UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MARIA ELOÍSA DA SILVA
A REINTERPRETAÇÃO CURRICULAR NO CONTEXTO DA POLÍTICA DE CURRÍCULO APOSTILADO NA REDE MUNICIPAL
DE ENSINO DE SORRISO - MT
CUIABÁ - MT
2012
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MARIA ELOÍSA DA SILVA
A REINTERPRETAÇÃO CURRICULAR NO CONTEXTO DA POLÍTICA DE CURRÍCULO APOSTILADO NA REDE MUNICIPAL
DE ENSINO DE SORRISO - MT
CUIABÁ - MT 2012
MARIA ELOÍSA DA SILVA
A REINTERPRETAÇÃO CURRICULAR NO CONTEXTO DA POLÍTICA DE CURRÍCULO APOSTILADO NA REDE MUNICIPAL DE
ENSINO DE SORRISO - MT
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, Linha de Pesquisa Organização Escolar, Formação e Práticas Pedagógicas.
Orientadora: Profª Drª Jorcelina Elisabeth Fernandes
CUIABÁ-MT 2012
3
S586r Silva, Maria Eloísa da. A reinterpretação curricular no contexto da política de currículo apostilado na
Rede Municipal de Ensino de Sorriso - MT / Maria Eloísa da Silva. - - Cuiabá (MT) : A Autora, 2012.
153 p. Dissertação (Mestrado em Educação) . Universidade Federal de Mato Grosso.
Instituto de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. Orientador: Profª. Drª. Jorcelina Elisabeth Fernandes. Inclui bibliografia. 1. Política curricular. 2. Sistema apostilado. Práticas curriculares. I. Título.
CDU: 371.214.14
4
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Avenida Fernando Corrêa da Costa, 2367 - Boa Esperança - Cep: 78060900 -CUIABA/MT
Tel : 3615-8431/3615-8429 - Email : [email protected]
FOLHA DE APROVAÇÃO
TÍTULO : "A Reinterpretação da Política de Currículo Apostilado na Rede Municipal de Ensino de Sorriso - MT"
AUTOR : Mestranda Maria Eloisa da Silva
Dissertação defendida e aprovada em 09/11/2012.
Composição da Banca Examinadora:
Presidente Banca / Orientador Doutor(a) Jorcelina Elisabeth Fernandes Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
Examinador Interno Doutor(a) Ozerina Victor de Oliveira Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
Examinador Externo Doutor(a) Maria Inês Marcondes Instituição : PUC/RJ
Examinador Suplente Doutor(a) Rose Cléia Ramos da Silva Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
CUIABÁ, 09/11/2012.
5
Vó Olívia ((in memoriam),
Lembro com saudade daquela casinha simples de madeira lá no interior do Rio Grande
do Sul, quando você me convidava para ver o jardim de margaridas, os moranguinhos
deliciosos, a bergamoteira carregada e depois, a gente sentava e conversava sobre a vida, sobre
os sonhos e sobre como ser simples e deixar a vida ir se apresentando aos pouquinhos.
Querida Vó Olívia, você está comigo em todos os momentos, sua energia, seu sorriso e
a certeza que as coisas podem dar certo. A luz que você continua irradiando na minha vida, me
fortalece e me faz ter esperança em dias melhores. Por isso DEDICO a você o resultado do meu
sonho que, certamente, desse paraíso lindo e cheio de margaridas, você ajudou a realizar!
Saudades!
MEUS MAIS SINCEROS AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pelas bênçãos em minha vida e por me mostrar todos os dias o
quanto é importante agradecer e encarar os desafios com humildade e
responsabilidade.
Ao meu Pai Jesus e minha Mãe Alzira, pelos ensinamentos, o zelo, o carinho e as
conversas que me ajudaram a tomar decisões importantes. Também os telefonemas
constantes nessa distância de saudade e ausência.
Aos meus irmãos Rosani e Vanderlei pela parceria, a força e o carinho.
Aos meus sobrinhos Marcelo, Junior, Michele, Bruna e Narjana, em quem eu deposito
às expectativas de um futuro de conhecimentos e oportunidades.
Aos meus queridos amigos matogrossenses, Jones, Liana, Edson e Noeme, pela força
e a compreensão de minha ausência nesses dois anos de intenso estudo.
Às Colegas do Departamento Pedagógico da Secretaria de Educação de Sorriso - MT,
Edna, Elenice, Vera e Zenaide, pelo apoio e companheirismo quando da minha
ausência.
A querida Dona Idalma que se tornou a minha mãe matogrossense, pelo carinho, a
preocupação com minhas viagens e com minha saúde.
Ao meu querido, sincero e incomparável amigo José Carlos de Melo (Zeca) que nesses
anos sempre me incentivou a conquistar caminhos e acreditar nesse Mestrado. Pelas
tantas vezes em que me acolheu em sua casa e compartilhou comigo as belezas de
Cuiabá.
A Administração Municipal de Sorriso, através do Prefeito Chicão Bedin e a
Secretária de Educação Avanice Lourenço Zanatta que possibilitaram à realização
desta pesquisa.
MEU RECONHECIMENTO
A Professora Doutora Jorcelina Elisabeth Fernandes, minha orientadora do mestrado,
pela seriedade e competência, pelo companheirismo e a compreensão e por me
incentivar ao tema dessa pesquisa, que se tornou tão importante para a minha vida
profissional.
A Professora Doutora Ozerina Victor de Oliveira pela leitura tão minuciosa e
importante da dissertação e pelas contribuições sobre Currículo.
A Professora Doutora Maria Inês Marcondes pelas contribuições significativas à
pesquisa.
A Secretaria do PPGE, através da Luisa que sempre foi tão atenciosa nas informações.
Aos Colegas do Mestrado, principalmente Adriana, Edson, Traudi, Rosivete e Eucaris,
pelas discussões interessantes, as aprendizagens, os Seminários e as conversas
descontraídas durante o almoço.
A minha querida Colega, amiga e companheira de estudo, Luci que me acolheu tão
carinhosamente em sua amizade e em sua casa. Muito Obrigado!
Aos Colegas, Edson, Éderson e Silva Rosa pelos estudos compartilhados nas quartas
feiras na sala 61, através do Grupo de Pesquisa em Currículo, Formação de
Professores e Práticas Escolares – GPCFOPE.
RESUMO SILVA, M. E. A Reinterpretação Curricular no Contexto da Política de Currículo Apostilado na Rede Municipal de Ensino de Sorriso – MT. 2012. 125 p. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Educação, Universidade Federal de Mato Grosso, 2012. Esta pesquisa tem por objetivo analisar a Reinterpretação Curricular no Contexto da Política de Currículo Apostilado adotado pelo Sistema Público Municipal de Ensino de Sorriso, estado de Mato Grosso. O Sistema Público Municipal de Ensino adotou o Sistema Apostilado em 2006, através de uma decisão do governo municipal, uma vez que não houve discussão com os professores sobre o currículo apostilado fazer parte das práticas em sala de aula. Assim, de 2006 a 2008 o sistema apostilado era o currículo pelo qual os professores utilizavam da Educação Infantil ao 9° ano do ensino fundamental. Em 2009, com a mudança da gestão municipal, a Secretaria de Educação organizou uma pesquisa junto aos professores estabelecendo uma discussão sobre a permanência ou retirada do sistema apostilado do Sistema Público Municipal de Ensino e a construção de um currículo que contemplasse principalmente as realidades regionais e locais, uma vez que as apostilas traziam em seu conteúdo, principalmente, a realidade do sul do Brasil em termos culturais, econômicos e sociais, até porque eram advindas e produzidas por autores, em sua maioria, do estado do Paraná. Os resultados da pesquisa revelaram que os professores da educação infantil ao 5° ano decidiram pela retirada das apostilas e a construção de um currículo através da seleção de conteúdos mais pertinentes ao processo de alfabetização. Os professores do 6° ao 9° ano decidiram pela permanência das apostilas, uma vez que estas facilitavam ao aluno permanecer com o material e dar continuidade aos estudos em casa, portanto, achavam de grande importância para o conhecimento do aluno os conteúdos, os exercícios e, destacaram também, a formação de professores que traziam importantes contribuições às práticas em sala de aula. A partir dos apontamentos dos professores do 6° ao 9° ano pela continuidade das apostilas, procuramos compreender como alguns professores adotam e reinterpretam a Política de Currículo Apostilado no Sistema Público Municipal de Ensino. A coleta de dados deu-se através de narrativas com alguns desses professores, destacando as práticas realizadas, uma análise sobre os conteúdos, a metodologia e a avaliação prescritos nas apostilas. Os resultados revelam que os professores, enquanto sujeitos da pesquisa, nem sempre seguiam as propostas descritas nas apostilas, no que diz respeito aos conteúdos, metodologia e avaliação, mas utilizavam diferentes recursos metodológicos, além dos conhecimentos adquiridos na sua área de formação para estabelecer as práticas em sala de aula. Portanto, essa pesquisa revela as reinterpretações de alguns professores do 6° ao 9° ano frente a um currículo prescrito no Sistema Público Municipal de Ensino, em Sorriso – MT. Palavras-chave: Política Curricular. Sistema Apostilado. Práticas Curriculares.
ABSTRACT SILVA, M. E. A Reinterpretation Curricular Policy in the Context of Curriculum booklet learnship in Municipal Schools Smile – MT. 2012. 125 p. Thesis (MA) – Institute of Education, Federal University of Mato Grosso, 2012. This research analyzes the Reinterpretation Curricular Policy in the Context of Curriculum booklet learnship adopted by the Municipal Public Education System Smile, state of Mato Grosso. The Municipal System Public Education System booklet learnship adopted in 2006 by a decision of the municipal government, since there was no discussion with teachers about the curriculum booklet learnship part of the practices in the classroom. Thus, from 2006 to 2008 the system was booklet learnship the curriculum by which teachers used from Kindergarten to 9th grade of elementary school. In 2009, with the change of the municipal administration, the Department of Education organized a survey of teachers establishing a discussion about staying or withdrawing system booklet learnship System Municipal Public Teaching and building a curriculum that encompassed mainly regional realities and local, since the handouts brought in its content, especially the reality of southern Brazil in cultural, economic and social, because they were arising and produced by authors, mostly in the state of Paraná. The results of the survey revealed that teachers from kindergarten to 5th grade decided by the withdrawal of handouts and building a resume by selecting the most relevant content to the literacy process. Teachers from the 6th to 9th grade decided by the permanence of handouts, as these facilitated the student remain with the material and continue their studies at home, so we thought of great importance to the student’s knowledge content, exercises and also emphasized the training of teachers who brought important contributions to the practices in the classroom. From the teachers’ notes from the 6th to the 9th grade continuity of handouts, we seek to understand how some teachers embrace and reinterpret the policy booklet learnship Curriculum System in Municipal Public Education. Data collection occurred through narratives with some of these teachers, highlighting the practices carried out an analysis of the content, methodology and assessment prescribed in handouts. The results show that teachers as research subjects, not always followed the proposals described in handouts, with regard to content, methodology and assessment, but used different methodological resources, apart from knowledge acquired in their training area to establish the practices in the classroom. Therefore, this research reveals reinterpretations of some teachers from the 6 th to 9 th year compared to a curriculum prescribed in the Municipal Public Education System in Smile – MT. Keywords: Curriculum Policy. System booklet learnship. Curricular practices.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS APM Associação de Pais e Mestres
APS Associação de Pais de Sorriso
COC Curso Osvaldo Cruz
DCN Diretrizes Curriculares Nacionais
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
LDB Leis de Diretrizes e Bases
MEC Ministério da Educação e Cultura
MT Mato Grosso
PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PNLD Programa Nacional do Livro Didático
PPP Projeto Político Pedagógico
PR Paraná
PR Partido da República
PROINFO Programa Nacional de Informática na Educação
PROUCA Programa Um Computador por Aluno
PSD Partido Social Democrático
PT Partido dos Trabalhadores
RCN Referencial Curricular Nacional
SABE Sistema de Ensino Aprende Brasil
SEDUC Secretaria de Estado da Educação
SMEC Secretaria Municipal de Educação e Cultura
UNICEN Centro Universitário Positivo
SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 13
A Origem da Pesquisa........................................................................................................ 17
O Lócus e os Sujeitos de Estudo ........................................................................................ 18
O Percurso Metodológico e a Coleta de Dados ................................................................. 20
A Interpretação e Análise dos Dados ................................................................................ 22
CAPÍTULO I - POLÍTICAS CURRICULARES: PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO . 25
1.1 O Currículo .................................................................................................................. 25
1.2 Das Políticas de Currículo ao Estudo do Ciclo de Políticas ........................................ 33
1.3 A Política Curricular e o Currículo Prescrito............................................................. 39
1.4 Da Prescrição à Reinterpretação Curricular: uma trajetória possível ...................... 45
1.5 Os Professores enquanto Intelectuais Reflexivos Ativos do Currículo e da Prática.. 51
CAPÍTULO II - REINTERPRETANDO OS DOCUMENTOS OFICIAIS DA
POLÍTICA DE CURRÍCULO APOSTILADO NA REDE MUNICIPAL DE
ENSINO DE SORRISO - MT ....................................................................................... 56
2.1 O Mercado Editorial Brasileiro e a Ascensão dos Sistemas de Ensino: o caso do
Grupo Positivo............................................................................................................... 60
2.2 A Decisão sobre a Política de Currículo Apostilado no Sistema Público Municipal
de Ensino em Sorriso - MT ........................................................................................... 62
2.3 A Escolha do Sistema de Ensino Aprende Brasil – GRUPO POSITIVO e a
Proposta Pedagógica Legitimada.................................................................................. 67
2.4 A voz dos Pais dos Alunos do Sistema Público Municipal de Ensino na Decisão
Curricular sobre a Política de Currículo Apostilado ................................................... 73
2.5 O Macrocontexto e a Decisão Política sobre a Ação Pedagógica: o que Dizem as
Lideranças Políticas....................................................................................................... 80
2.6 A Política de Currículo Apostilado é Apresentada aos Professores ........................... 87
2.7 Os Livros da Coordenação: como as Apostilas estão Constituídas Tecnicamente e
Pedagogicamente ........................................................................................................... 90
CAPÍTULO III - DA REINTERPRETAÇÃO CURRICULAR
O CURRÍCULO PRATICADO OU REINVENTADO ............................................... 96
3.1 As Vozes dos Professores no Contexto da Prática ...................................................... 96
3.1.1 A Narrativa da Professora de História.......................................................................... 97
3.1.2 A Narrativa do Professor de Matemática ................................................................... 101
3.1.3 Narrativa da Professora de Geografia ........................................................................ 103
3.1.4 Narrativa da Professora de Língua Portuguesa........................................................... 104
3.1.5 Narrativa da Professora de Ciências .......................................................................... 105
3.1.6 Narrativa da Professora de Língua Inglesa................................................................. 106
3.1.7 Narrativa do Professor de Educação Física ................................................................ 108
3.1.8 Narrativa da Professora de Artes ............................................................................... 109
3.2 A Reinterpretação Curricular no Contexto da Prática ............................................ 111
3.2.1 O Currículo apresentado aos Professores ................................................................... 114
3.2.2 O Currículo Apostilado no Contexto da Prática ......................................................... 119
3.2.3 O Currículo Planejado e Implementado pelos Professores ......................................... 128
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 136
REFERÊNCIAS............................................................................................................... 140
ANEXOS................................................................................................................................141
13
INTRODUÇÃO
O Ensino Fundamental no Brasil, particularmente, tem enfrentado dificuldades a fim
de superar os problemas de qualidade da educação escolar, no sentido de conferir-lhe
significativamente resultados quanto à aprendizagem dos alunos. Nesse sentido, as políticas e
estratégias macro e micro estabelecidas em políticas públicas voltadas à área de educação e
têm por objetivo reforçar os aspectos de melhoria da qualidade do ensino que tem sofrido
intensas mudanças, interferindo tanto na organização das escolas, nos currículos e com
relação à prática dos professores. Porém, para compreendermos estas estratégias, é preciso
pensarmos sobre quais as discussões estão acontecendo em políticas públicas, bem como,
quais influências o Brasil vem sofrendo dos organismos internacionais.
É preciso levar em consideração a interferência que a globalização, o neoliberalismo
e os organismos internacionais vêm desempenhando na definição das políticas educacionais,
muitas vezes implantando um pensamento único que visa exclusivamente à propagação de
uma política homogeneizadora, na perspectiva de formar um trabalhador pronto a atender as
exigências do mercado.
As políticas públicas têm se caracterizado nas últimas décadas, no Brasil, através de
um paradigma político que pode ser identificado a partir de características do neoliberalismo.
A lógica dessas políticas tem sido pela institucionalização das determinações de organismos
internacionais que veem na educação uma possibilidade para adequação social às novas
configurações do desenvolvimento do capital.
Dentre esses organismos, podemos situar as funções que o Banco Mundial tem
exercido sobre países periféricos, por meio de programas de ajuste estrutural visando à
implantação de políticas macroeconômicas, que venham a contribuir para a redução dos
gastos públicos, bem como a realocação de recursos necessários a fim de aumentar os
superávits na balança comercial, buscando com essas medidas aumentar a eficiência do
sistema econômico. Tudo isso tem a ver com a promessa de inclusão desses países de baixa
renda no processo de globalização capitalista e há de se considerar que essas exigências têm
sido determinantes na condução das políticas públicas, sobretudo àquelas de caráter social,
tendo em vista os cortes no orçamento e a diminuição dos gastos públicos que as medidas
recomendadas representam.
A nova ordem mundial tem no neoliberalismo seu respaldo econômico e político,
assentando-se no princípio da não intervenção estatal na economia, com a finalidade de
facilitar uma maior mobilidade do capital. Dessa forma, é visível que, geograficamente e
14
economicamente, os estados dos países periféricos passam a se conformar com a ideologia
apresentada pelos países centrais, como uma proposta hegemônica para a saída da crise do
capitalismo e, através dessa configuração, o estado neoliberal se instala como uma espécie de
reforço ao capitalismo e um modo de produção de vida, aumentando as divisões sociais na
medida em que incentiva a competitividade. (MAUÉS, 2003:09)
Na verdade, a constituição de um projeto de estado à luz do neoliberalismo faz com
que haja “a fragmentação da sociedade em que diferentes grupos minoritários não consigam
constituir-se numa maioria capaz de questionar a hegemonia em vigor” (HARNECKER,
2000: 210). Esse projeto, portanto, é concebido na formação de uma sociedade hegemônica
que visa à acumulação do capital, valendo-se para tanto da racionalidade econômica
caracterizada pela lógica da eficiência, da eficácia e da otimização de recursos.
Assim, temos um estado instrumentalizado, com um projeto de fragmentação social e
produtivista em função da dependência econômica dos países centrais, que vai instituir
políticas púbicas, as quais atendam as exigências do capital internacional. No caso do Brasil,
as políticas públicas surgem no cenário da globalização carregada de regulação social e de
ajuste estrutural em que a vida social, política e econômica, nas dimensões públicas e
privadas, apontam para uma concepção produtivista e mercantilista, procurando desenvolver
habilidades e competências definidas pelo mercado, o que possibilitaria a empregabilidade.
A educação integra esse contexto de globalização e neoliberalismo, no sentido de
alinhar a sociedade em uma nova ordem econômica, política e social. Os organismos
internacionais passaram a determinar as metas que os países devem atingir, em matéria de
educação. As estratégias e prioridades nas definições de políticas educacionais impulsionam
reformas para que a educação possa contribuir para o crescimento econômico e a diminuição
da pobreza. A educação, portanto, caminha lado a lado com as questões de desenvolvimento
econômico de um país.
No Brasil, as políticas desenvolvidas para a melhoria da qualidade da educação
básica resultam, a partir dos anos 90, na consolidação do Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica – SAEB, a avaliação pedagógica qualitativa dos livros didáticos e a
elaboração e distribuição do Guia de Avaliação do Livro Didático, além da formulação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs para o Ensino Fundamental, Educação Infantil,
Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos, Educação Indígena, além da divulgação de
referenciais para a formação de professores para a Educação Infantil e Séries Iniciais do
Ensino Fundamental. Também destacamos o Programa de Aceleração da Aprendizagem e o
Programa TV Escola. As tecnologias no Brasil são ampliadas a partir do Programa Nacional
15
de Informática na Educação (Proinfo), a Reforma da Educação Profissional, Reforma do
Ensino Médio, e também da implantação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o
Programa Acorda Brasil e a campanha Toda a Criança na Escola. Todas essas iniciativas
procuraram fortalecer a qualidade na educação e garantir aos indivíduos a possibilidade de
formação.
Com relação à formação de professores, é importante considerarmos que no contexto
de globalização e do novo papel dos organismos internacionais, os profissionais da educação
passam a ter um papel fundamental como executores dessas políticas educacionais elaboradas
como meio de ajustar a educação às exigências do mercado. Portanto, o professor, o técnico, o
administrador se tornam os responsáveis pelo insucesso das medidas propostas e, ao mesmo
tempo, os únicos capazes de salvar a educação, desde que se mostrem passivos a todos os
programas não interferindo em qualquer outro direcionamento. (MAUÉS, 2003:18)
Porém, sabemos que os professores além de serem detentores dos processos
educacionais em sua condução, também ampliam cada vez mais a sua capacidade de
interpretação dos documentos que chegam às escolas. “Certamente existem reinterpretações
desses documentos e ações de resistência aos mesmos na prática pedagógica” (LOPES, 2002:
387). Neste caso, temos a adoção do currículo apostilado pelo Sistema Municipal de Ensino
que traz uma concepção de educação, que na realidade é um projeto econômico, social,
político, ideológico, onde a escola é comparada à empresa e nessa lógica deve formar
consumidores, em vez de cidadãos.
Os melhores exemplos de incursão dos procedimentos de controle técnico são encontrados no crescimento excepcionalmente rápido do uso de pacotes de material curricular. (...) Compra-se um conjunto completo de materiais padronizados, o que inclui relações de objetivos, todos os conteúdos curriculares e materiais necessários, a especificação de atividades a serem realizadas pelos professores e as respostas apropriadas dos alunos (APPLE, 1989: 159).
Com isso, nesta pesquisa, o que nos move é um estudo no contexto da Política de
Currículo Apostilado no Sistema Público Municipal de Ensino em Sorriso, no estado de Mato
Grosso.
O município de Sorriso, situado no estado de Mato Grosso, distante 341,6
quilômetros da capital Cuiabá, está localizado na microrregião do Alto Teles Pires. Conforme
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE/2010 possui uma população
de 66.506 habitantes, sendo em sua maioria migrantes de vários estados do Brasil,
destacando-se os da Região Sul, especialmente gaúchos que trouxeram os costumes e
16
tradições de suas regiões de origem. Além dos sulistas, o segundo maior número de migrantes
vem da região Nordeste, especificamente do estado do Maranhão.
Com relação ao Sistema Público Municipal de Ensino, possui atualmente 32
unidades escolares. A sede do município possui 11 centros de educação infantil e 16 escolas
municipais, sendo 04 escolas que oferecem do 1° ao 5° ano e 12 do 1° ao 9° ano. Nos
distritos, estão 03 escolas de ensino fundamental e 02 centros de educação Infantil. Todas as
escolas e centros de educação infantil possuem diretores e coordenadores eleitos pela
comunidade escolar.
Na gestão municipal de 2005 a 2008, administrada pelo Prefeito Dilceu Rossato (PR)
e a Secretária de Educação Marisa de Fátima dos Santos Neto (PSD), deram-se as
negociações com uma empresa do mercado educacional denominada Grupo Positivo, de
Curitiba – PR, para a adoção de Sistema Apostilado na Rede Municipal de Ensino, da
educação infantil ao 9° ano do ensino fundamental. A adoção do Sistema Apostilado deu-se
em toda a Rede Municipal de Ensino, no ano de 2006 até dezembro de 2008. A compra das
apostilas pelo Sistema Público Municipal de Ensino teve um gasto anual de 1.800.000,00 (um
milhão e oitocentos mil reais).
No governo municipal de 2009 a 2012, passa a assumir o Prefeito Clomir Bedin
(PMDB) e a Secretária de Educação Avanice Lourenço Zanatta (PT). O ano de 2009 é
marcado pela continuidade do Sistema Apostilado do Grupo Positivo da Educação Infantil ao
9° ano do Ensino Fundamental. Em 2010, a Secretaria de Educação convocou os professores
da Rede Municipal de Ensino para discussões sobre a continuidade ou retirada do Sistema
Apostilado. Com isso, os professores da educação e anos iniciais decidem pela retirada e os
do 6° ao 9° ano pela continuidade.
Em 2011, através de licitação, além do Grupo Positivo, também participa do pregão
presencial, o Sistema Maxi de Ensino, de Londrina – PR. Em virtude de o pregão presencial
prever um lance de menor preço das apostilas, o Sistema Maxi de Ensino passou a vender o
material apostilado do 6° ao 9° ano para o Sistema Público Municipal de Ensino com um
gasto anual de 480.000,00 (quatrocentos e oitenta mil reais).
Sendo assim, o objeto central do estudo nesta pesquisa, é analisar sobre a adoção do
Sistema Apostilado pelo Sistema Público Municipal de Ensino, no sentido de compreender a
práticas do professores a partir desses documentos prescritos, salientando a articulação entre o
contexto de produção do texto e o contexto da prática.
17
A Origem da Pesquisa
Em 2006, quando o Sistema Público Municipal de Ensino de Sorriso – MT, passou a
adotar as apostilas do Grupo Positivo, eu trabalhava no ensino superior, exercendo as funções
de coordenação pedagógica e docente do curso de pedagogia da Faculdade de Sorriso. Na
docência, ministrava a disciplina de “Currículo na educação básica” que abordava sobre a
construção curricular na escola. No decorrer dessas discussões comecei a perceber que os
acadêmicos traziam para as aulas a realidade das apostilas que faziam parte da sala de aula
das escolas municipais. Essa realidade era por eles vivida porque desempenhavam a função de
estagiários nas escolas municipais e, por isso, acompanhavam a prática dos professores que
utilizavam essas apostilas.
Os apontamentos evidenciados pelos acadêmicos deixavam claro que as apostilas
traziam propostas com atividades as quais os professores desenvolviam em sala de aula e,
muitas vezes, havia reclamações e dúvidas sobre essas propostas ou até mesmo sobre os
conteúdos serem extensos, ou seja, havia receio por parte dos professores municipais que não
conseguiriam cumprir a proposta definida pela apostila.
Esses apontamentos me traziam inquietações, mas ao mesmo tempo bastante
curiosidade sobre o uso das apostilas em sala de aula. Por isso, aos poucos e por meio dos
acadêmicos, foi possível a conhecer a prática pedagógica que se estabelecia na escola e
comecei a questionar sobre os efeitos de um currículo pronto. Enfim, os diálogos
estabelecidos com os acadêmicos permitiram que eu intensificasse as leituras sobre o
currículo.
Em 2008, após aprovação no concurso público, fui efetivada no Sistema Público
Municipal de Sorriso – MT. Iniciei minhas atividades docentes com alunos de 8º e 9º ano na
disciplina de língua portuguesa. Recebi da coordenação da escola, quando do início dessas
atividades, um kit escolar, contendo quatro apostilas, sendo duas para o professor e outras
duas do aluno a fim de que eu tivesse conhecimento sobre os exercícios aos quais eram
desenvolvidos por eles. Essas apostilas eram distribuídas bimestralmente. Além desse
material, a orientação da coordenação pedagógica da escola versava sobre o cumprimento de
todas as atividades, a fim de que os pais não viessem reclamar sobre alguma unidade não
cumprida pelos professores.
O início do uso da apostila foi bastante desafiador, principalmente, no que dizia
respeito à proposta de textos, às atividades de interpretação, produção textual e avaliação. As
unidades curriculares das apostilas traziam textos que não eram condizentes com a realidade
18
do aluno e, aos poucos, como faziam os demais professores, comecei também a utilizar o livro
didático, além de outros recursos como jornais locais, revistas sobre língua portuguesa, vídeos
e atividades de enriquecimento linguístico.
Quando da experiência enquanto professora, utilizando as apostilas, algumas
questões foram importantes para mim naquele momento. Além de refletir sobre o porquê da
adoção de currículos apostilados no Sistema Público Municipal de Ensino de Sorriso,
chamava-me a atenção, nas formações dos professores, a reação de alguns deles frente aos
conteúdos e às dificuldades de acompanhamento dos alunos diante da proposta de textos e
atividades. Aos poucos, porém, e sem nenhuma resposta do próprio sistema de ensino, os
professores dividiam as opiniões quanto a qualidade do material apostilado, sendo que uns
eram favoráveis e outros contrários às apostilas.
Esta pesquisa, portanto surge como uma necessidade profissional em
compreendermos sobre como se estabelece e constitui no jogo de poderes, os interesses e
negociações que se instalam nesse Sistema Público de Ensino, ao adotar uma Política de
Currículo do mercado educacional. Por isso, temos como questão central neste estudo, como
professores do 6º ao 9º ano reinterpretam a política de currículo apostilado no Sistema Público
Municipal de Ensino de Sorriso - MT?
O Lócus e os Sujeitos de Estudo
Para a realização deste estudo, em torno da Reinterpretação Curricular no Contexto
da Política de Currículo Apostilado no Sistema Público Municipal de Ensino de Sorriso – MT
participaram três escolas municipais.
A escolha foi feita a partir das 12 escolas municipais que oferecem do 1° ao 9° ano e
estão distribuídas em 03 pólos. Para a escolha das escolas, realizamos, em cada pólo o sorteio
de uma escola. A partir deste resultado, a escola do pólo I está localizada na regional Oeste,
do pólo II, na regional Leste e pólo III, na regional Norte. Posteriormente, também foi
realizado o sorteio dos professores dos anos finais como participantes, sendo no Pólo I (03),
no Pólo II (03) e no Pólo III (02). Sendo assim, no Pólo I foram os professores de geografia
(8° ano), matemática (6° ano) e língua inglesa (9° ano); no pólo II, os professores de artes (8°
ano), língua portuguesa (6° ano) e educação física (6° ao 9° ano)1 e, no pólo III, os
professores de história (7°ano) e ciências (7°ano).
1 A apostila de Educação Física é um Livro Integrado que compreende Conteúdos, Metodologia e Avaliação do 6° ao 9° ano).
19
Ainda, anteriormente a escolha dos sujeitos, alguns critérios foram estabelecidos, ou
seja, que todos fossem efetivos na rede municipal de ensino, impreterivelmente, já em 2005
atuando em sala de aula e, caso na escola houvesse mais de um(a) professor(a) na mesma
disciplina e turma, seria escolhido o(a) professor(a) efetivo(a) com maior tempo de serviço na
rede municipal de ensino. Quanto aos professores contratados, decidimos pela sua não
participação, devido ao encerramento dos contratos se darem anualmente.
Também, alguns importantes compromissos foram definidos com os sujeitos
participantes da pesquisa, ou seja, levamos em consideração, através da investigação, a
responsabilidade ética do investigador para com os participantes, informando-lhes sobre os
objetivos da mesma, além de subsidiar-lhes com um documento ao qual denominamos
“Termo de esclarecimento aos participantes”, para os Prefeitos Municipais e Secretária de
Educação (Anexo VIII) e para os Professores (Anexo VII) . Conforme Biklen & Bogdan
(1994)
“duas questões dominam o panorama recente no âmbito da ética relativa à investigação com sujeitos humanos; o consentimento informado e a proteção dos sujeitos contar qualquer espécie de danos. Tais normas devem assegurar aos sujeitos uma adesão voluntária aos projetos de investigação, cientes da natureza do estudo e dos perigos e obrigações nele envolvidos e, ainda, os sujeitos não são expostos a riscos superiores aos ganhos que possam advir”(75).
O Termo de esclarecimento direcionado especificamente aos professores descreveu o
estudo, bem como explicações sobre o procedimento de análise dos resultados da pesquisa. A
assinatura de cada professor, no formulário, foi prova do consentimento informado, no sentido
de assegurar que os mesmos teriam sua identidade preservada. Sendo assim, neste caso de
acordo com Biklen & Bogdan (1994:77) “as identidades dos sujeitos devem ser protegidas,
para que a informação que o investigador recolhe não possa causar-lhes qualquer tipo de
transtorno ou prejuízo. O anonimato deve contemplar não só o material escrito, mas também
os relatos verbais da informação recolhida durante as entrevistas ou observações. O
investigador não deve revelar a terceiros, as informações sobre os seus sujeitos e deve ter
particular cuidado para que a informação que partilha no local da investigação não venha a ser
utilizada de forma política e pessoal”.
Ao contrário, optamos pelo não anonimato no que diz respeito à participação dos
Prefeitos Municipais e as Secretárias de Educação, sendo o Senhor Dilceu Rossato (PR) e a
Senhora Marisa de Fátima dos Santos Neto (PSD) (gestão 2005 a 2008) e o Senhor Clomir
Bedim (PMDB) e a Senhora Avanice Lourenço Zanatta (PT) (gestão 2009 a 2012).
20
O Percurso Metodológico e a Coleta de Dados
Na pesquisa, fizemos a opção pela metodologia qualitativa interpretativa a partir do
Ciclo de Políticas de Ball e Bowe (1992), utilizando três contextos de estudo: o Contexto de
Influência, o Contexto de Produção do Texto e o Contexto da Prática. Esses Contextos
possibilitam compreender que “os textos curriculares não encerram em si mesmos os sentidos,
estando sempre abertos, portanto, às interpretações múltiplas, pelas leituras possíveis
realizadas pelos diferentes sujeitos em contextos nos quais os textos circulam”. (DIAS &
LOPES, 2006:55 apud BALL 1992).
O estudo do Ciclo de Políticas indica que o foco de análise e políticas deveria incidir sobre a formação do discurso da política e sobre a interpretação ativa que os profissionais que atuam no contexto da prática fazem para relacionar os textos da política e da prática. Isso envolve identificar processos de resistência, acomodações, subterfúgios e conformismo dentro e entre as arenas da prática, e o delineamento de conflitos e disparidades entre os discursos nessas arenas (BALL & BOWE, 1992: 22).
É no Contexto de Influência que as políticas públicas são iniciadas, os discursos
políticos são construídos, grupos disputam para influenciar a definição das finalidades sociais
da educação e do que significa ser educado. Atuam nesse contexto os partidos políticos do
governo e do processo legislativo. “É no Contexto de Influência que grupos de interesse
disputam para influenciar a definição das finalidades sociais da educação e do que significa
ser educado” (MAINARDES, 2006:51 apud BALL & BOWE, 1992).
Com relação ao Contexto de Influência, utilizamos enquanto instrumento de coleta
de dados, uma entrevista com 08 perguntas, tendo por objetivo “questões abertas e que devem
evocar ou suscitar uma verbalização que expresse o modo de pensar ou de agir das pessoas
frente aos temas focalizados” (BIASOLI-ALVES, 1998: 14).
As 08 perguntas da entrevista encaminhadas ao Prefeito Municipal Dilceu Rossato
(Anexo I) e a Secretária de Educação Marisa de Fátima dos Santos Neto (Anexo II) (gestão
2005 a 2008), teve como principal objetivo, compreendermos sobre como se deu a decisão de
governo, em adotar um Sistema Privado/Apostilado de Ensino para as escolas públicas
municipais.
Também, foram encaminhadas 08 perguntas ao Prefeito Municipal Clomir Bedin
(Anexo III) e a Secretária de Educação Avanice Lourenço Zanatta (Anexo IV) (gestão 2009 a
21
2012), no sentido de compreendermos sobre a decisão de continuidade do Sistema
Privado/Apostilado de Ensino para as escolas públicas municipais.
O Contexto da Produção de Texto é caracterizado por textos legais ou oficiais e
textos políticos, comentários formais ou informais sobre os textos oficiais, “tais textos não são
necessariamente, internamente coerentes e claros e podem também ser contraditórios” (BALL
& BOWE, 1992).
No Contexto de Produção de Texto, a coleta de dados deu-se nos materiais
documentais que se encontravam no departamento administrativo da Secretaria de Educação,
sendo o Projeto Político Pedagógico da Secretaria de Educação, as Diretrizes Pedagógicas do
Sistema de Ensino adotado, as apostilas do 6° ano de Língua Portuguesa e Matemática, 7° ano
de Ciências e História, do 8° ano de Artes e Geografia e do 9° ano de Língua Inglesa.
Educação Física apresenta o livro integrado do 6° ao 9° ano e algumas atas de registro das
reuniões realizadas entre a Administração Municipal, no ano de 2005, com os pais e os
professores.
O Contexto da Prática é onde a política está sujeita à interpretação e recriação e onde
a política produz efeitos e consequências que podem representar mudanças e transformações
significativas na política original, “o ponto-chave é que as políticas não são simplesmente
implementadas dentro desta arena (contexto da prática), mas estão sujeitas a interpretações e,
então, a serem recriadas” (BALL & BOWE, 1992).
No Contexto da Prática, utilizamos a entrevista narrativa com os 08 professores
(Anexo V) do 6° ao 9° ano da rede municipal de ensino de Sorriso – MT.
A Narrativa, enquanto objeto de investigação, tem por objetivo considerar as
vivências e experiências dos professores no desenvolvimento de suas atividades educacionais.
Nesse sentido, a Narrativa possibilita sistematizar as experiências vividas pelos professores no
Contexto da Prática, relacionando conhecimentos sobre o que eles sabem, sobre como
produzem os seus saberes e como transmitem o saber produzido. Essas buscas identificam os
conhecimentos utilizados no desenvolvimento de suas práticas pedagógicas e a forma como
constroem esses conhecimentos. Sendo assim, a Narrativa nos permitiu compreender o
processo de prática do professor, levando em consideração a sua autonomia com relação às
questões relacionadas às suas aprendizagens, como também possibilitou aos 08 professores,
refletirem sobre sua trajetória pessoal e profissional. (BAUER, 1997: 98)
Portanto, o objetivo de escolha da Narrativa, foi no intuito de recuperar e captar da
memória de alguns professores do 6º ao 9º ano, de três escolas municipais, as experiências
vividas com o currículo apostilado. A Narrativa, nesse sentido, além de recuperar os fatos
22
vivenciados pelos professores, permitiu a reflexão sobre os mesmos, além de situações da
prática, quando os professores lembraram os conteúdos ministrados e as dificuldades de
adaptação à prática ou mesmo metodologias e avaliação aos quais os mesmos percebiam que
poderiam ser intensificadas.
Nesse sentido a narrativa contribuiu para as análises posteriores sobre a
reinterpretação que os mesmos estabeleceram diante do sistema apostilado fazer parte de sua
prática anterior.
Através das narrativas, as pessoas lembram o que aconteceu, colocam a experiência em uma sequência, encontram possíveis explicações para isso, e jogam com a cadeia de acontecimentos que constroem a vida individual e social. Contar histórias implica estados intencionais que aliviam, ou ao menos tornam familiares, acontecimentos e sentimentos que confrontam a vida cotidiana normal (BAUER, 1997: 90).
Na realização da Narrativa, algumas fases foram importantes: a preparação
(formulação de um roteiro); a iniciação (explicações iniciais ao participante e o emprego de
gravador2); a narração central (sem interrupção e, se necessário, somente encorajamento não
verbal para continuar a narração); fase de perguntas (somente, “o que aconteceu então”) e, a
fala conclusiva (o encerramento da gravação e as anotações imediatamente realizadas após a
entrevista). Mesmo estabelecendo critérios para a realização da Narrativa, nos predispomos no
decorrer da mesma, a respeitar o máximo possível a narração do participante, evitando
interrupções da mesma.
A Interpretação e Análise dos Dados
No Contexto de Influência, organizamos eixos de análise a partir dos resultados das
entrevistas com o Prefeito Municipal Dilceu Rossato (PR) e Marisa de Fátima dos Santos
Neto (PSD) na gestão do município de Sorriso – MT, de 2005 a 2008. Da mesma forma,
organizamos a análise com relação à gestão municipal de Sorriso – MT, de 2009 a 2012,
através das entrevistas realizadas com o Prefeito Municipal Clomir Bedin (PMDB) e a
Secretária de Educação Avanice Lourenço Zanatta (PT).
Com relação à gestão municipal de 2005 a 2008, os eixos de análise estão focados a
partir das contribuições do Prefeito Municipal Dilceu Rossato (PR): “a decisão de
2 Marca Sony com 2gb de memória com capacidade de gravação de 534 horas.
23
implantação de um Sistema Privado de Ensino fazer parte de um Sistema Público de Ensino”;
“As contribuições do Grupo Positivo para com a Rede Municipal de Ensino de Sorriso – MT”
e, “A percepção do Prefeito com relação ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica –
IDEB, se houve ou não melhoria após a compra das apostilas”. Para a Secretária de Educação
Marisa de Fátima dos Santos Neto (PSD), também foram estruturados eixos de análise: “A
participação da equipe da Secretaria de Educação nas discussões sobre a decisão de
implantação de um Sistema Privado de Ensino fazer parte de um Sistema Público de Ensino”;
“Como a Secretaria de Educação percebeu a participação dos pais e professores no processo
de implantação do Sistema Apostilado do Grupo Positivo” e, “Pode-se dizer se houve uma
melhoria da qualidade do ensino na Rede Municipal de Ensino de Sorriso – MT com a
compra das apostilas do Grupo Positivo.”
Na gestão municipal de 2009 a 2012, os eixos de análise compreendem: para o
Prefeito Municipal Clomir Bedin (PMDB), “A questão de um Sistema Privado de Ensino
fazer parte de Sistema Público de Ensino”; “A decisão pela retirada das apostilas na educação
infantil e anos iniciais e a continuidade nos anos finais do ensino fundamental” e, “O sistema
apostilado tem relação com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB”. Para
a Secretária de Educação Avanice Lourenço Zanatta (PT), “As discussões da equipe da
Secretaria de Educação com relação ao Sistema Apostilado na Rede Municipal de Ensino em
Sorriso – MT”; “o envolvimento da Secretaria de Educação nas discussões sobre a retirada do
Sistema Apostilado na Rede Municipal de Ensino em Sorriso – MT, bem como a
continuidade nos anos finais do ensino fundamental” e, “A relação entre o Grupo Positivo e
os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica na Rede Municipal de
Ensino de Sorriso – MT.”
No contexto de Produção de Texto, os documentos oficiais analisados foram a partir
do Projeto Político Pedagógico da Secretaria de Educação, destacando os seguintes tópicos
para análise: “Considerações sobre a proposta curricular: explicitando posicionamentos”;
“Princípios Metodológicos da Proposta Pedagógica” e os “Componentes Curriculares”. Outro
documento foi a Descrição do Sistema de Ensino Aprende Brasil – Grupo Positivo que
analisou a “Proposta Pedagógica”, os “Pressupostos Norteadores” e as “Concepções,
Finalidades e Objetivos do Ensino Fundamental”.
A partir dos documentos, destacamos da gestão 2005 a 2008, os ofícios, relatórios,
atas de reuniões realizadas entre a Secretaria de Educação e o Prefeito Municipal, como
também com os pais e professores da Rede Municipal de Ensino de Sorriso – MT.
No Contexto da Prática, para a análise dos dados a partir das narrativas com os 08
24
professores municipais do 6° ao 9° ano, estabelecemos eixos temáticos que possibilitaram
melhor organização das informações. Com relação ao primeiro eixo, destacamos como “O
currículo apresentado aos professores” (a receptividade do currículo apostilado e uma
descrição da apostila). O segundo eixo temático diz respeito a “O currículo prescrito vivido
pelos professores na prática” (uma percepção sobre a seleção de conteúdos, a metodologia
trazida como proposta de prática de aula e a avaliação, a partir das sugestões propostas na
apostila). O terceiro e último eixo temático discutiu “O currículo reinterpretado pelos
professores” (a possibilidade de um currículo planejado e implementado pelo professor em
termos de conteúdos, metodologia e avaliação).
Por fim, definimos a redação da dissertação com apresentação de capítulos
organizados de maneira a contemplar o foco da pesquisa e a própria apresentação escrita dos
dados, confrontando-os com autores que trazem uma fundamentação condizente com o tema
em questão. Além disso, após a dissertação ser apresentada à banca examinadora, uma cópia
fará parte do acervo da Biblioteca Pública do município de Sorriso - MT, para fins de
pesquisa ou mesmo conhecimento dos interessados.
25
CAPÍTULO I - POLÍTICAS CURRICULARES: PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO
Ao falarmos sobre políticas curriculares destacamos o processo político de
escolaridade. O processo político “é a rede de estruturas, papéis, normas e relações
interpessoais que operam no processo de escolaridade” (PACHECO, 2005: 103). Por assim
dizer, podemos refletir sobre o espaço escolar e as características políticas que encontramos
nesse contexto em que a escola “é o veículo dessa atividade política, através de um modo
particular de organizar o poder e as influências que se encontram nas suas práticas cotidianas”
(PACHECO, 1075: 273). Com isso, devemos considerar o currículo como uma atividade
político cultural, onde é preciso pensar a escola, também, como espaço de construções
curriculares, cujo objetivo é refletir a prática pedagógica e até que ponto esta vem
contribuindo com as aprendizagens.
Nas discussões sobre currículo, quem sabe nunca possamos chegar a uma definição
exata sobre o seu significado, para que a escola possa se apoderar deste, legitimar e construir
suas concepções pedagógicas. Essa, com certeza, não é nossa intenção. Ao contrário, a
definição pela qual discutimos em torno do significado de currículo, nos permite situar a sua
função no contexto escolar a fim de intensificar as práticas escolares levando a discussões de
que o currículo é o centro da atividade educacional e este foco eleva a condição da escola em
refletir sobre sua trajetória em educação.
1.1 O Currículo
Para o currículo, não se tem encontrado respostas fáceis. Desde o início do século
passado, os estudos curriculares têm definido currículo de formas diversas e várias dessas
definições permeiam o que tem sido denominado currículo no cotidiano das escolas. Partindo
dos guias curriculares propostos pelas redes de ensino àquilo que acontece em sala de aula,
currículo possui significados que contemplam a grade curricular, com disciplinas, atividades e
cargas horárias, o conjunto de ementas e os programas das disciplinas, além de planos de
ensino dos professores e as próprias experiências vividas pelos alunos. Há, nesse sentido, ao
que percebemos, um aspecto comum a tudo isso que tem sido chamado de currículo, a ideia
de organização prévia ou não de experiências, situações de aprendizagem realizadas por
docentes em redes de ensino. Sob tal “definição”, no entanto, se esconde uma série de outras
26
questões ao qual discutiremos ao longo deste diálogo que empreendemos sobre currículo, e
que vem sendo objeto de disputas na teoria curricular.
Para que haja uma discussão sobre currículo, é preciso que levemos em consideração
autores que localizados historicamente, nos auxiliem na sua compreensão. Assim como há um
deslocamento da história, o currículo também se desloca em definições e, a cada nova
definição, vários fatores estão imbricados, bem como concepções de escola, alunos,
professores, formação e conhecimento. As novas definições que surgem não estão somente
preocupadas em considerar o objeto currículo, mas, sim, no sentido de acompanhar as
transformações pelas quais passa a educação, localizadas em um determinado espaço e tempo
e de acordo com as transformações das quais a sociedade também faz parte.
Ao falarmos sobre essa definição, entendemos que a mesma pode se posicionar
radicalmente contra, ou mesmo, pode explicitar as suas insuficiências, em relação às próprias
definições anteriores, mantendo-se, portanto, ou não o mesmo horizonte teórico. Esse
movimento de construção de novos sentidos para o termo currículo, pode simplesmente negar
ou reconfigurar ao que se tem de respostas até hoje. Independentemente, é importante e
necessário criar e estimular esses espaços de discussões, não para encontrar definições, mas
para configurar o significado do termo currículo para a escola o que, consequentemente,
poderá permear as práticas as quais forem estabelecidas nesses espaços.
Historicamente, situamos a primeira menção do termo currículo em 1633, quando
aparece nos registros da “Universidade de Glasgow, referindo-se ao curso inteiro seguido
pelos estudantes” (HAMILTON, 1992: 33-52). Há, nesse sentido, não uma pesquisa sobre o
surgimento de estudos sobre currículo, mas é importante observarmos uma associação entre
currículo e princípios de globalidade estrutural e sequenciação da experiência educacional ou
uma ideia de um plano de aprendizagem envolvendo, portanto, um curso e os próprios
estudantes.
O currículo é definido como as experiências de aprendizagem planejadas e guiadas e os resultados de aprendizagem não desejados formulados através da reconstrução sistemática do conhecimento e da experiência sob os auspícios da escola para o crescimento contínuo e deliberado da competência pessoal e social do aluno (LOPES & MACEDO, 2001: 20 apud TANNER, 1975: 45).
Assim se admite que, para o ensino, o importante é o planejamento e que esse
planejamento envolve a seleção de determinadas atividades, experiências ou conteúdos e sua
organização ao longo do tempo de escolarização. Nem sempre, no entanto, essa ideia foi tão
óbvia. “Na segunda metade do século XIX, por exemplo, aceitava-se com tranquilidade que
27
as disciplinas tinham conteúdos que ditavam sua utilidade a fim de desenvolver certas
faculdades mentais” (LOPES & MACEDO, 2001: 21). O ensino, então dito tradicional ou
jesuítico, operava com tais princípios, defendendo que certas disciplinas facilitavam o
raciocínio lógico ou mesmo ampliavam a memória. Apenas na virada para os anos de 1900,
com o início da industrialização americana, e nos anos de 1920, com o movimento da Escola
Nova no Brasil, a concepção de que era preciso decidir sobre o que ensinar ganha força e,
para muitos autores, é a partir desse tempo que iniciam os estudos curriculares.
O momento era marcado pelas demandas da industrialização, a escola ganha novas
responsabilidades e precisa voltar-se para a resolução de problemas sociais gerados pelas
mudanças econômicas da sociedade. A escola vem para servir as necessidades da sociedade e
sua organização acompanha e está a serviço da industrialização. Independente de
corresponder ou não a campos instituídos do saber, os conteúdos a serem desenvolvidos nas
escolas e repassados aos alunos precisam, necessariamente, ser úteis.
Com o passar do tempo, essa utilidade passa então a ser questionada, bem como
começam a surgir discussões sobre verdadeiramente, quais os caminhos que podem levar a
essa utilidade e por onde começar. A dificuldade em responder a essas questões era evidente e
as perspectivas assumidas ao longo do tempo têm criado diferentes teorias curriculares. A
definição que melhor explicita a compreensão do que é o currículo então traz a ideia de
experiências de ensino e aprendizagem, e também a própria preocupação com o processo de
gestão escolar e o dia a dia da sala de aula.
No Brasil, trazidas pela Escola Nova, é possível encontrarmos algumas respostas
sobre currículo, a partir das teorias curriculares as quais eram discutidas e surgiram nos
Estados Unidos. No ano de 1910, o taylorismo se destaca na sociedade americana, que se
industrializa. As demandas sobre a escolarização aumentam como forma de fazer face à
rápida urbanização e às necessidades de trabalhadores para o setor produtivo. A eficiência da
escola, nesse sentido, faz-se necessária, através de um clima de industrialização em que a
sociedade se dê sem rupturas e em clima de cooperação. A escola e o currículo são, portanto,
importantes instrumentos de controle social.
Em 1980, no Brasil, praticamente todas as propostas curriculares são elaboradas
segundo o modelo de elaboração curricular de Tyler3. Também as publicações sobre o
3 Educador norte-americano que se destacou no campo da avaliação educacional. Atuou na gestão da educação básica dos Estados Unidos e como professor da Universidade da Carolina do Norte e da Ohio State Universit. Tyler tornou-se o primeiro diretor de Centro de Estudos Avançados em Ciências do Comportamento da Universidade de Sdanford. Após sua aposentadoria, tornou-se conferencista internacional e consultor para a
28
planejamento de currículo trazem essa marca, sendo adaptações de textos norte-americanos
ligados a essa tradição. Tyler, portanto é, indubitavelmente, o nome mais conhecido no campo
do currículo, tendo sido responsável pelo modelo de elaboração curricular mais utilizado no
mundo ocidental para o desenho de currículos.
Tyler reduz o currículo a uma intenção prescritiva, determinando sobre como deve
ocorrer ou do que deve ser feito na escola. Surge, então, a proposta de uma formação
antecipadamente determinada em termos de resultados de aprendizagem, geralmente
traduzida num plano de estudos, ou num programa muito estruturado e organizado na base de
objetivos, conteúdos, atividades e avaliação e de acordo com a natureza das disciplinas.
A base racional desenvolvida às concepções sobre o currículo está em torno de quatro questões fundamentais que devem ser respondidas quando se desenvolve qualquer currículo ou plano de ensino. Primeiro, que objetivos educacionais devem a escola procurar atingir; segundo, que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidades de alcançar esses propósitos; terceiro, sobre como organizar eficientemente essas experiências educacionais e, por fim, como podemos ter a certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados (TYLER, 1981: 03).
O currículo aparece como algo bastante planificado e que depois será implementado
na base do cumprimento das intenções previstas, constituindo os objetivos, que expressam a
sua antecipação de resultados, e os conteúdos a serem ensinados como aspecto fundamental
de sua definição, bem como, os resultados eficientes a serem alcançados.
Tyler “não se preocupa com a organização do sistema de ensino, pressupondo-a
como dada” (LOPES & MACEDO, 2011: 45). Decisões sobre, por exemplo, o número de
anos de escolarização obrigatória, existência ou não de retenção de alunos, não foram
consideradas como princípios básicos de currículo. Traz ainda questões sobre a estrutura do
currículo disciplinar, por áreas temáticas, misto ou totalmente integrado e com componentes
que apresentam continuidade temporal ou isolados. Somente são tratadas de forma periférica
ao se abordar a organização das experiências de aprendizagem. Ele, assim, defende
organizações estruturais que contemplem planejamentos para blocos temporais maiores,
evitando a fragmentação, dividindo o tempo diário em uma série de atividades, de preferência
conduzidas por mais de um professor. Tyler concebe os princípios básicos de currículo muito
mais como a organização das experiências dentro de cada componente curricular.
formulação de sistemas de avaliação educacional em diferentes países. Ficou conhecido principalmente pelo seu livro “Princípios básicos de currículo e ensino”.
29
As concepções de Tyler em relação ao currículo, “seria um contrassenso defender
que a racionalidade tyleriana que percebemos presente nas políticas recentes seja
essencialmente aquela proposta por Tyler” (LOPES & MACEDO, 2011: 57). Essa teoria veio
se deslocando no tempo e no espaço e, se presente hoje nas políticas curriculares, só o é como
fragmentos “reterritorializados e ressincronizados” num mundo no qual as formas de saber e
produzir já não são mais as mesmas. Os currículos produzidos no Brasil, em sua maioria da
racionalidade tyleriana, são questionados e aos poucos é preciso criar outros sentidos por
intermédio da desconstrução dos sentidos que eles projetam.
Explicitar o quanto qualquer planejamento curricular é arbitrário e produzido em
meio a relações de poder que tornam algumas coisas (in)dizíveis é a tarefa diária que, talvez,
possibilite abrir espaço para o “desplanejamento”. Desplanejar não significa agir sem
planejar, mas agir segundo um planejamento que, no mesmo ato, é desmontado. Essa
desmontagem permite novas reflexões, discussões e a construção de importantes concepções.
“A norma para o currículo, portanto, não é o consenso, a estabilidade e o acordo, mas o
conflito, a instabilidade, o desacordo, porque o processo é de construção seguida de
desconstrução seguida pela construção” (LOPES & MACEDO, 2001: 66 apud
CHERRYHOLMES, 1988: 149).
O pós-estruturalismo trouxe importantes concepções para os estudos curriculares e
permitiu que houvesse esse desplanejamento ao que, de fato, se achava impossível de
transformar e mesmo questionar. Os primeiros estudos pós-estruturais do currículo datam de
fins dos anos de 1970, mas apenas na década seguinte eles se tornaram mais numerosos.
No Brasil, até meados de 1990, não havia praticamente nenhuma menção ao pós-
estruturalismo nos estudos curriculares, o que viria a se intensificar fortemente no início deste
século, especialmente com os textos e traduções produzidos por Tomaz Tadeu da Silva.4
Talvez mais radicalmente do que em outras matrizes teóricas, não se pode falar em um único
pós-estruturalismo. Isso torna a menção a abordagens pós-estruturais do currículo uma ficção
facilitadora de nosso diálogo, mas que precisa ser entendida como tal. Nesse sentido, não
daremos destaque aqui à obra de nenhum autor em particular, mas nos deteremos aos
princípios do pós-estruturalismo capazes de nos ajudar a reapresentar o que é currículo em
termos pós-estruturais. Discutir sobre o pós-estruturalismo traz importantes contribuições para
4 Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atua em Currículo, com ênfase na filosofia da diferença. Sua obra possui influências de autores como Hall, Foucault, Deleuze, Nietzsche e de outros autores dos estudos culturais, pós-estruturalismo e pós-modernidade. Publicou livros como: Identidade e diferença; A perspectiva dos estudos culturais; Pedagogia dos monstros; Documentos de Identidade; e O currículo como fetiche.
30
a nossa pesquisa.
Embora por vezes confundido com pós-modernidade, o pós-estruturalismo engloba
autores que dialogam especialmente com o estruturalismo, assumindo alguns de seus
pressupostos, dentre os quais o mais relevante para a desconstrução dos conceitos de currículo
que apresentamos até agora diz respeito ao lugar da linguagem na constituição do social.
Ambos adotam uma postura antirrealista, advogando que, ao invés de representar o mundo, a
linguagem o constrói. Nesse sentido, estruturalistas e pós-estruturalistas defendem que a
linguagem cria aquilo que fala ao invés de simplesmente nomear o que existe no mundo.
“Como consequência, não se pode pensar em conhecimento sobre o mundo nem em sujeito
que conhece, modificando-se a própria natureza da relação sujeito-objeto estruturante do
projeto moderno, central nas diferentes concepções de currículo que viemos apresentando”
(LOPES & MACEDO, 2001: 33).
Se há aproximações entre estruturalismo e pós-estruturalismo no que concernem as
críticas à Modernidade, há também muitos afastamentos. O estruturalismo tem uma pretensão
científica de se constituir em método para as ciências sociais e isso impacta fortemente sua
capacidade de lidar com a linguagem. Desenvolvido por autores “como Saussure, no campo
da linguística, Lévi-Satrauss, na antropologia, ou Piaget, na psicologia da educação, o
estruturalismo advoga a existência de uma estrutura ou sistema ou conjunto de relações que
subjaz aos fenômenos” (LOPES & MACEDO, 2011: 38). É por isso que dizemos que a
realidade é constituída pela linguagem, entendida, em sentido amplo, como um sistema
abstrato de relações diferenciais entre as suas várias partes. Qualquer sentido é dado por tal
sistema, por uma estrutura invariante que constitui ela mesma a realidade. A criação de
sentidos só é possível tendo em vista a estrutura do texto ou a estrutura cognitiva do leitor, por
isso, a linguagem é tarefa importante às aprendizagens, uma vez que expressa o conhecimento
do indivíduo e sua capacidade de compreensão da realidade. O estruturalismo, entendemos,
elimina o sujeito como até então postulava a modernidade, seja porque os sentidos estão na
estrutura, seja porque a própria consciência humana é também produzida por estruturas
invariantes.
Entender o mundo passa a ser entender as estruturas que o constituem, o que pode ser feito por intermédio da análise estrutural da linguagem (da estrutura cognitiva, dos sistemas de parentesco). Essa é uma análise que privilegia o sincrônico (termos localizados em uma situação, sem história), sem atenção ao diacrônico (sucessão dos termos ao longo do tempo) (LOPES & MACEDO, 2011: 39).
31
O pós-estruturalismo contrapõe-se ao estruturalismo pelo fato deste não percebe que
a própria ideia de estrutura estaria ela mesma marcada pela linguagem. Nesse sentido, ela não
pode ser entendida como realidade, como fundamental que subjaz aos fenômenos, sob pena de
retomar à ingenuidade criticada nas posturas realistas. Além disso, o estruturalismo deixaria
de levar em conta a construção sócio-histórica das estruturas, ao negligenciar o diacrônico, e
teria dificuldade de entender a passagem de um sistema de relações (estrutura) do outro. A
estrutura invariável, no tempo e através dele, funcionaria, portanto, como uma natureza
imutável do mundo, algo que poderia ser comparado à ideia de natureza humana.
O abandono proposto pelo pós-estruturalismo da noção de estrutura obriga a releitura
da linguagem. Para o estruturalismo, a linguagem é um sistema de signos compostos por
significante (som ou palavra) e significado (seu conceito) que guardam, entre si, uma relação
arbitrária. Na medida em que a linguagem não representa a realidade, qualquer significado
pode ser atribuído a um significante e isso é um processo cultural. O que nos permite atribuir
um significado a um significante é a sua diferença em relação a outros significantes que
constituem o sistema linguístico. Assim, o termo aluno não tem correspondência necessária
com algo que existe na realidade; a ideia de que ele está associado a um dado conteúdo seria
uma ilusão. Aluno só pode ser entendido em relação a professor ou à aluna ou à pessoa não
escolarizada, ou seja, em relação a sua diferença. Em cada uma dessas relações, cria-se um
significado para aluno.
Com a crítica à estrutura, o pós-estruturalismo é obrigado a desconectar totalmente a
ideia de significado do significante. Não há relações estruturais entre dois significantes, não
há relações diferenciais fixas entre eles e, portanto, não há significados a eles associados.
Cada significante remete a outro significante, indefinidamente, sendo possível determinar-lhe
um significado; este é sempre adiado. Todo significante é, portanto, flutuante e seu sentido
somente pode ser definido dentro de uma formação discursiva histórica e socialmente
contingente.
A questão fundamental do pós-estruturalismo se torna: como e em que condições um
determinado discurso é capaz de constituir a realidade? No que se refere ao termo aluno, por
exemplo, interessa sobre como a ideia de aluno é construída na interseção entre vários
discursos e como esses discursos se inserem em uma sociedade específica. Entender sobre
como um Sistema Privado de Ensino hegemoniza o conhecimento em um Sistema Público de
Ensino, divergente em tantas realidades. É isso que o torna real. Para entender esse processo,
o pós-estruturalismo recupera a dimensão diacrônica eliminada da discussão estruturalista.
32
Tal questão explicita uma imbricada relação entre discurso – e conhecimento como
parte do discurso – e poder. Não se trata da máxima moderna de que deter conhecimento
confere poder, mas de compreender o poder como função do discurso. A capacidade de
unificar um discurso é em si um ato de poder, de modo que as metanarrativas modernas
precisam ser vistas como tal e não como expressão da realidade. De forma semelhante, pode-
se entender os discursos pedagógicos e curriculares como atos de poder, o poder de significar,
de criar sentidos e hegemonizá-los.
Assumindo as preocupações pós-estruturais, muitos questionamentos poderiam ser postos às tradições curriculares que viemos abordando. Por ora, vamos nos fixar naquilo que se vincula centralmente à pergunta sobre o que é currículo? Numa perspectiva antirrealista, o currículo não é coisa alguma, ou seja, cada uma das tradições curriculares é um discurso que se hegemonizou e que, nesse sentido, constituiu o objeto currículo, emprestando-lhe um sentido próprio. Tais tradições não captam, de diferentes maneiras, um sentido para o termo. Elas o constroem, criam um sentido sobre o ser do currículo. São um ato de poder, na medida em que esse sentido passa a ser partilhado e aceito (LOPES & MACEDO, 2011: 40).
Aceitar, como o fizemos, que essas tradições definem o ser do currículo não implica
assumi-las como metanarrativas ou como produtoras da verdade sobre o currículo. Ao
contrário, a postura pós-estrutural nos impulsiona a perguntar como esses discursos se
impuseram e a vê-los como algo que pode e deve ser desconstruído. A postura pós-estrutural
produz incômodo, nos desassossega frente à hegemonia de discursos e práticas, por isso a
desconstrução nos aproxima da reflexão e da reação e nos permite construir novos
significados a partir de um currículo que nos é apresentado, questionando-o.
Por isso, uma boa teoria curricular deveria criar mecanismos que permitissem
escolher, na cultura universal, o que ensinar; deveria ainda se preocupar com as relações de
poder subjacentes a tal escolha; deveria perceber que os conhecimentos (parte das culturas)
não são externos ao aluno, interagem com ele; deveria dar conta do processo educativo
envolvido no que acontece nas escolas, além da transmissão de conhecimentos selecionados
de uma cultura universal.
Se, no entanto, a realidade é constituída pela linguagem, nem cultura e nem
conhecimento podem ser tomados como espelho da realidade material. Ao contrário, eles
também precisam ser vistos como sistemas simbólicos e linguísticos contingentes. Não são
um repertório de sentidos dos quais alguns serão selecionados para compor o currículo. É a
própria produção de sentidos que se dá em múltiplos momentos e espaços, um dos quais
denominamos currículo.
Assim como as tradições que definem o que é currículo, o currículo é ele mesmo,
33
uma prática discursiva. Isso significa que ele é uma prática de poder, mas também uma prática
de significação, de atribuição de sentidos. Ele constrói a realidade, governa-nos, constrange
nosso comportamento, projeta nossa identidade, tudo isso produzindo sentidos. Trata-se,
portanto, de um discurso produzido na interseção entre diferentes discursos sociais e culturais
que, ao mesmo tempo, reitera sentidos postos por tais discursos e os recria. Claro que, como
essa recriação está em torno das relações de poder, na interseção em que ela se torna possível,
nem tudo pode ser dito.
1.2 Das Políticas de Currículo ao Estudo do Ciclo de Políticas
No que concerne à teorização sobre política curricular, muitos estudos se cruzam
com as teorias da correspondência e com as perspectivas que vinculam o currículo ao poder, à
estrutura econômica, à ideologia e à hegemonia. Tal tendência é pertinente, sobretudo, nos
estudos que assumem uma orientação estrutural no âmbito da pesquisa em política
educacional. Mas também é possível identificar estudos sobre política que têm por base
discursos curriculares e a história do pensamento curricular e que buscam constituir uma
teorização específica sobre políticas de currículo.
Percebemos nas políticas curriculares que ainda não têm sido destacadamente
investigadas. Na Inglaterra, é possível identificar trabalhos importantes na segunda metade
dos anos 1980. Mas o nascimento desse campo, com questões próprias, no Brasil e nos
Estados Unidos, pode ser situado apenas no início dos anos de 1990, quando se ampliam os
estudos sobre o tema, mesmo em autores com foco nas investigações em política educacional.
Em parte, isso pode ser explicado pelo fato de terem se multiplicado as pesquisas voltadas
para o entendimento do impacto dos vários documentos curriculares produzidos em um
período interpretado como o auge de reformas neoliberais. Dentre essas, a Reforma
Educacional na Inglaterra, de 19885; a produção de documentos curriculares nos diferentes
estados dos Estados Unidos6 e, na publicação dos Parâmetros e Diretrizes Curriculares
Nacionais no Brasil7. Esses documentos são então analisados como parte dos efeitos dos
processos de globalização econômica e cultural e dos impactos que causam na educação.
Há que se ressaltar, contudo, que tanto no Brasil quanto no exterior, muitas das vezes
os trabalhos sobre políticas são mais voltados à crítica dos documentos e projetos em curso do
5 Governo Margaret Thather (1979-1990). 6 Governo Ronald Reagan (1981-1989). 7 Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
34
que às investigações teóricas e empíricas sobre políticas de currículo propriamente ditas.
Nesse âmbito, vários trabalhos críticos ao neoliberalismo, considerado como ideologia do
mundo capitalista global, contribuem para produzir um interesse de pesquisa na política
curricular.
Para isso, também compete uma compreensão da política que valoriza sua dimensão
formal: diretrizes e definições apresentadas em documentos assinados por instituições
executivas e legislativas do Estado. Nesse sentido, a política “é interpretada como uma guia
para a prática, seja para orientar de forma técnica como a prática deve ser desenvolvida, seja
para orientar de forma crítica como a prática deveria ser para assumir determinadas
finalidades de transformação social” (LOPES & MACEDO, 2011: 234). Portanto, muitas das
pesquisas focalizam as orientações apresentadas às escolas, visando a analisar sua pertinência
para a prática, suas finalidades ou suas características. Outras destacam como a prática
implementa ou não essas orientações. Por vezes, também, tais orientações são compreendidas
como produções de governo ou Estado, vinculadas ou não às agências multilaterais.
A concepção de política como guia para a prática se faz muito presente nos estudos
políticos de cunho administrativo que dominam as investigações sobre políticas educacionais
até os anos de 1970. Nesses estudos, uma pesquisa em política tem por finalidade produzir um
conhecimento visando a melhorar a prática pela intervenção administrativa. A sociedade
capitalista é considerada como um dado a priori, cabendo ao investigador compreender a
política do Estado capitalista sem questioná-lo. Essa perspectiva não é grandemente
modificada pelos estudos de análise política, após os anos de 1970. Tais estudos se detêm na
busca de soluções para os problemas de implementação das políticas e, assim, permanecem
baseados em uma separação entre projeto e prática.
Os investigadores, ao que vem se percebendo, na perspectiva administrativa e na
análise da política acabam atuando mais como uma comunidade epistêmica, ou seja, uma
comunidade de especialistas numa dada área de conhecimento que atua, sobretudo, para
produzir diagnósticos e apresentar soluções para as políticas, não tendo como característica
teorizar sobre como a política se constitui e como podem ser desenvolvidas as ações de
contestação às políticas em curso.
Em determinadas pesquisas, aparecem características dos estudos estruturais, que
valorizam a concepção do poder centralizado como decorrente da estrutura econômica. Já os
estudos pós-estruturais entendem o poder como difuso: não há um único centro de poder, mas
relações de poder que se constituem como múltiplos centros formadores.
35
Estes estudos trazem a ideia de uma relação vertical de poder, em que dominante e dominado são polos fixos e opostos, pode ser substituída pela concepção de poderes oblíquos, nos quais a definição de um centro depende de uma relação política definida contingencialmente, sem uma prefixação anterior ao próprio processo político e sem assumir qualquer determinação essencial e absoluta (LOPES & MACEDO, 2011: 237).
Com isso, é grandemente modificada a relação entre política e prática. Caso
consideremos que existe um centro de poder primordial, como por exemplo, as agências que
controlam o fluxo internacional de capitais, o Estado, o governo em qualquer nível, a estrutura
econômica capitalista, a política tende a ser compreendida como determinada por esse centro.
No caso da política de currículo, a prática das escolas permanece situada fora do espaço de
decisão política. Trata-se de um espaço de implementação de orientações definidas por
poderes externos a ela. Caso seja considerado que o poder é difuso e sem centro, com
múltiplos centros contextuais sendo produzidos, a prática das escolas tende a ser considerada
também como um centro decisório e de produção de sentidos para a política. A prática deixa
de ser considerada como o outro da política, mas passa a ser parte integrante de qualquer
processo de produção de políticas.
As políticas de currículo tendo como foco a estrutura econômica, é importante
enfatizar, são delineadas a partir das tentativas de estabelecimento de currículos nacionais,
implantação de processos avaliativos centralizados em resultados instrucionais de alunos e
competências docentes, políticas centralizadas dirigidas à avaliação e distribuição dos livros
didáticos e adequação do currículo por meio de competências, como anteriormente já
discutimos, principalmente, em termos de Brasil, através de programas e projetos. Essa
guinada, inclusive, passa a ser analisada por Michael Apple8.
Marcada por uma associação simultânea entre tendências neoconservadoras e neoliberais. Enquanto, as perspectivas neoconservadoras desenvolvem um discurso de valorização do passado, dos valores nacionais e dos saberes acadêmicos, entendidos como uma cultura comum, as perspectivas neoliberais sustentam discursos em torno da necessidade de novas e eficientes formas de gerenciamento das escolas, políticas de responsabilização de professores pelos resultados dos alunos e introdução nas escolas de disposições e interesses de mercado (LOPES & MACEDO, 2011: 239).
Tendo em vista esse modelo analítico, entendemos que os processos de
reestruturação produtiva e com a crise de acumulação de capital, a educação passa a ter que
8 É professor permanente da Universidade de Wisconsin (Madison) e autor de algumas obras importantes do Currículo nas últimas décadas, como Ideologia e currículo, Educação e poder. De inspiração Gramsciana, o autor é um dos expressivos representantes da reconceptualização do campo do Currículo nos Estados Unidos, junto com Willian Pinar, e exerce grande influência nos estudos curriculares brasileiros.
36
dar conta de formar eficientemente alunos com competências capazes de gerar uma força de
trabalho estratificada adequada à sociedade. A educação, sob a égide do neoliberalismo, tende
a deixar de ser financiada e mesmo fornecida pelo Estado, ainda que este mantenha o controle
das atividades realizadas.
Nesse sentido, há até diminuição das ações burocráticas do Estado, mas não de seu poder de intervenção. Decisões coletivas sobre a educação, antes garantidas pelo Estado, são tornadas individuais, reguladas por mecanismos privados e corporativos de mercado (DALE, 1995: 137).
Os argumentos de defesa de Michael Apple, em vários momentos de sua obra,
afirmam que embora políticas de currículo nacional sejam objeto de conflitos, sofrendo
alterações importantes em contextos específicos, seu poder é total. Tal poder é considerado
por ele como demonstrado pelo que denomina reconfiguração radical da seleção, organização
e distribuição do conhecimento. Apple (1989) chega a afirmar que a imposição de sistemas de
avaliação centralizados nos resultados, por meio de exames nacionais, determina o currículo
como estrutura dominante do trabalho dos professores, a despeito de reformulações que
possam eventualmente ser efetuadas por estes. As suas interpretações sobre políticas de
currículo influenciam significativamente o pensamento curricular brasileiro nos anos de 1990.
De certa forma, isso contribui para que os curriculistas brasileiros se dediquem, tal como
curriculista norte-americano, a análises de políticas executadas.
No Brasil, nos anos de 1990, os estudos críticos, não apenas aos Parâmetros
Curriculares Nacionais, mas, enfim, a toda uma política de currículo nacional, são
desenvolvidos por Antônio Flávio Moreira. Na opinião de Moreira,
[...] as políticas de currículo, para serem democráticas, devem considerar as experiências curriculares dos estados e municípios que incentivam as escolas a produzir seus currículos, as experiências internacionais, os movimentos sociais e a literatura curricular nacional e internacional (MOREIRA, 1995: 7-25).
Assim, para o desenvolvimento dessas propostas alternativas, Moreira defende maior
inter-relação entre curriculistas, especialistas disciplinares e técnicos do governo, com a
consequente participação dos primeiros na elaboração de propostas curriculares oficiais.
Também, como proposta alternativa, infere-se que um documento deve apresentar princípios
gerais como organizar um currículo, tais como: afirmar as desigualdades e conferir espaço
para as vozes da diversidade social; focar as relações escola-sociedade e a desconstrução das
fronteiras entre cultura erudita, popular e de massa; fortalecer globalizações contra-
37
hegemônicas. Para tal, o currículo dever ter o trabalho como eixo em torno do qual os
conteúdos curriculares sejam organizados, com conteúdos historicizados e transversalmente
organizados.
Nos anos de 1990, os debates que se intensificam na Inglaterra, questionam o papel
do Estado na política educacional que é desenvolvida a partir da disseminação da abordagem
do Ciclo de Políticas de Stephen Ball (1992). A sociologia da educação de Basil Berstein
(1996, 1998) é uma das influências marcantes nos trabalhos de Ball. Menos do que os
conceitos de Berstein, porém, é sua agenda voltada para as possibilidades de conexão entre o
macrocontexto e as micropolíticas nas escolas, que influenciam os estudos do também
sociólogo inglês.
O propósito de Ball, a partir do Ciclo de Políticas, é investigar as políticas de
maneira que o compromisso com a eficiência e os resultados instrucionais não sejam
considerados em detrimento do compromisso com justiça social. “Para tal, ele não evita certo
ecletismo teórico, na medida em que conecta bandeiras das perspectivas críticas com a
perspectiva discursiva do pós-estruturalismo e a pesquisa etnográfica, no caso desta, visando
valorizar a investigação da prática das escolas” (LOPES & MACEDO, 2011: 246).
Ball discorda das conexões diretas e unidimensionais que as teorias centradas no
Estado realizam entre prática das escolas e macrocontexto político-econômico. Se for
importante considerar o Estado por meio de uma teoria consistente que permita sua análise,
também há que se ter uma teoria rigorosa para o não Estado, o que, segundo ele, nem sempre
acontece. Ele se aproxima de alguns autores que tentam se apoiar em uma perspectiva de
autonomia relativa do Estado, mas questiona a visão de um Estado onipotente que não deixa
espaço para a ação humana de contestação, desempoderando os sujeitos da prática
educacional.
A principal discussão de Ball é referente ao por que os professores recusam certas
determinações políticas, como, por exemplo, testes centralizados e orientações curriculares.
Ao desvalorizarem as investigações sobre as práticas das escolas, por considerarem que se
tratam de trabalhos descritivos, as teorias centradas no Estado desmerecem detalhes e
silenciam sobre conflitos e ambivalências das práticas.
Com o objetivo de tentar dar conta dessas conexões macro-micro, Ball, em parceria
com Richard Bowe (1992, 1994), elabora a abordagem do Ciclo de Políticas. Ball reconhece a
importância da análise do Estado, por ele considerada como incluída na sua própria
abordagem teórica, mas afirma que qualquer teoria de política educacional que se preze não
pode se limitar à perspectiva do controle estatal. As abordagens estadocêntricas tendem a
38
interpretar diferentes textos e discursos circulantes sem uma interlocução com o discurso
pedagógico, com as demandas educacionais da sociedade mais ampla e as tradições
curriculares das escolas e do meio educacional. A despeito de haver a afirmação de que as
políticas envolvem processos de negociação e luta entre grupos rivais, tais processos parecem
ser identificados apenas na implementação de projetos políticos, não na própria produção
desse projeto no âmbito do Estado. É reafirmada, assim, a separação entre proposta e
implementação que a abordagem do Ciclo de Políticas visa a superar.
O ciclo contínuo de políticas tem como preocupação central a recontextualização que
ocorre nas escolas. Como modelo analítico, o ciclo é composto, em sua versão inicial, por três
contextos inter-relacionados entendidos como um conjunto de arenas públicas e privadas de
ação: contexto de influência, contexto de produção do texto político e contexto da prática.
O contexto de influência é visto como aquele em que grupos de interesse lutam pelos
discursos políticos. É onde são estabelecidos os princípios básicos que orientam as políticas,
em meio a relações de poder. “Os atores em cena nesse contexto são partidos políticos, esferas
de governo, grupos privados, agências multilaterais, assim como comunidades disciplinares e
institucionais e sujeitos envolvidos na propagação de ideias oriundas de intercâmbios
diversos” (MAINARDES, 2006: 59 apud BALL & BOWE, 1992). Os discursos produzidos
nesse contexto são entendidos como aqueles que limitam as possibilidades de
recontextualização e de produção de novos sentidos nas políticas.
O contexto de produção do texto político é aquele que produz os textos que
representam ou tentam representar para as escolas o que é a política como um todo. Em se
tratando das políticas de um Estado-nação, como as investigadas por Ball, o contexto de
produção de textos envolve as agências executivas e legislativas que assinam
regulamentações, mas também toda a sorte de documentos que buscam explicar e/ou
apresentar a política às escolas e à sociedade em geral.
No Brasil, a abordagem do Ciclo de Políticas vem sendo incorporada por grupos de
pesquisa em políticas de currículo de forma mais sistemática a partir dos anos de 2000, tendo
como base dessa pesquisa o impacto das definições políticas no contexto da prática de forma a
entender como diferentes escolas se apropriam e recriam tais definições.
Inicialmente, essa abordagem vem questionar as perspectivas estadocêntricas nos
ensaios sobre políticas de currículo no Brasil, para problematizar abordagens que desmerecem
a relação com o macrocontexto pela defesa do cotidiano da escola como espaço de produção
de alternativas curriculares emancipatórias, como também, vem para criticar as políticas
educacionais neoliberais e, por outro, de valorizar o empoderamento do contexto da prática.
39
Mas tenta superar ambos os enfoques por meio de pensar o currículo para além da separação
proposta/prática.
O entendimento também perpassa a capacidade em compreender como diferentes
comunidades disciplinares atuam nas políticas de currículo e produzem novos sentidos no
jogo político, inclusive, pela introdução de suas interpretações, de forma híbrida, em
documentos curriculares. O destaque em torno do ciclo de políticas tem sido com relação ao
contexto da prática, a fim de compreender, de fato, qual o impacto das diferentes propostas
curriculares nesse contexto. Seguindo, nesse sentido, a mesma linha de interpretação que leva
a considerar as políticas como marcadas pela heterogeneidade, conflito e ambivalência, alguns
estudos são desenvolvidos procurando entender como propostas curriculares dos estados e
municípios modificam discursos e textos que circulam no ciclo contínuo, principalmente a
partir da difusão de textos do contexto de produção. A análise da relação entre macro e
microcontextos é central. Tais investigações acabam por avançar em relação à abordagem do
Ciclo de Políticas de Ball por não conferirem nenhuma prioridade ao contexto de influência e
por não caracterizá-lo como início do desenvolvimento das políticas. Dessa forma, acentuam
o caráter contínuo do Ciclo de Políticas e tentam superar de forma mais significativa a
separação de política e prática, projeto e implementação curricular.
Com isso, o currículo torna-se, assim, essa luta política por sua própria significação,
mas também pela significação do que vem a ser sociedade, justiça social, emancipação e
transformação social.
1.3 A Política Curricular e o Currículo Prescrito
O currículo não pode ser entendido à margem do contexto no qual se configura e
tampouco independentemente das condições em que se desenvolve; é um objeto social e
histórico e sua peculiaridade dentro de um sistema educativo é um importante traço
substancial. O contexto real na construção da política curricular é extremamente necessário,
uma vez que propriamente, o currículo se configura e se desenvolve na compreensão da
própria realidade que se quer explicar e explorar na prática pedagógica que se estabelece.
Nesse sentido, é preciso discutir o currículo de forma relevante, destacando suas
características a partir de um contexto social, cultural e histórico, sendo parte muito
significativa a política curricular que estabelece decisivamente as coordenadas de tal contexto.
40
A política curricular governa as decisões gerais para o contexto escolar e se manifesta numa
certa ordenação jurídica e administrativa.
A política sobre o currículo é um condicionamento da realidade prática da educação
que deve ser incorporado ao discurso sobre o currículo; ele nunca deixa de ser um campo
ordenador decisivo, com repercussões à prática e, principalmente, define o papel dos
professores e dos alunos. O tipo de racionalidade dominante na prática escolar está
condicionado pela política a mecanismos administrativos que intervêm na modelação do
currículo dentro do sistema escolar.
O que pretendemos discutir, nesse sentido, é sobre essa política que prescreve certos
mínimos e orientações curriculares aos quais tem uma importância decisiva, não para
compreender o estabelecimento de formas de exercer a hegemonia cultural de um Estado
organizado política e administrativamente num momento determinado, mas sim como meio
de conhecer, desde uma perspectiva pedagógica, o que de fato ocorre na realidade escolar.
A política curricular é toda aquela decisão ou condicionamento dos conteúdos e da prática do desenvolvimento do currículo a partir das instâncias de decisão política e administrativa, estabelecendo as regras do sistema curricular (SACRISTÀN, 2000: 109).
A política é um primeiro condicionante direto do currículo, enquanto o regula, e
indiretamente através de sua ação em outros agentes moldadores. A política curricular
estabelece ou condiciona a incidência de cada um dos subsistemas que intervêm num
determinado momento histórico.
Assim, para Sacristàn (2000, 2002), o currículo prescrito para o sistema educacional
e para os professores, mais evidente no ensino obrigatório, é a sua própria definição, de seus
conteúdos e demais orientações relativas aos códigos que o organizam, que obedecem às
determinações que procedem do fato de ser um objeto regulado por instâncias políticas e
administrativas. Precisamos refletir sobre as interferências administrativas na escola, que
objetivam a inserção de um currículo prescrito, interferindo na autonomia dos professores e
na possibilidade em expressar as tendências criadoras e renovadoras do sistema social e
educativo. Numa sociedade democrática, que ademais garante a participação dos agentes da
comunidade educativa em diversos níveis, é preciso sempre analisar a intervenção ou
regulação do currículo.
Em muitos casos, a política curricular está longe de ser uma proposição explícita e
coerente, perdendo-se numa mentalidade difusa, aceita muitas vezes como uma prática
41
historicamente configurada, dispersa numa série de regulações desconectadas entre si. Ela é
mais clara onde o controle é realizado de modo explícito e onde é exercida por mecanismos
coercitivos que não se ocultam. Mas, à medida que o controle deixa de ser coercitivo para se
tecnificar e ser exercido por mecanismos burocráticos, se oculta sob regulamentações
administrativas e orientações pedagógicas com boa intenção, que tem a pretensão de melhorar
a prática. A falta de clareza e de um modelo político, também tem relação com a carência de
um sistema explicitamente proposto e aceito de controle do currículo e com a falta de
consideração da política curricular como parte essencial da política educativa, instrumentos
para incidir na qualidade do ensino.
A prescrição de diretrizes curriculares para um determinado sistema educativo ou
para um nível do mesmo que supõe um projeto de cultura comum para os membros de uma
determinada comunidade, à medida que afeta a escolaridade obrigatória pela qual passam
todos os cidadãos. A ideia do currículo comum na educação obrigatória é inerente a um
projeto unificado de educação nacional.
Numa sociedade autoritária expressa o modelo de cultura que o poder impõe. Numa sociedade democrática tem que aglutinar os elementos de cultura comum que forma o consenso democrático sobre as necessidades culturais comuns e essenciais dessa comunidade (SACRISTÀN, 2000: 110).
Determinar esse núcleo em culturas e sociedades mais homogêneas é uma tarefa
menos conflitiva do que no caso de sistemas que acolhem culturas heterogêneas ou com
minorias culturais de diversos tipos. A busca de um denominador comum para essa cultura
básica tem seu reflexo num problema que manifesta, pois, vertentes políticas, culturais e
educativas; é a discussão sobre os componentes curriculares que se baseiem nas necessidades
de todos os alunos; caminho este consideravelmente, desafiador.
A cultura comum é refletida no contexto escolar, por meio dos conteúdos, das
aprendizagens básicas e das orientações pedagógicas para o sistema, além da valorização de
conteúdos para um determinado ciclo de estudos. A determinação, envolvendo esses aspectos,
nos primeiros momentos de escolaridade obrigatória não coloca grandes controvérsias, ao
existir um consenso maior sobre o que há de fazer parte da educação nessa etapa; porém, fazê-
lo mais adiante, quando a cultura escolar tende a se diversificar em opções distintas
relacionadas com diversos âmbitos culturais e profissionais mais especializados (científicos,
humanísticos, artísticos, técnicos e relativos a opções profissionais diversas), obriga a tomar
decisões cujo significado tem uma transcendência social de primeira ordem, pois esses
42
campos culturais de formação supõem inúmeros campos de desenvolvimento intelectual, com
valorizações distintas na sociedade e com diversas oportunidades de conexão com o mundo
do trabalho.
Importante nisso tudo é considerarmos que a primeira etapa de escolaridade
pressupõe conhecimentos básicos necessários ao aprimoramento de determinantes linguísticos
comuns. Porém, à medida que a escolaridade vai avançando no seu campo de formação de
competências, esse conhecimento vai possibilitando instâncias cada vez mais determinantes
ao futuro profissional do aluno e é nesse sentido que um currículo prescrito, muitas vezes,
impossibilita o acesso a todos os alunos, ficando uns à margem dos propósitos de uma
educação de qualidade, garantindo o não acesso a um mundo profissional importante ao
aluno. Portanto, ao pensar sobre o currículo, a oportunidade de condições para todos deve ser
possibilitada.
A regulação do currículo é inerente à própria existência de um sistema escolar
complexo que, através das validações que distribui, regula o consumo cultural e qualifica para
dar entrada aos indivíduos em diferentes postos, numa sociedade na qual os saberes escolares,
ou menos sua validade, são tão decisivos. O currículo prescrito, quanto aos seus conteúdos e
aos seus códigos, em suas diferentes especialidades expressa o conteúdo base da ordenação do
sistema, estabelecendo a sequência de progresso pela escolaridade e pelas especialidades que
o compõem. Parcelas do currículo em função de ciclos, etapas ou níveis educativos, marcam
uma linha de progressão dentro de um mesmo tipo de conteúdos ou assinalando aspectos
diversos que é necessário abordar consecutivamente num plano de estudos.
A regulação ou intervenção do currículo é realizada de múltiplas formas e pode se
referir aos mais variados aspectos nos quais incide ou é feito: em seus conteúdos, em seus
códigos ou nos meios através dos quais se configura na prática escolar. Uma intervenção é tão
eficaz quanto a outra, ainda que desigualmente seja manifesta num caso e noutro, pode-se
realizar de forma direta ou indireta. Intervém-se determinando parcelas culturais, ponderando
umas mais que outras, ao optar por determinados aspectos dentro das mesmas, quando se dão
orientações metodológicas, ao agrupar ou separar saberes, ao decidir em que momento um
conhecimento é pertinente dentro do processo de escolaridade, ao proporcionar sequências de
tipos de cultura e de conteúdos dentro do processo de escolaridade, ao proporcionar
sequências de tipos de cultura e de conteúdos dentro de parcelas diversas, quando se regula o
progresso dentro da escolaridade (no caso, a promoção dos alunos), ao ordenar o tempo de sua
aprendizagem (por curso ou ciclos), dizendo o que é currículo obrigatório e o que é o
currículo optativo, intervindo na oferta que se podem escolher, atribuindo tipos de saberes a
43
ramos especializados paralelos dentro do sistema escolar, regulando os meios e o próprio
material didático, incidindo indiretamente com a dotação de materiais que se consideram
necessários ou não nas escolas, ordenando o espaço escolar, o mobiliário, o funcionamento
das escolas, estabelecendo diligências intermediárias para o desenvolvimento curricular e
regulando, também, a avaliação.
Essa ordenação, que pode manifestar-se com distintos graus de concretização na
prescrição, se apresenta às vezes como facilitadora e orientadora do professorado, não apenas
para indicar os caminhos que realizem a prescrição curricular, mas também, como uma ajuda
profissional que não supõe prescrição obrigatória em si mesma.
A regulação administrativa do currículo, com sua minuciosidade e entrada em terreno estritamente pedagógico, quis se justificar entre nós como uma via indireta de formação dos professores que têm que desenvolver na prática o currículo prescrito, para o qual dita não apenas conteúdos e aprendizagens consideradas mínimas, mas trata também de ordenar pedagogicamente o processo. Fornece “orientações” metodológicas gerais, sugere às vezes pautas mais precisas que tratam de determinados temas; não apenas regula as avaliações que se farão e em que momentos, mas fala também das técnicas de avaliação a serem realizadas (SACRISTÀN, 2000: 113).
Considera-se que, realmente, a ordenação e a prescrição de um determinado currículo
é uma forma de propor o referencial para realizar um controle sobre a qualidade do sistema
educativo. O controle, pelo qual nos referenciamos, pode ser exercido, basicamente, por meio
da regulação administrativa que ordena como deve ser a prática escolar, ainda que seja sob a
forma de sugestões, avaliando essa prática do currículo através da inspeção ou por meio de
uma avaliação externa dos alunos como fonte de informação.
Em nosso sistema educativo, essas táticas de controle do currículo caracterizam,
decididamente, a forma de controlar a prática, com resultados poucos eficazes para melhorar a
qualidade do sistema e com amplas repercussões no estabelecimento de um sistema de
relações de domínio misturadas com a imposição ou proposta de modelos de funcionamento
pedagógico. Portanto, o controle sobre o currículo pode incidir sobre as reais condições do
ensino ou se fixar nos produtos da aprendizagem.
As condições do ensino estão diretamente ligadas ao processo de desenvolvimento
curricular e na prática educativa, ou seja, traz a pretensão de estabelecer mecanismos rígidos
de homogeneização nas escolas e nos próprios conteúdos de ensino, ao ser exercido em boa
parte através da regulação dos materiais didáticos. “Ao mesmo tempo em que regula e ordena
sobre a prática, posteriormente, não possui garantias de que estão sendo cumpridos os
critérios estabelecidos” (BALL, 1992). Por isso, pode chegar a regular tudo, menos a prática
44
dos professores. Ao contrário, pode dar mais autonomia aos professores e às escolas que à
avaliação dos produtos, se não estabelecer a forma de acompanhamento, tornando-se, assim,
ineficiente.
Quando falamos sobre o acompanhamento, a presença de mecanismos de verificação
e controle da prática presentes nas escolas poderia ser eficiente sob o ponto de vista da
fiscalização e, nesse caso, estamos falando na figura de um inspetor que estaria diretamente
junto do professor, porém, essa figura denota uma função que estaria causando desconforto na
relação com os professores dentro da escola, uma vez que suas atribuições viriam a ser
revestidas de autoridade que lhe dá a posição e nada eficaz junto a ensino.
Ainda, em se falando do controle de qualidade, outra questão importante está voltada
a regulações exteriores, caracterizadas por meio de produtos, ou seja, os próprios materiais
didáticos. Muitas vezes, essas regulações advêm de propostas exteriores que garantem
eficiência nos resultados do ensino, a partir de materiais que legitimam essa possibilidade.
Porém, o que não podemos esquecer é que, apesar de muitos professores aterem-se aos
respectivos materiais, muitos ainda mantêm competência profissional a partir de sua formação
e criticidade, garantindo, assim, determinada autonomia e liberdade curricular, buscando
brechas para exercer essa autonomia, bem como ainda, as “táticas de resistência” (BALL,
1992) presentes na sua prática.
Aqui, portanto, podemos visualizar duas questões importantes, ou seja, os
mecanismos de controle da prática e a inserção no espaço escolar de agentes exteriores à
escola que trazem seus produtos (materiais didáticos) processando-se em uma discussão que
equivale à centralização e descentralização. A questão principal pela qual queremos discutir
baseia-se na descentralização, ou seja, “a transferência de poderes de um grupo para outro
dentro da política e da administração, não implica necessariamente que o sistema se torne
mais participativo, inovador e eficiente” (HURST, 1985).
O isolamento autocrático, como nos assinala esse autor, não é próprio apenas para as
instâncias de decisão centralizada, nem há razões para supor que o outro grupo, enquanto
detentor das decisões curriculares, responderá, necessariamente, aos interesses da
comunidade. A questão toda é que, realmente, a descentralização provoca uma ação
homogeneizadora dos materiais, a influência de determinados grupos de especialistas, a
própria capacitação dos professores, a pressão indireta sobre os resultados, tornam-se fatores
decisivos do controle indireto ou externo.
O currículo prescrito e ordenado a partir de agentes externos nesta pesquisa a qual
estamos desenvolvendo, entendemos, têm diversas projeções sobre a organização do sistema
45
escolar e da prática de ensino, tanto em seus conteúdos quanto em sua metodologia. A
eficácia dessa intervenção é muito diferente em algumas funções. A regulação curricular que
se refere a conteúdos e códigos pedagógicos e a própria ordenação administrativa do currículo
para um determinado nível escolar acabam tendo uma expressão concreta num formato de
currículo.
1.4 Da Prescrição à Reinterpretação Curricular: uma trajetória possível
A prescrição curricular que o nível político-administrativo determina tem impacto
importante para estabelecer e definir as grandes opções pedagógicas as quais regulam o
campo de ação e, tem como consequência o plano de um esquema de socialização profissional
através da criação de mecanismos de alcance prolongado, mas é pouco operativa para orientar
a prática concreta e cotidiana dos professores. A determinação da ação pedagógica nas escolas
e nas aulas está em outro nível de decisões. Quando se responsabiliza a administração, num
sistema de intervenção como o nosso, por defeitos detectados na prática do ensino, como é o
caso, por exemplo, da sobrecarga de programas, está se esquecendo desses outros níveis de
determinação nos quais o currículo se fixa e ganha significação para os professores.
O percurso reflexivo pelo qual queremos aqui desencadear, diz respeito ao que leva
uma decisão curricular a fazer parte do contexto da prática dos professores. Nesse sentido,
não queremos justificar que por uma ou outra razão, eleva-se um currículo prescrito. Muito
pelo contrário, a prescrição, como anteriormente já nos posicionamos, a partir de alguns
autores, não é nada positiva e produtiva para a escola.
Porém, o que não podemos desconsiderar é por que um currículo prescrito chega até
o contexto da escola, levando em consideração a preparação e formação dos professores e
suas concepções em torno do currículo, bem como, ainda é preciso considerar que o contexto
da prática exige do professor inúmeras competências, principalmente, no que diz respeito ao
planejamento, metodologia e avaliação. Ainda, não podemos deixar de considerar que o
currículo prescritivo, através de materiais didáticos, tem possibilitado ao professor
“consentimentos da parte deles em favor de algo que seja mais prático para usar com seus
alunos” (APPLE, 1989: 165). E essas reflexões não podemos deixar de considerar na
pesquisa.
Porém, é preciso lembrar ainda que, mesmo com o currículo prescritivo, o professor
tem, de fato, importantes margens de autonomia na modelação do que será o currículo na
46
realidade. As ações pedagógicas e a necessidade de desenvolvimento e aprimoramento
profissional dos docentes propõem a conveniência de estimular essas margens de liberdade. A
filosofia da emancipação profissional topa com uma realidade com a qual se confronta para
que esse discurso liberador tenha alguma possibilidade de progredir. Nesse sentido, uma série
de razões de ordem diversa fará com que, de forma inevitável, o professor dependa no
desenvolvimento de seu trabalho, de elaborações mais concretas e precisas dos currículos
prescritos realizados fora de sua prática.
Algumas percepções importantes e que, particularmente, têm nos instigado nesta
trajetória, tanto na docência do ensino fundamental, como enquanto coordenadora pedagógica
da rede municipal de ensino de Sorriso – MT, são sobre quais seriam as razões que levariam a
maioria dos professores serem permissivos quanto a outorgar a alguém sobre uma decisão
curricular, principalmente no Sistema Público Municipal de Ensino. Ao pensarmos sobre essa
permissividade, recorremos ao fato de que a instituição escolar tenha que responder muitas
vezes a um currículo e a uma série de necessidades de ordem social e cultural aos quais é
preciso tratar com os mais diversos conteúdos e atividades, ou seja, cada uma das áreas das
quais se compõe o currículo, ainda que o professor dedique somente a uma delas, representa
um inúmero de tradições culturais e pedagógicas, a partir de contribuições muito diversas que
é preciso valorizar, selecionar os seus conteúdos de forma que a estrutura interna possibilite a
aprendizagem dos alunos.
Outra questão é que as exigências da educação escolarizada crescem mais depressa
do que a melhoria da qualidade dos professores. Percebemos, muitas vezes, que nem a
formação inicial do professorado se adapta com facilidade e rapidez às mudanças necessárias.
Ao professor se exige cada vez mais, mas os sistemas para sua formação e atuação se mantêm
muito mais estáveis, embora o aumento do nível acadêmico de sua formação seja uma
tendência crescente.
Nessas múltiplas exigências atuais que são direcionadas aos professores, o principal
problema reside em “construir currículos que possam ser distribuídos por professores
atualizados a estudantes atualizados que reflitam claramente os princípios básicos de diversas
áreas de pesquisa” (BRUNER, 1984: 135).
Há que se levar em consideração também, o fato de que a preparação inicial dos
professores tem deixado lacunas visíveis na prática. O desenvolvimento da autonomia de sua
própria prática não acontece logo após a conclusão de sua formação, mas, sim, é preciso
observar ao longo do tempo em como se desenvolve essa competência frente aos desafios de
sala de aula, além das questões tecnológicas que permeiam a escola. Esse domínio é
47
extremamente desafiador ao professor.
Outro fator é sobre as condições nas quais se realiza o trabalho dos professores, que
no geral, não são as mais adequadas a fim de contribuir com o desenvolvimento de sua
iniciativa profissional. Levamos em conta, nesse caso, o número de alunos atendidos, a
atenção às dificuldades dos alunos, a correção de trabalhos, a burocracia de sua própria
atividade, quando da realização de alguma prática que exige uma infraestrutura na qual ele
mesmo não é beneficiado a fim de obter importantes resultados.
Afinal, é preciso considerar a morosidade burocrática que se instala no setor público
quanto à disponibilidade de recursos pedagógicos (bibliotecas, acervo de livros de leitura,
salas de informática, laboratório de ciências, etc.) que realmente venham a contribuir com o
currículo e o próprio planejamento dos professores. Temos acompanhado com grande
preocupação, a carência de alguns professores em sua prática, destacando a falta de materiais
de uso extremamente pedagógico a fim de servir de subsídio à aprendizagem dos alunos.
Mesmo assim, essas carências não podem significar que os professores sintam-se
impotentes a ponto de aceitarem um currículo prescrito que traz pré-elaborações ao ensino e à
própria prática, as quais podem ser encontradas por meio de agentes externos que lhes
ofereçam um currículo elaborado. A debilidade da profissionalização dos professores e as
condições nas quais desenvolvem o seu trabalho, acreditamos, fazem com que os meios
elaboradores do currículo sejam dispositivos intermediários, tornando-se cada vez mais
essenciais e indispensáveis no atual sistema escolar. Esta, quem sabe seja, a função capital
que os meios didáticos cumprem, mas, sobretudo, os guias didáticos e os livros-texto, que são
os autênticos responsáveis da aproximação das prescrições curriculares aos professores.
Muitas vezes, em nossa trajetória, o que temos percebido, é que a eliminação de qualquer
meio que proporcione ao professor modelos pré-elaborados do currículo, como é o caso dos
livros-texto ou mesmo apostilas, supõe deixar boa parte deles sem saída alguma. Questão essa
que consideramos de extrema importância nas discussões que envolvem o currículo prescrito.
Porém, apesar de todas as deficiências apontadas, nada justifica a adoção de um
Sistema Privado de Ensino pelo Sistema Público de Ensino. Há uma longa distância de
realidade entre eles. Mesmo assim, é preciso que as políticas públicas estejam atentas às
melhorias que são necessárias na escola, a fim de subsidiar melhor os professores, tanto
pedagogicamente, quanto nem questões de infraestrutura. Também, é preciso que os
professores atribuam a sua prática uma formação constante, tanto individual através de
leituras e estudos, quanto coletiva nas formações e qualificações.
É preciso que pensemos nessas questões, principalmente em como reverter ou
48
mesmo provocar discussões que implicam diretamente na prática pedagógica do professor, em
sala de aula, quando de um currículo prescrito. Primeiramente, é preciso considerar alguns
autores, que a partir de um contexto de análise pelo qual realizamos neste estudo, destacam
que “a compreensão das políticas de currículo enquanto produção de sentidos e significados
para as decisões curriculares em múltiplos contextos constitui um ciclo contínuo de produção
de políticas” (BALL, 1994).
Os profissionais que atuam no contexto da prática (escolas, por exemplo) não enfrentam os textos políticos como leitores ingênuos, eles vêm com suas histórias, experiências, valores e propósitos. Políticas serão interpretadas diferentemente, uma vez que histórias, experiências, valores, propósitos e interesses são diversos. A questão é que os autores dos textos políticos não podem controlar os significados dos seus textos. Partes podem ser rejeitadas, selecionadas, ignoradas, deliberadamente mal entendidas, réplicas podem ser superficiais (...)” (BALL & BOWE 1992: 22).
Na verdade, os professores, mesmo diante de um currículo prescrito, não estão
impedidos “de se apropriarem dessas formas mercantilizadas, de gerar suas próprias respostas
criativas às ideologias dominantes” (APPLE, 1989: 170). Ainda, “os alunos e professores
podem vir a transformar e reinterpretar os materiais produzidos, criando assim, bolsões
alternativos de resistência” (APPLE, 1989: 174). Os professores e alunos podem encontrar de
fato métodos para usar de forma criativa esses sistemas. Nesse sentido, ponto chave de nossa
discussão parte de que “as políticas não são simplesmente ‘implementadas’ dentro desta arena
(contexto da prática), mas estão sujeitas à interpretação e, então, podem vir a ser ‘recriadas’”
(BALL & BOWE, 1992: 22). Esta abordagem, portanto, do Ciclo de Políticas assume que os
professores e demais profissionais exercem um papel ativo no processo de “reinterpretação”
(BERNSTEIN, 1996, 1998) das políticas educacionais e, dessa forma, o que eles pensam e no
que acreditam têm implicações para o processo de implementação das políticas.
A fim de compreendermos sobre esse processo de reinterpretação, a teoria da Basil
Bernstein (1996) tem sido de grande relevância, uma vez que vem contribuindo de forma
significativa para as pesquisas sobre políticas educacionais e curriculares. A seguir, estaremos
discutindo e refletindo sobre as questões referentes à teoria de Bernstein, a partir das
contribuições de Mainardes (2010) e Lopes (2005). Em especial, queremos considerar o
conceito de recontextualização e reinterpretação curricular, uma vez que essa teoria possui
uma estrutura conceitual forte e uma linguagem de descrição que oferece relevantes e
consistentes contribuições para os estudos sobre políticas curriculares.
“As ideias de Bernstein contribuem para analisar comparativa e globalmente as
49
complexas relações entre as ideias, sua disseminação e recontextualização” (BALL, 1998). A
pesquisa a qual nos propomos a desenvolver, no campo das políticas curriculares, pretende
explorar o conceito da teoria de Bernstein, das quais se utilizam, também, Ball & Bowe. Para
iniciarmos essas reflexões, nossa atenção inicia a partir da teoria do dispositivo pedagógico.
Bernstein (1996) identificou os três principais campos do dispositivo pedagógico
como sendo a produção, recontextualização e reprodução. Esses campos, segundo o autor,
estão hierarquicamente relacionados de forma que a recontextualização do conhecimento não
pode vir a acontecer sem a sua produção e a reprodução não pode acontecer sem a sua
recontextualização, ou seja, os campos se mantêm inter-relacionados quando da análise de
políticas curriculares. Como exemplo, a produção de conhecimentos continua a ser realizada
em instituições de ensino superior e organizações privadas de pesquisa. A recontextualização
ou reinterpretação do conhecimento é realizada no âmbito do Estado e Secretarias de
Educação, pelas autoridades educacionais e instituições de formação de professores. A
reprodução se realiza nas instituições de todos os níveis.
Assim, a teoria do dispositivo pedagógico, desenvolvida por Bernstein (1996),
constitui-se em um modelo teórico que permite a análise das políticas tanto no nível macro da
sua formulação e influências até o nível dos microprocessos de sua realização. “A teoria de
Bernstein mostra como a distribuição do poder na sociedade e seus princípios de controle
social podem afetar o “o quê” e o “como” do texto político produzido e a sua reprodução”
(MAINARDES, 2010: 45 apud Davies, 2002).
As pesquisas, de acordo com Mainardes, sobre políticas educacionais e políticas
curriculares que se baseiam os trabalhos de Bernstein, em geral, têm explorado o conceito de
recontextualização do discurso das políticas, discutindo aspectos do discurso oficial (do
Estado), do discurso pedagógico (escola) e, principalmente do campo recontextualizador local
(família e comunidade). Com isso, a teoria de Bernstein sobre a prática pedagógica procurava
olhar para os processos que ocorriam dentro das escolas. “O conceito de recontextualização
tem se evidenciado como produtivo para o entendimento das reinterpretações que sofrem
diferentes textos na sua circulação no meio educacional” (LOPES, 2005).
São orientações de agências multilaterais que se modificam ao serem inseridas nos contextos dos Estados-nação; são orientações curriculares nacionais que são modificadas pela mediação de esferas governamentais intermediárias e das escolas; são políticas dirigidas pelo poder central de um país que influenciam políticas de outros países; são ainda os múltiplos textos de apoio ao trabalho de ensino que se
50
modificam nos contextos disciplinares (MAINARDES, 2010: 49 apud LOPES, 2005).
A defesa de Lopes, portanto, é que por intermédio do conceito de reinterpretação, é
possível,
[...] marcar as reinterpretações como inerentes aos processos de circulação de textos, articular a ação de múltiplos contextos nessa reinterpretação, identificando as relações entre processos de reprodução, reinterpretação, resistência e mudança, nos mais diferentes níveis (MAINARDES, 2010: 49, apud LOPES, 2005: 55).
Ainda, Lopes indica que o aspecto mais produtivo do conceito de recontextualização
para o entendimento das políticas de currículo é a busca de uma constante articulação macro-
micro. Com base no conceito de recontextualização,
[...] a maior parte das políticas são constituídas de empréstimos e cópias de pedaços/segmentos de ideias de outros locais, aproveitando-se de abordagens localmente testadas e experimentadas, remendando-as e retrabalhando-as através de complexos processos de influência, de produção de textos, de disseminação e, em última análise, de recriação no contexto da prática (BALL, 1998).
Com isso, o currículo, através de todos os processos pelos quais ele é composto
(recortes, cópias e segmentos de ideias de outros locais), ao mesmo tempo em que molda os
docentes, na prática, também e principalmente, é traduzido por eles, ou seja, a influência é
recíproca entre ambos. Assim, se o currículo é uma prática, “isso significa que todos que
participam nela são sujeitos, não objetos, isto é, elementos ativos” (GRUNDY, 1987: 68).
Mesmo sendo um currículo prescritivo, a capacidade de reinterpretação dos
professores legitima a sua contribuição, trazendo na efetividade de sua prática seus próprios
significados, aos quais lhes pertence e dos quais ele é o próprio agente do momento em que
sua prática, em sala de aula, acontece. Os professores, nesse sentido, constituem um fator
condicionante da educação e, mais concretamente, das aprendizagens dos alunos.
51
1.5 Os Professores enquanto Intelectuais
As questões que norteiam nossa reflexão, ao falarmos sobre os professores e o
currículo, são no sentido de pensarmos e nos posicionarmos frente ao papel dos educadores no
âmbito de decisão da política curricular. Consideramos que o professor é um elemento de
primeira ordem na concretização da prática que estabelece em sala de aula e, portanto, suas
ações pedagógicas interferem nos resultados de fracasso ou sucesso dos alunos em suas
aprendizagens. Nesse sentido, se o currículo é uma prática, isso significa que todos os que
participam dele, são sujeitos, não objetos, isto é, são elementos ativos no processo de
construção curricular. Nossa abordagem perpassa esse princípio em ser sujeito no processo de
construção curricular e, para isso, é extremamente necessário observarmos e refletirmos sobre
como os professores veem e transferem o currículo para a prática e, principalmente, suas
contribuições no significado do currículo.
Para isso, a percepção que estabelecemos é que, simbolicamente, os professores são
colocados como agentes significativos no processo de reforma educacional e, concretamente,
a abordagem dominante tem se incumbido da tarefa de preparar os professores para serem
implementadores eficientes das políticas desenvolvidas “por quem está fora da realidade de
sala de aula” (ZEICHNER, 2002: 28). Podemos considerar que os professores têm sido vistos
como aqueles cuja vontade do Estado é de que implementem fielmente um currículo prescrito
pelos governos usando, inclusive, métodos de ensino prescritos. “Quando novos
investimentos são feitos em educação, há uma clara tendência de se investir em coisas tais
como livros didáticos e tecnologia educacional, ao invés de se investir em pessoas”
(TORRES, 1996).
Na verdade, na maioria dos casos tem havido pouco interesse no desenvolvimento
das capacidades dos professores para exercitarem seu julgamento sobre as questões
educacionais, seja dentro ou fora da sala de aula, ou para adquirirem as disposições e as
habilidades de autocontrole que os tornam capazes de aprender a partir de sua prática ao longo
de toda a sua carreira docente.
A partir dessa concepção, podemos estabelecer uma reflexão sobre como os
professores têm sido vistos e considerados nas formulações de políticas e decisões
curriculares. Até o momento, entendemos que, na maioria das vezes, os professores têm sido
considerados como meros expectadores, tanto no processo de decisão curricular, como
propriamente na construção do currículo. Nesse sentido, nosso posicionamento é que se pare
de considerar os professores, por um lado, como técnicos que aplicam conhecimentos
52
produzidos por outros (os formuladores de currículo, os peritos em currículo, os funcionários
do Ministério da Educação, ou propriamente o mercado educacional) e, por outro lado, como
agentes sociais cuja atividade é determinada exclusivamente por forças ou mecanismos
sociológicos (a luta de classes, a transmissão da cultura dominante, a reprodução dos hábitos e
dos campos sociais, as estruturas sociais de dominação). Apesar de todas as diferenças
existentes entre a visão tecnicista e a visão sociológica, elas possuem em comum o fato de
despojar os atores sociais de seus saberes e, portanto, dos poderes decorrentes do uso desses
saberes, e de sujeitar os professores, por um lado, aos saberes dos peritos e, por outro, aos
saberes dos especialistas das ciências sociais.
É imperativo examinar as forças ideológicas e materiais que têm contribuído para o que podemos chamar de proletarização do trabalho docente, isto é, a tendência de reduzir os professores ao status técnico especializado dentro da burocracia escolar, cuja função, então, torna-se administrar e implementar programas curriculares, mais do que desenvolver ou apropriar-se criticamente de currículos que satisfaçam objetivos pedagógicos específicos (GIROUX, 1997: 158).
Façamos aqui, portanto, uma reflexão em torno das questões intelectuais do
professor, compreendendo que ele não é somente alguém que aplica conhecimentos
produzidos por outros e muito menos um agente determinado por mecanismos sociais.
Admitimos o professor como um ator e também sujeito, no sentido forte do termo, que
assume sua prática a partir dos significados que ele mesmo lhe dá e um sujeito que possui sim
o conhecimento e um saber-fazer provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele
a estrutura e a orienta. É preciso, nesse sentido, repensar e reestruturar a natureza da atividade
docente, encarando os professores como “intelectuais transformadores” (GIROUX, 1997).
Por intelectuais transformadores é necessário compreender que a base teórica é
fundamental para examinar a atividade docente, ao contrário do que tem integrado nas
escolas, como sendo puramente instrumental e técnico. Também é importante compreender as
condições ideológicas e práticas necessárias para que os professores, de fato, assumam sua
condição intelectual e, por fim, também refletirmos sobre o papel que os professores
desempenham na produção e legitimação de interesses políticos, econômicos e sociais
variados através das pedagogias por eles endossadas e utilizadas.
Encarar os professores como intelectuais reflexivos, nos remete à ideia de que toda a
atividade humana requer ser mobilizada pelo pensamento. A partir destas questões, os
professores podem ser vistos não simplesmente como operadores profissionalmente
preparados para efetivamente atingirem quaisquer metas a eles apresentadas. Em vez disso,
53
eles deveriam ser vistos como profissionais com uma dedicação especial aos valores do
intelecto e ao fomento da capacidade crítica dos jovens.
Ao contrário disso, muitos dos debates que têm surgido em torno da reforma
educacional, têm colocado os professores em segundo plano no que diz respeito às decisões
curriculares, alegando e ignorando o papel que desempenham na preparação dos aprendizes
para serem cidadãos ativos e críticos, ou então, ainda sugerem reformas na educação que
ignoram a inteligência, julgamento e experiência que os professores poderiam oferecer em tal
debate. Ainda, temos presenciado que, muitas vezes, quando os professores entram em tal
debate, são reduzidos em técnicos de alto nível, cumprindo ditames e objetivos decididos por
especialistas um tanto afastados da realidade cotidiana da vida em sala de aula. A impressão
que se tem é que os professores, na verdade, não contam quando se trata de examinar
criticamente a natureza e processo de reforma educacional.
O momento, ao mesmo tempo em que exige fomentar mais o debate em torno do
currículo, propicia também que professores possam assumir responsabilidade ativa pelo
levantamento de questões sérias acerca do que ensinam, como devem ensinar e quais são as
metas mais amplas pelas quais estão lutando. Isto significa que eles devem assumir um papel
responsável na formação dos propósitos e condições de escolarização. Tal tarefa é impossível
com uma divisão de trabalho na qual os professores têm pouca influência sobre as condições
ideológicas e econômicas do seu trabalho. Para isso, é extremamente necessário interrogar-se
sobre a função social dos professores e assumir a escola como um espaço econômico, cultural
e social, como também, atrelado às questões de poder e controle. Isto significa que as escolas
fazem mais do que repassar de maneira objetiva um conjunto comum de valores e
conhecimento. Pelo contrário, as escolas têm sido cada vez mais, lugares que representam
formas de conhecimento, práticas de linguagem, relações e valores sociais que são seleções e
exclusões particulares da cultura mais ampla.
Como tal, as escolas servem para introduzir e legitimar formas particulares de vida
social. Mais que instituições objetivas separadas da dinâmica da política e poder, as escolas
são, de fato, esferas controversas que incorporam e expressam uma disputa acerca de que
formas de autoridade, tipos de conhecimento, formas de regulação moral e versões do passado
e futuro devem ser legitimadas e transmitidas aos estudantes.
Portanto, essencial para os professores, é a necessidade de “tornar o pedagógico mais
político e o político mais pedagógico” (GIROUX, 1997: 163). Para isso, segundo o autor, é
necessário inserir a escolarização diretamente na esfera política, argumentando-se que as
escolas representam tanto um esforço para definir-se o significado quanto uma luta em torno
54
das relações de poder. Dentro desta perspectiva, a reflexão e ação críticas tornam-se parte do
projeto social fundamental de ajudar os estudantes a desenvolverem política e socialmente, e
humanizarem-se ainda mais como parte desta luta. Os professores precisam se reconhecer
como sujeitos que promovem a mudança.
Para que essa mudança, de fato, se estabeleça, torna-se necessário, registrar o ponto
de vista dos professores, ou seja, “sua subjetividade de atores em ação, assim como os
conhecimentos e o saber-fazer por ele mobilizados na ação cotidiana” (TARDIFF, 2002: 230).
O diálogo fecundo com os professores torna-se um ponto de partida importante,
considerando-os não como objetos de pesquisa, mas principalmente, como sujeitos
competentes que detêm saberes específicos ao seu trabalho.
Ao reconhecermos os professores, portanto, como atores competentes, sujeitos
ativos, deveremos, também, admitir que a sua prática caracterize-se não apenas como um
espaço de aplicação de saberes provenientes da teoria, mas, também, um espaço de produção
de saberes específicos oriundos dessa mesma prática. A questão é que, realmente, o trabalho
dos professores deve ser considerado como um espaço prático específico de produção, de
transformação e de mobilização de saberes e, portanto, de teorias, de conhecimentos e de um
saber-fazer específicos ao ofício do professor. O professor mobiliza saberes, teorias e
conhecimento em sua própria ação e isso é imprescindível compreender numa perspectiva de
prática curricular. Porém, uma preocupação se intensifica no que diz respeito ao currículo,
quando percebemos que os professores são considerados meramente como aplicadores dos
conhecimentos produzidos pela pesquisa e que esta, na maioria das vezes, está fora da prática
do professor e da realidade da sala de aula.
As práticas são sustentadas, assumidas, produzidas e reproduzidas por atores bem reais: administradores de pesquisa, dirigentes políticos e financeiros, pesquisadores de carreira, editores, leitores, consumidores da pesquisa, organizadores de congressos e seus públicos. Em suma, longe de se posicionar simplesmente do lado da teoria, a pesquisa na área de educação é regida e produzida por um sistema de prática e de atores. Ora, a principal ilusão que parece dominar esse sistema, e que, ao mesmo tempo, serve para fundamentá-lo dentro das universidades, é justamente o fato de levar a acreditar que nelas podem ser produzidas teorias sem práticas, conhecimentos sem ações, saberes em enraizamento em atores e em sua subjetividade (TARDIFF, 2000: 236).
Com isso, todo o trabalho humano, e não é diferente com os professores, exige um
saber e um saber-fazer, ou seja, a prática exige um pensar constante, produzir e reproduzir as
condições concretas de seu próprio trabalho. O trabalho, como toda a práxis, exige, por
conseguinte, um sujeito de trabalho, isto é, um ator que utiliza, mobiliza, produz os saberes de
55
seu trabalho. Assim, acontece com o trabalho do professor, ou seja, compreender a
complexidade de sua prática exige assumirmos que essa prática é influenciada diretamente
pelas próprias decisões e ações desses atores.
Quanto ao reconhecimento do verdadeiro papel dos professores, é preciso que
possamos estabelecer algumas considerações necessárias, ou seja, só será possível quando
lhes forem concedidas, dentro do sistema escolar e dos estabelecimentos, o status de
verdadeiros atores, ao qual anteriormente já no referimos, e não de simples técnicos ou de
executores das reformas da educação concebidas com base em uma lógica burocrática.
Tornar-se ator de sua própria ação parece ser extremamente importante, bem como o autor do
seu próprio discurso. “A desvalorização dos saberes dos professores pelas autoridades
educacionais, escolares e universitárias não é um problema epistemológico ou cognitivo, mas
político” (TARDIFF, 2000: 243). Segundo o autor, os professores foram, durante muito
tempo, associados a um corpo eclesial que agia com base nas virtudes da obediência e da
vocação. No século XX, por exemplo, eles se tornaram um corpo estatal e tiveram que se
submeter e se colocar a serviço das missões que lhes eram confiadas pela autoridade pública e
estatal. Então, devemos considerar que os professores sempre estiveram subordinados a
organizações e a poderes maiores e mais fortes que eles, associando-os a simples executores.
Atualmente, embora os professores ocupem a posição mais importante entre os
agentes escolares, embora o papel deles seja tão importante quanto o da comunidade
científica, no que se refere ao aspecto sócio-cultural, eles se encontram, com muita
frequência, em último lugar na longa sequência dos mecanismos de decisão e das estruturas
de poder que regem a vida escolar. Em suma, seu poder, não somente na vida dos
estabelecimentos escolares, mas na organização e no desenvolvimento de seu próprio
trabalho, é realmente muito reduzido. Entretanto, se quisermos que os professores sejam
sujeitos do conhecimento, precisaremos dar-lhes tempo e espaço para que possam agir como
atores autônomos de suas próprias práticas e como sujeitos competentes de sua própria
profissão.
Ao falarmos desse tempo, estamos necessariamente considerando o fato de que todas
as mudanças em educação, principalmente no que diz respeito à prática em sala de aula, se os
professores tomarem e compreenderem como suas essas mudanças, aí, logicamente terá
sentido o propósito de reforma educacional.
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CAPÍTULO II - REINTERPRETANDO OS DOCUMENTOS OFICIAIS DA
POLÍTICA DE CURRÍCULO APOSTILADO NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO
DE SORRISO - MT
Ao destacar os aspectos históricos que constituíram as identidades no município de
Sorriso, estaremos utilizando como fonte de pesquisa as dissertações de mestrado da
Universidade Federal de Mato Grosso, do departamento de história, através de Regiane
Custódio, intitulada “Sorriso de tantas faces: a cidade (re)inventada no Mato Grosso – pós
1970”, concluída em março de 2005 e, do departamento de geografia, através de Zenilda
Lopes Ribeiro, com “Praças e Lazer: dinâmica de uso e apropriação de espaços públicos em
Sorriso – MT”, defendida no ano de 2008. Nossa intenção a partir destas pesquisas
desenvolvidas no município de Sorriso, além de ilustrarmos as identidades percebidas é
tentarmos realizar uma análise do que percebemos nesses 06 anos residindo no município.
O intuito de discussão traz como abordagem, além da formação de identidades no
município, a conquista de espaços os quais foram legitimados por diferentes culturas,
fortalecendo assim, a formação de comunidades, principalmente advindas do nordeste, que
defendem sua cultura e identidade, apesar da permanência e insistência de um determinado
grupo na valorização de uma só cultura, ou seja, aquela advinda do sul do Brasil.
Sorriso vem se destacando pelo seu multiculturalismo social e cultural. No
município, prevalece a figura do colonizador (sulista), enquanto o colonizado (nordestino,
maranhense e o próprio mato-grossense) permanece em um campo de luta, a fim de que seja
reconhecido seu espaço de manifestação, tanto social, como cultural.
O multiculturalismo refere-se às estratégias e políticas adotadas para governar ou administrar problemas de adversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades socioculturais. É usualmente utilizado no singular, significando a filosofia específica ou a doutrina que sustenta as estratégias multiculturais (HALL, 2009: 50).
Com isso, Sorriso - MT insere-se em uma construção histórica que deflagra a
expansão da fronteira agrícola e criação de novos núcleos urbanos na Amazônia fazendo parte
de um “projeto de colonização privada, da empresa Colonizadora Sorriso, criada para
regularizar a venda de terras, oficializar a colonização e ordenar o crescimento da área
urbana” (RIBEIRO, 2008). Os sócios da Colonizadora chegaram à região em 1975 e
construíram as primeiras casas às margens da rodovia (BR 163) que, aos poucos, com a
atração de migrantes sulistas virou um povoado.
57
Portanto, “originária de um projeto privado de colonização que data de 1976, teve
seu povoamento inicialmente com grupos sociais originários do sul do Brasil” (CUSTÓDIO,
2005), especificamente do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, que naquela ocasião
vinham com o propósito de trabalhar com agricultura. Três décadas após a instauração do
projeto inicial, Sorriso desponta na mídia nacional ostentando o título de “capital da soja” no
Brasil. Então, Sorriso ao despontar nacionalmente, torna-se um lugar ideal para quem
pretende “se fazer na vida”.
A Colonizadora Sorriso, que atualmente tem o nome de Colonizadora Feliz, foi uma
das empresas que idealizaram um planejamento territorial e urbano do município em 1979,
através da “contratação da empresa PLATEC para elaborar o projeto do perímetro urbano”
(RIBEIRO, 2008 apud DIAS E BORTONCELLO, 2003). Com a área urbana, assim definida
e planejada, em 26 de dezembro de 1980, Sorriso foi transformado em Distrito, pertencente,
portanto ao município de Nobres. Já, em 20 de março de 1982, foi instalada a subprefeitura no
Distrito de Sorriso, sendo elevada à categoria de município, em 1986.
Atualmente, Sorriso, conforme os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE/20109 possui uma população de 66.506 habitantes e, além de promissora
ainda se destaca por ser uma cidade com amplas avenidas, limpas e arborizadas,
características das cidades originadas de projetos privados com um planejamento prévio. Com
o passar do tempo e por sua organização, intensificou-se a presença de grupos sociais de
outras localidades do país.
Contudo, cresce também no município, a desigualdade social, apesar da insistência
na homogeneidade cultural prevalecer, principalmente através da mídia. Apesar do discurso
elaborado pelas “elites” (grupos dominantes) apresentado nas propagandas, onde se privilegia
a totalidade, ou seja, “todos fazem parte da comunidade”, consequentemente, não vem sendo
enfatizadas as diferenças internas que prevalecem no município, bem como não há
preocupação em destacar os elementos de distinção entre os vários grupos num mesmo espaço
social. Apesar de uma cidade promissora, prevalece o silêncio das desigualdades sociais em
alguns aspectos.
Ao comentarmos sobre essas desigualdades, entre a parte central do município e a
periferia se desponta uma realidade totalmente diferente. Primeiramente, é preciso destacar
que Sorriso é literalmente dividida pela BR 163, onde do lado direito (sentido Cuiabá a
Sorriso) por detrás dos grandes armazéns e indústrias, esconde-se um bairro chamado São
9 www.censo2010.ibge.gov.br
58
Domingos, abrigando famílias, principalmente nordestinas e maranhenses. O bairro São
Domingos foi uma doação realizada por parte da prefeitura municipal, ou seja, “o bairro São
Domingos foi uma tentativa de se evitar o aparecimento de favelas na periferia, pois muitos
trabalhadores não estavam conseguindo adquirir um lugar para morar” (CUSTÓDIO, 2005).
O bairro foi uma iniciativa, por parte do poder público, no sentido de afastar do centro da
cidade, os migrantes mais pobres, que chegaram posteriormente.
Dentre as características dessa população, logo que o dia amanhece, com suas
bicicletas, atravessam a BR 163 para o lado esquerdo (sentido Sorriso a Cuiabá) a fim de se
dirigir à parte central da cidade e exercer inúmeros serviços, tanto formais como informais.
Esses trabalhadores se referem a esse núcleo central, como sendo a ‘cidade’, ou seja, muitas
vezes, percebe-se um sentimento de não pertencimento ao município. Já, a ‘cidade’ se refere
ao bairro São Domingos, como sendo o ‘outro lado’. As relações, portanto, que se
estabelecem em ambos os lados, deflagra o distanciamento existente entre as classes sociais,
ou seja, a parte central está situada na ‘cidade’, enquanto o bairro São Domingos, se
caracteriza como sendo ‘o outro lado’ de Sorriso.
Em Sorriso, os que migraram no início da colonização, são considerados pioneiros,
ou seja, os agricultores (sulistas) que vieram a fim de adquirir terras são considerados os
colonizadores do município e, dentre estes, se destaca a Colonizadora Feliz, cujo próprio
nome já deflagra os seus propósitos na inserção de uma cultura que, até os dias de hoje,
prevalece através de costumes e tradições sulistas que estão muito presentes no município.
Destaca-se uma homenagem realizada no ano de 2000 a Claudino Frâncio:10
O Edifício Claudino Frâncio, da Colonizadora Feliz, é uma justa homenagem à saga de um pioneiro que aqui fincou raízes e lutou pelo desenvolvimento até seus últimos dias. Claudino Frâncio foi o precursor desse paraíso, planejando sua urbanização e colonização e a Colonizadora dá continuidade a esta missão. O trabalho da empresa está voltado para fazer de Sorriso, uma cidade feliz (CUSTÓDIO, 2005: 59).
Existem, portanto, traços fortes e de grande significado para o município, quando se
trata de reconhecimentos pelo que Sorriso é e representa hoje, tanto no cenário do estado de
Mato Grosso, quanto nacional e internacional, ou seja, o significado em torno dos termos
“pioneirismo e colonizador” deflagram a intensidade de poder pelo qual se estabelece frente
ao município. Esses termos chave, portanto, nos remetem à questão de que o “desbravador, o
10 Irmão de Nelson e Alberto Frâncio, todos sócios e proprietários da Colonizadora Feliz e, advindos de Curitiba, no estado do Paraná, em maio de 1973 adentraram as terras de Sorriso, no estado de Mato Grosso e ficaram acampados às margens do Rio Teles Pires. Começa, então, nessa época o processo de Colonização do município de Sorriso (CUSTÓDIO, 2005: 44).
59
antecessor, aquele que vem antes” (CUSTÓDIO, 2005: 60 apud HOUAISS, 2001: 26),
desconsidera que em Sorriso já se encontravam grupos indígenas, posseiros, seringueiros, os
quais, injustamente, foram varridos da memória documental histórica da cidade.
Sorriso é uma cidade cuja tendência é o pleno e importante crescimento e
desenvolvimento, porém, ainda é necessário avançarmos aprendendo com outras culturas. O
município cresce aceleradamente e, cada vez mais, percebemos a formação de comunidades
aglomeradas em pequenos nichos culturais que exigem do poder público e da própria
sociedade a necessidade de serem vistos e ouvidos. O movimento migratório das famílias, dos
bairros para a parte central da cidade, tem visivelmente crescido, uma vez que o município
desponta para um crescimento habitacional, através de loteamentos de casas sendo
construídas, através de incentivos, tanto do governo federal em parceria com o governo
municipal. Esse movimento migratório e a própria ocupação dos loteamentos, tem
possibilitado um cruzamento de culturas a partir da formação de novos bairros.
Com isso, percebemos a cidade de Sorriso que está em pleno movimento demarcado
pelo deslocamento físico e, principalmente, cultural. Esse movimento tem permitido algumas
manifestações culturais importantes, nascidas da própria iniciativa de grupos pertencentes a
uma determinada cultura que, organizados, têm buscado constantemente seu espaço de
manifestação. O poder público municipal, através do Departamento de Cultura deu início, em
2009, ao projeto “Caravana da Cultura” possibilitando a formação de grupos nordestinos,
gaúchos, maranhenses, catarinenses que apresentam suas danças, costumes e tradições em
uma grande apresentação para toda a comunidade.
Porém, tornam-se ainda necessárias importantes iniciativas de melhoria do
reconhecimento das diferentes identidades culturais que compõem o município de Sorriso.
Primeiramente, é necessário o reconhecimento da memória que compõe o município, muito
antes da vinda dos pioneiros, como também, que os mesmos desbravadores que adentraram
essas terras reconheçam a cultura mato-grossense como propulsora de todas as colheitas
realizadas e as riquezas conquistadas. Esse reconhecimento não se faz em disputas através de
esculturas espalhadas pela cidade, como forma de demarcação de territórios e a conquistas de
gestões político-administrativas desta ou daquela cultura, mas, sim, é necessário um repensar
de ações que priorizem todas as culturas existentes a fim de que estas sejam valorizadas e
reconhecidas pelas gerações as quais estão sendo formadas nas escolas de nossa cidade.
60
2.1 O Mercado Editorial Brasileiro e a Ascensão dos Sistemas de Ensino: o caso do
Grupo Positivo
Historicamente, os sistemas de ensino são resultados das escolas particulares. Em
meados de 1990, quando as escolas particulares mantinham uma estrutura de alto custo,
pagando coordenadores e orientadores para suprir as deficiências do professorado, deu-se
início a produção de material próprio que era acrescentado aos livros didáticos, oferecendo
atividades extras, como o inglês, aulas de informática e esportes, sendo este marketing
essencial em um mercado cada vez mais competitivo.
Apesar de todas essas iniciativas serem custeadas pela mensalidade dos alunos, as
altas taxas de inflação na época, agregada a retiradas dos lucros dos proprietários destas
escolas e a crise instalada contribuiu para o fechamento de muitas delas. Em 1994, portanto,
os sistemas de ensino surgiram, então, como uma solução permitindo que a escola tivesse um
quadro mais enxuto de funcionários e evitasse gastos extraordinários com material didático,
uma vez que forneciam um mecanismo para coibir a inadimplência dos pais de alunos, já que
o material didático deixava de ser fornecido àqueles que estivessem em débito de
mensalidades na escola.
Na virada do século, quando o mercado de escolas privadas deu os primeiros sinais
de saturação, os sistemas fundados na lógica empresarial de expansão, buscaram a escola
pública. Uma investida até certo ponto surpreendente, uma vez que as escolas públicas
dispunham dos livros fornecidos gratuitamente pelo Governo Federal, através do programa
PNLD – Programa Nacional do Livro Didático, os quais passavam pelo crivo de uma
avaliação de especialistas nas diferentes disciplinas que compõem o currículo. A partir de
então, cada vez mais vem crescendo a adesão do Sistema Privado de Ensino pelo Sistema
Público Municipal de Ensino.
A adoção do Sistema Privado de Ensino pelo Sistema Público de Ensino tem
provocado inúmeras discussões. A polêmica em torno da utilização dos sistemas apostilados
envolve vários aspectos. Trata-se de material preparado por empresas privadas, como o Curso
Osvaldo Cruz – COC, Positivo, Objetivo, entre outras. Sendo assim, as apostilas não passam
por nenhum tipo de avaliação oficial, como ocorre com os livros didáticos adquiridos pelo
PNLD. Em consequência, diferentes estudos identificaram sérios problemas conceituais e
gráficos em apostilas de sistemas de ensino, além da utilização de abordagens pedagógicas
descontextualizadas e excessivamente esquemáticas, herdeiras da orientação para o vestibular
que caracterizou o surgimento desse tipo de material.
61
Há também, questões financeiras a serem consideradas. Os custos de aquisição e
distribuição dos livros didáticos são integralmente arcados pelo Governo Federal. Assim,
devido à escala do PNLD, o custo unitário de cada exemplar é relativamente baixo, de
aproximadamente R$6,50 (seis reais e cinquenta centavos). O material apostilado, por sua
vez, é integralmente financiado pelo estado ou município que o adota. Em média, o custo é de
R$150,00 (cento e cinquenta reais) por aluno, por ano. Os recursos para financiar a sua
aquisição são geralmente oriundos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB).
Tratam-se de verbas que poderiam ser empregadas em outras alternativas de
expansão da oferta educacional ou de melhoria da qualidade de ensino, tais como a oferta de
creches e pré-escolas e educação de jovens e adultos, a adoção da jornada de trabalho integral
no ensino fundamental, a oferta de cursos técnicos e profissionalizantes, incrementos na
remuneração dos profissionais da educação, instalação de laboratórios e equipamentos
diversos nas escolas.
As críticas à adoção dos sistemas apostilados dizem respeito ainda à interferência na
autonomia dos professores, que não são consultados sobre o material que deverão utilizar em
sala de aula e passam a ficar presos a um rígido roteiro, transformando-se em meros
aplicadores do material didático. Do ponto de vista dos gestores e das famílias, contudo, a
estrutura do material apostilado, com sequências didáticas claras e a explicitação dos
objetivos de aprendizagem de cada aula, apresentam maiores possibilidades de controle e
acompanhamento do trabalho docente.
Esse fato aliado ao apelo de estender a suposta qualidade das escolas privadas para o
Sistema Público de Ensino é um dos motivos que influenciam os prefeitos a optarem pelos
sistemas apostilados. Cabe ressaltar, contudo, que o material vendido para o Sistema Público
de Ensino, embora leve o selo da empresa que o produziu, nem sempre é idêntico ao que é
adotado em suas escolas franqueadas da rede particular. De todo modo, recente estudo
produzido pela Fundação Lemann11 concluiu que a adoção de sistemas apostilados teve
impacto positivo no desempenho dos alunos nas avaliações de Língua Portuguesa e
Matemática, na Prova Brasil, em 2007.
O estudo ainda menciona e sugere diversas vantagens dos sistemas apostilados. Em
primeiro lugar, fornecem livros consumíveis de todas as disciplinas, para todos os alunos, de
todas as escolas. Com isso, não se ampliam as possibilidades de exercícios e práticas de
11 Fundação privada sediada em São Paulo, com forte atuação na área da Educação.
62
estudo, mas se otimizam o tempo em sala de aula, diminuindo a necessidade de copiar
exercícios do quadro. Além disso, são também fornecidas orientações e treinamento aos
professores.
Com relação ao esgotamento, como anteriormente mencionamos, do crescimento dos
sistemas apostilados no Sistema Privado de Ensino ao amplo mercado potencial vislumbrado
nas redes públicas, houve uma enorme oportunidade de mercado para as empresas que atuam
no setor, de modo que algumas das maiores editoras envolvidas no PNLD passaram a atuar
também como produtoras de sistemas apostilados. A FTD tem o Sistema de Ensino FTD, a
Moderna com o Sistema UNO, a Ática/Scipione, o Sistema Ser, a Saraiva com o Ágora, o
Positivo com o Sistema de Ensino Aprende Brasil. O IBEP com o Sistema de Ensino IBEP.
O Positivo com o Sistema de Ensino Aprende Brasil nasceu através do grupo
Positivo em 1972, quando 08 professores alugaram uma pequena sala no centro de Curitiba e
iniciam o curso Positivo, sendo o primeiro no Paraná que acompanhava o aluno até as
vésperas do vestibular. Esses professores são os que escrevem, organizam e imprimem o
material didático, além de sistematizarem o ensino em sala de aula a partir de uma
metodologia própria.12
Em 1979, motivadas pelo sucesso que cruzava as fronteiras de Curitiba, escolas do
interior do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul se interessaram em utilizar essa
metodologia de ensino. O grupo Positivo, então, decide criar o Sistema Positivo de Ensino –
SPE. É fundada a Distribuidora Positivo como empresa responsável pelo atendimento de 08
instituições de ensino que adotam o SPE, nas quais estudavam 15 mil estudantes.
Em 2005, é lançado o Sistema de Ensino para a rede pública, denominado de Sistema
de Ensino Aprende Brasil – SABE. O grupo Positivo alcança a marca de 10 milhões de alunos
atendidos em sala de aula por meio de produtos e serviços, consolidando-se como o maior
grupo educacional do país.
2.2 A Decisão sobre a Política de Currículo Apostilado no Sistema Público Municipal de
Ensino em Sorriso - MT
Ao apresentarmos e discutirmos sobre as influências na política de currículo
apostilado no Sistema Público Municipal de Ensino em Sorriso partiu-se da apresentação e
análise de documentos que fazem parte dos arquivos da Secretaria de Educação e de algumas
12 www.positivo.com.br
63
escolas municipais. Quanto às escolas municipais, algumas nos encaminharam registros sobre
reuniões realizadas com os pais. Não levamos em consideração para as nossas análises a
quantidade de documentos, mas, sim, a qualidade de registros que viessem a contribuir com as
informações referentes ao processo de preparação à implantação do sistema apostilado no
Sistema Público Municipal de Ensino, por isso, todos os registros encontrados contribuíram
de forma eficaz no processo de análise.
As análises partem de documentos oficiais e não oficiais que destacam o processo de
decisão pela implantação da política de currículo apostilado nas escolas municipais de
Sorriso. Através destes documentos, procuramos compreender sobre como foi à trajetória de
decisão curricular, bem como as articulações necessárias para, de fato, a sua inserção no
processo de ensino e aprendizagem dos alunos e como material pedagógico para os
professores.
Nesse ínterim, nosso propósito é entender como um Sistema Público Municipal de
Ensino decide por adotar um Sistema Privado de Ensino e de que forma isso é pensado,
disseminado, divulgado e efetivado em um município, bem como os sentidos construídos na
consolidação do trabalho educativo da instituição.
O acesso pelo qual tivemos a um conjunto de textos traz uma marca bastante
interessante, ou seja, a hibridização de discursos. Assim, uma coletânea composta por textos
considerados oficiais, como propostas curriculares, orientações da instância governamental
municipal, deliberações para o ensino, relatórios que justificam uma decisão curricular, além
de textos considerados não oficiais contidos em anotações diversas, reflexões momentâneas,
relatórios de departamentos, atas de reuniões, avisos, lembretes, ou seja, muitos documentos,
por vezes arquivados de forma ordenada, porém, outras, esquecidos dentro de armários,
gavetas, foram excelentes suportes que identificam traços de uma história que emergiu de
uma decisão capaz de transformar toda uma trajetória curricular até então praticada e
desenvolvida pelos professores. Os textos direcionam para os modos de definir o ensino, a
organização da escola, do currículo e propriamente da prática do professor, a sistemática de
trabalho, os acordos de ideias e de convivência em que gravitam políticas e práticas
curriculares, enfim, uma mudança de rumos.
Quando Ball incorpora à recontextualização o entendimento de cultura pelo hibridismo, busca entender as nuances e variações locais das políticas educacionais. Sua investigação caracteriza uma agenda política global para a educação centrada na performatividade, na escolha dos pais, no gerencialismo, no novo vocacionalismo, na competição institucional e no fundamentalismo curricular, mas visa a investigar como em diferentes lugares essa agenda se modifica, seja pela intensidade com que
64
tais princípios se expressam, seja pelo nível de associação de discursos e outros (LOPES, 2005: 56 apud BALL, 1998).
O processo de decisão curricular analisada incorpora múltiplas vozes configurando-
se em construções, como já mencionamos, híbridas, em razão dos seus antecedentes
históricos, em consequência dos aportes que respaldam a sua composição e em função das
negociações internas e externas que formulam todo o arcabouço curricular.
Dessa forma, identificamos em todos esses documentos, os esforços a fim de
congregar e legitimar uma proposta cuja interferência compreende as contribuições de
agências multilaterais, de articulações políticas, de proposições contidas no texto curricular
propriamente dito, de negociações internas acerca do que é considerado como ideal em termos
de currículo e, consequentemente, êxito no ensino, bem como das orientações teóricas que
embasam, convencem e fundamentam o texto prescritivo, no caso das apostilas.
Os sentidos construídos ao longo da trajetória de uma decisão curricular,
especificamente, por um currículo apostilado, reterritorializam concepções, referenciais,
saberes, práticas, contextos. A proposta curricular em questão, pelo seu caráter híbrido,
contempla a formulação de diversos discursos, principalmente de que o sistema apostilado
vem proporcionar a melhoria dos quantitativos em educação, como também, emergindo
comparativos entre o público e o privado, garantindo assim eficiência no ensino, não pela
prática pedagógica, mas, sim, pelo material que ao alcance de todos poderá garantir os
resultados qualitativos tão esperados pelo município, no caso, Sorriso/MT.
É nesse cenário, de diversos discursos que a análise a partir da abordagem do Ciclo
de Políticas torna-se imprescindível. As vozes manifestas em todo o processo decisório
articulam elementos do Contexto de Influência e de Produção de Textos. A decisão curricular
referenciada e defendida através de inúmeras fontes documentais, nos registros ordinários dos
arquivos, indica que o Ciclo de Políticas está fortemente marcado na sua política educacional
com imbricações muito visíveis no cotidiano escolar.
Na apresentação dos documentos, destacamos uma síntese sobre a justificativa de
decisão curricular, determinando assim, a implementação da política de currículo apostilado
no município de Sorriso. O ofício encaminhado pela Secretaria de Educação, na data de 19 de
novembro de 2008, compreendeu um resumo dos trabalhos desenvolvidos pela equipe
pedagógica da Secretaria de Educação, referentes ao sistema apostilado, implantado na
educação municipal, no ano de 2006. O respectivo relatório justifica-se pelo processo de
transição de mandato, uma vez que um novo prefeito assumiu a gestão municipal a partir do
ano de 2009.
65
A equipe pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Sorriso – MT, instaurada no final de 2004, com o objetivo de traçar as diretrizes na educação municipal para os anos seguintes, detectou alguns pontos considerados críticos para o desenvolvimento educacional do município, dentre eles: - A quantidade de livros didáticos, fornecidos pelo MEC – Ministério da Educação e Cultura, não atendia a demanda, tal fato deve-se ao grande fluxo migratório em Sorriso. Prova disso é que o censo escolar registrou em 2004 o atendimento a 8.875 (oito mil, oitocentos e setenta e cinco) alunos da rede municipal de ensino e, em 2005, o número atendido correspondia a 10.903 (dez mil, novecentos e três) alunos. Como a distribuição do livro didático se faz com base no número de alunos cadastrados no censo escolar do ano que está findando, esse fator termina resultando sempre na entrega de material insuficiente. - O conteúdo do livro didático, em razão de ser distribuído em todo o país, tem sua elaboração organizada de forma genérica, deixando a desejar quanto às peculiaridades: regionais, estaduais e municipais. - O livro didático não é disponibilizado para o aluno levar para casa, já que em razão das regras traçadas pelo MEC, este deve ser utilizado por um período de três anos. Em razão desta regra o tempo de acesso que o aluno dispõe com o livro didático é limitado, ou seja, o aluno precisa copiar os textos para realização de tarefas. Esse fator requer um acompanhamento por parte do professor nesta atividade, o que resulta em prejuízo no tempo que deveria ser destinado ao aprendizado. - E mais, o baixo índice de desenvolvimento da educação básica (IDEB) da rede municipal de ensino que, em 2005, foi de 3,5 nos anos iniciais e 3,6 nos anos finais. Diante de todas estas informações, a equipe pedagógica buscou, junto à administração municipal, alternativas para solucionar o problema, pois entendia que se não houvesse investimento, tanto em material didático quanto em qualificação da equipe pedagógica, seria difícil alcançar os melhores resultados no âmbito educacional. A Secretaria Municipal de Educação após tomar conhecimento dos fatos acima procurou manter contato com os seguintes grupos: UNO, OBJETIVO e POSITIVO, a fim de análise do material. Analisados esses sistemas apostilados, constatou-se que somente o GRUPO POSITIVO trabalhava com a perspectiva de qualidade no ensino público, isso através da elaboração do SABE – Sistema Aprende Brasil de Ensino, destinado às escolas públicas. Esse foi um dos fatores preponderantes na escolha do método, assim como os abordados a seguir: - adequação do Sistema de Ensino Aprende Brasil à proposta pedagógica do município; - operacionalização do Sistema de Ensino Aprende Brasil nas escolas; - orientação sobre os encaminhamentos metodológicos do Livro Didático Integrado (apostilas); - orientação para a utilização de ferramentas e dos conteúdos disponibilizados no Portal Aprende Brasil; - assessoria para adequação da matriz curricular; - esclarecimentos sobre o processo de planejamento escolar e avaliação; - intercâmbio entre as experiências e práticas das escolas da rede municipal de ensino parceiras do Sistema Aprende Brasil; - orientações sobre as diversas formas de integração família-escola; - aprofundamento dos conteúdos abordados por ocasião da implantação regional; - atendimentos pedagógicos permanentes aos professores por telefone, fax e e-mail. Encaminhado esse levantamento à Administração, obteve-se a informação de que àquele momento, qual seja, no exercício de 2005, os recursos destinados para a manutenção do ensino eram insuficientes para cobrir todo o custo. Ainda assim, a equipe da Secretaria de Educação foi relutante devido ao apoio que já estava recebendo dos pais. Estes se tornaram fortes aliados na busca de uma solução, visto que ao descobrirem a impossibilidade de aquisição do material didático por parte da prefeitura, sugeriram fazer reuniões nas escolas da rede municipal com o intuito de verificar a aceitação dos pais mediante proposta de contribuição financeira dos mesmos para a aquisição do livro didático integrado. O discurso apresentado nessas reuniões era de que os pais que tivessem condições financeiras poderiam arcar com o valor do material. Aqueles que não tivessem
66
condições seriam submetidos à Administração diante da possibilidade de assumir os custos daqueles que fossem comprovadamente carentes, depois de submetidos ao crivo de apreciação pela Secretaria Municipal de Ação Social. Durante as visitas às escolas para a apresentação da referida proposta, houve satisfatória aceitação dos pais, o que, mais tarde, resultou na criação da Associação de Pais de Sorriso – APS, incluindo representantes de todas as escolas da rede municipal de ensino. E foi através desta Associação que sucederam alguns encaminhamentos, dentre eles a abertura de uma conta da APS para receber o valor arrecadado dos pais através da Associação de Pais e Mestres – APM de cada unidade escolar. Além da contribuição desses pais, buscou parceria com a iniciativa privada. Nesta teve-se boa aceitação tanto de empresários como de pessoas físicas. Só após o trabalho que foi encaminhada a relação dos alunos que não dispunham de condições de assumir. A administração, para atender estes alunos, encaminhou projeto de lei para a Câmara Municipal que obteve aprovação para firmar convênio com a APS. Vale lembrar que a APS é responsável pelo pagamento das notas referentes à aquisição das apostilas, ao grupo Positivo. Ela também que realiza a prestação de contas mensal à prefeitura. E assim, em 2006, foi implantado o Sistema Apostilado na rede pública municipal. Consta dizer que o material didático implantado nas escolas da rede municipal de Sorriso trouxe muitos benefícios, a saber: - são quatro livros didáticos com todas as áreas do conhecimento; - há o rigor conceitual na elaboração do material, respeitando as orientações legais (LDB, PCN e RCN); - material de apoio anexo ao livro didático; - incentivo à pesquisa através de novas tecnologias; - links dos conteúdos didáticos de todas as áreas do conhecimento através do Portal Aprende Brasil. Todos os alunos e professores recebem uma senha para acesso ao Portal; - assessoria contínua às equipes pedagógicas e técnicas das escolas da rede municipal de ensino e Centros Municipais de Educação Infantil; - cursos por áreas e cursos para diretores e coordenadores; - apostila ampliada para alunos com baixa visão; - apostila em braile para cegos, o que não é disponibilizado para Sorriso pelo fato de não ter aluno portador dessa deficiência no ensino fundamental regular; - projetos sociais que o Positivo apoia (fanfarra, biblioteca itinerante, biblioteca do professor, esportes como caratê, judô, capoeira, construção de parques infantis); - o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica superou as expectativas dando um salto de 3,5 para 4,7 (anos iniciais) e de 3,6 para 4,5 (anos finais), sendo que o resultado apresentado em 2007 foi superior ao que estava previsto a ser atingido em 2013 pelo IDEB. (Ofício encaminhado pela Secretária de Educação, gestão 2005 a 2008, no dia 19 de novembro de 2011 ao prefeito municipal da gestão 2009 a 2012 – grifo nosso).
Ao apresentarmos o teor deste importante documento, ainda queremos destacar que
não é nossa intenção, a partir das análises, responsabilizar este ou aquele, porque nosso
reconhecimento é expressivo pelos profissionais que atuam no processo de gestão
educacional, principalmente, nas questões que envolvem políticas públicas. Nossas análises
pretendem refletir sobre a importância das Políticas de Currículo pertencer aos professores e
as conseqüências que podem desencadear na práticala, quando delegamos aos outros esse
poder de decisão curricular. Também, promover políticas públicas em educação é
imprescindível no processo de gestão da educação municipal e um ato de responsabilidade
ímpar, na qual todos fazem parte. Portanto, entendemos que uma decisão curricular quando é
67
aceita passivamente, requer de todos nós colocarmo-nos como responsáveis e até que ponto
está se deixando que os processos de mercantilização sejam incorporados nas redes de ensino,
como é o caso de Sorriso/MT.
2.3 A Escolha do Sistema de Ensino Aprende Brasil – Grupo Positivo e a Proposta
Pedagógica Legitimada
Com relação à escolha do sistema de ensino escolhido ter sido o Grupo Positivo, o
documento apresenta algumas considerações,
A Secretaria Municipal de Educação após tomar conhecimento dos fatos acima, procurou manter contato com os seguintes grupos: UNO, OBJETIVO e POSITIVO, a fim de análise do material. Analisados esses sistemas apostilados, constatou-se que somente o GRUPO POSITIVO trabalhava com a perspectiva de qualidade no ensino público, isso através da elaboração do SABE – Sistema Aprende Brasil de Ensino,
destinado às escolas públicas. (grifo nosso). Porém, a partir de uma ata de registro das reuniões entre a equipe pedagógica da
secretaria de educação e o prefeito municipal, à época, Dilceu Rossato consta a seguinte
ressalva:
O objetivo da reunião é para apresentar ao prefeito Rossato os projetos desta secretaria. (...) Outro projeto apresentado foi da área de informática, o coordenador Marcelo Lechio apresentou material apostilado do GRUPO POSITIVO para implantação imediata que segundo informações é o único material aprovado pela Câmara Brasileira do Livro sendo o mesmo aprovado de imediato. O custo da apostila é de R$22,00 (vinte e dois reais) e a cada 100 apostilas adquiridas, a empresa doa um computador para o município, sendo que este material servirá para aproximadamente três anos (15 de fevereiro de 2005: 03) (grifo nosso).
Interessantemente, percebemos que não consta no respectivo registro o fato
mencionado sobre a qualidade “após a análise do material” e, sim de que “a cada 100
apostilas adquiridas, a empresa doa um computador”. Diante disso, entendemos que a partir
dos documentos que se contradizem em suas considerações, o respectivo Grupo Positivo já
havia sido escolhido, não pela equipe pedagógica, mas sim, indicado pelo departamento de
informática do município, no sentido de garantir o recebimento de computadores para as
escolas, por isso, na urgência de “implantação imediata”.
A preocupação se centraliza na discussão em perceber que a decisão sobre a política
de currículo apostilado, em um primeiro momento, perpassou a ideia de que o município seria
contemplado com computadores em vez de, como se preconiza, se relacionar com a melhoria
68
da qualidade de ensino, através de um currículo que viesse contribuir com o conhecimento
dos alunos. Além disso, tanto a equipe pedagógica da Secretaria de Educação quanto os
professores, é que deveriam ser os principais atores do processo de decisão curricular, ao
contrário, sequer aparecem no documento, ou seja, estes profissionais passam a se tornar
alheios a todo o processo de decisão.
A definição do contexto de decisão para a organização das práticas curriculares trata-se de uma visão tecnicista do currículo, em que as decisões são tomadas em nível macro, com o reconhecimento do papel centralizador da administração central, deixando-se às escolas e aos professores o papel de implementá-las, pois não são considerados atores da decisão curricular (PACHECO, 2005: 109).
Acreditamos serem totalmente importantes quaisquer recursos pedagógicos aos quais
venham agregar a prática pedagógica dos professores, além de priorizar o acesso aos alunos
de importantes ferramentas de aprendizagem, porém, desde que essa decisão perpasse ao
olhar pedagógico dos professores que serão os principais atores de construção e
fortalecimento de proposta curricular, em sala de aula.
Nossa preocupação estende-se, portanto, por essa falta de discussão e reflexão no que
diz respeito a uma decisão curricular, ou seja, sabemos da importância de um currículo
flexível que seja incrementado com as ações pedagógicas definidas pelo professor, porém, o
que aqui percebemos no que diz respeito à realidade do município de Sorriso/MT, a decisão
do currículo apostilado foi definido por técnicos, cujo olhar, na maioria das vezes, volta-se
simplesmente ao lucro e às vantagens que possam fluir de uma decisão.
É preciso refletirmos mais sobre o processo de mercantilização e privatização que vem ocorrendo por meio do crescente número de redes públicas que têm adquirido materiais didáticos de grandes redes. Parafraseando uma outra análise de Ball (1994), na prática, o que temos percebido é que alunos e professores precisam adaptar-se aos materiais pedagógicos ao invés dos materiais pedagógicos utilizados serem desenvolvidos a partir do contexto dos alunos, professores e condições objetivas das escolas públicas. Há que se questionar em que medida esses materiais têm levado (ou não) à construção de processos de aprendizagem significativas e à construção de salas de aula mais igualitárias onde todos os alunos possam aprender, a despeito de suas características e necessidades (MAINARDES, 2009: 53-54).
Ao partirmos para as questões que se relacionam à proposta pedagógica do
município de Sorriso/MT, a mesma está disponibilizada através de um documento intitulado
“Projeto Político Pedagógico” elaborado pela Secretaria de Educação, nos anos de 2004 a
2008. Esse documento, em sua apresentação, destaca que
69
[...] ao tecermos considerações sobre o Projeto Político Pedagógico da Secretaria Municipal de Educação, estaremos explicitando posicionamentos pedagógicos, tendo a clareza de que eles estão assentados em uma concepção de sociedade, educação escolar que, em nosso entendimento, visam a contribuir com a emancipação de pessoas (PPP/SMEC, 2008: 5).
Na descrição do relatório, será feita a “adequação do Sistema de Ensino Aprende
Brasil à proposta pedagógica do município”. Pois bem, o termo “adequação” assim integra
significados importantes a fim de que se possa compreender o contexto em questão, ou seja, a
compreensão desse termo contextualiza uma proposta de “adaptar-se, ajustar-se” (AURÉLIO,
2010: 16) ou, ainda que, “adaptar tem o significado de modificar o texto adequando-o a certo
público, portanto, tornar-se adaptável a algo ou alguém” (AURÉLIO, 2010: 16), possuindo,
assim, um propósito por demasiado cabível nas pretensões da Secretaria de Educação ao
reforçar o fato de que o sistema de ensino, através do grupo Positivo, viesse a reforçar as
concepções já estabelecidas no Projeto Político Pedagógico da educação municipal de
Sorriso/MT. Ao que nos parece, nesse sentido, nada mais significativo do que o sistema de
ensino em questão adequar-se ou adaptar-se à realidade do Sistema Público de Ensino,
congregando propostas que viessem realmente a contribuir com o processo de ensino e
aprendizagem dos alunos, como também, ampliar o estudo de práticas metodológicas também
adaptáveis à realidade do município, junto aos professores.
Com isso, e partindo para uma análise do Projeto Político Pedagógico da Secretaria
de Educação, bem como o Descritivo do Sistema de Ensino Aprende Brasil – grupo Positivo,
enquanto documentos oficiais, é que apontamos algumas reflexões. A fim de não repetirmos
momentaneamente os documentos oficiais aos quais se referem a respectiva análise e, como já
anteriormente explicitada na caracterização da pesquisa, queremos lembrar que os respectivos
documentos serão nominados como PPP/SMEC para o Projeto Político Pedagógico da
Secretaria de Educação e Cultura e DSE/POSITIVO para o Descritivo do Sistema de Ensino
do grupo Positivo.
No Projeto Político Pedagógico da Secretaria de Educação, as análises que queremos
abordar decorrem a partir dos seguintes tópicos: “Considerações sobre a proposta curricular:
explicitando posicionamentos”; “Princípios Metodológicos da Proposta Pedagógica” e os
“Componentes Curriculares”. Com relação às análises partir do documento do sistema de
ensino compreende: “Proposta Pedagógica”, os “Pressupostos Norteadores” e as
“Concepções, Finalidades e Objetivos do Ensino Fundamental”. Importante ressaltar que as
diretrizes apresentadas pelo Sistema de Ensino, em suas concepções, baseiam-se
70
exclusivamente do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, legitimando, com isso, o recorte de
nossa pesquisa.
Assim,
Preocupado com o compromisso de oferecer uma educação com qualidade, o Sistema de Ensino Aprende Brasil aponta para soluções educacionais fundamentadas nos ditames legais, estabelecidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN – 9394/96), além dos documentos: Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN’s) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) (DSE/POSITIVO, 2006: 08).
Então, o que nos chama atenção, portanto, no respectivo documento, é sobre o
compromisso em apontar “soluções educacionais tendo como fundamento os ditames legais”.
Um dos parâmetros apontados cita as contribuições dos Parâmetros Curriculares Nacionais –
PCN’s que traz importantes reflexões. Os PCN’s, para o ensino fundamental, no documento
introdutório, ressaltam:
Os Parâmetros Curriculares Nacionais referenciam para a renovação e elaboração da proposta curricular, reforçam a importância de que cada escola formule seu projeto educacional, compartilhado por toda a equipe, para que a melhoria da qualidade da educação resulte da co-responsabilidade entre todos os educadores. A forma mais eficaz de elaboração e desenvolvimento de projetos educacionais envolve o debate em grupo e no local de trabalho (PCN’s, 1996: 02).
Portanto, em nenhum momento os próprios PCN’s apontam soluções educacionais,
mas sim, reforçam a autonomia da escola em discutir os rumos curriculares de sua política.
Com relação à autonomia, o destaque aponta que
O SABE – Sistema Aprende Brasil de Ensino, adotado pela Secretaria Municipal de Educação, explora a ideia de não haver necessidade de criar previamente um novo tipo de organização de ensino e discussão curricular, uma vez que o respectivo sistema nos oferece o encontro com a modernidade, buscando, desde já, fornecer aos professores, elementos que encaminham novas práticas (PPP/SMEC, 2006: 33).
Além de não percebermos uma “adequação do Sistema de Ensino Aprende Brasil à
proposta pedagógica do município”, é importante que o entendimento seja que os professores,
enquanto atores curriculares, não estando no centro das discussões e reflexões sobre a própria
política curricular, ao que parece, tornam-se cada vez mais “divorciados da realidade”
(APPLE, 1989: 41). As concepções em torno da Política de Currículo, tanto por parte do
Sistema de Ensino, quanto da Secretaria de Educação, seriamente impossibilitam a
participação da escola sobre a discussão e decisão curricular, contrariando, de fato, os
Parâmetros Curriculares Nacionais que centram o currículo, como sendo de autonomia da
71
escola, quando “envolve o debate em grupo e no local de trabalho”. Ainda,
[...] o currículo não é apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação. Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. Além disso, é produto de tensões, conflitos de ordem política e econômica que organizam e desorganizam um povo (APPLE, 1989, apud MOREIRA & SILVA, 2009: 59).
Faz-se necessário a escola apropriar-se da capacidade de reflexão em torno das
concepções que determinados grupos integram na escola.
Ainda, com relação à proposta pedagógica do Sistema de Ensino, algumas questões
merecem reflexões importantes, no campo do currículo e na própria construção da política
curricular, implantada à época, nas escolas.
O Sistema de Ensino, ao ter claro suas intenções, construiu uma proposta pedagógica que permeia o Livro Didático Integrado (apostilas), o Portal Aprende Brasil e o programa de Assessoria Pedagógica, com base em diretrizes que consideram a realidade em que os atores educativos estão inseridos, a situação das escolas parceiras e o embate do que se tem com o que se precisa e se quer construir no âmbito educacional (DSC/POSITIVO, 2006: 09).
A partir de uma perspectiva prescritiva, a intenção do sistema de ensino em conhecer
a realidade em que os atores educativos estão inseridos e a situação das escolas parceiras,
confunde-se, uma vez que propriamente o “livro integrado” (apostilas) já possui determinados
os conteúdos e as práticas que devem ser desenvolvidas em sala de aula, portanto, observa-se
uma limitação na relação entre o sistema e o próprio conhecimento da realidade no entorno da
escola. Além disso, é preciso levar em consideração que, uma vez adotado o sistema, as
apostilas são distribuídas igualmente, com conteúdos e práticas verticalizadas para todo e
qualquer município, independentemente da realidade que o constitui.
Ainda, o documento, com relação aos Pressupostos Norteadores, apresenta
considerações relacionadas ao professor, no sentido de que este “possa trabalhar com o
conhecimento trazido pelo aluno de modo a relacioná-lo com as novas sistematizações do
ensino” (DSC/POSITIVO, 2006: 10). Logo, traz uma concepção de que
[...] a ação docente possui um caráter interativo. O professor é considerado um articulador dos processos de ensino e aprendizagem. [...] Por isso, o Sistema de Ensino fornece subsídios para o professor organizar as suas ações, ajudando os alunos a reinterpretarem suas próprias vidas e a desenvolverem-se integralmente (DSC/POSITIVO, 2006: 10).
E, por último, sobre
72
[...] a necessidade de o sistema propor em seus recursos didáticos (apostilas), as situações pedagógicas que envolvem a pesquisa, além de oficinas de aprendizagem, trabalhos em grupo, debates, estudos dirigidos, visitas e observações, concebe a escola como um local que gera processos (DSC/POSITIVO, 2006: 12).
Outro ponto refere-se à questão que os “princípios metodológicos norteadores das
situações de ensino consideram os professores como articuladores das situações, procurando
ligar ações e coordenar atividades, além de promover relações, no sentido de compor a rede
curricular” (PPP/SMEC, 2006: 35). Mais adiante, ainda destaca que “os Livros Didáticos
Integrados compõem o Manual para o Professor de todas as disciplinas, incluindo educação
física e arte” (PPP/SMEC, 2006: 48). Portanto,
Os melhores exemplos de incursão dos procedimentos de controle técnico são encontrados no crescimento excepcionalmente rápido do uso de ‘pacotes’ de material curricular. (...). O material especifica todos os objetivos. Ele inclui tudo que o professor ‘precisa’ para ensinar, tem os passos pedagógicos que o professor deve tomar para alcançar esses objetivos já embutidos, bem como os mecanismos de avaliação. Ele não apenas pré-especifica quase tudo o que um professor precisa saber, dizer e fazer, mas em geral fornece um esboço de quais seriam as respostas apropriadas dos alunos a esses elementos (APPLE, 1989: 159).
A partir disso, a análise em torno das concepções, finalidades e objetivos do ensino
fundamental, acabam por caracterizar um almejar de competências na relação entre a
educação e a prática social. Para isso, o respectivo Descritivo (2006: 20 e 21) destaca que “o
que torna o conhecimento intelectual é o suporte para a formação da cidadania, bem como o
instrumento básico para o avanço qualitativo de uma consciência ingênua para uma
conscientização crítica”. Nesse sentido, mais adiante e no sentido de complementar suas
concepções “cada componente curricular situa seus conteúdos e metodologias favorecendo o
aluno à oportunidade de percepção das implicações sociais do que estuda na escola”. A
análise apresentada neste estudo considera-se como sendo nada otimista. Assim como as
atividades dos alunos são progressivamente especificadas, no caso, conteúdos e metodologias,
bem como as regras, processos e resultados padronizados são integrados ao longo dos
documentos, também os professores são a nosso ver, desqualificados, requalificados e
tornados anônimos.
O fato, portanto, é que a inserção das concepções da política de currículo apostilado
não integra em nenhum momento as intenções do Projeto Político Pedagógico da Secretaria
de Educação. O que percebemos ao longo das análises, é que realmente, a proposta
pedagógica da rede municipal de ensino obedece ao direcionamento do sistema de ensino,
através de suas concepções sobre ensino e aprendizagem, ou seja, o próprio Descritivo do
73
Sistema de Ensino serve de parâmetros para a educação municipal.
2.4 A voz dos Pais dos Alunos do Sistema Público Municipal de Ensino na Decisão
Curricular sobre a Política de Currículo Apostilado
Ao que percebemos, a implantação da política de currículo apostilado no município
de Sorriso foi antecedida por inúmeras discussões, principalmente no que diz respeito aos
pais. A Secretaria de Educação, em 2005, decidiu realizar inúmeras reuniões em todas as
escolas municipais, no sentido de apresentar duas propostas aos pais: primeiramente sobre a
decisão curricular, ou seja, de que a rede municipal de ensino, em 2006, adotaria o sistema
apostilado e que a prefeitura municipal arcaria com uma parte das despesas de pagamento das
apostilas, ficando a outra sob responsabilidade dos pais. Para isso, a atuação da Associação de
Pais e Mestres, em cada escola, seria decisiva, ou seja, às APM’s caberia a assinatura do
contrato com a empresa POSITIVO, bem como o auxílio na relação de pais carentes da
escola.
Com relação aos pais carentes, seriam aqueles que não dispunham de quaisquer
recursos para o pagamento das apostilas. Segundo, ao que verificamos no decorrer das atas, o
montante a ser pago pelos pais alcançaria o valor de R$200,00 (duzentos reais) por ano, sejam
R$50,00 (cinquenta reais) por bimestre, pelos quatro volumes da apostila, sendo estas, para o
primeiro, segundo e terceiro bimestres, assim distribuídas aos alunos.
Muitos pais da rede municipal de ensino, ainda pelo que identificamos, não
dispunham de condições financeiras para este montante, por isso, seriam considerados
carentes. Ainda, no sentido de comprovar essa carência, a Secretaria de Assistência Social,
encaminharia as próprias assistentes sociais às casas das respectivas famílias, no sentido de
comprovar tal carência. A partir dessa comprovação, que era feita por meio de um cadastro na
Secretaria de Assistência Social do município, a prefeitura se responsabilizaria pelo
pagamento, então, das apostilas, para estes pais. Com relação aos demais pais, eles mesmos
pagariam o montante total das apostilas, para os seus filhos no valor total, já acima
especificado.
Nesse sentido, a assinatura do contrato entre a APM da escola e o grupo Positivo
caracterizaria uma dívida assumida pela Associação de Pais e Mestres para com a empresa.
Ao que percebemos essa dívida, de acordo com o número de alunos da escola, poderia
ultrapassar o valor de R$100.000,00 (cem mil reais). Com relação à prefeitura municipal, a
74
mesma assumia somente o pagamento das apostilas dos pais carentes, conforme comprovação
da assistente social, como anteriormente já citado.
Atentos ao relatório, ao qual, novamente, queremos estabelecer referência, o mesmo
enfatiza que
(...) sugeriram fazer reuniões nas escolas da rede municipal com o intuito de verificar a aceitação dos pais mediante proposta de contribuição financeira dos mesmos para a aquisição do livro didático integrado. O discurso apresentado nessas reuniões era de que os pais que tivessem condições financeiras poderiam arcar com o valor do material. Aqueles que não tivessem condições seriam submetidos à Administração diante da possibilidade de assumir os custos daqueles que fossem comprovadamente carentes, depois de submetidos ao crivo de apreciação pela Secretaria Municipal de Ação Social. (...) houve satisfatória aceitação dos pais (grifo nosso).
Assim, verificando as atas de reuniões realizadas nas escolas municipais, no ano de
2005, quando da decisão curricular, percebemos duas questões importantes: primeiro, de que
a aceitação dos pais à implantação do sistema apostilado nas escolas transcorreu de forma
bastante preocupante, uma vez que os mesmos demonstraram, principalmente, insatisfação,
com relação ao valor pelo qual estava sendo cobrado. Também, por parte da Associação de
Pais e Mestres houve um pleno desconforto com relação à dívida que estariam assumindo
diante do grupo Positivo. Em segundo lugar, destacamos que a partir das atas verificadas, não
foi plena “a aceitação satisfatória dos pais” com relação às apostilas, sendo que algumas vozes
identificadas trazem bastante clareza com relação a essa não aceitação.
No que diz respeito às atas das escolas, queremos destacar o ano de 2005 quando da
decisão curricular, e para isso, solicitamos aos diretores das escolas que, na medida do
possível, nos encaminhassem as mesmas. Recebemos, portanto, atas advindas de 05 escolas
municipais, cujos registros estabelecem a compreensão sobre como se deram as relações e
discussões elaboradas, quando do processo de discussão da implantação. A partir dos
importantes registros identificados nestas atas é que estabelecemos um processo de reflexão.
Para as respectivas análises, estaremos destacando as vozes dos pais, nas reuniões no
ano de 2005, a fim de podermos estabelecer reflexões ao que antecede a implantação. Os
trechos identificados como os de maior relevância acompanham o nome da escola.
Foi exposto que em 2006, as escolas municipais estarão trabalhando com o método apostilado. (12/09/2005). A Associação de Pais e Mestres - APM da escola ao deliberarem sobre a assinatura do contrato com o POSITIVO, ficou decidido que a APM só assinará o contrato com o sistema de ensino se a prefeitura municipal comprometer através de documento registrado em assumir a dívida das apostilas juntamente com a APM. Sendo que este documento deverá comprometer a
75
prefeitura a arcar com a inadimplência (falta de pagamento) por parte dos pais. Ficou decidido que será feita uma outra reunião com os pais, com votação secreta para que pais decidam se querem ou não a implantação da apostila. (09/12/2005). Reuniram os membros da APM juntamente com todos os pais, para tratarem da apostila. A professora fez a abertura colocando para os pais a real situação de um valor de R$91.000,00 (noventa e um mil reais) deixando claro que a APM não está disposta a aceitar este montante sozinha. A mesma colocou que os pais teriam que assumir um valor de R$200,00 (duzentos reais). A prefeitura se responsabiliza com as apostilas das pessoas carentes. A ação social fará uma investigação para ter certeza de que as famílias que foram selecionadas não têm mesmo condições. A diretora colocou que na reunião com os pais, a Marisa talvez não expressou-se bem, talvez paga sim só para os carentes. Na reunião todos os pais concordaram em aceitar a apostila. A presidente da APM colocou que a investigação será feita e pediu para os pais analisarem bem o que for decidido. Um pai questionou o que é ser carente ou não e ficou para a Secretária de Educação Marisa responder. A APM deixou claro que quem deve assumir o compromisso é a prefeitura e não a APM, pelo contrário se a prefeitura tem que se responsabilizar juntamente com a APM, no momento da assinatura. A Adriana13 explicou o porquê da situação, a prefeitura não tem como arcar com todo o montante e sim pagar para os carentes. A discussão é sobre os que não pagarem e aqueles que se comprometem como fica. A Marisa, Secretária, chegou e esclareceu que a prefeitura vai se responsabilizar sim com os carentes, o que está acontecendo é com os que podem pagar e não estão mantendo a palavra. Um pai colocou que já paga muito imposto e ainda pagar a apostila? A mesma deixou claro que os pais decidem e de que ela não está impondo, deixou claro isso e que com R$20,00 o ensino ficará bem melhor. O pai pediu quem pode pagar só R$10,00 e a Marisa aceitou e concordou, mais uma vez deixou claro que os pais são quem decidem, como é democracia, será passado um papel para votar sim ou não, a apostila é para um ano ou para os quatro anos, isso depende somente dos pais, pois eles têm a maior força (10/12/2005) (Atas da Escola Municipal Papa João Paulo II). Direção, professores e membros da Associação de Pais de Mestres – APM para tratar do assunto referente às apostilas para o ano de 2006. Dando início à reunião, o presidente da APM falou que já assinaram o contrato que valerá por um ano, por isso, no final do ano de 2006 será analisada a continuação ou não do sistema apostilado (13/12/2005) (Ata da Escola Municipal Caravágio – Distrito de Sorriso/MT). A professora Marisa, Secretária de Educação, juntamente com a sua equipe e mais um representante do POSITIVO e a APM, prestaram esclarecimentos sobre a assinatura do contrato referente ao livro integrado para o ano letivo de 2006. A secretária iniciou e falou da forma como será, convidou a APM para ajudar na divulgação do material e a buscar promoções que venham a sanar. Foi colocado a problemática vivida no bairro14 pela carência. A Secretária então propôs que levaria a proposta de que a prefeitura arcasse com 70%, restando 30% para a escola ir em busca. Segundo a Secretária que vai adotar para todas as escolas, não é o fato de serem pobres que vão ficar sem (08/12/2005) (Ata da Escola Municipal Valter Leite Pereira). Reuniram-se a Secretária de Educação, Marisa, coordenadores, diretora, professores, alunos e demais funcionários para dirimir questões em torno da nova metodologia de ensino que será utilizada pela instituição no ano de dois mil e seis; forma esta baseada em um modelo de apostilados que ao ver de todos os presentes seria de grande avanço e aprendizado dos alunos da instituição. A secretária de educação Marisa, deu início à reunião agradecendo a presença de todos e esclarecendo o motivo da reunião; fazendo um apanhado geral da metodologia apostilado POSITIVO. Depois de expor verbalmente o tipo de método pretendido, foi passado um vídeo para que ficasse claro para todo o tipo de ensino. Após assistir ao vídeo foi pedido que todos os presentes se manifestassem positivamente, a aprovação foi unânime. Alguns pais se manifestaram e demonstraram satisfação de se estar dando
13 Assessora Pedagógica da Secretaria de Educação e Cultura na gestão 2005 a 2008. 14 O bairro aqui referenciado é o São Mateus.
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aos seus filhos o melhor sentido educacional (05/10/2005) (Ata da Escola Municipal Ivete Lourdes Arenhardt). A reunião deu-se em virtude da decisão de implantação do método apostilado na Escola Rui Barbosa. A diretora explicou as informações recebidas sobre as mudanças no compromisso da assinatura do contrato para adquirir as apostilas. Posto em discussão, os pais analisaram a situação financeira das famílias que fazem parte da comunidade escolar e demonstraram preocupação devido à crise econômica pela qual estamos passando. Comentaram sobre o perigo de que o pagamento da apostila seja feito nos primeiros meses e depois venha a faltar recursos para continuar pagando as mesmas, pois segundo a fala do prefeito Dilceu Rossato nos meios de comunicação, a crise econômica é muito maior do que se parece, e que para o próximo ano poderá ser ainda pior. Todos concordaram sobre o valor da apostila que trará muitos benefícios ao aluno, mas ressaltaram que seus filhos tiveram também grande aproveitamento estudando e trabalhando com os livros didáticos, como foram até hoje. Os pais presentes na reunião decidiram por unanimidade de que não assumirão sozinhos esse compromisso, de que a prefeitura havia firmado o compromisso de assumir cinquenta por cento do valor anual, mas hoje a responsabilidade está sendo repassada unicamente à escola. Os membros presentes acharam difícil assumir o montante de dinheiro tão expressivo, pois os comentários entre os pais é de que muitos assinaram o termo de compromisso e não vão pagar, alegando que essa escola prima por um bom trabalho à comunidade com compromisso e seriedade, sempre auxiliando os alunos com materiais básicos adquiridos pela própria escola. Dessa forma, concluíram que mesmo sem a apostila haverá qualidade de ensino. (05/12/2005). A diretora deu início à reunião expressando preocupação com o pagamento das apostilas, até o presente momento poucos pais compareceram para fazer o pagamento o que estava decidido em uma assembleia anterior. Fazendo uso da palavra, a Secretária de Educação, Marisa, voltou a afirmar que o método apostilado é um avanço, pois todos devem ter consciência de que, quem assume deve se responsabilizar pelo pagamento integral. Alguém na assembleia reclamou que o preço é muito alto. A Secretária de Educação, porém disse que os alunos que forem comprovados que não têm recurso, serão encaminhados para a ação social que irão visitar esta família e ajudarão doando a apostila. Uma mãe fazendo o uso da palavra defendeu o método apostilado, pois dá a possibilidade de poder oferecer um estudo melhor para as crianças. Afirmou ainda que o estudo é a melhor herança que se pode dar ao filho. Outra mãe fez questão de falar e defendeu o grande valor de se oferecer um estudo melhor aos filhos através de novos métodos. Acompanhando o debate, um pai falou aos presentes que é necessário fazer um exame de consciência, pois muitas pessoas têm condições, mas se negam a pagar preferindo se passar por carente. A secretária de educação voltou a explicar aos presentes que adotar ou não a apostila será uma decisão dos pais, mas o que for decidido agora deverá ser respeitado por todos. Um pai falou sobre a repercussão junto à sociedade sobre o bom conceito da escola e que poderá ficar ainda melhor com a nova forma de se trabalhar os conteúdos, pois irá despertar ainda mais o interesse do aluno pelo estudo. A decisão final será dos pais presentes (09/12/2005) (Ata da Escola Municipal Rui Barbosa) (grifos nossos).
Algumas questões importantes devem ser levadas em consideração, com relação ao
processo de preparação à implantação do sistema apostilado na rede municipal de ensino de
Sorriso/MT. As reuniões realizadas em algumas escolas da rede municipal trazem a
participação dos pais, bem como suas opiniões frente a essa mudança curricular. Assim, para
entendermos todo esse processo, algumas questões merecem ser pontuadas.
Constam nos relatórios de atividades da Secretaria de Educação que em meados de
setembro de 2005, aconteceu uma reunião “com pais de diferentes unidades escolares para a
formação da APS – Associação de Pais de Sorriso, que administrará recursos para pagamento
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dos livros integrados Positivo”.15 Juntamente com a APS, a Associação de Pais e Mestres –
APMs das escolas municipais ficariam responsáveis pela assinatura do contrato com o grupo
Positivo. Nesse sentido, quem assumiria a dívida com o respectivo sistema de ensino seria as
APMs das escolas municipais o que, conforme, verificamos nas atas de reuniões, não agradou
tanto às APMs como os pais das escolas municipais. Além de assumir a dívida com o sistema
de ensino, as APMs deveriam repassar o valor arrecadado das apostilas, para a APS que
efetuaria o pagamento das mesmas ao grupo Positivo. No caso da escola municipal Papa João
Paulo II, como citado, o valor da dívida seria de R$91.000,00 (noventa e um mil reais), ou
seja, todas as escolas receberam o valor total pelo qual deveriam pagar pelas apostilas, de
acordo com o número de alunos, sendo que os responsáveis pela assinatura do contrato seriam
as APMs, causando assim, preocupações aos seus representantes, uma vez que os pais da
maioria das escolas, não dispunham do valor de R$200,00 (duzentos reais), ou mesmo, das
parcelas de R$20,00 (vinte reais) a serem pagas durante o ano.
Diante disso, a Secretaria de Educação comprometeu-se com as escolas em verificar
a real condição dos pais que se manifestaram como carentes, através de pesquisa da ação
social. Esses pais, portanto, receberiam a visita das assistentes sociais que verificariam se
realmente eram carentes e, caso isso não fosse comprovado, os mesmos teriam que pagar o
valor combinado, ou, se fosse comprovada a carência, a prefeitura assumiria o pagamento.
Percebemos que um dos pais, da Escola Municipal Papa João Paulo II, questiona sobre o que
é ser ou não carente. Diante disso, percebemos que alguns pais não tinham muito
conhecimento das condições as quais estavam sendo dirimidas pela Secretaria de Educação e,
entendemos também que realmente os mesmos foram persuadidos ou sentiram-se
pressionados em adquirir o material, até porque a decisão realmente partiu da administração
municipal.
Outro destaque importante diz respeito à Escola Municipal Ivete Lourdes Arenhardt
e a reunião estabelecida na mesma, sendo uma, a nosso ver, das mais tranquilas. A referida
escola é uma das maiores do município de Sorriso, tanto no que diz respeito ao aspecto físico,
quanto de recursos humanos, abrigando, portanto, o maior número de alunos –
aproximadamente 1.400 estudantes. Na referida escola, localizada no centro da cidade, o
poder aquisitivo dos pais é bastante relevante e a APM desenvolve um trabalho significativo
junto à comunidade escolar. Em virtude do alto poder aquisitivo dos pais, a aceitação com
relação às apostilas foi bastante tranquila e, conforme a ata, a “aprovação foi unânime”.
15 Relatório do departamento de língua portuguesa da Secretaria de Educação, de 05/09/2005 a 09/09/2005.
78
Com relação à reunião na Escola Municipal Rui Barbosa, quando os pais destacam
que “seus filhos tiveram também grande aproveitamento estudando e trabalhando com os
livros didáticos, como foi até hoje”, realmente, diante dessa manifestação dos pais,
confessamos, nossa curiosidade sobre o porquê esta, dentre todas descritas, foi a única que
evidenciou sobre a importância do livro didático. Nesse sentido, fomos buscar informações
junto à diretora à época que, atualmente, exerce o cargo efetivo de professora de geografia na
respectiva escola, ao que ela nos informou:
Os pais dos alunos da Escola Municipal Rui Barbosa sempre participaram ativamente de tudo que dizia respeito à educação e formação dos alunos. A Associação de Pais e Mestres sempre acompanhou a direção em todas as decisões, desde gastos, investimentos, reuniões com o prefeito, enfim, eles são muito participativos e também destaco algo importante que talvez falte em outras escolas: os pais daqui da escola são críticos e cobram do poder público, soluções quanto ao ensino, não importando se é esse ou aquele que exerce a função de prefeito, eles querem mesmo são melhorias para a escola. Os pais desse bairro16 que têm os filhos nessa escola, muitos deles, voltaram aos estudos, muitos deles cursam a faculdade e com isso, entendo que compreendem melhor o ensino, porque eles mesmos retornaram e sabem a importância disso para os filhos. Os pais dessa escola sempre acreditaram no trabalho dos professores, acompanham a vida escolar dos filhos e cobram deles responsabilidades. Por isso, quando da reunião manifestaram a importância do livro didático ao qual consideram também que contribui para a qualidade do ensino e, mais, os pais da Escola Rui Barbosa sabiam que o livro didático é gratuito e distribuído sem ônus pelo governo federal. (Diretora da Escola Municipal Rui Barbosa, eleita pela comunidade para as gestões 2007-2008 e 2009-2010).
Enfim, até então, o que percebemos é sobre a intranquilidade dos pais em assumir de
fato o pagamento das apostilas. Portanto, realmente, conforme o relatório da Secretaria de
Educação, com relação à aprovação, que foi “unânime”, percebemos que ao contrário, os pais
mantiveram-se sempre dispostos a encontrar alternativas, principalmente, não descartando a
responsabilidade da prefeitura municipal, uma vez que a decisão curricular partia desta, em
assumir a dívida perante o grupo Positivo.
Por isso, mesmo que nas respectivas reuniões a fala da Secretária de Educação
enfatizava que a “decisão seria dos pais quanto à implantação das apostilas” (ata da Escola
Municipal Rui Barbosa, em 09/12/2005), em outra escola, deixava transparecer que a decisão
já estava definida, ou seja, “na reunião, foram discutidas questões em torno da nova
metodologia de ensino que será utilizada pela instituição no ano de dois mil e seis” (ata da
Escola Municipal Ivete Lourdes Arenhardt, em 05/10/2005). Com isso, percebemos que o
encaminhamento dessa decisão curricular pela Secretaria de Educação, apresentou diferentes
16 Refere-se ao Bairro Morada do Sol.
79
condutas, ou seja, conforme a reação das escolas com relação à implantação do sistema
apostilado, a resposta era sempre de que a respectiva definição já estava decidida. Com
relação à Escola Municipal Rui Barbosa, quando os pais manifestaram a sua argumentação,
utilizando o livro didático enquanto premissa que conduz ao fato de que os alunos estavam
aprendendo com os mesmos e de que estes eram distribuídos de forma gratuita pelo governo
federal, a reação foi outra, de que a decisão seria dos pais.
Por fim, ainda queremos enfatizar a manifestação realizada na Escola Municipal
Valter Leite Pereira. A respectiva escola, localizada no bairro São Mateus, oferece a
modalidade de educação infantil ao 5º ano do ensino fundamental, com aproximadamente
1.300 crianças atendidas. Pois bem, o que nos chamou a atenção foi a fala por parte da
Secretária de Educação ao enfatizar que “não é o fato de serem pobres que vão ficar sem” (ata
da Escola Municipal Valter Leite Pereira, em 08/12/2005). Nesse sentido, queremos aqui
caracterizar e refletir momentaneamente sobre as relações de “significado e significante”
(SILVA, 2004).
A contribuição de Derrida pode ser sintetizada através do conceito de différance. Derrida cunhou esse termo precisamente para estender e radicalizar o alcance do conceito de diferença que, como vimos, é tão central no estruturalismo. (...). A palavra differánce remete à ideia de “diferir”, de “adiar”. Ao combinar numa só palavra os significados de “diferença” e “adiamento”, Derrida aceita a proposição de Saussure de que a existência de um determinado significante depende da diferença que ele estabelece relativamente a outros significantes. Mas ele vai além: o significado não é nunca definitivamente presente no significante. A presença do significado no significante é incessantemente, diferida. O exemplo mais definitivo desse processo é dado pelo dicionário. Nós temos a ilusão de que a definição de uma determinada palavra (significante) é constituída por um significado, “o significado da palavra”, mas, na verdade, ela é sempre definida por uma outra palavra (um outro significante). Aquele significante que constitui a definição da palavra e que supomos ser seu “significado” será definido, por sua vez, por outro significante, e assim por diante, num processo sem fim. Ou seja, o significado está sempre mais além, mais adiante, mas esse além, evidentemente, nunca chega. Em outras palavras, nunca saímos do domínio do significante (SILVA, 2004: 121-122).
Nesse sentido, como já anteriormente havíamos mencionado, o próprio bairro São
Mateus (pertencente à região da Grande São Domingos) apresenta inúmeros significantes no
município de Sorriso/MT, ou seja, “o outro lado”; “pobreza”; “desestrutura familiar”;
“marginalização”. Portanto, se atribuirmos todos os significados a cada um dos significantes,
chegaremos sempre ao mesmo significante, assim, o próprio bairro, “nunca sairá do domínio
do significante” que lhe é atribuído e, mais uma vez, percebemos através da fala da Secretária
que pelo fato de serem “pobres” (significante), estes não deixarão de receber as apostilas.
Importante, também é ressaltar que nas outras escolas, o significante utilizado foi de
80
carência17, ao qual nos remete a inúmeros significados, diferentemente, de pobreza18.
Enfim, o que percebemos diante das vozes identificadas dos pais das escolas da rede
municipal de ensino de Sorriso/MT, em sua maioria, deixa bem claro que muitos
demonstraram insatisfação, não pelo material, até porque faltaram subsídios de argumentação
mais visíveis da melhoria da qualidade de ensino, a partir dessa implantação.
2.5 O Macrocontexto e a Decisão Política sobre a Ação Pedagógica: o que Dizem as
Lideranças Políticas.
A decisão curricular, até então apresentada, trouxe importantes aspectos aos quais
foram analisados a partir de documentos reunidos que situa o contexto que antecede a
implantação da política de currículo apostilado, através de relatórios, atas de reuniões, a fim
de compreendermos as lutas em torno de uma mudança curricular.
Nesse sentido, a partir de agora, consideramos, através do Contexto de Influência,
dois aspectos de abordagem diferentes: primeiramente, relacionado à gestão que potencializou
as discussões em torno da decisão de implantação da política de currículo apostilado no ano
de 2006, através do grupo Positivo, advindo de Curitiba, estado do Paraná, e, posteriormente,
a atual gestão, que a partir da política curricular já instituída, através de entrevista, apresenta
posicionamentos que permitem analisar questões importantes que certamente contribuem com
a pesquisa a qual nos propomos em desenvolver.
Queremos novamente lembrar que as tentativas de agendamento de entrevista com os
gestores públicos – que instituíram a decisão curricular de apostilado no município de Sorriso
na gestão 2005 a 2008 – a fim de obter informações, não avançaram, por isso, resolvemos
analisar os resultados da entrevista realizada com os atuais gestores (gestão 2009 a 2012),
através do prefeito municipal e da Secretária de Educação que, gentilmente, disponibilizaram
um horário, em seu gabinete, a fim de manifestar a sua opinião frente à política de currículo
apostilado no município de Sorriso e, principalmente, sobre a sua continuidade,
especificamente do 6º ao 9º ano.
A respectiva entrevista realizada com os atuais gestores públicos do município de
Sorriso, responsáveis pelo encaminhamento de políticas públicas em educação, foi organizada
17 Falta, ausência, privação, necessidade, precisão (AURÉLIO, 2010: 141). 18 Que não tem o necessário à vida; sem dinheiro ou recursos. Que denota pobreza, pouco produtivo, pouco dotado, pessoa pobre, mendigo, pedinte (AURÉLIO, 2010: 593).
81
no sentido de obter informações, a partir de tópicos que pudessem fornecer subsídios de
análise a fim de contribuir com a pesquisa em questão, ou seja, a política de currículo
apostilado na rede municipal de ensino, principalmente, no que diz respeito às turmas do 6º ao
9º ano do ensino fundamental.
Com isso, os tópicos de perguntas apresentados (em Anexo) basearam-se,
primeiramente na concepção dos mesmos com relação ao atual retrato da educação municipal;
a realidade observada com relação ao sistema apostilado ao adentrar a gestão; a decisão pela
retirada das apostilas na educação infantil e anos iniciais e a continuidade nos anos finais do
ensino fundamental; a relação do sistema apostilado com o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica – IDEB e as considerações finais ao término da entrevista.
A partir do ciclo de políticas, é no contexto de influência que grupos disputam para
influenciar a definição das finalidades sociais da educação e do que significa ser educado
(BALL, 1992). Diante disto, os trabalhos mais recentes de Ball contribuem para uma análise
mais densa das influências globais e internacionais no processo de formulação de políticas
nacionais.
As entrevistas realizadas com a gestão pública atual, através do prefeito municipal e
da Secretária de Educação, apontam sobre as finalidades da educação municipal, bem como as
perspectivas em torno de uma decisão curricular. Com relação às concepções dos mesmos em
âmbito geral, o prefeito municipal enfatizou que através de sua percepção o “município de
Sorriso hoje tem uma qualidade de ensino superior à grande maioria dos municípios do estado
de Mato Grosso”, porém, num determinado momento enfatiza a importância da educação
enquanto “ferramenta que transforma as pessoas e pessoas transformadas, transformam a
sociedade”, para isso, o respectivo gestor reconhece ainda que é preciso avançar com relação
à valorização dos professores e termina, enfatizando: “sei da responsabilidade que tenho
perante isso.”
Nas referências pelas quais a Secretária de Educação argumentou constam que: “para
mim a educação é o caminho complementar da vida (...), é somente através da educação que o
homem pode encontrar meios para se sentir sujeito ativo no processo de sobrevivência e assim
se alinhar socialmente.”
Percebemos a partir destas considerações que ambos os gestores trazem concepções
importantes frente ao processo de transformação que é possível a partir da educação, ou seja,
tanto prefeito, quanto secretária, compreendem o verdadeiro papel da educação, senão
enquanto meio que transforma o próprio sujeito e a sociedade. Diante da fala do prefeito com
relação à qualidade de ensino do município de Sorriso/MT, percebe-se que o mesmo possui
82
informações oficiais sobre os rumos e resultados qualitativos da educação municipal, porém,
enfatiza a importância da constante valorização dos professores e com isso, atribui como sua a
responsabilidade no que diz respeito ao encaminhamento de políticas públicas que enfatizem
cada vez mais essa valorização e qualidade de ensino.
Os discursos, no entanto, encaminham diferentes concepções, mesmo que o processo
de transformação da sociedade e do próprio sujeito esteja presente, ou seja, o prefeito enfatiza
a qualidade de ensino aliada aos dados estatísticos que possibilitem visualizar o município
num ranking estadual, enquanto a secretária enfatiza sobre a importância em tornar-se sujeito
que transforma a sociedade; observamos, nesse sentido, que o prefeito organiza seu
pensamento em torno de resultados, enquanto a Secretária de Educação estabelece um
pensamento pedagógico ao próprio sujeito, ou seja, o aluno.
Nesse sentido, é no contexto de influência “que os conceitos adquirem legitimidade e
formam um discurso de base para a política” (BALL, 1992). Percebemos uma preocupação do
prefeito com os dados qualitativos da educação, sendo que estes resultados contribuem para
os argumentos em torno do discurso político que reforça a legitimidade de sua ação frente à
responsabilidade para com as políticas públicas em educação, portanto, o argumento de
resultado quantitativo é fortemente reforçado no discurso político.
O segundo tópico destacou sobre a realidade observada com relação ao sistema
apostilado quando os gestores adentraram a administração municipal. Com relação à
Secretária de Educação, a mesma enfatizou tal sistema como “uma via contramão ao
direcionamento do Ministério da Educação que por sua vez disponibiliza gratuitamente ao
país, livros didáticos de boa qualidade, priorizando inclusive a oportunidade de cada unidade
escolar fazer em tempo hábil a escolha de sua preferência sobre os respectivos livros.” Mais
adiante, ainda destaca que
nas constantes reuniões com a equipe de trabalho, o assunto sistema apostilado era indicativo de pauta em função de diversas situações pertinentes aos resultados do processo de ensino-aprendizagem que muitas vezes não condiziam com a suposta ‘fama de eficiência’ que se preconizava através da apostila, já que não era possível perceber tal influência nem nos resultados da provinha Brasil (grifo nosso).
O Prefeito Municipal enfaticamente destacou que “o que nós temos que ter o cuidado
é de não fornecer as nossas crianças, aos nossos estudantes como um todo ‘enlatados’, porque
não dá para você encaixotar um conhecimento e entregar para todos de forma igualitária”
(grifo nosso). Ainda destacou que “hoje, os municípios cobrirem essas despesas, realmente
83
estão desperdiçando recurso público quando estão dando a apostila.” Por fim, ainda a
Secretária de Educação encerra sua resposta, destacando que
O questionamento sobre o material apostilado era uma realidade merecedora de maior atenção e discussões sobre a possibilidade de se continuar ou não com as apostilas, porque eram um motivo de grande preocupação para a equipe da Secretaria de Educação e de um significativo número de docentes que também não aprovavam a adoção do referido sistema.
A partir de informações disponibilizadas formalmente pela Secretaria de Educação
do município de Sorriso/MT, no ano de 2009, mais precisamente no segundo semestre, foram
realizadas reuniões com os professores da educação infantil e do 1º ao 5º ano que decidiram
pela retirada da apostila, devido às insatisfações com relação ao material, uma vez que
limitava as possibilidades mais otimistas de desenvolvimento do processo de ensino
aprendizagem, como, ainda, favorecendo o afastamento dos verdadeiros propósitos da
alfabetização. Ainda, durante as discussões, pontuou-se, também o fato de que geralmente a
rede particular de ensino adota o sistema apostilado e que publicamente teoriza-se uma
sobreposição da qualidade sobre outras formas de ensino, mas, concomitantemente a esta
discussão destacou-se os números gerais do IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica, que contradizem a teoria de que a apostila é o melhor recurso a ser utilizado na
construção do processo de aprendizagem dos alunos da rede municipal.
Com relação aos professores do 6º ao 9º ano, a discussão foi diferente, segundo a
equipe pedagógica da secretaria de educação, ou seja, os mesmos enfatizaram a importância
da apostila e os educadores, em sua maioria, decidiram pela continuidade do sistema.
Constam, nesse sentido, na secretaria de educação as atas de realização das reuniões com os
professores, com registros das falas e manifestações dos mesmos, quanto à retirada nos anos
iniciais e permanência nos anos finais, das apostilas.
Assim, primeiramente ao destacarmos o posicionamento da secretária, algumas
ideias são pertinentes de discussão, uma vez que fica bem claro o seu posicionamento
profissional, contrário ao sistema apostilado, porém, em caráter democrático, a secretária
delegou aos professores a decisão pela continuidade ou não do sistema apostilado, sendo que
da educação infantil e do 1º ao 5º ano houve a decisão pelo encerramento do mesmo e do 6º
ao 9º ano, a sua continuidade.
Pois bem, através dos apontamentos dos gestores públicos, é possível perceber a
preocupação de ambos quanto aos recursos públicos aos quais estão sendo gastos, ou seja, a
secretária ainda aponta o sistema apostilado como “uma via de mão dupla” ao Programa
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Nacional do Livro Didático do Ministério da Educação - PNLD, enquanto o prefeito
reconhece que os municípios “estão desperdiçando recurso público, quando estão dando as
apostilas”.
Porém, ainda é importante enfatizar, o que conforme já se destacou anteriormente, ou
seja, que a herança advinda da administração anterior permitiu aos professores,
principalmente, do 6º ao 9º ano, uma formação de opinião positiva com relação ao sistema o
que vem favorecendo a continuidade do mesmo. Por isso, a própria secretaria de educação
entende que o processo de mudança requer tempo e o próprio reconhecimento dos professores
que a “fama de eficiência” a qual, ainda se preconiza, não tem, no caso de Sorriso/MT,
trazido, conforme a gestora, grandes resultados à educação. Nesse sentido e conforme
Fernandes (2007):
É necessário lembrar que educação escolar, currículo, prática pedagógica, não se fazem num passe de mágica. Política educacional não se efetiva de uma hora para outra. Ela precisa de tempo para ser concretizada. Não se faz no discurso, precisa de um processo de prática coletiva dos agentes envolvidos, principalmente o das escolas (FERNANDES, 2007: 144).
Pertinente também se faz a opinião do prefeito, quando enfatiza sobre o sistema
apostilado, como um material “enlatado”, ou seja, de forma a “encaixotar um conhecimento e
entregar para todos de forma igualitária.” Esta ideia, portanto, preconiza a preocupação e o
próprio entendimento do gestor com relação ao material. Porém, houve em todo esse
processo, o entendimento da escolha dos professores do 6º ao 9º ano, quanto à continuidade
do mesmo. Diante disso:
Os melhores exemplos de incursão dos procedimentos de controle técnico são encontrados no crescimento excepcionalmente rápido do uso de ‘pacotes’ de material curricular. (...). O material especifica todos os objetivos. Ele inclui tudo que o professor ‘precisa’ para ensinar, tem os passos pedagógicos que o professor deve tomar para alcançar esses objetivos já embutidos, bem como os mecanismos de avaliação. Ele não apenas pré-especifica quase tudo o que um professor precisa saber, dizer e fazer, mas em geral fornece um esboço de quais seriam as respostas apropriadas dos alunos a esses elementos. (APPLE 1989: 59).
Ainda com relação à continuidade do sistema apostilado do 6º ao 9º ano, o prefeito
destacou sua opinião, enfatizando que “do 6º ao 9º ano nós estamos mantendo, mas, eu, ainda
tenho algumas restrições quanto aos resultados e tem outras ferramentas hoje. Pessoalmente,
eu seria contra.” Com relação aos apontamentos da Secretária de Educação, destaca-se “a
continuidade do 6º ao 9º ano é porque o grupo docente desta modalidade educacional
manifestou grande interesse em permanecer com o material, assim, resistindo imperiosamente
85
à troca deste para os livros didáticos do Ministério da Educação.” Ainda, enfatiza que a
permanência do sistema apostilado depende “de alterações, caso não se atinja as metas
previstas para o próximo IDEB”.
Primeiramente, conforme a percepção das opiniões dos gestores, os mesmos não
divergem com relação ao sistema apostilado, ou seja, de que se mantém contra o mesmo,
porém, também, novamente, principalmente a secretária, destaca o processo democrático que
permitiu aos professores decidirem sobre a Política de Currículo no município de Sorriso/MT,
inclusive, destacando a resistência dos professores, com relação à proposta de mudança. O
que se evidencia, nessas opiniões, diz respeito à preocupação dos gestores com relação aos
resultados qualitativos em educação, ou seja, o Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica – IDEB19.
Com relação a essa preocupação dos gestores, acham-se pertinentes algumas
considerações acerca da performatividade, ou seja, “uma tecnologia, uma cultura e um
método de regulamentação que emprega julgamentos, comparações, demonstrações como
meio de controle, atrito e mudança.” Portanto, performatividade é o que se chama de “os
terrores de desempenho e eficiência; o que significa: seja operacional (ou seja, comensurável)
ou desapareça.” (LYOTARD, 1984: 24 apud BALL, 2003: 544).
O que se percebe é que os municípios, cada vez mais, se veem diante do
compromisso de apresentar bons resultados qualitativos que de fato, provem sua eficiência
com relação ao conhecimento dos alunos. Portanto, a principal preocupação quando da fala
dos gestores, é que o valor do conhecimento é deflagrado em números e estes enquanto parte
integrante do que propriamente vem representando a educação, ou seja, uma mercadoria de
valor.
Há um fluxo de novas necessidades, expectativas e indicadores que nos obriga a prestar contas continuamente e a ser constantemente avaliados. Tornamo-nos ontologicamente inseguros: sem saber se estamos fazendo o suficiente, fazendo a coisa certa, fazendo tanto quanto os outros, fazendo tão bem quanto os outros, numa busca constante de aperfeiçoamento, de ser melhor, de ser excelente, de uma outra maneira de tornar-se ou de esforçar-se para ser o melhor – a infindável procura da perfeição (BALL 2003: 549).
Diante disso, é importante a reflexão de que muitas vezes as exigências de tais
sistemas geram práticas inúteis ou até mesmo danosas que, no entanto, satisfazem os
requisitos de desempenho. No âmbito de uma matriz de avaliações, comparações e incentivos
19 Portaria INEP/MEC nº 149 de 16 de junho de 2011 que dispõe sobre a realização da Avaliação Nacional do Rendimento Escolar – ANRESC (Prova Brasil) e da Avaliação Nacional da Educação Básica – ANEB, no ano de 2011.
86
relacionados com o desempenho, os indivíduos e as organizações farão o que for necessário
para se distinguir e sobreviver.
A decisão de política curricular, através de um sistema apostilado no município de
Sorriso/MT, evidencia a busca desta eficiência até anteriormente citada pela própria gestora,
como um processo que buscou desde a sua implementação, no ano de 2006, a melhoria dos
índices qualitativos em educação, talvez, não levando em consideração a identidade curricular
dos professores e propriamente a construção de um conhecimento dos alunos. Com isso,
adentramos ao último tópico da entrevista, em que os gestores evidenciam se há relação do
sistema apostilado com os resultados do IDEB, no município de Sorriso. O prefeito,
primeiramente aponta que os resultados não advêm do sistema apostilado e, sim, que “a
melhoria do IDEB se deve a tudo; quando você melhora o ambiente da escola e da sala de
aula e os próprios recursos tecnológicos20. Também as palestras, seminários, enfim, você
começa a oferecer ferramentas tanto para o professor, como para o aluno”.
Também reflete sobre as preocupações com relação ao IDEB propriamente, no que
diz respeito às notas alcançadas pelas escolas, nos últimos anos, ou seja:
O IDEB é a minha preocupação que não seja um processo maquiado, que seja um processo livre, que meça o desenvolvimento da educação. Para isso, é necessário olhar para aquela escola e ver porque ela cresceu tanto e a outra porque caiu. Quer dizer, tem um desempenho muito baixo e porque caiu, onde está o problema. Então, essas são ferramentas muitas que vão nos dar a oportunidade porque umas estão crescendo e outras estão crescendo menos e aí trabalhar com essas ferramentas.
Com relação à secretária, de forma sucinta, porém, reflexiva, evidencia que:
A relação do IDEB com o sistema apostilado reside no fato de que como o município ainda continua trabalhando com apostilas do 6º ao 9º ano, espera-se dessa forma que se possa atender às expectativas implícitas nas provas do IDEB considerando que esta é uma relação “conjugal”. Pois, caso não haja os resultados previstos nos Planos de Desenvolvimento da Educação – PDEs escolares, poderemos dizer que ao sistema apostilado ainda existente cabe novamente questionamento e avaliação.
A percepção diante de tais posicionamentos, entendemos, como divergentes, ou seja,
o prefeito entende que ao sistema apostilado não cabe a função da melhoria dos resultados do
IDEB, mas, sim, a constante formação do professor e as melhorias realizadas na escola, tanto
pela formação do aluno, como a estrutura física; porém, ainda destaca que é necessário um
20 No ano de 2010, conforme dados do departamento de compras da prefeitura municipal de Sorriso - MT, foram adquiridos 50 climatizadores para as salas de aula que possuíam ventiladores e houve adesão, no primeiro semestre de 2011 ao PROUCA – Programa um computador por aluno do governo federal, através da aquisição de 1300 laptops (até o presente momento, o respectivo projeto aguarda a votação e parecer favorável da Câmara de Vereadores sobre o número de parcelas de pagamento dos laptops.)
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estudo sobre as diferenças do índice nas escolas do município e as causas que vêm
possibilitando bons e maus resultados. Quanto à secretária, a reflexão estabelecida possibilita
compreender que há um intenso senso de compromisso com a responsabilidade na gestão dos
recursos públicos, ou seja, deflagra que mediante um resultado não satisfatório com relação ao
IDEB, deverá ser encaminhado um processo de questionamento, avaliação e possível decisão
sobre a retirada do sistema apostilado nos anos finais do ensino fundamental.
Com isso há, por parte dos gestores entrevistados, no que diz respeito às opiniões
evidenciadas, um intenso compromisso com os resultados que a educação pode trazer à
sociedade, mediante a participação do professor e a formação do aluno. Percebemos que os
gestores públicos evidenciam no decorrer da entrevista a sua contrariedade frente ao sistema
apostilado e os propósitos aos quais determinam que a decisão sobre a política de currículo do
município de Sorriso depende exclusivamente, dos professores.
2.6 A Política de Currículo Apostilado é Apresentada aos Professores
A prescrição curricular que o nível político administrativo determina tem impacto
importante para estabelecer e definir as grandes opções pedagógicas, como também regula o
campo de ação e tem como consequência o plano de um esquema de socialização profissional
através da criação de mecanismos de alcance prolongado, mas é pouco operativa para orientar
a prática concreta e cotidiana dos professores. A determinação da ação pedagógica nas escolas
e nas aulas está em outro nível de decisões pela qual, na maioria das vezes, não pertence aos
professores. Quando se responsabiliza a administração, num sistema de intervenção como o
nosso, de defeitos detectados na prática do ensino, como é o caso, por exemplo, da sobrecarga
de programas, está se esquecendo desses outros níveis de determinação nos quais o currículo
se fixa e ganha significação para os professores.
O professor como veremos mais adiante tem, de fato, importantes margens de
autonomia na modelação do que será o currículo na realidade, portanto, é preciso estimular
essas margens de liberdade. A discussão em torno da emancipação profissional topa com uma
realidade com a qual se confronta para que esse discurso liberador tenha alguma possibilidade
de progredir. Nesse sentido, o professor pode utilizar quantos recursos sentir necessários para
auxiliá-lo, mas a dependência dos meios estruturadores da prática é um motivo de
desqualificação técnica em sua atuação profissional. À medida que use materiais que
estruturem conteúdos e atividades, sequenciem e aceitem objetivos definidos, seu papel se
88
reduzirá a facilitar esse currículo estruturado mais do que buscar outras alternativas possíveis
ou mesmo satisfazer às necessidades de seus alunos.
A prática libertadora significa, acima de tudo, a possibilidade de escolha, quando se
trata de um projeto curricular, levando em consideração a reflexão, a legitimidade do discurso
enquanto prática emancipadora do currículo e a realidade da qual faz parte o contexto escolar.
O currículo apresentado aos professores, entendemos, deve respeitar os propósitos do ensino e
a contribuição epistemológica do próprio educador.
No caso de Sorriso/MT, a política de currículo apostilado apresentado aos
professores encontra-se nos registros documentais da secretaria de educação, através de uma
ata de reunião realizada em meados de outubro de 2005. A respectiva ata traz importantes
reflexões as quais intencionamos estabelecer através de uma análise sobre o contexto no qual
o respectivo currículo prescrito foi apresentado. Primeiramente, é preciso que se diga,
novamente, sobre a decisão curricular, ou seja, esta ao ser levada para os professores já estava
legitimada em nível político administrativo. Portanto, a respectiva reunião caracterizou-se
como um encontro a fim de apresentar o sistema de ensino que, a partir daquele momento,
seria o detentor do currículo na rede municipal de ensino, cabendo, também pelo que nos
parece, à rede municipal de ensino cumprir com o currículo estabelecido. Diante disso, se
legitimava a partir daquele momento, o currículo prescrito para os professores.
Reuniram-se nas dependências da Escola Municipal Ivete Lourdes Arenhardt os professores da rede municipal de ensino, diretores dos departamentos da Secretaria de Educação e os representantes do grupo Positivo. A Secretária de Educação iniciou a reunião às dezenove horas e quarenta minutos agradecendo a presença de todos os professores, o trabalho desenvolvido por eles em suas unidades escolares, colocou ainda da importância da educação para cada educador. Na sequência fez uso da palavra o representante do grupo Positivo. Este colocou sobre os quatro pilares do Positivo, sendo Saber, Ética, Trabalho e Progresso, sendo que esses quatro pilares, o mesmo acredita, que norteia toda e qualquer instituição. Posteriormente, ao falar do sistema apostilado, o mesmo propôs ao aluno da escola pública, a mesma espécie de material e tecnologia que as empresas particulares; apresentou a editora, os professores que elaboram o material da SABE – Sistema de Ensino Aprende Brasil, enfim, toda a história do grupo Positivo desde mil novecentos e setenta e dois com o cursinho pré-vestibular até o ano de dois mil e quatro com a elaboração do material Sistema de Ensino Aprende Brasil, inclusive a presença do grupo em mil e cento e oitenta e três municípios, duas mil quinhentas e cinquenta e sete escolas conveniadas; quinhentos e cinquenta e sete mil e seiscentos e trinta e seis alunos atendidos e, finalmente, setenta mil professores no Brasil, Japão e Estados Unidos. Em seguida, foi apresentado um vídeo mostrando as atividades do Positivo no Brasil e no mundo. Após foi explicado como será o assessoramento técnico, administrativo e pedagógico, ou seja, serão utilizados quatro livros didáticos por ano contemplando todas as disciplinas e conteúdos da série; além do portal na internet, interligados com cada unidade a ser trabalhada. O grupo Positivo estará enviando, ou seja, agendando para cada disciplina as reuniões de estudo, além de plantões diários e permanentes para qualquer dúvida do educador. Lembrou ainda que as linhas metodológicas e pedagógicas são únicas, todas respeitando a LDB – Lei de
89
Diretrizes e Bases; PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais e RCN – Referencial Curricular Nacional e garantindo rigor conceitual, linguagem adequada ao aluno. Foi apresentado o livro didático do professor que é igual ao do aluno, acrescido de orientações e comandos para cada atividade do aluno, onde o professor é realmente o mediador, levando o aluno ao desenvolvimento crítico e pesquisador. Em seguida, fez uso da palavra outro representante do grupo Positivo que apresentou o portal da internet Aprende Brasil que, no caso do município, será Aprende Sorriso. Explicando que a estrutura do portal terá: agenda, webmail, artigos, orientações gerais aos educadores em diversas disciplinas, além de biblioteca virtual. Tem ainda, para a sala de aula, encaminhamento metodológico, glossário pedagógico, intranet, núcleo de conteúdo, espaço de criação, canais de comunicação, rede de ideias, centro de atualizações, caixa de ferramentas, central de jogos, legislação e outros diferenciais. Também terá a página personalizada, sendo que cada aluno é identificado pela sua senha e toda a informação que acessar, esta será de acordo com a sua faixa etária. Na sequência, foi apresentado um novo vídeo com depoimentos de municípios e escolas que já adotam o material. Em seguida, foi aberto para perguntas, que se nortearam sobre aspectos pedagógicos do material e todas as questões foram, segundo os presentes, respondidas a contento. Nada mais havendo a tratar foi encerrada a reunião às vinte e uma horas e dez minutos (Ata da reunião, em 31/10/2005) (grifo nosso).
Ao adentrarmos os pressupostos curriculares e norteadores da prática pedagógica em
sala de aula, queremos destacar, primeiramente, o envolvimento dos professores na decisão
curricular sobre a política de currículo apostilado na rede municipal de ensino de Sorriso/MT,
quando das discussões no ano de 2005 e, sobre a opinião dos mesmos, também evidenciada,
quando de sua continuidade, no ano de 2009. Posteriormente, adentramos as análises do
material das apostilas, nas diferentes áreas do conhecimento, a fim de obtermos maiores
informações sobre de que forma são norteadas a prática e o que propriamente esse material
evidencia em termos de conteúdos, metodologia e avaliação da aprendizagem.
Com relação ao envolvimento dos professores, tanto no processo de decisão
curricular (2005) e, continuidade do currículo apostilado do 6º ao 9º ano (2009), estaremos
recorrendo, novamente, aos documentos arquivados na secretaria de educação. Já, com
relação às apostilas, as análises as quais serão apresentadas, dizem respeito às áreas de língua
portuguesa, matemática, ciências, história, geografia, artes e língua inglesa. Para isso, a
secretaria de educação nos forneceu um exemplar de cada apostila, do 6º ao 9º ano,
denominado como “Livro da Coordenação – 1º ao 4º volume”. Em virtude de que todos os
exemplares apresentam a mesma organização, decidimos por considerar as respectivas
apostilas em anos alternados, ou seja, na língua portuguesa e matemática (6º ano), ciências e
história (7º ano), geografia e artes (8º ano) e língua inglesa (9º ano).
Esse “Livro da Coordenação” é, na verdade, o Livro do Professor distribuído
bimestralmente do 1º ao 4º volume onde estão os conteúdos, a metodologia e a avaliação que
deverá ser seguida pelos professores. Sendo assim, as apostilas trazem a seguinte organização:
“apresentação”; “projeto pedagógico (concepção de ensino, organização didática,
90
conhecimentos privilegiados)” e “avaliação”. Posteriormente, ainda traz a “programação
anual”, dispondo todos os conteúdos que serão trabalhados durante o respectivo período
letivo. Em seguida, estão disponibilizadas as Orientações Metodológicas, dispondo sobre os
conteúdos a serem estudados pelos alunos. As análises a seguir foram realizadas a partir dos
tópicos que compreendem no projeto pedagógico (a organização escolar através dos
conteúdos a serem estudados); a avaliação e as orientações metodológicas. A escolha dos
respectivos tópicos é devido à entrevista narrativa com os professores abordarem justamente a
questão de conteúdos, metodologia e avaliação no contexto da prática.
2.7 Os Livros da Coordenação: como as Apostilas estão Constituídas Tecnicamente e
Pedagogicamente
Como anteriormente já mencionamos, as apostilas denominadas de “Livro da
Coordenação” são distribuídas anualmente aos professores, através do 1° ao 4° volume, do 6°
ao 9° ano, nas áreas do conhecimento que abrangem a língua portuguesa, matemática,
ciências, história, geografia, língua inglesa e artes. Na área de educação física, apresenta um
único volume com sugestões de atividades a serem desenvolvidas com os alunos.
A estrutura de todos os volumes está organizada através da apresentação, o projeto
pedagógico refletindo sobre a concepção de ensino, em cada área do conhecimento, a
organização didática, os principais conhecimentos aos quais devem ser privilegiados em cada
área do conhecimento e concepções sobre a Avaliação, além da programação anual com a
disposição de todos os conteúdos que serão desenvolvidos. Para finalizar, as referências
apresentam os principais autores que servem de subsídio à construção das concepções para
àquela área do conhecimento e, comum a todas as áreas aparece os Parâmetros Curriculares
Nacionais – PCNs enquanto recurso para a elaboração das apostilas.
Na Apresentação, as apostilas destacam a importância do conhecimento para a
sociedade e as modificações da economia mundial que traz reflexos nas formas de trabalhar e
nos eixos fundamentais que organizam as culturas. Reforça ainda de que o Livro Integrado do
Sistema de Ensino Aprende Brasil, na sua construção metodológica, assegura relações com os
saberes e a cultura e, para isso, desenvolve propostas de trabalho para o aluno e para o
professor. Nessas propostas de trabalho o objetivo fundamental é propiciar a compreensão de
conceitos, os processos e as técnicas operatórias a serem dinamizadas no interior da ação
91
pedagógica, desenvolvida em cada unidade de trabalho, ou seja, nos conteúdos já
disponibilizados aos professores, divididos em bimestres.
Com relação ao Projeto Pedagógico, o Sistema Aprende Brasil através do Livro
Integrado a intenção é apresentar ideias presentes quando da produção do material, mantendo
um diálogo com o professor cuja finalidade é explicar as escolhas feitas pelo sistema e
encaminhadas ao professor, desde os entendimentos sobre as áreas do conhecimento,
portanto, o objetivo é fazer com que a aprendizagem dos alunos leve em consideração os
princípios de coerência e qualidade, através dos conteúdos definidos. Posteriormente traz
subseções destacando a concepção de ensino em cada disciplina, o papel do professor e do
aluno e o que foi privilegiado na produção do material do Livro Integrado. Na questão de
concepção de ensino destaca sobre as competências que os alunos deverão obter ao final do
estudo do livro, ou seja, principalmente que os mesmos comuniquem e argumentem suas
ideias com clareza a partir de todas as aprendizagens adquiridas durante os estudos das
unidades.
Quanto ao papel do professor o Sistema reconhece o papel decisivo deste no
processo de aprendizagem, pois tem de se preocupar tanto com a aprendizagem dos conteúdos
quanto com o desenvolvimento da capacidade geral de aprender. O papel do professor,
portanto, é se capaz de equilibrar momentos de ação com momento de reflexão, ajudando os
alunos a construírem os conceitos das disciplinas. Aparece, nesse sentido a reflexão constante
do professor em sala de aula, desde o início da aula a fim de motivar e envolver os alunos
para a realização das atividades da apostila. Possui destaque o apoio do professor, a
intervenção, as orientações, sugestões, além de verificar as dificuldades que os mesmos estão
tendo nas unidades a fim de auxiliá-los.
Com relação ao que foi privilegiado na elaboração do material diz respeito, ou seja,
prevaleceram à investigação e o desenvolvimento de habilidades a fim de resolver as
atividades propostas para que os alunos obtenham as competências. O Sistema considera que
os exercícios disponibilizados nas unidades oportunizam aos alunos adquirir conhecimento
além de enriquecer o processo de investigação dos mesmos, através do Portal Aprende
Brasil.21
A organização didática das apostilas apresenta a metodologia a qual o professor
deverá utilizar em sala de aula, ou seja, durante a aula, cada unidade apresenta o “Tempo de
21 O Portal Aprende Brasil é um site educacional desenvolvido pelo próprio grupo Positivo e disponibilizado aos professores e alunos para fins de pesquisa e interatividade, através do “tira dúvidas” com professores do próprio Sistema que “on-line” responde aos alunos. www.aprende.brasil.com.br
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ouvir, falar e registrar” (conversa inicial com os alunos para a introdução do assunto;
“Aplicando conhecimentos” (espaço para a sistematização dos conteúdos trabalhados, com
atividades de raciocínio para os alunos utilizarem); “Espaço aberto” (jogos, brincadeiras e
construção de instrumentos matemáticos); “Na trilha da história” (seção em que os alunos
podem resgatar a história das mais variadas ciências, valorizando os conhecimentos do
passado e confrontando-os com os do presente; “Desfaça o nó” (atividades desafiadoras que
estimulam o raciocínio, através da utilização da calculadora e registros que devem ser
realizados no caderno) e, ao final, estão disponibilizadas mais atividades que retomam os
conteúdos.
No que diz respeito à Avaliação, o Sistema a entende como um meio de
aprendizagem que tem como função auxiliar alunos e professores a identificarem como está
ocorrendo a aprendizagem. Portanto, podem incluir testes orais e escritos (em dupla ou
individual), atividades utilizando a informática, provas, trabalhos escritos, pesquisas e
autoavaliação. O Sistema considera que a utilização de suas formas inovadoras de avaliação
auxilia os alunos quanto ao desenvolvimento de suas capacidades e competências na
aquisição de conhecimentos e permite ao professor identificar se os objetivos propostos foram
atingidos.
Ainda, merece destaque a capa das apostilas, ou seja, as mesmas podem ser
personalizadas pelos municípios anualmente ou bimestralmente, dependendo do interesse do
Sistema Público Municipal de Ensino. O município de Sorriso – MT personalizou as capas
nos anos de 2007, 2008 e 2009. Com a vinda do Sistema Maxi de Ensino esse processo
continuou pelos anos de 2010, 2011 e 2012. A personalização da capa das apostilas faz parte
do contrato estabelecido com os Sistemas Privados de Ensino, lembrando que, sem nenhum
custo a mais por isso.
Quanto à impressão e acabamentos das apostilas, o grupo Positivo possui a Gráfica
Posigraf22 responsável também pelo despacho das apostilas que saíam de Curitiba – PR por
meio de uma transportadora e chegavam diretamente nas escolas municipais, geralmente com
10 (dez) dias anteriormente ao término do bimestre. As escolas municipais, imediatamente no
primeiro dia do início do bimestre distribuíam as apostilas aos alunos. Os professores
recebiam as mesmas anteriormente a fim de obter informações com relação aos conteúdos aos
quais seriam desenvolvidos naquele bimestre. Caso algum professor não tivesse terminado a
22 É considerada a maior gráfica do Brasil e uma das maiores da América Latina. Seu Portfólio de serviços compreende a impressão de apostilas, livros, revistas, bem como tablóides e materiais promocionais. Têm filiais e representações em todo o Brasil, MERCOSUL e Estados Unidos. A Posigraf conta com mais de mil funcionários. www.posigraf.com.br
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apostila anterior, a escola combinava com ele em relação aos dias que precisaria para dar
início à apostila do novo bimestre ao mesmo tempo em que os pais eram comunicados a fim
de que não houvesse cobranças de que os professores não haviam começado o novo volume.
Com relação aos autores, para cada área do conhecimento são apresentados um ou
mais profissionais cuja responsabilidade é tanto para a produção das apostilas dos professores,
como dos alunos.
A seguir, na Tabela I está especificada a titulação de alguns autores responsáveis
cada qual pela sua área do conhecimento, na construção das propostas de metodologia,
conteúdo e avaliação das apostilas. Com relação à titulação, alguns professores são
especialistas e, outros, possuem a titulação de mestrado. Porém, o que nos chama a atenção é
de que àqueles que possuem a titulação de mestrado, destacam em seu currículo uma relação
estreita com o Ministério da Educação, no que diz respeito até a aprovação de material
didático pelo Ministério da Educação - MEC, através do PNLD. Portanto, o que nos mostra de
interessante é que o Sistema Privado de Ensino utiliza de profissionais com uma visão voltada
ao Sistema Público Municipal de Ensino, aonde os mesmos possuem material produzido e
publicado pelo Ministério da Educação, possibilitando assim aos municípios a certeza de que
esses autores têm conhecimento sobre a escola pública.
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Quadro 1 - Relação dos Autores das Apostilas do Sistema de Ensino Aprende Brasil
Língua
Portuguesa
(6° ano)
Tânia Maria Barroso Ruiz
Professora de ensino superior nas áreas de Língua Portuguesa e Produção Textual. Iniciando os estudos para o doutorado em Lingüística Aplicada. Mestre em Letras na área de Lingüística de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Paraná. Especialista em Educação Profissional e Andragogia. Graduação em Letras, Língua Portuguesa e Literatura brasileira e portuguesa pela Universidade Federal do Paraná. Empresária na área editorial com atuação em consultoria, revisora técnica e de textos, coordenadora pedagógica e editorial. Obras editadas e reconhecidas pelo MEC nas áreas de metodologia de ensino e educação profissional. Autora de material didático de Língua Portuguesa e editora de livros de literatura.
http://lattes.cnpq.br/1851924445548602
Matemática
(6° ano) Anvimar Galvão Gasparello
Possui graduação em Licenciatura em Matemática pela Universidade Federal do Paraná e Especialização em Metodologia do Ensino Fundamental pelo Centro de Estudos Superiores Positivo. Atualmente é Assessora da área de Matemática da Editora Positivo do Ensino Fundamental e Médio e autora de livros didáticos do Ensino Fundamental.
http://lattes.cnpq.br/2886594890837083
Ciências
(7° ano) Célia Santina Bordini
Possui mestrado em Educação pela Universidade Federal do Paraná (2009). Atualmente é profissional do magistério da Prefeitura Municipal de Curitiba. REM experiência na área de Educação, com ênfase em Métodos e Técnicas de Ensino, atuando principalmente nos seguintes temas: fundamentos e metodologia para a educação em ciências, didática, projetos interdisciplinares e estágio supervisionado, educação para a sexualidade, livro didático e escola. Autora de materiais didáticos de Ciências aprovados pelo PNLD.
http://lattes.cnpq.br/7271304321248178
História
(7° ano) Cibele de Cássia Xavier
Nenhum resultado foi encontrado Nenhum resultado foi encontrado
Artes
(8° ano) Maristher Motta Bello
Possui graduação em Educação Artística pela Faculdade de Artes do Paraná (1988), especialização em Metodologia do Ensino Superior pelo Centro Universitário Positivo (1997) e especialização em MBA Instituições de Ensino pelo Centro Universitário Positivo (2005). Atualmente é Assessora de Arte da GRÁFICA E EDITORA POSIGRAF e Autora da GRÁFICA E EDITORA POSIGRAF. Tem experiência na área de Artes.
http://lattes.cnpq.br/0783586287886576
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Geografia
(8° ano) Berenice Bley Ribeiro Bonfin
Nenhum resultado foi encontrado Nenhum resultado foi encontrado
Língua Inglesa
(9° ano) Paulo Roberto Pellissari
Possui mestrado em Teoria Literária pelo Centro Universitário Campos de Andrade, com especialização em Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Positivo e graduação em Letras pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG. Atualmente é professor titular de Literatura Inglesa e norteamericana do curso da Faculdade de Ciências e Letras (FACEL), da Universidade Tuiuti do Paraná (TUIUTI) e professor da Universidade Positivo (atualmente, em licença para estudos acadêmicos). Exerce também a função de Supervisor Pedagógico Pré-vendas de Livros Escolares e Sistema de Ensino da Editora Positivo. (...)
http://lattes.cnpq.br/3602125673784279
Educação Física
(6° ao 9° ano) Ana Paula Zunino
Nenhum resultado foi encontrado Nenhum resultado foi encontrado
Fonte: http://lattes.cnpq.br/
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CAPÍTULO III - DA REINTERPRETAÇÃO CURRICULAR
O CURRÍCULO PRATICADO OU REINVENTADO
3.1 As Vozes dos Professores no Contexto da Prática
As vozes dos professores foram de extrema importância para a pesquisa, uma vez
que evidenciam o Contexto da Prática, sendo esta constituída por possibilidades de como os
professores farão diferentes utilizações do texto político. O Contexto da Prática é o lugar onde
a política se insere e para onde ela é endereçada. Através desses textos políticos, diferentes
leituras são realizadas e as ações cotidianas dos professores serão sempre associadas às suas
possibilidades reais de atuação.
Os autores como Ball e Bowe (1992), consideram que os textos políticos que chegam
às escolas precisam urgentemente ser dialogados efetivamente com o Contexto da Prática, ou
seja, é necessário e se faz considerar os saberes construídos e trabalhados que se apresentam
na prática pedagógica dos professores.
Os profissionais que atuam nas escolas, de acordo com Ball & Bowe (1992), não são
totalmente excluídos dos processos de formulação ou implementação de políticas e usam de
dois estilos para distinguir em que medida os profissionais que atuam na escola são
envolvidos nas políticas. Portanto, um texto pode ser “prescritivo” ou “escrevível”. Enquanto
prescritivo, limita o envolvimento do leitor, ao passo que um texto escrevível convida o leitor
a ser coautor do texto encorajando-o a participar mais ativamente na interpretação do texto.
Um texto prescritivo limita a produção de sentidos pelo leitor que assume o papel de um
“consumidor inerte” (HAWKES, 1977: 114 apud BALL & BOWE, 1992). Em contraste, um
texto escrevível envolve o leitor como coprodutor, como um intérprete criativo. O leitor é
convidado a preencher as lacunas do texto. Para Ball e Bowe (1992), “é vital reconhecer estes
dois estilos de textos que são produto do processo de formulação da política, um processo que
se dá em contínuas relações com uma variedade de contextos.”
Consequentemente, os textos têm uma clara ligação com contextos particulares nos
quais foram elaborados e usados. Prescritivo e escrevível podem aparecer de diferentes
formas. Um exemplo disso é a possibilidade do uso dos dois estilos num mesmo texto, pela
combinação de partes mais prescritivas e partes mais abertas.
Por isso, os autores insistem que o foco de análise de políticas deveria incidir sobre a
formação do discurso da política sobre a interpretação ativa que os profissionais que atuam no
97
Contexto da Prática fazem para relacionar os textos da política à prática. Isso envolve
identificar processos de resistência, acomodações, subterfúgios e conformismo dentro e entre
as arenas da prática e o delineamento de conflitos e disparidades entre os discursos nessas
arenas.
As narrativas dos professores, descritas e analisadas nesse capítulo, tem por objetivo
considerar o Contexto da Prática como um espaço ativo da interpretação e reinterpretação do
sistema apostilado no município de Sorriso – MT. No decorrer do Contexto de Produção do
Texto, pudemos perceber os professores como os últimos em todo o processo de discussão de
implementação, que realmente foram comunicados sobre a decisão de adoção de um Sistema
Privado de Ensino pelo Sistema Público de Ensino.
Assim, logicamente com o currículo apostilado já consumado no município de
Sorriso, inclusive apresentando o grupo Positivo como a empresa que forneceria em 2006 as
apostilas, o que queremos trazer através das narrativas, são as vozes dos professores que
àquele momento estiveram caladas e fora do processo de discussão. As narrativas podem nos
auxiliar na compreensão sobre o que pensam os professores atualmente com relação a todas as
questões que envolveram esse processo de adoção e, principalmente, resgatando um memorial
de experiências que não foram esquecidas no decorrer do tempo, mas sim, ao que nos parece,
inteiramente revividas, reinterpretadas e ressignificadas.
É importante lembrar que no decorrer das transcrições das narrativas, as análises
foram organizadas por eixos temáticos. Com relação ao primeiro eixo, destacamos como “O
currículo apresentado aos professores” (a receptividade do currículo apostilado e uma
descrição da apostila). O segundo eixo temático diz respeito a “O currículo prescrito vivido
pelos professores na prática” (uma percepção sobre a seleção de conteúdos, a metodologia
trazida como proposta de prática de aula e a avaliação, a partir das sugestões propostas na
apostila). O terceiro e último eixo temático discutiu “O currículo planejado e implementado
pelos professores” (a possibilidade de um currículo planejado e implementado pelo professor
em termos de conteúdos, metodologia e avaliação).
3.1.1 A Narrativa da Professora de História
A Secretaria de Educação, direcionada pela professora Marisa, resolveu implantar o sistema apostilado. Iniciaram-se as discussões com a comunidade, mas envolveu, principalmente a Associação de Pais e Mestres, porque a grande maioria dos professores, inclusive eu, se posicionavam contrários a implantação do método apostilado. Quando recebemos a apostila foi de curiosidade, nós não tínhamos ainda tido acesso
98
a esse material. Fomos então averiguar o que continha no interior dessas apostilas e verificar se aquilo dali seria condizente com os nossos trabalhos. A descrição que eu faço da apostila é que ela era atrativa aos olhos dos alunos, pois continha diversos tipos de imagem bastante atualizados e deixava o aluno curioso com relação ao primeiro momento, a cada início de bimestre e eu atribuo essa curiosidade ao fato de que eles tinham visualidade da apostila bastante chamativa. Os conteúdos, em alguns pontos, eu discordava desses, porque o sistema apostilado acabava por direcionar os conteúdos e trazia uma visão aos alunos de que era normal essa exploração para com a classe trabalhadora. Na área de história, era considerada uma visão que tinha o intuito de fazer com que prevalecessem os valores da classe dominante sobre a classe dominada, e isso para nós que temos que ir em busca da defesa dos direitos do povo trabalhador era ruim, porque esses conteúdos em muitos aspectos terminavam por trazer a visão da classe dominante sobre a explorada e dominada e muitas vezes os valores da classe dominante em alguns conteúdos são sobrepostos aos da classe dominada. A classificação desses conteúdos na área de história, vamos dizer assim, eram bastante tendenciosos no sentido de dar uma visão aos alunos de que é normal a exploração da classe dominante sobre a classe dominada. Eu nem sempre seguia, ainda sobre o conteúdo, aquilo que estava determinado ali na apostila porque muitas vezes eu preferia utilizar um outro material com o intuito de poder proporcionar aos alunos o conhecimento de uma visão mais ampla que possibilitasse a ele fazer as comparações entre a sua realidade e a realidade de outros, entre a visão do dominado e a visão do dominador e quando isso ocorria o conteúdo da apostila, e mesmo a apostila era deixada de lado. A metodologia, em alguns momentos, terminava por dificultar o desenvolvimento das ações que possibilitariam ao aluno ser construtor de sua própria história. Isso se dá em função de que muitas vezes o conteúdo que ali é apresentado é descolado da realidade do aluno, do cotidiano da realidade escolar de nossos alunos daqui de Sorriso e isso termina por dificultar o desenvolvimento de ações e atividades junto aos educandos que pudessem fazer com que eles pudessem se tornar construtores do seu próprio conhecimento e agentes transformadores de sua realidade. Com relação à avaliação, o material apostilado orientava principalmente na apostila do professor como se proceder e quais os objetivos que seriam alcançados na avaliação. Porém, a gente nem sempre seguia o que está ali. Em muitas situações, procurávamos organizar atividades que podiam atender às necessidades dos nossos educandos, tendo em vista que a realidade deles não correspondia à realidade apresentada pelo material apostilado. A visão dos alunos sobre a apostila no que se refere à história em muitas situações terminavam por achar que ela era um tanto extensa no conteúdo e conteudista, o que terminava por cansá-los. E os conteúdos da forma como eram apresentados na área de história não eram atrativos aos nossos educandos e isso terminava por dificultar a aprendizagem desses educandos em alguns sentidos porque quando a história era trabalhada no sentido de reforçar o conteúdo, ou mesmo de fazer com que só tenha acesso aos fatos e não possibilite a eles condições de analisar e discutir, comparar, ter a visão da classe dominada e da classe dominante, eles terminavam por fazer apenas a mera reprodução do conhecimento e isso significa que eles aprendiam em história irá em muito pouco tempo ser esquecido, ou seja, não vai ser lembrado e não vai ter, vamos dizer assim, serventia (entre aspas) para a sua realidade, para que ele pudesse se tornar um agente construtor de sua própria história. Com relação ao acompanhamento dos pais, muitos pais acompanhavam o andamento das atividades da apostila. Infelizmente os nossos pais não tinham a preocupação de que deve estar acompanhando a aprendizagem dos seus filhos nas unidades escolares, mas quando nós professores decidimos que um conteúdo ou outro pode ser deixado de lado (entre aspas), imediatamente os pais procuram a unidade escolar para que sejam dadas explicações no sentido do porquê aquele conteúdo não foi trabalhado, porque não se venceu os conteúdos apresentados pela apostila e isso não é uma constante, mas volta e meia ocorre com relação à disciplina de história devido ao fato de termos um excesso de conteúdos no material apostilado que temos utilizado. O fato de podermos planejar um currículo sem o uso do material da apostila, isso é
99
bastante fácil de responder, é óbvio que o professor tem condição de organizar um conteúdo porque tem profundo conhecimento da disciplina que ele desenvolve, tendo em vista que ele teve sua formação na universidade e ainda passa por momento de formação, denominada de formação continuada e isso lhe possibilita uma condição de ser o agente construtor do seu planejamento curricular. E este planejamento deveria ser um planejamento que atendesse à realidade dos alunos considerando as condições que a escola pode oferecer para desenvolver a aquisição do conhecimento e também é óbvio que os conteúdos a serem trabalhados nesse planejamento curricular deveriam ser selecionados sempre pensando que o aluno deve ter a condição de se tornar um agente construtor de sua própria história e isso se dá através da aquisição do conhecimento que a escola pode proporcionar a ele e a metodologia a ser utilizada deve ser aquela que lhe possibilite a aquisição do conhecimento no sentido de que ele próprio possa se tornar um agente ativo no processo de ensino aprendizagem. A avaliação nunca pode deixar de ser uma avaliação contínua no intuito de ser formativa no sentido de que ela não venha a punir o aluno, mas sim possibilitar a ele a condição de ser um agente crítico do mundo ao qual ele faz parte. A minha autoavaliação sobre o sistema apostilado é de que ele tem a sua, vamos dizer assim, a sua vantagem no sentido de que é possibilitado às crianças terem acesso fácil ao material com relação ao livro didático que uma vez ou outra pode vir a faltar na sala de aula. Porque os livros encaminhados pelo programa do governo federal são substituídos de 3 em 3 anos e então nesse processo ocorre que um aluno ou outro pode vir a ficar sem o uso do livro e o material apostilado facilita esse detalhe no caso deste município que acaba por adquirir as apostilas em quantidade suficiente para atender a todos os alunos. Porém, ocorre que as crianças como um todo terminam por serem obrigadas a terem acesso ao conteúdo que não lhes permite tornarem-se construtores do seu próprio conhecimento com a condição deles próprios poderem auxiliar o professor na construção de um currículo mais voltado a sua realidade e isso na minha concepção de professora de história com a função de fazer com que os alunos se tornem agentes transformadores da realidade da qual ele faz parte é um tanto complicado porque o material apostilado já traz uma visão onde a classe dominante está agindo de forma natural quando ela explora a classe trabalhadora e isso é fácil de se perceber na medida em que se trabalha os conteúdos apresentados pelo material apostilado na área de história e isso dificulta a perspectiva de termos a formação de um cidadão crítico e consciente com a condição de poder interferir na realidade da qual ele faz parte. Obrigada. As minhas considerações finais referem-se ao fato de que a adoção do material apostilado deveria ter sido amplamente discutido não só com as APMs, mas, sim com o maiores interessados que seriam os professores, pois são eles que estão no dia a dia nas salas de aula. São eles que estão trabalhando diretamente e cotidianamente com o material. Então, nada mais justo que o professor possa definir qual é o conteúdo a ser trabalhado com os seus alunos. É claro que isso, e não eles sozinhos, mas juntamente com a comunidade escolar como um todo. (novembro de 2011 – grifo nosso). 23Com relação à exemplificação de conteúdos, com relação ao que falei de que há uma ideia da classe dominante, sempre em vantagem sobre a classe dominada, me lembrando e com essa apostila (abriu a apostila na página 13, através da unidade 6 que trata sobre a política externa do segundo reinado) é que quando ele fala da Guerra do Paraguai, ele começa falando que foi uma guerra da Tríplice Aliança. Foi mesmo, só que simplesmente tem estudos que colocam que o Paraguai vinha com uma perspectiva econômica naquele momento de se tornar uma potência econômica na região da América do Sul. Eles já conseguiam produzir alguns produtos que então eram exclusivos da produção inglesa. O Paraguai, é importante que se diga, já estava se consolidando com pequenas indústrias, para, então, tornar-se, aos poucos, independente da economia inglesa que, naquele período, dominava toda a região da América do Sul e era ela quem fornecia todos os produtos para a América do Sul. O Paraguai começou não mais a depender dessa indústria inglesa e começou a se organizar e a se automanter, produzir os seus
23 2ª parte da narrativa que foi realizada com a Professora de História em fevereiro de 2012.
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produtos e a querer vender para a região. Nesse sentido, a Inglaterra começou a ver isso como uma ameaça porque ela era a fornecedora de produtos e ela queria continuar dominando esse processo e percebeu que na região da Tríplice Aliança havia conflitos internos e entre eles, entre o grupo da Tríplice Aliança referente a questões de terras, de espaços territoriais e aí o que acontece: a Inglaterra começou a perceber isso e o presidente do Paraguai, que era o Solano Lopes, estava realmente procurando um meio de ter acesso direto ao mar porque o Paraguai não tinha esse acesso ao mar naquela época. Ele tinha que passar por terras e águas de outros países vizinhos seus. E ele começa a querer arranjar espaço para poder escoar a sua produção e começa a criar conflitos com os países vizinhos, que entendem que ele quer se apropriar de territórios seus tendo em vista essa busca que ele vinha fazendo. A Inglaterra se aproveitou disso para fazer a ponte e quando ela percebeu que eles estavam se desentendendo, resolveu patrocinar o conflito tanto que ela fornece armamentos para os outros países e se torna vitoriosa do conflito. E o que a apostila deixa de lado é justamente isso, ela só pincela isso. Se você observar nessa página 15, ela deixa bem claro aqui: ela coloca que é só uma visão dos historiadores e há fatos que comprovam isso. Há fatos históricos que comprovam que os ingleses se sentiam ameaçados pela ação do Solano Lopes, porque os ingleses achavam que iam perder espaço, ou seja, o Paraguai deixaria de ser dominado economicamente pela Inglaterra, sairia da dominação inglesa e eles passariam a ser exemplo para toda essa região e os ingleses começaram a ver isso como ameaça. E aí o que ocorre: aqui para você trabalhar com crianças foi trabalhado de forma muito superficial e quando a apostila começa a tratar de fato o conflito, ele simplesmente passa a visão pura e simples do dominador. Você não vê o texto trabalhar como foi e qual era a real situação do Paraguai, porque ele chegou ao ponto de entrar nas águas e território brasileiros e outra coisa que eles deixam de fora é o total esmagamento da população paraguaia. Inclusive a apostila deixa dúvidas e questiona se de fato houve a morte de tantos paraguaios e há estudos de diversos historiadores que o Paraguai regrediu muito após o conflito. Tanto que ao final do conflito eles tiveram 75% da sua população dizimada no conflito e, dos que sobraram, a grande maioria dos 25% que ficaram, eram compostos por mulheres, crianças e idosos. O Paraguai retrocedeu na sua história na questão econômica porque ele ficou sem condições. E aí a apostila traz uma visão muito fragmentada sem dar condições para você fazer com que o aluno entenda que o conflito não foi assim tão simples como faz parecer. Houve prejuízo para todas as partes, mas, principalmente para o Paraguai. A Inglaterra fomentou o conflito e conseguiu destruir o Paraguai e endividou o Brasil, Argentina e Uruguai porque compravam armamento e pediam dinheiro emprestado. A Inglaterra ganha com a destruição dos planos do Paraguai e ganha com o endividamento dos 3 países e ainda vai continuar mantendo o domínio econômico. A apostila não trata dessas questões, mas só, por exemplo, aqui. “O Paraguai perdeu 140km para a Argentina”. E o que ficou da economia? E o que ficou do povo lá? Ela não trata e ignora e você observa que ficou uma visão do dominador e não do dominado, como ele ficou. Eles colocaram o Solano Lopes naquele período, aqui nessa página, como um grande vilão, querendo invadir, dominar o Brasil e os outros países, e que ele era um grande ditador. Solano Lopes não é santo, mas a apostila esqueceu do domínio imperialista. Se você observar as questões que eles colocaram para ser trabalhada aqui, você lê um texto aqui não tem como você responder. Eu me decepcionava quando chegava aqui nessa parte para trabalhar com os alunos sobre a guerra do Paraguai, que é um dos conflitos que o Brasil participou mais importantes aqui da nossa região, e é trabalhado de uma forma bastante superficial. E o que eu fazia? Eu tinha que buscar outro material para complementar, só que assim, a gente não pode perder de vista que o texto base que você tem em sala de aula, passa a ser para o aluno uma espécie de verdade absoluta e qual a dificuldade que você tem? Eles não entendem (Segunda parte da narrativa – fevereiro de 2012 – grifo nosso).
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3.1.2 A Narrativa do Professor de Matemática
Eu sou professor de matemática na rede municipal de ensino de Sorriso - MT há aproximadamente 12 anos. Possuo uma carga horária de 20 horas semanais, divididas em 4 horas aula em duas turmas de 8° e 9º anos do ensino fundamental. As experiências que eu vivi com o sistema apostilado, na época de sua implantação foi que percebi primeiramente, como uma proposta boa, talvez o que não foi de encontro seria o cardápio (entre aspas) da proposta de conteúdos com a realidade do município. (grifo nosso) Veja bem, quando se faz a implantação de uma apostila, ela obedece a uma sequência lógica a ser trabalhada e então é necessário que essa sequência obedeça a um padrão desde o início, quero dizer, que desde a educação infantil numa preparação para que o aluno possa degustar desses conteúdos de maneira que quando ele entrar no sexto ano aí ele vai estar pronto para ter uma atividade de uma apostila, como é o caso da nossa. O que eu vivi na época, foi uma heterogenia de situações onde não se envolveu os pré-requisitos de alunos. Nós tínhamos na sala de aula 35 alunos e “n” situações distintas e várias dificuldades, então o desafio do professor de transpor o conteúdo de uma forma de uma apostila foi difícil porque você dependia de seguir uma sequência de conteúdos, uma disposição de conteúdos e não havia tempo, de repente, pra você gerar durante aquela aula maiores explicações. O que eu quero dizer é que no começo do uso, eu não sabia se o conteúdo estava sendo entendido por todos, pela maioria, ou minoria, aqueles conteúdos da apostila. Olha, então, diante daquela proposta que veio, a gente tentou se aproximar o máximo possível que foi sugerido pela apostila, mas veja bem, quando você trabalhava com o conteúdo da apostila existia aquela aula no papel e existia a aula expositiva que é de praxe do professor, de orientação, aí chegava o momento da transposição didática e aí era uma dificuldade porque os alunos dependiam de observar a apostila e o professor tinha que ter habilidade de fazê-los navegar nas informações e aí que é maior dificuldade, porque eu penso que uma aula de matemática precisa de mais situações de atração. Ai entrava uma aula atrativa, onde eu levava os alunos para o laboratório de informática e usava outros recursos no Power Point pra a gente conseguir ir de encontro, mas ainda assim era muito difícil porque haja vista que a escola só tinha e tem ainda um laboratório de informática e se em algum momento algum outro professor precisasse usar era difícil. Com relação aos conteúdos professora, tinha aqueles que eram atrativos e os conteúdos que a gente tinha que fazer o impossível para torná-lo agradável. Quanto à avaliação, se a gente só se amarrasse na sugestão da apostila a gente ficava preso, fechado e na avaliação era preciso ser mais aberto. Não que eu fugia da sugestão que ela trazia, das orientações que estavam na apostila, porque ela trazia no início ou no final as orientações, as observações e a importância de se falar de assuntos durante o conteúdo e a sugestão de atividades que tinha e se cobrava em forma de avaliação, o que acontece é que diante da dificuldade que o aluno tinha, a gente acabava tendo outra reação. Vou te explicar, por exemplo, se eu tinha na sala cerca de tantas dificuldades eu tinha que fazer um diagnóstico aberto, para verificar se realmente eu podia cobrar do aluno e isso acontecia no desenvolvimento das atividades que você tinha que realizar com paciência e humor ao mesmo tempo para prender o aluno na aprendizagem para que ele veja que é interessante. Às vezes tinha conteúdo que era muito chato para o aluno, mas eu tinha que fazê-lo perceber que aquilo iria ser gratificante pra ele e era por aí que a gente começava a pegar. Se você lançava uma situação, por exemplo, um desafio, ele talvez provocasse no aluno uma tentativa de querer mergulhar naquele assunto, senão ele iria ficar ali quieto ou iria te incomodar durante a aula e a matemática não iria avançar como deveria ser feito em uma aula. Quanto a seguir criteriosamente a apostila professora, quando a gente começou com a apostila a gente experimentou ela e posso te afirmar que o resultado nunca foi positivo e aí o que acontecia, você tinha que mudar o gosto da coisa, você tinha que tentar outras alternativas e então, o que a gente fazia; tarefa na sala de aula e fora da sala de aula. O aluno tinha que ser capaz de interagir e capaz de pensar, porque
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naquela época o nosso desafio não era fazer o aluno não achar resposta e sim era fazer o aluno pensar e essa era a dificuldade que nós tínhamos. Parecia que quando o aluno pegava a apostila ele tinha todas as orientações e a gente como professor, toda a metodologia, as indicações de observação que se devia colocar para o aluno e isso (risos) parecia perfeito, mas não era, cada um tinha a sua realidade de aluno, por isso era interessante fazer o diagnóstico e a partir dele você sabia cobrar e se você não conhecia a realidade da sala de aula então você iria ser mais um professor formal que estava a ali e no final do ano você iria dar notas e apenas notas pra passar de ano. Por isso, professora, eu criava ferramentas de avaliação. Conteúdo simples de matemática, por exemplo, a equação. Uma equação, ele precisava ver que faz parte do dia a dia dele, até numa frase de língua portuguesa ele conseguia enxergar uma fração, às vezes ele não sabia a técnica de fazer e resolver uma equação e o que eu tinha que fazer, era criar artifícios pra isso, tinha que mostrar a importância do por que ele tinha que saber equação, do porque era importante calcular equação, não era o simples cálculo de um “x” como dizia a apostila, mas ele tinha que aprender a pensar e as estratégias desse pensar eram comigo. Meu propósito era na verdade, professora, aproximar a realidade do aluno com a matemática por que a gente falava que a gente vivia a matemática no dia a dia. Queria dizer, professora, com isso que eu não condenava o uso da apostila, eu condenava a realidade distinta que existia entre a apostila e a nossa clientela, nos tínhamos alunos que poderiam se dar muito bem com a apostila, mas a gente não podia pensar na minoria, mas na maioria e não existia receita pra isso. Nós tínhamos 160 horas anuais de matemática e no final, professora, se pudéssemos fazer uma pesquisa no município, se os alunos dominaram ou não o conteúdo da apostila eu tenho certeza que chegaríamos a algumas surpresas desagradáveis, pode ter certeza. Eu não percebia nenhuma cobrança direta dos pais, mas se percebia uma satisfação a ser dada porque era natural que quando você tinha uma apostila e o pai e a mãe percebiam que um conteúdo durante o bimestre, ficou de lado, eles queriam saber o porque. No meu caso, eu orientava bem os alunos que a apostila foi feita não pra atender a nossa carga horária, pra mim foi feita para uma previsão no caso da editora, ela atendia a uma rede de outras escolas e a nossa apostila do município ela tinha um cardápio de aula de 5 horas fechadas, praticamente. Até agora há pouco eu falava que a realidade do município era de 4 horas e aí (pausa), como você iria trabalhar 5 aulas se na realidade o município trabalhava com 4 horas e aí o que acontecia, tinha professor e professores, tinha professores que queriam é fazer um trabalho mais direcionado para atender e ele não se importava se o tempo estourava, mas tinha aqueles que queriam atender a apostila, porque tinha cobrança de pai em cima e eu não concordava com isso e não fazia isso, por isso orientava os pais, se algum dos pais tivesse dúvidas que viesse falar comigo e se viesse eu dizia “o cardápio é grande e não significa que vamos conseguir atender”. A gente tinha que trabalhar com a qualidade e não quantidade. (Nesse momento houve uma pausa na gravação a fim de que eu pudesse pontuar ao professor sobre a informação de 5 horas aula, ou seja, referi de que no material escrito e orientativo das apostilas não havia essa informação, por isso eu quis saber de onde ele tinha a mesma). Professora, eu tinha a informação que o cardápio era para 5 horas, nas formações que tivemos com o sistema e a formadora dizia que a gente daria conta, mas eu dizia que daria conta na particular e não na pública, com 4 horas aula. Professora vou te dizer eu dou e daria conta sim, sou e seria capaz sim da fazer um material de matemática para os meus alunos, sabe por quê? Porque eu tenho coragem para fazer, quer dizer, na realidade eu já fazia isso no ensino médio que eu também trabalhava. No ensino médio eu mesmo montava o material em cima dos melhores materiais que tinha disponível tanto na internet quanto nos livros didáticos. Eu pesquisava fontes, trabalhava com exercícios complementares, mas eu, em relação à pergunta acredito que sim, seria de grande importância o professor fazer o seu próprio material porque a partir do momento em que você conhece uma clientela é mais fácil. Eu iria pegar o oitavo, você teria uma convivência com os alunos e seria possível perceber como é a realidade deles e os requisitos que faltariam para eles e então com o oitavo ano certamente o que eu iria trabalhar naquela realidade, quer dizer, você pegaria conteúdos que o aluno tem familiaridade e não aqueles que
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estariam fora da realidade deles. Imagina professora se você pudesse fazer isso seria interessante. Daí a questão de que a apostila do município deveria ser feita pelos professores porque ficaria muito mais interessante, o trabalho de uma equipe inteira de professores em longo prazo com cuidado, através de pesquisa e material didático, apesar que na nossa cidade temos também divergência de realidade e temos que pensar nisso. Pois é professora, então o sistema apostilado veio na época, certamente para ajudar e a intenção foi essa, de que facilitaria o trabalho do professor, mas vejo que não facilitaria para o aluno, acho que talvez seria uma ilusão às vezes os pais pensarem que a apostila no sentido de que será, como estaria sendo a aprendizagem, será que realmente estão aprendendo. Eu não via, professora, diferença antes da apostila com a apostila depois, porque tinha que haver qualidade no aprender. A apostila ajuda, mas ajudaria mais se os professores contruissem o currículo, fariam o material e saberiam exatamente o que fazer com os seus alunos. E vou te dizer mais, na época, lá em 2005, eu não participei da implantação das apostilas, somente fui mais um professor a utilizar a apostila; eu nunca fui convidado pra participar de qualquer discussão, nada disso. Só fui apresentado a apostila, quando fui trabalhar com ela. Então, faz tempo que bato na tecla com os meus colegas de matemática. Durante a formação do gestar24, em que fui coordenador dessa formação, as experiências que tive é de que se tivéssemos a possibilidade de montar o próprio material, em todas as disciplinas, acho que teríamos uma situação diferenciada. Então, professora quero deixar só uma ideia pra você que faz parte lá da secretaria de educação e não sei se caberia nessa sua pesquisa. Vocês deveriam fazer uma avaliação interna sobre o uso dessas apostilas, saber se realmente houve e continua havendo aprendizagem já que agora mudou de sistema, mas, professores, pensem nisso. (Outubro de 2011 – grifo nosso)
3.1.3 Narrativa da Professora de Geografia
Eu sou professora de uma escola municipal e tenho entre 26 e 30 anos de idade e sou graduada em geografia e pós graduada em psicopedagogia. Eu observava que o trabalho que era realizado com o material didático apostilado era interessante. A respeito desse material apostilado adotado no município eu via que ele era muito positivo pelo fato dos nossos alunos poderem realmente estar constantemente em contato com os conteúdos. O nosso município ele apresentava um grande número de alunos que migravam de uma escola para outra durante todo o ano e a apostila, dessa forma, todo o município estava utilizando o mesmo material o aluno não ficava defasado e também era oferecido aos docentes o material multimídia, a assessoria pedagógica, eles faziam a análise do material, eles faziam a análise de sua prática em sala de aula no dia a dia. Mas, assim, esse material também tem um porém, que se a gente fosse utilizar apenas ele como único subsídio de suas aulas sem adaptar a realidade do aluno esse material, ele poderia não estar adequado né com a realidade. A gente sabe hoje que a cada ano acontece a licitação das apostilas, então a gente não tem mais certeza qual o sistema que vai vir e isso é ruim. Quanto a organização desses conteúdos e então sob esse aspecto eu não era a favor desse sistema apostilado, né, mas que eu reconheço que ele trazia alguns pontos positivos pra gente planejar as aulas. Sendo assim a gente recebia a matriz de nossa disciplina e tinha acesso as matrizes curriculares de todas as outras porque só dessa forma a gente conseguia planejar de forma coerente e os professores também eram orientados a sempre trazer o conteúdo para a realidade local do educando e com isso a gente tentava também utilizar vários tipos de recursos, como multimídia, da
24 Gestão da Aprendizagem Escolar – GESTAR; formação para professores da Matemática das Escolas Públicas de Ensino Fundamental II. www.mec.gov.br
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internet quanto o próprio material que vinha do MEC para as escolas, enriquecendo cada vez mais o material. Mas voltando, antes eu dizia que eu era um pouco contra os conteúdos porque muitas vezes os conteúdos eles eram colocados dentro de um objetivo e na hora dos exercícios e das atividades eles perdiam um pouco essa identidade do próprio material, porque a gente percebia que eles copiavam, que eles recortavam essas atividades de vários outros materiais, exercícios de vários vestibulares e com isso acho que perdia um pouco, a gente observava que ficava um pouco fragmentado, no sentido de pensar qual foi a real habilidade e competência que queria ser desenvolvida. Então eu observava que esse é um fator negativo do material e que no livro didátido isso não acontecia por que é um autor que ele observa o conteúdo do início ao fim, ele não pega vários conteúdos de vários outros lugares, onde cada um tem uma visão, uma criticidade em relação a aquele próprio conteúdo e sendo assim no livro didático ele é mais coeso, ele segue a sua metodologia dentro de suas habilidades e competências necessárias para ser desenvolvido, ele então é mais linear. Também eu percebia que o aluno ficava muito satisfeito em receber esse material apostilado porque ele de certa forma se sentia valorizado porque tinha um material a cada etapa do ensino, a cada bimestre esse material novo onde realmente dava a sensação de que estavam preocupados com a educação dele, não um livro que fica as vezes de um ano para o outro faltando uma página, enfim, ele se sentia valorizado. Os pais eles acreditavam que esse material ele era de boa qualidade por que eles já tinha uma visão de que material apostilado era de escola de ensino privado, ou seja, particular e aí eles acreditavam que numa instituição pública se o aluno utilizasse também do sistema apostilado então significava que não tem muita diferença quanto a qualidade do ensino. Sob o meu ponto de vista eu sempre avalio que o material apostilado ele vem buscar um uniformidade na educação do município, porém há muitos recursos que poderiam ser mais bem aproveitado se não fosse o despreparo de alguns educadores frente as novas tecnologias de informação e comunicação porque nem todos estão preparados para enriquecer as suas aulas com o material multimídia ou até mesmo paralelamente com outros materiais, então seria isso meu ponto de vista. Quanto ao currículo, é difícil, a gente percebe que a maioria dos profissionais da educação do município de Sorriso, acredito que não teria uma condição de montar uma matriz curricular de sua disciplina, até porque sempre vi que muitos colegas, eles eram um pouco metódicos assim em relação ao conteúdo, eles seguiam bem a sequência pré determinada pelo material e assim muitas vezes a gente tinha algumas dificuldades de priorizar aquilo que ia ser ou não importante dentro da formação do aluno e isso também acontecia no livro didático né onde alguns professores eles seguiam o livro e cada professor dentro do seu ritmo até onde ele acha que deu tempo de chegar. Com as apostilas, isso tinha um fator positivo no sistema apostilado que a gente sabia que ele tinha que dar conta né que ele tinha que ensinar todo aquele conteúdo e já no livro didático tinha alguns que iam priorizando alguns conteúdos, mas não com uma visão de um todo de toda a sua disciplina. (Agosto de 2011 – grifo nosso).
3.1.4 Narrativa da Professora de Língua Portuguesa
Eu sou professora de língua portuguesa da rede municipal de ensino e trabalho com o 7° e 8° anos em uma escola municipal localizada na periferia da cidade. Também sou pós-graduada em Psicopedagogia. Bem, já anteriormente a decisão do sistema apostilado eu já percebia a necessidade de mudanças e reformas que deveriam acontecer no município. Sempre trabalhei com métodos apostilados. Na nossa escola, os professores já vinham discutindo sobre a necessidade de haver uma mudança. As discussões geraram algumas polêmicas sobre os conteúdos das apostilas, quer dizer se elas realmente viriam a satisfazer as necessidades de nossos alunos. Por exemplo, as aulas de geografia com os relevos, rios e vegetação da
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região em que vivemos. Realmente, a nossa preocupação era se isso viria a ser contemplado e depois fomos ver que não. Aí a gente viu que no começo da implantação foram feitas reuniões com os pais para mostrar as facilidades e vantagens do novo método que iria revolucionar a educação do município e a gente foi acompanhando, aliás, quem quisesse. Na época aconteceram debates na emissora da rádio local. Muitos pais reagiram contra o pagamento das mesmas que, posteriormente através do poder público assumiu o pagamento delas. A implantação do sistema apostilado teve uma repercussão muito boa, pois a partir daquele momento nossos alunos começaram a levar as apostilas para casa, podiam fazer as suas tarefas e os pais acompanhavam o aprendizado dos seus filhos. Na minha área eu percebo que a apostila veio realmente revolucionar o ensino público. A apostila era de qualidade, fazia com que o aluno refletisse, pesquisasse. Os textos e os conteúdos que vinham ao encontro de nossos alunos fazendo-os viajar (entre aspas) por lugares desconhecidos. Gostava da sequência como eram colocadas as atividades. A gente tinha um texto, o vocabulário, a interpretação e a gramática, era muito bom. Também o interessante era que todos os encontros em que participei, os professores manifestaram suas opiniões que eram levadas para os responsáveis em Curitiba, então a gente tinha um espaço para opinar sobre o material. Veja bem Eloísa, o sistema apostilado aconteceu diante de uma revolução tecnológica, hoje o homem continua andando com a máquina e não poderia ter sido diferente, o aluno caminhava com a apostila. Não poderíamos de forma retroceder ao livro didático, aonde o mesmo permanecia na escola, sem que o aluno pudesse escrever nele; isso é um absurdo. Sem dúvida, as apostilas foram um salto muito grande para a educação, onde nossos alunos tinham as mesmas condições de estudo como qualquer outra instituição particular, bastava o aluno querer (entre aspas) e ele aprendia. Via também que a gente como professora precisava complementar as atividades com outros livros que serviam de apoio, claro, como é o próprio livro didático ou mesmo a internet e outras pesquisas que a gente fazia. Eu continuo dizendo que o sistema apostilado, desde lá atrás vem trazendo benefícios a nossa educação, mas também eu ficava muito triste quando uma parcela de nossa clientela de alunos que não a valorizavam. (Agosto e Setembro de 2012 – grifo nosso).
3.1.5 Narrativa da Professora de Ciências
Bem, eu sou professora de ciências e além de trabalhar com os anos finais, também trabalho com a Educação de Jovens e Adultos e gosto muito dessa área. Assim, num primeiro momento eu posso te dizer que quando eu recebi a apostila achei bastante interessante pois eu achava que facilitaria o aluno ter o material disponível pois nem sempre a escola tinha o livro didático e isso era um problema e dificultava a realização de algumas atividades, bem como a complementação de estudo em casa. Mas também, vou ser bem sincera com você; depois que fui manuseando fui encontrando alguns impedimentos, por exemplo, os conteúdos que trazia eram bem resumidos, algumas atividades que não era possível realizar devido a nossa realidade escolar, então vou confessar eu sempre complementava, eu não me prendia só a ela não. Em relação aos conteúdos, a apostila seguia muito os livros didáticos, porém eu achava que tinha que rever esses conteúdos, eles por vezes eram tão estranhos, parecia que não havia uma distribuição certa, por exemplo, tinha conteúdos no 6° e 8° ano que precisava de mais informação e que na verdade ele só terá amadurecimento lá no 9° ano, então eu via uma lacuna. Ta, vou explicar melhor (pausa), assim, quando trabalhava água no 6° ano a gente sempre fala de uma fórmula química da água, separação de minerais e outros, porém o aluno não sabia o que era fórmula química no 6° ano entende, isso ele só iria ver lá no 9° ano; ele iria ter lá mais amadurecimento porque outros conteúdos do 6° ano preparariam ele, mas não era o que a gente via, por isso eu às vezes invertia, mas isso porque eu iria pegar
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esse ano lá na frente e se não pegasse falava pra minha colega que não tinha trabalhado por isso e por isso e por aquilo. Pois é na apostila sempre vinha sugestões de metodologia para se trabalhar cada conteúdo que auxiliava bastante a gente na hora de fazer um planejamento de aula, mas não pra seguir a risca, eu sempre fiz adaptações, tinha uns conteúdos muito fora, aí eu decidia o que era melhor. Eu também utilizava algumas avaliações do portal educacional, na área do professor e que era disponibilizado pelo sistema de ensino, mas, mesmo assim, eu modificava sempre quando eu achava que isso era preciso fazer, afinal, eu tenho conhecimento sobre a disciplina, estudei pra isso e continuo me preparando. Os pais era complicado sabe, alguns poucos até acompanhavam e vinha conversar com a gente sobre o cumprimento, porém muitos não participavam da vida escolar muito menos do material didático, a maioria deles nem observava se tinha tarefa ou não, é aquela coisa, eles não acompanhavam, mas quando cobravam eu argumentava que sabia o que estava trabalhando e eles no fim acabavam entendo, sem maiores problemas. Com certeza se não tivesse o sistema apostilado eu construiria um material e vou te dizer como faria. Em primeiro lugar, eu estaria direcionando os conteúdos para a idade e série fazendo uma ligação de conteúdos, independentemente se no 8° ano só se estuda o corpo humano e no 9° ano a química e a física, por exemplo, eu trabalharia alimentos orgânicos e inorgânicos e tem que se trabalhar a parte química também e não deixar só pro 9° ano, pois isso dificulta o entendimento do aluno. Então vou de novo confirmar, o sistema apostilado favorecia sim nas aulas, porém eu não me prendia só nelas, sempre procurava acrescentar atividades extras, metodologias diferentes das sugeridas na apostilas e procurava adaptar muito na realidade da comunidade, porque eu conhecia eles e as suas necessidades, por exemplo, quando implantaram as apostilas, tinha um problema sério lá de dengue e a apostila não trazia esse assunto, até porque como ela é do sul, lá eles não tem tanto esse problema. Então eu larguei ela e fiz um projeto no bairro e as crianças me ajudaram, foi muito bom e valeu muito porque mudou os hábitos deles e dos pais. Eu fiz em parceria com a saúde, vou te contar, foi um grande e orgulhoso projeto meu.
3.1.6 Narrativa da Professora de Língua Inglesa
Bem, eu acredito que todo o material que venha a contribuir com a aprendizagem do aluno é sempre bem vindo, com as apostilas eu via que não era diferente, com certeza veio a contribuir, até porque a gente sempre sofria em sala de aula com relação ao livro didático, faltava, os alunos rasgavam, não podiam marcar e acabavam sempre riscando e isso gera um desconforto enorme para o professor que também fica sem alternativas. Assim, quando a gente ficou conhecendo o material, era praticamente às vésperas de ir pra sala de aula e isso também foi ruim porque você precisava de mais tempo pra conhecer, mas tudo bem, a gente foi se adaptando aos conteúdos e também, ali estava tudo pronto e escrito mesmo. Eu nessa minha jornada profissional fiz bastante cursos na área de inglês, porque eu acredito que o aluno tem que gostar dessa outra língua e se identificar com ela para daí aprender. Então fui já para vários lugares, como São Paulo, Paraná, Minas e fora os que eu fiz pela internet que foram sempre bastante contributivos para a sala de aula. Mas daí a gente pegou a apostila e viu que ali estava tudo pronto, conteúdos, metodologias e avaliação. Pensei (pausa), e agora....eu também conheço sobre a língua (até quero viajar para o exterior), sempre busquei outras alternativas de prática em sala, aí voltando, pensei, como que eu posso achar uma brecha (entre aspas) pra escapar de tudo isso aqui tão pronto e também aplicar aquilo que eu sei e ainda apesar de anos no município, eu sempre segui as determinações, tinha medo de ser repreendida se não cumprisse exatamente com tudo aquilo. Mas aí num desses cursos que eles davam, até perguntei para o formador se eu podia continuar desenvolvendo meus projetos e ele me disse que sim, que eu poderia, por exemplo,
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integrar os meus projetos com os conteúdos da apostila. Mas aí, nem todos os projetos eu conseguia adequar, por exemplo, eu trabalhava em uma escola municipal do centro e outra da periferia. Os alunos do centro tinham uma cultura diferente daqueles da periferia e os da periferia também tinham sua cultura, sua forma de ver o mundo. Antes da apostila o que eu fazia. Sempre chegava em sala no começo do ano e perguntava pra eles “quando vocês escutam essa palavra inglês, o que vocês pensam”, era interessante, os do centro pensavam em viajar, falavam até em intercâmbio, principalmente os do 9° ano e os da periferia falavam em comidas, roupas, eletrônicos, curiosidades como era a vida desses adolescente de outros países. Aí eu escrevia tudo isso e começava a planejar, não destacando as diferenças de um e outro, mas que acesso eles poderiam ter a toda curiosidade deles. Pois é, então no mês de janeiro de 2010 eu fui participar de um curso que só falava em inglês, eu também precisava testar meus conhecimentos e lá conheci uma americana, também professora que participava do grupo que veio ministrar esse curso. Conversa vai, conversa vem, fizemos uma boa dupla e ela me perguntava sobre a escola e eu descobri dela que ela também trabalhava com adolescentes em uma escola do governo (como eles chamam lá); aí tivemos a ideia, vamos fazer um intercâmbio virtual, pela internet, meus alunos escrevem para os teus e os teus escrevem para os meus. Nossa, chego me arrepiar, peguei duas turmas de 9° ano e fiz a proposta, eles adoraram e começamos! Você não imagina o quanto os alunos se interessaram pelo inglês e o quanto eles aprenderam; trocavam informações sobre coisas simples, do dia a dia (namoro, amizades, família, brincadeiras, costumes), realmente até hoje eu me emociono. Por exemplo, os da periferia contavam sobre as dificuldades, até o mundo das drogas e do alcoolismo que eles enfrentavam e os de lá também diziam que tinham problemas com alcoolismo na família, drogas e perseguição aos negros, enfim, eles ficaram assim tão surpresos que os americanos também tinham esses problemas! Pra finalizar o projeto naquele ano, fizemos uma festa de natal chamada “merry christmas virtual”, com câmera e tudo; reunimos as turmas e ligamos a webcam e lá nos Estados Unidos, os alunos disseram em grupo “Feliz Natal” em português e aqui no Brasil os alunos disseram em inglês, olha, de repente a gente estava chorando de emoção! (pausa). Aí nas formações eu até dizia para o grupo Positivo o que eu fiz e que achava importante eles promoverem, mas nunca obtive resposta. Aí você vê os conteúdos, ao meu ver, são limitados, técnicos demais. Por exemplo, na apostila do 8° ano aqui, tem a unidade 4 (p.31), que fala da história do surfing, tá tudo bem, mas se a gente for crítica, o que isso interessa para o aluno! Agora se a gente fosse trabalhar, por exemplo, eu até disse num curso, sobre a nossa soja aqui produzida vai para lá e vai servir para que, que comunicação acontece com isso, é outra história. Então, primeiro eu realmente seguia, mas depois comecei a ver que eu não concordava com tudo que ali estava proposto e conversando com outros colegas que eu via que também não seguiam, comecei a escolher as atividades e inseria o meu planejamento também, aí fiquei mais tranqüila. Então me senti com liberdade para mexer em tudo e comecei a fazer isso. Pegava as apostilas Eloísa e falava com os alunos (pausa)...olha, aqui nessa do sexto ano nós vamos estudar isso e isso, mas também vou trazer outros materiais pra ajudar, como vídeos, conversas e a gente vai conversando. O pior é que sempre os alunos diziam se a gente largaria a apostila e eu afirmava que não que a gente iria ver outros materiais para ajudar e aí foi interessante...chegou um tempo que os alunos mesmos diziam (pausa) “professora que legal esse material que você traz é até mais interessante que a apostila. Aí pensei: nossa que vontade de escrever um material bacana, mas que tivesse voltado para a nossa realidade. Ah, tem mais os pais nunca reclamaram, sempre vieram dizer que os alunos gostavam do inglês e isso me fez ficar muito orgulhosa de mim. Aí com isso quero dizer que eu não era totalmente contra o material, achava interessante, mas poxa, eles poderiam ouvir mais a gente, conversar sobre o que a gente tava sentindo dentro de sala usando ele. Nas formações, até eles diziam quando a gente reclamava, não pessoal, vocês tem como sugerir, mas a gente percebia que era levado, mas nunca teve retorno sobre nada e isso era tão desrespeitoso, eu achava isso e ficava indignada, mas, tudo bem. Não sei se posso falar aqui da educação infantil, mas quero fazer essa referência. Os pequenininhos nossa, como era bom cantar com eles, ensinar de uma forma
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diferente, mas a apostila nem sempre trazia isso, era como por repetição e eu não gostava de trabalhar assim e não gosto ainda hoje. Eles precisam aprender de uma forma mais lúdica. No sexto ano, por exemplo, tem situações na língua inglesa que a gente pode fazer uma parceria com português e trabalhar as diferenças culturais, mas isso não era possível na apostila, era mais ou menos assim, cada um no seu quadrado. Algumas possibilidades foram fechadas. Sabe depois a gente foi amadurecendo e pensando com outros colegas, porque a gente não se junta e cria um material, claro que eram poucos que queriam, mas nem que fossem três, mas a gente poderia colocar ali o que a gente sabe e a gente entende das realidades e não fica recebendo tudo pronto, de cima, mas aí a maioria gostava do sistema e eu também, claro que foi bom, mas poderia ter sido melhor. Acho que a gente precisava amadurecer, sei lá, o professor precisava sair dessa acomodação de que tudo tá bom assim. Acho que é isso. (Setembro de 2012 – grifo nosso)
3.1.7 Narrativa do Professor de Educação Física
Sou professor de Educação Física e atuo em duas escolas municipais com os anos finais do ensino fundamental. Bem, vou tentar contar algumas questões importantes do sistema de ensino Aprende Brasil, ao que lembro em 2005 já. Olha, foi uma revolução na época, muitas dúvidas, muitas expectativas. A gente ia pra escola e via os professores falando e alguns estavam bastante resistentes; outros falavam que já tinham tido experiências sobre apostilas e aí as vezes a sala dos professores ficava fervendo de situações, uns contra e outros a favor. Aí eu ia pra quadra porque às vezes ficava difícil tomar um posicionamento, afinal a gente não sabia sobre o que estava falando, não tínhamos qualquer contato com o material. De repente, na quadra, a gente trabalhava com os alunos e eles também comentavam e diziam “Aí professor, a gente vai ter apostila de educação física?” e lembro que eu dizia e brincava com eles, pois é vai terminar as aulas na quadra e os alunos diziam para os pais, porque estavam acontecendo reuniões, pra eles dizerem que não queriam apostila de educação física, eu lembro que foi muito engraçado, a gente acabava se divertindo com os alunos porque eles estavam apavorados. Aí eu comecei a conversar com os colegas da área de educação física e eles também não sabiam nada, ou melhor, sabiam que iria ter uma mudança, mas não se sabia do que se tratava. De repente, um dia teve uma reunião em que fomos convidados, aconteceu lá no Ivete (escola municipal) e eu fui e lá se abriu a caixinha, enfim, apresentaram às apostilas, os conteúdos e as áreas e aí a gente viu que educação física teria uma apostila mais voltada as orientações das práticas esportivas e físicas na escola. Olha, eu particularmente achei muito interessante porque a gente viu nesse material uma possibilidade de melhoria das práticas; porque tinham exercícios, projetos e outras coisas legais. Mas aí aconteceu um fato interessante. Na primeira formação de professores veio para a escola à convocação e nós professores de educação física tínhamos que ficar com as outras áreas e até tínhamos achado bastante engraçado, mas aí eu fui e lembro que participei de língua portuguesa. Só que não tinha nada a ver, eu formado em educação física e na área de língua portuguesa, me senti muito deslocado e isso começou a me provocar um descontentamento e já não achei mais interessante a mudança, porque estava achando um desrespeito com a área (educação física), porque não tinha um formador específico. Conversando com outros colegas então, eles estavam sentindo a mesma coisa, quer dizer o mesmo descontentamento e achando um desrespeito. Aí nós tínhamos combinado que na próxima formação falaríamos nas áreas que a gente tava se sentindo deslocado porque estava participando em outra área e que cada área era cada área. Professora, deu resultado, na terceira formação tínhamos um professor com mestrado na área e ele veio com uma preparação muito boa. Trouxe uma teoria sobre o desenvolvimento, material, fizemos aula prática e daí por diante tudo melhorou e tínhamos a conquista da nosso formador, foi bom.
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Eu acabei gostando do sistema, tínhamos experiências a compartilhar e até desenvolvemos um projeto pra nós mesmos. Quanto a gente criar um currículo, sei lá, a gente às vezes se reunia e se reúne na Associação ainda falando das dificuldades dos alunos e trocamos experiências. Mas a gente criou também alguns projetos de treinamento na escola pra valorizar os alunos bons de esporte até pra preparar para os jogos. Mas assim, também se não tivesse a apostila, a gente continuaria trabalhando, talvez eu sentiria falta da formação, quero fazer mestrado e os professores que vem sempre dão dicas pra gente! Então, sem a apostila, tudo bem a gente daria um jeito. Sabe, sempre gostei de trabalhar com a comunidade, envolver pai e mãe, até trabalhei uma caminhada saudável pelo bairro, numa escola que dei aula. No final da tarde, às 5 horas (17 horas) terminava as aulas e os pais vinham buscar os filhos de tênis, aproveitavam e caminhavam e as crianças diziam que os pais até tinham parado de ir tanto no “boteco” (risos) e depois fizemos um time de futebol, campeonato, foi bacana! Então a apostila ajuda, mas a gente tem que continuar inventando, ela não tem atividades escritas para os alunos. As vezes eu vejo os outros colegas reclamando, a gente é mais livre pra decidir, sei lá, acho que tinha que discutir de novo isso, se essa mudança foi boa uns dizem que sim e outros dizem que não, mas isso a Secretaria tem que ver, porque da outra vez foi a outra Secretaria que decidiu. (Outubro de 2011 – grifo nosso)
3.1.8 Narrativa da Professora de Artes
Olha, tenho até medo em lembrar de algumas coisas com relação a apostila. Primeiro quero afirmar, eu era e sou totalmente contra! Quando fiquei sabendo que ia ter uma mudança, fiquei indignada e eu era daquelas professoras “chatas” mesmo; queria saber e perguntava lá na escola pra diretora; que negócio é esse de mudança e porque; a Secretaria acha que a gente não tá dando conta? E aí ficava às vezes sozinha falando e me tachavam que eu tava entrando numa discussão política, que eu era de outro grupo e etc, etc, não gosto de lembrar, por fim, acabei me acalmando. Em primeiro lugar, nunca fui de grupo nenhum, mas a política manda e desmanda nessa cidade, não é fácil, mas tudo bem eu já vou voltar a falar das apostilas (rsss). Meus filhos estudaram com sistema apostilado e eles também não gostavam, diziam que o professor só repetia o que estava ali, nunca traziam coisas diferentes e eu me colocava no lugar deles e eu pensava de como agiria se tivesse que dar aula assim, com tudo já determinado, não me sentia a vontade. De repente Eloísa, nós com sistema apostilado, fiquei assim, desnorteada sabe, decepcionada pelo desrespeito ao nosso trabalho, poxa vida, sempre fui dedicada, pelo menos eu me considero assim. Fiz cursos, adoro as artes, pinto e bordo (risos), amo trabalhar com diferentes culturas, adoro a sala de aula, me encontro lá, é o que eu sei mais fazer, dar aula! Marcaram uma reunião no Ivete pra mostrar pra gente o material e de novo fiquei assim, de repente, se ação. É como se viesse alguém e te entregasse um pacote e diz assim: vai lá, faz o que eu escrevi, nem pensar, não aceito. Tanto que na única formação que vim, discuti com a professora, dizendo que eu não concordava com isso e não apareci mais. Mas aí, na escola, a coordenadora dizia que eu tinha que trabalhar senão os pais, os colegas e a Secretaria iriam cobrar e eu ouvi tanto, nossa! E o pior, era que trabalhava como contratada e eu precisava trabalhar. Fiz assim, olhei o pacote inteirinho e comecei a resumir pra passar para os alunos e integrei o meu planejamento, demorei, mas me achei. Os pais nunca me cobraram, eles me conheciam e sempre confiaram no meu trabalho. Daí né, eu estudando o material, sobre manifestações culturais, mas sempre adaptando ao meu planejamento, numa das apostilas do 8° ano, chego na página 13 e
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encontro uma foto que fala sobre o Siriri e o Cururu25 como uma expressão cultural da dança matogrossense; aí não acreditei naquilo que estava lendo, pensei, não, não pode ser, aqui está escrito Siriri e Caruru, nossa.. pensei! Que desastre cultural!. Peguei a apostila e levei até a coordenação e disse: olha aqui eles nem pesquisam nossa cultura de verdade, isso daqui ta errado e não vou ensinar dessa forma; mas aí começava toda aquela história, fulana26 faz um registro por escrito e encaminha para o sistema, mas daí pensei, vai ser todo um desgaste e não vou fazer, mesmo assim, disse aos alunos que estava errado e corrigir com eles, inclusive trazendo pesquisas sobre essa tão importante manifestação cultural do Mato Grosso. Então, essas apostilas não trazem uma seriedade com relação as características de cada lugar, respeitando sua cultura e isso eu acho bastante comprometedor, por isso minha insistência era em pensarmos sobre isso, mas a parceria era pouca, não valia a pena brigar sozinha. Eu me frustrava às vezes em sala de aula, vendo os alunos responderem as atividades, aquilo tudo parecia tão técnico, tão frio e a arte não é isso, ela tem que mexer com a sensibilidade do aluno, ele tem que manifestar sua cultura através da
25 O Cururu e o Siriri são duas manifestações culturais das regiões pantaneiras do Mato Grosso do Sul e do Mato Grosso, sendo este último o maior detentor da maior quantidade de ativistas desta manifestação tradicional de cântigo e dança. Hereditário, o Cururu e Siriri, ainda de predominância familiar, é um misto de elementos africanos, europeus (Espanha e Portugal) e indígenas que ecoam a religiosidade e a brincadeira. O Cururu, ainda majoritariamente por homens, apresenta-se na forma de cantoria entoando desafio ou celebração de louvores ao Santo. Forma-se uma roda ao toque da viola de cocho -
instrumento carro-chefe da manifestação cultural. Após o louvor ao Santo, são homenageados o rei e a rainha que adentram ao círculo munidos de aguardente, oferecendo a todos que ali se encontram. O cururueiro que toma um trago de aguardente, imediatamente canta para outro que então tomará e em seguida entoará canto para um outro e assim por diante. Os cantos são versados de sentimentos sobre diversificados assuntos, não podendo faltar entre eles o amor, a zombaria e muitos outros que caracterizam o canto e a inspiração destes cururueiros que devotam a sua vida na manifestação. A dança cururu é ritmada por passos fortes, circulares, pulos e batidas de mão que fazem a marcação juntamente com os instrumentos. A sincronia entre os elementos homem-objeto-dança manifestam-se fortemente durante a apresentação que é um espetáculo de sentimento e fidelidade. Cururu, é um nome provavelmente originado de deturpação da palavra "Cruz". Segundo alguns estudiosos do assunto, a repetição da última sílaba pelos indígenas foi o elo da formação da palavra "Cururu". Trazida pelos colonizadores, a dança teve a finalidade de catequização dos Índios sendo este o motivo histórico da apresentação da dança diante da Cruz e do Altar. As celebrações cururueiras são realizadas principalmente entre os meses de Junho a Agosto, período de festejos juninos e são organizados pela irmandade que antigamente realizavam as festas com as próprias mãos. Segundo relata os festeiros mais velhos, estes afirmam que se organizavam ao longo do ano, reservando tudo aquilo que era de necessidade para a realização do festejo. Atualmente, os cururueiros contam com a colaboração de autoridades e secretarias que incentivam o festival de "Cururu e Siriri.” Diferente do Cururu que predominantemente é uma roda de homens, o Siriri é uma dança de pares,- casais e um gênero musical que é guiado além da viola de cocho, o ganzá e o tamboril, conhecido também por mocho. Dançado principalmente por mulheres, em festas católicas, carnavais e em festivais durante o ano todo, o Siriri é uma dança marcada por compasso de estilo de canto responsorial, de textos e estrofes solo, curtos e leves que expressam menos conhecimento religioso que no Cururu. Enquanto no Cururu se entoa a Santos, brincadeiras e zombarias, no Siriri, predomina-se o cântico temal de pássaros e outros animais, mulheres. A dança que é de roda, transforma-se também em dança de fila, sendo uma de homens e outra de mulheres. O Siriri surgiu diferentemente do Cururu. De dança de terreiro, o Siriri é uma apresentação de "segundo plano", tendo menos importância que o Cururu, porém, a sua força nos festejos e festivais, vêm demonstrando que o Siriri é de grande valia, mesmo praticado em terreiros. Em sua essência, o Siriri era o momento exato para flertes entre rapazes e moças devido à severidade da educação nos meados de 1900. O uso de uniformes nas apresentações dos grupos, é uma mudança de comportamento,pois, em seu início, os festeiros usavam a sua melhor roupa para ir festar e atualmente com a frequência de exposições, o uso do uniforme possibilita não somente a identificação do grupo mas também harmonização entre a dança e a comunicação. Com a crescente exposição, o Siriri tem se portado também conciliador cultural nas escolas públicas, seus passos e cânticos são ensinados e assim novos grupos são formados. (www.cultura.mt.gov.br) 26 A professora citou seu próprio nome na gravação ao qual intencionamos, desde o início da pesquisa, não revelar e sim, manter o nosso compromisso ético frente aos participantes.
111
arte. Sorriso mesmo, tem arte a céu aberto; o aluno precisa saber que ali tem cultura, gaúcha, nordestina, que é por causa dessa mistura daqui de cultura que tem isso e, no entanto a gente via aquilo frio lá na apostila, as vezes sem sentido, daí eu largava, eu trabalhava tela, pintura, dança. Outra coisa, o portal educacional, nenhum museu virtual pra gente visitar, conhecer obras, só pesquisa, escrita. Tudo bem, arte também é história, mas não é só isso tem muito mais, têm sentidos, formas, cores e o aluno precisa ser mexido com isso, pra mexer nele como pessoa. Então a gente também acaba desestimulando, ta certo é um recurso, mas que recurso é esse que tem até avaliação pronta, que eu saiba recurso eu uso se eu quero, é como uma tela, eu crio ela, eu invento ela e uso as cores que eu quero como recurso pra deixar ela bonita; mas com a apostila é uma obrigação entende, tem que repensar isso. Vocês da Secretaria continuaram, quando deveriam ter retirado, deixado a gente mais livre pra trabalhar; sei que tem questões políticas, mas, gente, é educação e educação a gente tem que levar com seriedade. Tá certo, alguns professores iriam ficar bravos, mas tudo passa, eu também depois amadureci e deixei de lado algumas discussões. Fazer o que, a gente como professor na maioria das vezes não tem o poder de decisão sobre os rumos da educação, mas, tem uma coisa, na minha sala de aula quem tem o rumo sou eu. É isso! (Fevereiro de 2012 – grifo nosso)
3.2 A Reinterpretação Curricular no Contexto da Prática
As Narrativas realizadas pelos professores nos oferecem inúmeras e importantes
possibilidades de análise, principalmente, a partir de uma perspectiva sociológica quando
percebemos que estão acontecendo modificações na organização escolar e no processo de
trabalho docente, provocadas por políticas educacionais e curriculares neoliberais nos últimos
anos.
Sabemos, portanto, que temos vivido momentos decisivos de reformulação do
sistema educacional combinados com processos de reestruturação da própria sociedade,
ambos fortemente influenciados pela globalização e a imposição do mercado, através do
fortalecimento de discussões econômicas, cujo fim é somente os resultados positivos
alcançados e que geram benefícios às sociedades.
O caso em questão traz concepções aonde esses processos de reformas educativas
curriculares e a implantação de novas políticas para a organização do sistema educacional
vêm trazendo inúmeras modificações para o trabalho e identidade docente com o intuito de
provocar um maior controle sobre o trabalho pedagógico e, consequentemente, com relação à
autonomia do professor, no que diz respeito ao seu fazer e ao seu pensar. Por isso “esses
controles sofrem efeitos sobre o trabalho docente e tem repercussão direta sobre as práticas
curriculares, o que os torna inseparável da ação docente e o próprio currículo.” (HYPOLITO,
2009:102).
O fato é que percebemos o quanto a educação está cada vez mais sujeita aos
processos de mercantilização e privatização, sendo uma das principais características da
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política de educação global no século XXI e essa tendência vem sendo crescente, sob
diferentes formas e iniciativas.
A expansão rápida e massiva da participação do setor privado na educação pública é certamente impulsionada pelos dois lados da relação de troca, o da oferta e o da demanda. A privatização é atrativa para governos e agências multilaterais como ‘soluções’ para o ‘problema’ da reforma do setor público (com a promessa de aumento da produtividade, introdução de inovações e redução de custos) e é uma nova (e relativamente segura) oportunidade de lucro para o capital (grande e pequeno), particularmente em um momento em que outras áreas de atividade comercial estão em recessão. O mercado dos serviços públicos envolvem gastos enormes e os governos são geralmente bons pagadores. A incursão de fornecedores privados na educação é evidente em diferentes setores e atravessa todos os aspectos da avaliação, currículo, pedagogia e organização. Ao mesmo tempo em que a educação pública está sendo ‘marketizada’ de dentro para fora, ela tem se tornado cada vez mais sujeita à privatização vinda de fora – a ‘terceirização’ de serviços para fornecedores privados. (BALL, 2011:486).
De forma geral, apesar de algumas Narrativas dos Professores, terem demonstrado
que são favoráveis ao uso das apostilas nas práticas pedagógicas, outras enfatizam fortemente
que a adesão às apostilas, o Sistema Público Municipal de Ensino deveria aprender a ser
diferente, aprender lições com base nos métodos e valores do Sistema Privado de Ensino e aos
poucos ir se reformando até alcançar esses índices de “qualidade” que os mesmos pregam à
sociedade. Mas, por outro lado, percebemos também, que o Sistema Público teria que
aprender as “duras lições” ensinadas pelas disciplinas do mercado. Pensamos que isso pode
ser considerado como uma incorporação de novas sensibilidades e valores e novas formas de
relações sociais, ou seja, o Sistema Privado é o modelo a ser emulado e o Setor Público deve
ser “empreendedorizado” à sua imagem. Essa prática evidencia um Currículo Neoliberal que
“(...) consiste em um conjunto de tecnologias morais que operam sobre, dentre e através das
instituições e profissionais que atuam no Sistema Público e acabam por se interrelacionando
de forma complexa. (BALL, 2001:486)”.
A partir de então, podemos pensar sobre o foco da Performatividade (BALL, 2005).
A Performatividade é um termo que percebemos vem, cada vez mais sendo utilizado quando
da análise e elaboração de políticas, porque se trata de um termo que consolida a gestão de
desempenho nas subjetividades dos indivíduos. Na verdade a Performatividade nos convida e
nos incita a nos tornarmos mais efetivos, a trabalharmos em relação a nós mesmos para
melhorarmos e a nos sentirmos culpados ou inadequados quando não o fazemos, ou seja,
aparecem eficazmente os termos de aperfeiçoamento e efetividade e mensurados por medidas
de qualidade e produtividade.
113
No caso da decisão de governo, em 2005, sobre a contratação do grupo Positivo,
através de apostilas, a intenção inicial era como já mencionamos, em adquirir computadores e
fim de equipar as escolas municipais com tecnologia, ou seja, adquirindo as apostilas, além de
tornar os professores e os alunos mais efetivos e produtivos, também haveria um ganho
tecnológico. Porém, o discurso usado para os pais foi que com a implantação das apostilas, o
ensino seria de melhor qualidade e para com os professores, que os alunos que migrassem de
um bairro para outro, teriam o mesmo material em sala de aula, sendo que facilitaria também
o trabalho do professor em virtude que os alunos poderiam manusear o mesmo.
Nessas discussões que foram realizadas no ano de 2005 com os pais, percebemos a
ausência dos professores. Porém, interessante é de que algumas Narrativas apontam que
mesmo nessa ausência de opiniões dos professores junto ao governo municipal, os mesmos
em nenhum momento deixaram de manifestar a sua opinião. As escolas ao que percebemos,
se tornaram nichos de discussão, discordância, concordância, ou seja, esses discursos
circulavam de forma oculta e não foram considerados pelo governo municipal. Os professores
manifestaram a sua opinião e estabeleceram reflexões importantes compartilhadas com os
colegas de trabalho.
Quando fiquei sabendo que ia ter uma mudança, fiquei indignada e eu era daquelas professoras “chatas” mesmo; queria saber e perguntava lá na escola pra diretora; que negócio é esse de mudança e porque; a Secretaria acha que a gente não tá dando conta? (Professora de Artes). Olha, foi uma revolução na época, muitas dúvidas, muitas expectativas. A gente ia pra escola e via os professores falando e alguns estavam bastante resistentes; outros falavam que já tinham tido experiências sobre apostilas e aí as vezes a sala dos professores ficava fervendo de situações, uns contra e outros a favor. Aí eu ia pra quadra porque às vezes ficava difícil tomar um posicionamento, afinal a gente não sabia sobre o que estava falando, não tínhamos qualquer contato com o material. (...) Aí eu comecei a conversar com os colegas da área de educação física e eles também não sabiam nada, ou melhor, sabiam que iria ter uma mudança, mas não se sabia do que se tratava. (Professor de Educação Física) E vou te dizer mais, na época, lá em 2005, eu não participei da implantação das apostilas, somente fui mais um professor a utilizar a apostila; eu nunca fui convidado pra participar de qualquer discussão, nada disso. Só fui apresentado a apostila, quando fui trabalhar com ela. (Professor de Matemática) A Secretaria de Educação, direcionada pela professora Marisa, resolveu implantar o sistema apostilado. Iniciaram-se as discussões com a comunidade, mas envolveu, principalmente a Associação de Pais e Mestres, porque a grande maioria dos professores, inclusive eu, se posicionavam contrários a implantação do método apostilado. (Professora de História). Bem, já anteriormente a decisão do sistema apostilado eu já percebia a necessidade de mudanças e reformas que deveriam acontecer no município. Sempre trabalhei com métodos apostilados. Na nossa escola, os professores já vinham discutindo sobre a necessidade de haver uma mudança. As discussões geraram algumas
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polêmicas sobre os conteúdos das apostilas, quer dizer se elas realmente viriam a satisfazer as necessidades de nossos alunos. (Professora de Língua Portuguesa).
Aqui há de se considerar que os professores do Sistema Público Municipal não foram
totalmente passivos ao processo de discussão sobre as mudanças que estavam sendo
articuladas pelo governo municipal, ao contrário, houve por parte de alguns deles o
envolvimento nessas discussões, gerando inclusive conflitos e diferentes opiniões sobre a
necessidade da mudança. Essas opiniões vieram por causar em alguns professores diferentes
reações, seja pelo fato de uma expectativa que viesse a colaborar com as práticas pedagógicas,
como manifestando certo desconforto, através da reflexão sobre o seu próprio trabalho que
talvez não estaria sendo valorizado pelo governo municipal.
Assim, se a Performatividade “é um método de regulamentação que emprega
julgamentos, comparações e demonstrações como meio de controle, atrito e mudança”
(BALL, 2005:543), os professores percebendo a possibilidade de uma mudança ou mesmo
reforma na educação municipal, também começaram a refletir sobre como eram vistas as suas
práticas pedagógicas pelo governo municipal, isto é, a adesão ao sistema apostilado poderia
significar que essas práticas não estavam trazendo resultados qualitativos e que o controle
dessas práticas, através do uso das apostilas poderia possibilitar melhor produtividade no
ensino.
Com relação aos encaminhamentos do governo municipal que antecederam a
implantação das apostilas, percebemos uma prática voltada ao Gerencialismo, “que representa
a inserção, no setor público, de uma nova forma de poder” (BALL, 2005: 544) e,
“funcionando como um instrumento para criar uma cultura empresarial competitiva”
(BERNSTEIN, 1996:75). Esse Gerencialismo desempenha o importante papel de destruir os
sistemas éticos-profissionais que prevaleciam nas escolas, provocando sua substituição por
sistemas empresariais competitivos. Essa substituição certamente provoca um desconforto e
um atrito constante ao invés de promover a melhoria das relações de trabalho e
consequentemente, o fortalecimento das práticas pedagógicas dos professores.
3.2.1 O Currículo apresentado aos Professores
Anteriormente situamos através da análise documental, uma reunião que aconteceu
na Escola Municipal Ivete Lourdes Arenhardt no dia 31 de outubro de 2005, aonde o material
apostilado foi apresentado e entregue aos professores, ou seja, começa aí a implantação do
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Sistema Privado de Ensino no Sistema Público Municipal de Ensino pelo governo municipal.
As Narrativas mostram novamente, reações adversas frente a essa implantação
De repente, um dia teve uma reunião em que fomos convidados, aconteceu lá no Ivete (escola municipal) e eu fui e lá se abriu a caixinha, enfim, apresentaram às apostilas, os conteúdos e as áreas e aí a gente viu que educação física teria uma apostila mais voltada às orientações das práticas esportivas e físicas na escola. (Professor de Educação Física). A implantação do sistema apostilado teve uma repercussão muito boa, pois a partir daquele momento nossos alunos começaram a levar as apostilas para casa, podiam fazer as suas tarefas e os pais acompanhavam o aprendizado dos seus filhos. (Professora de Língua Portuguesa). Assim, quando a gente ficou conhecendo o material, era praticamente às vésperas de ir pra sala de aula e isso também foi ruim porque você precisava de mais tempo pra conhecer, mas tudo bem, a gente foi se adaptando aos conteúdos e também, ali estava tudo pronto e escrito mesmo. (Professora de Inglês) Assim, num primeiro momento eu posso te dizer que quando eu recebi a apostila achei bastante interessante pois eu achava que facilitaria o aluno ter o material disponível pois nem sempre a escola tinha o livro didático e isso era um problema e dificultava a realização de algumas atividades, bem como a complementação de estudo em casa. (Professora de Ciências) Marcaram uma reunião no Ivete pra mostrar pra gente o material e de novo fiquei assim, de repente, se ação. É como se viesse alguém e te entregasse um pacote e diz assim: vai lá, faz o que eu escrevi (...). (Professora de Artes) Quando recebemos a apostila foi de curiosidade, nós não tínhamos ainda tido acesso a esse material. (Professora de História)
Podemos observar que as opiniões se divergem, porém, todas as Narrativas apontam
que os professores àquele momento estavam percebendo que a mudança era de fato
implementada e um currículo prescrito, apresentado aos professores. O grupo Positivo
juntamente com o governo municipal encarregou-se de reunir os professores e entregar o
material apostilado aos mesmos, estabelecendo a mudança das práticas pedagógicas que de
autônomas, passam a ser controladas pelo Sistema Privado de Ensino. As reações adversas
desses professores enquanto sujeitos da pesquisa, talvez represente a de tantos outros que
naquele momento concordaram ou mesmo manifestaram-se contrários a essa decisão, mesmo
assim, esse currículo prescrito entregue aos professores no mês de outubro, dava início a
novos rumos da prática pedagógica.
A receptividade das apostilas resultou em diferentes reações aos professores, porém
todos manifestaram a sua opinião que, novamente, àquele momento, ficaram ocultas.
Primeiramente, era preciso considerar que o currículo prescrito começava a fazer parte das
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práticas pedagógicas dos professores e, com isso, por parte deles não havia possibilidade em
recuar dessa decisão. O governo municipal já havia realizado reuniões com todos os pais que
por fim, também acabaram aceitando as apostilas para os seus filhos. Por isso, poucas reações
ou mesmo manifestações aconteceram nessa reunião da escola municipal. Percebemos assim
que a preocupação principal demonstrada pelos professores, era em conhecer o material.
Porém, consideramos novamente, através das Narrativas, que esses mesmos professores
começaram a criar expectativas em torno das apostilas; conhecê-las de fato não como sujeitos
passivos, mas sim, com um olhar de possibilidade e inserção do seu próprio conhecimento.
As Narrativas consideram que os professores, mesmo diante de um currículo
prescrito, não abandonaram as suas práticas anteriores, tanto que ao manusear o material,
começaram por identificar nas apostilas, o que elas vinham a contribuir com um planejamento
que já existia, como também, um conhecimento já instituído e adquirido na sua formação
específica. Nesse sentido, as apostilas foram recebidas pelos professores, como um recurso ao
planejamento e as próprias práticas. É só com o passar do tempo que eles se dão conta que as
apostilas apresentam uma estrutura prescrita e que poucas interferências cabem ao professor,
durante o período de aula, porque era preciso utilizá-la todos os dias, durante um bimestre;
havia uma estrutura lógica a ser seguida e cumprida.
Neste sentido, parece ficar claro que os processos de reestruturação educacional propostos pelas políticas neoliberais têm um impacto sobre o trabalho docente. Com efeito, é preciso debater o impacto dessas políticas de reestruturação educativas sobre o trabalho docente, analisando o processo de trabalho, investigando suas condições de trabalho e, em especial, os processos de intensificação do trabalho (HYPOLITO, 2009:104).
Com isso, para muitos professores, esse direcionamento do trabalho pedagógico,
através do sistema apostilado, pode consideravelmente modificar a forma como eles
vivenciam o seu trabalho e as satisfações que obtém dele; pode haver uma distorção sobre o
propósito moral e de responsabilidade para com os alunos, porque a prática passa a ser vista
como inautêntica e alienante. Porém, evitá-las ou mesmos não aceitá-las pode significar
despontar a nós mesmos, podendo os outros interpretar que não temos capacidade em
trabalhar com esse material prescritivo, ou mesmo partir para um conflito com a instituição
que já decidiu pela aceitação.
Quanto a aceitação dos demais professores que consideram importante essa
mudança, o fato é que os sistemas performativos nos oferecem a possibilidade de sermos
melhores do que éramos e, principalmente, melhores do que os outros ou comparados aos
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outros que são pertencentes ao Sistema Privado de Ensino, quando, enquanto Sistema Público
de Ensino nossa característica tem sido marcada pela ineficiência. Por isso “a linguagem e as
práticas de gerencialismo neoliberal são sedutoras. Elas estabelecem a base para novos tipos
de sucesso e reconhecimento” (DAVIES, 2005:08). De fato, a performatividade opera melhor
quando conseguimos querer para nós mesmos aquilo que querem de nós, ou seja, resultados
eficazes. Esses resultados estão sintonizados, de certa forma, em transformar o indivíduo em
uma empresa, uma unidade produtiva, operando em um mercado de desempenhos,
comprometida com a acirrada busca por relevância definida pelo mercado, com isso,
passamos a ser eficientes e reconhecidos. Essas características são típicas em um sujeito
neoliberal; ele torna-se mais maleável do que comprometido, passa a reconhecer o
conhecimento mais do outro (empresa) do que o seu próprio (professor) e, assim também
flexível às mudanças, aceita o que o outro lhe oferece e acha isso eficaz.
No caso das Narrativas, os professores criaram expectativas frente ao material
apostilado, tinham de fato uma curiosidade em conhecê-lo, mas também, tinham uma
necessidade em emitir uma opinião sobre ele. Houve por parte dos professores, nessas
expectativas e melhoria de suas práticas pedagógicas. Os registros demonstram que os
mesmos sempre estiveram abertos as novas possibilidades, desde que participantes desse
processo. O fato, é que as Reformas na educação, acontecem sempre nos bastidores e à
margem da participação dos professores, não há o envolvimento e a preocupação dos
governos em ouvi-los para então, estabelecer Diretrizes. O mal estar instituído no Sistema
Público Municipal de Ensino é visível nas manifestações dos professores; o que antecedeu a
implantação do sistema apostilado novamente vem a provar que as decisões em educação
reduzem-se aos gabinetes e não às salas de aula. Os professores, nesse sentido, tornam-se
simplesmente os implementadores das propostas que talvez não tenham os resultados
esperados, devido às insatisfações em não participar dos processos decisórios.
Pontualmente, o professor de Educação Física usa a metáfora do “se abriu a
caixinha”, ou seja, revelou-se o que estava guardado, fechado e oculto ao conhecimento dos
professores. A professora de Língua Portuguesa, primeiramente reagiu demonstrando que o
sistema apostilado traria ganhos aos alunos, principalmente, porque eles levariam para casa o
material, trazendo como sinônimo de qualidade do ensino, o fato do aluno poder manusear as
apostilas, ou seja, muitas vezes certas limitações dos próprios professores que encaram como
qualidade somente o acesso ao material, contribuem com processos decisórios externos às
escolas, é preciso incorporar às discussões o verdadeiro sentido e significado de qualidade do
ensino. A professora de Inglês, primeiramente teve uma reação de expectativa em torno do
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material, preocupou-se com o tempo em conhecê-lo e levá-lo à sala de aula. Ao mesmo tempo
também percebemos que a expectativa deu lugar à decepção quando vê que “ali estava tudo
pronto e escrito mesmo”, restava somente a possibilidade de aplicação desses conhecimentos.
Essa reação também foi da professora de Artes, quando diz “É como se viesse alguém e te
entregasse um pacote e diz assim: vai lá, faz o que eu escrevi”, determinando assim a sua
reflexão em torno da inexistência de autoria, de autonomia frente a sua prática pedagógica,
como se o conhecimento pertencente ao Outro tem mais valor do que aquele produzido,
planejado e mediado pelo próprio professor que, inclusive, conhece a realidade dos alunos.
É imperativo examinar as forças ideológicas e materiais que têm contribuído para o que podemos chamar de proletarização do trabalho docente, isto é, a tendência de reduzir os professores ao status técnico especializado dentro da burocracia escolar, cuja função, então, torna-se administrar e implementar programas curriculares, mais do que desenvolver ou apropriar-se criticamente de currículos que satisfaçam objetivos pedagógicos específicos (GIROUX, 1997: 158).
A implantação do sistema apostilado pelo Sistema Público Municipal de Ensino
trouxe e continua trazendo conseqüências sérias para o ensino e para as aprendizagens dos
alunos. Tanto a adesão, em 2005 como a continuidade já referenciada em 2009, contribuíram
para a transformação desse ensino e dessa aprendizagem. De 2006 a 2008 consta unicamente
a escolha do grupo Positivo na regulação do currículo e, a partir de 2009, a continuidade da
transformação do ensino e da aprendizagem em produtos calculáveis possibilitou
essencialmente traduzi-los em contratos com indicadores de desempenho, que foram abertos
ao processo licitação27, resultando assim, à concorrência entre fornecedores privados através
da terceirização. Essa concorrência gerou um pregão presencial, através de uma luta por
valores com lances de preços. Assim, as apostilas atualmente são adquiridas pelo Sistema
Público Municipal de Ensino, através de um pregão presencial28, com as empresas
participantes que realizam lances e o menor preço é o que vence.
O resultado do processo licitatório para aquisição de apostilas pode trazer a mesma
empresa, como também, outra para fazer parte do Sistema Público Municipal de Ensino e os
27 Licitação é um procedimento administrativo para contratação de serviços ou aquisição de produtos pelos entes da Administração Pública direta ou indireta. No Brasil, para licitações por entidades que façam uso da verba pública, o processo é regulado pela Lei n° 8666/93. www.tcu.gov.br 28 Pregão é uma das 6 modalidades de licitação utilizadas no Brasil, considerada como um aperfeiçoamento do regime de licitações para a Administração Pública Federal, Estadual, Distrital e Municipal. Essa modalidade possibilita o incremento da competitividade e ampliação das oportunidades de participação nas licitações, por parte dos licitantes que são Pessoas Jurídicas ou Pessoas Físicas interessadas em vender bens ou serviços comuns conforme os editais e contratos que visam o interesse público. O pregão é realizado em lances sucessivos e decrescentes, no chamado “quem dá menos”. O pregão pode ser Presencial (onde os licitantes se encontram e participam da disputa).
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professores ficam aguardando essa decisão, preparando-se para a possibilidade em conhecer
outro material e adequar-se, novamente, a outra proposta.
3.2.2 O Currículo Apostilado no Contexto da Prática
Há que considerarmos, quando falamos em currículo, que ele liga-se à escola e à sala
de aula, não sendo possível em qualquer momento de reconhecer a centralidade do professor
nesse processo.
O espaço da escola, no quadro teórico de Bersntein, é um local de reprodução, pelo que o currículo como texto didático situa-se no campo pedagógico de recontextualização, em resposta ao ‘como’, sempre presente através do princípio de descontextualização, ou seja, os textos são reposicionados e refocalizados em relação a outros textos. (PACHECO, 2010:85).
Nesse sentido, o texto escolar pode provocar uma descontextualização do texto,
prescritivo, no caso do sistema apostilado, através de um processo de decisão dependente do
grau de autonomia dos agentes educativos, ou seja, os professores.
Há que considerarmos, porém, que tal participação pode ser totalmente nula ao nível
de conteúdos já programados, mas torna-se ativa quando a escola é chamada a decidir e
analisar os aspectos mais formais do currículo, agregando a eles o conhecimento dos
professores e as trajetórias práticas estabelecidas ao longo do ensino. Neste último aspecto, o
professor pode tornar-se também um autor formal do currículo, através da participação e
elaboração de dispositivos, ou seja, formas concretas de operacionalização do currículo na
sala de aula, através de objetivos e competências, conteúdos, atividades e avaliação.
As práticas de decisão, nesse contexto, convertem um texto coeso e estável em um
texto que permite a leitura e interpretação. As práticas de leitura do currículo devem
possibilitar interpretações diferentes e contraditórias, que inclui a concepção, realização, e
avaliação, deve permitir “contextos e fases diferentes de decisão, correspondentes a um
processo contínuo de desocultação de expectativas, significados, interesses e saberes”.
(PACHECO, 2010:86 apud MORGADO, 2000:75). Assim, o currículo conhece vários
autores, sendo o principal, o professor.
Tornando-se uma autoridade pedagógica porque é o responsável pela modelação que
torna possível a aprendizagem em contextos de interação, o professor nem sempre é visto
como sendo uma autoridade curricular, porque não lhes é designado a escolha, principalmente
120
quando de uma decisão de governo na adoção de currículos prescritos, dos conteúdos e
ensinar, e isto na lógica de uma mentalidade racionalista e eficientista, o professor
simplesmente assumo o papel de implementador. Diante disso, uma questão central na
discussão curricular é “a ideia de currículo como uma conversação bidirecional, ao invés de
uma transmissão unidirecional”. (GOODSON, 2001:71). Outra opinião, considerada radical
argumenta que
O currículo é uma conversação extraordinariamente complexa, devido a sua burocratização, institucionalização e abstração, o currículo da escola público é considerado inapropriado para responder aos desafios atuais e não for considerado como sendo uma compreensão que resulta de uma conversação contínua entre professores e alunos, mantida através de um diálogo aberto na interseção das esferas pública e privada. (PINAR:2005)
Dessa opinião, surge a ideia da não aceitação dos professores que tem pouco
controle sobre o que ensinam, bem como uma reduzida liberdade acadêmica no contexto do
currículo oficial. A autora sugere a perspectiva de um currículo como uma conversação
complexa, que é a própria ação, já que acontece na esfera entre o “eu” e o “outro”.
Essa participação ativa na decisão curricular, mais ainda quando é considerada a
importância do currículo oculto em muitas decisões, aparentemente controladas pelo governo,
entendemos que o professor jamais deixa de tornar-se um autor chave do currículo, pois a ele
é que pertence a mediação que torna possível a conversação em sala de aula. Portanto, é a
perspectiva de como o professor lê o currículo oficial que ao nosso ver, determina o modo
como ele é um dos seus autores porque participa ativamente das concepções de conhecimento
do Outro, integra as suas, interpreta e reinterpreta sobre o currículo. Nesse sentido, “quem
participa na elaboração do currículo? A resposta é peremptória; ‘a primeira resposta à
pergunta sobre quem é que deve ser membro do grupo é o professor. Repito e enfatizo: O
PROFESSOR’”. (PACHECO, 2010: 100).
Em Sorriso – MT, todavia, o Currículo Apostilado no Contexto da Prática, trata-se de
uma tarefa complexa quando é inscrito em lógicas autorais diferentes, pretendendo-se que o
professor seja simplesmente um mero leitor, devendo-o interpretar conforme parâmetros pré-
definidos e estratégias selecionadas. Na atual organização, em que a ênfase é colocada nos
resultados, o professor, grosso modo perde o seu papel de autor curricular, tal como se perde o
significado mais profundo da autonomia da escola e da autonomia profissional docente.
Novamente, podemos colocar em foco através das Narrativas que os professores após
conhecerem os conteúdos, a metodologia e a avaliação do currículo prescrito, estabeleceram
121
diferentes práticas em sala de aula, inclusive, reinterpretando-o, ou seja, as práticas
pedagógicas revelaram as vivências anteriores ao sistema apostilado, quando os professores
desenvolviam projetos sempre fazendo prevalecer a realidade da comunidade. As queixas na
prática também revelam que os professores desconsideravam, por vezes, o currículo prescrito,
por distanciar-se da realidade dos alunos e também, as propostas de conteúdos, metodologia e
avaliação estavam aquém das práticas as quais eram realizadas anteriormente ao sistema
apostilado, tanto que eles citam os projetos e iniciativas que eram desenvolvidas em sala de
aula com satisfação, até porque visualizavam os resultados de aprendizagem dos alunos, como
também, mudanças de comportamento frente à aprendizagem.
Essas iniciativas de práticas em sala de aula, mesmo que evidentes, acabaram por
comprometer a autonomia dos professores, ou seja, mesmo integrando ao currículo as suas
iniciativas, o seu planejamento e as suas propostas, o tempo maior era destinado ao uso das
apostilas até por ser este um elemento regulador do governo municipal; existia a cobrança da
própria gestão da escola e também da Secretaria de Educação. Afinal, as apostilas eram
distribuídas bimestralmente, através de datas especificadas e, consequentemente, trazia o
compromisso e cumprimento do professor em finalizá-la no tempo determinado.
As Narrativas revelam sobre o Currículo vivido na prática em sala de aula e
demonstram os diferentes momentos que vão da execução do mesmo, aos questionamentos, as
discordâncias que resultaram também em outras práticas que levaram consideração a
realidade do aluno
Na minha área eu percebo que a apostila veio realmente revolucionar o ensino público. A apostila era de qualidade, fazia com que o aluno refletisse, pesquisasse. Os textos e os conteúdos que vinham ao encontro de nossos alunos fazendo-os viajar (entre aspas) por lugares desconhecidos. Gostava da sequência como eram colocadas as atividades. A gente tinha um texto, o vocabulário, a interpretação e a gramática, era muito bom. Também o interessante era que todos os encontros em que participei, os professores manifestaram suas opiniões que eram levadas para os responsáveis em Curitiba, então a gente tinha um espaço para opinar sobre o material. Veja bem Eloísa, o sistema apostilado aconteceu diante de uma revolução tecnológica, hoje o homem continua andando com a máquina e não poderia ter sido diferente, o aluno caminhava com a apostila. Não poderíamos de forma retroceder ao livro didático, aonde o mesmo permanecia na escola, sem que o aluno pudesse escrever nele; isso é um absurdo. Sem dúvida, as apostilas foram um salto muito grande para a educação, onde nossos alunos tinham as mesmas condições de estudo como qualquer outra instituição particular, bastava o aluno querer (entre aspas) e ele aprendia. Via também que a gente como professora precisava complementar as atividades com outros livros que serviam de apoio, claro, como é o próprio livro didático ou mesmo a internet e outras pesquisas que a gente fazia. (Professora de Língua Portuguesa).
122
A professora de Língua Portuguesa, primeiramente atribui um significado ao uso das
apostilas em sala de aula, citando a importância dos textos, da interpretação e a gramática,
bem como a sequência e organização das atividades. A formação também é um momento que
merece destaque, porque percebia uma oportunidade de sugerir ao próprio sistema atividades,
tanto que ressalta “a gente tinha um espaço para opinar sobre o material”, porém o retorno ou
mesmo essas sugestões não aparecem contempladas no material. Posteriormente, faz um
comparativo entre o público e o privado, afirmando que os alunos do Sistema Público
Municipal de Ensino teriam o mesmo acesso ao conhecimento que os do Sistema Privado de
Ensino, ou seja, voltamos a discussão de um público que para ser considerado bom deve
seguir aos parâmetros do sistema particular. A professora demonstra essa satisfação sentindo-
se parte do Sistema Privado, isso na verdade lhe causa a sensação em deixar de ser diferente,
com a adesão das apostilas, ela começa a constituir uma identidade da escola privada, como
pertencente a esse grupo. No entanto, em um determinado momento, mesmo considerando
toda a eficiência do sistema apostilado, mesmo para aprendizagem dos alunos, a professora
revela que utilizava de outros recursos como apoio aos conteúdos das apostilas. Essa
eficiência, portanto, não se revela tão eficaz a ponto dela considerar a necessidade de buscar
em outros materiais, como é o próprio livro didático que anteriormente descarta como recurso
de conhecimento.
A professora de Inglês também traz na Narrativa importantes significados ao sistema
apostilado. Primeiramente, revela a sua necessidade em “achar uma brecha para escapar das
apostilas”, ou seja, o currículo que estava vivendo não lhe trazia causava interesse, mas, ao
mesmo tempo como o sistema central não lhe possibilita a autonomia de escolha, ela acaba
por sentir “medo em ser repreendida”. Aqui instala-se novamente a questão de
performatividade “que gera feitos de terror sobre os professores, por meio de uma neurose de
prestação de contas, ou, ainda, responsabilização na devolução de resultados qualitativos de
eficiência” (HYPOLITO, 2010:1341).
Nesse sentido, vejamos que a professora, numa determinada formação, pergunta ao
seu colega de área (formador do sistema) se pode “continuar desenvolvendo os meus projetos
e ele disse que sim”, ou seja, chegamos ao fato dos professores pedirem permissão para sua
autonomia acontecer em sala de aula; realmente um fato cruel.
Com o uso da apostila em sala de aula, a professora tinha o conhecimento das
diferenças culturais e de interesse de aprendizagem, dos alunos do centro e da periferia. Ao
relembrar as suas práticas, através dos projetos que desenvolveu, ela levou em consideração
essas diferenças, não no sentido de limitar o acesso ao conhecimento, mas sim, em valorizar e
123
respeitar a curiosidade de aprendizagem dos alunos. A partir dessa relação, passa a comentar
os conteúdos, através de um olhar crítico quando destaca o conteúdo sobre o “surfing” ; “o
que interessa para o aluno”, relacionando a sua prática e, ao mesmo tempo, insere como
proposta o estudo da economia local, através da “soja aqui produzida vai para lá (exterior) e
vai servir para que, que comunicação acontece nisso”. Percebemos, portanto que a professora
integra um conhecimento na prática, a partir da necessidade do aluno em saber inglês, prova
disso é o projeto que desenvolve com turmas nos Estados Unidos de escolas públicas, ou seja,
ela encaminha as suas aprendizagens no sentido do aluno sentir a necessidade em conhecer
outra língua e outra cultura. Com isso, os professores das Narrativas tinham conhecimento
sobre a realidade do aluno e quando percebiam que essas realidades, principalmente, locais
não eram contempladas, eles mesmos integravam às suas práticas outras vivências e
possibilidades.
A professora de Ciências reconhece que as apostilas “seguiam os livros didáticos” e a
mesma questão é abordada pela professora de Geografia “a gente percebia que eles copiavam,
que eles recortavam essas atividades de vários outros materiais, exercícios de vários
vestibulares e com isso acho que perdia um pouco, a gente observava que ficava um pouco
fragmentado”.
(...) parecia que não havia uma distribuição certa, por exemplo, tinha conteúdos no 6° e 8° ano que precisava de mais informação e que na verdade ele só terá amadurecimento lá no 9° ano, então eu via uma lacuna. Ta, vou explicar melhor (pausa), assim, quando trabalhava água no 6° ano a gente sempre fala de uma fórmula química da água, separação de minerais e outros, porém o aluno não sabia o que era fórmula química no 6° ano entende, isso ele só iria ver lá no 9° ano; ele iria ter lá mais amadurecimento porque outros conteúdos do 6° ano preparariam ele, mas não era o que a gente via, por isso eu às vezes invertia, mas isso porque eu iria pegar esse ano lá na frente e se não pegasse falava pra minha colega que não tinha trabalhado por isso e por isso e por aquilo. Pois é na apostila sempre vinha sugestões de metodologia para se trabalhar cada conteúdo que auxiliava bastante a gente na hora de fazer um planejamento de aula, mas não pra seguir a risca, eu sempre fiz adaptações, tinha uns conteúdos muito fora, aí eu decidia o que era melhor. Eu também utilizava algumas avaliações do portal educacional, na área do professor e que era disponibilizado pelo sistema de ensino, mas, mesmo assim, eu modificava sempre quando eu achava que isso era preciso fazer, afinal, eu tenho conhecimento sobre a disciplina, estudei pra isso e continuo me preparando. (Professora de Ciências). (...) eu era um pouco contra os conteúdos porque muitas vezes os conteúdos eles eram colocados dentro de um objetivo e na hora dos exercícios e das atividades eles perdiam um pouco essa identidade do próprio material, porque a gente percebia que eles copiavam, que eles recortavam essas atividades de vários outros materiais, exercícios de vários vestibulares e com isso acho que perdia um pouco, a gente observava que ficava um pouco fragmentado, no sentido de pensar qual foi a real habilidade e competência que queria ser desenvolvida. Então eu observava que esse é um fator negativo do material e que no livro didátido isso não acontecia por que é um autor que ele observa o conteúdo do início ao fim, ele não pega vários conteúdos
124
de vários outros lugares, onde cada um tem uma visão, uma criticidade em relação a aquele próprio conteúdo e sendo assim no livro didático ele é mais coeso, ele segue a sua metodologia dentro de suas habilidades e competências necessárias para ser desenvolvido, ele então é mais linear. (Professora de Geografia)
As Narrativas mostram que os conteúdos das apostilas também apresentam certa
deficiência com relação a sua organização e linearidade e identificam que o material torna-se
fragmentado. Além disso, quanto aos conteúdos, a professora de Ciências identifica que
alguns conteúdos aos quais deveriam ser estudados no 9° ano, são antecipados para o 6° ano e
termina por afirmar, através do seu conhecimento que o aluno não possui maturidade de
compreensão no respectivo ano. Pelas vozes dos professores “o professor não deixa, no
entanto, de ter uma autoridade pedagógica, que se traduz pelo como exerce profissionalmente
a sua missão de organizar o processo ensino-aprendizagem no âmbito da sala de aula”
(PACHECO, 2010:90).
A percepção sobre os recortes de outros materiais provoca no professor uma reação
que considera ainda outros recursos pedagógicos como sendo mais eficazes, no caso aqui
apontado pela professora de geografia, “no livro didátido isso não acontecia por que é um
autor que ele observa o conteúdo do início ao fim, ele não pega vários conteúdos de vários
outros lugares, onde cada um tem uma visão, uma criticidade em relação a aquele próprio
conteúdo e sendo assim no livro didático ele é mais coeso, ele segue a sua metodologia dentro
de suas habilidades e competências necessárias para ser desenvolvido, ele então é mais
linear.”
[...] a maior parte das políticas são constituídas de empréstimos e cópias de pedaços/segmentos de ideias de outros locais, aproveitando-se de abordagens localmente testadas e experimentadas, remendando-as e retrabalhando-as através de complexos processos de influência, de produção de textos, de disseminação e, em última análise, de recriação no contexto da prática (BALL, 1998).
O professor de Matemática considera difícil adequar certos conteúdos a sua prática
pedagógica porque os mesmos eram pouco atrativos ao aluno, metodologicamente, inclusive
expõe que “uma aula de matemática precisa de mais situações de atração”. Tanto que ele
também utilizava de outros recursos, inclusive tecnológicos a fim de tornar o conteúdo mais
atrativo ao aluno. Com relação a avaliação, o professor destaca que “se a gente só se
amarrasse na sugestão da apostila a gente ficava preso, fechado na avaliação e era preciso ser
mais aberto”. Aqui aparece de fato e, novamente, a capacidade de análise do professor frente
ao sistema apostilado e as dificuldades diante do currículo prescritivo ao qual o professor
125
denomina, como pouco atraente aos olhos dos alunos. Com isso acabava por “criar
ferramentas de avaliação”.
Na perspectiva do professor de Matemática, a avaliação compreende observar os
caminhos pelos quais os alunos constroem a sua aprendizagem e, para isso, utiliza do
conteúdo sobre fração, ou seja,
(...) as vezes ele não sabia a técnica de fazer e resolver uma equação e o que eu tinha que fazer, era criar artifícios para isso, tinha que mostrar a importância do por que ele tinha que saber equação; (...) não era o simples cálculo de um ‘x’ como dizia a apostila, mas ele tinha que aprender a pensar e as estratégias desse pensar era comigo.” (Professor de Matemática)
A análise que o professor faz das explicações da apostila tem a ver com as
deficiências as quais ela possui em termos metodológicos que contribuem para a falta de
compreensão do aluno e, percebendo isso, ele começa a construir outros percursos
metodológicos que contribuem com o aluno, ou seja, percebe o momento exato de interferir
no currículo prescrito para então, promover as aprendizagens dos alunos. Portanto, “os
professores possuem saberes específicos que são mobilizados, utilizados e produzidos por eles
no âmbito de suas tarefas cotidianas” (TARDIF, 2002:228).
A Narrativa da professora de História foi bastante interessante, pelo fato de termos
tido a possibilidade em obter uma exemplificação mais minuciosa sobre os conteúdos da
apostila. Primeiramente a professora ao destacar um conteúdo que falava sobre a Guerra do
Paraguai e nos explicar sobre a importância desse fato para o Brasil, revelou todo o seu
conhecimento da área de História. Essa percepção, novamente nos permite considerar que o
conhecimento do professor, adquirido durante a sua formação foi de extrema importância a
fim de analisar o material apostilado e relacioná-lo a partir de uma postura crítico sobre os
seus verdadeiros fins e objetivos, quando utilizado em sala de aula. Primeiramente, um ponto
de fundamental importância que a professora nos traz, diz respeito a sua capacidade em
perceber que os conteúdos disponibilizados aos alunos, na área de História, traziam uma
característica de dominação, ou seja, como ela mesma nos fala “a visão do dominante sobre o
dominado”. Por isso, além de prevalecer a fragmentação dos fatos, acaba por induzir opinião
sobre os mesmos, sempre prevalecendo a visão do mais forte sobre o mais fraco. Com isso “ a
educação muda com o mercado educacional; passa a ser uma arena de competição de soma
zero, ou seja, em que ninguém ganha sem que o outro perca, cheia de atores interessados em
si mesmos e em busca de oportunidades (BALL, 2004: 1120).
126
Com relação à exemplificação de conteúdos29, com relação ao que falei de que há uma ideia da classe dominante, sempre em vantagem sobre a classe dominada, me lembrando e com essa apostila (abriu a apostila na página 13, através da unidade 6 que trata sobre a política externa do segundo reinado) é que quando ele fala da Guerra do Paraguai, ele começa falando que foi uma guerra da Tríplice Aliança. Foi mesmo, só que simplesmente tem estudos que colocam que o Paraguai vinha com uma perspectiva econômica naquele momento de se tornar uma potência econômica na região da América do Sul. Eles já conseguiam produzir alguns produtos que então eram exclusivos da produção inglesa. O Paraguai, é importante que se diga, já estava se consolidando com pequenas indústrias, para, então, tornar-se, aos poucos, independente da economia inglesa que, naquele período, dominava toda a região da América do Sul e era ela quem fornecia todos os produtos para a América do Sul. O Paraguai começou não mais a depender dessa indústria inglesa e começou a se organizar e a se automanter, produzir os seus produtos e a querer vender para a região. Nesse sentido, a Inglaterra começou a ver isso como uma ameaça porque ela era a fornecedora de produtos e ela queria continuar dominando esse processo e percebeu que na região da Tríplice Aliança havia conflitos internos e entre eles, entre o grupo da Tríplice Aliança referente a questões de terras, de espaços territoriais e aí o que acontece: a Inglaterra começou a perceber isso e o presidente do Paraguai, que era o Solano Lopes, estava realmente procurando um meio de ter acesso direto ao mar porque o Paraguai não tinha esse acesso ao mar naquela época. Ele tinha que passar por terras e águas de outros países vizinhos seus. E ele começa a querer arranjar espaço para poder escoar a sua produção e começa a criar conflitos com os países vizinhos, que entendem que ele quer se apropriar de territórios seus tendo em vista essa busca que ele vinha fazendo. A Inglaterra se aproveitou disso para fazer a ponte e quando ela percebeu que eles estavam se desentendendo, resolveu patrocinar o conflito tanto que ela fornece armamentos para os outros países e se torna vitoriosa do conflito. E o que a apostila deixa de lado é justamente isso, ela só pincela isso. Se você observar nessa página 15, ela deixa bem claro aqui: ela coloca que é só uma visão dos historiadores e há fatos que comprovam isso. Há fatos históricos que comprovam que os ingleses se sentiam ameaçados pela ação do Solano Lopes, porque os ingleses achavam que iam perder espaço, ou seja, o Paraguai deixaria de ser dominado economicamente pela Inglaterra, sairia da dominação inglesa e eles passariam a ser exemplo para toda essa região e os ingleses começaram a ver isso como ameaça. E aí o que ocorre: aqui para você trabalhar com crianças foi trabalhado de forma muito superficial e quando a apostila começa a tratar de fato o conflito, ele simplesmente passa a visão pura e simples do dominador. Você não vê o texto trabalhar como foi e qual era a real situação do Paraguai, porque ele chegou ao ponto de entrar nas águas e território brasileiros e outra coisa que eles deixam de fora é o total esmagamento da população paraguaia. Inclusive a apostila deixa dúvidas e questiona se de fato houve a morte de tantos paraguaios e há estudos de diversos historiadores que o Paraguai regrediu muito após o conflito. Tanto que ao final do conflito eles tiveram 75% da sua população dizimada no conflito e, dos que sobraram, a grande maioria dos 25% que ficaram, eram compostos por mulheres, crianças e idosos. O Paraguai retrocedeu na sua história na questão econômica porque ele ficou sem condições. E aí a apostila traz uma visão muito fragmentada sem dar condições para você fazer com que o aluno entenda que o conflito não foi assim tão simples como faz parecer. Houve prejuízo para todas as partes, mas, principalmente para o Paraguai. A Inglaterra fomentou o conflito e conseguiu destruir o Paraguai e endividou o Brasil, Argentina e Uruguai porque compravam armamento e pediam dinheiro emprestado. A Inglaterra ganha com a destruição dos planos do Paraguai e ganha com o endividamento dos 3 países e ainda vai continuar mantendo o domínio econômico. A apostila não trata dessas questões, mas só, por exemplo, aqui. “O Paraguai perdeu 140km para a Argentina”. E o que ficou da economia? E o que ficou do povo lá? Ela
29 2ª parte da narrativa que foi realizada com a Professora de História em fevereiro de 2012.
127
não trata e ignora e você observa que ficou uma visão do dominador e não do dominado, como ele ficou. Eles colocaram o Solano Lopes naquele período, aqui nessa página, como um grande vilão, querendo invadir, dominar o Brasil e os outros países, e que ele era um grande ditador. Solano Lopes não é santo, mas a apostila esqueceu do domínio imperialista. Se você observar as questões que eles colocaram para ser trabalhada aqui, você lê um texto aqui não tem como você responder. Eu me decepcionava quando chegava aqui nessa parte para trabalhar com os alunos sobre a guerra do Paraguai, que é um dos conflitos que o Brasil participou mais importantes aqui da nossa região, e é trabalhado de uma forma bastante superficial. E o que eu fazia? Eu tinha que buscar outro material para complementar, só que assim, a gente não pode perder de vista que o texto base que você tem em sala de aula, passa a ser para o aluno uma espécie de verdade absoluta e qual a dificuldade que você tem? Eles não entendem (Segunda parte da narrativa – fevereiro de 2012).
Ao considerarmos que os professores são sujeitos ativos, admitimos que a prática que
eles estabelece em sala de ala não é somente um espaço de aplicação de saberes provenientes
da teoria, mas também um espaço de produção de saberes específicos oriundos dessa mesma
prática. Noutras palavras, o trabalho dos professores deve ser considerado como um espaço
prático específicos de produção, de transformação, de mobilização de saberes e, portanto, de
teorias, de conhecimentos e de saber-fazer específicos ao ofício de professor. Portanto, essa
perspectiva reconhece um sujeito de conhecimentos, um ator que desenvolve e possui sempre
teorias, conhecimentos e saberes de sua própria ação. Assim
A regulação administrativa do currículo, com sua minuciosidade e entrada em terreno estritamente pedagógico, quis se justificar entre nós como uma via indireta de formação dos professores que têm que desenvolver na prática o currículo prescrito, para o qual dita não apenas conteúdos e aprendizagens consideradas mínimas, mas trata também de ordenar pedagogicamente o processo. Fornece “orientações” metodológicas gerais, sugere às vezes pautas mais precisas que tratam de determinados temas; não apenas regula as avaliações que se farão e em que momentos, mas fala também das técnicas de avaliação a serem realizadas (SACRISTÀN, 2000: 113).
Enfim, o trabalho cotidiano do professor, não é somente um lugar de aplicação de
saberes produzidos por outros, mas também um espaço de produção, de transformação e de
mobilização de saberes que lhe são próprios.
Os profissionais que atuam no contexto da prática (escolas, por exemplo) não enfrentam os textos políticos como leitores ingênuos, eles vêm com suas histórias, experiências, valores e propósitos. Políticas serão interpretadas diferentemente, uma vez que histórias, experiências, valores, propósitos e interesses são diversos. A questão é que os autores dos textos políticos não podem controlar os significados dos seus textos. Partes podem ser rejeitadas, selecionadas, ignoradas, deliberadamente mal entendidas, réplicas podem ser superficiais (MAINARDES, 2006: 62 apud BALL & BOWE, 1992).
128
3.2.3 O Currículo Reinterpretado pelos Professores
A decisão do governo municipal pela adesão ao Sistema Privado de Ensino, já
falamos, provocou mudanças nas práticas pedagógicas que, de autônomas, passaram a ser
controladas através de um currículo prescrito e considerado eficaz à qualidade de ensino, bem
como aos resultados educacionais.
Os professores, sujeitos da pesquisa, deixaram em suas Narrativas indícios do não
cumprimento, na íntegra, das propostas de conteúdos, metodologias e de avaliação das
apostilas, ou seja, foram integrando práticas de sua autoria, a fim de contribuir com as
aprendizagens do aluno e que estivessem de acordo com a sua realidade. De fato, percebemos
com isso, que desde o início, quando as escolas perceberam a possibilidade de mudanças, os
professores não se mantiveram alheios ao processo, ao contrário, sempre se posicionaram
frente a essa decisão, compartilhando posicionamentos com os demais colegas, mesmo que
estes, muitas vezes, deram lugar aos conflitos.
Com o Sistema Apostilado implementado e entregue aos professores, os mesmos
partiram logicamente aos princípios teórico-metodológicos adquiridos em suas formações
acadêmicas, como também, de suas vivências práticas do dia a dia com seus alunos e na
experiência acumulada pelos anos de trabalho pedagógico. Dessa forma, pudemos perceber
que o professor em nenhum momento tornou-se um mero reprodutor de currículos que
chegam às escolas e, mesmo que em oposição à proposta, souberam integrar-se às apostilas.
Essas trajetórias estabelecidas pelos professores, partindo de um currículo
apresentado e vivido por eles, é chegado o momento de considerarmos a possibilidade do
planejamento e implementação de um currículo elaborado pelos professores. Antes disso,
temos a considerar que os professores já vinham, anteriormente, ao sistema apostilado
planejando e implementando nas suas práticas iniciativas importantes, cujo objetivo foi
sempre partir de uma realidade local, para enfim, estabelecer conhecimentos mais amplos;
como também, revelando aos alunos o porque do estudo, das aprendizagens e do
conhecimento de determinados conteúdos.
Assim, passamos as Narrativas sobre essa última questão a qual consideramos de
grande importância para a Educação, ao que os professores apontam
O fato de podermos planejar um currículo sem o uso do material da apostila, isso é bastante fácil de responder, é óbvio que o professor tem condição de organizar um conteúdo porque tem profundo conhecimento da disciplina que ele desenvolve, tendo em vista que ele teve sua formação na universidade e ainda passa por momento de formação, denominada de formação continuada e isso lhe possibilita
129
uma condição de ser o agente construtor do seu planejamento curricular. E este planejamento deveria ser um planejamento que atendesse à realidade dos alunos considerando as condições que a escola pode oferecer para desenvolver a aquisição do conhecimento e também é óbvio que os conteúdos a serem trabalhados nesse planejamento curricular deveriam ser selecionados sempre pensando que o aluno deve ter a condição de se tornar um agente construtor de sua própria história e isso se dá através da aquisição do conhecimento que a escola pode proporcionar a ele e a metodologia a ser utilizada deve ser aquela que lhe possibilite a aquisição do conhecimento no sentido de que ele próprio possa se tornar um agente ativo no processo de ensino aprendizagem. A avaliação nunca pode deixar de ser uma avaliação contínua no intuito de ser formativa no sentido de que ela não venha a punir o aluno, mas sim possibilitar a ele a condição de ser um agente crítico do mundo ao qual ele faz parte. (Professora de História) Professora vou te dizer eu dou e daria conta sim, sou e seria capaz sim da fazer um material de matemática para os meus alunos, sabe por quê? Porque eu tenho coragem para fazer, quer dizer, na realidade eu já fazia isso no ensino médio que eu também trabalhava. No ensino médio eu mesmo montava o material em cima dos melhores materiais que tinha disponível tanto na internet quanto nos livros didáticos. Eu pesquisava fontes, trabalhava com exercícios complementares, mas eu, em relação à pergunta acredito que sim, seria de grande importância o professor fazer o seu próprio material porque a partir do momento em que você conhece uma clientela é mais fácil. Eu iria pegar o oitavo, você teria uma convivência com os alunos e seria possível perceber como é a realidade deles e os requisitos que faltariam para eles e então com o oitavo ano certamente o que eu iria trabalhar naquela realidade, quer dizer, você pegaria conteúdos que o aluno tem familiaridade e não aqueles que estariam fora da realidade deles. Imagina professora se você pudesse fazer isso seria interessante. Daí a questão de que a apostila do município deveria ser feita pelos professores porque ficaria muito mais interessante, o trabalho de uma equipe inteira de professores em longo prazo com cuidado, através de pesquisa e material didático, apesar que na nossa cidade temos também divergência de realidade e temos que pensar nisso. (Professor de Matemática) Quanto ao currículo, é difícil, a gente percebe que a maioria dos profissionais da educação do município de Sorriso, acredito que não teria uma condição de montar uma matriz curricular de sua disciplina, até porque sempre vi que muitos colegas, eles eram um pouco metódicos assim em relação ao conteúdo, eles seguiam bem a sequência pré determinada pelo material e assim muitas vezes a gente tinha algumas dificuldades de priorizar aquilo que ia ser ou não importante dentro da formação do aluno (...). (Professora de Geografia) Daí né, eu estudando o material, sobre manifestações culturais, mas sempre adaptando ao meu planejamento (Professora de Artes) Com certeza se não tivesse o sistema apostilado eu construiria um material e vou te dizer como faria. Em primeiro lugar, eu estaria direcionando os conteúdos para a idade e série fazendo uma ligação de conteúdos, independentemente se no 8° ano só se estuda o corpo humano e no 9° ano a química e a física, por exemplo, eu trabalharia alimentos orgânicos e inorgânicos e tem que se trabalhar a parte química também e não deixar só pro 9° ano, pois isso dificulta o entendimento do aluno. (Professora de Ciências) Sabe depois a gente foi amadurecendo e pensando com outros colegas, porque a gente não se junta e cria um material, claro que eram poucos que queriam, mas nem que fossem três, mas a gente poderia colocar ali o que a gente sabe e a gente entende das realidades e não fica recebendo tudo pronto, de cima, mas aí a maioria gostava do sistema e eu também, claro que foi bom, mas poderia ter sido melhor. Acho que a gente precisava amadurecer, sei lá, o professor precisava sair dessa acomodação de que tudo tá bom assim. (Professora de Língua Inglesa)
130
Então, sem a apostila, tudo bem a gente daria um jeito. (Professor de Educação Física).
Pelas vozes da maioria dos professores, o posicionamento revela as possibilidades, os
interesses e as perspectivas em torno de um currículo verdadeiramente planejado e
implementado por eles próprios, seja individualmente ou mesmo em parceria com colegas aos
quais ele mesmo identifica como parceiros desse projeto. As professores de Língua
Portuguesa e Geografia, uma não se posicionou porque percebemos desde o início considera
que as apostilas devem ter uma continuidade; outra não reconhece nos professores a parceria
na construção do currículo, porque acabaram por seguir criteriosamente as apostilas, ou seja,
sob a visão da professores, os colegas se entregaram a prática do currículo prescritivo.
Com relação aos demais, surgem as sugestões de construção desse currículo e o
desejo da autoria de um material que viesse a contribuir com o conhecimentos dos alunos a
partir de uma perspectiva local que iria, certamente, se estendendo ao estudos de outras
realidades. O sistema apostila foi bastante apontado pelas vozes dos professores, como sendo
alheio ou mesmo muito distante da realidade dos alunos.
Primeiramente é preciso que posicionemos qual tem sido a posição dos professores
com relação ao currículo, ou seja, ele tem sido leitor quando de uma decisão centralizada de
decisão curricular, até porque o professor tem a tendência, e por força da sua formação, para
se “entregar” à instrução, lendo o currículo de acordo com as políticas nacionais, que estão
cada vez mais orientadas para a prestação de contas, uma vez que a discussão educacional do
momento vem sendo fortalecida pelo discurso da melhoria dos padrões educacionais nas
escolas.
Com os efeitos da globalização a sentirem-se fortemente na escola, as mudanças são
muito diversas, acabou adentrando fortemente e rapidamente nos discursos acerca da
escolaridade, tornando os discursos educacionais voltados ao capital humano, à aprendizagem
ao longo da vida, para a melhoria de competência que deem conta do mercado de trabalho e,
por final, ao desenvolvimento econômico.
Neste sentido, ao que viemos acompanhando é que os discursos educacionais globais
desempenham importante papel na criação de políticas e práticas comuns, com destaque para
os discursos acerca da economia do conhecimento e para o papel central das tecnologias de
informação e comunicação nesse processo.
Argumentamos, com isso, que a escola vem mudando substantivamente quer na
organização curricular, associada à alteração da noção de escola, quer na concepção de
131
conhecimentos, quer, ainda, na autoria e leitura do currículo, com a valorização do espaço da
sala de aula, no que pode ser entendido como sendo o regresso ao ensino.
Por isso, ao vivermos esses tempos de mudança na identidade do professor, que
passa de um “supervisor fabril a gestor empresarial” (PACHECO, 2010:92), em que a escola
se torna um negócio rentável, porque é uma das instituições mais permeáveis à lógica e aos
interesses do mercado, a secundarização do currículo como campo intelectual de
descodificação dos discursos e análise crítica das práticas, torna-se evidente face a
movimentos orientados por uma mentalidade de ganhos e lucratividade, movimentadas pelo
mercado empresarial. A empresa torna-se ao só o modelo das reformas educativas, bem como
se institui como símbolo de eficiência dos custos-benefício que a escola deve adotar no seu
interior, a fim de verificar e incentivar os melhores a sempre ganhar mais.
Percebemos, através das vozes dos professores, objetivos diferentes aos quais a
escola está condicionada, ao invés de um currículo mensurado por resultados, os professores
colocam em evidência um currículo que valorize a formação humana. Porém ao contrário do
que se quer, há o interesse do mercado pelas competências, principalmente, operacionais, que
se traduz em políticas voltadas aos resultados e eficiência. Contudo há que considerarmos que
“quando o social predomina, o pessoal enfraquece, e com ele todo o projeto progressista da
educação orientado para a construção subjetiva da experiência humana”. (PINNAR, 2006:5).
Neste caso, a investigação curricular na construção de propósitos de formação humana
centrar-se-á na promoção do conteúdo intelectual do conteúdo escolar à medida que propõe
seu significado social e subjetivo.
Alguns professores, através de suas Narrativas, ao demonstrarem claramente o seu
posicionamento frente a construção, planejamento e implementação de um currículo próprio,
nos interrogamos sobre o por que razão a sala de aula se tornou um lugar tão desagradável,
levando a que muitos professores se tenham afastado pela segurança de sua subjetividade,
como também abdicando abertamente da sua autoridade profissional e responsabilidade ética
pelo currículo que ensinam. Ao mesmo tempo, também refletimos sobre o por que razão os
professores agem no terreno das práticas curriculares controladas, dominadas pela
racionalidade. Essa pesquisa nos faz pensar que o peso pelo qual os professores tem sobre o
currículo, que é o próprio centro organizacional e intelectual da escolaridade, deve-se a essas
políticas de prestação de contas, uma ideia que torna os professores responsáveis pelo
aproveitamento dos alunos, quando a educação deveria ser consideração uma oportunidade e
não um serviço prestado. Esse peso de responsabilidade, acreditamos, acaba por provocar no
professor certo receio quando da construção do seu próprio currículo.
132
Portanto, a currículo estabelece um percurso na sua construção escolar e o seu valor
social e subjetivo depende, em grande parte, do modo de olhar para dentro da sala de aula,
reconhecendo-se de que se trata de um espaço curricular que necessita ser questionado. Com
efeito, o currículo não existe somente nas esferas circundantes da escola, como se os
problemas educativos fossem somente no interior das escolas e ao trabalho cotidiano dos
professores e alunos. Por isso é preciso que pensemos
As teorizações que temos produzido por meio de nossas pesquisas não têm contribuído, como gostaríamos, para enriquecer a prática curricular em nossas salas de aula e promover mais aprendizagens. Ou seja, a teoria e a prática não se encontram tanto como seria de desejar. Fazemos denúncia, em exames extremamente inteligentes, interessantes, que nos ensinam muito, mas continuam profundamente sovinas no que se refere a dar ao professor um pouco mais de estímulo para pensar sobre a realidade de forma diferente (...) ajudamos o professor a entender as relações de poder e de opressão, mas não o ajudamos tanto a pensar como é possível lutar contra essas relações, em que outras, pelo menos outras, relações de poder estejam presentes. (MOREIRA, 2003:22)
Os professores ao demonstrarem esse interesse de planejamento e implementação de
um currículo próprio e, apesar dos seus esforços em buscar essa autonomia, ainda sofrem
muito e constantes controles da administração central. Suas práticas, pelos governos, são
consideradas ineficientes e ineficazes ao próprio desenvolvimento econômico do país.
Quando esses professores, sujeito da pesquisa, voltam-se a essa percepção e manifestam suas
opiniões e sugestões para a própria Secretaria de Educação, que possa rever essas decisões,
realizar pesquisas para ter resultados mais coerentes e demonstrativos mais eficazes sobre os
resultados alcançados com a adesão das apostilas, querem na verdade, indiretamente dizer que
eles precisam ser mais ouvidos, porque todos os dias adentram a sala de aula e conhecem as
realidades dos alunos, suas necessidades de conhecimento e formação. Portanto,
consideramos essas vozes extremamente importantes para a construção, discussão e decisão
sobre os caminhos do currículo; sem elas nos tornaremos tão iguais aos governos que
estabelecem diretrizes e veem os professores como simplesmente implementadores a partir da
visão do mercado.
As vezes eu vejo os outros colegas reclamando, a gente é mais livre pra decidir, sei lá, acho que tinha que discutir de novo isso, se essa mudança foi boa uns dizem que sim e outros dizem que não, mas isso a Secretaria tem que ver, porque da outra vez foi a outra Secretaria que decidiu. (Professor de Educação Física) Então, professora quero deixar só uma ideia pra você que faz parte lá da secretaria de educação e não sei se caberia nessa sua pesquisa. Vocês deveriam fazer uma avaliação interna sobre o uso dessas apostilas, saber se realmente houve e continua
133
havendo aprendizagem já que agora mudou de sistema, mas, professores, pensem nisso. (Professor de Matemática) Vocês da Secretaria continuaram, quando deveriam ter retirado, deixado a gente mais livre pra trabalhar; sei que tem questões políticas, mas, gente, é educação e educação a gente tem que levar com seriedade. (Professora de Artes).
As políticas curriculares têm assumido um lugar central nas discussões das
políticas educacionais no Brasil,
(...) as reformas educacionais são constituídas pelas mais diversas ações, compreendendo mudanças nas legislações, nas formas de financiamento, na relação entre as diferentes instâncias do poder oficial (poder central, estados e municípios), na gestão das escolas, nos dispositivos de controle da formação profissional, especialmente na formação de professores, na instituição de processos de avaliação centralizadas nos resultados. As mudanças nas políticas curriculares, entretanto, têm maior destaque, a ponto de serem analisadas como se fossem em si a reforma educacional (LOPES, 2004:110)
Essa centralidade no debate, para a autora, pode resultar em uma armadilha, na
medida em que os formuladores da política acusam os professores pelo fracasso das reformas
ao se recusarem a implementá-las. Estes, por sua vez, tecem críticas às políticas curriculares
por elaborarem propostas impossíveis de serem realizadas. Para Goodson (2008), a relação
entre o conhecimento e controle está na origem das prescrições curriculares pelo Estado,
desde o início da história do currículo, datado do século XVI nos países europeus. Para o
autor, o currículo depende do contexto social em que é produzido e do ambiente educacional
em que é realizado. O currículo escrito possui ao mesmo tempo um significado simbólico e
um significado prático, na medida em que serve de referência para a avaliação e a análise
pública dos sucessos e insucessos da escolarização.
O currículo escrito não passa de um testemunho visível, público e sujeito e mudanças, uma lógica que se escolhe para, mediante sua trajetória, legitimar uma escolarização. Como tal, o currículo escrito promulga e justifica determinadas intenções básicas de escolarização, à medida que são operacionalizadas em estruturas e instituições. (GOODSON, 2008:21)
A importância do currículo prescrito encontra-se então em seu poder de
legitimar tradições escolares e das ciências, bem como de orientar a elaboração de orientações
134
metodológicas e compêndios didáticos. Sendo assim, o Estado reforça então os interesses de
determinados grupos hegemônicos ou acadêmicos que elaboram tais documentos.
Toda política curricular é constituída de propostas e práticas curriculares e como também as contitui não é possível, não é possível de forma absoluta separá-las e desconsiderar suas inter-relações. Trata-se de um processo de seleção e de produção de saberes, de visões de mundo, de habilidades, de valores, de símbolos e significados, portanto, de culturas capazes de instituir formas de organizar o que é selecionado, tornando-o apto a ser ensinado. (LOPES, , 2006:111)
Para Sacristàn (2000), o professor usa o currículo prescrito por múltiplas
vias, pois, como o currículo não é neutro, desperta significados que determinam os modos de
adotá-lo e de usar a proposta curricular que recebe. O professor cumpre o papel, portanto, de
mediador, selecionando temas, acrescentando conteúdos, definindo as estratégias de ensino,
atribuindo significados ao que será proposto.
Para Pontuschka (1999), os currículos oficiais, propostas ou parâmetros
curriculares apresentados pelo Estado, são sempre polêmicos, dada a forma autoritária com
que chegam às escolas e aos professores. O descontentamento com propostas oficiais ou a
constante reflexão sobre a prática educativa levam o professor a buscar caminhos próprios,
selecionando o que ensinar e como fazê-lo. Há uma dicotomia expressa entre o currículo
escrito, a teoria curricular e a prática docente ou o “(...) potencial para uma estreita relação
entre teoria e prática ou entre currículo escrito e currículo ativo, depende da natureza da
construção (...) bem como da sua execução interativa em sala de aula” (GOODSON, 2008:24)
Com isso, podemos pensar que realmente é o processo de elaboração
do currículo prescrito que o legitima e permite sua aceitação junto aos professores ou será
objeto de polêmica e contestação. Ao estudar o currículo escrito e as condições políticas,
históricas e sociais em que foram elaborados é possível encontrar respostas e justificativas
para as opções feitas pelos professores em sala de aula, na prática do currículo. A este
currículo que se faz por meio da atuação de diferentes agentes e que é constantemente
avaliado, Sacristàn (2000), denomina currículo moldado pelos professores e em ação, pois no
processo de planejar a prática e realizá-la o professor constrói significações e intervém na
configuração das propostas curriculares. Neste perspectiva, os professores são sujeitos de um
processo de ensino-aprendizagem, cumpre um papel de mediador entre o currículo
estabelecido e o que se realiza na prática, não são meros objetos dos mínimos prescritos pelos
acadêmicos e grupos hegemônicos. Ressaltamos, com isso, que não é possível vivenciar
135
propostas de inovação educacional sem a reflexão sobre o currículo que se realiza nas práticas
docentes e sem que o professor coloque-se na posição de agente reflexivo do processo de
ensinar e aprendizagem.
Contudo, concebemos, conforme Sacristàn (2000), que os limites da
atuação docente são dados a partir de um quadro configurado por variáveis institucionais,
sociaisl políticas e históricas e dessem modo a análise do currículo é antes de tudo um espaço
teórico, prático, político.
136
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de compreender como alguns
professores do 6º ao 9º ano adotam e reinterpretam a política de currículo apostilado no
Sistema Público Municipal de Ensino de Sorriso-MT. Partindo das concepções de estudo
sobre o ciclo de políticas, compreendemos que a Política de Currículo Apostilado adotado
pelo Sistema Público Municipal de Ensino de Sorriso – MT é resultado de uma decisão de
governo que implementou junto aos professores a proposta do uso das apostilas, num contexto
de reflexões, conflitos, expectativas, interpretações e reinterpretações que continuam
circulando nas práticas escolares dos professores do 6º ao 9º ano.
A análise crítica procurou enfatizar, a partir do estudo sobre o Ciclo de políticas de
Stephen Ball, sobre a vinculação de institutos nacionais com agências transnacionais que
possuem o estratégico papel de promover e disseminar ideias neoliberais; das relações entre o
público e o privado e a tênue separação entre eles. Dos processos de mercantilização que têm
sido incorporados pelas redes de ensino, como é o caso da adesão do Sistema Público
Municipal de Ensino em Sorriso – MT de apostilas fornecidas pelo Sistema Privado de
Ensino, através do grupo Positivo, de Curitiba – PR.
A partir dessas concepções, situamos características de um currículo neoliberal que
vem para reformar o Sistema Público Municipal de Ensino e a partir dessas mudanças os
professores passaram a “reaprender” suas práticas e valores. As apostilas que são distribuídas
aos professores, através de um kit escolar, surgem como um pacote de “soluções
educacionais” para tornar a educação municipal mais eficiente e de resultados, mesmo que os
discursos do governo municipal, não circulem nessas características e posicionamentos.
Com a adesão do Sistema Privado de Ensino pelo Sistema Público de Ensino, a
metáfora configura-se, além da eficiência, que o setor público passa a ser diferente,
aprendendo lições com base nos métodos e valores do setor privado e aprendendo a ser
reformar de acordo com as Diretrizes estabelecidas no currículo prescrito. Para os pais, os
discursos circulam de que os filhos passariam a ter o mesmo material dos alunos das escolas
particulares, sustentando assim um falso imaginário de melhoria da qualidade de ensino, ou
seja, os alunos da escola particular são melhores porque tem um material apostilado, como os
pais da escola pública não podem financiar essa ensino privado, o Sistema Público Municipal
de Ensino se encarrega em tornar esse sonho possível, comprando um Sistema Privado de
137
Ensino. Portanto, o setor público passa a ser modelo de eficiência pela adesão às apostilas e,
consequentemente, o ensino passa a ser visto como sendo do setor privado.
Os professores considerados à margem de toda essa discussão são vistos como
simples implementadores da escolha do governo municipal, passando assim, também, a serem
reguladas as suas práticas pedagógicas. Porém, mesmo sendo os seus discursos
considerados ocultos, nas escolas circulavam discussões e opiniões frente à adesão das
apostilas, ora contra ou ora a favor dessa mudança.
Partindo dos discursos à prática, o governo municipal marca uma reunião em uma
escola municipal e, o que seria a apresentação de uma proposta e do próprio grupo Positivo,
torna-se, de fato, a implementação da mesma, inclusive entregando aos professores o
respectivo Kit escolar, contendo as apostilas. Tanto o governo municipal quanto o grupo
Positivo alcançaram êxito no resultado da reunião; os professores imediatamente começam a
analisar o material. O resultado das análises traz respostas importantes ao governo municipal,
mesmo os professores não participando do processo de discussão à mudança, em suas práticas
na sala de aula, eles passam a reinterpretar o material apostilado, integrando seu próprio
conhecimento e suas experiências curriculares na prática, vividas anteriormente. “Os
profissionais que atuam no contexto da prática (escolas, por exemplo) não enfrentam os textos
políticos como leitores ingênuos, eles vêm com suas histórias, experiências, valores e
propósitos (BALL, 1992).
Entendemos, com isso, que os professores, a partir das Narrativas consideram as
políticas curriculares decididas e implementadas pelo governo municipal, como deslocáveis e
flexíveis. A partir de então, começam a redirecionar o olhar para a possibilidade de autonomia
em suas práticas, redirecionando objetivos, conteúdos, metodologia e avaliações.
Passados quatro anos do sistema apostilado (2005 a 2008), o governo municipal
(2009 a 2012) decide por realizar uma pesquisa junto aos professores, na tentativa de refletir
sobre os resultados que o sistema apostilado vem proporcionando, principalmente com
relação às aprendizagens dos alunos e as práticas dos professores. Assim, os professores da
educação infantil ao 5° ano decidem pela retirada das apostilas, enquanto os professores do 6°
ao 9° ano decidem pela sua continuidade.
Porém, as entrevistas realizadas com o prefeito municipal Clomir Bedin e secretária
de educação Avanice Lourenço Zanatta elaboram seus discursos voltados à melhoria do IDEB
do município e se as apostilas realmente contribuíram para isso, ocultando, portanto, o
discurso anterior, sobre as aprendizagens dos alunos e as práticas dos professores. Também
138
revelam que mesmo tendo conhecimento sobre o uso indevido dos recursos públicos com a
compra das apostilas, os gestores dão continuidade as mesmas, do 6° ao 9° ano.
Com relação ao IDEB, algumas questões se fazem presentes e pela qual queremos
considerar, quando há poucos dias foram divulgados os resultados referentes a 201130. Os
discursos do governo municipal (2009 a 2012) que circularam foram e vem sendo totalmente
contrários ao sistema apostilado, uma vez que não resultaram na melhoria da qualidade do
ensino, principalmente do 6° ao 9° ano, ao contrário, os índices por escola apontaram a
diminuição da nota. Também deram lugar aos discursos, um comparativo entre os resultados
alcançados nos anos finais, pelos municípios de Lucas do Rio Verde - MT (5,2), Sinop - MT
(4.7) que não possuem sistema apostilado e, Sorriso - MT (4,6) que, a praticamente 7 anos
possui o sistema apostilado. Citamos essa rota da BR 163 por serem esses três municípios os
que mais têm se desenvolvido em termos populacionais e econômicos nos últimos anos. Ao
contrário, com relação aos anos iniciais do ensino fundamental, também houveram discursos
positivos, ou seja, utilizando a mesma rota de município da BR 163, Lucas do Rio Verde -
MT (6,2), Sinop - MT (5,1) e Sorriso - MT (5,2), sem o sistema apostilado nos municípios.
Com isso, os discursos políticos aos quais vem sendo construídos, levam em conta que a
retirada das apostilas possibilitou ao município de Sorriso – MT alcançar um resultado
significativo no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB, nos anos iniciais do
ensino fundamental.
Quanto a isso, queremos destacar a voz de um dos professores que participaram da
pesquisa.
(...) quando a gente começou com a apostila a gente experimentou ela e posso te afirmar que o resultado nunca foi positivo (...). Então, professora quero deixar só uma ideia pra você que faz parte lá da secretaria de educação e não sei se caberia nessa sua pesquisa. Vocês deveriam fazer uma avaliação interna sobre o uso dessas apostilas, saber se realmente houve e continua havendo aprendizagem já que agora mudou de sistema, mas, professores, pensem nisso. (Professor de Matemática)
As vozes dos professores, em 2006, já revelavam que o sistema apostilado não estava
possibilitando aos alunos aprendizagens significativas, ou mesmo mais eficazes. Os
professores também enfatizaram que os conteúdos, as metodologias e a própria avaliação,
traziam recortes de outros materiais, inclusive os livros didáticos e que isso contribuía para
um ensino fragmentado em sala de aula e para o próprio conhecimento do aluno. Por isso, à
medida que essas observações eram feitas, os próprios professores foram utilizando outras
30 www.inep.gov.br/provabrasil
139
metodologias, inclusive àquelas as quais eles mesmos desenvolviam anteriormente ao sistema
apostilado, por considerarem as mesmas mais próximas a realidade do aluno.
É preciso que repensemos as discussões curriculares no âmbito de governos
municipais, estaduais e federal. As Políticas de Currículo implementadas a nível de uma
decisão de governo não tem possibilitado melhorias na educação, mas sim, tem fortalecido a
reação negativa dos professores, principalmente pela não participação dos mesmos nas
reformas de currículo, afinal quem detém as práticas em sala de aula, são os professores.
Como anteriormente já citamos, Sorriso – MT ainda sofre conseqüências com
relação à Política de Currículo Apostilado. Ao final de cada ano é realizado um processo
licitatório com abertura de concorrência de empresas que queiram participar, a fim de oferecer
um sistema apostilado ao município. De 2005 a 2010 somente o grupo Positivo detinha esse
mercado de Sorriso – MT. Nos anos de 2011 e 2012 passou a fornecer as apostilas, o Sistema
Maxi de Ensino. Para o próximo ano já te procurado o setor de licitações da administração
municipal, também a FTD, ou seja, os professores terminam o ano com uma empresa e há
possibilidade em começarem o próximo com outra empresa que certamente traz outra
proposta, em termos de conteúdo, metodologia e avaliação.
O Sistema Público Municipal de Ensino em Sorriso – MT necessita urgentemente
reconsiderar as vozes dos professores, não somente em reuniões pontuais, mas sim, através de
encontros de reflexão sobre um Sistema Privado de Ensino estabelecer as Diretrizes de
Conhecimento dos alunos, lembramos, totalmente desconectados da realidade e, cada vez
mais, ineficazes. Nesse ínterim, a autonomia dos professores na escolha do currículo é
inevitável e urgente, como também, o conhecimento dos mesmos adquiridos durante a sua
formação sendo, portanto, os recursos didáticos um complemento às práticas pedagógicas. É
preciso, portanto, direcionar os professores no centro das decisões sobre políticas curriculares.
140
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143
ANEXO I
MESTRADO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA
CURRÍCULO, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICAS ESCOLARES ROTEIRO DE ENTREVISTA
Categoria: Semi –estruturada
Entrevistada: Prefeito Municipal Dilceu Rossato (2005 a 2008)
1. Quais são suas concepções sobre Educação, Professor e Aluno?
2. Quais eram as convicções trazidas, com relação à educação do município de Sorriso
(CEMEIS e Escolas Municipais) e o que se tornou realidade na sua gestão?
3. Qual era a sua opinião frente ao sistema apostilado fazer parte da realidade das escolas
municipais de Sorriso?
4. Quando da implantação do sistema apostilado, de 2006 a 2008, conforme os registros da
Secretaria de Educação sempre se manteve presente, discutindo sobre a educação no
município. Nesse sentido, percebeu avanços na educação do município?
5. Com relação aos avanços da educação, acha que se deram em virtude da implantação do
sistema apostilado.
6. Conforme os dados estatísticos do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB,
o município de Sorriso obteve a melhoria da nota no ensino fundamental. O que considera
que contribuiu com essa melhoria?
7. Acha que o Grupo Positivo contribuiu para a melhoria da qualidade de ensino do município
de Sorriso?
8. Considerações Finais.
144
ANEXO II
MESTRADO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA
CURRÍCULO, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICAS ESCOLARES ROTEIRO DE ENTREVISTA
Categoria: Semi –estruturada
Entrevistada: Secretária Municipal de Educação Marisa de Fátima dos Santos Neto (gestão
2005 a 2008)
Local:
Data:
Horário:
Justificativa: a Dirigente Municipal, de 2005 a 2008, exerceu um cargo na Secretaria de
Educação e Cultura. Assim, a respectiva Administração Municipal foi responsável pelos
encaminhamentos e discussões em torno da implantação do sistema apostilado no município
de Sorriso – MT.
1) De quem partiu a ideia do Currículo Apostilado no Município de Sorriso? E, por quê?
2) Percebe-se pelos registros na Secretaria de Educação, que houve de forma bastante
planejada todo um cronograma de trabalho até, de fato, a implantação do sistema apostilado.
Portanto:
2.1. Em meados de julho de 2005, em reunião com a Administração Municipal, a equipe
pedagógica da SMEC discutia sobre a implantação do sistema apostilado. Quais foram os
principais argumentos para com o prefeito em relação à implantação do sistema apostilado?
2.2. Consta ainda que em agosto do mesmo ano, o Grupo Positivo, no Hotel OPUKA,
realizava uma reunião para apresentação do material. Conte-nos um pouco sobre essa reunião,
quem eram os participantes e como foi à receptividade do material.
2.3. Por que houve a fundação da Associação de Pais de Sorriso? A APS contribuiu para a
implantação do sistema apostilado? De que forma?
145
2.4. Percebe-se, também, de forma bastante organizada, uma sucessão de reuniões com as
Escolas Municipais. Quem eram os participantes das mesmas e sobre o que tratavam as
reuniões, especificamente?
2.5. Consta, ainda, nestes registros, que houve uma mobilização da SMEC junto às empresas
do município, no sentido de buscar parcerias. No que consistia essa parceria?
2.6. Qual foi a participação da Ação Social nesse processo de implantação do sistema
apostilado?
2.7. Em meados de outubro, houve uma reunião com a Câmara de Vereadores para a
apresentação do sistema apostilado. Como percebeu o engajamento da Câmara nesse
processo.
3. Por que o Grupo Positivo?
4. Na época, como percebeu a aceitação dos professores para com o Sistema Apostilado? E,
quanto aos diretores, percebeu o apoio deles no processo de implantação.
5. De 2005 a 2008, em sua opinião, qual a relação existente entre o IDEB – Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica com o Sistema Apostilado, no Município de Sorriso.
6. Em algum momento, sentiu alguma resistência quanto à implantação do sistema apostilado.
Caso tenha sentido, como enfrentou e/ou lidou com esse processo.
7. Atualmente, enquanto representante do Poder Legislativo, como vê a continuidade do
sistema apostilado do sexto ao nono ano do ensino fundamental.
8. Considerações Finais.
146
ANEXO III
MESTRADO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA
CURRÍCULO, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICAS ESCOLARES ROTEIRO DE ENTREVISTA
Categoria: Semi –estruturada
Entrevistada: Prefeito Municipal Clomir Bedin (gestão 2009 a 2012)
1. Quais são suas concepções sobre Educação, Professor e Aluno?
2. Quais eram as convicções trazidas, com relação à educação do município de Sorriso
(CEMEIS e Escolas Municipais) e o que se tornou realidade na sua gestão?
3. Qual era a sua opinião frente ao sistema apostilado fazer parte da realidade das escolas
municipais de Sorriso?
4. Quando da implantação do sistema apostilado, de 2006 a 2008, conforme os registros da
Secretaria de Educação sempre se manteve presente, discutindo sobre a educação no
município. Nesse sentido, percebeu avanços na educação do município?
5. Com relação aos avanços da educação, acha que se deram em virtude da implantação do
sistema apostilado.
6. Conforme os dados estatísticos do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB,
o município de Sorriso obteve a melhoria da nota no ensino fundamental. O que considera
que contribuiu com essa melhoria?
7. Acha que o Grupo Positivo contribuiu para a melhoria da qualidade de ensino do município
de Sorriso?
8. Considerações Finais.
147
ANEXO IV
MESTRADO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA
CURRÍCULO, FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICAS ESCOLARES ROTEIRO DE ENTREVISTA
Categoria: Semi –estruturada
Entrevistada: Secretária de Educação Avanice Lourenço Zanatta (gestão 2009 a 2012)
1. Quais são suas concepções sobre Educação, Professor e Aluno?
2. Quais eram as convicções trazidas, com relação à educação do município de Sorriso
(CEMEIS e Escolas Municipais) e o que se tornou realidade na sua gestão?
3. Qual era a sua opinião frente ao sistema apostilado fazer parte da realidade das escolas
municipais de Sorriso?
4. Quando da implantação do sistema apostilado, de 2006 a 2008, conforme os registros da
Secretaria de Educação sempre se manteve presente, discutindo sobre a educação no
município. Nesse sentido, percebeu avanços na educação do município?
5. Com relação aos avanços da educação, acha que se deram em virtude da implantação do
sistema apostilado.
6. Conforme os dados estatísticos do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB,
o município de Sorriso obteve a melhoria da nota no ensino fundamental. O que considera
que contribuiu com essa melhoria?
7. Acha que o Grupo Positivo contribuiu para a melhoria da qualidade de ensino do município
de Sorriso?
8. Considerações Finais.
148
ANEXO V
PESQUISA QUALITATIVA Prezado(a) Professor(a) A respectiva coleta de dados tem por objetivo obter informações para
uma pesquisa de mestrado. Gostaríamos de poder contar com a sua colaboração no sentido de
nos fornecer respostas que sejam verdadeiras.
Se for de sua preferência, poderemos estar encaminhando este
documento de coleta de dados por email
Certos de poder contar com a sua valiosa contribuição, desde já
agradecemos sua participação.
Atenciosamente
Maria Eloísa da Silva Mestranda em Educação
PPGE/IE/UFMT I – IDENTIFICAÇÃO
Professor (a): Língua Inglesa
Escola:________________________________________________________________
Telefone: ______________________________ email:_________________________
Idade: ( ) Entre 20 e 25 anos ( ) Entre 26 e 30 anos ( ) Entre 31 e 35 anos ( ) Entre 36 e 40 anos ( ) Entre 41 e 45 anos ( ) Entre 46 e 50 anos ( ) Acima de 50 anos II – FORMAÇÃO
149
( ) Ensino Médio
( ) Superior com Graduação em ___________________________________________
( ) Pós-graduação com Especialização em___________________________________
( ) Pós-graduação – ( ) Mestrado ( ) Doutorado
III – TEMPO DE DOCÊNCIA
a) Tempo de Docência:____________________________________________________
b) Tempo de Docência no Ensino Fundamental de Sorriso:_______________________
c) Tempo de Docência na Unidade Escolar:___________________________________
d) Disciplina que atua:____________________________________________________
d) Ano(s)/Série(s) em que atuou:
2006:__________________
2007:__________________
2008:__________________
2009:__________________
2010:__________________
IV – CONTEXTO DA PRÁTICA
4.1. Conte-nos como foi seu primeiro contato com o sistema apostilado. O que você tem a
contar sobre o momento em que recebeu a apostila de sua disciplina.
4.2. Professor(a), como você descreve a apostila.
4.3. Como você vê a apostila, com relação aos conteúdos. Você concorda com esses
conteúdos, como você percebe a seleção dos respectivos conteúdos. Como você os classifica.
4.4. Conte sobre a metodologia. Cada conteúdo, ao que se percebe, segue com uma explicação
em relação a como o (a) professor(a) deve proceder o desenvolvimento do mesmo. Como
você vê isso. Você segue conforme a especificação do que traz a apostila ou como você faz.
4.5. Com relação à Avaliação de sua disciplina, também a apostila apresenta sugestões de
como você deve proceder na avaliação, conforme o conteúdo trabalhado. Como você, diante
disto, encaminha esse processo.
150
4.6. Na sua visão, como os teus alunos percebem a apostila em relação a sua disciplina. Qual a
reação e a aprendizagem deles.
4.7. Como você percebe a relação de acompanhamento dos pais em relação às apostilas. Há
cobranças em relação ao cumprimento da mesma. Você já recebeu essas cobranças e de que
forma você lida com elas.
4.8. Professor(a), independentemente das apostilas, você seria capaz de montar um
planejamento curricular para a sua disciplina. Como seria esse planejamento, sucintamente,
em termos de conteúdos, metodologia e avaliação.
4.9. Professor(a), fazendo uma auto-avaliação; como você se vê diante do sistema apostilado.
4.9. Comentários Finais.
151
ANEXO VI
TERMO DE ESCLARECIMENTO AOS PARTICIPANTES DA PESQUISA Pesquisa: A Reinterpretação curricular no contexto da Política de Currículo Apostilado
na Rede Municipal de Ensino de Sorriso – MT
Pesquisadora Responsável: Maria Eloísa da Silva
Orientadora Responsável: Profª Drª Jorcelina Elisabeth Fernandes
Instituição: Universidade Federal de Mato Grosso – Programa de Pós-Graduação em
Educação – Mestrado em Educação – Linha de Pesquisa em Currículo, formação de
professores e práticas escolares.
Professor(a), você está sendo convidado(a) a participar de um estudo que
pretende, através da realização de uma entrevista, conhecer sobre como se deu o contexto de
sua prática, no decorrer da utilização do material apostilado do Sistema Positivo de Ensino em
Sorriso, estado de Mato Grosso.
A entrevista será utilizada somente para coleta e análise de dados. Caso
você participe da entrevista, esta será gravada somente a partir de sua autorização e também
servirá de dados de estudo e aprofundamento, de forma que você, em nenhum momento, será
identificado. Seu nome não será divulgado e será mantido sob intenso sigilo, no caso de
publicação ou exposição deste trabalho, não havendo qualquer risco de exposição do seu
nome. No entanto, é imprescindível de que você terá plena liberdade em retirar-se do trabalho
a qualquer momento e sem qualquer prejuízo.
No decorrer da pesquisa, estarei à disposição para quaisquer informações as quais
achar pertinente e, ao término desta pesquisa, comprometo-me em dar a devolutiva dos
resultados a todos os participantes
Desde já agradeço a sua participação!
152
ANEXO VII
TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA USO DA ENTREVISTA NARRATIVA Eu, ___________________________________________________________________
abaixo assinado, após esclarecimentos sobre a pesquisa intitulada “A reinterpretação
curricular no contexto da política de currículo apostilado na rede municipal de ensino de
Sorriso – MT”, cuja pesquisadora responsável é Maria Eloísa da Silva, mestranda
PPGE/UFMT/IE, declaro-me conhecedor(a) das condições as quais me foram asseguradas no
decorrer da entrevista, as quais compete sobre a segurança de que não serei identificado(a) e
de que será mantido em caráter confidencial de informação relacionada com minha
privacidade. Ainda, autorizo a pesquisadora em utilizar os dados disponibilizados na
entrevista, para fins de interpretação e análise. Declaro, ainda que concordo inteiramente com
as condições que me foram apresentadas, bem como a participar deste projeto como
voluntário(a).
Sorriso (MT), julho de 2011.
_________________________________________
Assinatura
_________________________________________
RG