Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de Ciência Política
REDES SOCIAIS, SEGREGAÇÃO E POBREZA EM SÃO PAULO
Tese de livre docência
Eduardo C. L. Marques
São Paulo, agosto de 2007
“There is no such thing as society. There are individual men and women, and
there are families.”
Margaret Thatcher, 1987. “Even in the richest country in the world, … , lies Harlem, where it has been
estimated that a black male born and brought up in some areas has less
chance of reaching the age of 65 than a child born and brought up in rural
Bangladesh. Some Americans (perhaps even a majority) purport to believe that
this is not in some way a reflection on the way in which their society is
organized, but only on the moral (and maybe also genetic) degeneracy of the
citizens of the ghetto…
It is a matter for speculation how much the swing back to the notion that
people are personally responsible for their own social positions, as a result of
good or bad choices, owes to the rise of politicized religion”
Brian Barry, 2005
“For too long, we have ignored the importance of social networks in the design
of welfare policies because we have assumed that some combination of
incentives and skills are sufficient to tackle the problem of social exclusion…
The only debate about the future of welfare that is worth having is one about
how our system can become part of what sustains the network fabric of our
society.”
Perri 6, 1997.
Agradecimentos Este trabalho é profundamente marcado pelo ambiente do Centro de Estudos
da Metrópole (CEM) do Cebrap. A própria motivação de explorar
conjuntamente as redes e a segregação como mecanismos da produção das
condições de vida e da pobreza deriva de estudos anteriores que
desenvolvemos coletivamente, em especial do livro “São Paulo: segregação,
pobreza e desigualdades sociais” editado por mim e por Haroldo Torres em
2005. Além disso, esta tese de livre docência trás em si a influência de diversas
discussões travadas no interior do Centro ao longo dos últimos anos. Portanto,
o primeiro agradecimento vai para os diversos colegas do Centro que
contribuíram de forma difusa para este trabalho.
O segundo e mais efusivo agradecimento, entretanto, é endereçado à equipe
da pesquisa sobre redes e pobreza, que tem essa tese como um dos de seus
produtos. O grupo incluiu, em momentos diversos e pela ordem de entrada em
cena: Renata Bichir, Thais Pavez, Miranda Zoppi, Igor Pantoja e Encá Moya. A
participação de todos foi fundamental pelas muitas discussões conceituais,
empíricas e existenciais que travamos, assim como pela inestimável ajuda
operacional nas entrevistas e no processamento dos dados. Além deles,
Renata Gonçalves ajudou decisivamente na obtenção de imagens e dados
demográficos. A todos agradeço do coração. Espero que continuemos
trabalhando juntos e reproduzindo os nossos esforços conjuntos.
Por fim, mas não com menor destaque, agradeço sinceramente à Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelo financiamento
de longo prazo do Centro, sem o qual essa pesquisa não teria sido possível. No
caso do CEM, mais do que financiar esta ou qualquer outra investigação
especificamente, a Fapesp tem viabilizado avanços de pesquisa construídos
através do encadeamento de investigações ao longo dos anos, possibilitando
a produção de conhecimento cumulativo e articulado. Espero que os frutos
desse esforço se reproduzam no tempo e contribuam para a produção de um
campo de conhecimento mais rico e sistemático em ciências sociais.
Índice
INTRODUÇÃO 1
CAPÍTULO 1: CONSTRUINDO PONTES CONCEITUAIS ENTRE POBREZA, SEGREGAÇÃO E REDES 14
1. A POBREZA URBANA 15
2. A SEGREGAÇÃO E A PERIFERIA 29
3 . REDES SOCIAIS E PESSOAIS 34
a. As redes sociais 35
b. As redes pessoais 44
CAPÍTULO 2. A PESQUISA E AS ÁREAS ESTUDADAS 51
1. ALGUMAS DEFINIÇÕES OPERACIONAIS DE PESQUISA 53
2. PROCEDIMENTOS DE PESQUISA E ASPECTOS METODOLÓGICOS 57
3. AS LOCALIZAÇÕES 59
a. Cortiços da região central 59
b. Vila Nova Jaguaré 63
c. Favela Paraisópolis 66
d. Favela Vila Nova Esperança 70
e. Conjuntos habitacionais da Cidade Tiradentes 72
4. COMPARANDO OS LOCAIS DE MORADIA DOS ENTREVISTADOS 76
CAPÍTULO 3: AS REDES, SUAS CARACTERÍSTICAS E CONDICIONANTES 80
1. OS ENTREVISTADOS E SUAS CARACTERÍSTICAS 80
2. AS REDES E A SOCIABILIDADE 86
3. OS PRINCIPAIS CONDICIONANTES DAS REDES 95
a. Renda 95
b. Escolaridade 98
c. Idade e ciclo de vida. 99
d. Sexo 100
e. Migração e incorporação 102
f. Freqüência a templos 106
g. Espaço e segregação 107
4. SUMARIZANDO OS EFEITOS DOS CONDICIONANTES 111
2
CAPÍTULO 4. TIPOS DE REDES E TIPOS DE SOCIABILIDADE 114
1. OS TIPOS DE REDES 115
2. OS TIPOS DE SOCIABILIDADE 125
3. COMPARANDO OS TIPOS DE REDES E DE SOCIABILIDADE 133
CAPÍTULO 5. EXPLORANDO AS CONSEQÜÊNCIAS SOCIAIS DAS REDES 138
1. EMPREGO 139
2. EMPREGO PROTEGIDO 142
3. PRECARIEDADE SOCIAL 144
4. RENDIMENTOS 147
5. SUMARIZANDO OS EFEITOS DAS REDES 153
CONCLUSÃO 156
BIBLIOGRAFIA 166
Lista de Tabelas, Figuras, Mapas e Gráficos Mapa 1. Região Metropolitana de São Paulo (áreas pesquisadas indicadas)
Imagem 1. Região central (locais de cortiços com entrevistas indicados)
Imagem 2. Jaguaré e imediações (locais de entrevistas indicados)
Imagem 3. Paraisópolis (locais de entrevistas indicados)
Imagem 4. Vila Nova Esperança (indicada) e o bairro João XXIII
Imagem 5. Conjuntos em Cidade Tiradentes (locais de entrevistas indicados)
Tabela 1. Indicadores escolhidos dos locais de moradia dos entrevistados, 2000.
Tabela 2. Tabela resumo de dimensões e indicadores-síntese
Tabela 3. Indicadores médios por tipo de rede
Tabela 4. Incidência dos tipos de rede por local (%)
Tabela 5. Tipos de sociabilidade por esferas de sociabilidade
Tabela 6. Presença relativa dos grupos de sociabilidade nos locais (%)
Tabela 7. Cruzamento das tipologias de redes e sociabilidade
Tabela 8. Localismo e inserção urbana dos grupos
Tabela 9. Resultados do modelo GLM da renda familiar per capita (Ln)
Gráfico 1. Incidência das sociabilidades nos tipos de rede
Figura 1. Sociograma da entrevistada 164
Figura 2. Sociograma da entrevistada 93
Figura 3. Sociograma do entrevistado 155
Figura 4. Sociograma da entrevistada 47
Figura 5. Sociograma da entrevistada 60
Figura 6. Sociograma do entrevistado 52
Figura 7. Sociograma da entrevistada 142
Figura 8. Árvore da explicação do emprego (Chaid)
Figura 9. Árvore da explicação do “emprego protegido” (Chaid)
Figura 10. Árvore da explicação da “precariedade social” (Chaid)
1
Introdução
Essa pesquisa analisa as redes pessoais de indivíduos pobres em diversas
situações urbanas de pobreza, reconstituindo seus atributos, os padrões de
relações em que se inserem e investigando os condicionantes e as
conseqüências de suas redes pessoais. O trabalho acrescenta importantes
elementos relacionais ao entendimento da pobreza urbana, cuja análise se
encontra hoje dominada por uma literatura centrada em atributos individuais,
sendo dimensões sociais entendidas apenas como constrangimentos à
inserção dos indivíduos.
Em período recente, as redes sociais têm sido citadas de forma
freqüente como elemento importante para o entendimento das condições de
pobreza e da reprodução dos padrões de desigualdade social no Brasil.
Apesar disso, sabemos pouco sobre seu real funcionamento, para além da
referência metafórica, assim como apenas intuímos, a partir de bases
empíricas bastante frágeis, a sua influência sobre os mais variados processos.
Essa pesquisa visa contribuir para a superação dessa importante lacuna,
perseguindo respostas a quatro perguntas articuladas sobre o tema: Como são
as redes de relações dos pobres no Brasil metropolitano? O que as condiciona
e influencia? Quais são os tipos de redes existentes e de que forma se
associam com padrões distintos de sociabilidade? Quais as conseqüências
dessas redes para os indivíduos e para a pobreza em geral?
Os achados desta pesquisa indicam a existência de uma grande
heterogeneidade das redes de indivíduos pobres, embora de forma geral elas
sejam menores, mais locais e menos ricas em termos de sociabilidade do que
as redes de indivíduos de classe média. Os resultados sugerem, entretanto,
que certos tipos de redes de pobres estão empiricamente associados a
2
melhores condições de vida, trabalho e rendimentos, demonstrando a
relevância da sociabilidade dos indivíduos para a definição de suas situações
sociais em um sentido amplo e de pobreza em especial.
A importância do tema é ao mesmo tempo intelectual e ligada à
construção de políticas públicas de corte social. Por longo período, a ênfase
da literatura e das políticas de combate à pobreza foi colocada no estudo e
na alteração de dimensões pessoais dos indivíduos e famílias em situação de
pobreza, tentando dotá-los de características individuais que se imaginava
que seriam estratégicas para que esses saíssem da pobreza e ascendessem
socialmente. Embora outras dimensões tenham sido incorporadas ao longo do
tempo, uma parte importante das iniciativas continua orientada por esse viés,
em especial no caso brasileiro. Essa compreensão “atomista” da pobreza
talvez seja explicada pela hegemonia de uma visão (marcada pelo discurso
econômico) que foca a existência ou inexistência de rendimentos monetários
ou, no máximo, ativos individuais entendidos dentro do marco das discussões
do capital humano e associados à educação, às boas condições de saúde,
etc. Segundo esta visão, esses elementos seriam importantes por permitir aos
indivíduos acessar mais facilmente, ou com melhores credenciais, estruturas de
oportunidades similares às consideradas quando se pensa apenas nos
rendimentos. Embora essas dimensões sejam absolutamente essenciais para a
compreensão da pobreza e para o seu enfrentamento pelas políticas de
Estado, tanto trabalhos acadêmicos quanto as políticas já implementadas,
demonstram que outros elementos podem também ser fundamentais.
Em período recente, deslocamentos importantes têm ocorrido até
mesmo no interior dessa tradição, incorporando o efeito de processos coletivos
e sociais. Esses processos, entretanto, são entendidos usualmente como
elementos ambientais que influenciam aquelas mesmas propensões e
capacidades individuais já citadas. É nessa direção que caminham as
discussões sobre os efeitos de vizinhança, os role model effects e os peer group
effects, assim comom sobre o seu impacto sobre as situações de privação e
pobreza. Embora incorporando elementos supraindividuais, esses
deslocamentos não contribuem para o rompimento da visão atomista que
marcava a literatura anterior.
3
Apesar disso, essa literatura avançou ao sugerir a incorporação do
espaço, resultado em políticas focadas operacionalmente no território de
forma a enfrentar a crise urbana, como a “Politique de la ville” francesa (Le
Galès, 1996), ou a dar conta dos efeitos multiplicadores de precariedade
social produzidos pelo espaço, principalmente em termos de cumulatividade
de indicadores negativos e de segregação social-espacial. A introdução
desses elementos e a construção de políticas em tal direção representam sem
dúvida alguma um avanço, que apenas lentamente chega ao Brasil (Torres,
2005b e Marques e Torres, 2005). Entretanto, a experiência internacional de
políticas, assim como trabalhos acadêmicos recentes, têm demonstrado que
apenas a incorporação do ambiente parece não dar conta de todos os
desafios a enfrentar (Blokland, 2003).
Acredito que para que avancemos na compreensão da pobreza é
necessária uma mudança de enfoque que supere o paradigma atomista e
parta de uma ontologia relacional da pobreza. Um certo olhar sociológico
sobre o tema já tem defendido há algum tempo a importância de elementos
sociais de natureza coletiva e supra-individual (Massey e Denton, 1993), assim
como processos extra-econômicos na produção e na reprodução da pobreza
(Paugam, 1996). No contexto dessa perspectiva, a pobreza não seria vista
apenas como uma questão de reprodução econômica, mas de integração
social e de pertencimento, levando em conta o que Sen (2000) denominou de
abordagem relacional da pobreza. No caso brasileiro, embora essa literatura
tenha exercido uma influência razoável em ambientes acadêmicos, não
chegou a construir um conjunto de elementos que permitam operacionalizar
pesquisas empíricas sobre o assunto, de maneira a testar a importância dos
elementos destacados e a cotejar essa importância com a das variáveis
individuais. A presente pesquisa se insere nesse debate, deslocando a ênfase e
estudando detalhadamente as principais características das redes sociais de
indivíduos pobres, os seus condicionantes e as conseqüências desses padrões
relacionais para as situações de pobreza urbana encontradas.
A questão é de especial relevância, pois uma geração recente de
políticas de combate à pobreza já tem as redes como um dos elementos de
4
interesse.1 Na verdade, como é amplamente aceito por essa literatura (Policy
Research Initiative, 2005a e b), e comprovado por estudos nacionais como
Pavez (2006), as ações do Estado já impactam as redes sociais, mas a sua
consideração explícita pode ser bastante útil para o desenvolvimento das
políticas públicas. Considero que a relação entre redes e políticas envolve
basicamente duas formas de interação. Em primeiro lugar, as redes podem
ajudar a melhorar a implementação, tornando as iniciativas públicas mais
capazes de alcançar os seus alvos, como no caso da incorporação de
associações não governamentais na política de combate à Aids (Trotter,
1999), ou ajudando a customizá-las a aspectos locais, inclusive culturais, como
na contratação de agentes comunitários nas políticas de saúde (Lotta, 2006).
Uma segunda linha de importância nas redes, entretanto, é menos
operacional e mais substantiva. As redes têm sido citadas como um dos
elementos que caracterizam a pobreza e que devem ser diretamente
impactados pelas ações do Estado (Levitas et al., 2007, Policy Research
Initiative, 2005a e Perri 6, 1997). Esse é o caso de amplo mas ainda recente
conjunto de políticas de combate à pobreza formuladas a partir do conceito
de capital social (Policy Research Initiative, 2005b; Cechi, Molina e Sabatini,
s.d. e Perri 6, 1997). Essa geração de políticas já chegou ao Brasil, embora de
forma acrítica e sem a menor especificação dos mecanismos associados às
redes, tornando a sua citação em apenas um elemento retórico.2
A questão de fundo que parece representar um importante obstáculo
ao desenvolvimento de políticas que não apenas sejam informadas pela
existência das redes, mas as incorporem e ajam sobre elas, é que se sabe
muito pouco sobre o funcionamento do fenômeno, assim como sobre a sua
contribuição para a reprodução das situações de pobreza. Se quisermos levar
às últimas conseqüências a dimensão relacional da pobreza (Perri 6, 1997) é
preciso que compreendamos muito mais detalhadamente os padrões de
relação que cercam os indivíduos. O estudo das redes de indivíduos e 1 Um exemplo emblemático disso são os estudos desenvolvidos pelo Prime Minister´s Strategy Unit através da Social Exclusion Task Force do governo britânico e o Policy Research Initiative do governo canadense. Ver http://www.cabinetoffice.gov.uk/social_exclusion_task_force e www. policyresearch.gc.ca. 2 Ver por exemplo http://www.acaofamilia.prefeitura.sp.gov.br/portalfamilia/Default.aspx?idPagina=1655. Nesse programa de transferência direta de renda focalizado a partir do espaço pretende-se “fortalecer laços” nas comunidades. Imagina-se que os beneficiados desenvolverão sociabilidade diferente da atual e baseada em reciprocidade, confiança e solidariedade transformando as redes sociais e passando da sociabilidade atual à “vida de direitos e deveres” através da “vida em família” e da “família na comunidade”. Tudo isso ao longo de um ano em fases de 4 meses.
5
comunidades, portanto, se encontra em posição de destaque também em
nível internacional na interface entre o conhecimento acadêmico e o
desenvolvimento de políticas eficazes de combate à pobreza (Policy Research
Initiative, 2005a e 2005b). Contribuir para o entendimento dessas questões é o
objetivo dessa pesquisa.
Embora o destaque das redes sociais nos debates de políticas seja
recente, a sua presença é mais antiga na produção acadêmica de ciências
sociais. A preocupação já se fazia presente na ontologia social considerada
por clássicos da sociologia como Simmel, e foi objeto de atenção destacada
em estudos diversos ao longo dos últimos 30 anos. Veremos no primeiro
capítulo de que forma os debates das redes sociais e das redes pessoais se
associam (ou podem se associar) ao tema da pobreza. Sem querer avançar
na discussão, vale adiantar aqui que as redes são exploradas como elemento
importante na promoção tanto de coesão social (bonding) quanto na
construção de conexões e integração social (bridging). O primeiro efeito pode
auxiliar intensamente na produção de identidades, na promoção de sensação
de pertencimento e na construção de controle social nas comunidades. O
segundo efeito tem conseqüências sobre a integração social, a redução do
isolamento de grupos sociais específicos e a construção de padrões de
sociabilidade com troca e integração mais intensa entre grupos. Essas
dimensões estão presentes tanto nas redes sociais quanto nas redes dos
indivíduos separadamente, conformando o que se denomina de redes
pessoais.
Portanto, os padrões relacionais dos indivíduos devem ser incorporados
necessariamente em nossos modelos explicativos da reprodução da pobreza,
se pretendemos considerá-la de forma relacional (Sen, 2000) e
multidimensional (Mingione, 1999 e Levitas et al., 2007). Nesse sentido, uma
ampla literatura tem citado a conexão entre redes e o que Lin (1999b)
denomina de obtenção de status – a aquisição de características individuais
que são construtoras de hierarquias sociais, como rendimento, escolaridade,
cultura, etc. Segundo essa concepção, diversas dimensões sociais
dependeriam da existência de um tipo específico de capital social composto
por elementos coletivos, produzidos e estocados acima do nível dos indivíduos,
mais precisamente em suas teias de relações (Perri 6, 1997). Para os autores
6
que tentam conectar o capital social às redes, as características
comportamentais destacadas pela literatura como confiança mútua e civismo
(a partir de Putnam) seriam geradas e reproduzidas pelas redes de relações.
Sugere-se que “capital social se refere às redes de relações sociais que podem
prover aos indivíduos e grupos o acesso a recursos e apoio” (Policy Research
Initiative, 2005b, pg. 5). Esse elemento é destacado por uma parte importante
dos diagnósticos internacionais mais recentes sobre o tema (Policy Research
Initiative, 2005a e 2005b, Cechi, Molina e Sabatini, s.d., Perri 6, 1997, Levitas et
al. 2007).
A análise das redes também pode nos ajudar a refinar nosso
entendimento sobre os efeitos da segregação territorial sobre a pobreza, outro
tema já bastante investigado pela literatura (Wilson, 1987; Jargowsky,1997,
Briggs, 2001). Nesse particular, apenas estudos empíricos que trabalhem
conjuntamente espaço e redes podem ajudar a avaliar em que medida as
redes integram locais segregados, conectando os indivíduos submetidos a
essa condição a contextos sociais mais amplos. Em termos gerais, a questão
remete às relações entre a estrutura social, a localização geográfica e a
estrutura relacional do social composta pelas redes. De maneira mais
específica, a questão diz respeito aos acessos desiguais que os indivíduos
podem ter a bens materiais através de serviços e políticas e dos mercados de
trabalho ou a elementos imateriais, como repertórios e formas de viver. Nesse
sentido, as redes poderiam ajudar a vencer espaços geográficos e sociais e
dar acesso aos indivíduos ou inseri-los em círculos sociais mais ou menos
amplos. Assim, embora com sinais trocados, tanto as redes sociais quanto a
segregação aparecem como mecanismos que dão acesso diferenciado às
estruturas de oportunidades presentes em uma dada sociedade e a partir das
quais, no entender da literatura sobre pobreza, os indivíduos apresentam as
suas credenciais e retiram renda dos mercados.
Antes de apresentar a pesquisa propriamente dita, é importante
estabelecer alguns pontos de vista de método. O trabalho analisa os principais
condicionantes das redes pessoais em locais de baixa renda, assim como
explora a sua estrutura e variação, avançando posteriormente para investigar
as conseqüências das redes. Todas essas dimensões envolvem complexa
7
multicausalidade associada à articulação de vários processos e
condicionante. O resultado é fortemente influenciado pela combinação e a
ordem das dimensões existentes, e apenas o seu conhecimento detalhado
permite avançar na compreensão da questão. Por essa razão, o desenho da
presente pesquisa envolve o desenvolvimento de estudos de caso de grande
detalhe de forma a dar conta das especificidades e das combinações dos
processos (Ragin, 1987), elementos não obteníveis em um estudo de tipo de
variáveis ou de correlação (Mahoney, 2001). Trata-se, portanto, de explorar
aqui muito mais as configurações de elementos, assim como a sua ordem e
combinação, do que considerar o seu caráter mais ou menos representativo
em sentido estatístico para o conjunto da população (Ragin, 1987, Tilly, 1992 e
Skocpol, 1984). Assim, parto de um levantamento primário de redes pessoais
de indivíduos pobres que habitam espaços definidos intencionalmente pelas
suas características urbanas. Embora os dados assim obtidos representem uma
amostra da população em situação de pobreza em São Paulo, não se
pretende que ela seja representativa estatisticamente do conjunto da
população e, conseqüentemente, não são utilizadas técnicas de expansão de
amostra de forma a determinar, por exemplo, quantos milhares de pessoas na
cidade têm redes de um determinado tipo. Tampouco se pretende esgotar as
situações urbanas, embora a escolha dos locais de estudo tenha tentado
construir uma representação ampla dos tipos de situação de segregação a
que estão associados conteúdos de pobreza urbana na cidade.
Esse desenho de pesquisa visa alcançar o que Ragin (1987) denomina
de “causação conjuntural múltipla”, típica do mundo social, na qual
raramente se podem construir experimentos, quase nunca as causas agem
isoladamente e o efeito das causas depende do contexto, podendo até
inverter o seu sentido. Na verdade, dada a especificidade do fenômeno,
considero que essa é a única perspectiva de análise que permitiria
compreender melhor os pobres, ao invés da pobreza, como diferenciou
Mingione (1999). A capacidade de generalização dos resultados, nesse caso,
é produto justamente da natureza combinatória das explicações (Ragin, 1987).
O estudo construí uma interpretação densa de cada caso e avança para a
elaboração de explicações causais (no sentido das comparações
8
individualizantes de Tilly, 1992) para, a partir delas, construir generalizações
causais no sentido das comparações generalizantes (Tilly, 1992).
Em termos de técnicas de pesquisa, isso me levou a lançar mão tanto
de técnicas quantitativas, quanto qualitativas, envolvendo entrevistas em
profundidade, análise de redes, geoprocessamento e ferramentas estatísticas,
como regressão e técnicas exploratórias de dados incluindo análise fatorial e
cluster, entre outras. Apenas a utilização de um conjunto de métodos desse
tipo permitiria compreender a natureza dos fenômenos estudados aqui
(Wilson, 2002).
Uma outra dimensão de método fundamental a explicitar diz respeito
ao fato da pesquisa analisar redes pessoais, e não redes de comunidades ou
redes egocentradas em indivíduos. As redes de comunidades podem ser
espacial ou tematicamente constituídas, e são os ambientes relacionais que
cercam os indivíduos em um dado contexto, acontecimento ou processo,
como ao longo de uma mobilização social, no interior da organização de uma
dada política pública, na interação entre organizações, ou nas relações de
parentescos ou econômicas entre famílias patriarcais, apenas para dar alguns
exemplos. O presente estudo analisa redes diferentes dessas, levantando as
redes dos indivíduos considerando a sua sociabilidade como assunto ou tema
(que organiza as perguntas nas entrevistas). Entretanto, as redes consideradas
não se restringem às redes egocentradas (ou egonets) dos indivíduos, que
levam em conta apenas informações sobre os contatos primários dos
indivíduos e sobre os vínculos entre estes. Diferentemente da maior parte da
literatura internacional, considero que uma parte importante da sociabilidade
que influencia a pobreza e as condições de vida ocorre a distâncias maiores
do ego do que o seu entorno imediato (ou a apenas um passo), razão pela
qual são levantadas aqui as redes totais dos indivíduos, sem limitar
previamente o seu tamanho.3 Essa decisão se mostrou muito acertada, pois as
redes encontradas na pesquisa variaram entre 5 e 148 nós, mesmo entre os
indivíduos em situação de pobreza.
3 Por razões operacionais de pesquisa, foi introduzida uma limitação no número de rodadas de entrevistas, o que teoricamente pode significar uma limitação do tamanho das redes levantadas. No caso dos indivíduos pobres, entretanto, quase na totalidade das vezes o gerador de nomes chegou às fronteiras da rede antes disso, e podemos considerar que as redes construídas correspondem aproximadamente a representações das redes totais dos entrevistados. O capítulo 2 apresenta o método com detalhes.
9
Um outro elemento associado a isso deve ser destacado. As
informações são oriundas de entrevistas com os próprios egos das redes. Os
dados utilizados, portanto, são de tipo cognitivo – passam pelos processos de
entendimento dos próprios indivíduos a respeito de suas redes (Marsden, 2005).
Em um primeiro momento esse método pode parecer arriscado por corrermos
o risco de viés do informante, dadas as diferenças de entendimento frente aos
instrumentos de pesquisa e às próprias redes. É realmente verdade que nas
entrevistas foram observadas diferenças significativas com relação ao
entendimento que os entrevistados têm das suas redes. Considero, entretanto,
que isso não introduziu viés na análise. Isso porque os indivíduos utilizam em
suas práticas cotidianas as relações (e os padrões de relação) da forma que
as compreendem e, se as entendem diferentemente, tendem as usá-las
diferentemente em suas práticas sociais. Na verdade, se adotarmos uma
concepção não substantivista das redes, chegaremos à conclusão que as
redes são exatamente o que os indivíduos entendem que elas são, e não
estruturas ocultas em algum lugar, cuja configuração “real” deve ser
descoberta pelo método. Assim, considerando-se que a maneira pelas quais
os indivíduos entendem as suas redes é o que as define e orienta o seu uso
social cotidiano, o que obtemos pelo método baseado nos dados cognitivos é
realmente o que é importante para a reprodução das condições sociais dos
indivíduos.
A pesquisa levantou as redes pessoais de 150 indivíduos pobres e 30
indivíduos de classe média, de forma a que pudessem servir de padrão de
comparação. De maneira a explorar os efeitos da segregação espacial sobre
as redes pessoais, escolhi locais bastante distintos sob o ponto de vista da
inserção urbana, partindo de estudos anteriores sobre a distribuição espacial
dos grupos sociais em São Paulo. Foram levantadas aproximadamente 30
redes pessoais em cada local estudado, além do grupo de controle de classe
média, sem especificação de local de moradia. Na verdade, se
controlássemos a localização residencial da classe média, encontraríamos um
padrão concentrado no centro expandido, embora as suas redes se
expandam por um amplo território e não incluam praticamente nenhum
indivíduo da sua vizinhança física, na conformação do que Wellman (2001)
10
denomina de comunidades pessoais. Esse padrão é muito distinto do
encontrado entre indivíduos em situação de pobreza, o que já indica enormes
diferenças do ponto de vista dos padrões de construção de relações e das
possibilidades de utilização dessas relações.
A escolha dos locais estudados, portanto, foi resultado de uma
amostra intencional das localizações de indivíduos pobres na cidade, sob o
ponto de vista de distância ao centro, dos graus de consolidação das áreas,
dos padrões construtivos e dos graus de intervenção do Estado. Dentre os
locais estudados, a localização de pobreza mais central inclui cortiços do
Centro da cidade situados na Rua João Teodoro e imediações. As
localizações mais segregadas e distantes incluem uma favela na franja peri-
urbana do extremo Oeste da região metropolitana, entre os municípios de
Taboão da Serra e São Paulo – Vila Nova Esperança – e um conjunto
habitacional de grande porte na franja urbana da Zona Leste do Município de
São Paulo – Cidade Tiradentes. Além desses, foram pesquisadas redes pessoais
de moradores de duas favelas de grande porte com localizações
relativamente centrais e próximas ao Centro expandido – Paraisópolis,
contígua a um bairro de renda extremamente alta, o Morumbi, e objeto de
inúmeros estudos anteriores e a Vila Nova Jaguaré, contígua a bairro de classe
média, próxima à Universidade de São Paulo e a um bairro de alta renda, o
Alto de Pinheiros.
Em cada um desses locais foram realizadas entrevistas com um
questionário semi-aberto e um gerador de nomes. A escolha dos entrevistados
em cada campo ocorreu de forma aleatória ao longo de percursos pelos
locais estudados, sendo os indivíduos abordados nos espaços públicos ou na
entrada de suas casas, tanto em dias de semana quanto durante fins de
semana. Em alguns casos, a entrada nos locais de estudo foi mediada por
informantes de pesquisas anteriores ou membros dos movimentos associativos
locais.4 Ao longo do trabalho de cada campo, a amostra de entrevistados foi
sendo controlada por alguns atributos sociais básicos como sexo, idade, status
migratório e ocupacional e região do local estudado,5 de maneira a garantir
uma proporcionalidade razoável com as características médias da população 4 Agradeço aos colegas Encá Moya, João Marcos de Almeida Lopes, Teresinha Gonzaga, Letizia Vitale, Gabriel Feltran e Henri Gerveseau que, em diversos momentos, auxiliaram em contatos para entrevistas. 5 Quando se dispunha de estudos anteriores que já haviam regionalizado o local segundo suas características sociais ou urbanas.
11
local e evitar a constituição de vieses. Como veremos no Capítulo 3, a
comparação entre as características dos entrevistados e da população
estudada sugere que esse objetivo foi alcançado com bastante sucesso.
A classe média foi definida de maneira ampla, mesclando critérios de
rendimento com ocupação, e inclui profissionais liberais, funcionários públicos,
pessoas envolvidas com atividades intelectuais e donos de estabelecimentos
comerciais de certo porte. A delimitação do grupo não seguiu maiores
preocupações conceituais ou metodológicas, visto que o objetivo das
entrevistas com indivíduos assim classificados era apenas constituir um padrão
de comparação para a análise das redes de indivíduos em situação de
pobreza. As informações das redes de classe média, portanto, são usadas
apenas como parâmetro e nunca em análise mais centrais e conclusivas.
O conjunto das informações assim geradas foi posteriormente tratado
com ferramentas de análise de redes sociais, resultando na montagem de 180
redes pessoais. Em seguida, explorei as redes dos indivíduos pobres, tentando
acessar seus principais condicionantes e os processos que influenciam em sua
formação e dinâmica, tendo as redes de classe média como parâmetro.
Foram estudados os processos de criação e rompimento de vínculos, as
dinâmicas da homofilia6 e os condicionantes sociais da construção e
manutenção de redes. As redes variam segundo diversas dimensões e
variáveis específicas, incluindo sexo, ciclo de vida, status migratório e
ocupacional, entre outros. De uma forma geral, praticamente inexistem
relações dos indivíduos com pessoas de grupos sociais e de renda diferentes
dos seus. Essa é talvez uma das mais importantes características dessas redes
para a reprodução da pobreza e da desigualdade social. Naturalmente, a
questão não se origina nas redes, mas é apenas uma faceta relacional da
maneira como se organiza a estrutura social brasileira.
Por fim, concluo essa introdução apresentando um rápido resumo do
que o leitor vai encontrar mais à frente.
No primeiro capítulo, resenho sucintamente as literaturas relativas à
pobreza, segregação e redes sociais, destacando os elementos mais
6 Homofilia é a propriedade das redes que dá formato conceitual à evidência empírica de que, por mecanismos diversos, pessoas com atributos comuns têm maior probabilidade de criar e manter vínculos entre si. Os capítulos seguintes exploram com destaque essa dimensão.
12
importantes para a construção dos argumentos da pesquisa. Mais do que
acompanhar exaustivamente os debates, o objetivo do capítulo é construir as
pontes conceituais necessárias para a articulação dos vários elementos dessa
pesquisa, visto que esta se localiza em um ponto de interseção entre os
debates sobre pobreza, redes e segregação.
Dado o relativo ineditismo no tema, mesmo em nível internacional,
vários instrumentos de pesquisa foram desenvolvidos ou adaptados para a
realização da pesquisa de campo e a obtenção das informações. O segundo
capítulo apresenta os principais instrumentos de pesquisa aplicados, além de
situar os leitores com relação às características gerais dos locais estudados.
O terceiro capítulo abre a análise dos dados coletados, endereçando a
primeira pergunta esboçada no começo dessa introdução – como são as
redes de indivíduos pobres? Inicio a análise pela caracterização dos
entrevistados, de suas redes e de sua sociabilidade, para investigar em
seguida os principais condicionantes de seus padrões de relação. Quando
comparadas com as de classe média, as redes de indivíduos em situação de
pobreza tendem a ser menores, mais locais, menos coesas e a apresentar
sociabilidade menos diversificada. Apesar disso, no interior do grupo de
indivíduos em situação de pobreza, a variação é muito grande e também se
fazem presentes redes com características relacionais e de sociabilidade ricas
e dinâmicas. Locais mais segregados, por outro lado, não tendem a ter redes
diferentes sob o ponto de vista do tamanho e da coesão, mas abrigam redes
mais integradas em termos urbanos (contrariamente ao que seria intuitivo
considerar), assim como com sociabilidade mais variada do que locais menos
segregados, sugerindo que as redes têm efetivamente integrado indivíduos
espacialmente segregados.
A questão colocada inicialmente, portanto, desdobra-se na
investigação dos padrões de variação das redes. O quarto capítulo
desenvolve essa análise, ao delimitar os tipos de redes e de sociabilidade
presentes. Os dados sugerem a existência de tipos diferentes de redes
segundo o tamanho, a estrutura, a inserção urbana e a sociabilidade nelas
contida.
O quinto e último capítulo completa a resposta às perguntas iniciais,
analisando as conseqüências das redes para os padrões de vida dos
13
indivíduos e, em especial, para a definição das situações de pobreza e de
precariedade social. Utilizando as tipologias anteriores e variáveis sócio-
econômicas classicamente consideradas como centrais da caracterização da
pobreza, analiso quantitativamente os principais condicionantes dos indivíduos
terem emprego e, em especial, de terem emprego com alguma proteção,
estarem em situação de precariedade social, assim como disporem de
rendimentos. Os resultados sugerem a centralidade das redes e da
sociabilidade para a definição dessas importantes dimensões das situações
sociais, demonstrando a necessidade da sua integração aos estudos sobre o
tema, assim como às políticas que pretendem combater a pobreza e
promover o bem-estar.
14
Capítulo 1: Construindo pontes conceituais entre pobreza,
segregação e redes
O objeto dessa tese se situa em um ponto de interseção entre os
campos temáticos da pobreza, das redes sociais e dos estudos urbanos. Por
essa razão, a pesquisa apresentou desafios conceituais consideráveis,
envolvendo a especificação do objeto de estudo e a relação considerada
entre os elementos estudados. O presente capítulo tem por objetivo montar
este quebra-cabeça analítico a partir das literaturas respectivas. Não se trata,
de forma alguma, de resenhar os debates, alguns deles já bastante
consolidados e conhecidos, mas de delimitar precisamente o objeto e a
abordagem a ser seguida.
O capítulo se inicia por uma localização geral da questão da pobreza,
com especial interesse para a dinâmica urbana e o caso de São Paulo. A
pobreza é considerada como multidimensional e a sua produção como
influenciada por diversos processos sociais ligados à inserção dos indivíduos em
estruturas de oportunidades. O acesso a essas estruturas é mediado, entre
outras coisas, pela localização dos indivíduos no espaço urbano e pelas redes
sociais em que estão incluídos. Por isso, a segunda seção discute o debate
sobre a produção do espaço e a maneira como a relação entre pobreza e
espaço tem sido tratada pelos estudos urbanos. A discussão da pobreza se faz
presente na literatura de estudos urbanos desde o seu início, tanto
internacionalmente quanto no Brasil. Mais do que recuperar o debate,
entretanto, tento destacar e precisar aqui as conexões entre condições de
vida e localização no território da cidade, com especial ênfase para a
segregação.
15
A terceira e última seção do capítulo apresenta as literaturas sobre
redes sociais e pessoais. As redes sociais e pessoais têm sido objeto de uma
ampla literatura que tem enfocado a importância dos padrões de
relacionamento entre indivíduos e entidades sobre diversos fenômenos sociais.
A aplicação da análise de redes sociais ao nosso objeto sugere como elas
podem participar da integração social dos indivíduos a circuitos mais ou
menos amplos, impactando as situações de pobreza.
1. A pobreza urbana
A pobreza é um dos fenômenos mais analisados pela literatura
sociológica e econômica nos últimos anos. Em termos empíricos, como
demonstrado amplamente pela literatura sobre o tema (Rocha 2003, 2006a e
2006b), as condições de pobreza no Brasil têm se alterado substancialmente
em período recente. Essas alterações se associam às intensas transformações
registradas no país no mundo do trabalho, na migração, nas dinâmicas intra-
urbanas e nos papéis do Estado, da família e do mercado na provisão do bem
estar dos indivíduos nas últimas décadas. Os resultados desses processos são
complexos e aparentemente paradoxais, apontando para várias direções
nem sempre coerentes, com a deterioração nos mercados de trabalho e a
melhoria dos padrões de acesso a políticas estatais e ao consumo, mesmo via
mercado. O resultado desse processo é a presença de uma melhora
disseminada dos indicadores sociais, excetuados os relacionados ao trabalho
e à violência. Apesar dessas mudanças nos níveis de pobreza, estudos como
Ribas e Machado (2007) sugerem que a grande maioria (73%) da pobreza
urbana relativa entre 1995 e 2003 permanece crônica, com os mesmos
indivíduos se mantendo nessa condição.
Observemos primeiramente a dinâmica da pobreza medida pela renda
para depois acompanharmos as suas demais dimensões e os processos que a
produzem. Em termos gerais, Rocha (2006a) sustenta a existência de uma
redução da proporção de pobres e indigentes no Brasil ao longo dos últimos
15 anos, embora com variações sazonais importantes. As informações da
Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (PNAD) sugerem a existência de um
momento de queda concentrada logo após a implantação do Plano Real,
sendo 1995 o ano de menor proporção de pobres da história recente do país,
16
seguido de uma suave elevação até 2003, ano a partir do qual as proporções
de pobres e indigentes voltam a se reduzir. Ao longo do período, a pobreza
rural caiu continuamente (assim como a indigência para o conjunto do país) e
os hiatos de renda também se reduziram, sugerindo uma pequena melhoria
de condições, mesmo para quem permaneceu pobre. A pobreza
metropolitana, entretanto, que já vinha aumentando relativamente na
primeira metade da década de 1990, se elevou significativamente entre 1995
e 2003, respondendo por grande parte da pequena elevação da pobreza
observada no conjunto do Brasil na segunda metade da década de 1990
(Rocha, 2006a). A partir de então, entretanto, as informações existentes
sugerem que as proporções de pobres e indigentes voltaram a cair
significativamente, influenciadas em especial pela melhora da situação na
região metropolitana de São Paulo (Rocha, 2006b).7
A visão mais tradicional sobre a pobreza a considera como produto
apenas de atributos e comportamentos individuais, na conformação do que
denomino de visão atomista da pobreza. Diferentemente, considero que a
dinâmica das condições sociais é produzida por processos complexos que
envolvem não apenas o mercado de trabalho como também as políticas
estatais e transformações significativas de natureza demográfica.
A questão apresenta similaridade com o debate realizado no início da
década de 1990 a respeito da chamada “década perdida”. A questão então
colocada era explicar como durante a década de 1980, marcada por
períodos recessivos e por crescimento econômico instável (Fiori e Kornis, 1994),
poderiam se observar melhoras tão expressivas nos indicadores sociais
(Guimarães e Tavares, 1994 e Tavares e Monteiro, 1994). Para alguns autores,
esse aparente paradoxo seria causado pelos importantes avanços na política,
com o retorno à democracia e a presença de movimentos sociais pujantes.
Para outros, a inércia das políticas do regime militar explicaria ao menos
parcialmente os avanços (Faria, 1992, Silva, 1992 e Marques, 2000). De uma
forma geral, entretanto, podemos localizar a questão como um momento em
que a utilização de modelos explicativos que derivam as condições sociais
7 Segundo Rocha (2006b), a proporção de pobres em São Paulo entre 2004 e 2005 caiu de 41,6 para 35,5. No conjunto do país, a proporção da população abaixo da linha de pobreza em 2005 era de 30,5%, contra 44,2% em 1990 e 33,2% em 1995, mas no Brasil metropolitano era de 34,5% em 2005, contra 31,2% em 1995 e 28,9% em 1990, confirmando ao mesmo tempo a redução da pobreza e a sua metropolização (Rocha, 2003 e 2006b).
17
diretamente das dinâmicas econômicas se mostrou fortemente limitada para
a compreensão dos processos empíricos.
A década de 1990 segue basicamente a mesmo dinâmica, embora
com cores próprias. As liberdades democráticas são vividas já de maneira
continuada há algum tempo e a maior parte dos sistemas de políticas públicas
herdados do regime militar se transformaram substancialmente (Arretche,
2000). Por outro lado, as mudanças ocorridas no mercado de trabalho foram
muito mais intensas do que as vivenciadas nos anos 1980, impulsionados pelos
processos de ajuste à abertura da economia e pela estabilização econômica
a partir da segunda metade da década. Como resultado, os níveis de
desemprego se tornaram muito mais elevados e persistentes e as coberturas
da relação salarial muito mais frágeis (Hoffmann e Mendonça, 2003 e
Guimarães, 2004). Por fim, os salários médios tenderam a cair, tornando os
deslocamentos do mercado de trabalho extremamente dramáticos e
negativos em praticamente todas as dimensões (Hoffmann e Mendonça, 2003
e Baltar, 2002). Em mais uma aparente contradição, os indicadores sociais
continuaram a melhorar, tanto no que diz respeito às condições de vida que
são impactadas pelas políticas estatais, quanto no que diz respeito ao acesso
ao consumo via mercado.
Sob o ponto de vista do acesso a serviços, Torres, Bichir e Pavez (2006)
mostraram, usando dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de
Domicílios (Pnad), um aumento muito grande nas coberturas dos serviços de
água, luz, esgoto e coleta de lixo, caminhando em direção da
universalização, mesmo nas piores regiões metropolitanas do país, apesar da
manutenção de diferenciais importantes entre elas. No que diz respeito ao
acesso via mercado, Torres, Bichir e Pavez (2006) mostraram ainda que em dez
regiões metropolitanas o acesso da população mais pobre a bens duráveis
tais como fogão, geladeira, televisão, máquina de lavar e outros bens
comercializados elevou-se substancialmente. O ritmo de elevação tendeu a
ser maior nas regiões que apresentavam patamares inferiores, sugerindo um
lento processo de equalização. Utilizando dados diferentes, associados a uma
pesquisa por amostragem realizados pelo CEM entre os 40 % mais pobres do
Município de São Paulo, Figueiredo, Torres e Bichir (2006) também observaram
elevação de acesso a políticas, mesmo entre os mais pobres.
18
Um outro conjunto importante de deslocamentos ocorrido ao longo das
últimas décadas emoldura essas transformações. Como é amplamente
conhecido, os intensos processos de migração do rural para o urbano que
caracterizaram a dinâmica demográfica brasileira dos anos 1940 aos 1970
tenderam a se desacelerar intensamente desde então (Martine, 1995),
levando a taxas de crescimento demográfico bastante baixas nas grandes
cidades nas últimas décadas. Se as grandes cidades cresceram pouco,
entretanto, a desagregação intra-urbana do fenômeno indica uma realidade
diferente. Em São Paulo, essas taxas apresentaram crescimento negativo em
áreas centrais já nas décadas de 1980 e mais intensamente na década de
1990 (Perillo e Perdigão, 1998 e Januzzi e Januzzi, 2002) e a continuação de
taxas elevadíssimas em áreas muito periféricas localizadas nas franjas urbanas
(Torres, 2005a). Uma outra novidade das últimas décadas foi o ressurgimento
das migrações internacionais para São Paulo, agora originárias de países
latino-americanos (Lazo, 2003). A fecundidade, por outro lado, continuou a
sua trajetória de queda já verificada nas últimas décadas (Seade, 2000 e
Berquó e Cavenaghi, 2006), reduzindo o tamanho das famílias e tornando a
estrutura etária substancialmente mais idosa e menos jovem (Seade, 2000).
O conjunto dessas transformações exerce grande influência sobre as
condições de vida e a pobreza em particular, tornando os modelos
explicativos da pobreza baseados exclusivamente em atributos individuais,
como a escolaridade e os rendimentos, e na dinâmica econômica,
amplamente insuficientes, levando à necessidade de incorporar outras
dimensões na análise da pobreza urbana. A questão, na verdade, é bastante
conhecida e debatida, inclusive no interior da comunidade dos economistas,
que são os que mais frequentemente se envolvem em mensurações (Boltvinik,
1996 e Rocha, 2003). Na verdade, a persistência da ênfase nos rendimentos se
liga à sua relevância (Rocha, 2003), mas se associa também às dificuldades de
incorporação de outras informações (Boltvinik, 1996). Estabelecer uma única
unidade de medida facilmente mensurável e padronizada é um passo
importante para o desenvolvimento de estudos comparativos regionais e
internacionais, e por isso os estudos utilizando a distribuição dos rendimentos e
as chamadas linhas da pobreza são tão disseminados (Rocha, 2003 e Hoffman,
2000), embora autores como Levitas et al. (2007) se envolvam em esforços
19
significativos de mensuração multidimensional. O presente estudo não tem por
interesse mensurar a pobreza, mas como pretendo analisar a importância de
um mecanismo na sua reprodução, é importante desenvolver o ponto de
maneira mais precisa conceitualmente.
A pobreza é considerada aqui como um fenômeno multidimensional
(Mingione, 1999 e Levitas et al., 2007) influenciado por várias dimensões,
inclusive supra-individuais e extra-econômicas, a sua definição depende dos
enquadramentos culturais e dos patamares de justiça aceitos por uma dada
sociedade (Paugam, 2005). O fenômeno envolve a existência de certas
características e faculdades dos indivíduos e a presença de patamares
mínimos de bem estar entendido de maneira ampla. O acesso ao bem estar
não é apenas definido pelos recursos oriundos do mercado de trabalho via
rendimentos, mas depende do Estado e de dimensões societais. O conceito
de pobreza multidimensional enquadra com maior plasticidade aqueles
indivíduos que, apesar de conseguirem sobreviver acima do mínimo
necessário, não têm acesso aos mais importantes benefícios das sociedades
urbanas modernas como educação, saneamento básico, saúde, cultura e
integração social. Além disso, diversos acontecimentos8 podem transformar a
situações de vulnerabilidade que não chegam a caracterizar pobreza em
situações de privação social. O sentido de vulnerável aqui é a existência de
uma condição de fragilidade frente a contingências e/ou crises, tornando
muito provável a passagem desses indivíduos para situações de privação em
sentido estrito, no futuro. Na verdade, o provável é que tais indivíduos transitem
entre situações, localizando-se próximos ao limiar da privação durante a maior
parte do tempo.
Ao contrário de existir uma única forma de pobreza, portanto, podemos
considerar várias pobrezas distintas, associadas a características sociais
diversas ligadas à estrutura etária, à composição familiar, à inserção no
mercado de trabalho, etc. A distribuição espacial destas formas de pobreza
aumenta ainda mais a complexidade do fenômeno, como discutiremos mais
adiante, já que facilita ou dificulta o acesso a bens, serviços e oportunidades
aos vários grupos sociais localizados espacialmente. Uma outra fonte de 8 Levitas et al (2007) diferencia esses acontecimentos entre fatores de risco, associados a dimensões sociais mais de fundo como o envelhecimento, a inserção precária no mercado de trabalho, e gatilhos causais, eventos que provocam diretamente a privação, como a doença, a perda do emprego ou a dissolução da família, por exemplo.
20
heterogeneidade está no fato da privação social tender a se superpor e se
acumular em determinadas regiões (Bichir, Torres e Ferreira, 2005), embora não
de uma forma completa ou perfeita. Consequentemente, certas regiões
concentram a precariedade de maneira mais intensa do que outras.
A pobreza envolve ainda dimensões relacionais, ligadas às relações
que os indivíduos estabelecem com os coletivos sociais mais amplos em que se
inserem (Sen, 2000), mas discutirei essa dimensão na terceira seção desse
capítulo, quando abordar a importância de um enfoque relacional baseado
nas redes de sociabilidade dos indivíduos para o estudo da pobreza.
Em termos de estratégia de pesquisa, o estudo detalhado e combinado
dessa multidimensionalidade só pode ser obtido através de escolhas
metodológicas que privilegiem os detalhes e a complexidade dos padrões,
inclusive em termos de sua distribuição no espaço. Nos últimos anos, a
combinação de analise estatística com técnicas de geoprocessamento tem
permitido o desenvolvimento de estudos desse tipo. Em estudos como CEM
(2004), por exemplo, foram produzidas tipologias das situações de
vulnerabilidade presentes em unidades espaciais bastante desagregadas a
partir de uma série de indicadores sociais médios dessas unidades. Essa
tipologia indicou a existência de conteúdos sociais diferenciados em situações
de pobreza e vulnerabilidade, segundo a estrutura familiar e etária, e não
apenas rendimento e escolaridade. O mapeamento da distribuição espacial
desses tipos de áreas vulneráveis sugeriu a presença de intensa
heterogeneidade social nos espaços, inclusive periféricos, como discutirei mais
adiante. O mesmo tipo de técnica pode ser utilizado para analisar a
distribuição da estrutura social no espaço, como em Marques (2005) e
Marques, Scalon e Oliveira (2007).
Essa estratégia é oposta à da construção de indicadores sintéticos,
como o IDH do PNUD/ONU, os quais propõem a construção de uma escala
única que capture ao mesmo tempo todas as carências sociais.9 Algumas
iniciativas nessa linha têm representado importantes instrumentos políticos,
sintetizando um grande número de carências de uma forma muito eloqüente,
tanto em comparações internacionais quanto em estudos do intra-urbano (ver
9 Ver, por exemplo, Pnud/Ipea (1998), Pochman e Amorim, (2003). Consultar também http://www.pnud.org.br/atlas/.
21
Pnud/Onu (2003) e Sposati (1996), respectivamente). Entretanto, a sua
disseminação no Brasil como ferramenta para políticas públicas tem
contribuído mais para mascarar do que explicitar as situações sociais
existentes. Isso porque, se é verdade que a precariedade social é cumulativa
e espacialmente especificada, também é verdade que existem várias formas
e tipos diferentes de precariedade especificados social e espacialmente. Pela
utilização de uma única escala de classificação de espaços, os estudos desse
tipo tendem a homogeneizar artificialmente realidades heterogêneas,
construindo falsas sínteses totalizantes. O problema é aumentando pela
escolha de estratégias analíticas que diluem a heterogeneidade em áreas
maiores, desprezando os problemas da escala e, consequentemente,
ocultando o próprio problema estudado (Marques e Bitar, 2002). O detalhe,
neste caso, é absolutamente fundamental, e não é capturado pelos
indicadores sintéticos.
Se tudo o que foi relatado até o momento sugere a existência de um
amplo campo de estudos sobre a pobreza, os debates a respeito das causas
da pobreza são ainda mais heterogêneos.
Um amplo conjunto de autores destacou a importância, para a
explicação da pobreza, da existência de diversos efeitos de afiliação a grupos
(Durlauf, 2001). O primeiro deles envolve os chamados efeitos de exemplo –
role model effects – que descreveriam a importância, para os
comportamentos individuais, da existência de exemplos, negativos ou
positivos, entre as pessoas próximas a um dado indivíduo. Uma outra forma de
compreender a influência grupal está na consideração dos efeitos de grupos
de pares – peer group effect. Esses dizem respeito à influência, sobre as
atitudes individuais, de comportamentos coletivos em pequenos grupos com
configuração fechada, identidades fortes e comportamentos coletivos
marcados material e simbolicamente.
Embora em ambos os casos a idéia tenha sido aplicada inicialmente
para jovens, a relevância das duas dimensões é potencialmente mais ampla e
abrange todos os grupos sociais. Os estudos de grupos de pares apresentam
usualmente uma dificuldade em separar os efeitos de influência dos grupos
dos efeitos de seleção, visto que indivíduos mais propensos a certos de tipos
de comportamento tendem a ser agrupar e conectar, como discutirei mais
22
adiante quando tratarmos da questão da homofilia (McPherson et al. 2001).
Alguns autores têm desenvolvido métodos de delimitação de peer groups
através de redes sociais, inclusive de grande tamanho (Moody, 2001), mas a
questão da causalidade permanece como um problema que só pode ser
resolvido a partir da formulação teórica precisa dos processos envolvidos.
Para outros autores, as situações de pobreza poderiam ser explicadas
pela existência dos chamados efeitos de vizinhança, demonstrados pela
existência de regularidades empíricas entre unidades de vizinhança para uma
dada variável ou processo. A similaridade do argumento geral dessa literatura
com a abordagem ecológica é grande, embora os processos de causalidade
postulados não sejam os mesmos (Sampson e Morenoff, 1997). Apesar de essa
literatura ter produzido contribuições importantes em termos do conhecimento
da associação entre variáveis e processos no estudo da pobreza,10 apresenta
limitações sérias de ordem conceitual que limitam a abrangência dos seus
achados e avanços.
A questão está no fato de que a existência de regularidades empíricas
de uma determinada variável entre unidades contíguas no espaço pouco ou
nada nos informa sobre os processos sociais que explicam essas regularidades.
Autores como Yinger (2001), por exemplo, localizam como causa da pobreza
a questão da discriminação residencial que pode levar a certas preferências
locacionais por parte de grupos em desvantagem (Ross, 2001), enquanto essa
discriminação no máximo pode causar segregação e isolamento, sendo esses
os possíveis mecanismos causais por trás da pobreza. Na verdade, ao elevar
ao patamar de conceito uma associação empírica, essa literatura contribui
para certo fetichismo que oculta as causas e confunde os processos sob
análise. O foco da análise deve se orientar para a determinação dos
processos singulares e dos mecanismos causais associados aos fenômenos que
cercam a pobreza (Durlauf, 2001). Nesse sentido, quando os efeitos de
vizinhança estão presentes como evidência empírica, na verdade podem
estar em ação redes sociais, efeitos de exemplo (role model), efeitos de grupo
de pares (peer group) ou outros processos, como os efeitos negativos da
concentração espacial da pobreza. Consequentemente, mesmo quando essa
tradição empreende estudos de grande qualidade (ver Morenoff, 2003, por 10 Ver, por exemplo, Case e Katz (1991). Para uma crítica que tenta construir pontes explicitando elementos causais ver Sampson e Morenoff (1997).
23
exemplo), realiza apenas correlações entre elementos que são indicadores
indiretos de mecanismos causais, ou invés de analisar os mecanismos e seus
efeitos. Trata-se exatamente do que Mahoney (2001) denomina criticamente
de análise de correlação.
Por outro lado, embora a consideração dos efeitos de grupos de pares
e de vizinhança introduza elementos coletivos na análise, esses são entendidos
apenas como influências ambientais sobre o comportamento individual, não
rompendo com uma compreensão atomista da pobreza. A superação dessa
visão pressupõe um certo deslocamento de ênfase que privilegie as dimensões
sociais da pobreza, destacando a sociabilidade e as relações sociais, ao invés
dos atributos.
Esse deslocamento começa a se fazer presente nos estudos sobre a
relação entre segregação e pobreza. Os efeitos de concentração espacial na
produção de situações de privação social ocorrem pelo fato de que as
“famílias têm que dar conta não apenas da sua própria pobreza, mas
também do isolamento social e da privação econômica das centenas, senão
milhares de outras famílias que vivem perto delas” (Jargowsky, 1997, p.1). A
mais importante referência aqui é certamente o clássico trabalho de Wilson
(1987). O autor trabalhou em um ambiente intelectual altamente polarizado
politicamente entre culturalistas, que defendiam a existência de culturas da
pobreza e tendiam a culpabilizar os pobres, e estruturalistas, que defendiam a
relevância dos processos de reorganização econômica na elevação da
presença de pobreza nas grandes cidades norte-americanas (Moya, 2003).
Wilson produziu uma explicação que levava em conta tanto as dinâmicas
macro-sociais quanto o cotidiano dos moradores dos chamados guetos
negros, desmontando a idéia de cultura da pobreza, assim como da
relevância central do racismo para a explicação do aumento da pobreza e
dos problemas sociais. O autor demonstrou que o recrudescimento da
pobreza em áreas centrais nos Estados Unidos foi o produto combinado das
transformações econômicas, com a elevação do desemprego e a queda da
renda dos mais pobres, com a elevação da concentração espacial da
pobreza e o aumento da homogeneidade social dos chamados guetos
negros, evidência destacada detalhadamente posteriormente por Massey e
Denton (1993). Com relação a esse último fator, o aumento da concentração
24
de grupos sociais em desvantagem teria sido produzido pela migração das
famílias mais afluentes para regiões da cidade de melhores condições,
deixando para trás apenas as parcelas da “comunidade” em piores
condições sociais e reduzindo a mistura entre grupos sociais (negros). Embora
o argumento central do trabalho contenha uma dimensão relacional muito
forte, o autor não utiliza análise de redes, o que seria realizado mais adiante
por trabalhos como Briggs (2001).
Como já discutido, o bem estar dos indivíduos e das famílias não é
originário apenas dos recursos econômicos que os indivíduos retiram do
mercado de trabalho. A respeito disso todos os autores se põe de acordo. A
questão, na verdade, está em que medida isso é incorporado em seus
modelos explicativos. Para um conjunto amplo de autores, hoje hegemônico
no debate brasileiro, atributos que poderiam ser utilizados como ativos na
busca de rendimentos monetários seriam a chave para o entendimento (e o
combate) à pobreza (Barros, Henriques e Mendonça, 2000 e Neri, 2000). Esses
ativos seriam compostos por capital físico – acesso à moradia, posse de bens
duráveis; capital humano – educação, experiência profissional; assim como
por capital social – participação em entidades associativas e atividades
políticas, acesso à informação (Néri, 2000). Segundo essa visão, a pobreza
seria gerada pela ausência de ativos, sendo os locais geográficos da sua
concentração marcados pelo que Wacquant (1996, p.149) denominou
criticamente de “premissa da desorganização”.
Para outros autores, entretanto, a questão envolveria também
elementos coletivos (e da sociedade) que influenciam inúmeros processos
sociais capturáveis pela categoria capital social. Embora a literatura sobre
capital social seja tão ampla quanto heterogênea (Durston, 2003), faço
referência aqui à sua utilização para descrever elementos coletivos que
acabam por produzir, direta ou indiretamente, coesão social (Briggs, 2003),
confiança e condições potenciais de cooperação (Putnam, 1996) e controle
social (Sampson e Raudenbush, 1997). Esses elementos são oriundos do
conteúdo de certas relações sociais que “combinam atitudes de confiança
com condutas de reciprocidade e cooperação” (Durston, 2003, p. 147). Os
efeitos benéficos dessas características são os mais variados, e se considera
que impactam desde a qualidade da democracia até o desenvolvimento
25
econômico, passando pela melhor ou pior implementação das políticas
públicas. Essa tradição, que em sua versão coletivista remonta às referências
fundadoras de Putnam (1996), converge para a importância de dois
elementos amplos – normas/valores cívicos; e redes sociais. Sob o ponto de
vista das relações econômicas, essas características presentes na sociedade
contribuiriam para reduzir os custos de transação no sentido de North (1990).
Voltarei a esse ponto mais adiante, quando discutir a análise de redes,
enfocando os autores que destacam as redes sociais na construção de
capital social, em especial Lin (1999a e b), Briggs (2003) e PRI (2006), mas
seriam três os efeitos das redes: nas estratégias individuais (Lin, 1999a e b), na
construção de coesão no interior dos contextos sociais (bounding social
capital) e na inserção desses contextos nas comunidades sociais mais amplas
(bridging social capital). Para muitos, a existência desses tipos de capital social
pode ajudar a superar as situações de pobreza (Briggs, 2001 e 2005 e PRI,
2006).
Um dos destaques dessas dimensões coletivas aponta, portanto, para a
necessidade de considerarmos, nos processos de produção da pobreza, a
existência de elementos que conectam os indivíduos a estruturas mais amplas.
Não há dúvida alguma que os ativos são muito importantes e a sua posse
incide sobre diversos processos que ajudam a reproduzir a pobreza, em
especial as credenciais que podem ou não serem sancionadas no mercado
de trabalho, gerando rendimentos monetários. Entretanto, ao menos duas
outras esferas além do mercado provêm os recursos materiais e imateriais
fundamentais para o bem estar e para a presença de pobreza – o Estado e a
sociedade. Não se trata aqui exatamente da presença ou ausência de ativos
(mesmo que pensados como coletivos e imateriais, como o capital social no
sentido de Putnam), mas de aceso a estruturas que fornecem bem estar.
O Estado provê inegavelmente um amplo leque de políticas e serviços,
que embora variem muito entre países, descomodificam uma parte
importante do trabalho nas sociedades capitalistas contemporâneas (Esping-
Andersen, 2000), tornando a pobreza urbana em cada caso dependente
fortemente de sua ação (Wacquant, 2001). O segundo conjunto de elementos
– societários – pode incluir tanto características das famílias, completando o
tripé de produção do Bem Estar sustentado por Esping-Andersen (2000),
26
quanto elementos mais coletivos e localizados em níveis superiores às unidades
familiares, como na comunidade de Kaztman (1999). Para este último autor,
mercado, Estado e comunidade compõem as estruturas de oportunidades
que definem o bem-estar dos indivíduos em uma coletividade. A
vulnerabilidade social, nesse sentido, pode estar na inexistência de ativos,
gerando o que Moser (1998) denomina de vulnerabilidade de ativos (tanto
tangíveis quanto intangíveis como relações familiares e capital social), mas
também no baixo acesso às estruturas de oportunidades existentes. Em outras
palavras, a vulnerabilidade pode ser causada por insuficiências nas estruturas
de oportunidades ou por dificuldades dos indivíduos em acessá-las (Briggs,
2001).
Os dois elementos que serão discutidos nas próximas seções – a
segregação espacial e as redes sociais - podem ajudar ou dificultar o acesso a
tais estruturas. Nesse sentido, eles representam aqui o papel de possíveis
mecanismos causais para as situações da pobreza. Por mecanismo, não me
refiro a algo associado às redes ou ao espaço ontologicamente, mas ao seu
lugar em nossas explicações. Considerando a importância desse ponto para o
argumento central dessa tese, me permitirei uma rápida derivação
metateórica para explicitar o sentido de mecanismo utilizado aqui.11
Uma das grandes clivagens presentes nos estudos de ciências sociais
em geral diz respeito ao estatuto e às estratégias de nossas explicações. O
ponto está em vários autores de forma dispersa e em Tilly (2001) de maneira
explícita. Embora a classificação que o autor proponha apresente alguns
problemas, é bastante útil como ponto de partida.
Para Tilly, há basicamente quatro tipos de explicação, além da
perspectiva cética (que representa, na verdade, a recusa da possibilidade de
explicações). Em primeiro lugar há as leis gerais, onde o esforço está na
construção de generalizações amplas baseadas em informações empíricas de
grande envergadura. Neste caso, a pesquisa é organizada
metodologicamente como uma grande coleção de informações, controlando
as variações em torno do que seriam médias estatísticas e apontando para as
condições associadas à ocorrência de um dado fenômeno. As informações
podem ser qualitativas ou quantitativas, mas ao final passam por alguma
11 Este ponto é desenvolvido mais detalhadamente em Marques (2007).
27
forma de quantificação. Quando as leis gerais centram a sua atenção na
existência de motivações e cognições, Tilly as considera como um segundo
tipo de explicação denominado de explicação por propensões. Com grande
freqüência, em ambos os casos os estudos mobilizam o que Mahoney (2001)
denomina em um sentido lato de análise de correlação.
Um terceiro conjunto de explicações de grande generalidade incluiria o
que Tilly denomina de explicações sistêmicas. Nesse caso, as análises
compreendem a ocorrência de um dado fenômeno a partir do lugar que ele
ocupa em uma estrutura ou em um sistema com funcionamento pré-
estabelecido pela teoria. Nesses casos, o funcionamento dos fenômenos é
considerado como automático ou auto-regulado, sendo derivado de
processos e eventos que ocorrem sem a necessidade direta de ação social ou
atores.
Por fim, um quarto e amplo conjunto de explicações mobiliza
mecanismos e processos, indicando elementos singulares como causas e
recorrendo a analogias explicativas parciais e localizadas. Nesses casos, os
elementos mobilizados na explicação estão localizados próximos à ação
social e se situam, portanto, em nível menos abstrato do que nos três tipos de
explicação anterior. Mahoney (2001) nos ajuda a precisar ainda mais o ponto,
ao definir que um “mecanismo causal é uma entidade não observada que,
quando ativada, gera um resultado de interesse” (p. 580). Essa definição me
parece bastante interessante, pois não apenas chama a atenção para a
dimensão suficiente dos mecanismos (que os diferencia de meras variáveis
intervenientes), mas principalmente por destacar que “os mecanismos causais
são relações postuladas que o pesquisador imagina que existam” (p. 581). Esse
ponto é de fundamental importância e diz respeito à ontologia dos
mecanismos, indicando que eles não estão no mundo social, mas em nossas
teorias. As explicações por mecanismos, portanto, não intencionam descobrir
a existência de um dado elemento da sociedade, mas abrir a “caixa-preta”
da causação de determinados fenômenos, levando a uma melhor
compreensão das dinâmicas sociais.
Tilly descreve três tipos de mecanismos: ambientais, cognitivos e
relacionais. No primeiro caso, temos elementos que se vinculam aos contextos
nos quais ocorre a vida social. Dentre esses podemos incluir as instituições,
28
destacadas pelo neoinstitucionalismo, e o espaço ou o território, destacados
pela geografia e os estudos urbanos e regionais. Os mecanismos cognitivos se
relacionam com as percepções e estados mentais dos indivíduos e grupos
sociais, englobando as várias explicações derivadas da teoria da escolha
racional e suas aparentes violações, como o devaneio e a compensação. A
maior parte dos elementos classificados por Elster (1986) como mecanismos
pode ser incluído nessa categoria. E, por fim, temos os chamados mecanismos
relacionais, que de alguma forma mobilizam explicativamente as relações
entre indivíduos, grupos e organizações, assim como os padrões gerais
formados por tais conjuntos de relações, conformando redes sociais.
Parece-me que a classificação de Tilly confunde a ambição das
explicações (presente nos três primeiros conjuntos de explicações) com a
localização do elemento causal (presente nos mecanismos). Assim, é possível
que sustentemos que um dado mecanismo é de tal forma importante que
ocorre sempre e, portanto, é o fundamento de uma lei geral. Nesse sentido, as
explicações por mecanismos, apesar de se localizarem em níveis de abstração
inferior aos descritos pelo primeiro conjunto, podem almejar generalização
elevada. A força de sua classificação, entretanto, diz respeito à proposição
dos tipos de mecanismos, que me parece bastante importante para
organizarmos as explicações que temos produzido.
Dito isso, podemos retornar ao nosso objeto. Postulo que as redes e a
segregação funcionam como mecanismos (relacionais e ambientais,
respectivamente) na causação e na reprodução da pobreza. Como veremos
na próxima seção, inúmeros trabalhos têm demonstrado a importância da
localização no espaço urbano, e, em especial da segregação social no
espaço, para a produção e reprodução de situações de pobreza. Na última
seção desse capítulo, observaremos como as redes sociais, ao inserir
diferenciadamente os indivíduos em diversos contextos sociais, também
operam como mecanismos de integração dos indivíduos. Em ambos os casos,
o acesso às estruturas de oportunidades depende do funcionamento dessas
dimensões. A compreensão do efeito conjunto dessas dimensões é
fundamental para analisarmos as situações de pobreza.
29
2. A segregação e a periferia
A segregação no espaço diz respeito à separação constituída pelos
padrões de localização dos grupos sociais no território da cidade.12 Em um
sentido mais forte, a segregação aponta para a idéia de isolamento social
completo na constituição de guetos. (Grafimeyer, 1996) Esses podem ser
produzidos pela existência de barreiras físicas intransponíveis entre os grupos,
assim como por institutos legais que restrinjam a circulação. Quando o
isolamento é voluntário e usualmente associado a estratégias exclusivistas de
grupos sociais que recorrem à auto-segregação, diz-se que ocorreu a
formação de uma cidadela. Em ambos os casos, há barreiras físicas ou
institucionais a serem transpostas para se sair (do gueto) ou para se entrar (na
cidadela) e, muito frequentemente, há regras legais limitando a circulação e o
acesso (Marcuse, 1997a e 1997b). Sob o ponto de vista social, entretanto, os
fenômenos são completamente distintos.13
Em período recente, os processo de auto-segregação têm criado
cidadelas ou enclaves fortificados inseridos no tecido urbano de inúmeras
cidades do mundo, inclusive em São Paulo (Davis, 1992; Sabatini, 2001;
Caldeira, 2000 e Salgado, 2000). No caso da zona oeste da metrópole
paulistana, a extensão dessas ocupações é muito significativa, embora os
volumes populacionais envolvidos não sejam tão grandes relativamente,
quando comparados com o estoque populacional de classe média localizado
no centro expandido, ao menos até o ano 2000 (Marques e Bitar, 2002).
Com relação aos guetos, há polêmicas se os bairros negros e latinos nas
grandes cidades norte-americanos dos dias de hoje representam guetos
(Massey e Denton, 1993; Marcuse, 1996; Jargowsky, 1997; Briggs, 2001 e
Wacquant, 1996), embora a maior parte dos autores defenda que os graus de
segregação ali existentes, embora elevados, não representam limites físicos
suficientes e principalmente dispositivos legais que sustentem a existência de
tal fenômeno, exceto em sentido metafórico. Com relação às principais
12 Essa discussão conceitual é feita em detalhes em Marques (2005), sendo recuperados aqui apenas alguns elementos para o melhor entendimento da relação entre o tema e as redes sociais. 13 Sobre a categoria gueto, ver também Wacqant, 1996 e Morlicchio, 1996 e sobre cidades específicas consultar Fainstein at al., 1992, Marcuse, 1996, Waldinger, 1996, Wacquant, 2001, Häusserman e Kazepov, 1996, Zajczyk, 1996; Davis, 1990; Rieff, 1991, Jenks, 1993 e Sassen, 1991. Para o argumento mais geral da segregação ver Massey e Denton (1993).
30
concentrações de pobreza urbana em cidades européias, a literatura parece
ser unânime em rejeitar a qualificação de gueto, embora destaque a elevada
presença de situações de pobreza em cidades como Nova Iorque, Paris,
Sttutgart, Berlim, Milão e Los Angeles. A pobreza que marcas esses espaços
não é produzida por qualquer tipo de atraso econômico mas, ao contrário,
resulta das transformações desiguais dos setores mais avançados do
capitalismo contemporâneo (Wacquant, 2001). De forma similar, a inexistência
de dispositivos legais nas nossas cidades nos leva a rejeitar o conceito de
gueto para caracterizar nossas periferias, embora possamos observar graus de
separação muito elevados e resilientes no tempo (Bichir, Torres e Ferreira, 2005;
Torres, 2005c e Marques, Gonçalves e Saraiva, 2006).
Embora usualmente não se especifique diretamente na definição de
segregação a existência de grande distância física (ou de transporte) entre os
grupos sociais separados em espaços homogêneos, considero que essa
dimensão deve ser considerada se pretendemos dar sentido sociológico à
segregação.14 Na ausência de barreiras físicas ou institucionais (como as
presentes em um gueto), a separação dos grupos sociais em espaços
homogêneos socialmente só ganha sentido se houver dificuldades para o
estabelecimento de contato freqüente entre eles. Embora possamos postular
a existência de outros elementos dificultando as conexões, me parece que as
distâncias físicas ou de transporte apresentam grande importância e
representam um “atrito”, no sentido dado ao termo pelos economistas
urbanos.
Empiricamente, a segregação se apresenta muitas vezes associada às
desigualdades de acesso e à pobreza urbana. Nesses casos, ocorre acesso
diferenciado dos grupos segregados às oportunidades e equipamentos
vigentes na cidade, com inúmeras conseqüências negativas para eles
(Pinçon-Charlot et al., 1983; Massey e Denton, 1993; Briggs, 2001; Kaztman e
Retamoso, 2005; Morenoff, 2003 e Sabatini et. al., s.d.). Simultaneamente, os
diferenciais de acesso também são causa da separação, visto que em um
espaço urbano marcado pela escassez de amenidades, os grupos sociais de
menor renda se dirigem de forma maciça para espaços destituídos de serviços 14 Os autores que trabalham com a quantificação da segregação através de índices, por exemplo, desconsideram a dimensão da distância, pois essa não é capturada pelos indicadores utilizados usualmente, como o Índice de Dissimilaridade.
31
(ou servidos de pior forma), pois estes são os de menor renda da terra,
gerando maior concentração e homogeneidade social. Portanto, não é
apenas a segregação que especifica acesso desigual, mas também (e ao
mesmo tempo) a desigualdade de acesso que especifica e reproduz a
segregação. Entretanto, quando um dos problemas é eliminado, o outro pode
persistir, como nas grandes cidades norte-americanas e européias, onde a
universalização do acesso a bens e serviços providos pelo Estado não
solucionou a segregação. Mais adiante desenvolverei a conexão entre
pobreza e segregação.
Essa associação empírica dos fenômenos faz com que uma parte da
literatura os trate de forma indiferenciada. Na produção brasileira sobre o
tema, não é possível encontrar uma única posição sobre o problema, sendo a
expressão utilizada tanto para designar separação quanto desigualdade de
acesso. Em Lago (2002) e Maricato (2003), por exemplo, segregação significa
ao mesmo tempo separação e desigualdade de acesso, enquanto em Vetter
(1979), Smolka (1983), Ribeiro (2002), Caldeira (2000) e Villaça (1998),
segregação ganha o sentido de separação social.
Para maior precisão conceitual e capacidade de análise, entretanto,
considero que como fenômeno em si a segregação diz respeito à separação
e ao isolamento espacial dos grupos sociais em áreas relativamente
homogêneas internamente. Ao longo dessa tese, a segregação é tomada
como um fenômeno distinto da pobreza e da existência de desigualdades
sociais no espaço da cidade.
Em um sentido estrito, a análise da segregação pode ser realizada pela
mensuração da separação e da homogeneidade (como em Sabatini et. al.,
s.d.; Sabatini, 2004, Torres, 2005c e Preteceille, 2003), ou da concentração e da
predominância (Jargowsky, 1996 e Preteceille, 2006) considerando alguma
característica social (renda, escolaridade, raça etc.). Esses estudos geram por
vezes um conjunto de medidas, sendo o mais importante o chamado índice
de dissimilaridade, utilizando para São Paulo por Torres (2005) e calculado para
inúmeras cidades norte-americanas por John Logan.15 A questão envolve
algumas dificuldades analíticas, visto que a escala de análise da segregação
15 O índice de dissimilaridade mede a proporção de uma dada população que deveria ser movimentada entre unidades espaciais para que a incidência de um dado atributo alcançasse em todos os locais a média da cidade. Os dados podem ser acessados em http://mumford.albany.edu/census/data.html.
32
altera significativamente os resultados obtidos (Sabatini et al., s.d. e Bichir,
2006). A questão, no entanto, não é meramente técnica, visto que a
segregação pode ocorrer na escala do conjunto da cidade (macro
segregação), ou no interior dos bairros e locais separadamente (micro
segregação). Consequentemente, os instrumentos de medida e a
metodologia devem ser escolhidos de forma apropriada (Sabatini et al., s.d.,
Bichir, 2006 e Torres, 2005c). Quando a segregação é citada ao longo deste
trabalho, me refiro à macro-segregação, ou segregação na escala do
conjunto da cidade. Nessa escala, a dimensão da distância entre grupos já
citada anteriormente está implicitamente incorporada.
A segregação está presente na literatura brasileira desde o surgimento
de nossa sociologia urbana, embora indiretamente e por vezes de maneira
implícita. No centro da agenda de pesquisa do final dos anos 1970 e início dos
1980 situava-se na questão das periferias – locais afastados do centro,
habitados pela população responsável por “fazer girar a maquinaria
econômica”, desprovidos de serviços e equipamentos públicos e marcados
por condições sociais e urbanas muito precárias (Bonduki e Rolnik, 1982;
Kowarick, 1979). Nesses espaços, segregação, pobreza e desigualdades
sociais se sobrepunham pela sua própria definição como locais da chamada
espoliação urbana (Kowarick, 1979). A origem dessa tradição analítica
remonta aos debates sobre a marginalidade urbana e à sua crítica pela
sociologia latino-americana, sendo o espaço entendido como uma das
dimensões dos processos de reprodução ampliada de nosso capitalismo
periférico (Maricato, 1977; Bonduki e Rolnik, 1982).
Desde então, o assunto foi objeto de intenso debate, que acabou por
construir uma longa tradição, iniciada com os estudos de influência
estruturalista nos anos 1970 e mais tarde com a influência das análises
antropológicas que tentaram incorporar o olhar da periferia sobre si própria e
o restante da cidade (Durham, 1988). Ao longo dos anos 1980, foram
desenvolvidas inúmeras monografias temáticas sobre loteamentos, bairros,
favelas e regiões de nossas cidades (Chinelli, 1980; Santos, 1982; Santos, 1985),
assim como sobre os novos atores (que) entraram em cena, para usarmos a
feliz expressão de Sader (1988). Nessa linha devem ser citados os trabalhos de
Santos (1981), Nunes (1986), Jacobi (1989) e, sobretudo Sader (1988). Em um
33
outro patamar analítico, estudos como Santos (1980), Santos e Bronstein (1978),
Brasileiro (1976), Taschner (1990), entre outros, lançaram luz sobre os padrões
gerais de segregação em nossas cidades, ao observar as suas configurações
territoriais.
Mais recentemente, certos trabalhos atualizaram esse último debate a
partir de detalhadas análises empíricas, lançando mão de análise de dados
sócio-econômicos e de técnicas inexistentes no início dos debates. Por um
lado, trabalhos como Villaça (1998), Bógus e Taschner, 1999 e Marques e Torres
(2005) e Carvalho, Souza e Pereira (2004), retornaram às estruturas territoriais
urbanas, observando as principais dimensões dos padrões gerais de
segregação em nossas cidades. Por outro lado, em outra escala de análise,
outros autores descobriram elevados padrões de concentração espacial de
pobreza e de condições sociais adversas em determinados locais
(CEM/CEBRAP e SAS/PMSP, 2004, Bichir, Torres e Ferreira, 2005 e Torres e
Marques, 2001), convivendo com importantes melhorias dos indicadores sociais
médios da cidade. De maneira sumária, podemos dizer que essa nova
geração de estudos tem destacado simultaneamente permanências e
transformações. No campo das condições sociais, o destaque tem sido ao
mesmo tempo para a melhora das condições médias e para a manutenção
de locais muito precários, embora mais localizados do que anteriormente. Sob
o ponto de vista da estrutura da segregação, as análises sugerem a
permanência das condições gerais de segregação, mas com elevação da
heterogeneidade social dos espaços periféricos e de outros habitados pela
população de baixa renda (Marques e Torres, 2005; Saraiva e Marques, 2005;
Taschner, 2002 e Valladares e Preteceille, 2000). Nesse particular, parece ser
cada vez mais urgente seguir a sugestão de Vetter (1981) formulada há muito
tempo atrás, e passar a considerar periferias e favelas no plural.
Um tema importante que surgiu no bojo desses trabalhos recentes,
levantado no caso brasileiro em especial pelos trabalhos dos pesquisadores do
Centro de Estudos da Metrópole (Marques e Torres, 2005), diz respeito à
relação entre pobreza e segregação social no espaço. Trabalhos como Torres,
Ferreira e Gomes (2005) e Gomes e Armitrano (2005) mostraram que indivíduos
e famílias igualmente pobres, mas submetidos a condições diferentes de
segregação acabam por ter probabilidades diferentes de apresentar
34
características negativas como atraso e baixo desempenho escolar e
desemprego. Apontando na mesma direção, Bichir (2006) avaliou os efeitos da
segregação sobre os diferenciais de acesso a serviços públicos, mostrando a
existência de diferenciais importantes de acesso segundo local de moradia.
De uma forma geral, esses trabalhos demonstraram a existência de uma
faceta territorial da pobreza urbana (Marques e Torres, 2005), exigindo das
políticas sociais a incorporação de estratégias territoriais (Torres, 2005b).
Essa faceta seria provocada por duas dimensões combinadas. A
primeira diz respeito ao efeito da concentração, já discutido na seção
anterior. Em segundo lugar, o isolamento geográfico e a distância levam a um
acesso mais difícil às oportunidades produzida na cidade (Briggs, 2001).
Entretanto, como sabemos que os padrões de contigüidade no espaço não
determinam os padrões de conexão entre indivíduos e grupos sociais,
devemos incorporar simultaneamente as redes sociais e a segregação social
no espaço.
3 . Redes sociais e pessoais
A preocupação das ciências sociais com os efeitos dos padrões de
conexões entre indivíduos existentes nas sociedades é bastante antiga e
remonta a clássicos como Simmel (1972). A análise sistemática desses padrões,
entretanto, baseando-se em estudos empíricos detalhados, data das primeiras
décadas do século XX, em especial dos trabalhos pioneiros de Jacob Moreno
a respeito do que ele denominou de geografia psicológica e, posteriormente,
sociometria (Freeman, 2004, p. 39). No campo mais específico das ciências
sociais, o estudo sistemático de relações em contextos sociais específicos foi
introduzido pela antropologia e pelos estudos de organizações a partir dos
anos 1930, e apenas nos anos 1970 e 1980 alcançou a sociologia e a ciência
política (Scott, 1992 e Freeman, 2004).
A partir dos anos 1970, entretanto, se desenvolveu um programa de
pesquisas focado no nível intermediário e concentrado na análise dos padrões
de relações de indivíduos, organizações e entidades que cercam as situações
sociais (Knoke, 1990 e Johnson, 1994). Esses padrões de relação estariam
presentes em praticamente todas as dimensões sociais, sendo muito difícil
estudar fenômenos sociais sem considerá-los, como no caso dos fenômenos
35
econômicos, por exemplo (Granovetter, 2000). Em termos concretos, a análise
de redes tenta reproduzir através de representações gráficas e matemáticas
os contextos relacionais mais variados nos quais se inserem os atores sociais.
Nas análises desse tipo, pessoas, grupos, organizações e entidades são
representadas como nós e as relações são representadas como vínculos de
tipos diversos. Os vínculos podem ser materiais e imateriais, podem apresentar
conteúdos múltiplos e usualmente são pensados como em constante
transformação.
Na verdade, as análises tentam sempre reproduzir através das redes
certas estruturas relacionais de médio alcance, que podem ser levantadas e
estudadas de forma dedutiva, construindo um nível analítico intermediário
entre estrutura a ação social. A tarefa é de certa forma similar
metodologicamente à estabelecida com o espaço pelos sociólogos urbanos
marxistas nos anos 1970 (Castells, 1980) ou com as instituições pelos
neoinstitucionalistas nos anos 1980 (Skocpol, 1985).
a. As redes sociais
As redes podem ser consideradas apenas de maneira metafórica
(como no caso das diversas tradições das ciências sociais que usam as redes
em termos descritivos e discursivos), normativamente (como nos estudos de
administração de empresas que objetivam melhorar as redes) ou como
método para o estudo de situações sociais específicas através do estudo das
conexões sociais nelas presentes. No caso dos fenômenos com padrões
relacionais de baixa complexidade, o uso de metáforas é, na maior parte das
vezes, o mais proveitoso analiticamente. Entretanto, o avanço mais importante
possibilitado por essa literatura está na utilização das redes como método de
investigação, iluminando situações sociais nas quais os padrões de relação
apresentam complexidade tão elevada que não podem ser analisados
satisfatoriamente através de narrativas que explorem as redes
metaforicamente.
O fundamento teórico básico da análise de redes sociais é que os
fenômenos sociais têm como suas unidades básicas as relações sociais, e não
os atributos dos indivíduos. Neste sentido, o mundo social seria constituído
ontologicamente por padrões de relação de vários tipos e intensidades em
36
constante transformação. Na formulação das primeiras sínteses teóricas sobre
o problema, atributos e relações eram pensados como ênfases analíticas
excludentes (Emirbayer, 1997) de uma forma até certo ponto reducionista.
Contemporaneamente, os dois elementos são pensados em associação, visto
que entidades com atributos comuns têm maior probabilidade de estabelecer
relações pela presença de mecanismos de homofilia (Kadushin, 2004). Ao
mesmo tempo, relações ajudam a construir atributos de vários tipos, sendo
muitas vezes difícil se estabelecer uma direção causal única (McPherson et al.,
2001).
No caso específico dos estudos sobre pobreza, as duas dimensões -
atributos e relações - são absolutamente fundamentais. Podemos enunciar a
questão da seguinte forma. O acesso dos indivíduos às estruturas de
oportunidades que conduzem às condições sociais em geral, e às situações
de pobreza em particular, é mediado pelos padrões de relação que esses
indivíduos têm com outros indivíduos e com organizações de variados tipos.
Dado que esses indivíduos se localizam no espaço (uma propriedade das
redes denominada propinqüidade), as conexões de rede também funcionam
como elemento de ligação entre espaços mais ou menos segregados. Nesse
sentido, redes com maiores proporções relativas de pessoas não habitando o
mesmo local de moradia do ego tenderiam a integrar mais intensamente os
indivíduos.
Isso nos leva a uma importante propriedade das redes que pode ser
enunciada como a proporção dos nós de uma dada rede pessoal que
habitam o mesmo local que o ego. Denomino essa propriedade de localismo
e embora ela se relacione fortemente com a segregação, diz respeito a uma
dimensão distinta. Enquanto o localismo é uma propriedade das redes, a
segregação é uma propriedade do espaço. Na verdade, o localismo é um
tipo de homofilia relativo à coincidência de atributos – de lugar de moradia –
entre os indivíduos presentes em uma dada relação.
Em muitos casos empíricos, esses elementos aparecem associados, mas
como dizem respeito a processos sócio-espaciais distintos podem variar
separadamente. Assim, em nossas cidades encontramos muito
frequentemente locais segregados (e, portanto, homogêneos socialmente)
com redes com elevado grau de localismo (com poucas pessoas de fora) e
37
marcadas por alto grau homofilia social. Essa situação é a que esperaríamos
encontrar mais corriqueiramente. Entretanto, como veremos nos próximos
capítulos, nesses mesmos locais segregados é possível encontrar redes com
menor localismo e mais elevada inserção urbana. As combinações
diferenciadas dessas características têm importantes efeitos sobre a condição
social dos indivíduos.
No que diz respeito ao acesso a políticas e serviços do Estado, como
demonstrado por Figueiredo, Torres e Bichir (2005), ao menos na cidade de São
Paulo, o acesso se dá de forma direta e com baixíssima intermediação,
mesmo entre os mais pobres. Esses achados contrariam as percepções da
política que sustentam a centralidade do clientelismo entre nós na distribuição
dos benefícios do Estado. Por outro lado, a existência de um tecido denso nas
relações entre o Estado e a sociedade parece ser uma dimensão fundamental
na implementação de políticas em áreas de pobreza (Long, 1999). Ao menos
em parte, a questão envolve a tradução ou mediação cultural entre as duas
esferas envolvidas, como sugeriram Kuschnir (2000) e Lotta (2006). As pesquisas
sobre mercado de trabalho, por outro lado, indicam que o acesso a esse é
intensamente mediado pelas redes sociais nas quais os indivíduos se inserem,
confirmando os trabalhos de sociologia econômica desde os estudos pioneiros
de Granovetter nos anos 1970 (Guimarães e Picanço, 2006). Além disso,
elementos societais como apoio social (Dujisin e Jariego, 2005), informação e
repertórios em um sentido amplo, são mais ou menos acessados dependendo
em grande parte das conexões que os indivíduos têm. Por todas essas razões,
o estudo das redes é imprescindível para entendermos os padrões de
reprodução das situações de pobreza e vulnerabilidade social.
Em termos bem gerais, a questão remete à forma como representamos
a estrutura social em nossos estudos. Para os estudos sobre estratificação
social, desde os inspirados no marxismo até os contemporâneos baseados em
classificações ocupacionais mais ou menos complexas, a compreensão da
estrutura social passa pela análise e correlação de atributos dos indivíduos
formando grupos (Santos, 2005) ou grupos no espaço (Preteceille, 2006 e
Preteceille e Ribeiro, 1999). Na verdade, há certo descompasso entre essa
forma de compreender a estruturação da sociedade e o estudo da ação,
38
focado em processos, ações e relações.16 Para autores como Bian et al (2005)
a saída para a compreensão da estrutura social estaria na integração entre os
estudos dos atributos e das relações, trazendo de volta as relações sociais
para os estudos de estratificação. Isso não quer dizer de forma alguma o
abandono dos atributos, pois, como sabemos, os chamados efeitos de
homofilia tornam mais elevada a probabilidade da existência de relações
entre pessoas com atributos comuns (Ortiz, Hoyos e Lopez, 2004 e Kadushin,
sd). O objetivo, portanto, estaria na integração entre essas duas dimensões,
superpondo à estratificação por atributos uma segunda estrutura construída e
reconstruída pelas redes sociais. Evidentemente, as duas estruturas se
conectam e influenciam mutuamente de forma contínua, tornando a questão
bastante complexa em termos metodológicos.
Em um nível mais concreto, o estudo das redes sociais remete
diretamente aos padrões de sociabilidade presentes em um dado contexto.
Esta dimensão foi destacada pela primeira vez nos clássicos trabalhos de
Simmel (1972 [1908]). Para ele, a sociabilidade moderna era baseadas em
uma grande quantidade de vínculos secundários bastante heterogêneos em
conteúdo, fracos em intensidade e não mais necessariamente organizados
territorialmente. O epíteto desses padrões de vínculo estaria na vida da
metrópole moderna, que propiciaria aos indivíduos uma significativa liberdade
de circulação e escolha social, ao contrário dos padrões característicos do
mundo rural e das cidades pequenas (Simmel, 1973 [1902]). O processo de
construção da modernidade teria, portanto, um impacto direto nos padrões
de relações dos indivíduos, constituindo o que Wirth (1972 [1938]) denominou
de “urbanismo como modo de vida”.
Recentemente, Wellman (2001) revisitou esses argumentos, na tentativa
de especificar a sociabilidade no final do século XX, sustentando que as novas
técnicas de comunicação e transportes teriam intensificado a importância das
relações sociais na superação das barreiras físicas da vizinhança e das
comunidades e reduzido a presença do localismo, no sentido definido
anteriormente. Para ele, o declínio da comunidade baseada na localização
em período recente levou erroneamente os pesquisadores a considerarem o 16 O problema naturalmente aparece de forma expressiva nos campos teóricos que têm pretensões a interpretar conjuntamente a estrutura e a ação. Para o marxismo, por exemplo, este problema está resolvido quase que por definição, visto que tanto as posições na estrutura quanto da ação social e política se originam na compreensão de uma relação social singular, compreendida teoricamente – as relações de classe.
39
fim da comunidade em geral e daí derivarem efeitos sobre a solidariedade, a
democracia ou mesmo a sociedade como um todo. Para o autor, as
comunidades, diferentemente, não desapareceram em período recente, mas
apenas se transformaram. Esses resultados, na verdade, já se faziam presentes
em seu estudo clássico sobre as redes de uma comunidade em Toronto
(Wellman, 1979), onde as relações encontradas haviam sido distantes
geograficamente e assimétricas, embora a ajuda e o apoio social fossem
tipicamente fornecidos por um círculo fechado e íntimo.
Se considerarmos as interpretações clássicas de Simmel e trabalhos
recentes como Blokland (2003), entretanto, somos levados a considerar que
nas sociedades modernas nunca existiu uma identidade entre comunidade de
vizinhança, embora a vizinhança como contexto de formação e manutenção
de vínculos e sociabilidade possa ter declinado ainda mais em período
recente em determinados contexto sociais. Estudos de contextos de pobreza,
por outro lado, têm demonstrado que a vizinhança pode permanecer como
elemento fundamental na construção da sociabilidade (Verbrugge, 1983
apud McPherson et al, 2001, p. 430). Como veremos mais adiante, os
resultados de São Paulo vão exatamente nessa direção, sugerindo que grupos
sociais diferentes estão submetidos a condições diversas nesse aspecto, mas
que para os pobres a vizinhança permanece muito importante.
Mas de que forma as redes se relacionam com a pobreza? O
enquadramento mais geral entre redes e sociabilidade em contextos de
pobreza nos remete de volta ao esforço de alguns autores que discutem redes
sociais utilizando o conceito de capital social já citado anteriormente. Essas
seriam uma das facetas do capital social, também presente e definível pelos
valores e normas de uma dada coletividade e pelo seu estoque de
comportamento cívico (Putnam, 1996 e Durston, 2003). O capital social de
corte relacional incluiria os recursos mobilizáveis potencialmente pelas redes
sociais.
A primeira referência obrigatória nessa direção é o trabalho de Burt
(1992), para quem a competição econômica entre firmas também depende
das posições das empresas nas redes de relações por onde circulariam
informações, insumos e colocação de produtos no mercado. Nessas redes,
certas características dariam lugar a buracos estruturais, onde haveria a
40
separação entre contatos sem redundância de vínculos. A lucratividade de
uma dada empresa seria maior quando ela conseguisse explorar esses vazios
estruturais entre fornecedores e entre compradores, o que dificultaria a
cooperação entre eles, aumentando o seu poder nas negociações.
Mais tarde Burt (2004) retornou ao tema, explorando a importância das
posições de intermediação nas proximidades de buracos estruturais para a
geração de inovação. Para ele, visto que opiniões e visões de mundo tendem
a ter similares no interior de grupos, indivíduos cuja posição estrutural os situa
nas ligações entre buracos estruturais tendem a ter acesso a múltiplas visões,
sendo mais propícios à geração de novas idéias. Segundo a sua concepção,
esse mecanismo transformaria intermediação em capital social. Ambas as
explicações, obviamente, podem ser utilizadas em diversas outras situações
sociais.
Os trabalhos de Nan Lin avançam adiante na operacionalização da
idéia de capital social através das redes sociais. Para ele, as situações sociais
expressam as maneiras pelas quais os indivíduos obtêm status (status
attainment), entendido como “um processo pelo qual os indivíduos mobilizam
e investem recursos visando retorno em posições sociais” (Lin, 1999b, p. 467).
Esses recursos incluem recursos pessoais e sociais, sendo esses últimos
especificados como elementos acessíveis através dos vínculos diretos e
indiretos de suas redes de relações. Ao longo das últimas décadas, o autor
especificou um conjunto de proposições para explicar os efeitos dos recursos
sociais: a) recursos sociais exercem efeito nos resultados de ações instrumentais
de busca de status; b) recursos sociais são afetados pelas posições dos
indivíduos na estruturas de recursos; c) recursos sociais tendem a ser mais
impactados por vínculos fracos do que por vínculos fortes (Lin, 1999b, p. 470). A
obtenção de status, portanto, envolve tanto o acesso a capital social,
entendido como o conjunto de recursos acessados por um dado indivíduo
pela sua origem e suas redes (educação, status iniciais e da família e recursos
relacionais iniciais), quanto a sua mobilização, que é influenciada pela
utilização das redes (estrutura e força dos vínculos e o status dos contatos).
Briggs, por outro lado, também trabalha operacionalizando o capital
social como rede, mas explora especificamente a relação entre pobreza,
redes sociais e segregação na cidade. No seu entender, a relação entre
41
capital social, desigualdades e pobreza pode ser entendida com três ênfases
(Briggs, 2001 e 2005). A primeira está no apoio individual e na obtenção de
status de Lin (1999a), baseada na melhoria de atributos individuais através do
que pode ser obtido por contatos na rede. Usualmente estudos desse tipo
enfocam redes pessoais ou de pequenos grupos, em sua maioria tematizando
busca de empregos e ocupações (obtenção de status), assim como busca de
cuidados, confiança e companheirismo (apoio social) (Briggs, 2005). O
segundo enfoque analisa as capacidades das comunidades e a sua eficácia
coletiva em exercer controle social, como em Sampson e Raudenbush (1997),
discutindo organização e confiança no nível da comunidade ou de pequenas
áreas. O terceiro enfoque é o único a se concentrar no nível macro,
investigando performance cívica e econômica em nível nacional ou regional,
no sentido de Putnam (1996). Os temas, nesse caso, são a confiança
generalizada e a participação em amplas associações e redes societais.
Em Briggs (2003), são investigados os laços entre indivíduos socialmente
diferentes, que produzem pontes. O autor destaca a existência de um tecido
denso de vínculos entre iguais como fonte importante de coesão social, mas
diferencia esses vínculos (bonding ties) dos vínculos que produzem pontes
entre grupos distintos (bridging ties). Retomando um argumento anterior
apresentado em Briggs (2001), sustenta-se a importância dos primeiros para os
indivíduos darem conta de suas atividades e situações cotidianas (get by),
mas indicam-se os segundos como chave para a melhora das situações dos
indivíduos produzindo mobilidade (get ahead). Utilizando informações sobre
redes sociais em 29 localidades em todos os EUA, o autor explora dados de
pesquisa por amostragem realizada por telefone para investigar os principais
condicionantes dos vínculos de “ponte racial”. A pesquisa indica que a
existência de vínculos inter-raciais tende a crescer com o nível educacional, a
participação em associações não religiosas e em atividades com colegas de
trabalho. A segregação residencial tende a aumentar a homogeneidade dos
padrões de vínculo dos indivíduos. Isso se deve, ao menos em parte, ao fato
das preferências se organizarem espacialmente, para além de representarem
uma barreira ao contato e às oportunidades (Briggs, 2005).
Uma das questões centrais, portanto, está na presença de vínculos dos
pobres com indivíduos socialmente diferentes, o que aparentemente é
42
dificultado pela segregação. A questão nos remete à clássica discussão sobre
a tendência de que indivíduos com características similares se relacionem
entre si, ou nas palavras de Robert Burt “birds of a same feather flock together”
– pássaros de mesma plumagem se agrupam (Burton apud McPherson et al.,
2001, pg. 417).17 A literatura tem trabalhado a questão através do conceito de
homofilia – a evidência de que os indivíduos tendem a construir e manter
contatos mais freqüentemente com indivíduos de características sociais
(atributos) similares (McPherson et al., 2001). Como a segregação agrupa
indivíduos socialmente similares, a homofilia é provocada primeiramente por
um efeito numérico, que diz respeito à maior disponibilidade de indivíduos
similares para a construção de contatos, no que a literatura denomina de
baseline homophily. Entretanto, a esse efeito se acrescentam ao menos outros
dois, ligados às preferências dos indivíduos (Ortiz, Hoyos e López, 2004) e ao
comportamento das organizações e instituições que, de diversas formas,
levam à construção e reconstrução de relações homofílicas, escolhendo e
mantendo mais facilmente relações entre iguais.18 A questão não está
relacionada apenas, portanto, à constituição diferenciada de vínculos, mas à
tendência diferenciada de manutenção de laços. Como a maior parte da
literatura sobre o tema é norte-americana, e como naquele país a principal
clivagem social passa pela raça (Massey e Denton, 1993), essa é objeto da
maior parte dos estudos (Briggs, 2005). Entretanto, a questão também se
coloca fortemente com relação ao sexo, a origem migratória, aos credos
religiosos, às etnias, à renda e à localização geográfica (McPherson et al.,
2001). A homofilia seria reproduzida por efeitos geográficos, organizacionais,
processos cognitivos e pela quebra seletiva de vínculos (McPherson et al.,
2001).
Metodologicamente, há duas formas de investigar a relação entre
padrões de vínculo e sociabilidade: através das chamadas redes totais,
estudando parcelas ou redes inteiras de contextos sociais específicos, ou
através de redes pessoais, que incluem os contatos da sociabilidade de cada
indivíduo.
17 Nas palavras de um entrevistado de Sapopemba, na Zona Leste de São Paulo apareceu uma formulação local da mesma máxima - “Aqui é cada um com o seu cada qual”. 18 A existência de tal padrão organizacional é apresentado por Tilly (2000) como um dos elementos que explica a persistência das desigualdades sociais categorias.
43
A primeira linha de análise inclui uma vasta gama de estudos. Em
primeiro lugar, devo citar as análises sobre organizações, incluindo estudos
sobre as suas dinâmicas internas, sobre a sua inserção em seus campos de
ação, sobre as interações de organizações em estruturas de lobby (Heinz et.
al., 1997) ou em comitês gestores de bacia (Schneider et. al., 2003), assim
como internamente a agências estatais e suas políticas (Marques, 2000 e
2003). Além disso, podem ser estudadas comunidades específicas, delimitadas
temática ou fisicamente, como as relações de amizade no interior da elite
financeira (Kadushin, 1995) ou as redes locais em uma favela sob intervenção
do poder público (Pavez, 2006). Por fim, e estudando as dinâmicas políticas e
sociais em um sentido mais amplo, os estudos podem enfocar campos de
ação política e social tão distintos como a consolidação de um partido
político em nível nacional (Hedstrom et al., 2000), as relações sexuais entre
adolescentes (Bearman et. al., 2004) ou mobilizações políticas (Mische e
Pattison, 2000).
Uma outra forma de abordar a questão, entretanto, está em investigar
as redes individuais, centradas conceitual e empiricamente em torno de
indivíduos específicos, denominados egos. Essas redes podem ser
egocentradas, quando se considera apenas as relações diretas desse
indivíduo e eventuais relações entre eles, ou pessoais, quando não se limita
previamente a extensão da rede, levantando as relações do ego e os vínculos
entre quem se relaciona diretamente com ele, tendo sempre a sociabilidade
do ego em mente. A maior parte dos estudos de redes individuais existentes
trabalha com redes egocentradas, em especial pelo fato dessas redes
poderem ser reproduzidas a partir de dados de survey. O General Social Survey
norte-americano, realizado regularmente desde 1972 e cobrindo uma grande
quantidade de assuntos, por exemplo, inclui dados que permitem dicutir as
redes egocentradas dos indivíduos (Bearman e Parigi, 2004; Beggs, 1996 e
Moore, 1990).
Embora essa estratégia analítica seja importante, inclusive por permitir a
realização de estudos representativos para grandes populações, considero
que podemos avançar bastante utilizando outras ferramentas, visto que uma
parte importante dos fenômenos associados à sociabilidade dos indivíduos
ocorre no âmbito de relacionamentos pessoais mais amplo do que o
44
egocentrado nos indivíduos. Por essa razão, essa pesquisa foi desenhada para
caracterizar e analisar os contextos de relações que os indivíduos reconhecem
como seus, mas que não são ligados diretamente a eles. Nesse sentido, as
redes pessoais incluem as relações e indivíduos listados por um dado ego
como participantes de suas esferas de sociabilidade. Em quase todos os casos,
elas são maiores e mais abrangentes do que as redes egocentradas, por
incluírem indivíduos que distam mais do que um passo do ego, e podem
inclusive ser submetidas à análise de suas estruturas.19
b. As redes pessoais
Considerando que os capítulos seguintes analisam redes pessoais,
resenho aqui a literatura sobre o assunto, focando em especial dois temas
principais: os condicionantes sociais das redes pessoais, e a promoção de
integração e apoio social através das redes. Observemos as principais
contribuições.
Explorando os condicionantes sociais das redes individuais se inclui o
trabalho de Fontes e Eichner (2004), único estudo brasileiro publicado sobre o
tema. Os autores analisam as redes egocentradas em uma comunidade de
baixa renda do Recife, de forma a avaliar a contribuição das redes pessoais
para a construção de capital social. Trata-se de um conjunto habitacional
construído há 20 anos para moradores removidos de uma favela, e que foi
conquistado pela luta dos moradores. A estabilidade da comunidade é muito
grande e uma parte significativa dos moradores mora na comunidade há
bastante tempo, embora tenha renda familiar muito baixa. Foram aplicados
questionários a respeito de seus relacionamentos e sobre apoio social. Os
autores encontram elevada homofilia nas redes egocentradas, tanto de sexo,
quanto de idade e escolaridade. A homofilia tendeu a ser mais elevada nos
indivíduos com idade e escolaridade mais altas. A pesquisa indicou que a
maior parte dos vínculos é com pessoas da própria comunidade, sendo mais
presentes os vizinhos e os parentes. A partir de tais resultados, os autores
destacaram a centralidade da territorialidade nas redes, sugerindo a
existência de distinções importantes com as redes estudadas pela literatura
internacional. Por fim, os autores avaliam os efeitos da força dos vínculos 19 Para uma defesa do estudo estrutural de redes pessoais ver McCarty (2005), que explorou as diferenças entre as estruturas de 46 redes individuais.
45
(baseados em auto-classificação) sobre a mobilização de recursos e o apoio
social, tematizados como formas distintas de capital social. Como veremos,
parte desses resultados é confirmado pelas redes de São Paulo.
Na mesma linha de análise se inclui o estudo de Beggs (1996), que utiliza
informações do General Social Survey para 1985 sobre contatos de indivíduos
que habitam contextos urbanos e não urbanos. Os resultados sugerem que as
redes sociais fora de cidades tendem a ser menores e mais densas, e agregam
vínculos mais antigos e mais baseados em parentesco e vizinhança. Dada a
menor dimensão das redes não urbanas, o autor encontrou uma tendência à
presença de papéis múltiplos mas, ao contrário do que esperava, as redes não
urbanas não apresentaram conteúdos mais homogêneos que as urbanas. Este
último resultado pode se dever ao caráter inclusivo da definição de urbano
utilizada.
Partindo dos mesmos dados, Moore (1990) explora as diferenças entre
as redes pessoais de homens e mulheres. Os resultados sugerem que de uma
maneira geral as redes de mulheres são mais fortemente baseadas em
familiares e as dos homens em colegas de trabalho. Entretanto, quando os
dados são controlados pela inserção no mercado de trabalho e por idade, as
diferenças se reduzem significativamente, embora as redes de mulheres ainda
mantenham a presença mais elevada em indivíduos da família. Como
veremos, há diferenças das redes pessoais de homens e mulheres, embora os
resultados sugiram padrões diversos dos reportados por Moore.
Com objetivos similares, mas utilizando pesquisa por amostragem em
Toulouse (França), Grossetti (2004) explorou a origem dos vínculos das redes. O
autor focou a sua análise no que denominou de círculos sociais, definidos
como: organização, grupo, família ou contexto (onde ocorre reconhecimento
mútuo). A pesquisa visou avaliar em que medida os vínculos sociais são
originados nos círculos, em preocupações comuns ou são construídos através
de outras relações. Os entrevistados foram solicitados a fornecer nomes aos
quais estariam ligados e a detalhar os vínculos com uma amostra dos
indivíduos citados. Em termos gerais, cerca de um terço dos vínculos se
originou no interior da família e quase dois terços foi adquirido em círculos. A
presença das origens, entretanto variou socialmente, sendo os vínculos obtidos
através de rede de forma decrescente com a escolaridade, ao contrário dos
46
educacionais, de trabalho e associativos. Com relação ao ciclo de vida,
evidenciou-se uma ampla predominância dos vínculos familiares na infância,
seguidos de uma explosão dos laços de sociabilidade (redes) e de estudo e
mais adiante uma elevação relativa da importância do trabalho, em especial
para os indivíduos com escolaridade mais alta.
Finalmente, utilizando uma outra estratégia analítica, Bidart e Lavenu
(2005) analisaram o impacto de eventos sobre as redes na passagem da
juventude para a vida adulta, baseados em um painel com jovens em 3
momentos na Normandia (França). Os resultados apontaram para a existência
de reduções, aumentos e oscilações a partir da ocorrência de tais eventos. De
uma forma geral, contribuem para aumentar as redes: permanecer ou
estender a vida escolar; obter um emprego longamente desejado e sair da
casa dos pais ou se separar. A redução das redes, por outro lado tende a
acontecer quando: se concluem os estudos; se começa a trabalhar; ocorre
imigração; se iniciar uma relação emocional estável (e casar em particular) e
dedicar-se à vida familiar e à casa (nascimento de filhos, por exemplo). Mudar
o padrão de sociabilidade pode contribuir para aumentar ou reduzir as redes.
Os autores afirmam que as redes de indivíduos de renda mais baixa se
reduzem mais cedo pela ocorrência mais precoce no ciclo de vida de
elementos redutores das redes. Embora me pareça que os autores confundem
por vezes evento que afeta a rede com o resultado sobre a sociabilidade de
tal evento (como, por exemplo, dedicar-se à família ou mudar a sua
sociabilidade), o trabalho sugere alguns elementos importantes para serem
testados em pesquisas posteriores.
Um segundo conjunto de trabalhos enfoca a relação entre redes
pessoais e integração social e apoio. Primeiramente, vale reportar os
interessantes resultados de Campbell e Lee (1992). Os autores entrevistaram
pessoas que habitavam diferentes bairros de Nashville (EUA). As entrevistas
coletaram informações sobre os conhecidos na vizinhança e os assuntos
discutidos com eles, para avaliar os principais condicionantes sociais das
redes. O estudo avalia se as características dos indivíduos impactam a sua
integração social, influenciada também pela disponibilidade de tempo para
contatos e a necessidade de manter relações para apoio social. Os resultados
de análises quantitativas com informações relacionais e diversos atributos dos
47
indivíduos sugerem que pessoas mais integradas (mulheres, pessoas mais
velhas, casadas e com rendimento mais elevado) têm redes mais extensas na
vizinhança, mas pessoas menos integradas, em especial as de renda e
escolaridade mais baixas, tendem a ter contatos mais freqüentes e mais
demorados.
Molina e Gil (2005), por outro lado, analisaram o papel das redes de
relações na promoção de apoio social, estudando as redes de unidades
domésticas de idosos e família imigradas berberes do Marrocos que habitam
uma pequena cidade catalã – Vic. Foram analisadas unidades domésticas
com graus diferentes de dependência dos serviços sociais, sendo
apresentadas as suas estruturas e analisadas as suas composições em termos
de esferas de sociabilidade. O pequeno número de casos (11), entretanto,
impede a retirada de lições mais gerais do trabalho.
Ignácio Jariego investigou em vários trabalhos a influência das redes nos
padrões de integração social de imigrantes. Em Jariego (2002), estudou as
redes pessoais de apoio de imigrantes de origem marroquina, filipina e
senegalesa em Marbela (Espanha). A partir da aplicação de técnicas de
análise de agrupamento a variáveis sócio-econômicas e de rede, o autor
delimitou cinco tipos de redes pessoais: pequenas de compatriotas com
amizade e família; étnicas especializadas com predomínio de amigos; étnicas
com predomínio de familiares; redes mistas com predomínio de amigos e
mistas de reagrupamento familiar integradas com a comunidade receptora.
Em seguida o autor analisou a relação entre as redes e a presença de
problemas psicológicos, mostrando que esses eram mais freqüentes em
contextos relacionais de menor integração e apoio.
O mesmo tipo de análise foi desenvolvido em Jariego (2003). O autor
pesquisou as redes de imigrantes latino-americanos e africanos na Espanha
que participavam de um curso de treinamento profissional, e construiu uma
tipologia das redes de apoio social de imigrantes chegados há menos de 10
anos ao país. A tipologia baseou-se no tamanho e na composição das redes e
em variáveis de atributo dos indivíduos (egos e alters), em especial no seu
caráter mais ou menos endogâmico e na presença de espanhóis nas redes. A
investigação foi complementada com um olhar mais detido sobre as redes de
mulheres peruanas e marroquinas. O autor encontrou 6 tipos de redes, desde
48
as denominadas “mínimas” com menos de 3 indivíduos (e predominantes
entre mulheres marroquinas divorciadas e viúvas), até as chamadas “redes
amplas de reagrupamento familiar integradas com a comunidade local” (já
presentes no estudo anterior) com entre 12 e 15 indivíduos e típicas de jovens
solteiros do sexo masculino.
Em termos teóricos, o processo migratório é retratado pelo autor como
um processo de adaptação a um novo ambiente cultural, social e relacional.
Nesse processo, os indivíduos parecem experimentar uma dificuldade grande
para manter os vínculos com suas redes nos locais de origem, atingindo
diretamente as redes de apoio dos indivíduos, alterando o seu tamanho e
tornado-as mais centradas na família. Neste sentido, as redes dos imigrantes
de variadas origens diferem segundo a sua composição (familiares,
conterrâneos e espanhóis), a sua estrutura (densidade e formato),
multiplicidade de determinados alters e tamanho. O tempo tende a relaxar
essas características, levando ao aumento da rede, assim como a uma maior
presença relativa de não compatriotas. Entretanto, isso ocorre de forma muito
heterogênea, e entre diversos grupos de origens diferentes temos redes de
apoio diferentes. O papel das redes no apoio instrumental e psicológico
também varia significativamente. Os resultados encontrados em São Paulo
apresentam grande semelhança com estes.
Dujisin e Jariego (2005) seguem a mesma linha de análise, mas
investigam um caso de processo de adaptação mais suave. O artigo investiga
as redes pessoais de estudantes que se deslocam regularmente entre Alcalá e
Sevilha para estudar nesta última cidade. O universo da pesquisa foi composto
por indivíduos jovens, solteiros e que vivem em sua maioria com os pais. Em
termos gerais, o artigo avaliou os efeitos da vida metropolitana sobre as redes
de indivíduos no momento de conquista da independência pessoal. A ênfase,
portanto, esteve na análise das transformações das redes de não locais com
maior ou menor integração social, a exemplo dos estudos sobre imigrantes.
Nesse caso, entretanto, tanto as redes de origem quando as de destinho se
mantinham ativas conjuntamente, embora separadas pelo território.20
20 A discussão conjunta de redes e território é ainda abordada tecnicamente por Mollina (2005). O autor realiza um exercício de cruzamento dos dois tipos de informações com dados de uma amostra de acadêmicos que subscrevem uma lista de discussão sobre análise de redes sociais em espanhol. Em termos técnicos, além da utilização de atributos geográficos dos nós de uma rede (país, cidades etc), o artigo sugere a utilização de coordenadas geográficas como coordenadas de apresentação em um programa de visualização de redes.
49
Os resultados de Blockland (2003) também ajudam bastante a organizar
nosso quadro conceitual. A autora realizou uma detalhada pesquisa
qualitativa, e embora não tenha desenvolvido análise de redes em termos
metodológicos, chegou a resultados muito interessantes sob o ponto de vista
desta pesquisa.21 Seguindo as pistas deixadas por Ulf Hannerz (1983) em um
clássico trabalho de antropologia urbana, Blockland delimita quatro tipos de
redes pessoais: especializadas, integradas, encapsuladas e isoladas. Embora
esses tipos sejam construídos nas trajetórias individuais, são influenciados por
gênero e por fase no ciclo da vida.
As redes especializadas ou segregadas são baseadas em vários clusters
(ou camadas de sociabilidade) com diferentes indivíduos e usualmente são
ligadas a temas diversos (por exemplo - um para jogar, outro para sair à noite
etc). Seriam típicas de indivíduos que a autora classifica como modern city
dwellers, ou cosmopolitas. Esses indivíduos realizam constantes traduções entre
linguagens, ligadas às redes especializadas construídas ao longo de trajetórias
pessoais que lhes fornecem multiplicidade de atributos. Eles circulam entre
essas esferas, mas não pertence a elas, o que lhes permite flanar entre elas.
As redes integradas são redes que apesar de não serem fechadas,
apresentam agrupamentos que promovem encontros regulares. Tendem a ser
as redes da maior parte dos indivíduos, se situando entre as dos especializados
e dos encapsulados. Em geral a distância temática entre as várias esferas
existentes não é muito grande (caso contrário eles se tornariam
especializados).
As redes encapsuladas são similares a peer groups – redes densas e
fechadas com poucos membros e contatos freqüentes. As esferas de
sociabilidade ligadas a essas redes são marcadas por caráter fortemente
ritualístico e por vezes iniciático.
E por fim as redes isoladas são muito pequenas e pouco densas, típicas
de indivíduos bastante isolados e solitários, sendo bastante comuns entre
idosos.
Em uma linha analiticamente similar, Dominguez (2004) realiza um
estudo sobre os contextos relacionais de mulheres imigradas de baixa renda
em Boston, avaliando a importância de suas redes pessoais para a construção 21 Os resultados que se seguem representam apenas um passo intermediário e metodológico no trabalho da autora, interessada em problematizar, na verdade, as relações entre comunidade e vizinhança.
50
de trajetórias de mobilidade social. A autora realizou pesquisa etnográfica
com mulheres imigrantes ao longo de 4 anos. Os resultados sugerem a grande
importância da existência de redes heterogêneas socialmente que incluam
pontes para indivíduos localizados em outros locais na estrutura social, não
apenas para veicular oportunidades, mas também para acessar repertórios e
informação. A mera existência de laços, entretanto, parece não garantir a
efetividade das pontes, que dependem de outras dimensões, como
características do ego e dos indivíduos-ponte. Por outro lado, a autora mostra
que estruturas familiares patriarcais contribuem decisivamente para bloquear
os contatos e a mobilidade. Embora não tenha sido possível explorar a fundo
essa dimensão, as entrevistas realizadas em São Paulo também evidenciaram
os problemas relacionais sobre as mulheres advindos de estruturas familiares
patriarcais.
Alexis Ferrand (2002), por fim, também explora a questão das pontes,
mas definidas geograficamente. O autor defende a importância de se
estudarem o que chama de dualidade dos sistemas locais de relação – a
presença de relações internas e externas (locais e não locais). A sua
preocupação empírica liga-se ao estudo dos sistemas de saúde, em especial
às redes de consulta e apoio relacionadas ao tema. Tanto o modelo
conceitual quanto o material empírico se vinculam a comunidades locais,
embora a conexão dessas seja entendida como função da conexão pessoal
dos seus componentes. Para o autor, portanto, a composição típica das micro-
estruturas nos ensina sobre as meso-estruturas que conectam as comunidades
a contextos sociais mais amplos. O autor defende que as redes pessoais
podem ser classificadas segundo os padrões de vinculação interna e externa,
gerando 4 possibilidades pelo cruzamento entre conexão alta/baixa e
local/externo. O autor analisa as redes em duas comunidades, encontrando
seis tipos de redes dependendo da presença de laços locais e não locais. As
duas comunidades apresentam composições médias muito diferentes, sendo
uma caracterizada por intensa conexão interna e externa e a segunda com
escassa conexão interna e externa.
51
Capítulo 2. A pesquisa e as áreas estudadas
De maneira a explorarmos os efeitos da segregação espacial sobre as
redes pessoais, escolhemos para o levantamento das redes locais bastante
distintos sob o ponto de vista da inserção urbana. Os indivíduos de classe
média entrevistados, por outro lado, se encontram dispersos pelo território da
cidade. Na verdade, se controlássemos a localização de suas moradias
encontraríamos um padrão concentrado no centro expandido, mas a sua
localização na cidade não foi controlada. Como veremos, as suas redes
apresentam um padrão bastante próximo das comunidades pessoas de
Wellman (2001), espalhando-se por um amplo território e não incluindo
praticamente nenhum indivíduo da sua vizinhança física.
Foram levantadas aproximadamente 30 redes pessoais em cada local
estudado, além de um grupo de controle com o mesmo número de redes de
classe média. A localização mais central inclui cortiços do Centro da cidade.
As localizações mais segregadas e distantes incluem uma favela na franja peri-
urbana do extremo Oeste da região metropolitana, entre os municípios de
Taboão da Serra e São Paulo – Vila Nova Esperança - e um conjunto
habitacional de grande porte na franja urbana da Zona Leste do Município de
São Paulo – Cidade Tiradentes. Além desses, foram pesquisadas redes pessoais
em duas favelas de grande porte com localização relativamente central no
centro expandido – Paraisópolis e Vila Nova Jaguaré. Todos estes locais
representam concentrações importantes de pobreza, considerando
mapeamentos dos grupos sociais e da pobreza produzidos anteriormente no
Centro de Estudos da Metrópole como Cem/Cebrap e Sas/Pmsp (2004) e
Marques, Gonçalves e Saraiva (2005).
52
O Mapa 1 a seguir apresenta a localização dos locais estudados na
região metropolitana de São Paulo.
Mapa 1. Região Metropolitana de São Paulo (áreas pesquisadas indicadas)
Fonte: Elaboração própria a partir de bases cartográficas do CEM/Cebrap, 2007.
Para facilitar a visualização do padrão de ocupação do espaço e do
grau de segregação dos campos, o mapa destaca em cor cinza as áreas
com densidade demográfica superior e inferior a 50 habitantes por hectare.22
Como podemos ver, embora a região envolva uma área geográfica mais
ampla com 39 municípios, o território ocupado por tecido urbano
22 Essa densidade é bastante baixa e tenta delimitar os espaços com ocupação muito esparsa. Apenas para termos um padrão de comparação, as densidades dos bairros da Bela Vista em São Paulo e de Copacabana no Rio de Janeiro eram de 240 e 360 habitantes por hectare, respectivamente. O Jaraguá (distrito que inclui uma parte do Parque do Pico do Jaraguá), por outro lado, tinha densidade de 56 habitantes por hectare em 2000. Como no mapa as densidades são calculadas por setores censitários (unidades bastante desagregadas) os números tendem tendem a ser menos sensíveis aos efeitos de médias dos cálculos por distritos, visto que as áreas vazias são usualmente separadas em setores próprios. Em termos de ocupação, a densidade escolhida para discriminar a alta densidade corresponderia a um quadra quadrada com 100 metros de lado e ocupada por menos do que 50 indivíduos.
53
relativamente denso e contínuo é menor. As áreas de densidade mais baixa
no interior da área densa contínua mais central se referem a parques ou áreas
institucionais de porte, como o Aeroporto de Congonhas, a Universidade de
São Paulo e os Parques do Estado, do Ibirapuera, VilaLobos e do Carmo (a
Leste), entre outros. O mapa indica também os nomes de alguns municípios e
a localização do distrito da Sé, região central da cidade, de forma a facilitar a
orientação do leitor. Junto ao distrito da Sé se localiza o local estudado mais
central, dos cortiços. Nos extremos Leste e Oeste se localizam os mais
segregados, respectivamente, a Cidade Tiradentes e a Vila Nova Esperança.
Antes dessa, mas a Oeste do centro se localizam as favelas do Jaguaré
(próxima a Osasco, ao norte) e de Paraisópolis (ao sul). Como podemos ver
pela escala gráfica, as distâncias envolvidas são substanciais.
Antes da descrição das áreas estudadas, entretanto, é necessário
apresentar alguns elementos conceituais que especificam os procedimentos
de pesquisa. Assim, na próxima seção apresenta-se detalhadamente o
universo da pesquisa, e na seguinte são indicados os procedimentos de
pesquisa adotados. A terceira seção descreve os locais de moradia dos
indivíduos cujas redes são analisadas nos capítulos seguintes, enquanto a
quarta e última seção resume comparativamente indicadores entre os diversos
locais estudados, sumarizando os campos e verificando a eventual presença
de vieses.
1. Algumas definições operacionais de pesquisa
O estudo considera a percepção dos indivíduos sobre suas redes
utilizando, portanto, dados de tipo cognitivo (Marsden, 2005). Essa
particularidade metodológica tem duas conseqüências. Em primeiro lugar, as
redes levantadas são as representações dos entrevistados sobre seus contatos.
Para alguns, esse tipo de informação pode soar pouco confiável, visto que
não acessamos os contatos dos indivíduos em si. Não concordo com essa
postura, visto que os contatos e a rede de um dado indivíduo não existem em
si, de maneira substantivista, como que guardados em algum lugar à espera
da sua descoberta pela pesquisa. Eles existem na medida em que são vividos
pelos indivíduos como tal, e sob o ponto de vista da sociabilidade e da
54
utilização da rede pelos indivíduos, os contatos de um dado ego não existem
dissociados da sua percepção a respeito deles. Assim, ao contrário dessa
faceta da pesquisa representar uma limitação de método, considero que
significa justamente o contrário: a utilização do instrumento apropriado para
capturar as redes da forma que elas podem ser usadas cotidianamente e da
maneira pela qual contribuem potencialmente para a integração social, a
reprodução da pobreza e a superação da segregação social no espaço.
Uma segunda dimensão dos dados cognitivos, entretanto, diz respeito
ao tempo e à permanência dos vínculos. Esse tipo de informação é
fortemente influenciado pela memória dos entrevistados. A pesquisa enfoca a
rede de cada indivíduo no momento atual, mesmo que os contatos tenham
sido construídos há muito tempo e possam inclusive estar “adormecidos”.
Novamente vale aqui a percepção dos indivíduos sobre os seus vínculos e,
desde que o indivíduo considere que esse vínculo possa ser ativado, ele pode
ser citado como participando da rede. Aparentemente, essa é uma das
dimensões que separa fortemente as redes de classe média das de indivíduos
em situação de pobreza, visto que para os primeiros tramos das redes
construídos há muito tempo são mantidos na compreensão cognitiva das
redes, diferentemente do caso de indivíduos pobres. Voltaremos a esse ponto
mais adiante, mas aparentemente essa dimensão tem relação com a
dificuldade e os custos de manter contatos, assim como com a compreensão
das pessoas sobre a sua sociabilidade.
Um outro destaque importante diz respeito à freqüência dos contatos.
Estou interessado nessa pesquisa em levantar as estruturas relacionais que
podem ser utilizadas pelos indivíduos em suas atividades, e em analisar os
condicionantes da sua variação. Ao contrário de pesquisas como Campbel e
Lee (2001), portanto, não estou interessado na freqüência ou a duração dos
contatos, que são percebidos aqui como potencias. Considerando a
quantidade de informações já levantadas nas entrevistas, optei por não
adicionar esse tipo de informação aos instrumentos de coleta de dados.
De forma similar, não foram levantadas ou modeladas as forças dos
vínculos existentes, em parte por razões ligadas à coleta das informações, em
parte derivada das perguntas da pesquisa. Dado o instrumento de pesquisa
construído, que será apresentado a seguir, não seria possível considerar a
55
força como correspondendo à freqüência relativa dos vínculos, como fiz em
Marques (2000 e 2003). Por outro lado, a obtenção da informação da força
dos vínculos por autoclassificação do entrevistado envolveria a duplicação
das entrevistas, com a apresentação em um segundo momento de todas as
díades ao entrevistado. No caso dessa pesquisa, o número de díades das
redes varia entre 14 e 608 (com média 212) o que tornaria as entrevistas de
retorno extremamente longas. Assim, dado que as questões que norteiam a
pesquisa não envolvem centralmente a questão da força, optei por também
não buscar e não analisar essa dimensão.
Um ponto central da pesquisa diz respeito à sociabilidade dos
indivíduos. Para permitir a análise da sociabilidade, estabeleci princípios de
classificação que padronizassem a sociabilidade nas entrevistas. Os elementos
que se seguem foram incorporados nas entrevistas e levantados como
atributos dos indivíduos.
Entendo por esfera de sociabilidade uma região da sociabilidade em
geral organizada a partir de algum processo de especialização (funcional, de
práticas, cultural e de idéias, etc). As esferas são produto da especialização
das atividades sociais e humanas em sentido amplo, incluindo círculos de
interesse (círculos de discussão e de práticas específicas), círculos de
sociabilidade e convivência (grupos de amigos) e instituições específicas
(como a família). Em termos concretos as esferas incluem certos conjuntos de
indivíduos e organizações, as relações que se estabelecem entre eles (de
vários tipos e em constante transformação), assim como determinadas
identidades, conjuntos de signos e padrões discursivos no sentido de Mische e
White (1998) e White (1995). Nesse sentido, as esferas guardam semelhança
com os network domains daqueles autores, embora busquem descrever
contextos mais específicos, estruturados e duradouros. Talvez seja possível dizer
que as esferas, conforme definido aqui, incluem as versões mais estáveis dos
netdoms de Mische (1995). Em alguns casos, as esferas podem se superpor
pela existência de indivíduos que participam de mais de um contexto de
sociabilidade ao mesmo tempo.
A delimitação de esferas não tem relação com o conteúdo (o tipo) dos
vínculos, nem com a sua força, mas diz respeito aos espaços sociais
reconhecidos pelos indivíduos em suas atividades e sociabilidade. A existência
56
de uma esfera de vizinhança, por exemplo, não inclui todos os vizinhos de uma
dada rede, nem inclui necessariamente apenas vizinhos. Ela inclui aqueles
indivíduos que o entrevistado compreende que encontra juntos, em um
espaço da sua sociabilidade que denominada por ele próprio como
vizinhança. Trata-se, portanto, de uma vizinhança como espaço social
cognitivamente compreendido, e não vizinhança física no sentido de
distância física mensurável como em Wellman (2001).
As esferas também se distinguem dos contextos de entrada nos nós na
rede, informação que também foi incluída como atributo a ser levantado nas
entrevistas. O contexto nos informa como um dado nó entrou na sociabilidade
do ego: se por acaso na vizinhança, se apresentado por alguém ou no interior
da família, por exemplo. Essa informação tenta capturar a maneira pela qual
os indivíduos adquirem nós e expandem a sua rede.
Algumas esferas de sociabilidade merecem menção especial, dado o
seu impacto nas redes. As comunidades profissionais são esferas de
sociabilidade que circunscrevem contextos profissionais. Elas incluem
conjuntos de indivíduos e organizações no interior dos quais ocorrem
atividades relacionadas com determinadas práticas profissionais, embora nem
toda profissão circunscreva necessariamente uma comunidade (Marques,
2000 e 2003). A maior parte das profissões, na verdade, envolve a existência
apenas de locais de trabalho, que são espacialmente localizados e
apresentam escala muito mais restrita do que as comunidades. Essas últimas
são produtos da especialização das profissões e envolvem não apenas a
participação e filiação a organizações, como a realização de atividades e
práticas concretas. Usualmente estão associadas a identidades, visões de
mundo e formas discursivas e incluem diversos locais de trabalho, embora
sejam muito mais amplas do que eles. Em termos conceituais a comunidade se
relaciona com os domínios da policy analysis, embora seja mais ampla e geral
e não se centre apenas em áreas de política. Como veremos nos próximos
capítulos, a participação de um indivíduo em comunidades profissionais, ao
invés de locais de trabalho, tem impacto direto sobre as suas redes. Esse efeito,
entretanto, está praticamente restrito às redes de classe média, como
discutirei mais adiante.
57
Quando os indivíduos, seus vínculos, as identidades e as linguagens que
compõem uma certa esfera de sociabilidade (ou uma parte de uma esfera de
sociabilidade) apresentam sociabilidade e especialização mais intensa que
delimitem tipos específicos de interação, podem levar à constituição do que
denomino de círculos sociais. Esse sentido da expressão tema aqui, portanto,
um sentido mais delimitado do que os círculos de Simmel (1972) ou mesmo de
Kadushin (2004), embora se assemelhem a eles. Os círculos não são
especificados por padrões de vínculo ou densidade de vínculos (como os
cliques ou clusters), nem mesmo por tipos de vínculo (como no surgimento da
intimidade destacada por Blokland, 2003). A sua delimitação é produto da
narrativa da situação social e da trajetória de vida dos indivíduos, embora
possam também ser o resultado do cruzamento entre tipos de vínculo,
atributos dos indivíduos e trajetórias, como em Kadushin (1995). Naturalmente,
círculos podem aparecer no interior de esferas de sociabilidade (vários por
esfera), ou fora delas e de forma isolada nas redes pessoais.
2. Procedimentos de pesquisa e aspectos metodológicos
A determinação dos locais a estudar envolveu a escolha intencional de
locais de concentração de pobreza submetidos a diferentes condições de
segregação, na escala da cidade (macrosegregação). A idéia aqui, como já
referida anteriormente, não era necessariamente representar estatisticamente
os locais de moradia da população pobre na cidade de maneira a se
expandir posteriormente a amostra e determinar os tipos de redes de pobres
existentes no conjunto de São Paulo, mas sim cobrir a variabilidade das
situações de pobreza urbana, com a lógica dos estudos de caso. Em cada
local estudado, os entrevistados foram escolhidos aleatoriamente, mas sem
um sorteio prévio de domicílios, e sim com a abordagem direta nas ruas ao
longo de percursos. Esses foram escolhidos de forma a cobrir a maior
variabilidade de situações possível no interior do local estudado. O conjunto
de entrevistas em cada campo, entretanto, foi sendo controlado através dos
atributos sexo, faixa de idade, status empregatício e migratório e região da
área estudada, quando existente (piores ou melhores regiões definidas em
estudos anteriores, por exemplo), de forma a que o conjunto de entrevistas de
58
cada local expressasse aproximadamente a variabilidade da população
estudada. Foram realizadas entrevistas tanto durante a semana, quanto em
fins de semana. Como veremos no próximo capítulo, a comparação de
indicadores escolhidos dos entrevistados e dos locais estudados sugere que
esse procedimento de coleta alcançou resultados bastante satisfatórios, não
sendo observado viés importante entre a amostra levantada e a população
dos locais estudados.
Foram realizadas entrevistas egocentradas (em que se pergunta a um
dado indivíduo sobre a sua própria rede) sobre a rede total de seu convívio
pessoal, incluindo as várias esferas de sua sociabilidade.23 As entrevistas
completas duravam tipicamente entre 50 minutos e 1 hora e envolviam duas
partes. Em primeiro lugar era aplicado um questionário semi-aberto referente
às características gerais do entrevistado incluindo dados biográficos,
composição familiar e do domicílio, status empregatício, trajetória no mercado
de trabalho, trajetória migratória, vínculos associativos e práticas de
sociabilidade dos entrevistados.24
A segunda parte das entrevistas incluiu a aplicação de uma ferramenta
de coleta de dados relacionais com um gerador de nomes e perguntas sobre
atributos dos nomes gerados. O gerador de nomes, por sua vez, envolveu duas
etapas. A primeira visou construir uma semente de nomes para a segunda fase
a partir das esferas de sociabilidade. As esferas incluíram pelo menos: familiar,
vizinhança, amizade, associativa, diversão/lazer, estudos e
profissional/trabalho. Caso ao longo da entrevista outras tivessem sido
sugeridas, seriam acrescentadas à lista. Por exemplo, se a entrevista indicou
que a atividade de jogar vôlei organizava uma parcela da sociabilidade do
indivíduo, uma esfera vôlei era acrescentada à lista. Em seguida, solicitou-se a
cada entrevistado pensar em suas relações e citar inicialmente um conjunto
de no máximo 5 nomes para cada esfera de sociabilidade apresentada pelo
entrevistador.
Esses nomes constituíram a semente do gerador de nomes, e se solicitou
que os entrevistados indicassem até três nomes associados a cada nome da
23 As entrevistas foram realizadas entre março de 2006 e fevereiro de 2007 por uma equipe que incluía, além de mim, Renata Bichir, Thais Pavez, Miranda Zoppi, Encarnación Moya e Igor Pantoja. Agradeço a todos pelo inestimável trabalho realizado. 24 Os procedimentos descritos representam um refinamento dos instrumentos estabelecidos originalmente e submetidos a um pré-teste principalmente com indivíduos de classe média envolvendo 12 indivíduos.
59
semente, sendo aceitas repetições livremente, assim como a indicação de si
próprio. Os nomes novos se constituíram na semente de uma nova rodada de
entrevista com a mesma pessoa. O procedimento foi repetido três vezes, ou
até que não houvesse mais nomes novos. O método nos forneceu um
conjunto de díades, indicando a presença ou ausência de vínculos no interior
de uma determinada rede pessoal, mas não a força dos vínculos ou a
freqüência dos contatos.
Por fim, solicitamos aos entrevistados para classificar os nomes gerados
segundo três atributos: contexto de entrada do nó na rede pessoal, se o
indivíduo é de fora ou de dentro da área estudada e a esfera de
sociabilidade a que pertence. Em todos os casos, os valores pré-estabelecidos
para os atributos podiam ser alterados na própria entrevista, considerando a
alta especificidade das trajetórias, esferas de sociabilidade e das próprias
redes.
Posteriormente, utilizando técnicas de análise de redes sociais, reproduzi
cada rede individualmente em uma matriz de conectividade e em um vetor
de atributos. A partir desses dados foram geradas estatísticas e sociogramas
para cada rede individual. O conjunto da pesquisa envolveu, portanto, a
construção de 180 redes pessoais de tamanho e estrutura muito variados. As
informações de todas as redes foram organizadas em um banco de dados do
qual constam as características gerais do entrevistado e dados referentes à
sua rede pessoal – número de vínculos, diversidade de esferas e contextos,
entre outras características. A partir desse banco, foram geradas as análises
cujos resultados são apresentados nos próximos capítulos.
3. As localizações
Essa seção apresenta sucintamente os locais estudados, de forma a
melhor situar o leitor com relação a suas características e à sociabilidade de
seus moradores.
a. Cortiços da região central
Os cortiços cujos moradores foram entrevistados se situam próximos à
esquina da Rua João Teodoro com a Avenida do Estado, no distrito do Pari no
60
centro de São Paulo, distando menos de 200 metros entre os mais distantes.
Trata-se de uma região de obsolescência, com grande quantidade de
casarões do início do século XX em precário estado de conservação e
galpões abandonados. A região apresenta pequenos serviços que exploram o
fluxo de veículos da Avenida do Estado (borracheiros, oficinas mecânicas, lojas
de autopeças), além de alguns bares.
Imagem 1. Região central (locais de cortiços com entrevistas indicados)25
Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo/ Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano/ Departamento de Regularização de Parcelamento do Solo. Ano 2000. Escalas de vôo 1:6.000/1:5.000
Os cortiços estão instalados em construções antigas não reformadas ou
reformadas apenas precariamente de modo a se adaptarem ao papel de
moradia coletiva. Tem usualmente entre 10 e 20 quartos, situados em um
primeiro andar, acima do nível da rua e acessível por pequenas escadarias, e
um porão, cujo acesso pode se dar pela frente ou pelos fundos do imóvel. O
que mais impressiona nas condições habitacionais dos entrevistados é a
25 As imagens incluídas neste capítulo me foram fornecidas por Renata Gonçalves, a quem agradeço.
61
grande insalubridade e a quase completa falta de privacidade dessa forma
de moradia. Exceto por raras exceções, os banheiros e as áreas de preparo de
alimentos e de lavagem de roupas são comuns a todo o cortiço, resultando
em um grande congestionamento, o que interfere na sociabilidade
intensamente.
Em geral, o estado de conservação das edificações é péssimo e as
condições das instalações sanitárias são igualmente calamitosas, embora haja
significativas diferenças de qualidade entre cortiços e dentro de cada um
deles. Os preços dos aluguéis expressam essas diferenças, tendo sido
encontradas pessoas entrevistadas que pagavam aluguéis de até R$250 por
quarto. Apenas como parâmetro de comparação, em 2000, o Ibge indicava
que o rendimento médio do chefe de domicílio do setor censitário que incluía
vários dos cortiços pesquisados era de R$ 750.
Um dos principais definidores da precariedade diz respeito à
localização do quarto, se no primeiro andar ou no porão. Na verdade, o
primeiro andar se situa usualmente a meio andar acima da rua, e o porão se
encontra semi-enterrado. Essa estrutura construtiva foi introduzida pelo Código
Sanitário de 1894 (Ribeiro, 1993), onde se previa um porão não habitado semi-
enterrado que tinha por objetivo distanciar o piso das edificações do solo,
impedindo a subida da umidade por capilaridade. Por essa razão, embora os
pés direitos dos andares superiores sejam muito elevados (uma característica
das construções da época), os dos porões são muito baixos, sendo necessário
se abaixar para passar sob as vigas. Os porões usualmente têm apenas uma
entrada em uma das extremidades, a partir das quais se acessa um corredor
sem iluminação ou ventilação natural e grande comprimento. A maior parte
dos quartos desse andar não tem janelas e, por se situar parcialmente
enterrado, é muito úmido, escuro e totalmente sem ventilação. Os mais
variados vetores de doenças proliferam e as ratazanas são visíveis durante o
dia. As condições de densidade e salubridade nesses casos são mais do que
precárias.
Os quartos do andar de cima, por outro lado, embora variem com
relação à qualidade, são usualmente muito menos úmidos e mais ventilados.
São quase todos dotados de janelas e, dado que obedecem
aproximadamente à divisão dos cômodos das edificações originais, tendem a
62
ser bem maiores. Apesar disso, com raras exceções, estão igualmente sujeitos
aos mesmos problemas de acesso às instalações sanitárias e hidráulicas e à
mesma precariedade de conservação e dos materiais. Em um dos cortiços
pesquisados, por exemplo, o chão de um quarto localizado no primeiro andar
ruiu sob o peso de um fogão e, no momento da entrevista, o chão do quarto
permanecia com um buraco aberto de aproximadamente um metro de
diâmetro.
Embora as condições habitacionais em sentido estrito sejam muito
piores nos porões, todas as moradias em cortiço representam problemas
graves com relação à sociabilidade, advindos da falta de privacidade e da
excessiva densidade. O espaço privado de cada morador é muito pequeno e
a interdependência muito grande, não apenas pelo uso comum dos
banheiros e lavanderias, mas também pelo ruído que a mínima atividade gera
sobre a vizinhança. A situação é mais grave quando há crianças, que utilizam
os parcos espaços coletivos – corredores e pátios - para brincar, gerando ruído
e conflitos freqüentes entre vizinhos. Essa dimensão dos conflitos de vizinhança
parece ser a característica mais marcante da sociabilidade dos cortiços. A
impressão predominante das entrevistas é que os cortiços apresentam um
cotidiano de grande anomia, brigas freqüentes e desconfiança mútua.
Uma diferença importante dos cortiços está em que ao contrário das outras
regiões pesquisadas, não se trata aqui de uma localização física delimitada,
reconhecida pelos moradores e formadora de identidades, como “no
Jaguaré” ou “na Cidade Tiradentes”. Entretanto, resultados de pesquisas
recentes (Kowarick, sd) sugerem que os moradores de cortiços circulam entre
cortiços por longos períodos de tempo, permanecendo praticamente toda a
sua trajetória posterior à migração em habitações desse tipo na área central
ou em subcentros como Santo Amaro ou a Penha. Tudo indica que o que leva
os indivíduos a esse tipo de solução de moradia, ao invés de se instalarem em
favelas ou loteamentos clandestinos, por exemplo, são preferências
locacionais pela centralidade. Essas soluções, portanto, não representam um
passo intermediário em uma trajetória de mobilidade social (e habitacional)
na cidade, mas tem caráter definitivo, embora a circulação entre cortiços seja
relativamente freqüente. Os dados da pesquisa confirmam esse padrão, tendo
sido encontrados moradores há mais de dez anos no mesmo cortiço, assim
63
como uma grande quantidade de pessoas que já haviam habitado 3 ou 4
cortiços passando vários anos em cada um deles. Dado esse padrão,
enquadrei conceitualmente os cortiços como a unidade básica de
localização estudada, ao invés de considerá-los separadamente.
b. Vila Nova Jaguaré
A Vila Nova Jaguaré começou a ser ocupada nos anos 1950, no
contexto da industrialização da região Oeste da região metropolitana de São
Paulo. A favela ocupa uma área de 15 hectares reservada para uso
institucional e doada à Prefeitura, mas que permaneceu sem utilização. Em
2000, a favela contava com 10.863 habitantes em 2.838 domicílios particulares
permanentes, o que resultava em uma densidade domiciliar de 3,8 habitantes
por domicílio.26 Em termos de infra-estrutura, a favela contava com
abastecimento universal por redes de água.27 A renda média mensal dos
chefes de domicílio era de apenas R$ 415 e a escolaridade média do chefe
era bastante baixa – 4,1 anos de estudos. O analfabetismo alcançava cerca
de 23% dos chefes e 38,7% destes tinham concluído no máximo o primeiro ciclo
do ensino fundamental (4 anos de estudo). O analfabetismo no conjunto da
população alcançava 8,9%. A estrutura etária era bastante jovem - 12,7% da
população tinham menos de 4 anos de idade - e apenas 3,4% dos moradores
tinham mais de 60 anos. A proporção de indivíduos autoclassificados pelo
Censo como pretos e pardos nas áreas de ponderação que incluíam a favela
era de cerca de 38% da população.
Em termos urbanos, o Jaguaré é uma favela situada junto ao centro
expandido da capital, contígua à Universidade de São Paulo e separada do
bairro do Alto de Pinheiro praticamente apenas pelo Marginal Pinheiros. Em
termos de deslocamentos, a favela dista menos de 10 minutos a pé de ambos,
embora o trajeto para o Alto de Pinheiros envolva a travessia do Rio pela
Ponte do Jaguaré. Seguindo esse caminho, é possível se alcançar também o
Parque Vila Lobos, parque público de grande porte e o Shopping Center Vila 26 Dados do Censo Demográfico do Ibge considerando os setores censitários que em 2000 correspondiam à favela. Apenas no caso de cor da pele, a informação é originária do questionário da amostra e se refere à áreas de ponderação que incluem a favela. Esse e os demais dados demográficos desse capítulo foram gerados pela arquiteta Renata Gonçalves, a quem agradeço de coração toda a ajuda prestada. 27 As informações das variáveis domicílios serviços por rede de esgoto e atendidos por serviços de limpeza urbana para o Jaguaré apresentaram discrepância significativa e não foram consideradas.
64
Lobos, embora esse esteja longe do padrão de consumo das famílias da
favela, por ser um centro comercial de alto padrão. Em termos de inserção
urbana, é possível viajar de ônibus partindo de 500 metros da favela até a
Praça da Sé em aproximadamente 1 hora e 10 minutos sem trânsito ou 1 hora
e meia nos momentos de maior tráfego, em média, segundo as informações
oficiais da empresa municipal responsável pelo transporte público.28
Imagem 2. Jaguaré e imediações (locais de entrevistas indicados)
Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo/ Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano/ Departamento de Regularização de Parcelamento do Solo. Ano 2000. Escalas de vôo 1:6.000/1:5.000
28 As informações oficiais relativas aos tempos de trajeto foram obtidas no site da empresa SP Trans- (http://200.99.150.164/PlanOperWeb/). É bastante possível que os reais tempos de transporte sejam substancialmente superiores aos das estatísticas oficiais, mas essas fornecem um critério padronizado para a informação.
65
O Jaguaré se desenvolve em uma colina junto à margem Oeste da
Marginal Pinheiros, descendo até à via de tráfego. A favela apresenta alguns
setores bastante distintos entre si. Na parte alta se situa a parte mais
consolidada, com um viário principal relativamente largo, centro comercial e
casas de alvenaria. Nessa região a favela apresenta condições urbanas e
sociais relativamente boas, com construções de qualidade e sociabilidade
intensa nas ruas e vielas. O centro desse setor é a chamada Praça Onze, um
ponto do viário principal mais largo onde se situa o comércio de maior porte e
uma das unidades de atendimento a jovens mantida pela igreja católica.
Nesse particular, vale destacar que embora a organização comunitária não
seja muito ativa, a favela é sede de uma série de iniciativas organizadas pela
igreja e por um colégio católico de alta renda da região, que mantém três
creches e um centro profissionalizante na favela. Talvez graças a essa
presença da igreja, não se vejam tantos tempos protestantes na favela
quanto em outras comunidades similares.
À medida que se desce a via principal e se afasta da Praça Onze, as
condições pioram um pouco, inclusive com relação ao espaço público. Uma
bifurcação dessa via nos leva à frente do conjunto habitacional do programa
Cingapura da parte mais alta (ver Marques e Saraiva, 2005), conjunto
habitacional de 260 unidades iniciado na gestão Celso Pitta (1997-2000) e
terminado na gestão Marta Suplicy (2001-2004). O que chama a atenção,
além do péssimo projeto de arquitetura, é a baixa integração com o entorno
e a ausência de um diálogo mínimo com o espaço público situado à frente do
conjunto, que é separado por um alambrado metálico. Nessa região a
densidade é mais elevada e as são condições mais precárias. Seguindo
adiante se alcança um outro acesso à favela pela Rua Três Arapongas, onde
se situa uma outra unidade de trabalho da igreja católica.
Um outro setor da favela se localiza a nordeste da Praça Onze e pode
ser acessado desde a Rua Betim por outra via larga com acesso a carros.
Seguindo esse caminho, tem-se acesso à parte mais baixa da favela, que leva
até junto à Marginal Pinheiros. Nesse setor, de condições muito piores e
parcialmente sujeitas a inundações, se situa um outro conjunto Cingapura,
localizado diretamente às margens da Marginal Pinheiros. Uma parte desse
setor apresenta casas de alvenaria de boas condições, mas que estavam
66
sendo removidas pela Prefeitura no momento das entrevistas para a
construção de uma avenida, com os moradores sendo “indenizados” por R$
5.000 diretamente pela construtora.
Uma outra parte desse setor, entretanto, é bem mais precária e se
localiza diretamente sobre o leito de antiga ferrovia desativada. Nessa região,
os barracos, em sua maior parte de madeira, se situam diretamente sobre os
trilhos com densidade muito alta e praticamente sem iluminação, dada a
distância das vielas deixadas pelos moradores. Em alguns trechos houve o seu
completo fechamento, sendo que as vielas avançam como túneis sob
construções no segundo andar. Nessa região, denominada “dos trilhos”,
situam-se as condições mais precárias de toda a favela, com barracos de
madeira, sem iluminação, com muita umidade e sujeitos a inundação. Os
esgotos nesse setor são visíveis a céu aberto em todos os lugares e
praticamente não escoam, dada a proximidade com as cotas da Marginal
Pinheiros. As inundações nessa região são freqüentes e a presença de ratos
constante, tendo sido citados intensamente nas entrevistas. Parece ser
também nessa região que as condições de sociabilidade são piores. Nessa
região, o espaço público se limita aos (estreitos) espaços de circulação, o
comércio é praticamente inexiste e os locais de sociabilidade se limitam aos
bares. Os contrastes da sociabilidade com os setores da Praça Onze e das Três
Arapongas são visíveis e praticamente só se vê crianças pequenas interagindo
no espaço público.
Foram feitas entrevistas com moradores das imediações da Praça Onze
e da Rua Três Arapongas e dos trilhos.
c. Favela Paraisópolis
A favela de Paraisópolis é uma das maiores da região metropolitana de
São Paulo, alojando em 2000 uma população de aproximadamente 34.000
habitantes em 9.000 domicílios.29 A renda media do chefe era de R$ 490 e a
sua escolaridade média de apenas 4,1 anos. A baixa escolaridade se
apresentava também no analfabetismo dos chefes – 21% - e no fato de 47%
dos chefes terem cursado apenas no máximo 4 anos de estudo. Cerca de 9%
29 Novamente, trata-se de dados relativos aos setores censitários do Censo de 2000 que incluíam a favela.
67
dos indivíduos era analfabeto em 2000, uma proporção elevada para São
Paulo (média de 7,3% no Município em 2000), mas inferior aos 15,2% da média
das favelas do Município (Saraiva e Marques, 2005). Como nas demais favelas
da região, a estrutura etária era bastante jovem, com cerca de 25% dos
indivíduos com menos de 9 anos de idade e apenas 2% com mais de 60 anos.
O abastecimento de água estava universalizado, mas o esgotamento
alcançava apenas 56% dos domicílios e a limpeza urbana 74%. A proporção
de indivíduos autodeclarados pretos e pardos era de 45%.
Imagem 3. Paraisópolis (locais de entrevistas indicados)
Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo/ Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano/ Departamento de Regularização de Parcelamento do Solo. Ano 2000. Escalas de vôo 1:6.000/1:5.000
A favela era a única de grande porte na cidade a se localizar em terra
privada, remanescente de uma época em que as favelas em área privada
eram predominantes em São Paulo (Bueno, 2000). A particularidade mais
importante da favela, entretanto, é a sua localização espacial junto ao bairro
68
do Morumbi. Paraisópolis, na verdade, representa um enclave territorial no
interior de um dos bairros de renda mais alta da metrópole, gerando enormes
contrastes sociais. Por essa razão, a favela sempre foi a mais intensamente
enfocada pela mídia e por estudiosos em geral, representando de certa forma
um retrato espacialmente concentrado das desigualdades sociais brasileiras. A
contigüidade com uma região de alta renda representa uma vantagem
locacional importante para os moradores da favela no que diz respeito ao
mercado de trabalho, entendido como fácil acesso a uma das mais
importantes estruturas de oportunidades (Almeida e D´Andrea, 2005). Essa
proximidade junto a um mercado de trabalho de vulto reduz os efeitos
negativos da distância à área central do município de São Paulo, que
também são consideráveis. De ônibus até a Praça da Sé o percurso consome
em média 1 hora e 20 minutos no horário de pico e 1 hora sem trânsito em dois
ônibus, sem se considerar o tempo de transbordo, considerando as
informações oficiais sobre deslocamento.
A contigüidade espacial com grupos de alta renda e a projeção na
mídia tornam Paraisópolis objeto constante de projetos dos mais variados tipos,
tanto do setor público, quanto do setor privado, configurando-se um alvo
preferencial das preocupações da parcela socialmente preocupada da elite
paulistana, assim como do que a “Revista Isto É” denominou de “empresas do
bem”. Essa dimensão é interessante, pois trata-se de um caso raro em São
Paulo de visibilização da alteridade social para os grupos de alta renda,
elemento usualmente ocultado pela elevada macrosegregação e pela virtual
ausência de microsegregação nas áreas ricas da cidade (Marques e Torres,
2005).30
A ocupação de Paraisópolis iniciou-se na década de 1930, através de
invasões realizadas no interior do recém criado loteamento de Vila Andrade
(Baltrusis, 2005). Como a favela foi constituída sobre um território em processo
de loteamento, acabou por incorporar o traçado regular em seu sistema viário
principal, o que lhe dá raras características de acessibilidade interna. Pelo
viário principal circulam hoje ônibus, caminhões e automóveis e a largura da
30 Sobre projetos na favela, ver, por exemplo, http://www.einstein.br/voluntariado/ e http://www.portoseguro.org.br/comunidade.asp e http://www.terra.com.br/istoedinheiro/314/empresasdobem/index. Htm.
69
maior parte das vias secundárias também dá acesso a carros e aos caminhões
dos serviços urbanos.
O associativismo da favela é intenso, sendo impressionante a
proliferação de associações e entidades na favela. Em termos de
participação associativa, entretanto, os moradores se situam na média do que
caracteriza os indivíduos de baixa renda da região metropolitana de São
Paulo, embora a frequência a entidades religiosas seja mais intensa (Lavalle e
Castello, 2004).
Os 1.500 hectares da favela se desenvolvem por uma vasta área que
inclui colinas suaves, os vales de ao menos quatro cursos d´água e algumas
encostas acentuadas, em especial em sua parte sudoeste, nas áreas
denominadas de Grotão e de Grotinho. Nesse particular, Paraisópolis
apresenta grande heterogeneidade interna, em especial entre a área
conhecida como Centro e de condições muito boas, e as áreas denominadas
com Grotão e Grotinho, de ocupação muito mais recente e condições muito
precárias. Enquanto a área do Centro em tudo se assemelha a um bairro
popular consolidado, com construções de boa qualidade, densidade não
muito alta e comércio variado, uma parte das regiões de piores condições é
acessível apenas por vielas estreitas e se localiza em áreas de alta declividade
e junto a córregos, estando sujeitas a inundações e risco geotécnico.
Essas condições evidentemente se expressam nos valores das moradias.
Segundo Baltrusis (2005), enquanto imóveis das melhores áreas da favela são
postos à venda em média por R$ 11.5000, a média no Grotão é de R$ 6.500 e
no Grotinho de R$ 4.900, aproximadamente. O autor também encontrou entre
2000 e 2005 um intenso processo de valorização dos imóveis, assim como o
estabelecimento de um ativo mercado de locação, com aluguéis variando
“de R$ 80, por um barraco de madeira praticamente dentro do córrego a R$
300 por um sobrado de alvenaria com três dormitórios (Baltrusis, 2005, p. 156)”.
As entrevistas foram realizadas com moradores das áreas do Centro e
do Grotão.
70
d. Favela Vila Nova Esperança
A favela de Vila Nova Esperança se situa em área particular,
parcialmente no Município de São Paulo e parcialmente no Município de
Taboão da Serra. A denominação Vila Nova Esperança é a reconhecida pela
maior parte dos moradores e pela Prefeitura de Taboão, mas a Prefeitura de
São Paulo tem a favela cadastrada como “Sem Terra”. A favela se localiza em
zona peri-urbana, em uma pequena elevação junto a uma estrada não
pavimentada, tanto em encosta não muito íngreme quanto no seu topo.
Imagem 4. Vila Nova Esperança (indicada) e o bairro João XXIII
Fonte: Prefeitura do Município de Taboão da Serra/ Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Habitação. Ano 2004. Escala de vôo 1:5.000
Dentre as favelas estudadas, Vila Nova Esperança é com toda a
certeza a menor, apresentando um porte de médio para pequeno. O Censo
demográfico de 2000 indicava a existência de pouco mais de 1000 habitantes
e quase 300 domicílios, resultando em uma densidade de 3,8 habitantes por
71
domicílio. As condições de infra-estrutura eram precárias – 65% de cobertura
por redes de água e esgotos e 80% por coleta de lixo. O rendimento médio
dos chefes era de R$ 680 e a sua escolaridade média era de 5,1 anos de
estudo.31 Como a favela é bastante recente e cresceu significativamente nos
últimos anos com um padrão de ocupação muito precário, as informações
censitárias talvez sugiram uma situação social melhor do que a encontrada,
assim como um tamanho menor do que o existente quando da realização das
entrevistas.
Segundo os moradores, a área foi ocupada há 10 anos, principalmente
por famílias que moravam no bairro contíguo pagando aluguel - João XXIII,
pertencente ao Município de São Paulo. A maior parte da favela é composta
por moradias de alvenaria de qualidade bastante boa e de tamanho
razoável, em especial as pertencentes aos primeiros moradores a chegarem
ao local. Entretanto, há dois setores – junto à entrada abaixo e na parte mais
alta da favela - que foram ocupados muito recentemente e são compostos
por barracos de madeira muito precários. Como a favela se localiza na franja
urbana, a expansão da ocupação na área mais alta tem ocorrido com a
ocupação direta de área de mata contígua.
Vila Nova Esperança é uma comunidade bastante isolada, distando
aproximadamente 1,5 quilômetros por estrada de terra da via pavimentada
por one circula o transporte coletivo mais próximo. Para se chegar à favela,
trafega-se até o quilômetro 25 da Rodovia Raposo Tavares, depois por 2
quilômetros no bairro João XXIII e por fim pela estrada de terra que cruza
região com aspecto rural e de mata. De ônibus até a Praça da Sé o percurso
consome em média 2 horas e meia no horário de pico e 1 hora e meia minutos
sem trânsito, sem considerar os tempos de baldeação em dois ônibus,
considerando as informações oficiais de tempo de trajeto da Prefeitura
Municipal.
A favela conta apenas com comércio muito local, como bares e
vendas de pequeno porte, além de igrejas evangélicas. Vila Nova Esperança
tampouco apresenta organização comunitária ativa. Segundo as entrevistas 31 Nesse caso, os dados dizem respeito ao único setor censitário que envolvia apenas a favela. Havia um outro setor do Censo de 2000 que incluía parcialmente a favela, mas também uma parte do bairro de classe média contíguo. Como a informação é apenas indicativa, optei por incluir apenas esse setor, ao invés de recorrer a técnicas cartográficas para a geração de informação para o restante da favela.
72
realizadas, a favela consta com algumas lideranças, mas não há
institucionalidade constituída, e várias dessas lideranças conflitam
intensamente entre si. A localização na fronteira municipal também parece
tornar a situação política mais confusa no que diz respeito às competências
do poder público e a quem endereçar demandas.
O bairro João XXIII aloja o comércio e os serviços utilizados pelos
moradores, assim como uma parte dos empregos. As crianças também
freqüentam as escolas de primeiro e segundo grau do bairro. A composição
social desse bairro parece ser bastante heterogênea entre classe média e
classe média baixa.
O isolamento espacial da favela e a sua localização na fronteira de
municípios a fragiliza substancialmente sob o ponto de vista da infra-estrutura.
Apenas uma pequena parte das vias é asfaltada e a comunidade tem um
problema constante com o fornecimento de energia elétrica, que é feito
através de muitas ligações clandestinas com fiações residenciais em paralelo
ao longo da estrada de terra. A empresa fornecedora frequentemente destrói
as ligações e os moradores as religam.
e. Conjuntos habitacionais da Cidade Tiradentes
Duas coisas impressionam a quem chega à Cidade Tiradentes: a sua
escala e a sua distância ao centro de São Paulo. A Cidade Tiradentes é um
complexo de conjuntos habitacionais construídos em especial a partir da
década de 1980, em uma localização extremamente periférica na franja
periurbana no extremo leste do município de São a cerca de 40 quilômetros
da Praça da Sé. Os conjuntos se desenvolvem ao longo de uma extensa área
ao longo de vales e colinas em uma ampla região situada atrás do Parque do
Carmo, uma das maiores áreas verdes da cidade. A área, próxima aos limites
dos Municípios Mauá e Ferraz de Vasconcelos, foi adquirida em especial pela
Cohab no final dos anos 1970 da Fazenda Santa Etelvina, que em seguida
transformou diretamente a terra rural em urbana incorporando à malha
urbana os terrenos de baixíssimo valor.
Trata-se do caso mais paradigmático em São Paulo da produção
habitacional implantada no regime militar e continuada posteriormente – a
73
produção em larga escala de unidades novas para venda financiada em
conjuntos habitacionais massificados localizados na extrema periferia.32 Essa
dimensão é visível na grande monotonia da paisagem observável dos pontos
mais altos da Cidade Tiradentes. De acordo com dados da Cohab, apenas no
Santa Etelvina (de I a VII), um dos locais onde foram realizadas entrevistas,
foram produzidas aproximadamente 27.600 unidades habitacionais. Apesar da
serialização inerente ao empreendimento, a população se apropriou desses
espaços e os resignificou em suas práticas cotidianas, reduzindo o aspecto
impessoal dos projetos originais dos conjuntos (D´Andrea, 2004).
Imagem 5. Conjuntos em Cidade Tiradentes (locais de entrevistas indicados)
Fonte: Google Earth, 2007 32 Ver Maricato (1987) sobre o padrão de políticas do regime militar e Marques e Saraiva (2005) sobre a política habitacional recente em São Paulo.
74
O primeiro conjunto habitacional a ser implantado foi o Prestes Maia,
em 1975, e a eles se seguiram o Presidente Juscelino Kubitscheck/Jardim São
Paulo IA/IIA/IIB (de 1983); o Barro Branco I/Castro Alves (de 1985) e II; o Inácio
Monteiro (de 1987); o Santa Etelvina I a VII (de 1992) e o Jd dos Ipês (de 1997).
O complexo é apenas um dos existentes na Zona Leste da cidade, que inclui
ainda os complexos de Sapopemba (o primeiro de todos, inaugurado em
1968), Itaquera (de 1978) e José Bonifácio (de 1980).33 Embora os conjuntos
apresentem um estado de conservação relativamente ruim, a situação de
degradação não é muito grande e é certamente bem inferior à dos conjuntos
do programa Cingapura localizados em outros lugares da cidade de São
Paulo (e muito mais recentes). Os pequenos espaços intersticiais entre os
prédios no interior de cada conjunto sediam uma parte importante da
sociabilidade dos moradores, embora uma parte significativa das áreas
reservadas para atividades comerciais e de serviços nos conjuntos se encontre
abandonada ou amplamente subutilizada.
Segundo estimativas da Prefeitura de São Paulo a partir de dados do
Censo de 2000, habitavam a Cidade Tiradentes naquela data cerca de 190
mil pessoas em 49 mil domicílios, sendo 160 mil moradores dos vários conjuntos
habitacionais construídos pela Cohab e pelo CDHU. No distrito de Cidade
Tiradentes havia 13 favelas quando da elaboração da Cartografia eletrônica
de favelas do Município de São Paulo em 2003 e, de acordo com a Prefeitura,
outras 16 foram iniciadas desde então (Sehab/Habi e Cem/Cebrap). A renda
média dos chefes de domicílio era de R$ 600 e a escolaridade média de 6,2
anos de estudo. O analfabetismo em geral alcançava 5% da população e
32% dos chefes tinham até 4 anos de estudo. Os serviços de abastecimento de
água e de coleta de lixo alcançavam aproximadamente 98% dos domicílios e
o de esgoto 88%. Cerca de metade da população se autodeclarava preto ou
pardo, a mais elevada proporção dentre as áreas estudadas (49,9%).
A segunda dimensão urbana que se destaca na Cidade Tiradentes é a
segregação. A enorme distância e a inexistência de transporte público
expresso tornam o trajeto uma verdadeira viagem. De ônibus até a Praça da
33 Nakano (2002) e informações dos sites da Prefeitura Municipal de São Paulo e da Cohab-SP.
75
Sé o percurso consome em média 2 horas e meia no horário de pico e 1 hora e
25 sem trânsito, fora os tempos de baldeação em 3 ônibus, considerando as
informações oficiais de tempo de trajeto da Prefeitura Municipal. A
acessibilidade à região está sendo aumentada com a construção do Expresso
Tiradentes, corredor de transporte coletivo expresso de 32 quilômetros ligando
a Cidade Tiradentes ao Terminal Parque Dom Pedro, no centro. A construção
se arrastou pelas últimas três gestões municipais e o primeiro trecho, de apenas
8 quilômetros foi inaugurado em 2007. Não há previsão para a conclusão da
obra, que consumiu mais de R$ 800 milhões na sua primeira fase.
Há alguns anos a Cidade Tiradentes era não apenas um espaço
extremamente segregado, mas também uma região submetida a grandes
dificuldades de acesso a serviços e equipamentos públicos. Ao longo das
últimas gestões municipais, entretanto, a região recebeu um conjunto vultoso
de equipamentos. Em 2005 a CT contava com 75 escolas sendo 51 municipais,
18 estaduais e 6 privadas, atendendo a 65.050 alunos. Entre as várias unidades
municipais se incluíam dos dois Centros Educacionais Unificados (CEUs). Com
relação à saúde, havia 10 unidades básicas de saúde, um centro de
referência em Dst/Aids e outras duas unidades especializadas, além de um
hospital que viria a ser inaugurado em 2006, apesar de até meados de 2007
não estar funcionando.34 Em 2002 o distrito foi transformado em sub-prefeitura
(até então pertencia a Guaianases), passando a ter uma gestão autônoma
de vários serviços, em especial de zeladoria urbana.
Se a situação de acesso a equipamentos tem melhorado bastante, o
acesso ao mercado de trabalho ainda é mais do que precário, sendo a região
um dos exemplos mais fortes de descompasso espacial entre oferta e
demanda de empregos (job mismatch) presente na região metropolitana de
São Paulo (Gomes e Armitrano, 2005). Segundo os dados da Relação Anual de
Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho e Emprego relativos a 2004
havia 2.243 empregos formais na Cidade Tiradentes em 247 estabelecimentos.
Isso resultava em uma taxa de 0,015 empregos por habitante de 10 anos ou
mais (a população em idade ativa, segundo a definição do Ibge), o que
sugere que de cada 66 habitantes em idade ativa, apenas 1 conseguia
34 As informações foram obtidas no Infolocal do site da Prefeitura de São Paulo (http://infolocal.prefeitura.sp.gov.br/) e as fontes originais são variadas.
76
arranjar emprego localmente. Consequentemente, a esmagadora maioria dos
moradores tem que se deslocar regularmente para outras regiões da cidade
para trabalhar o que, considerando o isolamento territorial da região, é um
problema muito grave. Esse é o caso da grande maioria dos nossos
entrevistados que estavam trabalhando.
Assim, a Cidade Tiradentes apresenta especificidades com relação aos
demais campos realizados nessa pesquisa. Por um lado se trata do local mais
isolado e distante do centro de São Paulo, embora o tempo de descolamento
não seja tão maior do que o da favela Vila Nova Esperança. Por outro lado,
trata-se de uma área bastante grande e relativamente heterogênea,
incluindo favelas e conjuntos, embora todos os entrevistados morem em
conjuntos habitacionais, horizontais ou verticais (a grande maioria). Nesse
caso, é de se esperar que os indivíduos empreendam grandes deslocamentos
diariamente (excetuados os que estão fora do mercado de trabalho), mas
também é provável que os conjuntos da Cidade Tiradentes abriguem em seu
interior uma dinâmica social e uma sociabilidade próprias. Como
conseqüência, a região deve circunscrever contatos e redes locais de vários
tipos com maior probabilidade do que nos demais campos, tanto pela sua
escala, quanto pela segregação a que está submetida.
Foram realizadas entrevistas diretamente nos conjuntos com moradores
do Santa Etelvina e do Barro Branco/Castro Alves, assim como junto ao centro
comercial da Avenida dos Metalúrgicos.
4. Comparando os locais de moradia dos entrevistados
De forma a termos um quadro geral das condições dos locais de
moradia dos indivíduos estudados, resumo nessa seção alguns indicadores
básicos. A origem das informações é o Censo Demográfico do Ibge de 2000 e
as informações foram geradas por técnicas de Sistema de Informações
Geográficas a partir de conjuntos de setores censitários nas áreas onde moram
os entrevistados e representam a caracterização mais precisa possível, dadas
as informações disponíveis, sobre o contexto local dos indivíduos estudados.35
35 Novamente, essas informações foram produzidas por Renata Gonçalves, a quem agradeço explicitamente a ajuda. Os dados médios correspondem respectivamente a 7 setores (Jaguaré); 1 setor (cortiços); 1 setor (Vila Nova Esperança); 7 setores (Paraisópolis) e 15 setores (Tiradentes).
77
Os dados não correspondem, portanto, às populações das áreas estudadas
(como as informações citadas nas seções anteriores desse capítulo), nem
tampouco aos entrevistados individualmente (como as citadas nos próximos
capítulos). A Tabela a seguir apresenta a informação.
Tabela 1: Indicadores escolhidos dos locais de moradia dos entrevistados, 2000.
Indicadores
Local
% p
esso
as d
e 0
a 9
ano
s
% d
e p
ess
oas d
e 10
a 1
9 a
nos
% d
e p
esso
as c
om
60
ano
s e m
ais
% c
om
rede
ág
ua
% c
om re
de d
e es
goto
s
% c
om se
rviç
o de
limpe
za
Ano
s méd
ios d
e es
tudo
do
Che
fe
% a
nalfa
bet
os
% c
hefe
s ana
lfabe
tos
%ch
efe
com
até
4 a
nos d
e es
tud
o
Rend
a m
édia
do
che
fe
% C
hefe
s se
m re
ndim
ento
ou
igua
l ou
infe
rior a
3 sa
lário
s mín
imos
% d
e m
ulhe
res c
hefe
s
Cortiços 16,5 13,6 4,3 99,5 99,5 100,0 5,9 6,4 16,2 34,3 747 42,6 24,0
Nova Jaguaré 24,1 21,6 3,4 99,7 (*) (*) 4,1 8,1 28,1 38,4 429 78,3 28,0
Paraisópolis 25,4 20,6 1,9 99,8 38,3 65,8 4 9,8 24,1 46,7 459 74,1 22,2
Vila Nova Esperança
26,5 18,9 2,2 65,2 66,1 80,3 5,1 5,8 12,8 42,2 677 58,1 16,1
Cidade Tiradentes
19,4 22,1 3,7 99,8 99,5 99,9 6,5 4,0 4,5 32,1 611 52,9 32,3
Fonte: Censo Demográfico de 2000, Ibge. Nota (*): As informações das variáveis “domicílios serviços por rede de esgoto” e “atendidos por serviços de limpeza urbana” para o Jaguaré apresentaram grande discrepância e não foram consideradas.
Como podemos ver, a estrutura etária mais jovem pode ser observada
nas três favelas e a mais velha na Cidade Tiradentes e em especial nos
cortiços da área central. Como era de se esperar, as piores condições de
infra-estrutura estão na favela de ocupação mais recente e localizada em
região de fronteira municipal – Vila Nova Esperança, seguida das demais
favelas. O nível geral de escolaridade é muito baixo, mas varia
substancialmente entre as piores condições do Jaguaré e de Paraisópolis e as
melhores nos cortiços e, especialmente, na Cidade Tiradentes. Apenas para
termos parâmetros de comparação, a escolaridade média dos chefes no
78
conjunto da região metropolitana de São Paulo em 2000 estava em
aproximadamente 7,5 anos.
Os rendimentos médios dos chefes também variam bastante, entre o
máximo de quase R$ 750 nos cortiços e um mínimo de R$ 430 no Jaguaré e R$
460 em Paraisópolis. A presença relativa de chefes de rendimento igual ou
inferior a 3 salários mínimos acompanha o mesmo padrão, sendo as melhores
situações encontradas nos cortiços e em Cidade Tiradentes – 42,6 e 52,9% - e
as piores nas favelas do Jaguaré e de Paraisópolis - 78,3 e 74,1%,
respectivamente. Apenas para termos um padrão de comparação, a
presença de chefes nessa faixa nas favelas do Município de São Paulo em
2000 foi estimada por Saraiva e Marques (2005) em 73,2% e, portanto, Jaguaré
e Paraisópolis tinham situação levemente pior do que a média das favelas
paulistanas, enquanto a nossa favela pequena extremamente segregada se
situava em posição melhor do que a média.36 Por fim, a chefia feminina varia
entre a encontrada na Cidade Tiradentes e no Jaguaré de aproximadamente
um terço das famílias, à observada na Vila Nova Esperança de apenas 16%
famílias.
Saraiva e Marques (2005) também realizaram uma classificação das
favelas segundo as suas características médias, resultando em cinco grupos. O
rendimento das três favelas desta pesquisa incluiria Vila Nova Esperança entre
as favelas de melhores condições, mas localizaria Paraisópolis e Jaguaré no
segundo melhor grupo.
De uma forma geral, portanto, podemos dizer que a população de
melhores características sociais e urbanas é a dos conjuntos da Cidade
Tiradentes, seguida dos cortiços e de Vila Nova Esperança. Dentre os locais do
estudo, o que apresenta a população de piores características é a do
Jaguaré, seguida de Paraisópolis. Vale destacar a situação da Vila Nova
Esperança, que apresenta características médias entre os campos, apesar da
localização urbana da cidade ser muito mais segregada do que as duas
outras favelas, comprovando que a relação entre segregação e pobreza é
mais complexa do que uma relação direta poderia sugerir. Como já
comentado, entretanto, o crescimento posterior a 2000 na favela
aparentemente envolveu população de condições sociais mais precárias, o 36 Segundo Saraiva e Marques (2005), a média para o Município de Taboão da Serra era bem próxima da de São Paulo - 73,8%.
79
que pode significar a existência de condições médias piores do que as
indicadas pelo Censo de 2000 quando da realização das entrevistas. Por outro
lado, como veremos, as redes de Vila Nova Esperança tendem a ser menos
locais do que as das outras favelas, apesar da elevada segregação.
80
Capítulo 3: As redes, suas características e condicionantes
Esse capítulo apresenta as características mais importantes das redes
pessoais estudadas, explora analiticamente as principais clivagens e
regularidades que as organizam e discute os seus principais condicionantes em
termos sociais.
O capítulo começa pela apresentação dos entrevistados,
primeiramente os indivíduos em situação de pobreza, e mais adiante os de
classe média. A segunda seção define os indicadores de rede utilizados e
discute as características gerais das redes analisadas, tanto de pobres quanto
de classe média. A seguir, na terceira seção, discuto os principais
condicionantes das redes, considerando os principais processos sócio-
demográficos que influenciam e condicionam as redes de acordo com a
literatura, e investigando o seu impacto sobre as redes estudadas.
1. Os entrevistados e suas características
Foram entrevistados 150 indivíduos nos cinco locais descritos no capítulo
anterior. Desses, cerca de 55% eram mulheres e 45% homens, distribuídos de
maneira aproximadamente regular pelos campos. A idade média dos
entrevistados é de 36 anos e varia bastante pouco entre os campos, embora
tenhamos entrevistados de 12 a 77 anos, sendo 29 deles com 20 anos ou
menos e 10 com 60 anos e mais. De uma forma geral as únicas diferenças
entre os campos são uma idade média levemente menor nos cortiços e a
presença de mais entrevistados idosos no Jaguaré e em Paraisópolis. A
escolaridade média dos entrevistados era baixa – 6,1 anos de estudo, mas
variava bastante, entre 4,7 nos cortiços do centro e 8,7 anos na Cidade
Tiradentes. A renda familiar média per capita dos entrevistados era de R$ 296,
mas variava entre R$ 25 (havia 28 casos com renda igual ou inferior a R$ 100) e
81
R$ 1.600 (havia 3 casos com renda igual ou superior a R$ 1.000). A renda
familiar era em média de R$ 1125.
Vale explicitar aqui duas particularidades relativas à renda. A primeira é
que considerei como renda familiar a renda de todos os indivíduos do
domicílio, sem estabelecer repartições caso houvesse mais de uma família
cohabitando um mesmo domicílio. Não tenho indicação de que isso tenha
ocorrido com freqüência e, embora haja domicílios com muitos indivíduos,
trata-se de famílias extensas. Entretanto, em termos técnicos estritos, a renda
familiar a que me refiro ao longo do trabalho é, na verdade, a renda
domiciliar.
Em segundo lugar, vale destacar que o rendimento dos indivíduos
levantado nas entrevistas e utilizado na pesquisa corresponde à renda média
familiar per capita, ao invés dos rendimentos individuais, pois considero que as
dimensões estudadas nessa pesquisa – as situações sociais e a pobreza em
particular – são produzidas no interior dos núcleos familiares e não apenas
pelas dinâmicas individuais. Embora a pobreza e o bem-estar estejam
evidentemente associados a essas últimas, são fortemente influenciados pelos
contextos próximos que cercam os indivíduos, incluindo a família. As redes
pessoais, similarmente, geram acessos que podem ser utilizados não apenas
pelos indivíduos, mas pelos integrantes de seus círculos mais próximos, com
destaque para a família.
Mas voltemos para a caracterização dos entrevistados. Dentre eles, 57%
tinham companheiros conjugais no momento da entrevista, proporção que
variou bastante, entre 70% no Jaguaré e 43% na Cidade Tiradentes. Dentre os
com relações conjugais regulares, 44 % vivia há menos de 10 anos com o
cônjuge e 28% há menos de 5 anos. Aproximadamente um terço dos com
companheiro – 33% - o conheceu apresentado por outros, 26% conheceram
na vizinhança, 14,2% em atividades de lazer e apenas 9% na família. A grande
maioria dos casais foi construída em São Paulo - apenas 28% conheceram o
cônjuge em seu local de origem migratória, indicando que mesmo para uma
grande parcela dos migrantes os núcleos familiares se constituíram aqui.
A maior parte dos entrevistados era migrante – 66%, embora essa
proporção variasse entre 71 e 80% em Paraisópolis e no Taboão,
respectivamente, e apenas 33% em Cidade Tiradentes. Dentre os migrantes, a
82
grande maioria (72%) chegou a São Paulo há mais de 10 anos, 12% chegou
entre 5 e 10 anos e 16% há 5 anos ou menos. O local que aloja os migrantes
mais recentes é o centro, com 24% dos migrantes chegados há 5 anos ou
menos. Esse também é o local de chegada mais recente ao bairro: 37%
chegaram ao bairro há 5 anos ou menos. Essa mesma proporção de chegada
ao bairro é encontrada em Vila Nova Esperança, o que já seria de se esperar,
considerando que se trata de uma favela de ocupação recente, confirmando
análises como Torres (2005) que sustentam a continuidade do crescimento por
migração recente na chamada franja urbana. Os locais mais consolidados
são o Jaguaré, a Cidade Tiradentes e o Paraisópolis, onde respectivamente 83;
80 e 68% dos entrevistados chegaram há 10 anos ou mais a São Paulo. No
conjunto dos campos, o tempo de chegada ao local atual tende a ser
grande, e 78% dos entrevistados já moravam no local onde residem há mais
de 5 anos e apenas 4% chegaram há menos de 1 ano. O conjunto dessas
informações migratórias é condizente com o arrefecimento da migração para
a região metropolitana de São Paulo nas últimas décadas (Januzzi e Januzzi,
2002), mesmo nos locais de moradia da população mais pobre nas áreas mais
centrais.
Em termos de credo religioso, 62% dos entrevistados se diziam católicos,
27% evangélicos e 9% sem religião. A maior presença de católicos era no
Jaguaré (87%) e de evangélicos na Cidade Tiradentes (40%). Quando se
analisa a freqüência a templos, 41% freqüentavam ao menos quinzenalmente
e 44% muito raramente ou nunca. As mais altas freqüências a templos
coincidem com as mais altas proporções de católicos e evangélicos, ambas
com 50%, respectivamente no Jaguaré e na Cidade Tiradentes. Dentre os
credos, a freqüência entre os evangélicos era muito mais alta (70% têm
freqüência mais do que quinzenal) do que entre os católicos (apenas 34%
freqüentam mais do que quinzenalmente). Entretanto, mesmo entre os
autodenominados evangélicos, 23% afirmavam nunca ou muito raramente ir a
templos.
No que diz respeito à habitação, cerca de metade - 53% - dos
entrevistados moravam em casa de alvenaria, enquanto 19% moravam em
apartamento, 13% em quarto sem banheiro, 9% em barraco de material
precário e 7% em quarto com banheiro. Ao menos em parte, essa distribuição
83
é produto da própria escolha intencional dos campos. A densidade domiciliar
era relativamente baixa – 3,7 habitantes por domicílio, e variava pouco, entre
3,5 em Paraisópolis e 4,2 em Vila Nova Esperança.
Com relação à inserção dos entrevistados no mercado de trabalho,
18% faziam bicos (proporção que chegava a 27% em Taboão), 13% eram
empregados com carteira e 8% sem carteira, assim como 3% domésticos sem
carteira e 7% com carteira. Os desempregados alcançavam 11% no conjunto
das áreas, mas a sua presença virava de 3% em Taboão (não por acaso onde
a presença dos bicos era maior) a 20% na Cidade Tiradentes. O conjunto dos
entrevistados incluía ainda 14% de donas de casa, 11% de estudantes e 4% de
aposentados. Dentre os que se encontravam empregados no momento da
entrevista, nada menos do que 77% das pessoas haviam conseguido o
emprego atual via rede de contatos, contra apenas 5% via anúncio e 3% via
agência de empregos. Aproximadamente a metade dos empregados (53%)
trabalhava na comunidade, o que indica a importância das economias locais.
Entretanto, os empregos de melhor qualidade se encontravam fora da
comunidade e dentre os com carteira assinada, domésticos incluídos, 80%
trabalhavam fora da comunidade. Por outro lado, dentre os envolvidos com
bicos e os empregados sem carteira (domésticos ou não), respectivamente
52% e 61% trabalhavam no próprio local pesquisado. Não havia diferença
significativa entre a renda familiar per capita de quem trabalhava dentro e
fora do local de moradia. A duração dos empregos atuais dos entrevistados
era bastante polarizada, com 27% dos indivíduos no emprego atual há menos
de 1 ano e 39% no emprego atual há 5 anos ou mais.
De forma a dar conta das situações de precariedade existentes, construí
indicadores que pudessem apontar para a incidência de precariedade social
e a sua possível relação com as redes. É importante levar em conta que,
considerando o grupo populacional objeto dessa pesquisa, os níveis de
precariedade considerados são bastante baixos e tentam diferenciar quem
está em situação muito ruim de quem não está. Foram consideradas quatro
situações de precariedade – familiar, habitacional, de trabalho e de renda,
além de uma dimensão síntese de precariedade social.
Em primeiro lugar, para destacar a presença de fragilidade nos arranjos
familiares que geram conseqüências sobre a situação social, foi criado um
84
indicador de precariedade familiar quando o núcleo familiar era composto
por um único adulto com filhos ainda crianças. Dentre os entrevistados, 14% se
encontravam nessa situação, sendo que ela estava mais fortemente presente
na Cidade Tiradentes (23%) e completamente ausente do Jaguaré. Apenas
mulheres (21 casos) se enquadravam como os chefes de família nessa
condição.
Em termos habitacionais, definimos como precária a situação de habitar
em barraco de madeira ou em quarto sem banheiro. Este tipo de
precariedade se mostrou presente em 23% da amostra, e é obviamente mais
incidente no centro da cidade, pela própria definição do indicador (66% dos
entrevistados dos cortiços estão nessa condição). As mulheres novamente
estão mais sujeitas a essa condição do que os homens (27% das mulheres
contra 18% dos homens).
A condição de precariedade mais comum estava relacionada com a
inserção no mercado de trabalho. Estabeleci como condições precárias:
desemprego, viver de bicos ou ter emprego sem carteira assinada. Essa
condição incidiu sobre 63% daqueles com vínculos com o mercado de
trabalho, mas era mais presente no centro (78%). Os locais que abrigam
indivíduos com menor precariedade do trabalho (e, portanto, inseridos em
empregos de melhor qualidade) são o Jaguaré e a Cidade Tiradentes com 57
e 55% respectivamente. Os homens estão mais sujeitos a essa precariedade
(51 contra 40% das mulheres), assim como a situações de desemprego (59%
dos desempregados são homens).
Além disso, quando o rendimento médio familiar per capita era igual ou
inferior a R$ 120, considerei a situação dos indivíduos precária sob o ponto de
vista dos rendimentos.37 Um quarto dos entrevistados (25%) apresentava
precariedade de rendimento, sendo que essa proporção variava entre 33 e
30% no Taboão e em Paraisópolis, respectivamente, e 17% em Cidade
Tiradentes. Mais uma vez, as mulheres estavam mais sujeitas a essa
precariedade.
Por fim, quando os indivíduos apresentavam duas ou mais dentre as
quatro condições de precariedade anteriores, considerei a situação social
37 O valor corresponde ao patamar usado pelo Programa Bolsa Família para transferência direta de renda para famílias pobres com crianças ou jovens de idade inferior a 15 anos. Ver http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/o_programa_bolsa_familia/criterios-de-inclusao.
85
como precária em geral. Essa condição incidiu sobre 32% da amostra, embora
tenha alcançado 59% no centro, mas apenas 17% na Cidade Tiradentes. A
precariedade em geral é mais incidente entre as mulheres (40%) do que entre
os homens (22%).
Dado que já temos uma caracterização de nossos entrevistados em
situação de pobreza, estamos em condições de comparar rapidamente os
atributos dos entrevistados na pesquisa com os dos moradores das áreas
pesquisadas, para checarmos a existências de algum viés significativo na
amostra de nossos entrevistados que possa ter sido causado pelas estratégias
de coleta de dados. Embora os dados não sejam comparáveis diretamente, a
comparação sugere conteúdos sociais bastante similares e ausência de viés,
utilizando indicadores do Censo do IBGE produzidos por geoprocessamento. A
escolaridade média do chefe do domicílio nas áreas pesquisadas era de 5,1
anos de estudo, enquanto entre os nossos entrevistados era de 6,1 anos. Dado
que a escolaridade tende a ser mais elevada em grupos de idade mais jovens
e esses tendem a não ser chefes, as duas escolaridades podem ser
consideradas como ainda mais próximas. Por outro lado, a renda média do
chefe nas áreas pesquisadas era de R$ 585 e a renda familiar média dos
entrevistados R$ 1125, o que resultaria em igualdade se cada domicílio tivesse
em média 1,9 pessoas gerando renda, o que é bastante razoável, em especial
considerando uma média de 3,7 indivíduos por domicílio. Dentre os
entrevistados se incluíam 22% de pessoas morando em domicílios chefiados
por mulheres, enquanto a média nos locais estudados era de 24%.
Em termos etários, as áreas pesquisadas tinham 3% de indivíduos com 60
anos ou mais, mas considerando que não foram entrevistadas crianças com
menos de 12 anos, os indivíduos com 60 anos ou mais representavam 4,5% das
faixas de idade estudadas nos locais analisados. A amostra de nossos
entrevistados inclui 6,5% de indivíduos nessa faixa etária. Por outro lado, no
outro extremo das idades, as áreas estudadas tinham 25% de indivíduos entre
10 e 19 anos, enquanto a pesquisa envolveu 19% de pessoas entre 12 e 19
anos. Levando-se em conta a diferença de amplitude entre as faixas, a
presença de jovens também pode ser considerada bastante satisfatória.
Portanto, considerando atributos sociais básicos dos entrevistados, é possível
86
dizer que a amostra da pesquisa não apresenta viés com relação à
população das áreas estudadas.
Os indivíduos de classe média estudados tinham evidentemente
atributos muito diferentes. Os indivíduos entrevistados eram 57% mulheres e 43%
homens. A sua idade média era de 41 anos e suas idades variavam entre 24 e
79 anos. No momento da pesquisa, 47% tinham companheiro estável. Dentre
os com companheiro, cerca de 17% estavam nessa condição há 10 anos ou
menos. A escolaridade média era de 14 anos e a renda média familiar per
capita de R$ 2250.
A grande maioria era não migrante (73%) e a maior parte dos migrantes
morava na cidade atual há mais de 10 anos (86%). O número médio de
pessoas no domicílio era ainda inferior ao dos indivíduos pobres – 2,3. Dentre os
entrevistados, 57% afirmavam não ter religião, 33% se diziam católicos e, 3%
evangélicos e 7% espíritas. Apenas 13% afirmavam freqüentar templos mais do
que quinzenalmente e apenas 10% participavam de algum tipo de
associação, o que indica que mesmo nesse grupo social a participação
associativa é bastante baixa.
Dentre os empregados, 43% estavam no emprego atual há mais de 5
anos e outros 13% entre 3 e 5 anos. A obtenção do emprego através de
contatos de rede foi a mais importante para o conjunto dos entrevistados, mas
em proporção inferior à dentre os pobres – 50% dos que trabalhavam, contra
12% via anúncio e 14% por concurso público. Apenas 37% dos entrevistados
eram empregados com carteira, sendo outros 43% autônomos (que nesse
caso incluem profissionais liberais e de ocupações intelectuais terceirizadas),
10% donas de casa, 7% eram pequenos proprietários e cerca de 3%
estudantes.
2. As redes e a sociabilidade
Antes de iniciar a discussão das características das redes, cabe a
apresentação de alguns elementos conceituais relativos às medidas e
indicadores de rede utilizados, para situar o leitor pouco familiarizado
previamente com o tema. Para cada rede foi gerado um conjunto de
indicadores, todos organizados posteriormente em banco de dados junto com
87
as demais variáveis características das redes. Essas medidas apontam para
características específicas das redes e, dado o sentido do presente trabalho,
os detalhes técnicos e operacionais para a produção das medidas importam
pouco, sendo muito mais importante termos em mente o seu significado em
relação aos processos sociais envolvidos.38
Considerando as características das redes sociais, esses indicadores
tendem a ser correlacionados entre si, embora apontem para processos
sociais distintos. Nesse sentido, para aumentar a compreensão sobre as
dinâmicas capturadas pelos indicadores e melhor situar o leitor quanto ao seu
comportamento e sentido, separei os indicadores em cinco grupos a partir de
análise fatorial e de suas correlações entre si (medidas por coeficientes de
correlação simples e parciais). A análise fatorial é uma técnica amplamente
conhecida de exploração de similaridades no comportamento estatístico de
variáveis, reduzindo a sua quantidade e sugerindo as dimensões subjacentes
que organizam os seus padrões de associação entre si.39 O cruzamento das
dimensões estudadas nesse e no próximo capítulo com os fatores gerados por
essa análise indicou que a utilização de variáveis originais como sínteses de
cada dimensão apresentava resultados mais estáveis do que os obtidos pelo
uso dos fatores, razão pela qual optei pelo uso direto das medidas
consideradas como síntese. Apresento a seguir as dimensões, listando os
indicadores que as capturam e as medidas escolhidas como sínteses.
Naturalmente, dentro de cada grupo os indicadores se apresentam
intensamente correlacionados. Foram capturadas as seguintes dimensões
pelos indicadores:
1. Tamanho da rede – O tamanho nos dá idéia de maneira direta da
extensão das redes. A dimensão do tamanho aparece nos nos de nós, nos de
vínculos, diâmetros (maior dentre as menores distâncias entre dois nós
quaisquer em uma rede), no de 2-clans de tamanho mínimo 3 da rede dividido
pelo no de nós da rede (no de grupos com tamanho mínimo 3 que têm no
máximo diâmetro igual a dois, dividido pelo no de nós da rede), no de 3-clans
de tamanho mínimo 3 da rede dividido pelo no de nós da rede (no de grupos
com tamanho mínimo 3 que têm no máximo diâmetro igual a três, dividido
38 Para maiores detalhes técnicos relativos a cada medida, remeto a Wasserman e Faust (1994), a Hanneman e Riddle (2005) e a Borgatti, Everett e Freeman (2002). 39 Para maiores detalhes, ver Jonhson e Wichern (1992).
88
pelo no de nós da rede), densidades (proporção entre os vínculos existentes e
os teoricamente possíveis) e índice de centralização (grau máximo de uma
dada rede comparado com o grau máximo de uma rede estrela de igual
tamanho). Os dois últimos indicadores variam inversamente com o tamanho -
quanto maior a rede, menor a densidade e a centralização. A dimensão de
tamanho é capturada sinteticamente pelo comportamento da variável nos de
nós.
A princípio, redes maiores poderiam veicular mais bens materiais e
imateriais para os indivíduos. Apenas o tamanho isoladamente, entretanto,
não indica nada, visto que contatos podem ser redundantes, assim como
tendem a ser muito diferenciados em sua capacidade de veicular acessos.
2. Coesão da rede - A coesão está associada a padrões de
conectividade mais intensos. Foi medida por: coeficiente de clusterização
(média das densidades das vizinhanças de todos os nós da rede), grau médio
(número médio de vínculos por nó na rede) e informação (proporção de todos
os caminhos entre quaisquer nós na rede que passam por um dado nó. No
caso, foi considerada a medida do ego). Essa dimensão também se
correlaciona com o no de vínculos, mas com menor correlação. O coeficiente
de clusterização é tomado como indicador dessa dimensão.
3. Rede egocentrada – A dimensão captura a extensão e a estrutura da
rede ligada diretamente ao ego em questão (é a parcela da rede com os
contatos primários do ego e as relações entre eles). Foram levantados os
indicadores: densidade da rede egocentrada (similar à densidade em geral,
mas apenas considerando essa rede) e tamanho eficiente da rede
egocentrada (medida que leva em conta a redundância dos vínculos,
determinando o controle do ego sobre sua rede imediata. Utilizou-se a medida
de Burt, 1992). O indicador dessa dimensão utilizado foi o tamanho eficiente.
4. Diversidade da sociabilidade – Essa dimensão capta em que medida
a rede dos indivíduos apresenta diversidade de inserções sociais. Em princípio,
quanto maior a diversidade, mais rica seria a sociabilidade dos indivíduos. A
análise incluiu: os nos de esferas e de contextos diferentes de uma dada rede e
os índices E-I relativos a esferas e contextos (os índices E-I são obtidos pela
subtração entre os vínculos de uma rede que são externos às esferas e aos
89
contextos e internos a essas esferas e esses contextos, respectivamente). A
síntese dessa dimensão é representada no no de esferas.
5. Localismo – Nos indica se a rede integra os indivíduos em contextos
mais amplos do que o local, sendo um indicador do grau de inserção urbana
das redes. Foram usados a proporção de indivíduos de fora da comunidade e
o índice E-I relativo a dentro/fora (similar aos anteriores, mas calculado com
vínculos externos e internos aos locais de moradia). A proporção de indivíduos
externos foi usada como indicador-síntese da dimensão.
Tabela 2: Tabela resumo de dimensões e indicadores-síntese
Dimensão
Tamanho Coesão Rede egocentrada
Variabilidade da
sociabilidade Localismo
no de nós coeficiente de clusterização
tamanho eficiente (Burt) no de esferas % de fora
no de vínculos grau médio densidade da rede
ego no de contextos E-I de local
densidade informação E-I de esferas diâmetro E-I de contextos índice de
centralização
2-clans/nós
Ind
ica
dore
s
3-clans/nós Obs. indicadores síntese hachurados. O indicador “intermediação normalizada” não apresentou correlação elevada com nenhum outro, sendo retirado na análise.
No restante do capítulo, descrevo e discuto o comportamento dos
indicadores, sumarizando o seu significado segundo as cinco dimensões
acima.
As redes dos indivíduos pobres estudados tinham em média 54 nós. Seus
tamanhos variavam relativamente pouco nas médias entre os locais
estudados, de 43 nós em Paraisópolis a 63 nós em Cidade Tiradentes. A
variação do tamanho na amostra, entretanto era muito grande - entre 5 e 148
nós. O número de vínculos seguia o mesmo caminho, com média de 106 e
variação média entre os campos de 92 em Paraisópolis e 130 vínculos em
Cidade Tiradentes. O grau médio, ou a quantidade média de vínculos de um
nós no conjunto das redes, era de pouco menos do que 2, o índice de
90
clusterização de 0,47 e a centralização de 36%. A variação entre os campos
era bastante pequena em torno dessas médias.
A presença de conterrâneos nas redes era de 8% das redes e a
homofilia de gênero média (proporção da rede de um homem que é homem
e de mulheres nas redes de uma mulher) de 61%. A presença na rede de
pessoas externas ao local estudado era de 37% em média. Essa proporção,
entretanto, variava significativamente entre 24% em Paraisópolis e 27% no
Jaguaré e aproximadamente 50% nos cortiços da área central e na Vila Nova
Esperança.
Apenas a título de exemplo, apresento a seguir o sociograma de uma
rede com características muito próximas das médias – 51 nós, 103 vínculos,
grau 2 e clusterização 0,50. Trata-se da entrevistada 164, de Cidade Tiradentes,
uma mulher migrante, de 46 anos, casada há 23 anos e que se encontrava
desempregada no momento da entrevista.
Figura 1. Sociograma da entrevistada 164
Fonte: Elaboração própria a partir de material empírico coletado.
91
Os indivíduos de classe média, por outro lado, tinham redes muito
diferentes. Suas redes tinham em média 94 nós, quase o dobro das anteriores e
183 vínculos, números substancialmente mais altos do que nos indivíduos
pobres, embora a variação também fosse grande entre indivíduos - entre 26 e
239 nós. As redes tinham diâmetro médio de 7,4 passos e grau médio de 2
vínculos, similar ao das redes das áreas pobres. O coeficiente de clusterização
era de 0,56 e de centralização 29,3%. As redes de classe média, portanto
tendem a ser bem maiores e levemente mais coesas.
A figura a seguir apresenta a título de ilustração um caso de classe
média próximo dos valores médios referidos. Trata-se do caso 93, uma mulher
de 38 anos casada e que trabalha no setor administrativo de uma
organização. Como podemos ver comparando com a Figura anterior, a rede
é substancialmente maior e muito mais complexa.
Figura 2. Sociograma da entrevistada 93
Fonte: Elaboração própria a partir de material empírico coletado.
92
Embora discutir as redes de classe média não seja parte do objetivo
dessa pesquisa, vale registrar que uma dimensão importante que apareceu
como clivagem no interior dessas redes é o fato dos indivíduos trabalharem ou
não em atividades profissionais associadas a comunidades profissionais, ao
contrário de meramente a locais de trabalho. Dentre os indivíduos cujas
atividades os inseriam em comunidades profissionais, a média de nós era de
131 contra 70 entre as pessoas cujo trabalho se ligava apenas em locais de
trabalho. A variabilidade da sociabilidade medida pelo número de esferas
diferentes também era maior dentre os que circulavam profissionalmente por
comunidades profissionais, mas as diferenças não eram significativas
estatisticamente. Uma possível explicação para esses resultados é o fato das
conexões de rede no caso de trabalhos que envolvam comunidades
profissionais serem mantidas ativas por longos períodos, se superpondo no
tempo como camadas cuja ativação mais intensa está separada no tempo,
mas que coexistem no presente das redes. Embora esses resultados sejam
sugestivos da importância de vários processos, apenas a realização de uma
pesquisa específica que conceitue mais precisamente a classe média,
represente melhor as suas formas de inserção profissional e obtenha um
número de casos mais elevado, permitirá especificar a importância desse
mecanismo.
As redes de indivíduos de classe média são basicamente associadas a
pessoas de fora do local de moradia, nesse caso definido com certa região da
cidade – cerca de 80% dos indivíduos presentes nas redes moravam fora da
região. O localismo, portanto, é muito menor do que o de indivíduos em
situação de pobreza e as redes desse estrato social se coadunam com o que
Wellman (2001) denomina de comunidades pessoais. A proporção de
conterrâneos é mais elevada do que nas redes de indivíduos pobres – 11% -
sugerindo a permanência maior de pedaços das redes prévias à migração
para os indivíduos migrantes. A homofilia de gênero é substancialmente menor
do que no caso dos pobres – em média 55%, quase a igual participação de
homens e mulheres em redes.
Observemos agora o que os dados nos sugerem com relação à
sociabilidade dos indivíduos pesquisados. Com relação aos mais pobres, os
93
contextos de entrada de indivíduos nas redes mais importantes são rede,
família e vizinhança, todos com proporções muito próximas (28, 26 e 25%,
respectivamente), embora haja variações substanciais entre locais. No Centro,
o contexto rede se apresenta muito acima da média (38%), assim como o
contexto família em Paraisópolis (32%). O contexto vizinhança varia de 18% no
Centro a 30% em Vila Nova Esperança. O trabalho explica o início de apenas
6% dos nós das redes, mas chega a 9% em Cidade Tiradentes. Os estudos são
o início de apenas 4% dos nós, proporção que varia de 2% no Jaguaré a 6%
em Tiradentes. O contexto igreja apresenta em média importância similar – 4%,
e varia de 2% nos cortiços do centro até 10% em Vila Nova Esperança. Os
demais contextos apresentam presença relativa igual ou inferior a 1% de todos
os nós das redes. As mais importantes origens de vínculos fora da família,
portanto, são as redes e a vizinhança. Em um patamar muito inferior na
aquisição de relações ficam o trabalho, os estudos e a igreja.
O número total de esferas de sociabilidade é de 3,9, variando pouco
entre os campos, embora entre os indivíduos tenha variado entre 1 e 7. O
número de contextos originais dos vínculos tem média 4,5 e varia entre 2 e 9. A
esfera com mais indivíduos proporcionalmente, em termos médios, é a da
família, com 38%, seguida da vizinhança com 31%. Se a primeira varia pouco
entre os locais estudados, entretanto, a segunda varia entre 26% na Cidade
Tiradentes e 38% em Vila Nova Esperança. Entre os indivíduos, entretanto, a
presença de ambas as esferas varia muito, de inexistente a praticamente toda
a rede (97%). O patamar médio das demais esferas é muito mais baixo, sendo
de 7% da esfera trabalho, 6% da amizade e da igreja, 3% de estudos e 2% de
associações.
A variação entre os indivíduos é novamente muito grande, embora os
valores altos se concentrem em um conjunto limitado de indivíduos, mas não
nas mesmas pessoas.40 As esferas da família e da vizinhança funcionam como
denominador comum da sociabilidade da maior parte dos indivíduos, que se
especializa através das demais. Para 29 indivíduos, por exemplo, a esfera igreja
inclui mais de 10% dos nós de sua rede, enquanto para 14 inclui mais de 20%.
Para 17 pessoas, por outro lado, a esfera lazer inclui mais de 10% dos nós. A
sociabilidade em associações é mais restrita, e apenas 12 indivíduos 40 As correlações simples entre as proporções de indivíduos em esferas distintas não apresentaram resultados significativos para nenhum par de esferas.
94
apresentam participações de mais de 10% dessa esfera. Com estudos
acontece algo parecido e apenas 18 indivíduos têm participações maiores
que 10% dessa esfera de sociabilidade. No próximo capítulo explorarei mais
intensamente esse ponto, detalhando os tipos de sociabilidade existentes.
A sociabilidade da classe média também era muito diferente da dos
entrevistados em situação de pobreza. Com relação à sociabilidade, 35% dos
indivíduos das redes participavam da esfera da família, seguidas do trabalho
com 26% e da amizade com 14%. Em seguida, em um patamar mais baixo se
situavam a esfera dos estudos com 10%, do lazer com 6% e da vizinhança com
5%. As esferas igreja e associações alcançavam apenas 1% (cada) dos nós
presentes nas redes. Observando as redes individualmente, chegamos a
informações que reforçam o padrão, visto que a esfera vizinhança tinha
valores não zero em apenas 30% das redes e igreja em apenas 2% dos casos. A
participação do trabalho, por outro lado, variava de zero a 59%, mas tinha
valores inferiores a 10% em apenas 20% das redes.
Comparando com as redes de indivíduos pobres, portanto, podemos
dizer que a sociabilidade da classe média é muito mais fortemente baseada
na esfera do trabalho e dos estudos e muito menos associada à vizinhança. A
esfera da família envolve basicamente a mesma proporção da sociabilidade
nos dois grupos sociais. A classe média tinha redes com 5,5 esferas em média,
número muito mais elevado do que nas redes dos indivíduos pobres, sugerindo
uma diversificação muito maior de sociabilidade nas redes de classe média.
Dentre as pessoas de classe média, os contextos de entrada mais
comuns eram a rede, com 44%, seguidos de longe da família com 18,7%, do
trabalho com 16,3% e dos estudos com 10,8%. Vizinhança respondia por
apenas 3,9% e igreja, associação e lazer não alcançavam 1%.
Comparativamente, portanto, o contexto de redes era muito mais importante
na expansão das redes de classe média, e a vizinhança representava um
mecanismo residual de expansão das redes, ao contrário das redes de pobres.
O trabalho também apresentava importância muito maior, assim como os
estudos. Os contextos também tendem a ser mais variados e nas redes de
classe média alcançam 5,3 em média, reforçando as tendências a maior
encapsulamento da sociabilidade dos mais pobres. Vale lembrar que, como
95
destacado por McPherson et al. (2001), os locais de trabalho e de estudo
representam contextos que geram menor homofilia e maior troca social do
que vizinhança e família. Todos esses indicadores apontam para uma maior
diversidade social das redes de classe média, quando comparadas com as de
indivíduos em situação de pobreza. Esses elementos são ao mesmo tempo
marcadores das diferenças entre as redes e reprodutores dessas diferenças
para momentos futuros. Como veremos no último capítulo, essas diferenças de
sociabilidade estão diretamente associadas às condições de vida presentes
na amostra de indivíduos em situação de pobreza.
3. Os principais condicionantes das redes
Observemos de que forma as redes variam segundo algumas
dimensões sociais e demográficas básicas, usando-as como eixo para a
discussão dos principais elementos que influenciam as redes e a sociabilidade
dos entrevistados.
a. Renda
Dado que a criação e manutenção de vínculos envolvem diversas
dimensões que importam em custos, seria de se esperar uma relação entre
tamanho das redes e o rendimento dos indivíduos. Segundo essa hipótese, as
redes de grupos sociais distintos estariam submetidas ao que poderíamos
denominar de “economia dos vínculos”. Segundo esse mecanismo, pessoas
com menores recursos econômicos teriam maior dificuldade não apenas de
construir, mas também de manter vínculos em esferas distintas, sendo mais
comum nas redes desses indivíduos que parcelas inteiras da rede sejam
abandonadas ao longo do tempo. Como conseqüência, indivíduos mais
pobres teriam redes menores, além de menos variadas em termos de
sociabilidade.
Quando analisamos o conjunto dos indivíduos em situação de pobreza,
não é possível observar uma relação direta entre rendimento per capita e
medidas de tamanho, de sua rede egocentrada ou de coesão (tanto em
testes de correlação quanto de covariância). Esses resultados podem estar
relacionados à pequena variabilidade da renda no grupo social estudado. De
fato, quando incluímos a classe média na comparação, aparecem diferenças
96
enormes entre as redes, sendo as redes destes entrevistados muito maiores (94
contra 54 nós, em média) e mais coesas (coeficiente de clusterização de 0,56
contra 0,47) do que as de pobres. Mais adiante veremos que quando diversas
dimensões são consideradas ao mesmo tempo, aparece uma associação
entre rendimentos e tamanho das redes mesmo entre os mais pobres.
A dimensão de diversidade da sociabilidade, por outro lado, se mostra
correlacionada diretamente com a renda familiar média per capita, mesmo
considerando apenas os pobres.41 Quando a classe média é introduzida na
comparação, evidentemente, essa dimensão se torna ainda mais associada à
renda. Os dados indicam médias de 5,5 esferas para a classe média contra 3,9
de indivíduos pobres e de 5,3 contextos contra 4,5 de indivíduos pobres. Esses
resultados se mantêm mesmo quando as relações entre renda e
características das redes são controladas pela escolaridade, confirmando a
relevância da hipótese da economia dos vínculos independente da existência
de efeitos do processo de escolarização, que serão discutidos na próxima
seção.
Para afirmarmos mais a respeito da variabilidade das redes segundo a
renda na sociedade como um todo teríamos, entretanto, que ter mais
entrevistados de vários estratos sociais e um desenho de pesquisa totalmente
diverso. De qualquer forma, há fortes evidências que apontam para uma
maior dificuldade dos indivíduos pobres na criação e na manutenção dos
vínculos. As trajetórias de vida indicadas pelas informações das entrevistas
sugerem que o problema parece estar mais na manutenção das relações,
sendo os indivíduos em situação de pobreza levados a descartar parcelas
inteiras de suas redes com o passar do tempo. Poderá ser o caso da
transformação das redes ao longo do processo de migração estar
relacionada com essa dinâmica. Efetivamente, como veremos a seguir, a
maior parte dos indivíduos pobres migrantes descarta parcelas de suas redes
originais de uma forma similar ao descrito por Jariego (2003). Por outro lado,
dentre as redes de classe média, quando se verifica a presença de
comunidades profissionais, a tendência à permanência de regiões antigas na
rede se reforça, contribuindo para que a diferença entre as redes seja ainda
maior. A questão, portanto, parece não remeter simplesmente à migração, 41 Coeficiente de Pierson de 0,26, signitivativo a 99% de confiabilidade. O mesmo resultado é encontrado em teste de covariância, sendo significativo a 99% de confiabilidade.
97
mas ao tipo de sociabilidade e aos recursos de que dispõem os indivíduos
migrantes pertencentes a diferentes grupos sociais.
Considerando que a variabilidade da renda no grupo estudado é
relativamente pequena, vale observar como se comportam as redes e a
sociabilidade dos mais pobres dentre os pobres. Para testar tal dimensão,
separei os entrevistados com rendas familiares per capita iguais ou inferiores a
R$ 120 e R$ 175.42
Os resultados são praticamente idênticos quando consideramos as duas
faixas de renda (inclusive, pois as duas faixas incluem respectivamente 23% e
25% dos indivíduos). Os indivíduos com renda extremamente baixa tendem a
ter redes com menos esferas e contextos de sociabilidade, mas as
características gerais de suas redes não diferem significativamente das demais
em tamanho e coesão. A única diferença estatisticamente significativa entre
muito pobres (ou paupérrimos) e o restante dos indivíduos diz respeito à
dimensão de variabilidade da sociabilidade, significativamente menor dentre
os mais pobres.
Observando as esferas, podemos dizer que a sociabilidade dos muito
pobres é mais baseada na vizinhança e menos na família e no trabalho, e a
origem dos nós de suas redes provém menos do trabalho e mais da
vizinhança. Eles tendem a ter menos pessoas externas à comunidade. Em
termos de atributos sociais, eles não diferem significativamente dos demais em
médios de estudo, o que não deixa de ser surpreendente. Os muito pobres,
mas não os paupérrimos, tendem a ser mais novos que o restante dos
entrevistados e tendem a estar com mais freqüência desempregados. Dentre
os que se encontram empregados, a tendência a trabalhar na comunidade é
maior. A freqüência à igreja entre os muito pobres é menor do que entre os
demais indivíduos em situação de pobreza. Esses resultados encontram
paralelo com os obtidos por Fontes e Eichner (2004) para uma comunidade de
baixa renda em Recife.
Sumarizando, portanto, podemos dizer que as redes dos muito pobres
tendem a ter tamanho similar as demais, mas são menos diversificadas e com
sociabilidade mais localizada e mais associada à vizinhança. Vale observar
que relatos de entrevistas no Jaguaré sugerem que, por vezes, a vizinhança é
42 Que, como já destacado, correspondem a patamares usados por programas de transferência direta de renda.
98
encarada com grande desconfiança, sendo local de intrigas, de inveja, dos
perigos associados ao sexo para as mulheres (estupro, traição dos
companheiros, assédio dos vizinhos) e de abuso sexual para crianças. Assim,
embora a vizinhança represente uma esfera muito importante de
sociabilidade para esse grupo populacional,, em um contexto em que mesmo
os laços familiares são menos presentes, ela pode ser vivida com desconfiança
e desagrado, indicando uma situação de sociabilidade de cores dramáticas.
De uma forma geral, podemos dizer que a comparação com as redes
de classe média sugere a relevância dos rendimentos na construção e
manutenção de redes maiores e mais diversificadas social e espacialmente.
Essas diferenças continuam significativas mesmo depois que controlamos pela
escolaridade.
b. Escolaridade
De acordo com a literatura internacional, a escola é um local
importante de aumento de vínculos e de aumento de heterogeneidade nas
redes (McPherson et al, 2001 e Bidart e Lavenu, 2005). No caso brasileiro é de
se esperar que esse efeito seja muito menor do que o destacado, dada a forte
segregação social de nossa escola pública, o que gera fortes efeitos de
homofilia. No entanto, as informações das redes de São Paulo sugerem que
esse efeito existe realmente e que a maior escolaridade está correlacionada
com redes maiores, mais diversificadas e menos locais. Dado que como vimos
a renda está correlacionada tanto com a diversidade da sociabilidade
quanto com o localismo, controlei os efeitos pelo rendimento dos
entrevistados. O efeito continua existindo para o tamanho e para a
diversidade da sociabilidade, mostrando que há efetivamente uma relação
entre nível de escolaridade de um lado, e tamanho e diversidade da
sociabilidade de outro. Esse efeito existe tanto para o conjunto dos
entrevistados (incluindo a classe média), quanto considerando apenas os
pobres. Essa dimensão acrescenta mais um argumento na especificação da
escola e do ensino como mecanismos fortemente reprodutores das
desigualdades sociais e da pobreza.
99
c. Idade e ciclo de vida.
No conjunto dos entrevistados, não há relação entre idade em geral e
as mais variadas características da rede (tamanho, clusterização, densidade,
número de vínculos, tamanho eficiente, pessoas externas ou conterrâneos, ou
números de esferas e contextos). Esse resultado é diferente do previsto a partir
da literatura internacional, segundo a qual se espera que as redes aumentem
até o início da idade adulta e decaiam posteriormente ao longo do ciclo de
vida, seja pela dinâmica da sociabilidade ao longo da trajetória etária
(McPherson et al, 2001 e Blokland, 2003), seja pela existência eventos
importantes que as vão transformando (Bidart e Lavenu, 2005). Por outro lado,
espera-se que não haja tanta homofilia para adultos, dada a sua inserção
mais intensa fora da vizinhança e da família (McPherson et al, 2001). No caso
de adolescência, diferentemente, espera-se que haja mais homofilia, dado
que suas redes tendem a ser mais especializadas entorno de sociabilidades
específicas (Bidart e Lavenu, 2005).
Embora não haja diferenças com relação à diversidade da
sociabilidade, os dados indicam a existência de uma relação significativa e
negativa da idade com certos tipos de sociabilidade, em particular as esferas
de amizades e estudos – quanto mais velho o indivíduo, menor a proporção
da sua rede nessas esferas de sociabilidade. Considerando a menor
escolaridade dentre os nossos entrevistados mais idosos, a presença de esfera
e contexto menores para estudos era de se esperar, mas a menor presença
relativa de amigos pode sugerir um aumento relativo do isolamento social em
idades mais avançadas. Para testar essa dimensão, avaliei como se
comportavam os mesmos indicadores por faixas de idade, ficando
evidenciada uma grande diferença entre as idades anteriores e posteriores a
60 anos.
No caso de indivíduos com 60 anos ou mais, embora o número de casos
seja pequeno (10 entrevistados) as redes são em média menores, têm menos
vínculos, os graus são menores e há menos esferas e contextos. Suas redes
egocentradas também são menos eficientes em termos de estrutura e seus
contatos mais redundantes. Com relação à sociabilidade, a proporção de
indivíduos na esfera da família é maior e as de esferas e de estudos são
menores. Os contextos rede, estudos e lazer são menos importantes na
100
aquisição de relações. Se incluirmos os casos de idosos de classe média, o
número de casos aumenta um pouco (para 15) e os resultados se mantêm
praticamente idênticos. Portanto, independente do grupo social, a velhice
parece ter efeitos fortes sobre as redes, reduzindo a integração social e
tornando os contatos e a sociabilidade mais dependentes da família, de
forma similar aos resultados obtidos por Grossetti (2004) e Bidart e Lavenu
(2005). Dentre os idosos, também é mais freqüente a situação de
precariedade familiar do que no conjunto dos entrevistados em situações de
pobreza. Todas essas informações, entretanto, são limitadas, dado o pequeno
número de casos com idades superiores a 60 anos.
Por outro lado, um outro grupo etário com características distintivas é
dos mais jovens, considerados como indivíduos com 21 anos ou menos (34
casos). Embora o tamanho, a coesão das redes, a rede egocentrada e a
diversidade da sociabilidade não sejam diferentes dos demais indivíduos, a
sociabilidade é bastante distintiva, com uma maior concentração de
indivíduos nas esferas da amizade e dos estudos e menores presenças relativas
do trabalho e da igreja. Dentre os contextos, há menor aquisição de nós
através do trabalho e maior via estudo. Embora seja possível observar uma
maior importância do contexto rede na aquisição de nós, a diferença não é
significativa estatisticamente. Há menos indivíduos externos ao local de
moradia do que nos demais grupos etários e os jovens tendem a ter redes mais
locais (de forma significativa estatisticamente).
d. Sexo
Com relação ao sexo, não há diferenças nas redes no que diz respeito
ao tamanho e coesão. As redes das mulheres, entretanto, tendem a ter uma
inserção urbana mais ampla do que a dos homens, o que contradiz a
impressão predominante na literatura. Esses resultados são contrários aos
descritos na literatura internacional, segundo a qual (McPherson et al., 2001;
Morre, 1990 e Campbell e Lee, 1992), espera-se que as redes das mulheres
sejam mais locais e baseadas em familiares e vizinhança. Na verdade, em
nosso caso as redes das mulheres tendem a ser um pouco maiores do que as
dos homens, assim como os números de esferas e contextos, mas as diferenças
não são significativas estatisticamente, seja usando diretamente os indicadores
101
ou lançando mão das dimensões respectivas. Resultados idênticos são obtidos
se incluímos apenas os indivíduos pobres ou também a classe média (os 180
casos). Com relação ao localismo, entretanto as diferenças são significativas e
favorecem as mulheres, que têm redes menos locais. As mulheres também
tendem a ter redes mais coesas do que as dos homens, como indicam os
coeficientes de clusterização.
No que diz respeito à variabilidade da sociabilidade, não há diferenças
entre as redes de homens e mulheres, quando utilizamos a dimensão
respectiva. Entretanto, quando olhamos as esferas de sociabilidade
individualmente, as mulheres têm menores proporções de indivíduos na esfera
do lazer e mais pessoas na esfera igreja. Em termos de aquisição de vínculos,
tendem a ter mais contexto rede e menos contexto família e lazer. No que diz
respeito à importância da sociabilidade doméstica, medida pela presença de
indivíduos na esfera família, não há diferenças significativas entre homens e
mulheres. Essas informações novamente são contrárias a evidências presentes
na literatura internacional e com os lugares classicamente considerados como
ocupados pelas mulheres na sociedade brasileira, associados ao privado, à
família e ao cuidado da casa. A existência de uma aquisição de nós mais
intensa pelas redes, por outro lado, é consistente com a sociabilidade mais
intensa que se atribui às mulheres, assim como a menor presença da esfera e
do contexto lazer e a maior presença da igreja.
Entretanto, as diferenças destacadas pela literatura poderiam não se
dever ao sexo dos indivíduos, mas aos papéis culturalmente construídos e às
diferentes inserções no mercado de trabalho como destacado por Dominguez
(2004). Em particular, espera-se que quem não trabalha fora da comunidade
tenha redes mais locais, com mais família e vizinhança, independente do sexo.
Para testar tais efeitos, desconsiderei os casos de aposentados, estudantes e
donas de casa e comparei as redes de homens e mulheres trabalhadores,
encontrando resultados idênticos aos anteriores, persistindo, portanto, as
diferenças entre as redes de mulheres de homens em termos de tipos de
sociabilidade e de localismo. Entretanto, quando comparamos homens e
mulheres que não apenas trabalham, mas trabalham fora do local de
moradia, as diferenças das redes desaparecem, restando apenas as relativas
ao contexto familiar – maior nos homens do que nas mulheres e à
102
clusterização – maior em mulheres do que em homens. Portanto, embora
pareçam existir diferenças entre homens e mulheres, sendo redes das mulheres
um pouco maiores, mais inseridas na cidade e baseadas em tipos diferentes
de sociabilidade, a maior parte dessas diferenças desaparece quando
consideramos os indivíduos que, independente do sexo, estão inseridos em
circuitos externos de trabalho. Persiste apenas uma maior coesão relativa das
redes de mulheres. Esses resultados apresentam paralelo com os obtidos por
Moore (1990) e, de alguma forma por Dominguez (2004), relativos aos Estados
Unidos.
e. Migração e incorporação
A migração é um dos processos mais importantes na constituição das
comunidades urbanas de baixa rede em nossas cidades. De que forma ela se
relaciona com as redes e de que maneira as redes se associam do processo
de incorporação dos migrantes, no sentido de Portes (1999)? Considera-se
usualmente que a migração destrói as redes de sociabilidade prévias dos
indivíduos, e que essas lentamente se reconstituem em um processo de
incorporação nos locais de chegada (Jariego, 2003). Por outro lado, as redes
são elas próprias parte do processo de migração, influenciando para onde se
migra e onde os indivíduos se fixam posteriormente (Santos, 2005; Martes e
Fleischer, 2003 e Portes, 1999). As informações de nossas redes sugerem que as
duas dimensões estão interligadas.
Em termos gerais, podemos imaginar, a partir da literatura, cenários
distintos para migrantes e não migrantes nascidos em São Paulo. No caso de
pessoas migrantes, as redes pessoais tendiam a ser originalmente locais, em
especial dado que eram rurais ou de pequenas localidades, assim como
pequenas e baseadas em vínculos familiares, ou mesmo locais e familiares,
dada a grande homofilia familiar nos casamentos e nas relações de
vizinhança. O mundo do trabalho, inclusive, era superposto com a família e a
vizinhança. Dada a baixa escolaridade, a heterogeneidade das redes tendia
a ser ainda menor. A migração de grande distância tenderia a quebrar ou
amortecer esses vínculos e no novo local as redes se reconstituiriam com
vizinhos e membros do local de moradia, assim como das novas atividades
profissionais. Os conterrâneos tenderiam a se reduzir paulatinamente.
103
Por outro lado, as redes dos que já nasceram aqui seriam construídas
desde a infância e incluiriam familiares e vizinhos. A entrada na escola (em
especial na adolescência) poderia ter tornado as suas redes mais
heterogêneas espacial e socialmente pelo efeito já descrito. A entrada no
mercado de trabalho também tornaria as suas redes mais heterogêneas
geográfica e socialmente. Novamente, menos socialmente do que
geograficamente, pelos motivos já destacados. A escolha marital também
interferiria, e quem se casasse com pessoas de fora ou de dentro do local de
moradia tenderia a adquirir relações diferentemente.
Observemos então as informações de nossos entrevistados. Os atributos
sociais de migrantes e naturais são obviamente muito diferentes. Os migrantes
são mais velhos (média de 40 contra 28 anos), muito menos escolarizados (4,8
contra 8,7 anos de estudo) e têm renda um pouco menor do que quem não é
migrante (embora a diferença nesse caso não seja significativa). Os migrantes
tendem mais frequentemente a serem casados, mas quando isso é controlado
pela idade, a diferença desaparece. Entretanto, dentre os casados, 36%
conheceram o cônjuge em seu estado de origem, sugerindo a presença de
uma quantidade significativa de relações estáveis e relativamente antigas.
Migrantes e não migrantes não diferem com relação a credo religioso, nem
com relação à freqüência a templos, embora no caso dos migrantes a
freqüência seja um pouco superior, mas com diferença não significativa. A sua
distribuição entre os locais pesquisados é aproximadamente regular, exceto
pela Cidade Tiradentes, que como já vimos tem menos migrantes. Quem é
migrante tende a trabalhar fora da comunidade muito menos do que quem é
natural, mas o desemprego é menor entre os migrantes e seus empregos se
encontram polarizados entre com registro em carteira e autônomos. Dentre os
migrantes, uma proporção maior dos empregados utilizou a rede para obter a
sua ocupação atual.
Não há diferenças entre as redes de migrantes não migrantes no que
diz respeito ao tamanho das redes, à sua clusterização, à variabilidade da
sociabilidade e ao localismo. Entretanto, redes de não migrantes tendem a
apresentar redes egocentradas mais eficientes. O tipo de sociabilidade
também varia e migrantes têm mais pessoas na esfera da família e menos nas
esferas das amizades e dos estudos. Com relação aos contextos de aquisição
104
de nós, os migrantes têm mais pessoas nos contextos família e igreja e menos
no contexto estudos. As suas redes tendem a apresentar maior homofilia de
sexo.
Portanto, as redes diferem relativamente pouco, o que poderia sugerir
processos rápidos de transformação. Para testar tal hipótese, observemos o
que acontece com as redes com o tempo de migração. Trata-se de um
exercício lógico, visto que para comparar os dois grupos não disponho de
informações de painel com as mesmas pessoas em diferentes momentos, mas
de indivíduos com diferentes tempos de migração.
A presença de conterrâneos vai realmente se reduzindo à medida que
o tempo desde migração passa, caindo de 21% para quem migrou entre 1 e 5
anos até 10% para quem migrou há mais de 10 anos.43 Também se encontram
diferenças se comparamos os indivíduos migrados há mais de 10 anos com os
não migrantes no que diz respeito à dimensão de tamanho das redes. As redes
de não migrantes são maiores, quando comparados com as de migrantes
antigos, o que corrobora a teoria da incorporação paulatina. Por outro lado,
no que diz respeito ao localismo não há diferenças significativas e as
diferenças das redes egocentradas desaparecem quando se comparam
migrantes antigos com o restante. Tampouco existem diferenças entre o
tamanho e a diversidade da sociabilidade de migrantes que conheceram os
cônjuges em São Paulo e que o fizeram em seu local de origem.
Portanto, os dados confirmam a existência de um processo de
incorporação dos migrantes em termos relacionais, sendo as redes
egocentradas a única diferença significativa nas redes de migrantes e não
migrantes. A comparação do fenômeno no tempo sugere que esse processo
pode acontecer muito rápido após a chegada dos indivíduos, ao menos para
a maioria dos indivíduos. A evidência também pode estar ligada a diferenças
entre as inserções das gerações de migrantes, embora não tenhamos
informações para testar essa hipótese. Segundo essa possibilidade, a
incorporação de migrantes antigos teria ocorrido de forma diferente do que
ocorre hoje a incorporação de quem chega, sendo o processo de integração
atualmente muito mais rápido.
43 A exceção fica com a primeira faixa, mas que apresenta apenas 2 casos.
105
Essa possibilidade é sugerida também por uma outra evidência. Se
observarmos com maior atenção os 17 indivíduos que têm muitos
conterrâneos em suas redes,44 encontramos redes menores e menos
diversificadas do que para o conjunto dos indivíduos. A sociabilidade é mais
concentrada na família e menos no trabalho e nos estudos e o contexto da
família fornece mais nós, enquanto os do trabalho e dos estudos menos
aquisição de pessoas para a rede. O interessante é que desses indivíduos, 15
são migrados há mais de 5 anos, sendo 11 destes há mais de 10 anos. Mesmo
que o número de casos seja pequeno, a informação nos sugere que há
indivíduos que mantém a centralidade dos contextos originais de migração
em suas redes. Esses tendem a ter redes menores e menos diversificadas do
que os demais.
Um último elemento diz respeito ao papel das redes no próprio processo
de migração e à origem dos migrantes, e ajuda a entendermos melhor a
evidência anterior. Não se trata de analisar detalhadamente esse complexo
processo, mas de adiantar aqui alguns pontos para aprofundamento futuro
em pesquisas específicas. As informações das entrevistas confirmam
fortemente a descrição da literatura de processos migratórios conduzidos
pelas redes dos parentes e conhecidos da cidade natal. Como produto desses
processos, pôde-se observar uma elevada concentração de entrevistados de
origens específicas nos campos estudados, como no caso dos baianos em Vila
Nova Esperança, que incluem 67% dos migrantes. O mesmo tipo de resultado
aparece em Paraisópolis, que apresenta uma escala muito maior - baianos e
pernambucanos juntos representaram os mesmos 67% dos entrevistados
migrantes. Além disso, entretanto, as entrevistas mostraram a existência de
uma grande proporção de entrevistados migrados de uma mesma cidade
muito pequena ou de um conjunto de cidades vizinhas do interior. Em alguns
casos, as redes de relações atuais incluem indivíduos vizinhos na cidade de
origem que repetem o padrão de vizinhança em São Paulo, reconstituindo
padrões de sociabilidade primária anteriores, de uma forma muito diferente
da retratada por Jariego (2003) para o caso das migrações internacionais na
Espanha.
44 Tomei como ponto de corte a proporção média máxima dentre as faixas de migrantes (que chegaram há menos de 5 anos) – 21%.
106
Além de essa informação comprovar a importância dos vínculos na
migração em si, sugere a constituição de espaços de interação e
sociabilidade que poderíamos dizer que estão tanto aqui quanto lá, dadas as
múltiplas conexões nos dois espaços. Nesse sentido, a migração não
representa meramente um processo de deslocamento e reinserção social,
mas, ao menos para alguns indivíduos, caracteriza trajetórias que fornecem
um tipo de sociabilidade localizado de alguma forma nos dois locais
simultaneamente. Em certo sentido, esse padrão tem sua contraparte nos
migrantes de classe média, que quase sempre conseguem manter as parcelas
de suas redes originais ativas, ao menos na esfera profissional das
comunidades.
f. Freqüência a templos
Trabalhos anteriores em antropologia da religião e associativismo
reportaram que a freqüência a templos aumenta a probabilidade dos
indivíduos estarem empregados e auferirem renda, pelo acesso a circuitos
sociais organizados nesses locais associados a uma sociabilidade religiosa
(Almeida e D´Andrea, 2004 e Lavalle e Castello, 2004). Os dados de nossos
entrevistados confirmam parcialmente esses achados. Os indivíduos que
freqüentam templos mais do que quinzenalmente (62 casos) têm idade mais
elevada e renda mais alta do que os demais entrevistados, mas tendem a ter
escolaridade similar. O grupo inclui mais fortemente mulheres (73% de quem
vai mais do que quinzenalmente), mas não pessoas com companheiro,
contrariamente o que se esperaria encontrar considerando a freqüência a
templos como uma atividade ligada à família. Em termos de acesso ao
mercado de trabalho, quem vai com muita freqüência a templos tende a ter
empregos melhores, mais comumente têm carteira assinada e menos
frequentemente é autônomo, embora não haja diferença expressiva com
relação ao desemprego.
Embora as suas redes tenham tamanhos, coesões e redes
egocentradas similares às de quem não freqüenta templos intensamente, os
freqüentadores tendem a ter números de esferas e contextos maiores,
indicando maior diversidade de sociabilidade. As redes dos freqüentadores
tendem a ter menos pessoas na esfera de lazer e, evidentemente, mais na
107
esfera da igreja, assim como tendem a adquirir mais nós via igreja do que no
caso de pessoas que freqüentam pouco.
Entretanto, como esses indivíduos têm renda mais elevada e a renda
está associada ao número de esferas, controlei as evidências pelo efeito da
renda. Os resultados se mantêm, sugerindo que a freqüência à igreja tem um
efeito sobre os números de esferas e de contextos, independente do efeito do
rendimento familiar per capita dos indivíduos. Portanto, embora a causalidade
não esteja evidenciada, é possível afirmar que indivíduos com freqüência
elevada a templos tendem a ter sociabilidade mais variada, empregos
melhores e rendimentos maiores do que a média de quem não freqüenta.
Dado a pequena freqüência associações, não foi possível avaliar a sua
relação com as redes e os padrões de sociabilidade.
g. Espaço e segregação
A relação entre redes e espaço é amplamente conhecida e bastante
intuitiva, visto que a localização espacial dos indivíduos e os deslocamentos
que realizam definem basicamente as relações que constroem e mantém. Isso
ocorre mesmo em uma época em que as comunicações e o mundo
eletrônico permitem a constituição de relações sem contato físico (Wellman,
2001), em especial porque essa sociabilidade virtual é mediada pelas barreiras
de custo e conhecimento que atingem diferentemente os grupos sociais. Para
grupos sociais que enfrentam dificuldades à construção dessa sociabilidade,
como os indivíduos em situação de pobreza, portanto, o espaço importa
fundamentalmente para a constituição dos relacionamentos, para as
percepções dos indivíduos (Di Méo, 1991) e para as suas redes sociais em
particular (McPherson et al, 2001). Consequentemente espera-se que as redes
dessas pessoas incluam principalmente indivíduos da mesma classe social e
com as características preponderantes de cada comunidade.
Teoricamente, o espaço faz com que exista uma grande quantidade
de pessoas próximas ao local de moradia disponíveis para contato, tornando
a geografia um dos principais elementos produtores de baseline homophily, a
homofilia que é provocada pela maior exposição de um dado indivíduo a
pessoas de seu próprio grupo. Por outro lado, as contigüidades e distâncias
marcam diferentes acessos (e custos) dos indivíduos a outros grupos sociais e
108
contextos de sociabilidade distintos dos que podem freqüentar perto de si. A
combinação desses dois elementos tende a reforçar a homogeneidade da
sociabilidade e das redes dos indivíduos, gerando homofilia. A exceção a isso
se refere aos casos em que os deslocamentos geográficos têm custos
relativamente baixos, seja pela baixa segregação, seja pela abundância de
recursos materiais ou presença de facilidades de transportes e comunicação.
Considerando isso, duas conseqüências podem surgir. A primeira
identifica homofilia social, baixa interação entre grupos e poucas pontes
sociais, no sentido de Briggs, e muito localismo, ou seja, elevada presença
relativa de pessoas da mesma área do indivíduo de referência. A questão aqui
é, portanto, saber o quão local são as redes e os contextos de sociabilidade
dos indivíduos, imaginando que redes muito locais são redes com poucas
pontes e, consequentemente, pouco propensas a incentivar mobilidade
social. O elemento a considerar é uma característica das redes – o localismo.
Dado que estou interessado em analisar o papel das redes na integração
social, interessa principalmente o grau de localismo e a homofilia social das
redes, indicativos da existência de maior ou menor isolamento social.
Entretanto, uma segunda possível influência do espaço sobre as redes
diz respeito ao fato de que indivíduos que residem em locais submetidos a
diferentes situações de segregação enfrentam dificuldades diferentes de
construir vínculos para fora, ou custos diferenciados, tanto financeiros, quanto
em termos de esforço e dispêndio. Trata-se aqui do efeito diferenciado da
segregação sobre as redes sociais dos indivíduos, representando
possivelmente um atrito no desenvolvimento das redes. Caso seja possível
observar diferenças substantivas nas redes entre localizações diferentes das
moradias dos indivíduos segundo a segregação (isolamento espacial), há
efeito da segregação sobre as redes. Nesse caso, a questão está em um
possível efeito de uma característica do espaço – a segregação – sobre as
características das redes.
Nesse sentido, é possível que haja redes muito locais, tanto em locais
bastante segregados quanto em locais pouco segregados. Inversamente,
podem existir redes com muitos vínculos para fora não apenas em locais
pouco segregados, mas também em locais muito distantes. Além disso,
interessa também analisar em que medida alguns tipos de redes fazem pontes
109
independentes da sua localização, e determinar que características têm os
indivíduos que as fazem. Discutiremos o localismo e a segregação a seguir,
mas os tipos de redes serão explorados no próximo capítulo.
O primeiro indicador que nos permite discutir o localismo das redes é a
proporção de indivíduos externos à comunidade. Em média, as redes dos
indivíduos pobres tinham 37% de indivíduos externos, proporção que variava
entre 50% no Centro e na Vila Nova Esperança e 27% do Jaguaré e 24% em
Paraisópolis. Cidade Tiradentes tinha uma proporção elevada de indivíduos
externos na média – 37%. Dos indivíduos que trabalhavam, 53% o faziam na
comunidade. Apenas 30% dos indivíduos tinham mais indivíduos externos à
comunidade do que internos em suas redes. Esse padrão de localismo é
reforçado pelas informações sobre a sociabilidade. Dentre as atividades de
lazer citadas pelos entrevistados, por exemplo, 62% ocorriam no local de
moradia. Além disso, não devemos esquecer que, como vimos, as redes dos
indivíduos pobres tinham em média 32% dos indivíduos da esfera vizinhança e
25% de contexto vizinhança. Sumarizando, podemos afirmar que as redes de
indivíduos pobres tendem a ser bastante locais, de forma similar aos resultados
obtidos por Fontes e Eichner (2004) em Recife.
Apenas para termos um padrão de comparação, a proporção média
de indivíduos externos na classe média era de 80% e as proporções de pessoas
na esfera e no contexto vizinhança eram de apenas 5 e 4%, em média.
Mas de que forma variavam essas redes entre locais mais ou menos
isolados espacialmente e qual poderia ser a importância da segregação (na
escala da cidade) para as redes? Para analisar a segregação, separei os
casos da Cidade Tiradentes e da Vila Nova Esperança, considerados como
situações de segregação dos casos do Jaguaré, de Paraisópolis e dos cortiços,
considerados como não segregados. Os mais variados indicadores das redes
não se mostraram diferentes estatisticamente (em testes de média). As redes
tendiam a ter tamanho e proporções de pessoas nas esferas e contextos de
vizinhança que não são significativamente diferentes entre locais segregados
e não segregados. Entretanto, nos locais segregados a presença de indivíduos
externos é sistematicamente maior dos encontrados em locais menos
segregados. Além disso, a proporção de pessoas de fora é ainda maior em
Vila Nova Esperança (49%) do que em Tiradentes (37%), embora sejam ambos
110
locais segregados, contra algo em torno de 25% no Jaguaré e em Paraisópolis.
Isso sugere que a questão da escala do local de moradia pode interagir com
a segregação e, em locais de pequeno porte, não haja outra alternativa do
que buscar relações fora. Isso ajudaria a explicar a alta proporção de
indivíduos nessa condição nos cortiços da área central (50%). Os resultados
tendem a ser muito parecidos se apenas Paraisópolis e Jaguaré são
considerados como espaços não segregados ou se o Centro é também
incluído.45
Outra diferença dizia respeito aos números de esferas e contextos e à
dimensão de variabilidade da sociabilidade, embora essas não fossem
estatisticamente significativas. Entretanto, o sentido da diferença é contrário
ao que seria de se prever a partir da literatura: os indivíduos de locais mais
segregados tinham redes com sociabilidade mais variada, mais esferas e mais
contextos. A esfera e o contexto da família eram menores relativamente nos
locais segregados, e os da igreja eram maiores. Os contextos rede e família
eram maiores em locais não segregados, mas as diferenças não eram
significativas. Similarmente, as esferas e contextos de trabalho e de vizinhança
eram maiores em locais segregados, mas novamente as diferenças não eram
significativas.
Portanto, se a segregação exerce efeito importante sobre as redes,
opera em sentido contrário ao imaginado pela literatura e aparentemente os
indivíduos que moram em locais segregados de alguma forma fazem frente
aos custos da sua superação. Essa conclusão não é definitiva, visto que para
termos maior conhecimento sobre os efeitos possíveis dessa superação,
teríamos que dispor de informações sobre os destinatários dos vínculos fora das
áreas de estudo, dado de que não disponho. Mesmo assim, as informações
obtidas apontam para que indivíduos segregados tendem a ter redes similares,
mas com mais indivíduos externos e mais diversificadas em termos de
sociabilidade do que os menos segregados. Quando o local de moradia tem
escala pequena, a questão é agravada, e os indivíduos têm ainda mais
incentivos para construir e manter relações externas. As conseqüências desses
diferentes padrões de relação para as suas condições de vida e de pobreza
45 Como já comentado, o centro apresenta grandes particularidades de escala e localização, visto que não se trata nesse caso de uma área geográfica de porte razoável, mas de um circuito de locais de pequeno porte – os cortiços. Os resultados da análise, entretanto, são similares com ou sem o centro.
111
são analisadas nos próximos capítulos, mas vale destacar já aqui que esse
resultado sugere que a redes efetivamente ajudam a integrar e inserir
socialmente ao menos uma parcela dos indivíduos mais segregados
espacialmente.
4. Sumarizando os efeitos dos condicionantes
Considerando a grande quantidade de evidências apresentadas, é
importante resumi-las aqui antes de avançarmos.
Há diferenças muito grandes entre as redes da classe média e dos
pobres com relação ao tamanho, coesão e localismo das redes, assim como a
respeito da diversidade da sociabilidade, sendo as redes dos pobres muito
menores, menos coesas e a sua sociabilidade menos diversificada e mais
apoiada na vizinhança. Por outro lado, a renda dos indivíduos não organiza as
redes dentre os mais pobres, talvez pela variabilidade relativamente pequena
das rendas, quando comparamos os pobres em geral com os muito pobres,
encontramos redes similares em tamanho e estrutura, mas ainda mais locais e
baseadas na vizinhança entre os muito pobres. Esses indivíduos tendem a ter
ainda menos vínculos para fora e menos frequentemente a trabalhar fora do
local de moradia. Portanto, há fortes evidências da relevância do mecanismo
dos custos de formar e manter vínculos nas redes, gerando redes maiores e
mais ricas social e espacialmente para indivíduos de maior rendimento. Essas
diferenças continuam significativas mesmo depois que controlamos pela
escolaridade.
O inverso também ocorre, e há relação entre o tamanho e a estrutura
das redes e a escolaridade, mesmo quando controlado pela renda,
reforçando a centralidade potencial da escola como local de criação de
vínculos diversificados, mesmo em um contexto de razoável homogeneidade
social na escola pública.
Não foram encontradas variações gerais no tamanho, na coesão e no
localismo das redes segundo idade. Apesar disso, há diferenças quanto às
redes egocentradas e à sociabilidade e quanto mais velhos forem os
entrevistados, menos eficientes são suas redes e menores tendem a ser as
presenças relativas das esferas dos estudos e da amizade. Os indivíduos com
mais de 60 anos têm redes menores e mais centradas na família. Os jovens, por
112
outro lado, têm uma sociabilidade mais centrada na amizade e nos estudo e
menos associada ao trabalho e à igreja.
As redes de homens e mulheres tendem a ser similares, mas as das
mulheres têm sociabilidade mais diversificada, menos associada ao lazer e
mais à igreja. A aquisição de nós ocorre mais relativamente por rede para as
mulheres e no contexto familiar para os homens. A maior parte dessas
diferenças, entretanto, existe para o conjunto dos indivíduos, mas
especificamente para quem trabalha fora da comunidade, não há diferenças
de destaque entre homens e mulheres, sugerindo que a questão não está
relacionada a supostas diferenças de sociabilidade por sexo em geral, mas ao
fato de homens e mulheres serem inseridos diferentemente em circuitos sociais
no local.
As redes de migrantes e não migrantes são similares, embora os não
migrantes tendam a ter redes egocentradas mais estruturadas do que as dos
migrantes antigos. As redes dos migrantes têm mais pessoas da esfera da
família e menos das esferas das amizades e dos estudos. O processo de
incorporação dos migrantes tende a ocorrer aparentemente muito rápido e
não de forma paulatina no tempo, pois os padrões de relação de pessoas
migradas há pouco tempo já não apresentam diferenças com relação aos de
não migrantes. Entretanto, para cerca de 10% dos entrevistados, as redes
continuam tendo muitos conterrâneos, mesmo depois de muitos anos da
chegada a São Paulo. Esses casos se ligam à presença, em algumas regiões
das áreas estudadas, de verdadeiras comunidades transplantadas de locais
do interior do Nordeste, reunindo inclusive pessoas que são hoje vizinhas e já o
eram em pequenas cidades ou na zona rural.
As redes das pessoas que freqüentam intensamente templos religiosos
tendem a ter maior diversidade de sociabilidade, mesmo quando as
diferenças são controladas por rendimento, embora não seja possível separar
completamente os efeitos da freqüência dos da renda e da sociabilidade.
Por fim, com relação ao espaço, podemos dizer que as redes são
marcadas por intenso localismo – contenção dos vínculos aos locais de
residência, mas não há efeito aparente da segregação sobre o tamanho, a
coesão e a estrutura das redes. Apesar disso, indivíduos de locais mais
segregados têm redes mais diversificadas em termos de sociabilidade (embora
113
a diferença não seja significativa estatisticamente) e com inserção urbana
mais intensa (mais baseada em contatos fora), em especial se a moradia se
localiza em uma comunidade pequena. Portanto, se há efeito da segregação
sobre as redes, tende a operar na diversificação da sociabilidade e na
redução do localismo, e opera em sentido contrário ao usualmente
considerado, favorecendo as redes de locais mais segregados. As redes
pessoais, portanto, podem estar operando para compensar os efeitos de
isolamento social provocado pela segregação espacial para uma parte dos
entrevistados. Como veremos no Capítulo 5, algumas das diferenças presentes
em locais segregados têm importantes efeitos positivo sobre as situações
sociais. No caso da classe média, não há localismo, há muito baixa presença
da vizinhança, e as redes aparentemente se aproximam do que Wellman
denomina de comunidades pessoais desterritorizadas.
114
Capítulo 4. Tipos de redes e tipos de sociabilidade
Como vimos no capítulo anterior, diferentes dimensões das redes são
influenciadas por diversas dinâmicas sociais, tornando bastante difícil uma
caracterização única e direta das redes de indivíduos em situação de
pobreza. O melhor caminho metodológico a seguir para avançarmos no
estudo das redes, portanto, é explorar exatamente a diversidade das situações
existentes. Esse capítulo avança nessa direção ao construir tipologias das redes
a partir das informações já discutidas anteriormente. Após uma série de
experimentos, cheguei à conclusão de que seria melhor produzir duas
tipologias distintas - uma para as redes em si e outra para os padrões de
sociabilidade dos indivíduos. Essa escolha é baseada na constatação de que
nem sempre esses dois fenômenos variam juntos e a construção de uma única
tipologia talvez tendesse a mascarar as diferenças existentes.46 Posteriormente,
o cruzamento das duas tipologias permite definir os tipos de padrões de
relacionamento existentes nos casos estudados.
Assim, o capítulo é dividido em três seções. Na primeira, exploro a
diversidade das redes elaborando uma tipologia a partir dos indicadores e
medidas retirados das redes individualmente e cruzando-a com as dimensões
já destacadas no capítulo anterior. Em seguida, repito o exercício para a
sociabilidade, determinando os tipos de sociabilidade existentes. As duas
tipologias se baseiam em análise de agrupamentos (cluster), uma técnica
amplamente conhecida para a exploração de padrões de similaridade entre
casos. As respectivas seções incluem exemplos concretos retirados da
pesquisa de campo para ilustrar os tipos delimitados pelas análises. Por fim, na
terceira seção, realizo o cruzamento das duas tipologias, de maneira a
especificar os tipos de padrões de relacionamento presentes nas redes de
indivíduos em situação de pobreza, assim como as condições da sua
presença. 46 Esse procedimento difere do adotado em Marques et al. (2007) com dados preliminares dessa pesquisa, quando realizamos uma única tipologia de atributos, indicadores de rede e sociabilidade.
115
1. Os tipos de redes
Como já citado no capítulo anterior, a pesquisa permitiu a construção
de um vasto conjunto de indicadores de redes sociais. Para a construção da
tipologia utilizei os indicadores discutidos na segunda seção do Capítulo 3.
Foram usados os seguintes indicadores das redes: no de nós; no de vínculos;
diâmetro; densidade; grau médio; coeficiente de clusterização; índice de
centralização; índice E_I de local; índice E_I de contextos; índice E_I de esferas;
intermediação normalizada; no de 2-clans/no de nós; no de 3-clans/no de nós;
proporção de pessoas externas à área; no de esferas; no de contextos,
tamanho eficiente, densidade da rede egocentrada e informação.
Os casos, caracterizados por esses indicadores, foram então submetidos
a uma análise de agrupamentos a partir do algoritmo K-means no software
Spss 13.0. A solução escolhida separou 5 tipos de redes, com os indicadores
médios apresentados na tabela abaixo. Como podemos ver, três tipos de
redes estão associadas a número razoável de casos (entre 32 e 59 indivíduos)
e outros dois tipos incidem sobre um número pequeno de casos 6 e 12 redes.
Tabela 3 – Indicadores médios por tipo de rede
Fonte: Cálculo próprio a partir de material empírico coletado.
Tipos de redes Indicadores 1 2 3 4 5
no de casos 6 12 41 59 32 número de nós 126 90 66 45 25 número de vínculos 304 205 136 80 39 diâmetro 8 7 7 6 5 densidade 0,04 0,05 0,09 0,09 0,16 grau médio 2,5 2,3 2,1 1,8 1,6 coeficiente de clusterização
0,42 0,40 0,52 0,46 0,48
índice de centralização 21,7 19,7 32,2 36,8 50,0 índice E_I de local -0,49 -0,31 -0,21 -0,17 -0,10 índice E_I dos contextos 0,28 0,21 0,34 0,37 0,28 índice E_I das esferas 0,33 0,23 0,35 0,29 0,27 No de 2-clans/No de nós 0,72 0,66 0,42 0,39 0,29 No de 3-clans/No de nós 0,46 0,37 0,28 0,28 0,20 % de pessoas externas à área
26,2 27,9 37,4 40,5 35,4
n total de contextos 5,0 4,4 5,0 4,6 3,8 n total de esferas 4,8 4,2 4,4 3,9 3,1 tamanho eficiente 29,8 25,2 23,1 17,2 12,6 densidade da rede egocentrada
31,3 26,8 26,8 18,8 14,0
informação 1,9 1,8 1,6 1,4 1,4
116
Os tipos menos freqüentes (1 e 2) são os com maiores tamanhos e redes
egocentradas mais eficientes, mas tendem a ser mais locais. Esse resultado
repete-se para o conjunto dos tipos de redes, e o tamanho influencia
positivamente a rede egocentrada e negativamente o localismo. Entretanto,
a variabilidade da sociabilidade, medida pelos números e índices de esferas e
contextos, assim como a coesão, medida pelo coeficiente de clusterização,
diferem muito entre os tipos, não tendendo a acompanhar o tamanho. Na
verdade, a classificação elaborada separou as redes mais claramente por
tamanho, rede egocentrada e localismo. Apenas para estabelecermos um
patamar de comparação, vale lembrar que as redes de classe média tinham
em média 94 nós, coeficiente de clusterização 0,56, cerca de 80% dos
indivíduos de fora da local de moradia e 5,5 esferas diferentes de
sociabilidade.
A partir da tabela, é possível caracterizar os tipos de redes como se
segue. Para concretizar a tipologia, inclui casos para ilustrar cada tipo.
Tipo 1: Redes muito grandes, com egocentradas eficientes e sociabilidade
muito variada, mas bastante locais – 6 casos.
É o tipo de rede menos freqüente. O tamanho das redes é superior ao
tamanho médio das redes de classe média, mas a clusterização, inserção
urbana e variabilidade da sociabilidade são muito menores. Os indivíduos com
redes desse tipo têm rendimento familiar per capita médio próximo da média
(R$ 260), idade média 30 anos, mais jovem do que os demais grupos e
escolaridade alta, considerando o grupo social em estudo – 8 anos de estudo.
Apresentam a menor homofilia de gênero dentre todos os grupos. Os jovens e
os estudantes estão sobre-representados neste tipo de rede. Em geral, os
indivíduos do grupo são não migrantes. O grupo inclui indivíduos sem religião,
mas também outros que freqüentam templos, dentre os que têm religião. É
mais incidente entre os segregados, e é muito mais presente na Cidade
Tiradentes (onde entrevistamos mais jovens). Todas essas características devem
ser consideradas com cautela, pelo pequeno número de casos.
O sociograma a seguir referente ao entrevistado 155 ilustra esse tipo de
rede. Trata-se de um jovem morador de Cidade Tiradentes com 20 anos de
idade, 10 anos de estudo e estudante. Afirma não ter religião e é nascido em
117
São Paulo. Sua rede tem 130 nós e 328 vínculos, 6 esferas diferentes e 5
contextos, mas apenas 11% dos indivíduos são de fora de Tiradentes. O índice
de centralização é de 50% e o coeficiente de clusterização de 0,48. A rede
inclui 51 2-clans e 42 3-clans.
Figura 3. Sociograma do entrevistado 155
Fonte: Elaboração própria a partir de material empírico coletado.
Como podemos ver, trata-se de uma rede extensa e de estrutura
complexa. O ego é marcado em um losango verde claro e as demais cores e
formas designam esferas de sociabilidade: círculos azuis – família; quadrados
vermelhos – vizinhança; triângulos pretos – lazer; quadrados roxos com sinal de
mais – estudos; ampulhetas cinzentas - lazer e losangos verdes escuros - outros.
Como podemos ver, uma ampla região de sua rede é ocupada pela esfera
da família (à esquerda) com poucas conexões com o restante da rede exceto
118
o ego. As suas outras cinco esferas, diferentemente, se encontram
substancialmente superpostas. À direita da rede de localiza uma região
ocupada, sobretudo, por vizinhos, amigos e colegas de estudo e lazer. A
centralidade medida pelo grau é grande (o ego tem muitos contatos diretos)
e a centralização da rede é muito alta e uma grande parte da atividade
passa pelo ego, embora vários dos agrupamentos existentes se conectem
diretamente entre si.
Tipo 2: Redes grandes e com egocentrada eficiente, sociabilidade pouco
variada e alto localismo – 12 casos.
O tamanho das redes desse tipo é similar à média das redes de classe
média, embora a clusterização, a inserção urbana e a variabilidade da
sociabilidade sejam muito menores. As pessoas com redes do tipo 2
apresentam a mais alta renda per capita média do estudo (R$ 325), mas
como elevada variabilidade.47 Os indivíduos desse tipo de rede apresentam
idade média de 35 anos e escolaridade um pouco acima da média, em torno
de 6,5 anos de estudo. A homofilia de gênero está dentre as mais altas entre
os tipos de rede. Esse tipo de rede é mais incidente entre quem trabalha na
comunidade e obteve o trabalho por rede. Os empregados sem carteira e
pequenos proprietários estão sobre-representados. Os indivíduos tendem mais
frequentemente a não ter religião do que no restante dos casos e a não serem
migrantes. A precariedade familiar não está presente. Redes desse tipo são
mais freqüentes no Centro e em Tiradentes.
O exemplo desse tipo de rede é a entrevistada 47, moradora de um
cortiço da área central. O sociograma da sua rede pode ser visto a seguir.
Trata-se de uma mulher casada com 2 filhos e apenas 2 anos de estudo. É
natural de São Paulo e trabalha como empregada doméstica sem registro,
tendo renda de R$ 130 per capita.
47 O desvio-padrão é de R$ 217 e há três casos com renda familiar per capita superior a R$600 e cinco com renda inferior a R$150.
119
Figura 4. Sociograma da entrevistada 47
Fonte: Elaboração própria a partir de material empírico coletado.
A sua rede tem 97 nós e 218 vínculos, apenas 3 esferas e 3 contextos e
41% de indivíduos de fora do circuito dos cortiços. A rede é pouco
centralizada (índice de 19%), apresenta coeficiente de clusterização muito
baixo (0,27) e inclui 73 2-clans e 48 3-clans. O ego é marcado em um losango
verde claro e as demais cores e formas designam esferas de sociabilidade:
círculos azuis – família; quadrados vermelhos – vizinhança; triângulos pretos -
amizades. Como se pode ver, a rede é menor do que a anterior, mas mesmo
assim não apresenta uma estrutura simples.
Considerando o pequeno número de casos desses dois primeiro grupos
e as semelhanças de suas características, eles serão considerados
conjuntamente na maior parte das análises que se segue.
120
Tipo 3: Redes médias com clusterização elevada e sociabilidade muito variada
e baixo localismo – 41 casos.
É o segundo tipo mais freqüente e embora apresente tamanho muito
inferior ao das redes de classe média, tem coeficiente de clusterização similar.
As redes desse tipo são de pessoas com rendimento familiar per capita médio
um pouco abaixo da média (R$ 260, contra R$ 290 do conjunto das redes) e as
demais características são muito próximas à média do grupo estudado - idade
de 36 anos e escolaridade 6,5 anos de estudo. Indivíduos com redes desse tipo
têm empregos obtidos por rede mais frequentemente do que os demais e os
empregados sem carteira estão mais fortemente representados nesse grupo.
Essas redes são muito mais freqüentes entre as mulheres do que entre os
homens (76% e 24% contra 56% e 44% no conjunto dos entrevistados,
respectivamente). Essas redes são mais freqüentes em Vila Nova Esperança.
O exemplo desse tipo de rede é apresentado no sociograma abaixo,
relativo à entrevistada 60.
Figura 5. Sociograma da entrevistada 60
Fonte: Elaboração própria a partir de material empírico coletado.
121
Trata-se de uma mulher de 38 anos migrada da Bahia há mais de 5 anos
e moradora de Vila Nova Esperança. Ela trabalha como diarista em casas de
família sem registro trabalhista, tem 8 anos de escolaridade e sua renda per
capita é de R$ 150. A rede tem 53 nós e 119 vínculos, 43% de indivíduos
externos e 6 esferas e contextos de sociabilidade.
O ego é marcado por um losango verde claro e as demais cores e
formas designam esferas de sociabilidade: círculos azuis – família; quadrados
vermelhos – vizinhança; triângulos verde - associativismo; quadrados pretos –
amizade; quadrados roxos com sinal de mais – estudos; triângulo invertido rosa
- trabalho. Como podemos ver, a rede é ainda menor e mais simples do que a
anterior. A sua estrutura é um pouco mais visível, com um grupo de amizade e
trabalho à direita e outro bastante misto em termos de esferas à esquerda.
Entretanto, a mais forte marca dessa rede em relação às anteriores é a sua
elevada centralização (índice de centralização de 73%), ou seja o fato de
muitos vínculos serem dependentes do ego. A clusterização é alta – 0,53 – mas
não há muitos agrupamentos coesos – 11 2-clans e 8 3-clans. Como podemos
ver, uma grande proporção do movimento relacional na rede passa pelo ego.
Tipo 4: Redes de médias para pequenas masculinas, com clusterização alta,
variabilidade da sociabilidade média e baixo localismo – 59 casos.
É o tipo de rede mais freqüente. Os indivíduos com redes desse tipo têm
rendimento familiar médio per capita um pouco mais alto que os demais (R$
300), idade um pouco abaixo da média e 6,4 anos de estudo. A homofilia
média é a mais alta dentre os tipos de rede e, ao contrário do tipo anterior,
esse tipo é mais freqüente entre os homens do que entre as mulheres (58% nos
primeiros e 42% nas segundas, quando as proporções na amostra estudada
são de 44% contra 56%, respectivamente). Os evangélicos estão sobre-
representados nesse tipo de rede e não ocorre precariedade familiar.
O exemplo desse tipo de rede é o entrevistado 52, cujo sociograma se
segue. O entrevistado é um morador de cortiços nascido na Bahia, jovem (19
anos), casado e com dois filhos. Trabalha como ajudante em um
estacionamento (com registro em carteira) e tem renda per capita de R$115.
Tem 5 anos de estudo e se diz evangélico, mas afirma nunca freqüentar
122
tempos. A sua rede tem 37 nós e 91 vínculos e 5 esferas e contextos. Cerca de
62% dos indivíduos da rede são externos ao circuito dos cortiços. O índice de
centralização é de 70% e o coeficiente de clusterização 0,63. A rede
apresenta apenas 7 2-clans e 4 3-clans.
O ego se encontra destacado em um losango verde claro e as demais
cores e formas designam esferas de sociabilidade: círculos azuis – família;
quadrados vermelhos – vizinhança; triângulos invertidos rosa – trabalho;
ampulhetas cinzentas - lazer e losangos verdes escuros - outros. Como
podemos ver, a rede é pequena, simples em termos de estrutura e muito
centralizada em torno do ego. A sua regionalização segundo esferas de
sociabilidade é nítida, com a família acima, a vizinhança à direita e abaixo e
as esferas de trabalho e lazer interpenetradas abaixo à esquerda.
Figura 6. Sociograma do entrevistado 52
Fonte: Elaboração própria a partir de material empírico coletado.
Tipo 5: Redes muito pequenas, com clusterização alta, baixa variabilidade da
sociabilidade e baixo localismo – 32 casos.
O tipo de rede 5, por fim, é característico de indivíduos com idade
média relativamente mais elevada (são os indivíduos mais velhos em termos
123
médios entre os tipos de redes) e escolaridade mais baixa (4,8 anos de
estudo). A renda familiar per capita não é a mais baixa em termos médios,
mas o desvio padrão do grupo é o mais elevado, sugerindo a existência de
indivíduos com rendimentos muito distintos. Efetivamente, dentro desse grupo
estão dois indivíduos com rendimento muito mais elevado do que os demais.
Se esses fossem excluídos, a renda média seria de R$212, a menor dentre todos
os tipos de rede. Os indivíduos migrantes estão sobre-representados nesse
grupo, assim como os conterrâneos (13,8%, quase o dobro da média geral -
8,1%). É o tipo com maior incidência de pessoas sem religião, aposentados e
autônomos. É o tipo de rede menos incidente em locais segregados e é sobre-
representado em quem não é segregado, em especial em Paraisópolis. A
maior parte dos indivíduos com muitos conterrâneos citados na seção 3 do
capítulo anterior se situa neste grupo.
O exemplo nesse caso é a entrevistada 142, moradora de Paraisópolis,
apresentado a seguir.
Figura 7. Sociograma da entrevistada 142
Fonte: Elaboração própria a partir de material empírico coletado.
Trata-se de uma mulher de 64 anos nascida na Bahia, sem companheiro
e que vive sozinha. É analfabeta, já se aposentou e se diz católica, embora
124
praticamente nunca freqüente templos. Trabalhava como empregada
doméstica mas nunca teve registro, então atualmente não trabalha, mas
tampouco conseguiu se aposentar. Mora em um barraco muito precário e
não tem renda.
A sua rede tem apenas 16 nós e 33 vínculos, 3 esferas e 4 contextos. Em
grande parte como efeito do tamanho, é altamente clusterizada (0,59) e
centralizada (67%), mas inclui apenas 3 2-clans e 2 3-clans. O ego se encontra
destacado em um losango verde claro e as demais cores e formas designam
esferas de sociabilidade: círculos azuis – família; quadrados vermelhos –
vizinhança e quadrado preto - amizade. Como se pode ver, a rede é muito
pequena e extremamente simples. Acima e à direita do ego se situa um grupo
da esfera familiar completamente conectado e à esquerda e abaixo outros
dois grupos baseados em vizinhança também se apresentam muito
conectados.
Por fim, podemos analisar a distribuição dos tipos de redes pelos locais
pesquisados. A Tabela 4 apresenta a incidência relativa nos campos. Como se
pode ver, o Jaguaré e os cortiços incluem principalmente redes dos tipos 4, 3 e
5, enquanto Taboão aloja principalmente redes de tipo 3, 4 e 5, e Paraisópolis
dos tipos 5, 3 e 4. A Cidade Tiradentes é o único local com incidência
concentrada de um tipo – o 4 – e com o restante das redes distribuído pelos
demais tipos de rede. Menos do que a incidência específica dos tipos, a
evidência da tabela chama a atenção para a dispersão dos tipos de redes
por locais e situações de segregação.
Tabela 4. Incidência dos tipos de rede por local (%)
Tipos de redes Local 1 e 2 3 4 5 Total
Centro 14 28 34 24 100 Jaguaré 10 23 50 17 100
Paraisópolis 6 29 29 36 100 Vila Nova Esperança 3 44 40 13
100
Cidade Tiradentes 26 13 44 17
100
Total 12 27 40 21 100 Fonte: Cálculo próprio a partir de material empírico coletado.
125
2. Os tipos de sociabilidade
Exploremos agora os cenários de sociabilidade presentes nas redes.
Para explorar essa dimensão, submeti as proporções de indivíduos nas várias
esferas de sociabilidade a uma análise de cluster, incluindo todas as 9 esferas
consideradas e utilizando o algoritmo K-means do Software Spss 13.0. O
resultado que melhor se ajustou aos dados inclui 6 grupos de indivíduos com
sociabilidades distintas. A tabela a seguir apresenta as proporções médias das
esferas para cada grupo, assim como os seus respectivos números de casos, já
incluindo nomes dos grupos considerando a minha interpretação dos dados.
As categorias hachuradas representam, em cada caso, entre 80 e 88% da
sociabilidade dos indivíduos. A última coluna apresenta a sociabilidade média
do grupo de classe média, que não foi utilizada na construção dos grupos
pela análise de cluster, e foi incluída na tabela apenas para comparação.
Tabela 5. Tipos de sociabilidade por esferas de sociabilidade
Tipos de sociabilidade (%)
Esferas
família, e muita
vizinhança
muita família e vizinhanç
a
família, vizinhanç
a e amizade
família, vizinhança e igreja
família, vizinhanç
a e trabalho
família, trabalho e
associação
Classe média
(%)
família 25 64 35 28 37 36 34 vizinhança 57 23 25 22 23 5 5 amizade 3 3 25 2 2 3 14 trabalho 3 3 4 7 28 11 26 lazer 3 1 4 1 3 1 6 igreja 3 4 0 32 2 6 1 associação 2 - 1 0 1 33
1
estudos 3 2 3 5 3 5 10 outros 1 - 2 3 1 - 1 No de casos 45 38 23 15 22 7
30
Fonte: Cálculo próprio a partir de material empírico coletado.
Os dois primeiros tipos de sociabilidade são baseados principalmente
em vínculos primários e/ou locais. No terceiro tipo temos, além da
sociabilidade anterior, a participação da esfera de amizades, que pode ou
não ser local, mas que também tende a ser marcada pela homofilia. Nos
demais tipos de sociabilidade, temos a presença forte de relações construídas
em ambientes institucionais ou organizacionais. Embora isso seja apenas uma
hipótese de trabalho, é provável que a sociabilidade baseada nesse tipo de
126
esfera leve a padrões de contatos de menor homofilia e maior
heterogeneidade. Isso porque esses tipos de ambiente são mais fortemente
baseados em escolhas do que os contatos familiares, de vizinhança e de
amizade, mais provavelmente influenciados pelos efeitos de baseline homofily
discutidos no primeiro capítulo.
A sociabilidade de classe média, diferentemente, se concentra
principalmente nas esferas da família e do trabalho e, em um patamar mais
baixo, da amizade e dos estudos. A presença de vizinhança nas redes de
classe média é, em média, muito baixa, se igualando ao grupo de redes de
pobres com menor presença de vizinhos.
Observemos mais detidamente os tipos de sociabilidade dos indivíduos,
incluindo alguns exemplos para concretizar as situações delimitadas.
Grupo 1 – sociabilidade baseada em família e muita vizinhança – 45 indivíduos.
Os indivíduos com sociabilidade de tipo 1 tinham escolaridade média
de 5,6 anos de estudo e rendimento familiar per capita médio relativamente
baixo – R$ 208. O grupo era levemente mais masculino e os indivíduos eram
majoritariamente migrantes. Os empregados com carteira eram pouco
presentes, ao contrário dos empregados sem carteira. Os indivíduos tendiam a
trabalhar na própria comunidade e as redes incluíam mais pessoas do local de
moradia do que a média. A maior parte dos indivíduos com essa sociabilidade
era católica e não freqüentava associações. A presença de precariedade
familiar das pessoas desse tipo de sociabilidade era menor do que no conjunto
dos indivíduos pobres, mas pessoas desse grupo tendiam a estar mais
submetidas à precariedade habitacional, assim como à precariedade do
trabalho.
A sociabilidade desse tipo é exemplificada pelo entrevistado 9. Trata-se
de um morador do Jaguaré de 34 anos. O entrevistado chegou a São Paulo
há oito anos junto com sua esposa, ambos provenientes da cidade de São
Miguel dos Campos (AL), onde nasceu e onde ainda mora a maior parte da
sua família. Há seis meses, abriu uma loja “de variedades” no Jaguaré (em que
vende brinquedos, CD, doces etc.) na parte frontal da casa onde mora com a
esposa e seus dois filhos. Anteriormente, tinha trabalhado como faxineiro e
como garçom. Declarou uma renda familiar mensal de R$700, sendo que a
127
sua mulher não trabalha. Manifestou ser católico, mas não praticante, e
chegou a concluir a 5ª série.
Para se divertir, o entrevistado visita casa de parentes que moram perto, vai a
uma casa de shows freqüentada por migrantes do Nordeste no bairro do
Limão e visita amigos conterrâneos em outros bairros.
Suas principais esferas são a vizinhança (41,3%) e a família (40%) e 28%
dos nós de sua rede eram de fora da comunidade.
Grupo 2 – sociabilidade baseada em muita família e vizinhança – 38 indivíduos.
Esses indivíduos tendiam a ter escolaridade e renda muito baixas - 4,5
anos de estudo e R$ 240. O grupo era constituído predominantemente
mulheres e indivíduos migrantes, cujas redes incluíam uma quantidade
bastante grande de conterrâneos (16%, contra 8% da média geral). As
trajetórias reportadas nas entrevistas indicam a existência de vários indivíduos
que migraram diversas vezes entre São Paulo e suas cidades de origem. Os
indivíduos desse grupo não freqüentavam associações e o número de esferas
era de um pouco abaixo da média do conjunto dos indivíduos pobres - 3,2. A
presença de precariedade familiar era maior do que a média.
O exemplo é a entrevistada 133, uma migrante baiana de 62 anos de
idade. A entrevistada mora em São Paulo há 20 anos. Antes de morar em
Paraisópolis ela morava nas imediações da Águas Espraiadas, mas assim que a
obra da avenida começou, ela se mudou para Paraisópolis (há mais de dez
anos). Ela casou-se em 1961 com um homem que conheceu em sua cidade
natal e com quem teve oito filhos. Quando veio para São Paulo já estava
separada.
Atualmente ela mora com um dos filhos, e uma das filhas mora no
segundo andar de sua casa. Há cinco anos ela tem uma vendinha na frente
da casa, mas anteriormente trabalhava como doméstica. Ela não estudou,
pois foi proibida pelo marido. A renda familiar é composta pelos rendimentos
da vendinha e pelos bicos do filho, o que corresponde aproximadamente a R$
300 per capita. Ela tem dois irmãos morando na Bahia com os quais tem
contato apenas raramente. Seus contatos freqüentes são com os vizinhos que
moram ao lado e na casa da frente. Apesar de se autodenominar católica,
disse que nunca vai à igreja (foi apenas uma vez desde que mora no bairro).
128
Ela não possui uma esfera de lazer, afirmando que fica em casa e assiste TV
nos momentos livres. As esferas mais importantes são a família (53,3%) e a
vizinhança (40%), e apenas 20% dos nós eram de fora da comunidade.
Grupo 3 - Sociabilidade baseada em família, vizinhança e amizade – 23
indivíduos.
Os indivíduos com esse padrão de sociabilidade tinham a segunda
escolaridade mais elevada dentre todos os grupos (8 anos de estudo), mas
rendimento familiar per capita médio relativamente pequeno (R$ 280). Dentre
os 23 membros do grupo, 3 eram desempregados com ensino médio e outros
dois donas de casa com ensino médio completo.
Os indivíduos do grupo tendiam a trabalhar mais frequentemente na
comunidade e a incluir menos pessoas externas ao local de moradia. Em
termos etários, esses indivíduos tendiam a ser mais novos (27 anos) do que a
média dos indivíduos pobres (36 anos) e, em sua grande maioria (87%), tinham
nascido em São Paulo. Consequentemente, as redes incluíam relativamente
poucos conterrâneos. A concentração na esfera da amizade é o dobro da
verificada no caso da classe média.
Como exemplo deste grupo, apresento a sociabilidade da entrevistada
140, uma mulher de 37 anos nascida em São Paulo e moradora de
Paraisópolis. Trabalha há um mês como auxiliar de serviços gerais na
associação de moradores, indicada pela mãe, uma das diretoras, recebendo
R$350 por mês sem registro em carteira. A entrevistada separou-se do marido e
mora com os pais, seus dois filhos e um irmão. Tem o 2º grau completo e
trabalhou um ano e nove meses numa empresa prestadora de serviços de
limpeza, da qual foi demitida há 3 meses. Sua família reside há 10 anos no
Grotão, uma das piores áreas da favela, e suas relações são
predominantemente posteriores à chegada à favela, mantendo poucos
contatos externos com as amigas de seu antigo trabalho. Apenas 30% dos nós
de sua rede são externos à favela e suas esferas mais relevantes são as da
família (41,8%), das amizades (36,4%) e da vizinhança (12,7%).
129
Grupo 4 – sociabilidade baseada em família, vizinhança e igreja – 15
indivíduos.
As pessoas desse grupo tinham escolaridade média (6,5 anos) e
rendimento familiar per capita médio entre médio e baixo R$ 370. O grupo
incluía migrantes na proporção média do universo, mas praticamente não
incluía conterrâneos (3,2%), sugerindo uma dissolução de vínculos mais
elevada do que a média. Assim como no grupo anterior, os empregados com
carteira estavam sobre-representados e as redes incluíam muito mais
indivíduos externos ao local de moradia do que a média (52% contra 37%).
Naturalmente, quem freqüenta igreja estava muito sobre-representado no
grupo e, tanto quem se autodenominava evangélicos quanto católico era
sobre-representados no grupo. Os indivíduos com essa sociabilidade tendiam
a estar menos submetidos à precariedade de renda e habitacional do que a
média dos entrevistados. Os números de esferas e contextos eram elevados -
4,6 e 5,3, respectivamente.
Exemplifico esse grupo com o caso da entrevistada 164, de Tiradentes.
Trata-se de uma alagoana de 43 anos chegada há 22 anos em São Paulo. Há
14 aos vive em Cidade Tiradentes, tendo antes morado no bairro da
Liberdade, no Centro, na casa da cunhada. É casada e tem 3 filhos, vivendo
com o marido e um deles. Os demais moram em conjuntos habitacionais
vizinhos e seus irmãos vivem em outros locais. Disse ser dona de casa, mas
considera-se desempregada - está procurando trabalho ‘no que aparecer’.
Trabalhou anteriormente durante 10 anos como empregada doméstica, sem
carteira assinada, e 4 anos como camareira em um hotel de alto padrão com
carteira assinada. A renda familiar é de R$ 900,00, resultando em uma renda
familiar mensal per capita de R$ 300.
É evangélica e freqüenta a Igreja Assembléia de Deus, 5 vezes por
semana. Seu lazer resume-se a buscar o neto na casa de um filho e ir à igreja,
onde tem vários amigos. As esferas mais relevantes eram a da família (41,2%),
a da vizinhança (3,9%) e da igreja (52,9%), sendo que 29,4% dos nós eram
externos à comunidade.
130
Grupo 5 – sociabilidade baseada em família, vizinhança e trabalho – 22.
Os indivíduos com essa sociabilidade tendiam a ter escolaridade alta
para o grupo social estudado, alcançando 6,6 anos de estudo, assim como
renda familiar per capita média relativamente alta - R$ 455, em média. O
grupo concentrava especialmente indivíduos empregados com carteira
assinada em empregos relativamente antigos e que trabalham fora da
comunidade. Naturalmente, a presença de precariedade do trabalho e de
rendimento é menor nesse grupo do que na média dos entrevistados. As redes
incluíam muito mais indivíduos externos ao local de moradia do que a média
(54,8% contra 37) e tinham menos migrantes e muito menos conterrâneos do
que a média (apenas 2,5%). Os indivíduos que freqüentavam associações
estavam sobre-representados nesse grupo e os números de esferas de
sociabilidade e contextos diferentes eram elevados - 4,2 e 4,6 -
respectivamente. Nesse caso, a proporção da sociabilidade na esfera do
trabalho era similar à encontrada nas redes de classe média.
O entrevistado 70, morador de Vila Nova Esperança, é o exemplo desse
grupo. Tem 60 anos e nasceu no interior de São Paulo, na zona rural, de pais
lavradores. Migrou para São Paulo com 10 anos apenas com a mãe. Teve 6
irmãos (4 mulheres e 2 homens) e todos vivem em bairros próximos de São
Paulo. É separado há 10 anos e tem 2 filhos, ambos casados, sendo que um
deles já tem dois filhos. Conheceu a ex-mulher na casa do irmão e veio do
bairro vizinho para a comunidade há 8 anos comprando a casa diretamente
de um dos ocupantes originais. Atualmente, mora sozinho.
Trabalha como vendedor autônomo de vassouras há 2 anos, para uma
fábrica localizada em Santo Amaro. Entretanto, raramente vai lá e faz os
pedidos por telefone. Antes trabalhou para outra empresa da mesma forma
por 16 anos e antes ainda foi porteiro de prédio por 15 anos e metalúrgico.
Tem renda mensal de R$ 450 e segundo grau completo. Sua sociabilidade era
organizada pelas esferas da família (41,1%) da vizinhança (31,2%) e do
trabalho (17,7%) e havia 56,9% de nós externos à comunidade, sendo esta
uma das redes de mais baixo localismo encontradas entre os indivíduos em
situação de pobreza.
131
Grupo 6 – sociabilidade baseada em família e associação – 7 casos.
Esse era o menor grupo, com apenas 7 indivíduos. A sua escolaridade
média era a mais elevada de todos - 9,9 anos - superando inclusive o
fundamental completo. Os rendimentos familiares per capita médios também
não eram baixos e alcançavam R$ 430 em média. As redes dos indivíduos com
essa sociabilidade eram as únicas com homofilia de gênero bem abaixo da
média – 54% contra média de 62%. A presença de conterrâneos nas redes era
bastante baixa (3%). Quem trabalhava fora da comunidade estava sub-
representado no grupo e o localismo era mais elevado (apenas 27% dos
indivíduos eram de fora). Evidentemente, quem freqüentava associação
estava sobre-representado dentre os indivíduos com essa sociabilidade.
O exemplo dessa sociabilidade era o entrevistado 131, morador de
Paraisópolis de 39 anos e nascido no Recife. Seu pai veio primeiro e depois
veio o restante da família, há 36 anos. Seus pais já faleceram e o entrevistado
tem 2 irmãs vivas, mas que não moram na favela.
É casado há 13 anos e tem 2 filhos. Tem ensino médio completo e é um
dos diretores de uma das associações de moradores da favela. Além disso, é
cabeleireiro, tendo o próprio salão no bairro há 21 anos. Sua esposa trabalha
como doméstica no Morumbi. A renda familiar é de R$1.500,00 e resulta em
uma renda per capita de R$ 375. Já trabalhou no estádio do Morumbi
tomando conta de carros, como empregado em casa de família no Morumbi
e em um salão de um amigo do pai. Logo depois que fez um curso de
cabeleireiro em colégio particular da região, abriu o seu próprio salão. É
evangélico e freqüenta a igreja todos os dias com a família.
As esferas mais importantes são a família (38,7%) e a associativa (27,8%),
seguidas do trabalho e da igreja com 10,7 e 16%, respectivamente. Tem
apenas 12,9% de contatos externos.
Mas de que forma os tipos de sociabilidade distintos incidiam sobre os
locais estudados? Uma evidência nessa direção seria mais uma informação
importante para avaliarmos a relação entre a segregação social no espaço e
as redes. A distribuição dos tipos de sociabilidade pelas áreas é apresentada
na tabela a seguir.
132
Como se pode ver, os indivíduos com família e muita vizinhança estão
sobre-representados no Jaguaré e no Centro e sub-representados em
Paraisópolis e na Cidade Tiradentes. O grupo 2 está muito mais presente em
Paraisópolis e no Centro e sub-representado na Vila Nova Esperança e em
Tiradentes. Como podemos ver, o grupo 3 está sobre-representado no
Paraisópolis, na Vila Nova Esperança e na Cidade Tiradentes sendo inexistente
no Centro. Os grupos de sociabilidade mais local e primária, portanto, estão
mais representados em Paraisópolis (84%), no Jaguaré (83%) e menos presentes
em Tiradentes (57%) e na Vila Nova Esperança (60%), se localizando em
patamar um pouco mais alto no Centro (69%).
Tabela 6. Presença relativa dos grupos de sociabilidade nos locais (%)
Fonte: Cálculo próprio a partir de material empírico coletado.
A sociabilidade de tipo 4, com presença da igreja, por outro lado, está
muito presente na Vila Nova Esperança e em Tiradentes. Os indivíduos com
uma parte importante de sua sociabilidade associada ao trabalho estão mais
presentes no Centro e sub-representados em Paraisópolis e no Jaguaré. O
sexto tipo de sociabilidade, por fim, está mais presente em Paraisópolis,
embora o número de casos desse grupo seja muito pequeno. Os tipos de
sociabilidade menos local, menos primária e mais associado a ambientes
institucionais e organizacionais, portanto, estão mais presentes em Tiradentes
(44%) e na Vila Nova Jaguaré (40%) e menos presente no Jaguaré (16%) e em
Paraisópolis (17%), ficando nos cortiços do centro em nível intermediário (30%).
Assim, embora não existam padrões de distribuição por área, há um
evidente concentração das sociabilidades menos locais e primárias em locais
mais segregados, o que é bastante contraintuitivo. Se considerarmos Vila Nova
Tipos de sociabilidade Local
fam. e muita viz.
muita fam. e
viz.
fam., viz. e
amizade
fam., viz. e igreja
fam., viz. e trabalho
fam. e associaç
ão Total
Centro 38 31 - 3 24 3 100,0 Jaguaré 50 20 13 3 10 3 100,0
Paraisópolis 19 42 23 - 7 10 100,0 Vila Nova Esperança 23 17 20,0 23 17 - 100,0
Cidade Tiradentes 20 17 20 20 17 7 100,0
Total 30 25 15 10 15 5 100,0
133
Esperança e Tiradentes como segregados contra os restantes, as diferenças
das proporções das sociabilidades mais ou menos primárias são significativas a
95,9% de confiabilidade (estatística F igual a 10,1). O efeito, portanto, parece
ser o contrário do imaginado a partir da idéia do isolamento provocado pela
segregação, e está em consonância com as informações destacadas ao final
do capítulo anterior a respeito da relação entre segregação e redes.
3. Comparando os tipos de redes e de sociabilidade
Como já dispomos das duas classificações, podemos discuti-las
conjuntamente, de forma a especificar os padrões de relação nas redes
estudadas. O cruzamento das classificações é apresentado na tabela 7 a
seguir.
Tabela 7. Cruzamento das tipologias de redes e sociabilidade
Tipos de redes Tipos de sociabilidade 1 e 2 3 4 5 total
fam. e muita viz. 12 14 13 6 45 muita fam. e viz. 1 7 17 13 38
fam., viz. e amizade 0 8 9 6 23 fam., viz. e igreja 3 1 10 1 15
fam., viz. e trabalho 2 6 9 5 22 fam. e associação 0 5 1 1 7
total 18 41 59 32 150 Fonte: Cálculo próprio a partir de material empírico coletado.
Em uma primeira observação, a incidência das redes na sociabilidade
repete o padrão anterior de heterogeneidade já discutido em Capítulo 3. Por
outro lado, também em uma primeira observação, os tipos de redes e de
sociabilidades mais incidentes aparecem com mais força em quase todas as
situações, tornando a informação muito influenciada pelos tamanhos
diferenciados dos tipos de redes e de sociabilidade. Trabalhei então as
informações a partir de sua participação relativa, com os resultados
apresentados no gráfico a seguir.
134
Gráfico 1. Incidência das sociabilidades nos tipos de rede
Fonte: Cálculo próprio a partir de material empírico coletado.
Como podemos ver, a sociabilidade nas redes de maior tamanho (1 e
2) é baseada em família e vizinhança em cerca de 70% dos contatos.48 As
menores dentre as redes estudadas (tipo 5) também apresentam variabilidade
das esferas de sociabilidade, mas as esferas amplamente predominantes são
as da família e da vizinhança, a exemplo das de maior tamanho. As redes de
tamanho mediano (3 e 4) também apresentam uma grande variabilidade de
esferas e também nelas a família e a vizinhança apresentam importância
(cerca de 50%), mas as demais esferas apresentam uma proporção
igualmente importante da sua sociabilidade. Nessas redes, trabalho, igreja e
associações representam algo como 30% da sociabilidade.
Assim, as redes dos tipos 3, 4 e 5 apresentam maior variabilidade da
sociabilidade, mas na última ocorre também uma predominância de esferas
baseadas em vínculos primários e locais (cerca de 60%). As redes dos tipos 1 e
2, por outro lado, não apresentam grande variabilidade e têm em sua
sociabilidade especialmente a presença de esferas baseadas em vínculos
primários e locais.
Vale recordar que, como vimos no início deste capítulo as redes
apresentam indicadores decrescentes de localismo à medida que avançamos 48 Essas informações devem ser consideradas com cautela, visto que o número de casos desses tipos de rede é muito pequeno.
135
das redes de tipo 1 às de tipo 5. Apenas para recuperarmos a informação
nesse ponto do texto, a tabela 8 a seguir apresenta as principais variáveis de
mensuração do fenômeno utilizadas.
A tabela nos lembra que as redes 1 e 2 tendem a ser as mais locais e as
redes dos tipos 3 e 4 as menos locais. Se acrescentarmos essa informação às
anteriores, chegamos à conclusão de que as redes que proporcionam
primordialmente inserções sociais em circuitos não locais e não primários, e
apresentam ao mesmo tempo extensão e coesão significativas são as redes
médias, em especial as de tipo 3 e 4. Em oposição, as redes com menor
variabilidade da sociabilidade e maior localismo são as redes 1 e 2, embora
tenham tamanho grande.
Tabela 8. Localismo e inserção urbana dos grupos
Tipos de redes
Indicador 1 e 2 3 4 5
Proporção média nas redes de indivíduos de
fora
27,4 37,4 40,5 35,4
Índice E-I de local médio nas redes -0,37 -0,21 -0,17 -0,10
Proporção média dos indivíduos nas redes que trabalham fora
22,0 40,7 53,0 53,0
Mas quais são as características dos indivíduos com redes e
sociabilidades desses tipos? A observação das informações dos casos sugere
regularidades interessantes, apontando ao menos para as quatro situações
descritas a seguir.
Em primeiro lugar, temos as redes grandes, mas com sociabilidade local
e primária (redes 1 ou 2 associadas a sociabilidades 1 ou 2). Os indivíduos com
esses padrões relacionais tendem a ser bem jovens (média de 30 anos e 54%
com menos de 21 anos), são em sua maioria solteiros e apresentam
escolaridade alta, considerando o grupo social em análise (6,9 anos de estudo
em média). A maior parte deles é migrante, embora haja uma presença
elevada de naturais de São Paulo (46%). O grupo é escassamente inserido no
mercado de trabalho, sendo 31% estudantes, 15% donas de casa e 15%
desempregados. Dentre os empregados, a grande maioria trabalha na
comunidade (80%), exceto pelos 15% que trabalham como empregados
136
domésticos sem carteira. A sua localização tende a incidir mais fortemente
sobre locais não segregados (58%).
No outro extremo, temos a situação das redes muito pequenas com
sociabilidade local e primária (tipo 5 com sociabilidade 1 ou 2). Nesse caso, o
que chama a atenção nas características médias dos indivíduos é a idade
elevada (51 anos em média, com 37% acima de 60 anos e nenhum jovem),
assim como a sua baixíssima escolaridade (2,9 anos de estudo em média). Os
homens tendem a ser predominantes (53%, sobre-representados em 10% em
relação à sua participação na amostra). São todos migrantes, a maioria com
companheiros em relações relativamente antigas e elevada presença de
conterrâneos (20%). A inserção no mercado de trabalho é precária – 21% de
desempregados, 37% de autônomos e 26% de donas de casa e aposentados.
Apenas 15% habitam locais segregados.
Em situação intermediária se encontram duas situações relacionais
envolvendo redes de tamanho médio. A primeira delas inclui indivíduos com
redes médias e sociabilidade primária e local (redes 3 ou 4 e sociabilidade 1
ou 2). Trata-se nesse caso de jovens adultos (34 anos em média, 27% dos
indivíduos abaixo de 21 anos de idade e nenhum idoso), com escolaridade
média (5,4 anos de estudo). Há uma presença elevada de migrantes (76%),
muitos deles antigos (64%) e com alguns conterrâneos nas redes (8,9%). Os
indivíduos com esse padrão relacional tendem a ser casados e a morar em
locais não segregados. A inserção no mercado é marcada pela presença
elevada de autônomos (20%), proprietários (14%) e desempregados (10%),
havendo também muitas donas de casa (20%) e alguns estudantes (8%).
Dentre os que trabalham, a maioria trabalha no próprio local de moradia.
Por fim, temos uma outra situação intermediária, mas com inserção
social mais ampla – redes médias com sociabilidade pouco local e construída
em ambientes organizacionais e institucionais - no trabalho, na igreja e em
associações (redes 3 ou 4 e sociabilidade de 4 a 6). Os indivíduos com essa
situação tendem a ser adultos (38 anos, apenas 12% com idade menor do que
21 anos e 6% com idade superior a 60 anos) com escolaridade alta (7,2 anos).
São levemente mais solteiros (65%) e migrantes (66%), inclusive antigos (47%).
Tendem a morar mais frequentemente em locais segregados (59%). A sua
inserção no mercado é a melhor dentre as condições analisadas – incluindo
137
empregados com carteira (41%), mas também autônomos (19%) e
empregados sem carteira (16%). Esses indivíduos tendem com alguma
freqüência a trabalhar fora da comunidade (44%).
Sumarizando os achados desse capítulo, portanto, é possível afirmar
que embora as redes de indivíduos em situação de pobreza sejam menores,
mais locais e menos variadas do que as de indivíduos de classe média,
também apresentam grande heterogeneidade em suas características no seu
grande localismo e no que diz respeito às esferas de sociabilidade em que
estão inseridas. Para alguns indivíduos, a presença de esferas de sociabilidade
que correspondem a ambientes institucionais é até mesmo similar à das redes
de classe média. O cruzamento desses dois tipos de heterogeneidade introduz
novos elementos de complexidade, embora sugira alguns padrões
importantes. Assim, embora haja redes grandes e coesas com padrão muito
local e sociabilidade baseada em vínculos primários, também é possível
observar a existência de redes de tamanho médio com baixo localismo,
sociabilidade bastante variada e baseada em ambientes institucionais e
organizacionais. Além disso, foi possível observar regularidades nas
características sociais dos indivíduos com os padrões relacionais mais
importantes.
Como veremos no capítulo que se segue, a presença desses padrões
relacionais pode ter importantes conseqüências para os indivíduos em
situação de pobreza.
138
Capítulo 5. Explorando as conseqüências sociais das redes
Após termos analisado as características das redes pessoais de
indivíduos em situação de pobreza, os processos que as influenciam, a sua
variação e os contextos de sociabilidade em que se encontram inseridas,
investigarei nesse capítulo as principais conseqüências das redes para a
situação social dos indivíduos. 49
Uma dimensão importante presente nesse capítulo diz respeito às
causalidades entre processos. A relação entre as redes e os processos
analisados é evidentemente biunívoca, ou seja, as redes tanto são
influenciadas pelos processos (como vimos no Capítulo 3) como os influenciam
(conforme veremos a seguir). Por outro lado, como vimos no final do capítulo
anterior, diversas características sociais se encontram associadas com os
padrões relacionais, tornando o estabelecimento de direções causais muito
difícil. Assim, a distinção que estabeleço é apenas analítica e, em termos
ontológicos, tanto atributos individuais quanto redes se produzem e
influenciam mutuamente. Tendo isso em mente, a análise desenvolvida no
capítulo tem por objetivo especificar o lugar da sociabilidade e das redes de
relações nos processos de produção e reprodução da pobreza e das
condições sociais.
Serão analisadas as associações entre os padrões de relação e
sociabilidade e a obtenção de trabalho em geral, de trabalho com alguma
proteção, com a precariedade social já destacada em capítulos anteriores e
com os rendimentos monetários. As investigações incluem análises univariadas
e multivariadas utilizando técnicas diversas. As dimensões do trabalho e do
49 Este capítulo contou com a inestimável ajuda de Edgar Fusaro na sugestão e revisão das análises estatísticas realizadas, a quem agradeço sinceramente.
139
rendimento representam os elementos mais comumente associados pela
literatura à pobreza, enquanto a precariedade estabelece uma medida
síntese das condições negativas, tentando apontar para as situações mais
precárias dentre os mais pobres. Pelas razões já explicitadas, em nenhuma das
análises os indivíduos de classe média foram incluídos. 1. Emprego
Como já vimos anteriormente, grande parte dos indivíduos empregados
obtiveram trabalho por contatos de redes (77%), sendo que mesmo a menor
participação das redes como origem de vagas de emprego explica a grande
maioria dos empregados - 63% no Jaguaré. Entretanto, quais são as principais
conseqüências das redes dos indivíduos para os seus empregos e até que
ponto esse efeito não pode ser creditado a outras variáveis consideradas
tradicionalmente pela literatura? No teste que se segue utilizei as dimensões
das redes discutidas no Capítulo 3, e incluí como “com trabalho” os indivíduos
empregados com e sem carteira, (domésticos ou não), assim como os
pequenos proprietários.50 Dadas as características das atividades declaradas
como trabalho autônomo, considerei esses casos como representando
desemprego oculto, somando-os ao desemprego na conformação dos “sem
emprego”.51 Os indivíduos com trabalho totalizavam 62 (58% dos
entrevistados).
Primeiramente, para avaliar a associação entre a condição “ter
emprego” e as cinco dimensões das redes, procedi a testes de análise de
variância separadamente. Os resultados indicam que a eficiência das redes
egocentradas, a variabilidade da sociabilidade dos indivíduos e, com menor
confiabilidade, o tamanho das redes,52 têm todos efeitos positivos e
significativos considerando-se um nível de significância de 10%. Os dados
indicam que as pessoas com trabalho têm, em média, 62 nós em suas redes,
tamanho eficiente de 20,9 e 4,3 esferas, contra 45 nós, tamanho de 15,7 e 3,5
50 Rigorosamente, portanto, não se trata de emprego, visto que os proprietários também estão incluídos nessa condição, mas considerei que organizada dessa forma a variável descreveria melhor a condição que gera efeitos sobre a pobreza. 51 Apenas como exemplos dos tipos de ocupação, estavam incluídos 8 vendedores ambulantes, 2 ajudantes de florista ocasionais, 3 carregadores de entulho ocasionais e 2 catadores de papel e latas de alumínio. 52 Respectivamente com Estatística F igual a 12,0 e p-value de 0,000, estatística F igual a 11,9 e p-value de 0,000 e estatística F igual a 3,0 e p-value de 0,087
140
esferas dos indivíduos sem emprego. As dimensões do localismo e de coesão
não apresentam associação com a condição de emprego.
Para explorar o efeito dos tipos de rede e sociabilidade, construí um
conjunto de tabelas cruzadas submetidas a testes estatísticos de variáveis
nominais. No que diz respeito ao tipo de rede, os dados sugerem que não
existe relação direta entre tipos de rede e estar empregado. No que diz
respeito à sociabilidade, os indivíduos que têm sociabilidade do tipo 5, ligado
à família e ao trabalho, têm maior probabilidade de estarem empregados do
que os demais (significativo a 95% de significância). Na verdade, a
causalidade neste caso não é nem um pouco clara, visto que é razoável
imaginar que quem tem sociabilidade intensa ligada ao trabalho tem ou teve
trabalho em período relativamente recente. Essa é a única sociabilidade que
apresenta significância individualmente, mas os indivíduos que têm
sociabilidades ligadas a ambientes institucionais – igreja, trabalho e
associações (4 a 6) – também tendem a estar significativamente mais
empregados do que os que têm sociabilidade mais local e primária (1 a 3).
Para analisar o efeito conjunto das condicionantes sociais e relacionais,
dado que o número de casos não era muito grande e que a análise não tinha
por objetivo prever o comportamento das variáveis, lancei mão de uma
estratégia exploratória utilizando o método de classificação por árvore,
comumente conhecido como Chaid. O método basicamente estuda a
relação entre uma variável dependente e uma séria de variáveis preditoras
que interagem entre si. Em tabelas de dupla entrada com as relações entre a
variável dependente e cada preditora, o modelo testa todas as partições
possíveis de suas categorias, escolhendo aquela que apresenta o maior valor
para a estatística qui-quadrado. Os dados são agrupados segundo a partição
escolhida e uma nova análise é realizada dentro de cada subgrupo
repetindo-se o procedimento anterior para a variável dependente e as demais
preditoras. Esse processo é repetido sucessivamente até que os grupos
divididos cheguem a um número mínimo de casos estipulado para a análise.
Como se trata de um método de tipo stepwise, todas as combinações
possíveis são analisadas e podemos tomar as variáveis indicadas no resultado
final como representando os condicionantes mais importantes na explicação
da variabilidade da variável dependente.
141
Na explicação do status de empregado, utilizei as variáveis:53
· Relacionais - 1) número de nós da rede individual, 2) coeficiente de
clusterização, 3) tamanho eficiente da rede egocentrada, 4)
proporção de pessoas externas à área, 5) número total de esferas, 6)
grupos de sociabilidade, 7) variáveis dummy referentes aos tipos de
redes com 5 grupos, e 8) variáveis dummy referentes aos tipos de
sociabilidade e de rede, assim como às suas combinações;
· Sócio-econômicas - 9) sexo do indivíduo, 10) anos de estudo, 11)
renda familiar per capita, 12) frequenta igreja ou templo mais do que
quinzenalmente;
· Etárias - 13) idade do indivíduo, 14) idoso (60 anos ou mais), 15)
jovem (idade menor ou igual do que 21 anos);
· Migratórias – 16) migrante, 17) migrante há mais de 10 anos, 18)
proporção de conterrâneos maior ou igual a 21%;
· Espacial - 19) segregado.
O resultado indicou uma única variável como melhor solução para
dividir as situações de ter ou não trabalho, a relativa à variabilidade da
sociabilidade – a número de esferas. O modelo apresentou significância de
0,048 e explicou corretamente 62,6% dos casos. A Figura 8 apresenta o
resultado.
Como podemos ver, a incidência de emprego é de 58% no conjunto
dos casos considerados (desconsiderando-se os aposentados, donas de casa
e estudantes), mas alcança 84% entre os indivíduos com mais de 4 esferas de
sociabilidade e apenas 47% entre os com até 4 esferas. A análise indica a
importância dos indivíduos terem redes pessoais com sociabilidade variada
para o acesso ao emprego. É importante notar que a variável é a mais
importante mesmo com a presença de outras variáveis sócio-econômicas
consideradas clássicas nas discussões sobre o tema, como a escolaridade, a
renda, a idade, o status migratório e o grau de segregação residencial a que
estão submetidos os indivíduos.
53 Nesse caso, as variáveis relativas ao trabalho, inclusive a variável “trabalha fora”, foram excluídas, pois não têm sentido na análise do status de ter trabalho – quem não tem trabalho não pode trabalhar fora, ter tempo de ocupação, emprego antigo ou ser classificado em determinada posição na ocupação.
142
Figura 8. Árvore da explicação do emprego (Chaid)
2. Emprego protegido
Os indivíduos podem ter ou não emprego, mas podem ter empregos de
qualidade muito diferenciada sob o ponto de vista da estabilidade e da
proteção. Para testar o efeito das redes sobre a obtenção de empregos de
melhor qualidade, dividi os empregos em “emprego protegido” – empregado
com carteira (doméstico ou não) e proprietário, contra empregados sem
carteira, autônomos e desempregados.54 Essa condição envolvia 36% ou 39
casos. Aposentados, donas de casa e estudantes foram retirados da análise.
No caso da obtenção de situação de emprego mais protegido, a única
das dimensões de rede a apresentar significância na análise univariada foi a
variabilidade da sociabilidade,55 sendo a média de quem tem emprego
protegido de 4,3 esferas contra 3,8 de quem não tem emprego bom.
No que diz respeito aos tipos de rede, novamente não houve efeito
sobre a variável analisada, dessa vez a obtenção de emprego protegido. Por
outro lado, no que diz respeito às sociabilidades, novamente os indivíduos com
sociabilidade proporcionalmente maior em instituições, menos local e menos
54 Assim como no caso anterior, não se trata rigorosamente de condição de emprego. Ver nota 47. 55 Estatística F igual a 4,4 e p-value de 0,038.
Node 0Category % n
57,9 62sim42,1 45não
Total 100 ,0 107
n total de esferasAdj. P-value=0,001, Chi-square=13,
088, df=1
ter trabalho contra desempregados e autônomos
Node 1Category % n
46 ,7 35sim53 ,3 40não
Total 70 ,1 75
<= 4
Node 2Category % n
84,4 27sim15,6 5não
Total 29,9 32
> 4
simnão
143
primária (tipos de 4 a 6) apresentaram maior probabilidade de terem emprego
protegido do que os demais (significativo a 99%) – dentre os indivíduos que
não tem trabalho desse tipo, 27% tem sociabilidade pouco primária, enquanto
73% têm sociabilidade local e primária. Esse resultado voltou a aparecer para
alguns tipos de sociabilidade separadamente.
Os indivíduos com sociabilidade do tipo 2 tendem a ter emprego
estável menos frequentemente (de forma estatisticamente significativa a 95%):
apenas 24% dos indivíduos com essa sociabilidade têm trabalho assim,
enquanto no restante dos casos essa proporção chega a 43% em média. A
sociabilidade do tipo 5, ligada à família e ao trabalho, também se apresenta
significativa para a associação com trabalho protegido, embora novamente
nesse caso não saibamos o sentido da causação, como já destacado (a
evidência é significativa a 99% de confiabilidade).
Para a análise conjunta dos condicionantes do emprego de melhor
qualidade foi utilizada a mesma técnica de Chaid com as variáveis seguintes:
· Relacionais: 1) número de nós da rede individual, 2) coeficiente de
clusterização, 3) tamanho eficiente da rede egocentrada, 4)
Proporção de pessoas externas à área, 5) número total de esferas, 6)
grupos de sociabilidade, 7) variáveis dummy referentes aos tipos de
redes com 5 grupos, e 8) variáveis dummy referentes aos tipos de
sociabilidade e de rede, assim como às suas combinações;
· Sócio-econômicas: 9) sexo do indivíduo, 10) anos de estudo, 11)
renda familiar per capita, 12) freqüenta igreja ou templo mais do que
quinzenalmente;
· Etárias: 13) idade do indivíduo, 14) idoso (60 anos ou mais), 15) jovem
(idade menor ou igual do que 21 anos);
· Migratórias: 16) migrante, 17) migrante há mais de 10 anos, 18)
proporção de conterrâneos maior ou igual a 21%;
· Espacial: 19) segregado.
Como resultado, a técnica separou os indivíduos com sociabilidades dos
tipos 4 ou 5 dos demais (a sociabilidade 5 separadamente também
apresentou significância, mas menos destacada). O modelo apresentou
144
significância de 0,045 e explicou corretamente 69% dos casos. A figura a seguir
apresenta a informação.
Figura 9. Árvore da explicação do “emprego protegido” (Chaid)
Node 0Category % n
63,6 68não36,4 39sim
Total 100 ,0 107
sociabilidade dos tipos 4 ou 5Adj. P-value=0,001, Chi-square=10,
359, df=1
trabalho com carteira e proprietário
Node 1Category % n
73,3 55não26,7 20sim
Total 70,1 75
não
Node 2Category % n
40,6 13não59,4 19sim
Total 29,9 32
sim
nãosim
Como podemos ver, a incidência de emprego protegido é de apenas 36%
no conjunto dos indivíduos que participam do mercado de trabalho, mas
chega a alcançar 59% entre quem tem sociabilidade dos tipos 4 ou 5. Entre os
demais, a proporção é de 27%.56 Portanto, mesmo na presença de variáveis
sócio-econômicas clássicas, como anos de estudo, status migratório, estrutura
etária e renda, a dimensão que mais discrimina os indivíduos que têm
emprego protegido é a que indica a existência de um padrão de
sociabilidade pouco primário e local.
3. Precariedade social
Podemos analisar também de que forma as redes influenciam a
presença de situações de precariedade social em geral. Como já citado, foi
considerada “precária socialmente” a situação em que o entrevistado
apresentava ao menos duas condições de precariedade entre quatro –
56 É necessário observar que se o método fosse aplicado permitindo a desagregação ainda maior das situações, outras variáveis apareceriam no modelo, como o tipo de rede 3 (tamanho médio, sociabilidade diversificada e baixo localismo). Entretanto, isso significaria abrir demais os grupos e chegar a grupos com 18 ou 21 casos, o que não é muito seguro e recomendável.
145
familiar, habitacional, de renda e de trabalho. Aproximadamente um terço
dos entrevistados - 32% ou 48 casos - se encontravam nessa condição, mas a
distribuição das condições desagregadas de precariedade variava bastante –
apenas 12% na familiar, 22% na habitacional, 25% na relativa aos rendimentos
e 63% na precariedade do trabalho.
No caso do estudo univariado das situações de precariedade, testes de
análise de variância indicaram que nenhuma das cinco dimensões de rede
influenciava diretamente a presença de situação de precariedade social,
apesar do tamanho e da diversidade da sociabilidade serem relevantes para
alguns dos elementos que a compõe.
Os tipos de sociabilidade, por outro lado, voltaram a apresentar
relevância. Em primeiro lugar, os indivíduos com sociabilidade do tipo 2 (muita
família e vizinhança) se mostraram associados à precariedade (significativo a
99% de confiabilidade). Dentre os precários socialmente, 46% tinham
sociabilidade desse tipo, enquanto dentre os não precários, apenas 23%
tinham esses padrões de sociabilidade. O efeito é similar quando
consideramos conjuntamente os indivíduos com todos os tipos de
sociabilidade primária e local (1, 2 e 3), sendo a diferença também
significativa a 99% e influenciando negativamente a situação social dos
entrevistados. Dentre os precários, 85% têm sociabilidade local e primária,
contra 64% dos indivíduos sem situação de precariedade social.57 Portanto,
quanto mais local e primária a sociabilidade, maior a probabilidade do
indivíduo se encontrar em situação social precária. Contrariamente, para os
indivíduos cuja sociabilidade inclui parcelas importantes que ocorrem em
ambientes institucionais, a probabilidade de precaridade se reduz.
Os tipos de rede não apresentaram influência na precariedade, mas a
interação com a sociabilidade se mostrou significativa. As análises realizadas
indicaram que indivíduos com redes de tipo 3 e sociabilidade 4 a 6 e com
redes de tipo 4 e sociabilidade de 4 a 6 tenderam a estar menos sujeitos a
situações de precariedade do que os demais (significância a 99%). De fato, a
presença relativa de indivíduos com rede tipo 3 e sociabilidade de 4 a 6 era
de 4% entre os precários e 10% entre os não precários e as pessoas com rede
do tipo 4 e sociabilidade de 4 a 6 representavam apenas 6% dos precários 57 Evidentemente, tanto as sociabilidades 4 e 5 quanto 4, 5 e 6 conjuntamente apresentam significância (também a 99%), visto que representam o complemento do grupo anterior.
146
contra 21% dos não precários. Naturalmente, a consideração conjunta dos
dois grupos também apresenta significância: apenas 8% dos indivíduos com
redes 3 ou 4 e sociabilidade de 4 a 6 apresentam precariedade contra 28% de
não precários com essa mesma situação relacional.
Para a análise conjunta dos condicionantes da precariedade social foi
utilizada novamente a técnica de Chaid, incluindo as variáveis que se
seguem. Como a variável de precariedade foi construída por escolha direta
dos casos a partir da renda, da estrutura familiar e da posição na ocupação,
essas variáveis evidentemente não puderam ser incluídas no modelo, caso
contrário os resultados obtidos seriam tautológicos. Por outro lado, variáveis
relativas ao trabalho que antes não foram utilizadas, foram introduzidas aqui.
As variáveis testadas como condicionantes de condições de precariedade
social foram:
· Relacionais: 1) número de nós da rede individual, 2) coeficiente de
clusterização, 3) tamanho eficiente da rede egocentrada, 4)
Proporção de pessoas externas à área, 5) número total de esferas, 6)
grupos de sociabilidade, 7) variáveis dummy referentes aos tipos de
redes com 5 grupos, e 8) variáveis dummy referentes aos tipos de
sociabilidade e de rede, assim como às suas combinações;
· Sócio-econômicas: 9) anos de estudo, 10) freqüenta igreja ou templo
mais do que quinzenalmente;
· Etárias: 11) idade do indivíduo, 12) idoso (60 anos ou mais), 13) jovem
(idade menor ou igual do que 21 anos);
· Migratórias: 14) migrante, 15) migrante há mais de 10 anos, 16)
proporção de conterrâneos maior ou igual a 21%;
· Espacial: 17) segregado;
· Trabalho: 18) há quanto tempo está no trabalho atual, 20) trabalha
fora da comunidade.
Como resultado, o método indicou uma única variável e nos informou
que a que melhor separava os casos eram novamente os tipos de
sociabilidade dos indivíduos, mesmo tendo sido incluídas diversas variáveis
sócio-econômicas, como os anos de estudos, idade, tempo de migração e se
o indivíduo morava em local segregado. O modelo ajustado apresentou
147
significância de 0,038 e explicou corretamente 68% dos casos. A árvore
resultante é a que se segue.
Figura 10. Árvore da explicação da “precariedade social” (Chaid)
Node 0Category % n
32,0 48precário68,0 102não precário
Total 100 ,0 150
sociabilidade dos tipos 1, 2 ou 3Adj. P-value=0,006, Chi-square=7,409,
df=1
precariedade - se ao menos duas das condições de precariedade aplicáveis estão presentes
Node 1Category % n
38,7 41precário61,3 65não precário
Total 70,7 106
sim
Node 2Category % n
15,9 7precário84,1 37não precário
Total 29,3 44
não
precárionão precário
Como se pode ver a precariedade incide sobre 32% dos casos, mas
entre os indivíduos com sociabilidade de tipo não local ou pouco primária (4 a
6) cai pela metade, chegado a 16%. Em oposição, os indivíduos com
sociabilidade mais local e primária (de 1 a 3) apresentam precariedade em
39% dos casos. Esses resultados reforçam os anteriores indicando a
sociabilidade nas redes como uma das principais dimensões condicionantes
das situações sociais dos indivíduos em pobreza.
4. Rendimentos
Assim como nas análises anteriores, os indivíduos de classe média não
estão incluídos neste teste. Obviamente, os seus rendimentos são muito
superiores aos dos indivíduos pobres, o que é parte inclusive da própria
delimitação desses dois grupos sociais. Como vimos, as suas redes também são
muito distintas, tanto em tamanho e coesão, mas especialmente em relação à
variabilidade da sociabilidade e ao localismo. Embora seja provável que essas
148
diferenças estejam relacionadas com a hipótese da “economia dos vínculos”
já descrita, o número de casos e os procedimentos para construção da
amostra de classe média me impedem de tirar conclusões mais precisas sobre
a relação entre redes e rendimento nesse caso. A sua inclusão na análise
juntamente com os indivíduos em situação de pobreza atrapalharia os testes
quantitativos, por aumentar artificialmente a variabilidade do elemento
explicado sem que tenhamos controle sobre o que ocorre na vasta faixa que
separa os dois grupos. O procedimento torna os testes que se seguem muito
rigorosos, visto que a variação da renda dos indivíduos está limitada pela
própria escolha dos casos. É provável, portanto, que, se estivéssemos
trabalhando com grupos sociais que abarcassem uma faixa mais ampla da
renda, as relações encontradas fossem ainda mais fortes.
A análise univariada indicou que dentre as cinco dimensões síntese das
redes - no de nós; coeficiente de clusterização; tamanho eficiente (Burt), no de
esferas e proporção de indivíduos da rede que é de fora do local de moradia -
apenas o no de esferas se encontra correlacionado com a renda de forma
significativa. O resultado aparece tanto na familiar per capita quanto na
familiar total (0,28 e 0,21 respectivamente, ambos significativos a 99%),
sugerindo que apenas a variabilidade da sociabilidade tem efeito direto sobre
a renda para o conjunto dos casos. Como veremos na próxima seção,
entretanto, algumas outras dimensões das redes podem exercer efeito sobre
conjuntos de casos específicos e sobreviver em uma análise multivariada.
Para avaliar a associação entre a presença de certos tipos de redes e
sociabilidade e a renda familiar per capita e total, utilizei testes de análise de
variância com os tipos de rede e sociabilidade. Tais testes indicaram, em
primeiro lugar, que não havia relação entre os tipos de redes e a renda nem a
familiar per capita, nem a familiar. Por outro lado, no que diz respeito à
sociabilidade, ficou evidenciada associação para certos tipos de
sociabilidade. Os indivíduos com sociabilidade do tipo 2 (baseada em família
e vizinhança), tenderam a apresentar rendas menores, tanto per capita
quanto total (a diferença é significativa a 5% de confiabilidade).
Numericamente, quem tem sociabilidade desse tipo tem em média renda de
R$ 225 contra R$ 325 da média dos indivíduos com outros tipos de
sociabilidade. Por outro lado, os indivíduos que têm sociabilidades que incluem
149
contextos organizacionais (igreja, trabalho e associativismo) - tipos 4, 5 e 6 -
tendem a ter rendimentos mais elevados do que os demais. A média de quem
tem sociabilidade desses tipos é de R$ 420 per capita, contra R$ 242 de quem
tem sociabilidade local e primária (1 a 3) A diferença é significativa a 99% de
significância. Por fim, vale destacar que a proporção dos vínculos que é
oriundo do contexto rede é altamente correlacionada com a renda, tanto
familiar quanto per capita (correlações de 21 e 22%, significativas a 95% de
confiabilidade).
Portanto, embora os tipos de redes não produzam efeitos sobre a
renda, a diversidade da sociabilidade, assim como alguns de seus tipos, têm
associação significativa com o rendimento dos indivíduos. Quanto mais
diversificada, menos primária e local for a sociabilidade, maiores tendem a ser
os rendimentos.
Mas, como já vimos em capítulos anteriores, as medidas de rede e os
diversos indicadores sociais se encontram correlacionados. Assim, de que
maneira essas variáveis e outros indicadores sociais influenciam conjuntamente
a renda? Para analisar de forma combinada as influências das variáveis sociais
e dos indicadores de rede sobre a renda, procedi a uma série de análises
multivariadas utilizando modelos GLM (General Linear Model). Esse tipo de
modelo estatístico permite a análise da variabilidade de uma variável
dependente contínua a partir do estudo tanto de variáveis categóricas
(consideradas como fatores), como contínuas (consideradas como
covariáveis). Quando as preditoras são todas variáveis categóricas, o modelo
realiza uma Anova; quando as preditoras são todas variáveis contínuas o
modelo realiza uma análise de regressão; e quando existe uma combinação
de preditores categóricos e contínuos, realiza-se uma Ancova. O modelo
assume a linearidade dos efeitos das variáveis independentes sobre a
dependente, assim como a existência de igualdade de variâncias entre as
variáveis independentes.
A vantagem desse tipo de procedimento sobre a análise de regressão
convencional está em que o procedimento considera os fatores como
variáveis categóricas efetivamente, ao invés de os recodificar em uma ou
mais variáveis “dummy”. Dadas as premissas de normalidade das variáveis
150
dependente e de linearidade, utilizei como variáveis dependentes os
logaritmos neperianos da renda e da renda familiar mensal per capita (Ln).
Mais adiante, para melhorar a compreensão dos resultados, apresento os
resultados convertidos para a renda familiar per capita em Reais.
Após a realização de uma série de testes e de modelos incluindo
variáveis sócio-econômicas, de sociabilidade e de redes, cheguei ao que se
segue. O modelo executa um teste específico para avaliar a violação da
suposição de igualdade das variâncias das variáveis independentes. No nosso
caso, o modelo rejeitou a hipótese nula de que as variâncias são diferentes
permitindo, portanto, que aceitemos os resultados obtidos.58 Quatro casos
foram excluídos na análise por distarem mais de 3 desvios-padrão dos valores
esperados (casos 60, 142, 145 e 146), resultando em 108 casos na análise. As
duas últimas colunas apresentam as informações relativas aos coeficientes do
modelo ajustado, visto que a variável dependente entra como logaritmo
neperiano.
Tabela 9. Resultados do modelo GLM da renda familiar per capita (Ln)
Efeitos entre
sujeitos Parâmetros estimados
F Sig. B Erro
padrão
Efeito (%) na renda da mudança de 1 unidade da variável independente com
as demais constantes
Modelo corrigido 26,895 0,000 Intercepto 1584,039 0,000 6,269 0,173 Pessoas no domicílio 70,083 0,000 -0,255 0,030 -22,5% Anos de estudo 7,886 0,006 0,035 0,013 3,6% Rede 3 ou 4 e sociabilidade 4, 5 ou 6 4,842 0,030 0,255 0,116 29,0% No de nós 4,727 0,032 0,008 0,002 0,8% Interação entre Rendimento estável e no de nós 18,577 0,000 0,007 0,002 0,7%
Obs.: N = 108 casos; R2 de 0,571 e R2 ajustado de 0,550
Como podemos ver, apresentaram significância estatística na
explicação da renda familiar per capita variáveis tradicionais como o
tamanho do núcleo familiar (pessoas no domicílio) e a escolaridade do
58 A significância do teste de Levene foi de 0,391, rejeitando-se a hipótese de que as variâncias das variáveis independentes sejam diferentes e, portanto, levando à aceitação do modelo.
151
indivíduo. A primeira variável influencia negativamente o rendimento – quanto
maior o número de pessoas no domicílio, menor a renda per capita – e a
segunda influencia positivamente. O efeito do número de pessoas não é
apenas numérico (embora essa variável entre no cálculo da variável
dependente), visto que no rendimento familiar total estão incluídas rendas de
outras pessoas que não o entrevistado e que as redes dão acesso a mais
pessoas do que apenas ao ego. O que o modelo nos informa é que os efeitos
de agregação das redes e das rendas não compensam o efeito de
dependência, e à medida que cresce o número de pessoas em um domicílio,
a quantidade de dependentes cresce mais rápido do que a entrada de outros
geradores de renda e a agregação de outras redes. Como podemos observar
na última coluna, cada indivíduo a mais no domicílio retira em média 22,5% da
renda, enquanto cada ano de estudo a mais acrescenta 3,6%. Esse é
evidentemente um raciocínio hipotético que tem por objetivo apenas
comparar o efeito relativo das diversas variáveis independentes sobre a
dependente. As variações indicadas, portanto, consideram que só varie uma
única variável por vez, permanecendo todas as demais constantes.
O modelo inclui também duas variáveis de rede – o número de nós e
uma variável dummy que especifica a situação do indivíduo ter ou não rede
dos tipos 3 ou 4 e ao mesmo tempo sociabilidade dos tipos 4, 5 ou 6. Como
vimos, as redes 3 e 4 apresentam tamanho médio, mas variabilidade da
sociabilidade grande e baixo localismo. As sociabilidades 3 e 4, por outro lado,
estão associados a um padrão relacional mais intenso constituído em esferas
onde organizações são importantes – igreja, trabalho e associativismo. O efeito
de ambas as variáveis é positivo, indicando que a renda tende a ser mais
elevada para indivíduos com redes maiores, assim como para quem tem ao
mesmo tempo sociabilidade em ambientes organizacionais e pouco local e
primária e redes de tamanho médio, grande variabilidade de sociabilidade e
baixo localismo. Como podemos ver na última coluna, o efeito de o indivíduo
ter rede e sociabilidade do tipo descrito é muito elevado e acrescenta 29% da
renda. O coeficiente da variável número de nós, por outro lado, sugere que
cada nó a mais na rede acresce em média 0,8% na renda. O efeito do tipo de
rede e sociabilidade é o correspondente a 30 novos nós na rede ou a 7 anos
de estudo. Entretanto, temos que ter em mente que o tipo de rede e
152
sociabilidade assume apenas os valores 0 e 1 e a de anos de estudo varia
entre 0 e 12 anos, enquanto o número de nós varia entre 4 e 148. Assim, uma
variação de 10 no número de nós corresponde aproximadamente à mesma
variação que 2 anos de estudo, caso cada uma das variáveis varie
separadamente e todas as demais permaneçam constantes.
Vale dizer que cada uma das sociabilidades separada não apresentou
significância estatística, sugerindo que a dimensão que influencia a rede é
exatamente a destacada no capítulo anterior ligada à existência de um
padrão de sociabilidade menos local, menos primário (como família,
vizinhança e amigos) e mais associado a ambientes organizacionais. A
variabilidade da sociabilidade medida pelo número de esferas da rede
também apresenta significância, mas apenas quando substitui a variável
“rede 3 ou 4 e sociabilidade 4, 5 ou 6”.
Por fim, vale um comentário detalhado sobre a última variável - um
termo de interação entre rendimento estável e número de nós. A variável
“rendimento estável” é uma variável “dummy” que tenta capturar as
situações de remuneração que garantem fluxos de rendimentos mais ou
menos regulares. Não se trata exatamente de condição na ocupação ou
inserção no mercado de trabalho, já que estão englobadas as situações de
trabalho com carteira, doméstico ou não, ser proprietário de negócio próprio
e ser aposentado. Os indivíduos sem rendimento estável são os indivíduos
desempregados, empregados sem carteira (domésticos ou não) e pessoas
que afirmam viver de bicos. A variável apresenta interação significativa (e
positiva) com o tamanho das redes, mas a análise mostrou que um termo de
interação de rendimento estável com número de nós também apresentava
significância e aumentava a explicação do modelo, embora tornasse a
variável original de rendimento estável não significativa. Dado o aumento da
explicação, optei por manter a interação ao invés da variável original.
A sua interpretação também é muito interessante. Como o “rendimento
estável” assume o valor 1 para quem tem rendimento estável e 0 para os
demais, a entrada da variável de interação no modelo nos informa que para
além do efeito direto do número de nós da rede sobre a renda, quando os
indivíduos têm fonte estável de rendimento, o número de nós ainda exerce um
efeito adicional. O efeito do termo de interação não é nem um pouco
153
desprezível e cada nó a mais em indivíduos com rendimento estável
acrescenta 0,7% da renda, praticamente dobrando o efeito da variável
número de nós destacado anteriormente (0,8%). Apenas para termos um
parâmetro de comparação, para quem tem rendimento estável, cada 10 nós
na rede correspondem a 15% de aumento na renda. Trata-se do mesmo
efeito, em média, do que quatro anos a mais de estudo, variando cada
variável de forma independente e permanecendo todas as demais
constantes.
Resultados muito similares foram obtidos com a renda familiar ao invés
da renda familiar per capita no modelo, embora com explicação menor. É
importante destacar que a variável segregação não apresentou significância.
As escolhidas, entretanto maximizam a explicação do modelo, chegando a
um R2 ajustado de 0,55. Como não estou interessado em prever resultados,
mas apenas em avaliar a influência conjunta dos processos e variáveis sobre a
rede, o resultado pode ser considerado amplamente satisfatório.
Portanto, a renda dos indivíduos está associada à sua escolaridade, à
quantidade de pessoas residindo no domicílio e ao fato do indivíduo ter uma
condição na ocupação que lhe garante um rendimento regular. Entretanto,
os padrões relacionais dos entrevistados também influenciam em seus
rendimentos, que tendem a ser influenciados positivamente pelo tamanho das
redes pessoais e pelo tipo de sociabilidade na qual os indivíduos se engajam.
Quando as fontes de rendimento são estáveis, o efeito do tamanho da rede é
ainda maior e tem um efeito duplicado. Indivíduos com padrões de
sociabilidade muito locais e primários, assim como redes pequenas, tendem a
ter rendimentos menores.
5. Sumarizando os efeitos das redes
Ao longo desse capítulo avaliamos o efeito das redes sobre algumas
dimensões sociais básicas utilizadas usualmente para caracterizar as situações
de pobreza, privação e vulnerabilidade social. Considerando a quantidade de
evidências apresentadas, procederei a uma rápida consolidação do que
observamos.
154
Em primeiro lugar, com relação ao emprego, a análise indicou que estar
empregado tende a ser influenciado positivamente pela eficiência das redes
egocentradas dos indivíduos, pela variabilidade de sua sociabilidade e pelo
tamanho das redes, embora nesse caso a evidência não seja tão forte. Além
disso, redes com sociabilidade do tipo 5 tendem a estar mais associadas com
o status de estar empregado, embora aqui não seja claro o sentido da
causalidade, visto que a sociabilidade do tipo 5 envolve justamente ter
relações intensas com pessoas na esfera do trabalho. Quando o status de
emprego é analisado contra um conjunto de variáveis e processos, o que se
destaca com maior confiabilidade estatística é a variabilidade da
sociabilidade dos indivíduos medida pelo número de esferas. Variáveis
tradicionais do tratamento do tema, como escolaridade, idade e renda,
apresentam menor confiabilidade ou não se mostraram relevantes.
Por outro lado, a análise dos condicionantes dos indivíduos terem
emprego que fornece maior proteção sugeriu que essa condição é mais
influenciada pela alta variabilidade da sociabilidade, assim como por padrões
de sociabilidade pouco locais e primários e mais baseados em ambientes
institucionais (4 a 6). Nesse caso, a presença de sociabilidade local e primária
(tipo 2) chega a ter efeito negativo sobre a probabilidade de se alcançar
empregos protegidos. Quando tomamos os efeitos conjuntos das variáveis
relacionais e sócio-econômicas, o mais relevante é que indivíduos tenham
sociabilidades com parcela significativa em ambientes institucionais (tipos 4 e
5). A exemplo do caso anterior, variáveis tradicionais como renda e
escolaridade aparentemente não exercem influência sobre a obtenção de
emprego mais protegido, ou a exercem com menor intensidade.
Em seguida, submeti as situações de precariedade social ao mesmo tipo
de análise. As situações de precariedade indicam condições limites, inferiores
às dos demais indivíduos pobres e marcadas por extrema vulnerabilidade
social. Nesse caso, apenas os tipos de sociabilidade se mostraram relevantes,
tanto nas análises univariadas quanto nas multivariadas. De uma forma geral,
portanto, podemos dizer que sociabilidades locais e primárias estão mais
frequentemente associadas a situações de precariedade e tipos de
sociabilidade em ambientes mais institucionais (de 4 a 6) parecem estar muito
mais associados a condições de não precariedade.
155
A renda é a dimensão mais frequentemente associada a situações de
pobreza e privação. Ao analisarmos os condicionantes dos rendimentos, a
importância dos padrões relacionais voltou a aparecer, sugerindo que a renda
tende a ser positivamente influenciada pela variabilidade social na rede
(número de esferas). Similarmente, padrões de sociabilidade mais locais e
primários impactam negativamente a renda e, em oposição, os menos locais
e menos primários têm forte efeito positivo a favor da renda. Quando levamos
em conta diversas dimensões sociais em conjunto em uma análise
multivariada, o tamanho do domicílio (capturado pela variável “pessoas no
domicílio”) e a escolaridade do indivíduo se mostram significativas. Entretanto,
três outras variáveis associadas às redes também se mostraram relevantes – o
tamanho da rede (medido pelo número de nós), o tipo de rede e de
sociabilidade (redes médias e variadas e com sociabilidade pouco local e
primária), e a interação entre ter rendimento estável e o tamanho da rede.
Essa última variável sugere que para quem tem rendimento estável, o
tamanho da rede oferece ainda um acréscimo nos rendimentos, para além
do efeito do tamanho sobre o rendimento já considerado para o conjunto dos
casos.
De uma forma geral, portanto, a análise demonstrou a relevância de
dimensões relacionais para a explicação de alguns dos elementos mais
frequentemente associados à pobreza e a privação social. Isso ocorreu
mesmo na presença de variáveis tradicionais da investigação sócio-
econômica como a renda, a escolaridade e a estrutura etária.
Assim, as presenças de emprego, de emprego protegido e de
precariedade social são influenciadas em especial por dimensões relacionais
ligadas à variabilidade da sociabilidade e à sociabilidade em ambientes
institucionais. No que diz respeito à renda, a análise multivariada indicou que
para além de variáveis tradicionais como o tamanho do domicílio, a
escolaridade dos indivíduos e a presença de atividades que forneçam
rendimento estável, importam para os rendimentos o tamanho das redes e
uma combinação de redes médias com sociabilidade variada, pouco local e
concentrada em ambientes institucionais e organizacionais.
156
Conclusão
Ao longo dos vários capítulos anteriores, acompanhamos as principais
características das redes de indivíduos em situação de pobreza, os seus
condicionantes mais importantes, os tipos de redes e sociabilidade existentes e
as conseqüências sociais das redes pessoais para os indivíduos em situação de
pobreza. Como vimos, embora as redes sejam marcadas por elevada
heterogeneidade, certos tipos de rede e de sociabilidade apresentam grande
influência sobre as condições de vida e de pobreza dos indivíduos, sugerindo
a importância da incorporação do estudo da sociabilidade nas análises sobre
a pobreza. Nessa conclusão, retomarei os principais achados, articulando-os
com os debates da pobreza, da segregação e das redes, quando relevante.
Em primeiro lugar, é preciso registrar que quando comparadas com as
redes de classe média, as redes pessoais de indivíduos pobres tendem a ser
menores, menos coesas, mais locais e menos variadas em termos de
sociabilidade. Apesar disso, elas variam substancialmente entre si, sendo
bastante difícil encontrar relações diretas entre variáveis sócio-econômicas e
padrões de relação. Os principais efeitos de condicionantes sócio-econômicos
sobre as redes são os que se seguem.
Vimos que embora tenhamos trabalhado com indivíduos no interior da
pobreza, os dados mostraram que os mais pobres dentre os pobres têm redes
com menor variabilidade da sociabilidade e localismo mais elevado. Esses
resultados reforçam a relevância do mecanismo da economia dos vínculos.
Segundo esse, o custo de criar, e em especial manter vínculos, levaria a que
indivíduos de menores rendimentos tivessem redes menores e mais pobres
social e espacialmente. A escolaridade tem aparentemente um efeito similar,
embora independente, mesmo que controlada pela renda. Indivíduos com
escolaridade mais elevada, mesmo dentre os mais pobres, tendem a ter redes
mais ricas e menos locais em termos de vínculos, reforçando a idéia presente
157
na literatura internacional que atribui um papel importante ao ambiente
escolar na construção de vínculos sociais diversificados. A existência dessas
duas dinâmicas combinadas (visto que renda e escolaridade se encontram
altamente correlacionadas) cria provavelmente importantes efeitos de
circularidade na perpetuação da situação social e relacional dos mais pobres,
com conseqüências importantes não apenas para a pobreza, mas também
para a desigualdade social. Padrões relacionais diferentes e atributos distintos
tendem a construir o tipo de reforço que caracteriza as “desigualdades
persistentes”, embora nesse caso não sejam necessariamente desigualdades
categoriais.
Em consonância com o descrito pela literatura internacional, o ciclo de
vida apresenta importantes efeitos sobre as redes, embora em nosso caso os
resultados apareçam apenas nos dois extremos da estrutura etária. A velhice
tende a reduzir as redes e a torná-las menos ricas em termos de sociabilidade,
mais locais e mais centradas na família. Os jovens, por outro lado, não têm
redes substancialmente diferentes dos demais indivíduos (ao contrário do que
sustenta a literatura), mas têm uma sociabilidade mais centrada nos estudos e
na amizade. A análise posterior dos tipos de rede sugeriu ainda que idosos e
jovens estão associados a duas situações relacionais típicas, com
respectivamente tamanhos muito pequeno e bastante grande, mas ambas
com sociabilidade local e bastante homofílica.
Embora a pequena participação dos indivíduos em associações não
nos permita concluir o seu efeito sobre as redes, a freqüência a templos (mas
não a adesão a credos religiosos) tem efeitos sobre as redes. As pessoas que
freqüentam intensamente templos religiosos (menos do que quinzenalmente)
tendem a ter maior diversidade de sociabilidade, mesmo quando as
diferenças são controladas por rendimento. O efeito tende a desaparecer
quando controlado pela sociabilidade (mas não pela renda), o que nos
impede de separar completamente os dois efeitos.
O sexo dos indivíduos tende a não produzir efeitos significativos sobre as
redes, embora as mulheres tendam a ter sociabilidade mais diversificada e
menos associada ao lazer e mais à igreja. A aquisição de nós por redes é mais
freqüente para as mulheres e a de contexto familiar para os homens. A maior
parte dessas diferenças, entretanto, desaparece quando se compara homens
158
e mulheres que trabalham fora do local de moradia, sugerindo que as
diferenças não se ligam a sociabilidades distintas em si, mas a diferentes
inserções sociais nas esferas pública e privada.
Tampouco foram encontradas diferenças organizadas segundo o status
migratório, embora os não migrantes tendam a ter redes egocentradas mais
estruturadas do que as dos migrantes, em especial dos antigos. Além disso, as
redes dos migrantes têm mais pessoas na esfera da família e menos nas esferas
das amizades e dos estudos. O processo de adaptação das redes após a
migração tende a ocorrer de forma bastante rápida para a maioria dos
indivíduos, embora cerca de 10% dos entrevistados mantivessem muitos
conterrâneos em suas redes, mesmo depois de muitos anos da chegada a São
Paulo. Nesses casos, se tratava principalmente da presença de conterrâneos
nas áreas estudadas, conformando verdadeiras comunidades transplantadas
(por vezes de locais muito pequenos, sendo a vizinhança mantida no local
estudado em São Paulo).
Por fim, confirmando resultados prévios presentes na literatura, a
relação entre espaço urbano e redes indicou que as redes de indivíduos
pobres são marcadas por intenso localismo. No caso da classe média, não há
praticamente nenhum localismo ou vizinhos nas redes, e a própria idéia de
comunidade ou de dentro/fora não fazia sentido algum. Os indivíduos de
classe média constroem suas redes em espaços geográficos muito mais
amplos, incluindo laços por toda a cidade, mas também em outras cidades ou
países, em um padrão próximo ao que Wellman denomina de comunidades
pessoais desterritorializadas. O mundo social dos pobres, entretanto, é
inteiramente diferente do descrito por essa categoria, e se caracteriza por
intenso localismo.
A hipótese inicial de um efeito direto da segregação social no espaço
sobre as redes, entretanto, não se verificou, e a segregação
(macrosegregação, na escala da cidade) parece não impactar o tamanho, a
coesão e a estrutura das redes. Apesar disso, indivíduos de locais mais
segregados tendem a ter redes com localismo mais reduzido, em especial se o
local de moradia é de pequena escala. Assim, se há efeito da segregação
sobre as redes, parece operar no sentido de tornar a sociabilidade mais ampla
159
em termos urbanos e, talvez, mais diversificada, favorecendo as redes de
locais mais segregados.
Portanto, os resultados sugerem que a relação entre segregação e
redes é mais complexa do que descrito pela literatura e do que formulado em
minha hipótese inicial. Embora as redes não variem substancialmente segundo
o grau de segregação dos locais estudados, aparentemente ajudam a
integrar uma parte dos indivíduos que estão segregados.
Considerando a variabilidade encontrada nas redes, a estratégia que
segui para analisá-las foi a construção de tipologias. O Capítulo 4 foi dedicado
a essa tarefa, incluindo a construção de duas tipologias – das redes dos
indivíduos pobres e dos seus padrões de sociabilidade. Os achados indicam
que embora as redes de indivíduos em situação de pobreza sejam em geral
menores, mais locais e menos variadas do que os de indivíduos de classe
média, também se observam redes grandes e de sociabilidade mais variada,
assim como redes menores e com isolamento urbano significativo. O
interessante a observar é que o tamanho, a variabilidade da sociabilidade e o
localismo não caminham juntos, e as redes maiores são muito locais e
apresentam baixa variabilidade da sociabilidade. Essas duas características
também estão presentes nas redes muito pequenas, sendo as de tamanho
médio as que apresentam menor localismo e maior variabilidade social. No
que diz respeito à sociabilidade dos mais pobres, os dados também sugerem a
existência de padrões muito diversificados. Se por um lado podemos notar a
existência de padrões de sociabilidade muito locais e baseados em vínculos
primários (basicamente família, vizinhança e amizades), uma parte significativa
das redes apresenta sociabilidade pouco local e produzida substancialmente
em ambientes organizacionais ou institucionais (trabalho, igreja,
associativismo).
O cruzamento dessas heterogeneidades, ao mesmo tempo em que
confirmou a heterogeneidade das redes, sugeriu a existência de padrões
relacionais amplos, com sociabilidade variada e homofilia potencialmente
menor. As conseqüências da presença desses padrões relacionais para os
indivíduos se fizeram sentir na análise do capítulo seguinte. Depois de
compreender a variabilidade das redes e da sociabilidade, restava a tarefa
fundamental de especificar os efeitos dessas variabilidades sobre as condições
160
sociais e a pobreza. A análise empreendida no último capítulo abordou a
questão, ao investigar o efeito das redes e da sociabilidade sobre o emprego,
a precariedade social e os rendimentos.
Com relação ao emprego, a análise indicou que o status de estar
empregado tende a ser influenciado positivamente pela eficiência das redes
egocentradas, pela variabilidade de sua sociabilidade e pelo tamanho das
redes, embora nesse caso a evidência não seja tão forte. Além disso, redes
com sociabilidade pouco local e construída em ambientes organizacionais
tendem a estar mais associadas com o status de estar empregado. Quando o
emprego é analisado contra um conjunto de variáveis e processos, o que se
destaca com maior confiabilidade estatística é a variabilidade da
sociabilidade dos indivíduos medida pelo número de esferas, ao contrário de
variáveis tradicionais do tratamento do tema, como escolaridade, idade e
renda, que se mostraram significativas.
O mesmo tipo de resultado é alcançado se consideramos os
condicionantes de ter emprego que fornece maior proteção. A análise
indicou que esse tipo de emprego está mais presente em indivíduos com alta
variabilidade da sociabilidade, assim como entre as pessoas que têm s pouco
locais e primárias e mais baseados em ambientes organizacionais. Além disso,
a existência de uma sociabilidade muito local e primária chega nesse caso a
ter efeito negativo direto sobre a probabilidade de se alcançar empregos mais
protegidos. Quando as variáveis são consideradas conjuntamente, o que se
mostra relevante é que indivíduos tenham sociabilidades com parcela
significativa em ambientes institucionais. Variáveis tradicionais como renda e
escolaridade não exercem influência significativa, a exemplo do obtido com
relação ao emprego em geral.
A análise das situações de precariedade social leva a conclusões na
mesma direção. A presença de situações desse tipo está novamente
associada aos tipos de sociabilidade e, a exemplo dos resultados anteriores, a
existência de sociabilidades locais e primárias está mais frequentemente
associada a situações de precariedade. As sociabilidades em ambientes mais
institucionais, ao contrário, parecem estar muito mais associadas a condições
de não precariedade.
161
Por fim, analisei o efeito conjunto das redes, da sociabilidade e de
indicadores sociais tradicionais sobre o rendimento dos indivíduos. Os
resultados reafirmaram a importância dos padrões relacionais, sugerindo que
a renda tende a ser positivamente influenciada pela variabilidade social na
rede, assim como pelos padrões de sociabilidade (mais locais e primárias
impactam negativamente a renda e menos locais e menos primárias tem forte
efeito positivo na renda). Quando considerei as diversas dimensões em
conjunto, se mostraram significativas o tamanho do domicílio e a escolaridade
dos indivíduos, dentre as variáveis mais tradicionais. Além disso, entretanto, três
outras variáveis associadas às redes também se mostraram relevantes – o
tamanho da rede, o tipo de rede e de sociabilidade (redes médias e variadas
e com sociabilidade pouco local e primária) e um termo de interação entre
ter rendimento estável e o tamanho da rede. A interação nos indica a
existência de um reforço do efeito do tamanho das redes para os indivíduos
co rendimento estável, para os quais ter redes maiores traz efeitos ainda mais
fortes. A análise dos coeficientes da análise multivariada sugere que o efeito
das variáveis de rede é bastante grande e comparável inclusive com o das
variáveis tradicionalmente consideradas pela literatura.
O conjunto dos resultados sugere, portanto, a relevância da
sociabilidade e dos padrões de relação para a explicação das situações de
pobreza e privação social, para além da investigação dos atributos dos
indivíduos (ou da associação desses com as relações, visto que as direções
das causalidades não se encontram muito claras). A incorporação de tal
dimensão não envolve apenas a simples adição de mais um elemento, mas a
realização de um deslocamento de foco que abandone a ontologia atomista
da reprodução social dos mais pobres considerada por parte expressiva da
literatura atual. Apenas com isso será possível integrar o estudo dos pobres aos
estudos sobre a pobreza.
Essa questão tem conseqüência práticas importantes, visto que as atuais
políticas de combate à pobreza são baseadas em nossas representações
sobre o fenômeno. No que diz respeito às políticas públicas, o estudo sugere
várias conseqüências, embora para que compreendamos mais precisamente
o fenômeno seja necessária a replicação de estudos como esse em outros
contextos sociais, assim como análises específicas do impacto das políticas
162
públicas sobre os padrões relacionais. É possível, entretanto, adiantar alguns
elementos a partir dos resultados que sugerem direções para a ação, assim
como advertências de como não proceder.
Em primeiro lugar, embora esse destaque seja praticamente evidente, é
importante ressaltar que os elementos discutidos a seguir não significam de
forma alguma uma substituição das políticas sociais tradicionais. Além da
importância das redes, os dados analisados reafirmaram a importância das
políticas sociais universais para a superação da pobreza. Essa influência se fez
presente em termos diretos, como no caso da relação entre educação e
rendimentos, mas também de forma indireta, pelo efeito sobre as redes de
condicionantes sociais que são, por sua vez, impactados pelas políticas.
Adicionalmente, é necessário destacar a centralidade das dinâmicas do
mercado de trabalho, em especial da promoção de emprego mais estável e
protegido, como de resto já seria de se esperar. O combate à pobreza não
pode de forma alguma prescindir das políticas sociais mais tradicionais, assim
como de políticas macro-econômicas que promovam empregos de boa
qualidade. Se essas dimensões são importantes em geral, se tornam ainda
mais fundamentais nos locais com grande concentração de pessoas em
situação de pobreza, em especial em locais segregados. A redução das
grandes desigualdades de atributos entre grupos sociais que marca a nossa
formação social é absolutamente essencial para a promoção de maior justiça
social e menores patamares de pobreza e desigualdade.
Em um sentido muito geral, vale também destacar que a absorção das
redes nas políticas aponta para considerá-las em todas as iniciativas do Estado
de forma difusa, incorporando interpretações relacionais nas políticas. Essa
dimensão diz respeito tanto a políticas sociais tradicionais, como educação e
saúde, quanto às desenvolvidas mais recentemente, como as de transferência
direta de renda e micro-crédito, entre outras. Como os processos de
reprodução social acontecem atrás das redes, a sua incorporação nas
políticas é fundamental para que essas possam levar em conta as dimensões
relacionais na sua operação e em seu funcionamento. A especificação de
como isso deve ser feito em cada caso depende da realização de estudos
empíricos sobre as redes em políticas específicas, de maneira a que possamos
compreender melhor a interação entre, de um lado, os elementos relacionais
163
e cada problema social e, de outro, entre aqueles mesmos elementos e as
intervenções produzidas pelas iniciativas estatais.
Entretanto, como vimos, as redes influenciam a presença de situações
de pobreza e, portanto, as políticas públicas podem interagir diretamente com
elas e considerá-las efetivamente. Primeiramente, as políticas podem tirar
proveito, para a sua implementação, de determinados tipos de redes
individuais existentes em comunidades pobres. Isso é algo que certos setores
de formulação de políticas já descobriram, mas que apenas começa a ser
disseminado. Dado que algumas redes apresentam padrões importantes de
penetração no tecido relacional das comunidades, a sua integração às
políticas do Estado pode ajudar a lhes dar maior resolutividade, tanto fazendo
as políticas chegarem aos seus usuários de forma mais precisa (como no caso
das políticas de combate à Aids no Brasil em período recente), quanto
ajudando a customizá-las, inclusive em termos de linguagem, mediando
culturalmente as relações entre o Estado e as comunidades (como no caso
dos agentes comunitários de saúde e do programa de saúde da família). O
sucesso dessa estratégia, entretanto parece depender da mobilização dos
indivíduos “certos” no interior das comunidades, dada a grande
heterogeneidade dentre as redes existentes.
Além disso, parece fazer sentido a idéia de se produzirem iniciativas de
combate à pobreza que envolvam o incentivo à constituição de certos tipos
de rede, embora os efeitos dessas iniciativas tendam a ser provavelmente
muito mais lentos do que se considera usualmente. Políticas desse tipo podem
produzir efeitos ao incentivar os indivíduos a interagir e a construir laços,
expandido suas redes. Entretanto, os resultados da pesquisa sugerem várias
advertências com relação a este ponto. Não se trata de incentivar apenas a
constituição de vínculos em geral, pois redes grandes, mas locais e baseadas
em vínculos primários, pouco ou nada contribuem para a mudança na
situação social dos indivíduos. Esse elemento é importante, pois na maior parte
das iniciativas existentes atualmente as ações passam pela densificação do
tecido social local visando o fortalecimento comunitário. A acreditar nos
resultados apresentados (e seguindo a literatura internacional), esse tipo de
iniciativa pode até ajudar a tornar a comunidade mais cívica, mas não
auxiliará os seus moradores a melhorarem as suas situações sociais.
164
Dependendo dos objetivos das políticas, redes diferentes devem sem
incentivadas de forma diferenciada.
Os únicos indivíduos que tendem a ser beneficiados por iniciativas
meramente locais (e homofílicas) são os praticamente isolados (como os
idosos), cujas redes são tão pequenas que a sua mera ampliação já pode
trazer efeitos importantes em termos de acesso e apoio social. É basicamente
nessa direção que vão as iniciativas de promoção de locais de encontro e
interação para idosos promovidos atualmente pelo poder público e por
organizações assistenciais.
Para o caso dos jovens, diferentemente, a questão do tamanho não
parece ser muito relevante, visto que esses indivíduos já tendem a ter redes
grandes, mas predominantemente locais e homofílicas. Nesse caso, a questão
pode passar pelo incentivo a contatos externos à comunidade. Dado que ao
contrário dos idosos esses indivíduos ainda utilizarão suas redes ao longo de
toda a vida, incentivar a constituição de vínculos menos locais e homofílicos
para esses indivíduos pode ser estratégico a médio prazo. Essa estratégia é
possível em especial pela intensa sociabilidade que marca o universo dos
jovens, mas que usualmente se restringe às esferas da família e da vizinhança.
Nesse caso, conjuntamente com a promoção de contatos externos, talvez
seja central propiciar a redução dos custos de se manter contatos, como
comentarei a seguir.
Para a maior parte dos indivíduos, por outro lado, a constituição de
iniciativas públicas de combate à pobreza ligadas às redes deve fomentar
vínculos não locais e de menor homofilia, como os constituídos em ambientes
institucionais. Nos locais segregados, onde, como vimos uma parte importante
dos indivíduos tem redes com menor localismo, seria necessário incentivar o
desenvolvimento de redes não locais para conjuntos mais amplos de
indivíduos, assim como reduzir os custos de manter contatos.
Nessa direção, um elemento central completamente ausente nas atuais
iniciativas públicas parece dizer respeito ao fato de que a criação de vínculos
não locais e pouco primários pode também não ser suficiente para lidar com
a questão. Se o mecanismo de economia dos vínculos já discutido é
realmente relevante, um outro esforço importante a ser realizado passa pela
redução dos custos de manutenção de vínculos, em especial os menos locais
165
e de menor homofilia, que além de mais importantes tendem a ser destruídos
mais facilmente. Nesse caso trata-se de evitar que o processo constante de
destruição de parcelas da rede não continue a operar, ou opere de forma
mais tênue, gerando uma acumulação de vínculos mais próxima da
observada em grupos sociais não pobres. Para isso, a redução dos custos de
comunicação e de deslocamento parece ser uma chave para o
desenvolvimento e a manutenção de redes mais ricas e diversificadas entre os
mais pobres.
Além disso, os resultados apresentados indicam que as redes resultam
de processos lentos e longos de acumulação e quebra de vínculos e,
portanto, programas públicos que pretendam dinamizar as redes devem ser
duradouros, baseados em estruturas de implementação institucionalizadas e
provavelmente somente produzirão efeitos em prazos relativamente longos.
Gostaria de finalizar apontando o que acredito ser uma agenda de
pesquisa que se abre para estudos futuros. Ao menos quatro linhas de
investigação merecem citação, focando respectivamente a variabilidade, o
uso e a dinâmica das redes, assim como a sua interação com as políticas do
Estado. Em primeiro lugar, vale mencionar a reprodução deste estudo
focando condições de pobreza diferentes das estudadas aqui, inclusive sob o
ponto de vista espacial. Apenas com uma grande quantidade de casos
estudados teremos conhecimento mais sistemático sobre a variabilidade do
fenômeno. Além disso, mesmo que conheçamos as redes em detalhes,
podemos saber pouco sobre o seu uso. Consequentemente, é preciso que se
desenvolvam pesquisas qualitativas, inclusive etnográficas e de observação
direta, que investiguem de que maneira as pessoas mobilizam as redes em
suas práticas cotidianas e em suas estratégias de sobrevivência. Um terceiro
tema importante a aprofundar diz respeito à transformação das redes ao
longo do tempo, o que depende da construção de desenhos de pesquisa
longitudinais. Por fim, uma quarta área de estudos enfoca a interação entre
redes sociais e políticas públicas, investigando a importância das redes no
desenrolar das políticas e, inversamente, o efeito das políticas sobre as redes
de relações.
166
Bibliografia Almeida, R. e D´Andrea, T. 2004. “Pobreza e redes sociais em uma favela
paulistana”. In: Revista Novos Estudos, No 68. Arretche, M. 2000. Estado federativo e políticas sociais. Rio de Janeiro: Ed.
Revan. Baltar, P. 2002. Mercado de trabalho na região metropolitana de São Paulo:
modificações na estrutura ocupacional. Trabalho apresentado no XIII Encontro nacional da Abep realizado em Caxambu.
Baltrusis, N. 2005. Mercado imobiliário informal e o processo de estruturação da cidade: um estudo sobre a comercialização de imóveis em favelas na região metropolitana de São Paulo. São Paulo: Fau/Usp, tese de doutorado.
Barros, Henriques e Mendonça, 2000. A estabilidade inaceitável: desigualdade e pobreza na Brasil. In: Henriques, R. (org.) Desigualdade e pobreza na Brasil. Rio de Janeiro: Ipea.
Barry, B. 2005. Why social justice matters. Londres: Polity. Bearman, P. e Parigi, P. 2004. “Cloning Headless Frogs and Other Important
Matters: Conversation Topics and Network Structure”. In: Social Forces - Volume 83, No 2.
Bearman, R, Moody, J e Stovel, K. 2004. “Chains of affection: the structure of adolescent romantic and sexual networks”. In: American Journal of Sociology, Vol. 100, No. 1.
Beggs, J. 1996. “Revising the rural-urban contrast – personal networks in nonmetropolitan and metropolitan settings”. In: Rural sociology, 61.
Berquó e Cavenaghi, 2006. “Fecundidade em declínio”. In: Novos Estudos Cebrap, No 74.
Bian, Y.; Breiger, R.; Davis, D. e Glaskiewicz, J. 2005. Occupation, class and social networks in urban China. In: Social Forces, 83(4)
Bichir, R. 2006. Segregação e acesso a políticas públicas no município de São Paulo. Dissertação de Mestrado apresentada ao Depto de Ciência Política – FFLCH-USP.
Bichir, R., Torres, H. e Ferreira, M. 2005. “Jovens no município de São Paulo – explorando os efeitos das relações de vizinhança”. In: Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, vol 6, nº 2.
Bidart, C. e Lavenu, D. 2005. “Evolution of personal networks and life events”. In: Social Networks, nº 27.
Bird, K. e Pratt, N. 2004. Fracture points in social policies for chronic poverty reduction. Londres: Overseas Development Institute/Chronic Poverty Research Centre, Working paper 242.
Blokland, T. 2003 Urban Bonds. Londres: Basil Blackwell. Bógus, L. e Taschner, S. 1999. “São Paulo como patchwork: unindo fragmentos
de uma cidade segregada”. In: Cadernos Metrópole, No 1. Boltvinik, J. 1998. Poverty measurement methods – an overview. Poverty
Elimination Programme, UNDP. http://www.eldis.org/static/DOC6775.htm
167
Bonduki, N. e Rolnik, R. 1982. “Periferia da Grande São Paulo – Reprodução do espaço como expediente de reprodução da força de trabalho”. In: MARICATO, E. A produção capitalista da casa e da cidade no Brasil industrial. São Paulo, Editora Alfa-Ômega, 2ª ed.
Borgatti, S. e Everett, M. 1998. “Network measures of social capital”. In: Connections 21(2).
Borgatti, S.; Everett, M. e Freeman, L. 2002. Ucinet for Windows: Software for Social Network Analysis. Harvard, MA: Analytic Technologies.
Brasileiro, A. (org). 1976. Região Metropolitana do Rio de Janeiro: Serviços de interesse comum. Brasília: IPEA/IBAM.
Briggs, X. 2001. Ties that bind, bridge and constrain: social capital and segregation in the American Metropolis. Artigo apresentado no seminário “Segregatiuon and the city”, realizado no Lincoln Institute for Land Policy.
Briggs, X. 2003. Bridging networks, social capital and racial segregation in America. Cambridge: KSG Faculty Research Working Paper Series.
Briggs, X. 2005. Social capital and segregation in the United States. In: Varady, D. (ed.) Desegregating the city. Albany: Suny Press.
Bueno, L. 2000. Urbanização de favelas. São Paulo: Fau/Usp, tese de doutorado.
Burt, R. 1992. Structural holes: the social structure of competition. Cambridge: Cambridge University Press.
Burt, R. 2004. “The network structure of social capital”. In: Sutton, R. e Staw, B. (org.) Research in Organizational Behaviour, Vol. 22.
Caldeira, T. 2000. Cidade dos Muros. São Paulo: Ed. 34.
Campbell, K. e Lee, B. 1992. Sources of Personal Neighbor Networks: Social Integration, Need, or Time? In: Social Forces, Vol. 70, No. 4, pp. 1077-1100
Carvalho, I.; Souza, Â. e Pereira, G. Polarização e segregação socioespacial em uma metrópole periférica. In: Cadernos CRH, V. 17, No 41, 2004.
Castells, M. 1983. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Cechi, C.; Molina, L. e Sabatini, F. s.d. Is social capital a policy tool against
poverty and inequality? A discussion of development strategies in rural India. Xerox. obtido em http://www.socialcapitalgateway.org.
Cem/Cebrap e Sas/Pmsp. 2004. Mapa da Vulnerabilidade Social da População da Cidade de São Paulo. São Paulo, Cem/Sas/Sesc.
Chinelli, F. 1980. “Os loteamentos da periferia”. In: Valladares, L. (org.) Habitação em questão. Rio de Janeiro: Zahar.
D´Andrea, T. 2004. Redes sociais em Cidade Tiradentes. Relatório parcial de Iniciação Científica. São Paulo: Cem/Cebrap-Fapesp.
Davis, M. 1992. A cidade de quartzo: escavando o futuro em Los Angeles. São Paulo: Scrita Ed.
De la Rua, A. 2005 “Processo de identificación política mediante redes transnacionales de amistad”. In: Porras, J. e Espinoza, V. Redes: enfoque y aplicaciones del análisis de redes sociales (ARS). Santiago: Universidad Bolivariana.
Dominguez, S. 2004. “Estrategias de movilidad social: el desarrollo de redes para el progreso personal”. In: Redes, Vol. 7 (1).
168
Dujisin, R. e Jariego, I. 2005 Las puentes interlocales: las redes personales de los universitarios alcalareños en Sevilla. In: Porras, J. e Espinoza, V. Redes: enfoque y aplicaiones del análisis de redes sociales (ARS). Santiago: Universidad Bolivariana.
Durham, E. 1988. “A sociedade vista da periferia”. In: KOWARICK, Lúcio (org.). As Lutas Sociais e a Cidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Durlauf, S. 2001. “The membership theory of poverty: the role of group affiliations in determining socioeconomic outcomes”. In: Danziger, S. e Haverman, R. (org.) Understanding poverty. New York: Russell Sage.
Durston, J. 2003. “Capital social: parte del problema, parte de la solución, su papel en la persistencia y en la superación de la pobreza en America Latina y Caribe”. In: Atria, R. et al. (org.) Capital social y reducción de la pobreza en America Latina y Caribe: en busca de un nuevo paradigma. Santiago do Chile: Cepal.
Elster, J. 1998. “A plea for mechanisms”. In: Hedstrøm, P. e Swedberg, R. (org.) Social Mechanisms: An Analytical Approach to Social Theory. Cambridge: Cambridge University Press
Emirbayer, M. 1997. “Manifesto for a relational sociology”. In: American Journal of Sociology, 103 (2).
Esping-Andersen, G. 2000. Fundamentos sociales de las economías postindustriales. Barcelona: Ariel.
Esping-Andersen, G. 2002. “Towards the good society, once again?”. In: Esping-Andersen, G. org. Why we need a new welfare state? Oxford University Press.
Faria, V. 1992. “A Conjuntura Social Brasileira: Dilemas e Perspectivas”. In: Novos Estudos CEBRAP, Nº 33.
Ferrand, A. 2002. Las comunidades locales como estructuras meso. In: Revista Redes, Vol 3, No 4.
Figueiredo, A., Torres, H. e Bichir, R. 2006. “A conjuntura social brasileira revistada”. In: Novos Estudos CEBRAP, nº 75, julho de 2006, p. 173-184.
Figueiredo, A., Torres, H., Limongi, F., Arretche, M., e Bichir, R. 2005. Relatório final do projeto “Projeto BRA/04/052 – Rede de Pesquisa e Desenvolvimento de Políticas Públicas: REDE-IPEA II”. Mimeo.
Filgueiras, F. 2004. Una mirada critica al “assets-vulnerability approach. Santiago do Chile: Cepal, xerox.
Fiori, J. e Kornis, G. 1994. “Além da queda: economia e política numa década enviesada”. In: Guimarães, R. e Tavares, R. Saúde e sociedade no Brasil dos anos 80. Rio de Janeiro: Relume Dumará.
Fontes, B. e Eichner, K. 2004. A formação de capital social em uma comunidade de baixa renda. In: Redes, Vol 7 (2).
Freeman, L. 2004. The development of social network analysis. Vancouver: Empirical Press.
Gomes, S. e Amitrano, C. 2005. “Local de moradia na metrópole e vulnerabilidade ao emprego e desemprego”. In: Torres, H. & Marques, E. São Paulo: segregação, pobreza e desigualdades sociais, Editora SENAC, São Paulo.
Grafimeyer, Y. 1996. “ La ségrégation spatiale”. In: Puagm, S. (org.) L’éxclusion – L´état des savoirs. Paris: Éditions la découverte.
169
Granovetter, M. 1973. “The strength of weak ties”. In: American Journal of Sociology. Vol 78, No 6.
Granovetter, M. 2000. A theoretical agenda for economic sociology. Stanford: mimeo.
Grossetti, M. 2005. “Where do social relations come from”. In: Social Networks, nº 27.
Guimarães, N. 2004. Transições ocupacionais e formas de desemprego em São Paulo e Paris. Trabalho apresentado no Seminário Estrutura social e segregação – São Paulo, Rio de Janeiro e Paris realizado no Cem/Cebrap.
Guimarães, N. e Picanço, M. 2006. Laços fortes e fracos na procura de trabalho. São Paulo: Cem/Cebrap, mimeo.
Guimarães, R. e Tavares, R. 1994. Saúde e Sociedade no Brasil dos anos 80. Rio de Janeiro: Relume-Dumará.
Hanneman, R. e Riddle, M. 2005. Introduction to social network methods. Riverside, CA: University of California, Riverside
Heinz, J.; Laumman, E.; Nelson, R. e Salisbury, R. 1997. The hollow core: private interests in national policy making. Cambridge: Harvard University Press.
Hestrom, P.; Sandell, R. e Stern, C. 2000. “Meso-level networks and the diffusion of social movements”. In: American Journal of Sociology, 106 (1).
Hoffmann, M. e Mendonça, S. 2003. “O mercado de trabalho na região metropolitana de São Paulo”. In: Estudos Avançados, 17 (47).
Jacobi, P. 1989. Movimentos sociais e Políticas Públicas: demandas por saneamento básico e saúde: São Paulo 1978-84. São Paulo: Ed Cortez.
Januzzi, P. e Januzzi, N. 2002. Crescimento urbano, saldos migratórios e atratividade residencial dos distritos da cidade de São Paulo: 1980-2000. Rio de Janeiro: mimeo.
Jargowsky, P. 1997. Poverty and Place: ghettos, barrios and the American city. Nova Iorque: Russel Sage.
Jariego, I. 2002. “Tipos de redes personales de los inmigrantes y adaptación psicológica”. In: Redes. Vol 1, No 1.
Jariego, I. 2003. A general typology of the personal networks of immigrants with less than 10 years living in Spain. Trabalho apresentado no XXIII Sunbelt Conference.
Jariego, I. 2006. Geografías del desorden – mallas de paisaje: el entramado de relaciones de los inmigrantes. Sevilla, mimeo.
Jha, S; Rao, V. e Woolcock, M. 2007. “Governance in the Gullies: democratic responsiveness and leadership in Delhi´s slums”. In: World development, vol. 35, No 2.
Johnson, J. 1994. “Anthropological contributions to the study of social networks: a review”. In: Wasserman, S. e Galaskiewicz (org.) Advances in social network analysis: research in the social and behavioral sciences. Nova Iorque: Sage Pub.
Johnson, R. e Wichern, D. 1992. Applied multivariate statistical analysis. New Jersey: Prentice Hall.
Kadushin, C. 1995 “Friendship Among the French Financial Elite”. In: American Sociological Review, 60.
170
Kadushin, C. 2004. “Some basic network concepts and propositions”. In: Introduction to Social Network Theory. Nova Iorque: CUNY, draft.
Kadushin, C. e Jones, D. 1992. “Social networks and urban neighborhoods in New York City”. In: City & Society, vol 6, nº1.
Kaztman, R, e Retamoso, A. 2005. Spatial segregation, employment and poverty in Montevideo. Santiago do Chile: Cepal, Review No 85.
Kaztman, R. 1999. La dimensión espacial en las políticas de la superación de la pobreza urbana. Montevideo: mimeo.
Knoke, D. 1990. Political networks: the structural perspective. New York: Cambridge University Press.
Kowarick, L. 1979. A espoliação urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra. Kuschnir, K. 2000. O cotidiano da política. Rio de Janeiro: Zahar Ed. Lago, L. 2002. “A lógica segregadora na metrópole brasileira: novas teses sobre
antigos processos”. In: Cadernos IPPUR, Ano XV/XVI. Número especial: “Planejamento e Território: ensaios sobre a desigualdade”.
Lavalle, A. e Castello, G. 2004. “Benesses desse mundo: associativismo religioso e inclusão socioeconômica”. In: Novos Estudos, No 68.
Le Galès, P. 1996. “Politiques urbaines en Europe”. In: Paugam, S. (org). L´exclusion: l´état des savoirs. Paris: Éditions la découverte.
Levitas, R.; Pantazis, C.; Fahmy, E.; Gordon, D. Loyd, E. e Patsios, D. 2007. The multi-dimensional analysis of social exclusion. Bristol: Department of sociology and shool for social policy. obtido em http://www.cabinetoffice.gov.uk/social_exclusion_task_force
Lin, N. 1999a. “Building a network theory of social capital”. In: Connections, Vol. 22(1).
Lin, N. 1999b. “Social networks and status attainment”. In: Annual Review of Sociology, No 25.
Long, N. 1999. The multiple optic of interface analysis. Unesco background paper on Interface Analysis. Obtido em http://www.utexas.edu/cola/insts/llilas/claspo.
Lotta, G. 2006. Saber e poder: Agentes Comunitários de Saúde Aproximando Saberes Locais e Políticas Públicas. Dissertação de mestrado defendida na FGV-SP.
Mahoney, J. 2001. “Beyond correlation analysis: recent innovations in Theory and Method. In: Sociological Forum, Vol. 16, No 3.
Marcuse, P. 1996. “Space and race in the Post-fordist city: the outcast ghetto and advanced homelessness in the United States today”. In: Mingione, E. (org.) Urban poverty and the Underclass. Londres: Basil Blackwell.
Marcuse, P. 1997. “The enclave, the citadel and the ghetto – what has changed in the post-fordist U.S. city”. In: Urban Affairs, No 33.
Marcuse, P. 1997. “The ghetto of exclusion and the fortified enclave New patterns in the United States”. In: American Behavioral scientist, Vol. 41 (3).
Maricato, E 2003. “Metrópole, legislação e desigualdade”. In: Estudos Avançados, Vol. 17, Nº 48.
Maricato, E. 1987. Política habitacional no regime militar. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Maricato, E. A proletarização do espaço sob a grande indústria. O caso de São Bernardo do Campo. São Paulo: tese de doutorado, Fau/Usp, 1977.
171
Marques, E. 2000. Estado e redes sociais: Permeabilidade e coesão nas políticas urbanas no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revan/Fapesp.
Marques, E. 2003. Redes sociais, Instituições e Atores Políticos no governo da cidade de São Paulo. São Paulo: Ed. Annablume.
Marques, E. 2005. “Elementos conceituais da segregação urbana e da ação do Estado”. In: Marques, E. e Torres, H. (org.) São Paulo: segregação, pobreza urbana e desigualdade social. São Paulo: Ed. Senac.
Marques, E. 2007. “Leis gerais, explicações e mecanismos – para onde vão nossas análises?”: In Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol 22, No 64, junho.
Marques, E. e Bitar, S. 2002. “Grupos sociais e espaço”. In: Novos Estudos Cebrap, No 64.
Marques, E. e Saraiva, C. 2005. “As políticas de habitação social, a segregação e as desigualdades sociais na cidade”. In: Marques, E. e Torres, H. (org.) 2005. São Paulo: segregação, pobreza e desigualdades sociais. São Paulo, Editora Senac.
Marques, E. e Torres, H. (org.) 2005. São Paulo: segregação, pobreza e desigualdades sociais. São Paulo, Editora Senac.
Marques, E.; Bichir, R.; Pavez, T.; Zoppi, M.; Moya, E. e Pantoja, I. 2007. Redes pessoais e pobreza em São Paulo. São Paulo: CEM, mimeo.
Marques, E.; Gonçalves, R. e Saraiva, C. 2005. As condições sociais na metrópole de São Paulo na década de 1990. In: Novos Estudos, CEBRAP. São Paulo, n.73. 2005.
Marques, E; Scalon, C. e Oliveira, C. 2007. Comparando estruturas sociais no Rio de Janeiro e em São Paulo. mimeo.
Marsden, P. 2005. “Recent developments in network measurement”. In: Carrington, P. Scott, J. e Wasserman, S. (org.). Models and Methods in Social Network Analysis. Cambridge: Cambridge University Press.
Martes, A. e Fleischer , S. (org.) Fronteiras cruzadas: etnicidade, gênero e redes sociais. São Paulo: Paz e Terra.
Martine, G. A trajetória da urbanização brasileira: especificidades e implicações. Trabalho apresentado no seminário “Processo Brasileiro de Urbanização: diagnóstico global”. Min. das Relações Ext., Belo Horizonte, 1995.
Massey, D. e Denton, N. 1993. American Apartheid – Segregation and the Making of the Underclass. Harvard University Press.
McCarty, C. 2005. “Structure in personal networks”. In: Journal of Social Structure, vol 3, 2005.
McPherson, M., Smith-Lovin, L. e Cook, J. 2001. Birds of a feather: homophily in social networks. In: Annual Review of Sociology, No 27.
Mingione, E. 1999. Urban poverty in the advanced industrial world: concepts, analysis and debates. In: Mingione, E. (org.) Urban poverty and the underclass. New York: Blackwell publishers.
Mische, A. e Pattison, P. 2000. Composing a civic arena: publics, projects and social settings. In: Poetics, Vol 27, No 2.
Mische, A. e White, H. 1998. “Between Conversation and Situation: Public Switching. Dynamics Across Network-Domains.” In: Social Research, 65.
172
Molina, J. e Gil, A. 2005 Reciprocidad hoy: la rede de las unidades domésticas y serviços públicos de dos colectivos de Vic (Barcelona). In: Porras, J. e Espinoza, V. Redes: enfoque y aplicaiones del análisis de redes sociales (ARS). Santiago: Universidad Bolivariana.
Mollina, J. 2005. “Localizando geográficamente las redes personales”. In: Redes, Vol 8 (5).
Moody, J. 2001. “Peer influence groups: identifying dense clusters in large networks”. In: Social Networks, No 23.
Moore, G. 1990. ”Structural determinants of men’s and women’s personal networks”. In: Annual Sociological Review, vol. 55, nº5, 1990.
Morenoff, J. 2003. Neighborhood mechanisms and the spatial dynamics of birth weight. In: American Journal of Sociology, Vol. 108.
Moser, C. “The asset vulnerability framework: reassessing Urban Poverty Reduction Strategies” In: World Development, Vol. 26, No 1, 1998.
Moya, E. 2003. Repensando a questão social: trajetórias de algumas interpretações nos Estados Unidos, França e Brasil. São Paulo: DCP/USP, Dissertação de mestrado.
Nakano, K. 2002. Quatro COHABs da zona leste de São Paulo: território, poder e segregação. São Paulo: Fau/USP, Dissertação de Mestrado .
Neri, M. 2000. Políticas estruturais e combate à pobreza no Brasil. In: Henriques, R. (org.) Desigualdade e pobreza na Brasil. Rio de Janeiro: Ipea.
North, D. 1990. Institutions, institutional change and economic performance. Cambridge: Cambridge University Press.
Nunes, E. 1986. “Carências urbanas e reivindicações populares - notas”. In: ANPOCS. Ciências Sociais Hoje - 1986. São Paulo: ANPOCS/Cortes Ed.
Ortiz, M.; Hoyos, J. e Lopez, M. 2004. “The social networks of academic performance in a student context of poverty in Mexico” In: Social Networks, No 26: 175-188.
Paugam, S. 2005. Les formes élémentaires de la pauvreté. Paris: PUF.
Pavez, T. 2006. Políticas públicas e ampliação de capital social em comunidades segregadas: o programa Santo André Mais Igual. Dissertação de Mestrado apresentada ao Depto de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Política – FFLCH-USP.
Perillo, S. e Perdigão, M. 1998 “Cenários migratórios recentes em São Paulo”. In: Anais do X Encontro de Estudos Populacionais - ABEP.
Perri 6. 1997. Escaping poverty: from safety nets to networks of opportunity. Paper obtido em www.demos.co.uk.
Pinçon-Charlot, M.; Preteceille, E. e Rendu, P. 1986. Ségrégation Urbaine: Classes sociales et Équipament colletifs région parisienne. Paris: Ed. Anthropos.
PNUD/IPEA. 1998. Desenvolvimento Humano e Condições de Vida: indicadores brasileiros. Brasília: PNUD.
PNUD/ONU. 2003. Human Development Report. Cópia eletrônica obtida no site: www.undp.org/hdr2003/.
Pochman, M e Amorim, R. 2003. Atlas da exclusão social no Brasil. São Paulo: Cortez.
173
Policy Research Initiative. 2005a Social capital in action. Governo Federal do Canadá. obtido em http://policyresearch.gc.ca.
Policy Research Initiative. 2005b. Social capital as a public policy tool. Governo Federal do Canadá. obtido em http://policyresearch.gc.ca.
Portes, A.199. Migrações internacionais: origens, tipos e modos de incorporação. Oeiras: Celta Editora.
Preteceille, E. 2003. “A evolução da segregação social e das desigualdades urbanas: o caso da metrópole parisiense nas últimas décadas”. In: Caderno CRH, No 38.
Preteceille, E. 2006. “La ségrégation sociale a-t-elle augmenté? La métropole parisienne entre polarisation et mixité” In: Societés Contemporaines, No 62.
Preteceille, E. e Ribeiro, L. 1999. Tendências da segregação social em metrópoles globais e desiguais: Paris e Rio de Janeiro nos aos 80. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol. 14 (40)
Putnam, R. 1996. Comunidade e demcracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: FGV Editora.
Ragin, C. 1987. The comparative method: moving beyond qualitative and quantitative strategies. Berkeley: University of California Press.
Ramos, D. e Lazo, A. 2004. A vulnerabilidade econômica das famílias residentes na região metropolitana do Rio de Janeiro no período 1991-2000. Trabalho apresentado no XIV Encontro da Abep
Rao e Woolcock, 2001. Social capital and risk management strategies in poor urban communities: what do we know? obtido em http://poverty2.forumone.com.
Ribas, R. e Machado, A. 2007. Distinguishing chronic poverty from transient poverty in Brazil: developing a model for pseudo-panel data. Brasília; International poverty centre. obtido em http://www.undp-povertycentre.org
Ribeiro, M. 1993. História sem fim... Inventário da saúde pública. São Paulo: Ed. Unesp.
Ribeiro, R. “Segregação, acumulação urbana e poder: classes desigualdades na metrópole do Rio de Janeiro. In: Cadernos IPPUR, Ano XV/XVI. Número especial: “Planejamento e Território: ensaios sobre a desigualdade”, 2002.
Rocha, S. 2003. Pobreza no Brasil: afinal de que se trata? Rio de Janeiro: FGV Ed.
Rocha, S. 2006a. “Pobreza e indigência no Brasil: algumas evidências empíricas com base na Pnad 2004”. In: Nova Economia, Vol. 16, No 2.
Rocha, S. 2006b. Renda, Mercado de trabalho e escolaridade: alguns aspectos sobre o papel de São Paulo no contexto do país. Rio de Janeiro: IETS, xerox.
Ross, S. 2001. Employment acess, neighborhood quality and residencial location choice. Artigo apresentado no “International seminar on segregation in the city” realizado no Lincoln Institute. Boston: mimeo.
Sabatini, F 2004. “Medición de la segregación residencial: reflexiones metodológicas desde la ciudad latinoamericana”. In: Cáceres, G. e Sabatini, F ed. Barrios cerrados en Santiago de Chile: entre la exclusión y la integración residencial. Lincoln Institute of Land Policy and PUC-Chile.
174
Sabatini, F. “Transformação urbana e dialética entre integração e exclusão social: reflexões sobre as cidades latino-americanas e o caso de Santiago do Chile”. In: Oliveira, M. (org.) Demografia da exclusão social. Campinas: Ed. Unicamp, 2001.
Sabatini, F.; Cáceres, G. e Cerda, J. Residential segregation pattern changes in main chilean cities: scale shifts and increasing malignancy. Lincoln Institute of Land Policy, Xerox, s.d.
Sader, E. 1988. Quando novos personagens entram em cena. São Paulo: Paz e Terra.
Salgado, E. 2000. O loteamento residencial fechado no quadro de transformação da metrópole de São Paulo. São Paulo: Fau/Usp, dissertação de mestrado.
Sampson, R. e Morenoff, J. 1997. “Ecological perspectives on the neighborhood context of urban poverty: past and present” In: Danziger, S. e Haverman, R. Understanding poverty. New York, Russell Sage.
Sampson, R. e Raudenbush, S. 1997. “Neighborhoods and Violent Crime: A Multilevel Study of Collective Efficacy”. In: Science, No 277.
Santos, C. 1981. Movimentos urbanos no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar Ed.
Santos, C. 1982. Processo de crescimento e Ocupação da Perifeira. Rio de Janeiro: IBAM/CPU.
Santos, C. 1985. “Loteamentos na periferia metropolitana”. In: Revista de Administração Municipal, Vol. 32, No 174.
Santos, C. e Bronstein, O. 1978. “Meta-urbanização - o caso do Rio de Janeiro”. In: Revista de Administração Municipal, vol. 25, n 149.
Santos, G. 2005. “Redes e território: reflexões sobre a migração”. In: Dias, L. e Silveira, R. (org.) Redes: sociedades e territórios. Florianópolis: Edunisc.
Santos, J. 2005. Uma classificação socioeconômica para o Brasil. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol 20 (58).
Saraiva, C.; Marques, E. 2005. A condição social dos habitantes de Favelas. In: Marques, E.; Torres, H. (Org.). São Paulo: segregação, pobreza urbana e desigualdades sociais. São Paulo: Senac, p.143-167.Santos , 1980
Schneider, M.; Scholz, J.; Lubell, M.; Mindruta, D. e Edwarsen, M. (2003), “Building consensual institutions: networks and the National Estuary Program”. In: American Journal of Political Science, 47 (1).
Scott, J. 1992 Social Network analysis. Newbury Park, California: Sage Publications
Seade, 2000. São Paulo: Século XXI. São Paulo: Alesp/Seade. Sen, A. 2000. Social exclusion: concepts, application and scrutiny. Asian
Development Bank: Social development papers No 1. obtido em http://www.adb.org.
Silva, L. (coord.). O que mostram os indicadores sociais sobre a pobreza na Década Perdida. Relatório de pesquisa IPEA, 1992.
Simmel, G. “El cruce de los circulos sociales”.In: Sociología, 2. Estudios sobre las formas de socialización. Alianza Universidad, 1972 [1908].
Simmel, G. 1973 [1902] “Metrópole e Vida Mental”. In: Velho, G. (org.) O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar.
175
Skocpol, T. 1984. Vision and method in historical sociology. Boston: Cambridge University Press.
Skocpol, T. 1985. “Bringing the state back in: strategies of analysis in current research”. In: Evans, P.; Ruesschmeyer, D. e Skocpol, T. (org.). Bringing the state back in. Cambridge: Cambridge University Press.
Smolka, M. “Segregação social no espaço: definição do objeto de análise.” In: Estruturas intra-urbanas e segregação social no espaço: elementos para uma disucssão da cidade na teoria econômica. Rio de Janeiro: IPEA/Anpec, 1983.
Sposati, A. Mapa da exclusão/inclusão social da cidade de São Paulo. São Paulo, Educ, 1996.
Taschner, S, P. 1990. “Habitação e demografia intra-urbana em São Paulo”. In: Revista da ABEP, Vol. 7, No 1.
Taschner, S. 2002. Espaço e população nas favelas de São Paulo. Trabalho apresentado no XIII Encontro da Abep.
Tavares, R. e Monteiro, M. 1994. “População e condições de vida”. In: Guimarães, R. e Tavares, R. Saúde e sociedade no Brasil dos anos 80. Rio de Janeiro: Relume Dumará.
Tilly, C. 1992. Big structures, large processes huge comparisons. Nova Iorque: Russell Sage foundation.
Tilly, C. 2000. La desigualdad persistente. Madrid: Manatial. Tilly, C. 2001. Mechanisms in political processes. In: Annual Review of Political
Science, Vol. 4. Torres, H. 2005a. “A fronteira paulistana”. In: Marques, E.; Torres, H. (Org.). São
Paulo: segregação, pobreza urbana e desigualdades sociais. São Paulo: Senac, p.101-119.
Torres, H. 2005b. “Políticas sociais e território: uma abordagem metropolitana”. In: Marques, E. e Torres, H. orgs. São Paulo: segregação, pobreza e desigualdade sociais. São Paulo, Editora Senac.
Torres, H. 2005c. “Medindo a segregação”. In: Marques, E. e Torres, H. orgs. São Paulo: segregação, pobreza e desigualdade sociais. São Paulo, Editora Senac.
Torres, H. e Marques, E. 2001. “Reflexões sobre a hiperperiferia: novas e velhas faces da pobreza no entorno metropolitano”. In: Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Nº 4.
Torres, H., Ferreira, M. e Gomes, S. 2005. “Educação e segregação social: explorando os efeitos das relações de vizinhança”. In: Marques, E. e Torres, H. orgs. São Paulo: segregação, pobreza e desigualdade sociais. São Paulo, Editora Senac.
Torres, H.; Bichir, R. e Pavez, T., 2006 Mudanças no padrão de consumo da população de baixa renda. In: Novos Estudos, CEBRAP. São Paulo, n.74, p.17-22.
Torres, H.; Pavez, T.; Gomes, S. e Bichir, R. 2006. “Educação na Periferia de São Paulo: ou como pensar as desigualdades educacionais?”. Trabalho apresentado no Workshop Neighborhood effects, educational achievements and challenges for social policies. Observatório das Metrópoles, Rio de Janeiro, 31st August-2nd September, 2006.
176
Trotter, R. 1999. “Friends, relatives and relevant others: conducting ethnographic network studies”. In: Schensul, R. (org.). Mapping social networks, spatial data and hidden populations. Londres: Altamira.
Valladares, L. e Preteceille, E. 2000. Favela, favelas: unidade ou diversidade da favela carioca. In: Queiroz, L.C. O futuro das metrópoles: desigualdades e governabilidade. Rio de Janeiro: Observatório/Ed. Revan.
Vetter, D. 1981. “A segregação residencial da população economicamente ativa na região metropolitana do Rio de Janeiro, segundo grupos de rendimento mensal”. In: Revista Brasileira de Geografia, 434.
Villaça, F. 1998. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel. Wacquant, L. 1996. “Três premissas perniciosas no estudo do gueto norte-
americano”. In: Mana: Estudos de antropologia social, Vol. 2, No 2. Wacquant, L. 2001. Os condenados da cidade. Rio de Janeiro: Ed. Revan. Wasserman, S. e Faust, K. 1994. Social Network Analysis: Methods and
Applications. Cambridge: Cambridge University Press. Wellman, B. 1979. “The community question: the intimate networks of East
Yorkers”. In: American Journalo of Sociology. Vol 84, No 5. Wellman, B. 2001. The persistence and transformation of Community: form
neighbourhood groups to social networks. Toronto: Obtido em http://www.chass.utoronto.ca/~wellman/publications/lawcomm/lawcomm7.PDF.
White, H. 1995. “Network switchings and bayesian forks: reconstructing the social and behavioral sciences”. In: Social Research: An international quaterly of the social sciences. Vol 62, No 4.
Wilson, W. 1987. The truly disadvantage: the inner city, the underclass and public policy. University Chicago Press.
Wilson, W. 2002. Expanding the domain of policy-relevant scholarship in the social sciences. Londres: Case/LSE, Case paper, 52
Wirth 1972 [1938] “O urbanismo como modo de vida”. In: Velho, O. (org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro, Zahar Ed.
Yinger, J. 2001. “Housing discrimination and residential segregation as causes of poverty”. In: Danziger, S. e Haverman, R. Understanding poverty. New York, Russell Sage.