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PERFIL
“O gênero humano não pode suportar a realidadeem demasia.” Essa frase, pertencente ao poetaThomas Stearns Eliot, um dos autores admiradospelo engenheiro, filósofo e amante da literatura,Milton Vargas, pode ser considerada o motede sua vida, já que durante os seus 97 anoso engenheiro passou pelas diversas esferas
do conhecimento, aprendendo e ensinando,demonstrando ser um estudioso incansável.
MILTONVARGASA MODÉSTIADOS SÁBIOSUM HOMEM QUE DEDICOU SUA VIDA AO CONHECIMENTO AMPLO, TANTO DAS CIÊNCIAS COMO DAS ATIVIDADES
PRÁTICAS, SENDO UM NOME DE RECONHECIMENTO NA ÁREA DE ENGENHARIA,FILOSOFIA E LITERATURA.
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conhecimento. Já a paixãopela engenharia come-
çou nas brincadeiras com
os filhos dos engenheiros
americanos, e também pormeio da convivência com
essas obras grandiosas que
possivelmente o impres-
sionaram quando criança”,
relata Maria Teresa.
Sua irmã mais nova, Maria Teresa Var-gas, o descreve como uma pessoacuriosa pela vida, pelo que aconteciaà sua volta. Essas características co-meçaram a ser despertadas em Miltonainda quando criança, na companhiado avô em Niterói, sua cidade natal, etambém quando acompanhava o pai,Abel Vargas, que era médico sanitaris-ta e trabalhava na Light, empresa res-ponsável pela distribuição de energiano Rio de Janeiro e que realizavou aconstrução de grandes barragens.
“Do meu avô, que era curioso e gos-tava muito do saber, provavelmenteo Milton herdou esse interesse pelo
Da esquerda para a direita, Mabel (irmã de Mil-ton), Durvalina, Dhyla e Dalva (primas),
Milton Vargas – 1919
Magdalena Vargas, mãe deMilton, entre dois funcioná-rios da Ligth and Power, na
Fazenda da Água Fria (acam-pamento da Light) – 1913
Milton, junto com a esposae a filha Maria Cristina, na
fazenda Pereiras – 1943
Fazenda da Água Fria (acampamento da Light) fez parte do cenárioda infância de Milton Vargas
Casamento de Milton Vargas e Maria Helena,em 1940
Filhos de Milton Vargas – Maria Cristina, Antônioe Abel – 1950
Casado com Maria Helena, que faleceu em 2001, pai de quatro filhos, Maria Cristi-
na, Antonio, Abel e Mariana, avô e bisavô, o intelectual Milton Vargas, como pode
ser considerado, faleceu no dia 11 de maio de 2011, deixando como legado seus
trabalhos e suas inovações, especialmente na área de comportamento de solos
tropicais, de tratamento de fundações, além de pesquisas e estudos em filosofia
para as presentes e futuras gerações.
HISTÓRIA
Milton Vargas nasceu em 17 de fevereiro de 1914 e se formou primeiramente em
engenharia elétrica, em 1938, e em engenharia civil, em 1942, pela Escola Politéc-nica de São Paulo (EPUSP). Nos anos de 1938 a 1952 passou de aluno a engenheiro
auxiliar e chefe da Seção de Solos e Fundações do Instituto de Pesquisas Tecnoló-
gicas (IPT), tornando-se presidente do Instituto.
Em 1946 realizou o curso de pós-graduação na Graduated School of Applied Scie-
ces, na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Seu objetivo era pesquisara fundo sobre a Mecânica dos Solos, especialmente as diferenças encontradas nosolo brasileiro, variando de acordo com as regiões.
Bisnetos de Milton, ne-tos do filho Abel: filhosde Lucas e Maya: Helena,Catarina, Valentina eTheo – 2007
Milton Vargas, nos tempos do IPT
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CONVIVÊNCIA
Os alunos e profis-sionais que de algu-ma forma tiveramcontato direto comMilton Vargas o
descrevem como uma pessoa amá-vel, simples, de trato fácil, rigoroso e
inteligente.
O engenheiro José Luiz Saes foi assis-
tente do dr. Milton na Escola Politécni-
ca, de 1964 a 1972, e diz que aprendeumuita coisa com ele, pois tinha uma
forma sábia de encarar os problemas.
“Profissional extremamente competen-te, ele trazia consigo um grande conhe-
cimento dos solos, pois o engenheiro
não tem que ser técnico, ele precisa ter
um conhecimento geral sobre tudo. Eisso Milton Vargas tinha”, relata.
Tarcísio Celestino, gerente de Enge-nharia Civil na Themag, conta comcerca de 40 anos de convívio contí-nuo com o engenheiro. Ele explicaque, durante a faculdade, antes deter aula com o renomado professor, já ouvia falar dele e tinha curiosidadede saber quem era essa figura que to-dos comentavam. “Eu comecei a teraula com Milton Vargas no terceiroano da Escola Politécnica da Universi-dade de São Paulo e, antes de conhe-
Milton e Maria Helena, nos EUA, na época em queele estudou em Havard – 1946
FEPASA – Milton Vargas com a filha Mariana
e engenheiros. Atrás, motoristas da ThemagEngenharia – 1986
José Luiz Saes
Seus questionamentos despertaramo interesse do então professor Karlvon Terzaghi, um dos principais no-mes da Mecânica dos Solos do mun-do, que veio ao Brasil para conhecero tão falado solo residual descrito porVargas, um tipo de solo que seu mes-tre desconhecia.
“Milton Vargas foi oprimeiro do País e domundo a abordar so-bre argilas residuais etambém o primeiro atratar de solos típicosda nossa terra, os so-
los tropicais. Ele foi o pioneiro em fa-zer uma abordagem importante, sejado ponto de vista laboratorial ou decaracterísticas e comportamento no
terreno”, conta o professor emérito daUniversidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ), Fernando Emmanuel Barata.
O seu pioneirismo em diversos seto-res incluiu o título de primeiro Profes-sor Catedrático da EPUSP, em 1952,na área de Mecânica de Solos e Fun-dações, com a tese Resistência e Com- pressibilidade de Solos Residuais. Noano de 1961, juntamente com quatroconsultores, fundou a Themag Enge-
nharia, atuando em diversos tipos deobras como na elaboração de proje-
20º aniversário da Themag – dezembro de 1981
tos de usinas hidrelétricas, as de Ju-piá, Ilha Solteira, Paulo Afonso, Itaipu,Euclides da Cunha, Tucuruí, Porto Pri-mavera e Ilha Grande.
Além dos inúmeros trabalhos realiza-dos, o engenheiro exerceu diversas
atividades como consultor em Mecâ-nica dos Solos e Engenharia de Bar-ragens de Terra e Fundações, pres-tando consultoria para a CompanhiaHidrelétrica do Rio Pardo (CHERP),Usina Hidrelétrica do Paranapanema(USELPA) e Companhia SiderúrgicaPaulista (COSIPA).
O ex-chefe da Divi-são de Fundaçõesda Themag, Ladis-
lau Paladino, estána empresa desde1969 e lista alguns
trabalhos em que atuou juntamen-te com o dr. Milton Vargas, como asobras rodoviárias da Rodovia dosImigrantes; Marginais da Via Anchie-ta; Rodovia Piaçaguera-Guarujá, naBaixada Santista; avenida Água Es-praiada, em São Paulo; e obras me-troviárias na capital paulista, como
as estações Jardim São Paulo, ParadaInglesa e Vila Madalena.
Landislau Paladino
Milton Vargas, aolado de Terzaghi
Milton Vargas e oprofessor Barata
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cê-lo pessoalmente, imaginava alguémgrandioso, pomposo. Mas ao entrar nasala, me deparei com uma pessoa sim-ples, apresentando uma aula atrativa eque despertou em mim o interesse pelaárea de Mecânica dos Solos”, relata.
A engenheira con-sultora da Themag,Maria Regina Moretti,conheceu o profes-sor na graduação, em1979. Na empresa,
passou a traba-lhar diretamente comMilton Vargas, o que resultou em umarelação estreita e de confiança, sempreacompanhada de histórias e lições, tan-to da profissão quanto de vida.
Maria Regina relata um episódio emque estavam em uma barragem proje-tada por ela, e o engenheiro a questio-nou sobre a posição do talude, se eleestava muito íngreme. “Eu disse quetinha feito os cálculos de estabilida-de e que tudo estava aparentementecorreto, mas ele, sempre disposto aensinar, me deu um conselho, dizen-do que quanto mais velho a gentefica, mais o talude tem que ficar suave,porque acabamos nos tornando mais
cuidadosos e tambémnão conseguimos maissubir no talude”, conta.
Didática e prática eramduas característicaspresentes em sua tra- jetória profissional. O
engenheiro Celso Or-lando, que trabalhou efoi aluno de Vargas nagraduação e no mes-trado, explica que a
porto de Congonhas, me tratando comgrande respeito e atenção”, explica.
Fazer a relação entre atividades com-pletamente diferentes e tentar verqual a semelhança entre elas foi aprincipal lição aprendida com o pai,não somente no trabalho, mas na
vida inteira, explica Mariana Vargas,uma das quatro filhas do engenheiro.
Mariana, que trabalha como geógra-fa na Themag, conta que o pai tinhaprazer em trabalhar e que não sepa-rava trabalho de lazer, pois um pas-
100 anos da Poli, na velha Congregação
Milton Vargas e Maria Helena, rodeados porengenheiro – década de 1950
Maria Regina Moretti
vivência, a visão prática dos proble-mas e a tomada rápida de decisãoeram atitudes claras no professor.
“Logo que entreina Themag, acon-teceram problemas
de ruptura de solosmoles em Belém, enós ficamos preo-
cupados. A equipe foi antes paraesperar o professor e depois de doisdias ele estava lá. Todo mundo esta-va apavorado. Quando Milton Var-gas chegou, viu o problema e falou:‘Nossa, que coisa didática’. Isso mos-tra que ele estava vendo além dosproblemas, preocupado em como
aquele caso serviria de ensino. Eleestava à frente da situação, à frentede todos nós”, diz.
O professor emérito da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fer-
nando Emmanuel Barata, não traba-
lhou diretamente com Milton Vargas,
mas esteve com ele várias vezes, prin-
cipalmente em eventos. Encontrou
Milton Vargas pela primeira vez em
1951, quando foi para São Paulo para
ficar três dias no IPT, em um estágio.Desse pouco tempo juntos, o mestre
Barata guarda na memória a forma
seio poderia se transformar em umturismo geológico e geotécnico. “Sealguém aparecesse no domingo paraconversar sobre engenharia, ele esta-va disposto a conversar e ficar horasfalando sobre o assunto”, diz.
E a capacidade derelacionar as ativida-des, verificando a uti-lização delas em dife-rentes áreas, fez comque o engenheiro
se interessasse pela geologia, transfor-mando a Themag em uma das primei-
ras empresas a contratar um geólogopara trabalhar junto à engenharia. Ogeólogo Luiz Ferreira Vaz trabalha naempresa desde 1975 e garante que aconvivência com Milton Vargas, porcausa do interesse em comum, sem-pre foi agradável. “Ele era uma pessoainteligente e de bom senso”. Para Vaz,o principal legado do engenheiro foipara a Mecânica dos Solos, por ser umdos fundadores da geotecnia brasileira.
“A engenharia brasileira deve muito aodr. Milton”, ressalta.
atenciosa como o professor o
tratou, mesmo já sendo reco-
nhecido no Brasil e no mundo.
“Ele me recebeu no IPT de uma
maneira formidável, o que me
impressionou bastante. Eu ti-
nha apenas um ano de forma-
do e ele me levou para visitar asobras da construção do aero-
Celso Orlando
Luiz Ferreira Vaz
Carmen Lucia, secretária, e Mariana, filha caçulade Milton Vargas
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Mesmo aos 97 anos,Milton Vargas com-parecia sistematica-mente na empresa;e antes, quandoacompanhava as
obras, não se contentava em per-manecer no asfalto. “Aos 75 anos,Vargas ainda subia em talude. Oque me impressionava nele era que,em pouco tempo de observaçãoem uma obra, já sabia identificar anecessidade e qual era o problema.Ele era uma pessoa completa”, diz oengenheiro João Pimenta, que estáa 23 anos na Themag.
pai que ensinou mais do que corrigiu,sempre acompanhando e auxiliandonos trabalhos.
MUITO ALÉM DA
ENGENHARIA
Um engenheiro diferente com umapredisposição natural para apren-der sobre aquilo que via. Esse erao Milton Vargas. Sua irmã Maria Te-resa acredita que o interesse tantopela engenharia quanto pela filoso-fia e literatura sempre caminharam juntos.
Amigo do pensador e filósofo VilémFlusser, os dois mantinham um nú-cleo intelectual, com reuniões na casa
de Flusser frequentadas por arquite-tos, artistas, literários e pessoas dediferentes áreas que se encontravampara realizar discussões acaloradassobre todos os tipos de assuntos.
Segundo o filho de Villém Flusser,Miguel Flusser, mesmo depois queseu pai se mudou para a França, eles
continuavam a conversar, trocandocorrespondências que, na verdade,eram artigos sobre diversos temas,situações que estavam acontecendono momento e que se transformarãoem livro no futuro.
De acordo com Mi-guel Flusser, Milton
Vargas não deve servisto apenas comoengenheiro. Ele eraum homem de inte-
resse e conhecimento universal, atu-ante no mundo intelectual e literáriode forma intensa. “Meu pai o consi-derava um homem extraordinário”,acrescenta Miguel.
Em 1951, Vargas ajudou na fundaçãodo Instituto Brasileiro de Filosofia
(IBF), ministrou cursos de Filosofia daCiência no Instituto e publicou diver-sos artigos sobre filosofia e história daciência, apresentando contribuiçõessobre esses temas em vários congres-sos nacionais e internacionais de His-tória da Ciência.
Participação no CongressoLuso-Brasileiro de História
da Ciência e da Técnica– Coimbra – 2000
Dr. Milton Vargas, em Congresso em Foz do Iguaçu
João Pimenta
Carmen Lucia, secretária do Milton
Vargas na Themag há mais de 40
anos, pode ser considerada o braço
direito dele. Ela relata que aprendeucom o engenheiro especialmente a
humildade. “Mesmo com todo o co-
nhecimento e cultura que ele tinha,era humilde e sabia lidar com todos”,
conta. Nos anos de convivência, Car-
men Lucia explica que o engenheiro aorientava sempre a não barrar as pes-
soas, aqueles que apareciam ou liga-
vam para conversar. Era para semprepermitir a entrada. “Ele dava atenção
para todo mundo”, completa.
Para o ex-chefe dedepartamento eatual consultor sê-
nior interno na áreade geomecânica daThemag, Giacomo
Re, nos 42 anos em que conviveram,
o engenheiro e professor foi para elemais que um mestre. Foi como um
Giácomo Re
Miguel Flusser
Automóvel Club. Da esquerda para a direita, Te-lêmaco Langendonck, Milton, Terzaghi, Arnaldo
Vilares, A Ackermann e H. Jorge Guedes
Milton Vargas recebendo o título de ProfessorHonoris Causa, pela UFRJ
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Na Escola Politécnica da Universida-
de de São Paulo, nos anos de 1963 a1967, lecionou Filosofia e Evolução da
Ciência e ministrou um curso de pós-
graduação na EPUSP sobre Metodo-
logia da Pesquisa Tecnológica, o que
resultou em um livro com o mesmo
nome, publicado em 1985.
Além dessa publicação, lançou a obraVerdade e Ciência e foi autor de quase100 crônicas sobre aspectos da realida-de filosófica-social-econômica do Paíse da América Latina, veiculadas no jor-nal Folha de S. Paulo.
Milton Vargas, em 1989, foi eleito mem-bro da Academia Paulista de Letras,realizando pronunciamentos nas se-ções desse grupo seleto. Publicou ar-tigos literários, como o livro Poesia eVerdade, em 1991, em sua revista e naRevista Brasileira da Academia Brasilei-ra de Letras. Lançou também em 1994o livro Para uma Filosofia da Tecnologia.
“A participação dele no mundo culturalera bem ativa e precisa ser reconhecido
também nessa área paralela à enge-nharia”, enfatiza Miguel Flusser.
Homenagem da ABMS e ABGE, em 2010. Ao fundo,a filha Mariana e a irmã de Milton, Maria Teresa
Na UFRJ, evento para recebimento do título de Professor Honoris Causa
30 anos da ABGE, em 1998
Milton Vargas e esposa, em jantar da CESP em 1999
Milton em obra no Metrô
Milton Vargas, o segundo em pé, da esquerda para a direita, perfilado com os membros da AcademiaPaulista de Letras
Dr. Milton Vargas,em Congresso em
Foz do Iguaçu
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Foto Maior – Obra: Construção
do Banespa
Local: São Paulo
Data: 1939
Acervo do IPT – Instituto de Pesquisas
Tecnológicas
HISTÓRIA
Foto Menor – Obra: Construção do
Banespa – Prova de Carga
Local: São Paulo
Data: 1939
Acervo do IPT – Instituto de Pesquisas
Tecnológicas
Obras Milton Vargas
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Obra: Sondagens para a
Hidrelétrica Euclides da Cunha
Local: São José do Rio Preto – SP
Data: 1952
Acervo do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas