IVC.

    O cálculo do IVC se baseou nos dados sobre vio-lência do Comando de Policiamento Ostensivo Me-tropolitano – CPOM da Polícia Militar do EspíritoSanto. Antes da estimativa dos índices, esses númerosforam submetidos ao tratamento estatístico da taxa

    4 O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é compostopor três indicadores básicos: longevidade, educação e renda.

    SIGLA INDICADOR VARIÁVEIS

    ICLCP Crimes letais contra a pessoa Homicídios, latrocínios, encontro de cadáver e tentativas dehomicídios

    ICNLCP Crimes não letais contra a pessoa Lesões corporais, rixa, vias de fato e ameaça

    ICGCC Crimes graves contra o costume Estupro e atentado violento ao pudor

    ICR Crimes de roubo Somatório dos roubos em e de patrimônios

    ICF Crimes de furto Somatório dos furtos em e de patrimônios

    ICAM Crimes de armas e munições Porte ilegal de armas, fabricação ilegal de armas e munições,apreensão de arma de fogo e disparo de arma

    ICTT Crimes de tráco de tóxico Tráco de maconha, cocaína e outras drogas ilícitas

    IOPUT Ocorrências de posse e uso de tóxico Posse e uso de maconha, cocaína e outras drogas ilícitas

    IOE Ocorrências de embriaguez Embriaguez

    Tabela 1:Estrutura dos

    indicadores

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    bruta (por grupo de mil habitantes) que viabilizou,através da razão entre os tipos de criminalidade vio-lenta selecionados e a população, a análise e compa-ração de unidades geográficas com diferentes magni-tudes demográficas.

    Mesmo possuindo as tabulações sobre os inci-dentes criminais para o período 1993-2003, esteestudo estabeleceu o ano 2000 como referênciatemporal para o cálculo dos índices. al escolha foiinfluenciada pela disponibilidade da população, dis-tribuída por bairro, para o referido ano. É importan-te ressaltar que 2000 foi o primeiro ano em que oIBGE estendeu a circulação do Estatcart, aplicativocomputacional que fornece números populacionaisdigitalizados, em escala de detalhe.

     As informações supracitadas foram correlacio-nadas na escala dos bairros da capital Vitória, que

    concentrou cerca de 14% dos 25.562 crimes contrao patrimônio, 29% dos 1.638 crimes de tóxicos, 8%dos 20.308 crimes contra a pessoa e 17% dos 1.438homicídios capixabas em 2000 (CPOM-PM; SIM/DAASUS, 2000). A adoção da unidade geográficade análise se deu de acordo com a ideia trabalha-da por Cano e Santos (2001, p. 16). Segundo eles,quanto menores as áreas pesquisadas, mais eficazes eotimizadas tendem a ser as estratégias de controle ecombate à violência.

    Os softwares  Excel e SPSS tornaram possíveis os

    cálculos estatísticos do IVC. A utilização do aplica-tivo ArcMap permitiu a realização das análises espa-ciais e a produção cartográfica no ambiente de tra-balho do Sistema de Informação Geográfica - SIG.

    Por último, é importante salientar que a apresen-tação geoestatística do Índice de Violência Crimi-nalizada não possui a pretensão de traduzir toda acomplexidade do fenômeno estudado, muito menostem o propósito de contribuir para a estigmatizaçãodos bairros que registram elevadas taxas criminais.

     Ao contrário disso, o presente índice tem como ob- jetivo tornar-se ferramenta de análise e discussãofrente ao debate sobre o referido tema, fornecendoelementos e subsídios para a ação governamental ecomunitário-social.

    Tipologia socioespacial

     A tipologia socioespacial abordada por Ribeiro e Ri-beiro (2013), que foi desenvolvida no âmbito dosestudos e pesquisas do INC – Observatório dasMetrópoles, é constituída partindo do arcabouçoteórico que incorpora as relações de produção (pers-

    pectiva marxista), lógica de status social (ótica we-beriana) e noção de habitus (abordagem de PierreBourdieu).

     A citada tipologia operacionaliza seu método apartir de agregados de tipos ocupacionais. “Nas ex-periências contemporâneas de análise social do terri-tório o nosso procedimento tipológico se inscreve natradição francesa iniciada por abard (1993) e abarde Chenu (1993) em parceria com Edmond Preteceille(1988; 1993; 1994)” (Ribeiro; Ribeiro, 2013, p. 27).

    Na implementação do referido método foramconsiderados os seguintes critérios: Relação capital etrabalho, para diferenciar os indivíduos que são em-pregadores, trabalham por conta própria e os empre-gados; trabalho manual e trabalho não manual, umavez que exercer ocupação manual difere socialmentede ocupação não manual, em que normalmente a estaúltima se exige algum nível de escolaridade, seja nívelmédio ou superior; trabalho de comando e trabalhosubordinado, existindo diferenças importantes entre

    as ocupações que exercem atividade de comando, sejade direção, gerência e supervisão, daquelas ocupaçõessubordinadas, que são comandadas por outrem; etrabalho público e trabalho privado, distinguindo asocupações do setor público e privado.

    Com base nesses critérios, foram utilizadas as in-formações ocupacionais dos censos, sob a referênciada Classificação Brasileira de Ocupações – CBO5,correlacionando-as, ao mesmo tempo, com outrasvariáveis complementares (renda, nível de instrução,situação do trabalho, setor de atividade econômica e

    setor institucional), para compor 24 Categorias Só-cio-ocupacionais – CAs, que podem ser agrupadasem 8 grandes grupos de agregação ocupacional (diri-gentes, profissionais de nível superior, pequenos em-pregadores, ocupações de nível médio, trabalhadoresdo secundário, trabalhadores do terciário especializa-do, trabalhadores do terciário não especializado e tra-balhadores agrícolas), o que possibilita a análise da es-trutura social de classes sob a perspectiva das relaçõesde produção, status social e estilo de vida dos estratos.

    O censo do IBGE é a principal fonte de dados dasCategorias Sócio-ocupacionais, base na qual é possí-vel extrair as variáveis relacionadas à ocupação, ren-da, nível de instrução, setor de atividade econômica,cargos/postos de trabalho públicos e privados. Essasinformações são espacializadas na escala das áreas deponderação, definidas pelo IBGE como agrupamen-tos de setores censitários6.

    5 As categorias da referida tipologia socioespacial são compos-tas pelas informações de ocupações definidas. Para um maiordetalhamento ver Ribeiro e Ribeiro (2013).6 O setor censitário corresponde à menor unidade de registrodos censos do IBGE, que pode compreender cerca de quatro-centos domicílios. A agregação dos setores censitários em áreasde ponderação obedece a critérios de densidade populacionale de contiguidade física (Ribeiro; Ribeiro, 2013).

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    No campo da análise multivariada existem doismétodos que possibilitam a elaboração da tipologiasocioespacial: A análise fatorial de correspondência ea análise de clusters. Estes dois procedimentos cons-tituem a base metodológica desta abordagem sobrea estrutura social de classes, bem como possibilitama composição dos tipos socioespaciais (superior,superior-médio, médio, popular-operário, popular,popular-agrícola, agrícola etc.), que podem variar deacordo com o contexto urbano estudado. Os apli-cativos Statlab e SPSS são as principais ferramentasutilizadas nos procedimentos estatísticos da tipolo-gia socioespacial e o programa ArcGis foi utilizadopara geoprocessar as informações e gerar mapas paraa análise cartográfica 7.

    ANÁLISE ESPACIAL DO IVCE DA TIPOLOGIA SOCIOESPACIAL

    Como visto, o Índice de Violência Criminalizada éum indicador-síntese que conjuga os nove indica-dores básicos definidos na metodologia. O geopro-cessamento do IVC permitiu a confecção do mapatemático da Figura 1. Nele identificam-se algumastendências de distribuição espacial da criminalidadeviolenta. Os bairros Enseada do Suá (0,689), Jabour(0,626), São Pedro (0,596) e Boa Vista (0,535) evi-

    denciaram os maiores valores de IVC.Complementando a análise, o mapa da Figura 2possibilita a observação cartográfica em relação à or-ganização social do território por meio da tipologiasocioespacial, que em 2000 destacou os tipos supe-rior-médio, médio e médio-popular no município deVitória, que constitui o polo da Região Metropolita-na da Grande Vitória – RMGV 8.

    Na Enseada do Suá, bairro caracterizado pelotipo socioespacial superior-médio, área de intensacirculação de pessoa, que congrega pontos econômi-cos estratégicos do setor terciário (prédios públicos,estabelecimentos financeiros e comerciais de grandeporte, entre outros) e espaços de lazer, como a Praçado Papa e curva da Jurema, os indicadores de crimesde furtos, roubos, armas e munições, crimes letais enão letais contra a pessoa, crimes graves contra o cos-tume, ocorrências de posse e uso de drogas ilícitas eocorrências de embriaguez contribuíram para o des-taque do bairro.

    7 Para um maior detalhamento sobre os procedimentos meto-dológicos consultar Ribeiro e Ribeiro (2013).8 Além desses três tipos soma-se à tipologia socioespacial daRMGV a categoria popular-agrícola.

    Em Jabour, bairro caracterizado pelo tipo socio-espacial médio-popular, a dinâmica criminal foi in-fluenciada principalmente pelos crimes letais contraa pessoa, crimes de tráfico de drogas ilícitas, ocorrên-cias de posse e uso de drogas ilícitas, roubos, furtos,crimes não letais contra a pessoa e ocorrências de em-briaguez. Neste bairro, constatou-se o problema dasobrestimação dos registros policiais. Jabour, bairrode classe média e com manchas de comércio específi-co (margens da avenida Fernando Ferrari), congregoudelitos referentes aos crimes contra o patrimônio. alsituação foi agravada, pois delitos contra a pessoa ecrimes de tráfico de drogas ilícitas supostamente co-metidos no bairro vizinho, Maria Ortiz, foram credi-tados a Jabour devido à questão da incompatibilidadedas bases de informação da Polícia Militar e da Prefei-tura Municipal de Vitória.

    Um pouco mais ao sul, Boa Vista, bairro caracte-rizado pelo tipo socioespacial médio-popular, se evi-denciou apresentando elevados índices de violênciaem todos os indicadores básicos do IVC. Com ex-ceção dos crimes letais contra a pessoa, o bairro vizi-nho, Goiabeiras (0,230), também evidenciou valoresconsideráveis de criminalidades diversas: ICNLCP,ICE, ICF, ICR, ICAM, ICF e ICR.

    Destacado na porção noroeste da Ilha de Vitó-ria, São Pedro (0,596) apresentou elevados índices decrimes letais e não letais contra a pessoa, crimes de

    tráfico de tóxico, armas e munições, furtos e ocor-rências de embriaguez. São Pedro ficou caracterizadopelo tipo socioespacial médio-popular.

    O grande conglomerado localizado na região su-doeste de Vitória, formado pelos bairros: Morro doQuadro (0,313), Vila Rubim (0,291), Parque Mos-coso (0,286), Forte São João (0,268), Ilha do Prínci-pe (0,253), Santo Antônio (0,232) e Centro (0,217)foram destacados devido aos seguintes índices: ICL-CP, IC, IOPU, ICAM, ICGCC, ICR, ICF,ICNLCP e IOE. Neste conglomerado são percebidosos registros dos três tipos socioespaciais de Vitória.

    Na porção central da Ilha, Jucutuquara (0,305)e Santos Dumont (0,213) tornaram-se evidenciadospelos crimes de roubos, furtos, crimes não letais con-tra a pessoa e ocorrências de embriaguez. Estes doisbairros foram caracterizados pelo tipo socioespacialmédio.

    Por fim, o IVC dos bairros Morro São Benedito(0,250) e Consolação (0,232) foram influenciados,sobretudo, pelos crimes letais e não letais contra apessoa, crimes de armas e munições, tráfico de drogasilícitas e ocorrências de embriaguez. Estes dois bair-

    ros também foram caracterizados pelo tipo socioes-pacial médio.

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    CONSIDERAÇÕES FINAIS

     A hipótese inicial deste artigo, a respeitoda possível influência exercida por fato-res estruturais sobre o fenômeno violên-cia, pode ser mais bem analisada atravésdos cruzamentos estatístico-cartográfi-cos. A desigual distribuição espacial docrescimento econômico-industrial dametade do século XX produziu desequi-líbrios e gerou reflexos sociais que con-tribuíram para o surgimento e ascensãoda dinâmica criminal nos espaços urba-nos brasileiros.

    Em Vitória, a violência emanou dascontradições e hierarquizações sociaiscristalizadas no espaço urbano. No que

    tange a distribuição dos crimes contraa pessoa e contra o patrimônio, o com-portamento diferencial da violênciarevelou como os fatores socioeconômi-cos influem nas tendências de concen-tração9. Com base no mapa da Figura1, identificou-se que os crimes contra apessoa estão potencialmente concentra-dos em conglomerados de bairros queapresentam uma estrutura social e eco-nômica caracterizada pelos tipos socio-

    espaciais menos privilegiados. O bairrode São Pedro é exemplo disso, pois nes-te território foi registrado um elevadoIVC, sobretudo devido aos crimes le-tais, não letais e de tráfico de drogas ilí-citas. O referido bairro é composto pre-valentemente pelo tipo socioespacial médio-popular(Figura 2).

    O bairro Enseada do Suá, por exemplo, represen-tou um contexto oposto ao do bairro São Pedro. EmEnseada do Suá foi computada prevalência de crimescontra o patrimônio, principalmente roubo e furto.Neste bairro foi registrado, na perspectiva da orga-nização social do território analisada pela tipologiasocioespacial (Figura 2), predomínio do tipo supe-rior-médio, o que demonstra que os crimes contra opatrimônio estão mais associados espacialmente aosconglomerados de bairros com estruturas socioeco-nômicas mais privilegiadas.

     Além disso, a incidência de crimes letais contra apessoa mostrou significativas semelhanças de distri-buição espacial com a ocorrência dos delitos de trá-

    9 Estudos como os de Lira, Lyra e Guadalupe (2014) corro-boram tal constatação.

    fico de drogas ilícitas, geralmente concentrados nosbairros menos privilegiados, sob a perspectiva dostipos socioespaciais. Constata-se que, geralmente,os crimes letais estão correlacionados positivamentecom as ações das quadrilhas do tráfico. As ações vio-lentas promovidas pela delinquência organizada sãofundamentadas pela complexa associação do uso dedrogas ilícitas e armas de fogo, dinheiro no bolso, en-frentamento da morte e banalização da vida. De acor-do com Zaluar (2004), a associação do uso de drogase armas de fogo, dinheiro, conquista de mulheres, doenfrentamento da morte e a concepção de um indi-víduo completamente autônomo e livre revela que aspráticas do mundo do tráfico se vinculam a um etosda virilidade, que por sua vez é centrado na ideia dechefe. alvez por isso, observa-se a completa perdados valores da vida nas comunidades assoladas pelo

    tráfico, para o qual não há distinção de valores, isto é,o usuário que deve R$ 5,00 tem o mesmo tratamento

    Figura 1:Mapa do Índice de Violência

    Criminalizada, Vitória, 2000

    Elaboração: Pablo Lira - 2006Fonte de dados: CPOM-PM - 2000Base cartográca: IBGE - 2000.

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    artigos

    ResumoO artigo tem como objetivo analisar a qualidade de vida e infraestruturas, referente às

    condições de vida urbana no município do Rio Grande, RS, através do Índice de Bem-

    -Estar Urbano (IBEU). Para isso, foi feita uma revisão bibliográca acerca dos conceitos