UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
VANESSA DE ABREU CAMASMIE
AULAS DE LITERATURA DO ENSINO FUNDAMENTAL I
DO COLÉGIO PEDRO II CAMPUS HUMAITÁ
RIO DE JANEIRO
2017
Vanessa de Abreu Camasmie
AULAS DE LITERATURA DO ENSINO FUNDAMENTAL I
DO COLÉGIO PEDRO II CAMPUS HUMAITÁ
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, na linha de pesquisa Currículo, Docência e
Linguagem, como requisito parcial para a obtenção do
título de Doutora em Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Patrícia Corsino
Rio de Janeiro
2017
AGRADECIMENTOS
À professora Patrícia Corsino, que me acompanhou com generosidade e exigência, me
ensinando a beleza de nos darmos a surpresa de ser.
Aos professores Cecília Goulart, Mônica Correia, Ludmila Thomé e Percival Britto,
que, gentilmente, dispuseram-se a dialogar conosco.
Às professoras que tive ao longo do doutorado, pela participação na minha formação.
Aos sujeitos desta pesquisa, que perseguem o saber com o compromisso de concretizar
o direito à literatura na escola.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelo
financiamento do doutorado sanduíche.
À Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), pelo acolhimento, especialmente por
meio das professoras Teresa Colomer, Cristina Correro, Martina Fittipaldi e Mariona Treball.
À equipe de professores da Creche Can Caralleu, que me deu a oportunidade do
estágio.
Ao Programa de Alfabetização, Documentação e Informação (Proalfa), espaço que me
acolheu generosamente através da minha querida amiga professora Anna Helena Moussatché.
Hoje, que a tarde é de mais um encontro, quero lhe agradecer por ter me ajudado a chegar até
aqui.
Ao amigo que fiz no Proalfa, Ricardo Freitas, revisor desta tese e com quem tive a
honra de trabalhar.
Ao Colégio Pedro II (CPII), por ter permitido a realização da pesquisa e ter me dado
chão desde menina.
Às amigas Rosita Mattos da Silva, Sônia Travassos, Rafaela Vilela, Beatriz Serra,
Helen Queiroz, Cláudia Pimentel, Leonardo, Luciene, Jordana e Nazareth Salutto. A
convivência fraterna e as conversas sobre o mundo da vida e da cultura enriqueceram
sobremaneira os anos de trabalho árduo.
À minha mãe, Andréa Abreu de Oliveira, por ter me ensinado a pôr o quanto somos no
mínimo que fazemos.
Ao meu pai, Rogério Camasmie, e à sua companheira, pelo apoio incondicional e
amizade.
Ao Patrick, por tudo o que é.
Ao meu filho Davi, que me levou ao encontro do amor mais fiel.
À minha sogra, Jurema Leal, pelo apoio silencioso e amoroso.
Aos amigos que fiz na Espanha, que proporcionaram momentos extraordinários.
Aos meus queridos irmãos, tios, tias, primas e primos, pelas bagunças, encontros
fraternos, risos e colos que me ajudaram a retomar o fôlego para o trabalho acadêmico.
RESUMO
CAMASMIE, Vanessa de Abreu. Aulas de Literatura do Ensino Fundamental I do
Colégio Pedro II campus Humaitá. Rio de Janeiro, 2017. Tese (Doutorado em Educação) –
Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.
Esta pesquisa de doutorado tem como tema as aulas de Literatura dos anos iniciais do Ensino
Fundamental do Colégio Pedro II. Foi realizada uma pesquisa qualitativa (BAKHTIN, 2003),
por meio da observação participante (TURA, 2003) e de entrevistas (ZAGO, 2003). O campo
de pesquisa foi o Colégio Pedro II campus Humaitá I, e os sujeitos foram duas professoras e
duas coordenadoras pedagógicas. A investigação pretendeu responder às perguntas: Como são
as aulas de Literatura do Ensino Fundamental I do Colégio Pedro II campus Humaitá? O
que estas aulas fazem com os sujeitos e o que eles fazem nela? O objetivo geral da pesquisa
foi compreender tais aulas e os objetivos específicos foram: 1) Analisar a proposta curricular
de Literatura do Colégio Pedro II e sua articulação com as aulas de Literatura; 2) Conhecer e
analisar o que fazem as professoras e o que orienta a coordenação pedagógica de Literatura no
que se refere à metodologia, aos objetivos, aos conteúdos, às atividades pedagógicas, ao
corpus literário e aos critérios de seleção dele; 3) Compreender o significado que as
professoras e a coordenação pedagógica de Literatura atribuem às aulas, e as concepções de
leitura literária que sustentam suas aulas. O referencial teórico discutiu os conceitos de
letramento literário (COSSON; PAULINO, 2009); educação literária (COLOMER, 2009);
vivência estética (VIGOTSKI, 2010); experiência estética (LARROSA, 2003; BENJAMIN,
1994); contemplação estética (BAKHTIN, 1993b); dimensões da literatura (FITTIPALDI,
2013); e linhas de força de promoção da leitura (BRITTO; CAMASMIE; SERRA, 2015). A
proposta curricular (CPII, 2008) e as aulas se articulam em certa medida. Elas partem de um
tema, estruturam-se na tríade leitura – conversa – fazer artístico e pretendem formar um leitor
crítico. A literatura é compreendida como arte. As crianças ouvem, conversam, desenham,
debatem e escrevem a partir de livros clássicos e atuais. A proposta curricular e as aulas
apresentam uma tensão entre a educação literária e a formação literária. Partindo da ideia de
que a literatura é um direito (CANDIDO, 2004), a partir da experiência do Colégio Pedro II,
defende-se a formação literária como uma abordagem para aulas de Literatura nos anos
iniciais do Ensino Fundamental.
Palavras-chave: Linguagem, Letramento Literário, Educação Literária, Formação Literária,
Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
ABSTRACT
CAMASMIE, Vanessa de Abreu. Aulas de Literatura do Ensino Fundamental I do
Colégio Pedro II campus Humaitá. Rio de Janeiro, 2017. Thesis (Doctorate in Education) –
Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.
The theme of this doctoral research is the Literature classes of the initial years of Elementary
School of the Colégio Pedro II. A qualitative research was accomplished (BAKHTIN, 2003),
with participant observation (TURA, 2003) and interviews (ZAGO, 2003). The research field
was the Colégio Pedro II, Humaitá I campus, and the subjects were two teachers and two
pedagogical coordinators. The research aimed to answer the questions: How are the Literature
classes of Elementary School of the Colégio Pedro II, Humaitá I campus? What do these
classes do with the subjects and what do they do in it? The general objective of the research
was to understand such classes, and the specific objectives were: 1) To analyze the curricular
proposal of Literature of the Colégio Pedro II and its articulation with the classes of
Literature; 2) To know and analyze what teachers do, and what guides the pedagogical
coordination of Literature in terms of methodology, objectives, contents, pedagogic activities,
literary corpus, and selection criteria; 3) Understand the meaning that the teachers and the
pedagogical coordination of Literature attribute to the classes, and the conceptions of literary
reading that sustain their classes. The theoretical framework discussed the concepts of literary
literacy (COSSON; PAULINO, 2009); literary education (COLOMER, 2009); aesthetic
livingness (VIGOTSKI, 2010); aesthetic experience (LARROSA, 2003; BENJAMIN, 1994);
aesthetic contemplation (BAKHTIN, 1993b); dimensions of the literature (FITTIPALDI,
2013); and reading promotion lines (BRITTO; CAMASMIE; SERRA, 2015). The curricular
proposal (CPII, 2008) and the classes are articulated in a certain way. They start from a
theme, are structured in the triad reading – talking – artistic making, and intend to form a
critical reader. Literature is understood as art. Children listen, talk, draw, debate, and write
from classic and current books. The curricular proposal and the classes present a tension
between literary education and literary formation. Starting from the idea that literature is a
right (CANDIDO, 2004), from the experience of the Colégio Pedro II, the literary formation
is defended as an approach for Literature classes in the initial years of Elementary School.
Keywords: Language, Literary Literacy, Literary Education, Literary Formation, Early Years
of Elementary Education.
LISTA DE DIAGRAMAS, FIGURAS E QUADROS
Diagrama 1. Amarelinha da educação literária................................................................... 64
Diagrama 2. Reação estética de Vigotski............................................................................ 75
Diagrama 3. Contemplação estética de Bakhtin.................................................................. 83
Diagrama 4. Linhas de força de promoção da leitura.......................................................... 104
Diagrama 5. Linhas de força de promoção da leitura e dimensões da literatura.................
107
Figura 1. Brincadeira cama de gato..................................................................................... 72
Figura 2. Mediação do outro na interação criança-cultura..................................................
73
Quadro 1. Ações interlocutórias com a literatura................................................................ 71
Quadro 2. Competências específicas ligadas às estratégias de leitura e escrita literárias... 147
Quadro 3. Temas geradores................................................................................................. 172
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Abralic Associação Brasileira de Literatura Comparada
ANPEd Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
Cole Congresso de Leitura do Brasil
CPII Colégio Pedro II
EF Ensino Fundamental
EI Educação Infantil
EJA Educação de Jovens e Adultos
EM Ensino Médio
FioCruz Fundação Oswaldo Cruz
FNLIJ Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil
GPELL Grupo de Pesquisa do Letramento Literário
Gretel Grupo de Investigación de Literatura Infantil y Juvenil y Educación Literaria
GT 10 Grupo de Trabalho Alfabetização, Leitura e Escrita
IECN Instituto de Educação Clélia Nanci
Leduc Laboratório de Estudos de Linguagem, Leitura, Escrita e Educação
Lied Laboratório de Informática Educativa
LIJ Literatura Infantil e Juvenil
MEC Ministério da Educação
NSL Novos Estudos do Letramento
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PGE Plano Geral de Ensino
Popradel Pauta de Observação/Sistematização de Práticas Didáticas em Educação Literária
PPGE Programa de Pós-Graduação em Educação
PPP Projeto Político Pedagógico
Proalfa Programa de Alfabetização, Documentação e Informação
PUC Pontifícia Universidade Católica
Saeb Sistema de Avaliação da Educação Básica
Seeduc Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro
Sesop Setor de Supervisão e Orientação Pedagógica
SOE Setor de Orientação Educacional
SRH Setor de Recursos Humanos
UAB Universidade Autônoma de Barcelona
UCS Universidade de Caxias do Sul
UEM Universidade Estadual de Maringá
Uerj Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFCG Universidade Federal de Campina Grande
UFF Universidade Federal Fluminense
UFJF Universidade Federal de Juiz de Fora
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
Ufopa Universidade Federal do Oeste do Pará
UFPE Universidade Federal de Pernambuco
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
Unesc Universidade do Extremo Sul Catarinense
Unesco Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
Unesp Universidade Estadual Paulista
Unicamp Universidade Estadual de Campinas
USP Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................
16
1 O LETRAMENTO LITERÁRIO E A EDUCAÇÃO LITERÁRIA............................... 33
1.1 QUANDO É LITERATURA?............................................................................................ 33
1.2 QUANDO É LITERATURA INFANTIL?........................................................................ 40
1.3 QUANDO A LITERATURA É ARTE?............................................................................. 45
1.4 LETRAMENTO LITERÁRIO........................................................................................... 48
1.5 EDUCAÇÃO LITERÁRIA................................................................................................
54
2 A FORMAÇÃO LITERÁRIA............................................................................................
66
3 AS LINHAS DE FORÇA DE PROMOÇÃO DA LEITURA........................................... 92
3.1 AS LINHAS DE FORÇA................................................................................................... 93
3.1.1 Leitura e Ludismo.......................................................................................................... 96
3.1.2 Leitura e Experiência/Formação.................................................................................. 99
3.1.3 Leitura e Ilustração........................................................................................................ 100
3.1.4 Leitura e Subjetivismo................................................................................................... 101
3.1.5 Leitura e Cidadania....................................................................................................... 101
3.1.6 Leitura e Utilitarismo.................................................................................................... 103
3.2 AS DIMENSÕES DA LITERATURA...............................................................................
104
4 QUESTÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS................................................................ 108
4.1 PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS..................................................... 113
4.2 CAMPO DE PESQUISA................................. .................................................................. 117
4.3 SUJEITOS DE PESQUISA................................................................................................
118
5 PROPOSTA CURRICULAR DAS AULAS DE LITERATURA DO ENSINO
FUNDAMENTAL I DO COLÉGIO PEDRO II..................................................................
122
5.1 O INÍCIO DAS AULAS DE LITERATURA.................................................................... 124
5.2 AS PROPOSTAS CURRICULARES DAS AULAS DE LITERATURA......................... 130
5.2.1 Estruturação e objetivos das aulas de Literatura....................................................... 131
5.2.2 Concepções de literatura............................................................................................... 135
5.2.3 Conteúdos, progressão e corpus estabelecidos na proposta curricular..................... 137
5.2.4 Propostas de aproximação ao texto literário...............................................................
143
6 AULAS DE LITERATURA NO COLÉGIO PEDRO II: ENTRE CONCEPÇÕES E
PRÁTICAS..............................................................................................................................
151
6.1 A LITERATURA NO COTIDIANO DO PROFESSOR: O SEU LUGAR, AS
LEITURAS E OS CRITÉRIOS DE SELEÇÃO.......................................................................
151
6.2 METODOLOGIA NAS AULAS DE LITERATURA: O ENSINO-APRENDIZAGEM
DA LITERATURA NA ESCOLA...........................................................................................
155
6.3 TEMAS GERADORES...................................................................................................... 171
6.4 CORPUS NAS AULAS DE LITERATURA: TEXTOS/MATERIAIS, CRITÉRIOS DE
SELEÇÃO E MODOS DE APRESENTAÇÃO.......................................................................
174
6.5 SIGNIFICADO ATRIBUÍDO ÀS AULAS DE LITERATURA E CONCEPÇÕES DE
LEITURA LITERÁRIA...........................................................................................................
185
6.6 OBJETIVOS DAS AULAS DE LITERATURA............................................................... 188
6.7 CONTEÚDOS DAS AULAS DE LITERATURA............................................................. 189
6.8 ATIVIDADES PROPOSTAS NAS AULAS DE LITERATURA.....................................
191
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................
197
REFERÊNCIAS......................................................................................................................
208
LISTAGEM DOS TRABALHOS SOBRE LETRAMENTO LITERÁRIO..................... 215
ARTIGOS................................................................................................................................. 215
TESES....................................................................................................................................... 217
DISSERTAÇÕES.....................................................................................................................
218
LISTAGEM DOS TRABALHOS SOBRE EDUCAÇÃO LITERÁRIA...........................
224
APÊNDICES........................................................................................................................... 225
APÊNDICE A: MAPEAMENTO DOS ARTIGOS SOBRE LETRAMENTO LITERÁRIO:
COLEÇÃO LITERATURA E EDUCAÇÃO, ABRALIC E ANPED......................................
226
APÊNDICE B: MAPEAMENTO DE TESES E DISSERTAÇÕES SOBRE
LETRAMENTO LITERÁRIO: BANCO DE TESES DA CAPES, SITES DE
UNIVERSIDADES E BIBLIOTECA DIGITAL BRASILEIRA DE TESES E
DISSERTAÇÕES.....................................................................................................................
228
APÊNDICE C: MAPEAMENTO CATEGORIZADO DE TESES, DISSERTAÇÕES E
ARTIGOS SOBRE LETRAMENTO LITERÁRIO.................................................................
236
APÊNDICE D: MAPEAMENTO DE TESES SOBRE EDUCAÇÃO LITERÁRIA:
GRETEL/UAB..........................................................................................................................
240
APÊNDICE E: ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA AS PROFESSORAS.......................... 241
APÊNDICE F: LIVROS LIDOS NAS AULAS DE LITERATURA...................................... 242
APÊNDICE G: ATIVIDADES PEDAGÓGICAS PROPOSTAS NAS AULAS DE
LITERATURA.........................................................................................................................
247
16
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa de doutorado (2013-2017), desenvolvida no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGE/UFRJ), na linha
de pesquisa Currículo, Docência e Linguagem, no Laboratório de Estudos de Linguagem,
Leitura, Escrita e Educação (Leduc), está inserida na pesquisa Infância, linguagem e escola: a
leitura literária em questão, cujo objetivo geral foi conhecer e analisar políticas de livro e
leitura desenvolvidas pelas Secretarias Municipais de Educação de municípios do estado do
Rio de Janeiro e suas implicações em práticas de leitura literária em creches, pré-escolas e
escolas de Ensino Fundamental (EF). Sob a coordenação da Profª. Drª. Patrícia Corsino, a
pesquisa contou com estudos qualitativos, revisão bibliográfica, além de elaboração e
aplicação de um questionário junto aos setores responsáveis pelas políticas de livro e leitura
nas referidas secretarias.
Além disso, esta pesquisa de doutorado se articula com minha trajetória acadêmica.
Assim, considero que sua origem se deu em 2004, com meu ingresso no curso de Pedagogia
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). A opção pelo curso veio também da
experiência de aluna que vivi no Colégio Pedro II (CPII), onde, semanalmente, participava de
aulas de Literatura que privilegiavam a leitura compartilhada, a roda de conversa sobre o livro
lido e a produção de trabalhos artísticos.
A Uerj me abriu um espaço de trabalho no Programa de Alfabetização, Documentação
e Informação (Proalfa) como bolsista de Iniciação à Docência, o que me levou a aprofundar a
ideia de que ler literatura é importante, como também a constatar que o trabalho pedagógico
com a literatura era mais complexo do que eu imaginava. Por dois anos trabalhei no programa
como professora regente em uma turma de alfabetização de adultos, com a qual desenvolvi os
projetos de trabalho Lendo a sociedade brasileira através do carnaval carioca e Estudando a
desigualdade social e a escola do Brasil através dos jornais e dos livros.
No primeiro tive a oportunidade de usufruir a biblioteca itinerante De mala e cuia,
projeto do Museu do Folclore Edison Carneiro. A exploração dos livros de literatura da mala
mostrou que os alunos estavam fazendo releituras do mundo em que viviam por meio da
literatura, o que me levou a participar de um grupo de estudos informal no Proalfa sobre a
formação de leitores literários. A participação no grupo me mostrou a necessidade de ampliar
meu repertório e de estudar sobre o ensino da literatura. O movimento, então, foi duplo:
formar leitores e continuar a minha formação leitora. Tal estudo fundamentou o
17
desenvolvimento do segundo projeto de trabalho, apresentado no 16º Congresso de Leitura do
Brasil (Cole), na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Concluído o curso de Pedagogia, trabalhei em 2008 com adultos em processo de
alfabetização no projeto Leituras e escritas no cotidiano do trabalhador, do Setor de
Recursos Humanos da Fundação Oswaldo Cruz (SRH/FioCruz) e do Proalfa/Uerj. No projeto
tínhamos o objetivo de colaborar na releitura do mundo do trabalho desses adultos por meio
da literatura.
Todas essas experiências me conduziram ao mestrado em Educação, durante o qual
pesquisei sobre: Como alfabetizandos adultos trabalhadores do projeto Leituras e escritas no
cotidiano do trabalhador se apropriam de práticas de leitura literária? Durante a pesquisa
realizei duas revisões de literatura: a) políticas públicas e alfabetização na Educação de
Jovens e Adultos (EJA) e b) letramento literário. Estudei o processo de apropriação
(KALMAN, 2004) do conhecimento segundo Bakhtin (1986) e o letramento literário na
alfabetização de adultos (COSSON; PAULINO, 2009; SOARES, M., 1998). Realizei
entrevistas coletivas (KRAMER, 2007) na perspectiva compreensiva (ZAGO, 2003) com seis
sujeitos e registrei seus dados socioeconômico-culturais em uma ficha de identificação.
Com o objetivo geral de investigar a relação entre o processo de alfabetização e o
letramento literário no projeto citado, defendi a dissertação, em 2011, sob a orientação da
Profª. Drª. Edith Frigotto, na Universidade Federal Fluminense (UFF). A pesquisa A
apropriação de práticas de leitura literária de alfabetizandos adultos trabalhadores do
projeto Leituras e escritas no cotidiano do trabalhador, à época, revelou que a concepção de
literatura na sua dimensão estética precisava ser construída pelos sujeitos para que pudesse
adquirir valores que fossem além do utilitário. Evidenciou também que não houve relação
direta entre o letramento literário, o nível de escolaridade e as experiências ao longo da vida, e
que há níveis de apropriação das práticas de leitura literária.
O interesse pelo letramento literário possibilitou a participação no grupo de pesquisa e
extensão Letramento Literário e Formação de Professores1. Sob a coordenação da Profª. Drª.
Edith Frigotto, ainda no ano de 2011, oferecemos um curso de extensão para futuros
professores do Instituto de Educação Clélia Nanci (IECN), em São Gonçalo.
Paralelamente à universidade, segui trabalhando em escolas. Alfabetizei crianças na
Rede Municipal de Educação de Itaboraí (2009), e em seguida trabalhei em uma turma de 5º
ano na Escola Municipal Lúcia Miguel Pereira no Rio de Janeiro (2010). Desde 2011 leciono
1 FRIGOTTO, Edith. Leitura literária e formação de professores. In: Revista Sede de Ler, EdUff, n. 2, ano 2,
dezembro de 2011, p. 22-28.
18
no CPII a disciplina Literatura, ou atuo como regente em turmas do 1° e do 2º ano do EF, ou
como orientadora pedagógica. Em 2013, junto a duas outras professoras, elaboramos um
projeto intitulado Biblioteca escolar nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Atualmente,
em 2017, estou como professora de Literatura e da biblioteca da escola.
A partir dessas experiências e de reflexões principalmente sobre o EFI do CPII,
apresentei o pré-projeto desta pesquisa em 2013, que perguntava: De acordo com professores
dos anos iniciais do Colégio Pedro II campus Humaitá I, como a experiência estética está
presente em suas práticas escolares de letramento literário?
A participação no grupo de pesquisa coordenado pela Profª. Drª. Patrícia Corsino
possibilitou o estudo do conceito de vivência estética (VIGOTSKI, 2010) e uma reflexão mais
cuidadosa sobre as aulas de Literatura do colégio. Então, para o 1º Exame de Qualificação
alteramos a pergunta de pesquisa. Saímos da experiência estética e seguimos em direção à
vivência estética, não somente do ponto de vista dos professores, mas também dos alunos.
Pretendíamos saber: Como alunos e professores vivenciam esteticamente aulas de Literatura
dos anos iniciais do Colégio Pedro II campus Humaitá I?
Para a construção do projeto realizei uma revisão bibliográfica que tem origem no
mestrado. Na revisão foi feito um levantamento de teses, dissertações e artigos, do período de
1999 a 2013, sobre o letramento literário.
Elegi como critério artigos dos sites dos congressos da Associação Brasileira de
Literatura Comparada (Abralic) e da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação (ANPEd), em particular os do Grupo de Trabalho Alfabetização, Leitura e Escrita
(GT 10) e os da Coleção Literatura e Educação do Grupo de Pesquisa do Letramento Literário
da Universidade Federal de Minas Gerais (GPELL/UFMG). As teses e dissertações foram
pesquisadas nos sites da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes), de universidades que tiveram suas dissertações e teses encontradas no portal da
Capes e da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações2. A seleção dos trabalhos
seguiu o descritor letramento literário, presente em títulos, palavras-chave, sumários,
capítulos e/ou texto dos artigos.
O sintagma letramento literário foi escolhido porque a pesquisa, inicialmente, tratou
de práticas escolares de letramento literário e estava em diálogo com a abordagem teórica de
Cosson e Paulino (2009, p. 67), que concebem o letramento literário como um “processo de
apropriação da literatura”. Posteriormente, houve uma mudança na pergunta da pesquisa, o
2 A necessidade de ir além do portal da Capes deveu-se ao fato de termos encontrado outras teses e dissertações
sobre o tema, no período de 1999 a 2013, que não estavam presentes no portal.
19
que provocou a necessidade de realização de outra revisão bibliográfica, apresentada adiante.
Com base nos critérios da primeira revisão, encontrei quarenta (40) artigos: vinte e três
(23) da Coleção Literatura e Educação, onze (11) da ANPEd e seis (6) da Abralic. Concluí
que o ano com o maior número de publicações foi 2007 (7), seguido de 2003 (5) e 2004, 2006
e 2011, com quatro (4) artigos cada. Os demais anos oscilaram de um a três artigos
publicados, exceto 2010, que não apresentou nenhuma publicação com o referido descritor.
A UFMG é a instituição que mais publica artigos sobre o letramento literário e os
autores com maior número de artigos também pertencem à universidade: Maria Zélia Versiani
Machado (5), Aracy Alves Martins Evangelista (4), Maria das Graças Rodrigues Paulino (3),
Marta Passos Pinheiro (2), Marcelo Chiaretto (2) e Aparecida Paiva (2).
Na revisão de teses e dissertações, encontrei cento e onze (111) pesquisas. Mapeando-
as, pude constatar que os estados de Minas Gerais (UFMG) e Rio de Janeiro (UFRJ) vêm
centralizando os estudos acadêmicos sobre o letramento literário no Brasil. Para fins de
sistematização, formei dois grupos de pesquisa que representam as duas grandes áreas do
conhecimento que vêm tratando do tema: Educação, com sessenta e seis (66) pesquisas, e
Letras, com quarenta e cinco (45).
A presença desses grupos de pesquisa das áreas da Educação e das Letras revela-se
também na identificação das professoras que orientaram maior número de pesquisas, a saber:
Patrícia Corsino (UFRJ, Educação, 8), Aparecida Paiva (UFMG, Educação, 7), Miriam
Zappone (Universidade Estadual de Maringá (UEM), Letras, 6) e Flávia Ramos (Universidade
de Caxias do Sul (UCS), Educação, 5).
Quanto aos sujeitos/corpus de pesquisa, há quatro grandes grupos de estudos. Eles se
referem às pesquisas que tratam da escola (educação escolar de crianças e adolescentes:
Educação Infantil, EFI, EFII e Ensino Médio (EM); EJA: EFI e EM; educação do campo;
biblioteca escolar; sala de leitura; documentos, coleções, gêneros discursivos e materiais
didáticos); da universidade (vestibular; formação inicial no curso de Letras; formação
continuada); de outros espaços educativos que não são a escola (biblioteca comunitária;
educação não formal de jovens e adultos); e da formação do leitor literário de maneira geral
(trajetória; experiências).
O levantamento das pesquisas mostra que há poucos estudos sobre a EJA, o Ensino
Superior (formação inicial e formação continuada), bibliotecas comunitárias e documentos
oficiais relativos à Educação Infantil. Nota-se ainda que o número de pesquisas acerca de
práticas escolares de letramento literário na Educação Infantil está em ascensão.
Os anos 1999, 2001, 2002 e 2005 não contaram com teses e/ou dissertações. O
20
contrário aconteceu no período de 2008 a 2012, quando houve grande número de pesquisas
publicadas, a saber: 2008 (14), 2009 (17), 2010 (17), 2011 (20) e 2012 (20).
O cruzamento dos dados apresentados no mapeamento dos artigos e das teses e
dissertações apontou algumas recorrências: 1) a UFMG é a instituição que mais desenvolve
estudos e publica sobre o letramento literário no Brasil; 2) as instituições representadas em
ambos os mapeamentos são: UFMG, Pontifícia Universidade Católica (PUC), Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE), UFF, UFRJ, Universidade Estadual Paulista (Unesp),
Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), UEM, Universidade do Extremo Sul
Catarinense (Unesc), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS); e 3) há professores que ora aparecem como autores, ora como
orientadores (Machado, Paulino, Evangelista, Pinheiro, Paiva, Maciel, Zilberman, Andrade,
Corsino, Ceccantini, Zappone e Fritzen).
A questão do letramento literário começou a ser discutida no âmbito dos artigos e,
posteriormente, passou a ser tema de uma quantidade cada vez maior de teses e dissertações.
Os anos de 2007 (7), 2003 (5), 2004 (4), 2006 (4) e 2011 (4) tiveram o maior número de
artigos publicados. Já no período de 2008 a 2012 houve grande número de pesquisas
publicadas: 2008 (14), 2009 (17), 2010 (17), 2011 (20) e 2012 (20).
A leitura das cento e onze (111) teses e dissertações e dos quarenta (40) artigos sobre o
letramento literário permitiu tanto o conhecimento das diferentes abordagens teóricas do
conceito quanto a construção de uma categorização. Encontrei dois conceitos de letramento
literário. O hegemônico, referenciado em Cosson e Paulino (2009, p. 67, grifo nosso), que o
entendem, com base no conceito de letramento de Magda Soares (1998), “como o processo de
apropriação da literatura enquanto construção literária de sentidos”. Em seguida, há o
construído a partir do conceito de letramento de Kleiman (1995), cuja apropriação ocorre por
meio da inclusão da palavra “literária” na definição do conceito, a saber: “conjunto de
práticas sociais que usam a escrita literária, como sistema simbólico e como tecnologia, em
contextos específicos, para objetivos específicos” (ANDRADE, 2008, p. 57, grifos nossos).
Entre os cento e cinquenta e um (151) trabalhos encontrados sobre o letramento
literário, dezenove (19) são ensaios e cento e trinta e dois (132), textos de pesquisas. Estes
últimos estão organizados em duas categorias: Práticas de letramento literário e Práticas
escolares de letramento literário. Tais categorias contam com as seguintes subcategorias:
21
Práticas de letramento literário:
1) História de leitura literária
2) Práticas de leitura literária
3) Biblioteca comunitária
Práticas escolares de letramento literário:
1) Políticas públicas/programas de livro e/ou de
leitura
2) Biblioteca escolar/sala de leitura
3) Ensino de literatura:
a. Formação docente;
b. Práticas docentes;
c. Práticas docentes e interlocução com discentes;
d. Práticas do pesquisador com discentes ou com
responsáveis de discentes;
e. Propostas didáticas do pesquisador;
f. Práticas de leitura e/ou escrita dos discentes;
g. Textos impressos e digitais.
Toda a revisão bibliográfica realizada está sintetizada em três quadros que se
encontram nos apêndices A, B e C deste trabalho. No apêndice A está o mapeamento dos
artigos; no B, o de teses e dissertações; e no C há o mapeamento categorizado de teses,
dissertações e artigos sobre o letramento literário.
Segundo os critérios explicitados, a revisão bibliográfica revelou que não há estudos
sobre a vivência estética em práticas escolares de letramento literário. Todavia, encontramos
duas pesquisas que tratam da disciplina Literatura no CPII: As histórias da gente que cabem
num livro: experiências de leitura nas aulas de Literatura do primeiro ano do Ensino
Fundamental (SILVA, R., 2011) e Lobato, infância e leitura: a obra infantil de Monteiro
Lobato em diálogo com crianças na escola da atualidade (TRAVASSOS, 2013), ambas da
UFRJ3. Das duas pesquisas, o estudo de Silva (2011) foi o que mais se aproximou da nossa
investigação, pois, além de tratar das aulas de Literatura, refere-se ao currículo da disciplina,
um dos tópicos deste trabalho.
Silva (2011), em As histórias da gente que cabem num livro: experiências de leitura
nas aulas de Literatura do primeiro ano do Ensino Fundamental, teve como objetivo
conhecer e analisar experiências que a literatura proporciona às crianças de uma turma do 1º
ano do Ensino Fundamental do CPII do campus São Cristóvão I. A pesquisadora concluiu
3 Há uma dissertação que também trata da disciplina Literatura no CPII, mas não entrou no levantamento por não
apresentar o descritor letramento literário. Em Formação do leitor: um bicho de quantas cabeças?, Vinco (2006)
investiga aspectos do trabalho de formação de leitores desenvolvidos no colégio no campus São Cristóvão I. A
pesquisadora traz memórias dos professores em relação às práticas de ensino de Literatura nos anos iniciais, e
também memórias dos alunos em relação à sua formação tanto no primeiro segmento do EFI quanto no restante
da escolaridade no colégio. Embora tal dissertação não contemple o descritor letramento literário, é importante para a pesquisa porque aborda a história da disciplina Literatura no CPII por meio de entrevistas com
professores, além de revelar que as experiências vividas pelos alunos dos anos iniciais, não só nas aulas de
Literatura, mas em outras atividades escolares, foram importantes para a constituição de subjetividades mais
sensíveis à linguagem artística.
22
que, embora as crianças fossem do 1º ano, as aulas de Literatura tinham como objetivo a
leitura no sentido amplo. Sob a orientação da coordenação pedagógica, a professora planejava
a aula, escolhendo previamente as leituras e as atividades propostas após a leitura. Ela lia de
modo fluente, sem interpretações teatrais, mas de forma envolvente devido às entonações e
pausas e pelo gesto de virar as páginas e mostrar as ilustrações. As crianças se acomodavam
voluntariamente para o momento da leitura. Em seguida, aceitavam bem as propostas a serem
realizadas nas mesas, quando então reteciam as histórias, desenhando, colando fragmentos,
entre muitas conversas nos pequenos grupos.
A pesquisadora concluiu que as crianças leem de diversas formas. A história desloca a
criança do lugar onde está e, de corpo inteiro, ela entra na história e se torna
momentaneamente um personagem. As crianças negociam, confrontam informações, afirmam
um posicionamento social e ampliam suas visões de mundo quando têm a oportunidade de
ouvir e falar. Elas não são facilmente conduzidas e nem sempre leem de forma linear. As
crianças puxam fios de suas experiências e leem com o que trazem de suas culturas. Além
disso, estabelecem relações entre as histórias e seus acervos. A pesquisadora ainda concluiu
que a leitura se faz nas interações com o texto e na troca entre os pares, e que a proposta
curricular do CPII é uma estratégia interessante para a formação de leitores, além de uma
referência para outras escolas. Silva (2011) ressaltou a importância do planejamento
pedagógico para a escolha dos livros que são lidos e a criação das atividades pedagógicas
propostas após a leitura, reiterando a necessidade de haver tempo para ouvir as crianças, pois,
quando ouvidas, podemos aprender com elas a desautomatizar as percepções que temos das
coisas e de nós. É necessário tempo para tecer nossas narrativas e pô-las em rede.
A dissertação de Travassos (2013), intitulada Lobato, infância e leitura: a obra
infantil de Monteiro Lobato em diálogo com crianças na escola da atualidade, tratou das
concepções de infância e leitura da obra infantil de Monteiro Lobato e sobre a leitura da obra
do autor na escola. O objetivo foi analisar tal obra e suas relações com a infância e a leitura,
tanto no âmbito dela própria quanto no diálogo com leitores/crianças do mundo
contemporâneo. A pesquisadora trabalhou com turmas do 1º, 2º e 3º anos e esteve em dois
campos de pesquisa, em uma escola municipal e no CPII, onde investigou turmas do 1º e do
2º ano.
A análise sobre a infância na obra de Lobato concluiu que as principais personagens
são crianças livres, que imaginam, trocam ideias, resolvem problemas, criando e recriando o
universo à sua volta. Elas são sujeitos ativos, constituídos na cultura e produtores de cultura.
Essa criança lobatiana está imersa no imaginário e, a partir dele e com ele, dialoga com o
23
mundo real, ressignificando-o. Dessa forma, a marca da concepção de infância do autor é a
valorização e o respeito pelo imaginário infantil.
Travassos (2013) trata ainda da mediação dialógica da atividade proposta e destaca
algumas estratégias significativas para tal mediação: ler em voz alta; ler em capítulos; ler
fazendo gestos; ler mostrando ilustrações; ler, perguntar e anunciar; ler partes do texto e
adaptar outras; ampliar a compreensão dos ouvintes/leitores sobre elementos de outra época
ou ambiente; e ler dramatizando. O professor deve ler sem explicar tudo e traduzir tudo para
os leitores, deixando espaço para eles perguntarem. A pesquisadora também abordou os
modos de ler das crianças, tais como: lendo de corpo inteiro; lendo com a TV; leitura com e
para os pares; negociação e produção de sentidos; produção de sentidos a partir de recriações;
diálogo com os textos a partir da linguagem literária; diálogo com os textos a partir da
identificação com as personagens; e diálogo com os textos a partir das ilustrações.
Conforme dito anteriormente, nesta revisão bibliográfica não encontramos estudos que
tratassem do conceito de vivência estética. Assim, o conceito precisou de mais
aprofundamento teórico, o que foi possibilitado com a realização do doutorado sanduíche, em
2015, na Universidade Autônoma de Barcelona (UAB). Sob a orientação da Profª. Drª. Teresa
Colomer, essa experiência durou quatro meses (setembro a dezembro) e permitiu a minha
participação em duas disciplinas na graduação da Faculdade de Educação Literatura
Infantil e Biblioteca Escolar , em reuniões com o grupo de pesquisa e em aulas do curso de
mestrado em Literatura Infantil e Juvenil. Ademais, possibilitou a realização de um estágio
semanal na Creche Escuela Bressol Can Caralleu, a visita à biblioteca escolar da Escuela
Orlandai, as conversas com pesquisadores e os encontros de orientação com a Profª. Drª.
Teresa Colomer.
A experiência do doutorado sanduíche me levou à constatação de que a vivência
estética é uma parte do todo, isto é: uma das dimensões da literatura no âmbito da educação
literária. Além disso, concluí que, metodologicamente, não é possível descrever e analisar
como uma pessoa vivencia esteticamente aulas de Literatura. No máximo poderíamos dizer
que ela provavelmente vivenciou esteticamente tais aulas, a partir do relato das
transformações que viveu, das emoções que sentiu, das reflexões que realizou.
No doutorado tive acesso ao livro La experiencia de la lectura (LARROSA, 2003),
que propiciou o entendimento de que os conceitos de experiência estética e vivência estética
tratam da mesma questão sob pontos de vista diferentes, um da Psicologia (VIGOTSKI, 2010)
e outro da Filosofia (LARROSA, 2003). Concluí ainda que ambos os conceitos, inclusive o
24
bakhtiniano de contemplação estética (BAKHTIN, 1993b), atuam como uma parte do todo
naquilo que o letramento literário e a educação literária abarcam.
O doutorado sanduíche nos aproximou do conceito de educação literária, e para
compreendê-lo melhor realizei outra revisão bibliográfica. Elegi como critério teses
orientadas pela Profª. Drª. Teresa Colomer na UAB. A escolha pela professora se deve ao
marco que sua tese representou no desenvolvimento do conceito de educação literária e ao
fato de que ela é a principal pesquisadora de um dos grupos de pesquisa da área mais
representativos da Europa, o Grupo de Investigación de Literatura Infantil y Juvenil y
Educación Literaria (Gretel/UAB).
Optei pelo período de dez anos, contados a partir do ano em que vivi o doutorado, e
assim busquei teses do período de 2005 a 2015 no site do próprio grupo de pesquisa.
Selecionei trabalhos com o descritor educação literária produzidos no âmbito do
Departamento de Didática da Língua e da Literatura. Encontrei sete (7) teses que podem estar
organizadas em três categorias: Literatura infantil, Educação primária e Educação
secundária. O apêndice D mostra o mapeamento dessas pesquisas.
Das teses encontradas, destaco a pesquisa Qué han de saber los niños sobre
literatura? Conocimientos literarios y tipos de actuaciones que permiten progresar en la
competencia literaria, escrita por Martina Fittipaldi (2013). A pesquisa tratou de currículos de
Literatura do último ciclo da escola primária de Catalunha, Espanha, França, Inglaterra e
Quebec. Os objetivos da pesquisa foram, em primeiro lugar, revisar as principais
contribuições da Didática da Literatura durante as últimas décadas em relação às
aprendizagens e às práticas que favorecem a educação literária das crianças; em segundo
lugar, conhecer as legislações educativas sobre os modos de organizar as competências e as
metodologias de trabalho literário a partir da descrição e da análise dos diferentes currículos.
Além disso, pôr em relação os dois objetivos iniciais a fim de assinalar quais dos aspectos
comuns defendidos pelas pesquisas da área da Didática da Literatura são retomados. Por fim,
estabelecer uma proposta em torno das aprendizagens literárias e das maneiras de organizá-las
para a educação primária. A tese colaborou ainda na descrição e na análise do currículo de
Literatura do CPII.
Além da pesquisa de Fittipaldi (2013), ressalto a investigação de Felipe Munita
(2014), intitulada El mediador escolar de lectura literaria. Un estudio del espacio de
encuentro entre prácticas didácticas, sistemas de creencias y trayectorias personales de
lectura. O pesquisador investiga os mediadores escolares de leitura literária (estudantes do
magistério e professoras em exercício), e sua tese contribuiu para a parte metodológica do
25
nosso trabalho. Ele traz perguntas de entrevistas com docentes e apresenta ainda um
instrumento de observação de aulas de Literatura, chamado de Pauta de
Observação/Sistematização de Práticas Didáticas em Educação Literária (Popradel), com o
objetivo de contribuir com a compreensão dos diversos âmbitos que influenciam as práticas
de um mediador de leitura literária no contexto escolar.
Após as duas revisões bibliográficas, foram encontrados cento e cinquenta e oito (158)
trabalhos, e desse universo as dissertações de Silva (2011) e Travassos (2013) e as teses de
Fittipaldi (2013) e Munita (2014) representam os trabalhos que mais dialogaram com esta
investigação.
Considerando a experiência do doutorado sanduíche sob a orientação da Profª. Drª.
Patrícia Corsino, alteramos novamente a pergunta de pesquisa de Como alunos e professores
vivenciam esteticamente aulas de Literatura dos anos iniciais do Colégio Pedro II campus
Humaitá I? para O que se ensina nas aulas de Literatura do Ensino Fundamental I do
Colégio Pedro II campus Humaitá I? Todavia, a banca do 2º Exame de Qualificação
problematizou a última pergunta, afirmando que o trabalho abarcava mais do que estávamos
indagando. Dessa maneira, modificamos mais uma vez a pergunta de pesquisa e saímos do
que se ensina para as aulas de Literatura. Perguntamos: Como são as aulas de Literatura do
Ensino Fundamental I do Colégio Pedro II campus Humaitá? O que estas aulas fazem com
os sujeitos e o que eles fazem nela?
A escolha do CPII como campo de pesquisa se deu por diversas razões. Entre elas
destaco o fato de o colégio apresentar um currículo específico, equipe pedagógica própria e
tempo semanal garantido na grade curricular para as aulas de Literatura4. Sabemos que por lei
não há a obrigatoriedade de um currículo específico de Literatura nas escolas públicas
brasileiras do EFI, e como há no CPII entendemos que valeria a pena investigar tal
especificidade. Ademais, a disciplina no campus Humaitá I nunca fora pesquisada no meio
acadêmico, embora exista há trinta anos. O enfoque no EFI foi escolhido devido à minha
própria trajetória profissional e às questões que envolvem a alfabetização. Esta etapa da
Educação Básica representa uma especificidade, na qual o trabalho com a literatura pode ser
um grande aliado. Queríamos ver como ele era conduzido. Além disso, vivemos um momento
especial do colégio, pois o EFI completou trinta anos em 2016, o que, entre outras coisas,
instigava a equipe a se pensar, a fazer retrospectivas, e também, para alguns professores, a
4 Vale ressaltar que a literatura também está presente em outros espaços e ações docentes, ou seja, não se
circunscreve somente às aulas de Literatura. Como exemplo temos o Clube de Leitura que acontece no campus
São Cristóvão I. Para conhecer mais sobre o trabalho, ver: COELHO, Dione. Crianças leitoras e suas escolhas
literárias: um estudo com alunos do 5º ano do Colégio Pedro II. UFRJ, 2015.
26
atingir o tempo para se aposentar. Assim, investigamos a equipe pedagógica, composta por
uma coordenadora e duas professoras, e tivemos contato com duas coordenadoras, a última e
a atual, e com as duas professoras de Literatura que estavam na ativa.
Por tais razões escolhemos esse campo e sujeitos de pesquisa. E por que a Literatura?
O que a disciplina apresenta que faz valer a pena um olhar de pesquisador? Partimos do
princípio, com base em Candido (1972), de que a literatura se constitui como um bem
incompressível, isto é, imprescindível ao sujeito, que se insere na ordem dos direitos
humanos. Já com base em Vigotski (2008) entendemos que a literatura atua no âmago do
processo de desenvolvimento do ser humano, no seu mundo simbólico e no processo de
imaginação e criação, e é uma das responsáveis pelo desenvolvimento não apenas cultural do
homem, mas também artístico, técnico e científico.
A capacidade de criação faz do homem um ser projetado para o futuro, capaz de
modificar o seu presente. Essa capacidade é denominada pela Psicologia de imaginação ou
fantasia. Embora no senso comum a imaginação seja compreendida como o não real, para
Vigotski (2008, p. 13) todo o mundo da cultura, diferentemente do mundo da natureza, é
produto da imaginação e da criação humana.
Larrosa (2003, p. 27) defende que a imaginação tem uma relação reprodutora e
produtiva com a realidade, pois está ligada à capacidade produtiva da linguagem. O autor
relembra que, como fictio vem da palavra facere, podemos afirmar que o que ficcionamos é
algo feito. A imaginação produz, incrementa e transforma a realidade.
Uma das questões importantes da Psicologia e da Pedagogia, no dizer de Vigotski
(2008, p. 15), é a capacidade criadora das crianças. O fomento dessa capacidade, presente nas
brincadeiras, na leitura de textos literários, é fundamental para o desenvolvimento humano.
Ao brincar, ouvir histórias e poemas, as crianças não se limitam a reproduzir a realidade. Elas
reelaboram criadoramente, combinam experiências e criam novas realidades.
Se quisermos proporcionar às crianças bases sólidas para a sua atividade criadora,
Vigotski (2008, p. 20) recomenda que ampliemos as suas experiências. Quanto mais elas
veem, ouvem, experimentam, aprendem, de quanto mais elementos dispõem para imaginar e
criar, mais produtivas serão as atividades de sua imaginação. Para o autor, a imaginação
também se converte em um meio de ampliar a experiência do homem. Ao serem capazes de
imaginar o que não viram, o que não experimentaram diretamente, por via da narrativa de
outro, as crianças não ficam fechadas ao círculo estreito de sua própria experiência
(VIGOTSKI, 2008, p. 21-22). Outra relação que o autor faz entre imaginação e realidade é
que as emoções que nos contagiam por meio das imagens artísticas, filhas da fantasia, são
27
reais. Elas nos emocionam mesmo sabendo que são elucubrações da fantasia. Por sua vez, a
fantasia também pode construir algo novo. Ao receber forma nova, começa a existir no
mundo e a influenciar os demais objetos. Assim, na teoria de Vigotski (2008, p. 17) a
imaginação não é um divertimento caprichoso do cérebro, mas uma função vital.
Para Calvino (2016, p. 108-109) a imaginação é a alma do mundo. Uma pedagogia da
imaginação seria uma maneira de nos habituar à visibilidade, “a controlar a própria visão
interior sem sufocá-la e sem, por outro lado, deixá-la cair num confuso e passageiro fantasiar,
mas permitindo que as imagens se cristalizem numa forma bem definida, memorável,
autossuficiente” (CALVINO, 2016, p. 110). Segundo o autor, muitos elementos concorrem
para a formação da parte visual da imaginação literária, como a observação direta do mundo
real, a transfiguração fantasmática e onírica, o mundo figurativo transmitido pela cultura e um
processo de abstração, condensação e interiorização da experiência sensível, importante tanto
na visualização quanto na verbalização do pensamento (CALVINO, 2016, p. 112).
De acordo com Vigotski (2008, p. 98), o homem terá que conquistar o seu futuro com
a sua imaginação criadora. Como a imaginação tem como função básica orientar o porvir, um
dos princípios do trabalho com a literatura na escola consistiria, então, em preparar o aluno
para esse porvir? Por meio da criação artística, que imprime à fantasia uma direção nova que
fica para toda a vida, a criança aprofunda, alarga e depura a sua vida emocional, e, ao
exercitar a imaginação e a criação, vai dominando a linguagem, organizando, formulando e
transmitindo seus pensamentos, sentimentos, seu mundo interior. Em suma, a criação artística
não é apenas uma forma de expressão do sujeito, mas também a possibilidade de ele
desenvolver a imaginação criadora.
Tais afirmações se relacionam com uma das proposições de Larrosa (2003, p. 25-26):
pensar a leitura como formação. Isso significa compreender a leitura como uma atividade
relacionada com a subjetividade do leitor. Trata-se de pensar a leitura como algo que nos
forma, que nos constitui, ou nos põe em questão com aquilo que somos.
Para que a leitura resulte em formação é necessário que haja uma relação íntima entre
o texto e a subjetividade. Essa relação poderia ser pensada como experiência. Do ponto de
vista de Larrosa (2003, p. 29), a experiência seria o que nos passa. Ele explicita que ex-per-
ientia significa sair afora e passar através. Em alemão, experiência (erfahrung) se traduz
normalmente por viajar. Em português, experiência é “aquilo que nos acontece”; em francês,
“aquilo que nos chega”; em italiano, “aquilo que nos sucede”; em inglês, “o que acontece
conosco”. A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos chega (LARROSA,
2003, p. 87, grifos do autor).
28
A ciência moderna, desconfiada da experiência, converteu-a em experimento. Nesse
caso, a experiência se torna método da ciência objetiva (LARROSA, 2003, p. 35). A literatura
vem, então, na contramão desse conceito de experiência como experimento, já que “exprime o
homem e depois atua na própria formação” dele (CANDIDO, 1972, p. 804).
Compreendendo também que a literatura responde a um projeto de conhecimento do
homem e do mundo, Compagnon (2012, p. 37-52), ao discutir a literatura ao longo de sua
história, observa seus quatro poderes. Inicialmente, na Grécia Antiga, a literatura era vista
como o que deleita e instrui. Aristóteles colocava o prazer de aprender na origem da arte
poética. Para ele as finalidades da literatura eram duas: instruir ou agradar, ou instruir
agradando. O mesmo era reconhecido por Horácio, que qualificava a poesia como doce e útil
(COMPAGNON, 2014, p. 35). Para o modelo humanista, mais próximo da acepção clássica, a
experiência literária possibilitaria a construção de um conhecimento do mundo e dos homens.
Mas que conhecimento é esse que a literatura daria ao homem? Segundo a tradição clássica,
esse conhecimento tem por objeto o que é geral, isto é, aquilo que permite compreender e
regular o comportamento humano e a vida social. De acordo com a visão romântica, esse
conhecimento se refere ao que é individual e singular. Para Compagnon (2014) essa
concepção de conhecimento literário correspondeu à visão de mundo de uma classe em
particular: a burguesia, que via no leitor o modelo de homem livre. Assim, a subjetividade
moderna teria se desenvolvido com a ajuda da literatura: “Atravessando o outro, ele atinge o
universal: na experiência do leitor, „a barreira do eu individual, na qual ele era um homem
como os outros, ruiu‟ (Proust), „eu é um outro‟ (Rimbaud)” (COMPAGNON, 2014, p. 36).
Se a literatura tem o poder de deleitar e instruir, conforme a visão de uma determinada
classe social, confirmando um consenso, ela também pode produzir a dissensão, o novo, a
ruptura (COMPAGNON, 2014, p. 36-37). Este seria para o autor o seu segundo poder. Já o
terceiro poder da literatura trataria da sua capacidade de falar a todo o mundo, recorrer à
língua comum e transformá-la em uma língua particular, a literária.
Calvino (2016) alerta que, na perspectiva da transformação da língua, a literatura não
pode ignorar a exatidão. O justo emprego da linguagem é que permite o aproximar-se das
coisas (presentes ou ausentes) com discrição, atenção e cautela, respeitando o que as coisas
comunicam sem o recurso das palavras. Tal transformação, para Calvino (2016, p. 41),
também não deve prescindir da leveza. A leveza é uma reação ao peso do viver, um respiro.
Quando um texto literário a alcança, cumpre sua função existencial. Para Compagnon (2012,
p. 52) este seria o quarto poder da literatura.
De acordo com Jouve (2012), nossas leituras literárias organizam e reorganizam a
29
nossa experiência, colocam-nos no campo dos possíveis e nos lembram de que as coisas
poderiam ser diferentes do que são. Elas solicitam as nossas capacidades de análise e reflexão,
pois supõem um trabalho ativo e dinâmico sobre o texto. Favorecendo a liberdade de juízo, a
literatura leva o leitor a um trabalho intelectual devido à organização estética do texto. Ela
exprime conteúdos diversos, principais e secundários, evidentes e problemáticos, coerentes e
contraditórios. Aí está um dos seus valores, a natureza e a originalidade dos saberes que
veicula. Isso só é possível por causa da liberdade que a funda (JOUVE, 2012, p. 163-165).
Para Barthes (2013, p. 18), caso todas as nossas disciplinas fossem expulsas do ensino,
somente a Literatura deveria ser salva porque todas as ciências estão presentes nela. A
literatura faz girar os saberes, trabalha nos interstícios da ciência. Ela não diz que sabe alguma
coisa. Mas que sabe de alguma coisa. Coloca lugares diferentes de fala frente a frente. Ela
possibilita vivermos de modo dialético os problemas. Viver de modo dialético significa
apropriar-se de uma visão de conjunto. Conforme observa Carlos Nelson Coutinho (apud
KONDER, 2012, p. 44), a dialética não pensa o todo negando as partes e nem pensa as partes
abstraídas do todo. A dialética pensa as contradições entre as partes, isto é, a diferença entre
elas (o que difere uma obra de arte de um panfleto, por exemplo), como também a união entre
elas, ou seja, a relação entre a arte e a política. Assim, viver de modo dialético os problemas
tem a ver com refletir sobre a parte e o todo, incluindo as contradições existentes.
Em diálogo com a construção de um modo dialético de viver, Calvino (2016, p. 129)
propõe que a multiplicidade seja um valor no âmbito da literatura. Para ele o desafio da
literatura é saber tecer em conjunto os diversos saberes e códigos em uma visão pluralística e
multifacetada do mundo. Um texto multíplice, múltiplo de sujeitos, vozes e olhares sobre o
mundo.
A literatura nos ensina, então, a pensar de modo dialético. Ela nos torna
diferentemente inteligentes (COMPAGNON, 2012, p. 49).
Além de trabalhar nas fronteiras das diferentes ciências, a literatura busca a
representação do real (BARTHES, 2013, p. 22-23). Essa busca vem desde os tempos antigos.
Todavia, o real não é representável, e é por isso que os homens querem sempre representá-lo
por meio de palavras. Dessa maneira, podemos dizer que a literatura também é realista, na
medida em que tem o real por objeto de desejo. Mas ela também é irrealista. Apresenta o
desejo do impossível, da utopia. O escritor teima como um espião que se encontra na
encruzilhada de todos os outros discursos. “Teimar quer dizer, em suma, manter ao revés e
contra tudo a força de uma deriva e de uma espera e é precisamente porque ela teima que a
escritura é levada a deslocar-se” (BARTHES, 2013, p. 27-28). Deslocar-se aqui significa
30
transportar-se para um lugar inesperado ou abjurar (renegar) o que escreveu.
Provocando esses deslocamentos, a literatura pode possibilitar ao homem a construção
de traços considerados fundamentais, como “o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a
boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos
problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o
cultivo do humor” (CANDIDO, 2004, p. 22). Ela nos oferece uma nova capacidade de
comunicação com seres diferentes de nós mesmos e possibilita o encontro com outros
sujeitos. Segundo Todorov (2010, p. 80-82), conhecer novas personagens é como encontrar
novas pessoas. Quanto menos essas personagens se parecem conosco, mais ampliado e rico se
torna o nosso horizonte. Tal amplitude interior representa a inclusão na nossa consciência de
novas maneiras de ser junto àquelas que já possuímos. A literatura nos oferece uma nova
capacidade de comunicação com seres diferentes de nós. Aprendemos a pensar colocando-nos
no lugar do outro, sendo o outro pessoas reais ou personagens literários.
Portanto, a literatura tem papel humanizador. Como descrito por Candido (2004, p.
20), o produtor ordena o material bruto, organiza e assim constrói uma mensagem. Por essa
razão o nosso caos interior também se ordena e, dessa maneira, a mensagem atua. A obra
literária pressupõe a superação desse caos, o qual, com um arranjo especial das palavras,
constrói uma proposta de sentido. Compagnon (2012) afirma que a literatura não é a única a
dar forma à experiência humana, mas tem sua especificidade:
Todas as formas de narração, que compreendem o filme e a história, falam-nos da
vida humana. O romance o faz, entretanto, com mais atenção que a imagem móvel e
mais eficácia que a anedota policial, pois seu instrumento penetrante é a língua, e ele
deixa toda a sua liberdade para a experiência imaginária e para a deliberação moral,
particularmente na solidão prolongada da leitura. Aí o tempo é meu. Sem dúvida
posso suspender o desenrolar do filme, pará-lo em uma imagem, mas ele durará sempre uma hora e meia, ao passo que eu dito o ritmo de minha leitura e das
aprovações e condenações que ela suscita em mim. Eis por que a literatura continua
sendo a melhor introdução à inteligência da imagem. E a literatura romance,
poesia ou teatro inicia-me superiormente às finesses da língua e às delicadezas do diálogo [...]. A literatura não é a única, mas é mais atenta que a imagem e mais
eficaz que o documento, e isso é suficiente para garantir seu valor perene
(COMPAGNON, 2012, p. 70-71). Dessa maneira, a literatura acessa regiões da experiência que outros discursos
negligenciam. Ela nos liberta das maneiras convencionais de pensar a vida, a nossa e a dos
outros (COMPAGNON, 2012, p. 64-65). A literatura é vida em discurso.
Para Larrosa (2003, p. 39) o sentido de quem somos está construído narrativamente.
Então, as histórias que escutamos e lemos, assim como o funcionamento dessas histórias no
interior das práticas sociais, como as pedagógicas, terão um papel muito importante. Em
consonância com essa ideia, Colomer (2017, p. 19-20) defende que a literatura deve cumprir,
31
principalmente, três funções: a) iniciar o acesso ao imaginário compartilhado por uma
determinada sociedade; b) desenvolver o domínio da linguagem através das formas narrativas,
poéticas e dramáticas do discurso literário; e c) oferecer uma representação articulada do
mundo que sirva como instrumento de socialização das novas gerações.
A literatura tem função vital na escola. Larrosa (2003, p. 45-46) afirma que aprender a
ler não é somente adquirir a capacidade de entender o que o texto enuncia na superfície, e sim
ser capaz de escutar no que foi dito o que está nas entrelinhas, nos presumidos. Assim, a ação
de ler vai além do texto. Permitir que as crianças tomem a palavra implica a ruptura com o
dito. Distanciar-se em relação ao que foi dito e transgredir as regras do dizer. Assim é que, ao
se ensinar a ler, ensina-se uma relação com o texto, uma forma de atenção, uma atitude de
escuta, uma inquietude, uma abertura. Isso não significa somente deixar que as crianças leiam.
Significa fazer com que a experiência seja possível, como manter a biblioteca viva como um
espaço de formação.
Diante do exposto, retomamos a indagação: Como são as aulas de Literatura do
Ensino Fundamental I do Colégio Pedro II campus Humaitá? O que estas aulas fazem com
os sujeitos e o que eles fazem nela?
Com o objetivo geral de compreender as aulas de Literatura do EFI do CPII campus
Humaitá, percorremos os seguintes objetivos específicos:
1) Analisar a proposta curricular de Literatura do CPII e sua articulação com as aulas
de Literatura;
2) Conhecer e analisar o que fazem as professoras e o que orienta a coordenação
pedagógica de Literatura no que se refere à metodologia, aos objetivos, aos conteúdos, às
atividades pedagógicas, ao corpus literário e aos critérios de seleção dele;
3) Compreender o significado que as professoras e a coordenação pedagógica de
Literatura atribuem às aulas, além das concepções de leitura literária que sustentam suas
aulas.
Para tanto, realizamos uma pesquisa qualitativa com base em características da
pesquisa em Ciências Humanas, de acordo com Bakhtin (2003). O encontro entre pesquisador
e pesquisado aconteceu por meio de dois procedimentos teórico-metodológicos: observação
participante (TURA, 2003) e entrevistas (ZAGO, 2003).
A tese está organizada da seguinte maneira:
O primeiro capítulo “O letramento literário e a educação literária” traz a
definição de cada um desses conceitos e discute sobre literatura, literatura infantil e arte.
32
O segundo capítulo “A formação literária” apresenta uma abordagem formativa
para se pensar a literatura na escola.
O terceiro “As linhas de força de promoção da leitura” relaciona as linhas de
força que estão em disputa nas aulas de Literatura com as dimensões da literatura.
O quarto “Questões teórico-metodológicas” apresenta o marco metodológico da
pesquisa e o perfil dos sujeitos pesquisados.
O quinto capítulo “Proposta curricular das aulas de Literatura do Ensino
Fundamental I do Colégio Pedro II” apresenta e analisa a proposta curricular das aulas de
Literatura do referido colégio.
O sexto capítulo “Aulas de Literatura no Colégio Pedro II: entre concepções e
práticas” descreve e analisa o que fazem as professoras e o que orienta a coordenadora
pedagógica quanto à metodologia, aos objetivos, aos conteúdos, às atividades pedagógicas e
ao corpus literário; os significados que as professoras de Literatura e a coordenadora atribuem
às aulas de Literatura; e as concepções de leitura literária que sustentam suas aulas.
Em seguida, apresentamos as considerações finais da investigação. E, por fim,
listamos as referências bibliográficas e compartilhamos as revisões bibliográficas, bem como
o roteiro das entrevistas realizadas, os temas geradores e os gêneros discursivos selecionados
para as aulas de Literatura (apêndices).
Para início de conversa, vamos, então, tratar dos conceitos de letramento literário e
educação literária. O que significa cada um deles? Há aproximações?
33
1 O LETRAMENTO LITERÁRIO E A EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Arte, diriam os „práticos‟, arte para quê? É perda de tempo, é „frescura‟ de gente
desocupada. Arte hoje não tem valor próprio, só vale se virar indústria e comércio,
se tiver valor no mercado. Há muita discussão.
PAULINO, 1999, p. 53
Este capítulo se coloca na tensão entre “o quê” e o “para quê” de se ensinar literatura
para as crianças dos anos iniciais do EF. Há lugar para a arte literária na escola? A utilidade
do inútil dentro da escola encontra espaço na discussão que vamos tecer. Inicialmente,
trazemos algumas definições de literatura. Em seguida, apresentamos dois conceitos, o de
letramento literário e o de educação literária, que são pano de fundo da discussão acerca da
escolarização da literatura.
1.1 Quando é literatura?
Abordar os livros destinados a crianças e jovens como literatura (LAJOLO;
ZILBERMAN, 2017) e literatura como arte supõe termos definidos previamente ambos os
conceitos. No mundo contemporâneo, porém, não há consenso sobre eles, de modo que nosso
posicionamento representa uma das abordagens em disputa.
Em conformidade com Lajolo e Zilberman (2017, p. 12-14), partimos da ideia de que
os livros para crianças e jovens são literatura não infantil, e que pertencem a um amplo
sistema simbólico que inclui todas as “criações de toque poético, ficcional ou dramático em
todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos
folclore, lenda, chiste, até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das
grandes civilizações” (CANDIDO, 2004, p. 16). Tal definição de literatura, a nosso ver, é a
mais adequada para refletirmos sobre a literatura na escola, pois inclui gêneros discursivos
que nela são valorizados, como as parlendas, o cordel e as cantigas de roda. Esse sistema
simbólico é composto por obras
ligadas por denominadores comuns, que [...] são, além das características internas
(língua, temas, imagens), certos elementos de natureza social e psíquica, embora
literariamente organizados, que se manifestam historicamente e fazem da literatura
aspecto orgânico da civilização. Entre eles se distinguem: a existência de um
conjunto de produtores literários, mais ou menos conscientes do seu papel; um
conjunto de receptores, formando os diferentes tipos de públicos, sem os quais a
obra não vive; um mecanismo transmissor, (de modo geral, uma linguagem,
traduzida em estilos), que liga uns a outros. O conjunto dos três elementos dá lugar a
um tipo de comunicação inter-humana, a literatura, que aparece sob este ângulo
como sistema simbólico, por meio do qual veleidades mais profundas do indivíduo
34
se transformam em elementos de contacto entre os homens, e de interpretação das
diferentes esferas da realidade (CANDIDO, 2009, p. 25).
A escolha por uma das definições existentes de literatura denota que essa categoria
não é eterna, imutável e muito menos objetiva. Sua instabilidade resulta do fato de juízos de
valor serem variáveis (EAGLETON, 2006, p. 16). De acordo com Eagleton (2006, p. 22-24),
valor é um termo transitivo que significa tudo aquilo que é considerado valioso por
determinadas pessoas em situações específicas, conforme critérios específicos e à luz de
determinados objetivos. Esses juízos de valor têm uma relação estreita com as ideologias
sociais e se referem tanto ao gosto particular quanto aos pressupostos pelos quais certos
grupos sociais exercem e mantêm o poder sobre outros. A estrutura de valores é parte do que
entendemos por ideologia. Para o autor, ideologia é a maneira pela qual o que dizemos e o que
acreditamos se relaciona com a estrutura de poder e com as relações de poder da sociedade
em que vivemos.
O „nosso‟ Homero não é igual ao Homero da Idade Média, nem o „nosso‟
Shakespeare é igual ao dos contemporâneos desse autor. Diferentes períodos
históricos construíram um Homero e um Shakespeare „diferentes‟, de acordo com
seus interesses e preocupações próprios, encontrando em seus textos elementos a
serem valorizados ou desvalorizados, embora não necessariamente os mesmos. Todas as obras literárias, em outras palavras, são „reescritas‟, mesmo que
inconscientemente, pelas sociedades que as leem; na verdade, não há releitura de
uma obra que não seja também uma „reescritura‟ (EAGLETON, 2006, p. 18-19).
Segundo Lajolo e Zilberman (2017), possivelmente, a era do livro fomentou a
literatura. Antes dele tínhamos a poesia, o gesto, a imagem, o som, que, por meio da voz, do
corpo, do olhar e da audição, eram transmitidos. Com a escrita, a visão foi direcionada para as
letras, e com a criação do códice houve a diminuição das tarefas da voz e das funções do
corpo, à medida que um conjunto de manuscritos registrados em pergaminho foi reunido em
volumes.
No século I d.C. apareceu o livro no formato que conhecemos atualmente. Todavia,
sua difusão ocorreu somente com a invenção da prensa mecânica em meados do século XV. A
partir de Gutenberg (1398-1468), diversas práticas que aconteciam paralelamente, como a
leitura silenciosa, a cópia artesanal de manuscritos e a organização dos estudos laicos,
estabilizaram-se nas recentes universidades europeias (LAJOLO; ZILBERMAN, 2017, p. 23).
Com a modernidade (século XVI ao XVIII), Lajolo e Zilberman (2017, p. 27) afirmam
que novos gêneros surgiram, como o conto, a novela, o romance, os quais foram definidos de
acordo com diferentes critérios: ora pelos seus consumidores (literatura infantil e juvenil
(LIJ), literatura de massa), ora pelos seus temas (literatura policial, fantástica), ora pelas
formas de relatar (memórias, autobiografia), ora pela sua aplicação (literatura escolar,
35
didática, paradidática), e outras vezes ainda pelo seu emprego, como em dicionários,
enciclopédias e receitas culinárias.
No século XVI, conforme nos informa Jouve (2012, p. 29), a literatura significava
cultura, erudição. “Ter literatura” era o mesmo que possuir um saber e pressupunha a afiliação
a uma elite, a um “grupo de pessoas de letras”. Contudo, no século seguinte a maioria dos
nobres não sabia ler e o trabalho intelectual era pouco rentável. Por isso, os escritores
buscaram mecenas e tentaram trabalhar como secretários, bibliotecários e preceptores.
Escrever não tinha prestígio (ABREU, 2003, p. 12-13).
Apesar disso, na França os letrados se organizaram em academias e salões, onde
passaram a obter maior valorização, e essa situação promoveu a participação do Estado.
Nesses espaços, segundo Abreu (2003, p. 13), conviviam matemáticos, filósofos, poetas,
astrônomos, que, aos poucos, foram colaborando na especialização das áreas do saber (Letras,
Ciências e Artes). Entretanto, os limites entre as áreas do saber ainda eram frágeis. A
autonomização da literatura só viria no século XVIII e, mesmo assim, associada a outras
áreas, o que pode ser visto na definição de literatura da Enciclopédia:
LITERATURA (Ciências, Belas-Letras, Antiq.) termo geral que designa a erudição,
o conhecimento das Belas-Letras e das matérias que com ela têm relação. Veja o
verbete LETRAS, em que, fazendo seu elogio, se demonstra sua íntima união com
as Ciências propriamente ditas (DIDEROT; D‟ ALEMBERT apud ABREU, 2003,
p. 14).
De acordo com Eagleton (2006), a expressão Belas-Letras ou bela escrita denota uma
escrita muito respeitada que pode ou não nos levar à opinião de que um exemplo dela é
“belo”. Tal expressão traz embutida a ideia de que a literatura é a escrita bela e que o estilo
considerado literário tem que ser do tipo considerado belo. Para o autor essa definição de
literatura como escrita bela não tem validade geral, pois, caso contrário, não existiria a “má
literatura” (EAGLETON, 2006, p. 15).
A noção clássica de Belas-Letras representa a literatura no sentido mais amplo.
Literatura é tudo o que é impresso ou manuscrito, são os livros que estão na biblioteca. Nesse
período do século XVIII, conforme explicita Jouve (2012, p. 30), a literatura incluía tanto as
obras de ficção quanto os escritos históricos, filosóficos e científicos. Porém, entendida dessa
forma, Compagnon (2014) adverte que a literatura perdia a sua especificidade, uma vez que
“sua qualidade propriamente literária lhe é negada” (COMPAGNON, 2014, p. 31).
Com as mudanças ocorridas no mundo da leitura, no final do século XVIII e início do
século XIX, houve a elaboração de um novo conceito de literatura (ABREU, 2003, p. 28),
relacionada com o início de uma nova maneira de ver os estudos literários. Segundo
Compagnon (2012, p. 15, grifo do autor), no final do século XVIII, a literatura era
36
compreendida como “una e própria, presença imediata, valor eterno e universal”. Essa
concepção é representada pela tradição teórica dos estudos literários, o que significa que a
atenção está voltada para as noções elementares da disciplina. O texto é um fato da língua. Já
no início do século XIX há uma preocupação com o contexto e atenção para com o outro
(COMPAGNON, 2012, p. 21). Nessa outra tradição dos estudos literários, caracterizada por
ser histórica, a literatura é vista como outro na distância de seu tempo e de seu lugar. O texto
é documento (COMPAGNON, 2012, p. 15).
Além do surgimento de um novo conceito de literatura, o mundo da leitura continuava
sofrendo alterações. De acordo com Abreu (2003, p. 19-23), o aumento do número de
alfabetizados tornou a leitura mais acessível, o que possibilitou o surgimento de novas formas
de circulação de notícias e o aumento da produção editorial.
O ato de ler e escrever deixou de ser uma distinção social. Isso fez com que surgissem
novas formas de hierarquização do saber. Alguns dos protagonistas dessa hierarquização
foram os críticos e os acadêmicos, que se constituíram em um grupo que postulava,
reconhecia e avaliava a natureza literária de certos textos. A eles foi dada a responsabilidade
de estabelecer, alterar e legislar sobre a identidade e o valor dos escritos que ansiavam pelo
status de arte (LAJOLO; ZILBERMAN, 2017, p. 27).
Segundo Abreu (2003, p. 18), no início do século XIX, Voltaire introduziu as
categorias gosto e beleza como um critério de qualidade literária. Elas influenciaram a
elaboração das historiografias literárias. Apesar delas, a definição de literatura como um
conjunto de conhecimentos se manteve. No fim do século XIX tal definição mudou, conforme
apontado anteriormente. Foi mantida a noção de saber e acrescentada a de produção.
LITTERATURA: neste e der. S.f. (do Lat.) Erudição, sciencia, noticia das boas
lettras, e humanidades [...] O conjunto das producções literárias d‟uma nação, d‟um
paiz, d‟uma época (SILVA apud ABREU, 2003, p. 31).
O estudo da literatura no período era a via para a compreensão de uma nação. A
filologia do século XIX entendia que pela língua, pela literatura e pela cultura estaria formada
uma unidade que identificaria uma nação. A filologia desse século desejava ser o estudo de
toda uma cultura, da qual a literatura era o testemunho mais próximo (COMPAGNON, 2014,
p. 31).
A literatura reinava, e o tradicional sistema de gêneros poéticos, perpetuado desde a
Antiguidade por Aristóteles, entrava em declínio. Conforme explica Compagnon (2014, p. 32-
38), esse sistema compreendia apenas os gêneros épico e dramático. Ele não incluía o lírico,
pois não o considerava ficção. Na modernidade, a narração e o drama estavam abandonando
cada vez mais o verso para adotar a prosa. Dessa maneira, a literatura, que na Antiguidade era
37
chamada de poética, já não representava bem o que estava sendo considerado literatura. O
gênero que Aristóteles excluía da poética, a poesia lírica, tornou-se sinônimo de todo poema e
a literatura passou a englobar o romance, o teatro e o poema. Além disso, os gêneros épico e
dramático, identificados com a prosa, e o poético, com o verso, sofreram mais desconstruções
com a entrada do verso livre e do poema em prosa, da prosa rimada, entre outras.
No século XIX, com o aumento da autonomia das ciências positivas, a literatura
deixou de incluir os escritos científicos. Ou seja, passou a limitar-se ao campo da criação
estética. A literatura passa a ser considerada um discurso não pragmático. Para Eagleton
(2006, p. 12), essa definição de literatura como um discurso não pragmático traz consigo
problemas porque ela fica dependente da maneira pela qual alguém resolve ler, e não da
natureza daquilo que é lido. “Se examino o horário dos trens não para descobrir uma conexão,
mas para estimular minhas reflexões gerais sobre a velocidade e complexidade da vida
moderna, então poder-se-ia dizer que o estou lendo como literatura” (EAGLETON, 2006, p.
14). O fato de poemas, peças de teatro e romances não serem textos pragmáticos não garante
que serão lidos dessa maneira. Há textos que nascem literários. Outros atingem essa condição,
e em outros tal condição é imposta. O que importa pode não ser a origem do texto, mas a
maneira como ele é considerado pelas pessoas. Se decidirem que se trata de literatura, então
ele o será. O autor defende que a distinção entre as maneiras prática e não prática de nos
relacionarmos com a linguagem não nos leva ao seu âmago.
Em contraposição a essa concepção (literatura como discurso não pragmático), Jouve
(2012, p. 30-31) apresenta outra definição de literatura que intenta atingir este âmago. A
literatura é o uso estético da linguagem escrita. A delimitação ao campo da criação estética
remeteu à sua riqueza semântica; a um saber que resulta do humano; ao seu caráter inédito; ou
à menção a uma questão humana essencial. O autor ainda destaca que o texto literário
manifesta conteúdos singulares porque não tem que considerar as exigências da realidade nem
as da moralidade.
Como tantos filósofos repetiram desde Frege, o enunciado de ficção não é nem
verdadeiro nem falso (mas apenas, teria dito Aristóteles, „possível‟), ou é
simultaneamente verdadeiro e falso: ele está além ou aquém do verdadeiro e do falso, e o contrato paradoxal de irresponsabilidade recíproca que ele mantém com
seu receptor é um emblema perfeito do famoso desinteressamento estético
(GENETTE apud JOUVE, 2012, p. 121).
Com o envolvimento no mundo de ficção, a literatura nos leva a reavaliar o mundo em
que vivemos. Sempre que uma obra trata de uma das grandes questões, chamadas por Jouve
(2012) de transculturais, ela adquire um alcance geral.
Por todos os lugares e sempre, encontramos conjuntos temáticos mais ou menos
completos, englobando nossas principais preocupações, sociais ou existenciais. O
38
nascimento, o amor, a morte, o sucesso e o fracasso, o poder e sua perda, as
revoluções e as guerras, a produção e a distribuição de bens, o estatuto social e a
moralidade, o sagrado e o profano, os temas cômicos da inadaptação e do
isolamento, as fantasias compensatórias etc. atravessam toda a história da ficção,
desde os mitos mais antigos, até a literatura contemporânea. As mudanças de gosto e
de interesses modificam apenas marginalmente esse inventário (PAVEL apud
JOUVE, 2012, p. 124).
Durante muito tempo a ideia de que a literatura é o uso estético da linguagem foi
valorizada. Tal compreensão possibilitou que, no século XX, um grupo de estudiosos
conhecidos como formalistas russos investisse no estudo do que seria a literatura. Para eles a
literatura passa a ser definível porque emprega a linguagem de uma maneira peculiar. Ela
transforma e intensifica a linguagem comum, afasta-se da fala cotidiana, mais denotativa,
espontânea, pragmática, referencial. A linguagem literária, conforme explicita Compagnon
(2014, p. 39), é sistemática (organizada, coerente, densa, complexa), imaginária e estética, e
explora sem fins práticos o material linguístico. Para os formalistas a literatura representa uma
“violência organizada contra a fala comum”, tem leis específicas, estruturas, mecanismos. A
obra literária é um fato material, é feita de palavras (EAGLETON, 2006, p. 3-4).
Porém, como seguir com essa definição de literário se não há uma única fala comum?
Segundo Eagleton (2006), qualquer linguagem em uso consiste em uma variedade muito
complexa de discursos que se diferenciam de acordo com a classe, a região, o gênero, a
situação etc. e que “de forma alguma podem ser simplesmente unificados em uma única
comunidade linguística homogênea” (EAGLETON, 2006, p. 7). Para os formalistas a
literariedade não resulta da utilização de elementos linguísticos próprios, mas de uma
organização diferente (mais densa, coerente, complexa) dos mesmos materiais linguísticos
cotidianos (COMPAGNON, 2014, p. 42).
Esse critério de literariedade é refutável para Compagnon (2014), pois há textos
literários que não se afastam da linguagem cotidiana. O que se considera literário também
pode ser encontrado na linguagem não literária, como é o caso da publicidade. Para os
formalistas literatura seria, então, toda a literatura ou somente certo tipo de literatura: “a
literariedade, segundo a acepção de Jakobson, não recobria senão uma parte da literatura [...]
somente a dicção (poesia), não a ficção (narrativa ou dramática)” (COMPAGNON, 2014, p.
43, grifos do autor).
Segundo Compagnon (2014, p. 34), a literatura reconquistou no século XX uma parte
dos territórios perdidos. Ao lado do romance, do drama e da poesia lírica, o poema em prosa
ganhou espaço nobre e a autobiografia e o relato de viagem foram retomados. Os livros para
crianças, o romance policial e a história em quadrinhos foram assimilados. Diante dessas
39
mudanças cabe perguntar: se o que faz com que um texto seja reconhecido como literário
passa por critérios éticos, sociais e ideológicos, podemos definir literariamente a literatura?
Na segunda metade do século XX, Barthes (2013), em sua aula inaugural da cadeira de
Semiologia Literária do Colégio de França, propôs que pensemos da seguinte maneira sobre a
literatura:
literatura não [é] um corpo ou uma sequência de obras, nem mesmo um setor de
comércio ou de ensino, mas o grafo complexo das pegadas de uma prática: a prática de escrever. Nela, viso portanto, essencialmente, ao texto, isto é, ao tecido dos
significantes que constitui a obra, porque o texto é o próprio aflorar da língua, e
porque é no interior da língua que a língua deve ser combatida, desviada: não pela
mensagem de que ela é o instrumento, mas pelo jogo das palavras de que ela é
teatro. Posso portanto dizer, indiferentemente: literatura, escritura ou texto. As
forças de liberdade que residem na literatura não dependem da pessoa civil, do
engajamento político do escritor que, afinal, é apenas um „senhor‟ entre outros, nem
mesmo do conteúdo doutrinal de sua obra, mas do trabalho de deslocamento que ele
exerce sobre a língua: desse ponto de vista (BARTHES, 2013, p. 17-18, grifo do
autor). Para Barthes (2013, p. 87-88) a escritura é a escrita do escritor. Na mesma aula ele
sugere o uso dos termos literatura, escritura ou texto para tratar de todos os discursos em que
as palavras são encenadas e teatralizadas. Eagleton (2006) também propõe que vejamos a
literatura como escrita. Porém, ele se refere à escrita altamente valorizada. Seguindo essa
acepção, no curso da História, qualquer coisa pode vir a ser literatura e qualquer coisa que é
considerada literatura pode deixar de sê-la. Pensar a literatura como uma escrita altamente
valorativa resulta do fato de que os juízos de valor são notoriamente variáveis, como já
apontamos na introdução.
Se não é possível ver a literatura como uma categoria „objetiva‟, descritiva, também
não é possível dizer que a literatura é apenas aquilo que, caprichosamente, queremos
chamar de literatura. Isso porque não há nada de caprichoso nesses tipos de juízos de
valor: eles têm suas raízes em estruturas mais profundas de crenças, tão evidentes e
inabaláveis quanto o edifício do Empire State. Portanto, o que descobrimos até agora
não é apenas que a literatura não existe da mesma maneira que os insetos, e que os
juízos de valor que a constituem são historicamente variáveis, mas que esses juízos
têm, eles próprios, uma estreita relação com as ideologias sociais. Eles se referem,
em última análise, não apenas ao gosto particular mas aos pressupostos pelos quais
certos grupos sociais exercem e mantêm o poder sobre outros (EAGLETON, 2006,
p. 24). Considerando que o que é definido como literatura está diretamente relacionado com
juízos de valor, grupos sociais, poder e ideologias, Compagnon (2014, p. 44-45) propõe outra
definição: literatura é literatura. Literatura é o que se chama aqui e agora de literatura sem
necessariamente remetê-los a seu contexto de origem.
É nesse contexto que Compagnon (2014) propõe que a pergunta O que é literatura?
seja alterada para Quando é literatura?
E quando é literatura infantil?
40
1.2 Quando é literatura infantil?
Nesta pesquisa, que estuda a disciplina Literatura no EFI, tratamos da literatura
infantil como literatura, conforme Lajolo e Zilberman (2017) sugerem.
Tanto no Brasil quanto na Europa esses livros serviram a diferentes funções, que, ao
longo da história, foram mudando, de acordo com a concepção de infância existente. Segundo
Corsino (2014, p. 30), “a visão de infância como período de preparo e de criança em falta em
relação ao adulto restringia a literatura infantil à função educativa-instrucional, com perda do
valor artístico”. A produção literária que correspondia a essa visão de infância era composta
de textos que tinham como objetivo tutelar, dirigir, educar, informar o ouvinte/leitor.
Inicialmente, como explicita Colomer (2017, p. 19), foram produzidos verdadeiros exemplos
didáticos de comportamento.
Contudo, na Europa, o público infantil começou a ler coleções populares de histórias,
lendas e contos que eram escritos para todos os públicos. Isso provocou a edição de livros
feitos diretamente para o seu entretenimento. Apesar disso, a função moral foi mantida. Para
Colomer (2017, p. 154-155), ver a infância como um público leitor foi parte da extensão da
alfabetização que aconteceu na sociedade ocidental durante o século XIX. As mulheres, os
trabalhadores e as crianças se incorporaram à possibilidade de leitura. Já na segunda metade
do século XIX foi ampliada a obrigatoriedade da escola gratuita e os livros passaram a ser
vistos como material escolar.
Os primeiros livros brasileiros escritos para crianças surgiram no final do século XIX,
quando o país substituía a monarquia pela república. Seu aparecimento estava ligado à
ascensão de uma nova classe média urbana que também reivindicava novas iniciativas
educacionais. Segundo Zilberman (2014, p. 15), é nesse ponto que um novo mercado começa
a se apresentar. Porém, os escritores da época não contavam com uma tradição para dar
continuidade. A saída encontrada foi traduzir obras estrangeiras, adaptar livros destinados aos
adultos para as crianças, reciclar o material escolar e trazer a tradição popular à tona.
Naquele momento a Europa tanto inspirava a mudança de regime político quanto
oferecia os modelos utilizados para escrever para crianças. De acordo com Zilberman (2014,
p. 18), Carl Jansen foi um dos escritores pioneiros no Brasil. Chegou jovem ao nosso país,
trabalhou como jornalista, professor e traduziu diversos clássicos após constatar que faltavam
livros de histórias apropriados para seus alunos. Além dele, cita-se Figueiredo Pimentel, que
seguiu o caminho dos Irmãos Grimm e publicou coletâneas de sucesso, os Contos da
carochinha, com histórias da tradição popular e oral. Na mesma época estavam sendo
41
editados livros didáticos, chamados de seletas, antologias ou livros de leitura. Um dos autores
mais difundidos nesses livros foi Olavo Bilac.
Efetivamente, como nos esclarece Yunes (apud CORSINO, 2014, p. 30), somente a
partir do século XX, após as pesquisas de caráter psicanalítico e pedagógico voltadas para a
criança, é que a linguagem dos textos infantis passa da mensagem para a função pedagógica.
Por conta dessa mudança a condução da narrativa foi alterada. O adulto passa uma mensagem
para um menor que a recebe, compreende e copia. A informação passa a predominar
(CORSINO, 2014, p. 31).
A presença da função didática e a valorização da tradição oral e popular são
observadas na definição de literatura infantil proposta por Arroyo (2011). O autor
toma a literatura infantil em sua acepção ampla, e não simplesmente restrita. O
critério adotado procura reunir, em seu entendimento, por isso mesmo, a tradição
oral, os contos populares, referências a rondas e parlendas, sem exclusão, em
consequência, da literatura escolar ou „propriamente didática‟ [...]. Tudo quanto se destina à criança [...] pode ser chamado infantil. Assim, em seu sentido amplo, tudo
quanto se lhe dê a ler, e, mais, todas as formas literárias da tradição oral, ou do
folclore, tenham elas formas recreativa ou didática, ou ambas, caberá na rubrica de
literatura infantil (ARROYO, 2011, p. 6).
Seguindo a perspectiva educativa-instrucional de literatura infantil, Carl Jansen,
Figueiredo Pimentel e Olavo Bilac foram os desbravadores da literatura infantil brasileira.
Monteiro Lobato foi o sucessor desse núcleo original e sua obra já apontava para a construção
de um novo paradigma. A dissertação de Travassos (2013), encontrada na revisão
bibliográfica desta pesquisa, tratou da concepção de infância presente na obra do autor. A
pesquisadora afirma que as principais personagens são crianças livres que imaginam, trocam
ideias, resolvem problemas, criam e recriam o universo à sua volta. Elas são sujeitos ativos,
constituídos na cultura e produtores de cultura. A criança lobatiana está imersa no imaginário
e, a partir dele e com ele, dialoga com a realidade, ressignificando-a. A concepção de infância
do Lobato tem como marca a valorização e o respeito pelo imaginário infantil. Além de
Lobato, no inicio do século XX, o leitor brasileiro contava com Viriato Correia, Graciliano
Ramos, Érico Veríssimo, Maria José Dupré e Francisco Marins.
Da função moral, passamos para a didática e começamos a construir com Lobato a
função estética da literatura em livros destinados a crianças. Nessa função os textos literários
convocam o leitor/ouvinte a participar da obra, a pensar junto, a brincar, a interagir, a refletir,
a inferir, a opinar, a apreciar, a rir, a chorar, a sentir (CORSINO, 2014, p. 31). Essa mudança
de perspectiva foi acompanhada de uma nova concepção de infância:
a criança passou a ser pensada na sua singularidade e especificidade em relação ao
adulto, concebida como agente social pleno, sujeito ativo constituído na cultura e
também produtor de cultura, cidadã de direitos desde o nascimento cujas ações no
mundo passam a ser entendidas como formas de reelaboração e recriação. Este
42
sujeito histórico social passa a ser pensado também na pluralidade e diversidade de
sua vida, portanto, não mais como uma criança em abstrato e uma infância
idealizada, mas crianças e suas infâncias (CORSINO, 2014, p. 31).
Com essa concepção de infância em jogo, no período da ditadura civil-militar, no
começo da década de 1970, autores contemporâneos começaram a ser valorizados e
propuseram uma literatura de contestação em função da repressão política da época,
preferindo dialogar diretamente com o leitor criança (ZILBERMAN, 2014, p. 11-55).
Entre 1980 e 2000, a poesia brasileira destinada a crianças, de acordo com o novo
paradigma da infância, floresceu com poetas como Sérgio Capparelli, Roseana Murray, Elias
José, Leo Cunha, entre outros. Vale ressaltar que o poema dedicado a crianças veio com
Olavo Bilac e depois contou com a força estética de Cecília Meireles, Manuel Bandeira,
Mário Quintana, Vinicius de Moraes, assim como Cora Coralina, José Paulo Paes, Ferreira
Gullar, Manoel de Barros, entre outros.
Um pouco antes do período da ditadura civil-militar, nos anos 1950, tivemos a
presença de Maria Clara Machado, que é até hoje o maior expoente da produção de teatro para
crianças no Brasil. Seus sucessores, conforme explicita Zilberman (2014, p. 153), não se
desvencilharam da proposta da autora. Chico Buarque de Hollanda produziu a peça Os
Saltimbancos, em 1970, preservando o tom contestador e a presença da cultura popular.
A compreensão da criança como sujeito ativo constituído na cultura e produtor de
cultura também marcou a ilustração brasileira. Segundo a autora, Flicts (1969), de Ziraldo,
traz imagens não figurativas que não são ornamento do texto nem complemento das
informações escritas. Ao contrário, são as cores que falam. O status artístico conferido à
ilustração também pode ser visto na obra Ida e volta (1976), de Juarez Machado, nos livros de
Ângela Lago e Eva Furnari desde os anos 1980 e, atualmente, nas inúmeras obras de Rui de
Oliveira, Roger Mello, Mariana Massarani, Graça Lima, Nelson Cruz, Marilda Castanho,
Odilon Moraes, entre outros.
Com o surgimento de novas tecnologias, Hunt (2010, p. 287), que chama a literatura
infantil de “texto para crianças”, entende que a ideia do livro como uma forma fechada será
substituída pela experiência multidimensional. O recente aparecimento de e-books e de e-
readers, obras literárias digitais e as consequências disso para o livro de papel, para a leitura e
a literatura são temas que, na cena contemporânea, têm preocupado quase todos que estão
inseridos no mundo das letras.
Considerando a pluralidade de suportes, Lajolo e Zilberman (2017, p. 21-26) indagam:
que consequências essa pluralidade pode trazer para a literatura, já que novas tecnologias
trouxeram outros formatos e materiais, novos modos de produção e circulação e diferentes
43
maneiras de leitura? E a questão das imagens na literatura com as novas tecnologias? Segundo
as autoras, a plurimidialidade na literatura para crianças e jovens na contemporaneidade se
manifesta em grau mais intenso (LAJOLO; ZILBERMAN, 2017, p. 30). Se antes a literatura
para crianças e jovens poderia prescindir do texto escrito e/ou do papel, na
contemporaneidade ela pode abrir mão do livro. Isso aconteceu com a expansão e a
popularização da internet, que possibilitou a ruptura radical entre literatura e livro.
No ciberespaço o livro pode aparecer sob a forma de e-book, como também incorporar
obras tradicionais digitalizadas. Embora a internet esteja mais popularizada, Lajolo e
Zilberman (2017, p. 37) afirmam que ainda é incipiente o acesso às obras literárias via
internet e escassas tanto a difusão quanto a aquisição de versões digitais de livros de autores
brasileiros. Dizem, ainda, que vivemos em um cenário de mudança e superposição e que o
horizonte traz muitas questões e poucas certezas, “materializado, de uma parte, em sites, e-
readers e e-books, que reproduzem formas de livros; e, de outra, em livros formatados com a
sintaxe de sites” (LAJOLO; ZILBERMAN, 2017, p. 53).
O Manifesto Literatura Digital5, criado por Marcelo Spalding
6, caracteriza essa
literatura como uma obra feita especialmente para mídias digitais, um novo gênero literário
com características que lhe são peculiares pela multimodalidade de que são compostas. A
literatura infantil digital, embora tenha propostas de uso de diversas linguagens, diferencia-se
do jogo digital, pois seus objetivos e propostas não são ganhar uma partida, e sim a entrada no
ficcional.
Embora o cenário seja diverso, autores e ilustradores têm defendido um conceito de
literatura infantil que se aplica independentemente do surgimento das novas tecnologias e das
mudanças que estamos observando. Nosso ilustrador Roger Mello (2012) apresenta o seguinte
posicionamento:
Livro é livro. [...] Há divergências sobre o uso do termo „infantil‟. Por outro lado, os
estudiosos do livro precisam usar esse termo [livro infantil] para estudá-lo em toda a
sua complexidade, respeitando a criança como agente modificador, valorizando a
sua voz, o seu pensamento artístico. A criança é a voz que dialoga ativamente com o
livro. Mas uma coisa é certa: a literatura para criança não é um gênero, ela percorre
todos os gêneros (MELLO, 2012, p. 211).
Na mesma direção, o escritor e ilustrador Ricardo Azevedo (2012) não considera que
exista uma literatura exclusivamente para crianças. Para ele, o que existe é uma grande e
diversificada literatura popular. Dentro dela muitos livros são acessíveis e interessam às
5 Disponível em: www.literaturadigital.com.br. Acesso em: 29/10/2017. 6 Marcelo Spalding é um escritor e jornalista brasileiro. Ele defendeu, em 2012, uma tese de doutorado intitulada
Alice do livro impresso ao e-book: adaptação de Alice no País das Maravilhas e de Através do espelho para
iPad, na UFRGS, no Instituto de Letras. Tal tese o levou à produção do Manifesto Literatura Digital.
44
crianças, e podem ser considerados literatura infantil. Para Azevedo uma literatura popular
pode ser mais complexa e cheia de possibilidades do que a literatura apenas infantil
(AZEVEDO, 2012, p. 90).
Em consonância com Roger Mello e Ricardo Azevedo, temos a opinião de Ana Maria
Machado (2016, p. 168), para quem o que mais importa não é o adjetivo, mas o substantivo:
“É a linguagem, não o público-alvo”. Machado defende que os livros infantis façam parte da
literatura como um todo, longe das preocupações psicológicas, pedagógicas ou
mercadológicas.
Para um autor, expressar-se de forma a atingir uma criança implica deixar aberto e
livre um espaço para que a criança também possa se manifestar e responder, se
expressando livremente ao receber esse texto, e por sua vez criando também um
novo texto, por meio de sua leitura e imaginação. O alvo não pode ser um público de
determinada idade, mas sim a garantia do processo, a criação de condições de troca
significativa (MACHADO, 2016, p. 169).
Os autores defendem, então, que o que há é literatura. Uma literatura sem adjetivos
(ANDRUETTO, 2012, p. 52). Concordamos com esse ponto de vista. Andruetto (2012)
defende que certas denominações deveriam ser apenas informativas, e não estéticas, como é o
caso da expressão literatura infantil e juvenil. “Atribui-se à literatura infantil a inocência, a
capacidade de adequar-se, de adaptar-se, de divertir, de brincar, de ensinar e, especialmente, a
condição central de não incomodar nem desacomodar” (ANDRUETTO, 2012, p. 59, grifo da
autora). Pondé (2017, p. 35-36), nos anos 1980, uma das pioneiras nos estudos sobre literatura
infantil no Brasil, ao lado de Arroyo, Coelho, Lajolo e Zilberman, defende a presença do
termo literatura infantil ou livro infantil. Ao definir o termo, ela afirma que
O livro para crianças costuma relacionar-se com essas faixas de interesse, mas não
há uma norma rígida, pois cada leitor tem gosto e percepções particulares. Há
distinções entre interesses de crianças de classe média, alta e baixa; zonas rural e
urbana; regiões Norte, Nordeste, Sul, Sudeste ou Centro-Oeste; e assim por diante.
Por isso, em última análise, é o leitor quem deve escolher qual livro vai ler, não
importa a faixa etária a que se destina a obra que está em suas mãos. No entanto, a prática tem nos mostrado alguns indicadores que podem orientar o adulto na
produção e na sugestão de leitura para os pequenos. O livro é um produto cultural
que deve ser observado pelas relações entre texto, ilustrações e demais aspectos
gráficos. De acordo com a integração desses elementos, somos capazes de
determinar, de modo geral, a que faixa etária ele corresponde (PONDÉ, 2017, p. 35-
36).
Na mesma direção, Coelho (2000) usa o que ela chama de rótulo geral literatura
infantil/juvenil para indicar os livros infantis (para pré-leitores, leitores iniciantes e leitores-
em-processo), infantojuvenis (para os leitores fluentes) e juvenis (para leitores críticos).
Embora a pesquisadora use o termo, ela parte de duas ideias básicas que nos são caras. A
primeira é que a literatura é um fenômeno da linguagem. A segunda é que a literatura é arte. E
como é arte, as relações de aprendizagem e vivência que se estabelecem entre ela e o sujeito
são fundamentais para que haja a formação integral, composta da consciência do eu, mais o
45
outro e o mundo. Coelho (2000, p. 10) destaca que a literatura é a mais importante das artes
porque a sua matéria é a palavra, aquilo que distingue a especificidade do humano.
Dessa maneira, concluímos que o posicionamento relativo à literatura infantil se é
ou não literatura e se merece ou não o adjetivo varia conforme a época, o lugar, os grupos
sociais e seus valores. O mesmo vale para a concepção de infância. Para continuar a tecer o
nosso posicionamento, reiteramos que os livros destinados a crianças e jovens são literatura
(LAJOLO; ZILBERMAN, 2017), não carecem de adjetivo (ANDRUETTO, 2012). Partimos
ainda do pressuposto de que a literatura é arte, com base no pensamento de Eco (2010 e
2016), Bakhtin (1993b) e Vigotski (1998).
1.3 Quando a literatura é arte?
Assim como ocorre com os conceitos de literatura e infância, a ideia da arte também
muda conforme as épocas, os povos e aquilo que determinada tradição cultural considera arte.
Ela muda diante de novos modos de operar e de fruir (ECO, 2016, p. 137).
Sobre a origem da arte, Bücher (apud VIGOTSKI, 1998, p. 309-310) nos explica que a
música e a poesia surgem de um princípio geral, o pesado trabalho físico. O autor observou
que os cantos de trabalho acompanham o ritmo do trabalho. Os trabalhadores dão o sinal para
que todos os esforços sejam intensificados simultaneamente; estimulam os companheiros a
trabalhar com zombarias e impropérios; dão expressão à reflexão dos trabalhadores sobre o
próprio trabalho, às alegrias ou aos descontentamentos, às queixas pelo trabalho pesado e pela
baixa remuneração; fazem pedido ao empregador, ao feitor ou ao simples espectador. Nesses
cantos o sentimento angustiante está contido no próprio trabalho. A arte surge como um
instrumento na luta pela existência (VIGOTSKI, 1998, p. 91-92). Quando a arte se separa do
trabalho, ela insere o sentimento angustiante, elemento constituído antes pelo trabalho, na
própria produção. Para o autor a arte sistematiza ou organiza o sentido social e dá solução e
vazão a uma tensão/sentimento angustiante.
Para Vigotski (1998, p. 315-329), quando cada um de nós vivencia uma obra de arte, o
sentimento passa a ser pessoal sem, contudo, deixar de ser social. O fato de o seu efeito ser
processado em um indivíduo isolado não significa que as suas raízes sejam individuais. Por
isso, ele afirma que a arte é o social em nós. Ela sistematiza ou organiza o sentido social, dá
solução e vazão a uma tensão/sentimento e incorpora os aspectos mais íntimos e pessoais do
nosso ser ao ciclo da vida social. O social refere-se tanto ao coletivo, à existência de uma
46
multiplicidade de pessoas, quanto a um homem e às suas emoções pessoais. A arte concentra
os processos biológicos e sociais do indivíduo na sociedade.
Vigotski (1998) pensou a arte considerando a emoção, o conteúdo e a forma. Para ele
toda obra de arte é social e implica em uma divergência entre conteúdo e forma. Para explicá-
la melhor, o autor traz uma comparação por Pushkin7 entre a obra de arte e o aeroplano. O
aeroplano é uma máquina mais pesada que o ar, cai sempre que sobe, pois encontra
resistência, supera essa resistência, afasta-se dela e sobe precisamente porque cai. Essa
máquina mais pesada que o ar lembra uma obra de arte porque ela escolhe como material a
matéria mais pesada que o ar. Esse peso do material está sempre contrariando o voo. A partir
da superação dessa oposição é que surge o verdadeiro voo (VIGOTSKI, 1998, p. 272-287).
Essa divergência entre conteúdo e forma dialoga com a ideia postulada por Bakhtin de
que forma e conteúdo se interpenetram, são inseparáveis e se encontram em uma interação
essencial e axiologicamente tensa (BAKHTIN, 1993b, p. 38). A forma personifica o
conteúdo. A arte começa onde começa a forma (VIGOTSKI, 1998, p. 42). Para Bakhtin
(1993b) o artista da palavra (o autor-criador) lida com o conhecimento preexistente a ele
referente ao mundo da vida e da arte. Assim, ele luta contra ou a favor das velhas formas
literárias e ocupa uma posição estética em relação à realidade extraestética do conhecimento e
da ética (BAKHTIN, 1993b, p. 38). O autor-criador encara a luta da forma, a literária, e do
conteúdo, pois ele tem que se posicionar em relação à realidade. O objeto estético é
artisticamente criado e percebido e se constitui a partir de um conteúdo artisticamente
formalizado. A forma é efetivamente realizada no material e a ele ligada, mas, pelo seu valor
axiológico, coloca-nos além dos limites do material.
Segundo Bakhtin (1993b, p. 25-50), o objeto estético conta com dois tipos de formas:
arquitetônica e composicional. As formas arquitetônicas são as formas dos valores morais e
físicos do homem estético, as formas da natureza enquanto seu ambiente, as formas do
acontecimento no seu aspecto de vida particular, social, histórica. As formas composicionais
organizam o material e têm um caráter utilitário.
O conteúdo também é um momento indispensável no objeto estético. Ele se refere à
realidade do conhecimento e do ato estético, que entra com sua identificação e avaliação no
objeto e é submetido a uma formalização multiforme com a ajuda de um material
determinado. A forma esteticamente significante é a expressão de uma relação com o mundo
do conhecimento e da ética. Nessa relação o artista (autor-criador) ocupa uma posição fora do
7 Alexander Sergueievitch Pushkin foi um consagrado poeta russo do século XIX, considerado o fundador da
moderna novela russa.
47
acontecimento, mas compreende o sentido axiológico daquilo que se realiza. Tal exterioridade
permite que o autor-criador una, formule e conclua o acontecimento a partir do lado de fora.
A forma estética aborda o conteúdo a partir do lado de fora, exterioriza-o, isto é, encarna-o. O
objeto estético é, então, um conteúdo dotado de forma (BAKHTIN, 1993b, p. 21-69). Em
cada momento da atividade formativa, o autor-criador sente a sua atividade seletiva,
construtiva, determinante, completante, superando o material, dando a ele uma forma
artisticamente plena de conteúdo (BAKHTIN, 1993b, p. 50-69). Do ponto de vista do fruidor
ou contemplador, ele reage
aos estímulos físicos do objeto e reagir a eles não somente com uma elevação de
ordem intelectual, mas através de um complexo de movimentos cenestésicos, com
uma série de respostas emocionais, de modo que a fruição do objeto, complicando-
se com todas estas respostas, não assuma jamais a unívoca exatidão da compreensão
intelectual de um referente unívoco e a interpretação da obra torna-se, por isso
mesmo, pessoal, perspética, mutável, aberta (ECO, 2016, p. 252). Nas antigas concepções de arte o fruidor dispunha de um campo de possibilidades
interpretativas. A ênfase estava na “definição” da obra. O autor orientava o leitor para uma
compreensão exata da obra. Porém, na contemporaneidade o polo foi para a “abertura”, o que
demandou do fruidor reações interpretativas mais livres. Ele complementa a obra segundo a
sua visão particular (ECO, 2016, p. 154-155). Essa abertura da obra acompanha, segundo Eco
(2016, p. 156-159), a evolução da lógica e das ciências, que substituíram os módulos unívocos
por módulos plurivalentes. “O prazer estético foi pouco a pouco mudando a própria natureza e
as próprias condições e, de prazer de caráter emocional e intuitivo que era outrora,
transformou-se em prazer de caráter intelectual” (ECO, 2016, p. 246, grifo do autor).
Houve, então, o fim de certa forma de arte. A obra de arte contemporânea se tornou
um suporte de conhecimento, uma declaração filosófica acerca do modo de ver as coisas com
a arte (ECO, 2016, p. 250). Para Eco (2010, p. 22-23) a obra de arte é uma “mensagem
fundamentalmente ambígua, uma pluralidade de significados que convivem num só
significante”. Tal ambiguidade é a abertura à qual nos referimos anteriormente. A obra é
aberta. Essa pluralidade de significados é provocada pela obra, compreendida aqui como um
objeto dotado de propriedades estruturais definidas que permitem e coordenam o revezamento
das interpretações, o deslocar-se das perspectivas. Tais significados têm como origem a
realidade.
Para Bakhtin (1993b) a obra de arte acolhe a realidade da vida cotidiana. Semelhante
afirmação é encontrada em Vigotski (1998), quando ele afirma que a arte recolhe da vida o
seu material e produz acima dele algo que ainda não está em suas propriedades. Ele compara a
arte à metáfora da transformação da água em vinho (Evangelho) para indicar que a verdadeira
48
natureza da arte sempre implica algo que supera o que não encontra vazão na nossa vida
cotidiana, que transforma o sentimento comum (medo, dor, inquietação etc.). Esses
sentimentos quando suscitados pela arte são superados. A água transforma-se em vinho
(VIGOTSKI, 1998, p. 307-308). Ao evocar a realidade, o autor enriquece-a e completa-a,
criando uma unidade entre dois mundos, o mundo da vida e o mundo da cultura/arte
(BAKHTIN, 1993b, p. 30-34).
De acordo com Eco (2016), dois aspectos estão implícitos na noção de obra de arte:
a) O autor realiza um objeto completo e definido, segundo uma intenção bem
precisa, aspirando uma fruição que o reinterprete assim como o autor o pensou e
quis; b) o objeto, no entanto, é desfrutado por uma pluralidade de fruidores e cada
um deles levará ao ato de fruição as próprias características psicológicas e
fisiológicas, a própria formação ambiental e cultural e as especificações da
sensibilidade que as contingências imediatas e a situação histórica comportam [...] o
autor não ignora esta condição da situacionalidade de cada fruição, mas produz a obra como „abertura‟ para essas possibilidades, uma abertura que, todavia, oriente
tais possibilidades no sentido de provocar respostas diferentes, mas consonantes com
um estímulo definido em si (ECO, 2016, p. 153-154). Segundo Corsino (2014), esses aspectos dialogam com as ideias de Vigotski (1998) e
Bakhtin (1993b) quando afirmam que o artístico se dá nas inter-relações entre criador,
contemplador e obra. Trata-se de três elementos sociais. O social está expresso na própria
obra, no que ela é capaz de desencadear no outro e é constitutivo do artista-criador e do
contemplador-apreciador. Ambos são sujeitos históricos socialmente situados.
Portanto, quando a literatura é arte? Quando o autor-criador dá forma artística a um
conteúdo e é percebida enquanto objeto estético pelo contemplador/fruidor/leitor.
1.4 Letramento literário
Como neste capítulo estamos tratando do letramento literário e da educação literária,
foi necessário começar a discussão abordando aquilo que os une: os conceitos de literatura,
literatura infantil e arte. Agora que temos tais ideias definidas, sigamos para a compreensão
do conceito de letramento literário.
Há dois conceitos de letramento literário em disputa. A definição de autoria de Cosson
e Paulino (2009, p. 67) afirma que o letramento literário é um “processo de apropriação da
literatura enquanto construção literária de sentidos”. E a outra acepção que compreende o
letramento literário como o “conjunto de práticas sociais que usam a escrita literária, como
sistema simbólico e como tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos”
(ANDRADE, 2008, p. 57, grifo nosso).
49
As duas abordagens têm como origem o conceito de letramento cuja discussão surgiu
nos anos 1980 e até hoje não conta com uma única definição. No período houve a necessidade
de diferentes sociedades reconhecerem e nomearem práticas sociais de leitura e escrita. No
Brasil, tais práticas foram chamadas de letramento; na França, de illettrisme; em Portugal, de
literacia; e nos Estados Unidos da América e na Inglaterra, de literacy. Embora a necessidade
tenha aparecido em um mesmo período histórico, seus contextos e causas foram diferentes.
Nos países desenvolvidos o letramento surgiu independente da alfabetização, já que
neles a escolaridade básica obrigatória já havia se universalizado e a alfabetização stricto
sensu não se apresentava enquanto questão. Nos países em desenvolvimento o letramento
surgiu enraizado no conceito de alfabetização, de tal forma que esses conceitos se mesclaram,
sobrepuseram-se e até se confundiram. O termo letramento começou a ser usado como
tentativa de separar os estudos sobre a alfabetização levantamento do número de
alfabetizados e analfabetos e sua distribuição dos estudos sobre o letramento
identificação dos usos e práticas sociais de leitura e escrita em determinado grupo social ou
recuperação de práticas de leitura e escrita do passado (SOARES, M., 1998, p. 22-24).
Os primeiros livros a registrar o termo, segundo Soares (1998), foram: No mundo da
escrita: uma perspectiva psicolinguística de Mary Kato (1986) e Adultos não alfabetizados: o
avesso do avesso de Leda Verdiani Tfouni (1988). Desde então a palavra tornou-se frequente
no discurso dos especialistas da Educação e das Ciências Linguísticas, de tal forma que, em
1995, aparece no título do livro Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a
prática social da escrita, organizado por Ângela Kleiman, e, em 1998, no livro de Magda
Soares: Letramento: um tema em três gêneros.
O dicionário Aurélio não registra a palavra, mas ela aparece na 3ª edição brasileira do
Dicionário contemporâneo da Língua Portuguesa, de Caldas Aulete, editado há mais de um
século. O verbete caracteriza a palavra como “antiga, antiquada” e lhe atribui o significado de
“escrita”; está ligado ao verbo “letrar”, cuja acepção atribuída é de “investigar, soletrando”, e,
como pronominal, a “letrar-se” com a acepção de “adquirir letras ou conhecimentos literários”
(SOARES, M., 1998, p. 16-17). O sentido atual do termo não foi buscado no verbete, mas na
palavra literacy, que significa “estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e a
escrever” (SOARES, M., 1998, p. 17). Por trás do conceito está a ideia de que a escrita traz
consequências sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas e linguísticas para o grupo
social em que ela é introduzida e para o indivíduo que aprenda a usá-la. A palavra letramento,
de acordo com Soares (1998, p. 18) significa o “resultado da ação de ensinar ou de aprender a
50
ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como
consequência de ter-se apropriado da escrita”.
Nessa concepção de letramento o letrado é aquele que responde adequadamente às
demandas das práticas sociais de leitura e escrita da sociedade em que vive, o alfabetizado é o
indivíduo que apenas aprendeu a ler e a escrever, mas não necessariamente se apropriou
dessas práticas, e o analfabeto não dispõe da “tecnologia do ler e do escrever” (SOARES, M.,
1998, p. 21), mas pode participar de práticas sociais de leitura e escrita. Ainda que o sujeito
não tenha tido a oportunidade de se apropriar da linguagem escrita, ele pode estar inserido
nessas práticas devido ao meio em que vive e participar delas ainda que de forma restrita.
Para Tfouni (2006) o termo letrado não é uma antítese de iletrado, como também
iletrado não é sinônimo de não alfabetizado. Ela defende a tese de que não existe, nas
sociedades modernas, o letramento grau zero e que a escolarização por si só não garante ao
sujeito níveis mais altos de letramento.
Conforme sinalizamos anteriormente, não há uma definição única de letramento. De
acordo com Kleiman (1995, p. 18-19), ele pode ser compreendido como “um conjunto de
práticas sociais que usam a escrita, como sistema simbólico e como tecnologia, em contextos
específicos, para objetivos específicos”. Essa definição, construída com base nos estudos de
Scribner e Cole (1981), implica na existência de diferentes tipos de práticas sociais, entre elas
as escolares, que são dominantes e de diferentes agências de letramento (escola, família,
igreja). As diversas agências mostram orientações de letramento muito variadas devido às
especificidades dos contextos e objetivos de cada uma das práticas sociais que realizam.
Já Tfouni (2006, p. 11) considera tanto a alfabetização quanto o letramento “processos
de aquisição de um sistema escrito”. Para a pesquisadora o letramento focaliza os aspectos
sócio-históricos da aquisição da escrita enquanto a alfabetização se refere à aquisição da
escrita no sentido de aprendizagem de habilidades para leitura e escrita e das práticas de
linguagem. Segundo a pesquisadora, há duas perspectivas do letramento. A primeira tem
como base Vigotski (1984) e afirma que “o letramento representa o coroamento de um
processo histórico de transformação e diferenciação no uso de instrumentos mediadores”; na
segunda perspectiva “o letramento é compreendido como um produto do desenvolvimento do
comércio, da diversificação dos meios de produção e da complexidade da agricultura”
(TFOUNI, 2006, p. 21).
Conforme o exposto, observamos que o conceito de letramento não conta com uma
única definição, embora sua discussão tenha tido início nos anos 1980. As abordagens dos
Novos Estudos do Letramento (NSL) têm apontado a heterogeneidade das práticas sociais de
51
leitura, escrita e usos da língua/linguagem, especialmente nas sociedades letradas, entendendo
o conceito de letramento de forma plural; portanto, haveria letramentos, alguns dominantes e
outros marginalizados. Segundo Rojo (2009, p. 102), os letramentos dominantes ou
institucionalizados estão associados a organizações formais (escola, igreja, trabalho) e os
letramentos vernaculares ou autogerados se originam da vida cotidiana, das culturas locais.
Na perspectiva dos letramentos é que surge a ideia de letramento literário. E esse
termo também tem comportado diferentes definições.
De acordo com Paulino (apud MACHADO, 2003a), é também nos anos 1980 que o
letramento literário começou a ser tema de pesquisas no nosso país. Segundo a autora, na
época, seus principais polos brasileiros de produção acadêmica eram Belo Horizonte:
Educação, UFMG; Porto Alegre: Letras, PUC-RS; Rio de Janeiro: Letras e Educação, PUC-
RJ; Campinas: Letras, Unicamp; e São Paulo: Letras, Universidade de São Paulo (USP).
Entre as instituições citadas destaca-se a UFMG, pois é através de uma das suas
pesquisadoras, Graça Paulino, e de grupos de pesquisa, como o GPELL, que o termo se
consolidou no meio acadêmico. Em 2001 o nome do grupo mudou para Grupo de Pesquisa do
Letramento Literário (GPELL), e tal mudança deveu-se, possivelmente, à reflexão trazida por
Graça Paulino, em 1999, no artigo “Letramento literário: cânones estéticos e cânones
literários”, quando definiu o termo: “O letramento literário, como outros tipos de letramento,
continua sendo uma apropriação pessoal de práticas sociais de leitura/escrita, que não se
reduzem à escola, embora passem por ela” (PAULINO, 2000, p. 16). Portanto, o letramento
literário é uma parte do letramento, compreendido, segundo a definição de Soares (1998, p.
18), como a inserção do sujeito no universo da escrita por meio de práticas de recepção e
produção de diversos tipos de textos escritos. Um deles, o literário.
Dez anos depois, em parceria com o pesquisador Rildo Cosson, Paulino define o
“letramento literário como o processo de apropriação da literatura enquanto construção
literária de sentidos” (COSSON; PAULINO, 2009, p. 67). Eles o consideram um processo de
apropriação, pois, além de ser um ato de tornar próprio, é uma ação continuada em
permanente transformação que trata da apropriação de um conjunto de textos, consagrados ou
não, e de um repertório cultural que possibilita uma forma singular de construção de sentidos,
a literária. Tal singularidade se efetiva por meio de dois procedimentos: 1) a interação verbal
intensa e 2) o (re)conhecimento do outro e o movimento de desconstrução/construção do
mundo. A interação verbal intensa envolve tanto a leitura quanto a escrita e é o primeiro
procedimento do ato de fazer sentido no letramento literário, porque ambas se realizam em
52
um mundo feito essencialmente de palavras8. O segundo procedimento se realiza dentro do
primeiro e contribui para compor, convalidar, negociar, desafiar e transformar padrões
culturais, comportamentos e identidades, ao permitir que o sujeito viva o outro na linguagem.
Ao longo da trajetória histórica do conceito de letramento literário, surgiu outro polo
de produção acadêmica além da UFMG que também estuda o conceito, mas sob outra
perspectiva teórica. Segundo Andrade (2008), a UEM desenvolve o projeto Letramento
literário e o ensino de Literatura, sob a coordenação da Profª. Drª. Miriam Hisae Yaegashi
Zappone, com o objetivo de estudar de que forma se pode aplicar o conceito de letramento aos
estudos de literatura, discutindo o que seriam práticas, eventos, orientações, modelo autônomo
e ideológico de letramento literário.
Zappone (2006, p. 5) o define no texto Letramento literário: tecendo conceitos como
“o conjunto de práticas sociais que usam a escrita literária”. Para a compreensão do
letramento literário a autora apresenta as seguintes proposições: a) o letramento literário está
associado a diferentes domínios da vida, pois ele implica em usos da escrita literária para
objetivos específicos em contextos específicos; b) há formas de letramento literário mais
dominantes, valorizadas e influentes do que outras; e c) as práticas de letramento literário, por
serem construídas historicamente, são realizadas por identidades distintas, e os modos de
fazer uso da escrita literária e sua leitura também são diferenciados.
Com relação às práticas escolares de letramento literário, Zappone (2006, p. 6) afirma
que elas podem ser enquadradas no modelo autônomo de letramento literário. Tal modelo
compreende a escrita literária como um produto completo em si mesmo, autônoma, desligada
do seu contexto de produção. Esse modelo conta ainda com outras características, como a
correlação entre a aquisição da escrita e o desenvolvimento cognitivo9; a dicotomização entre
8 Quanto à importância da palavra nesse processo de apropriação, vale a pena estabelecer relações com o que
Bakhtin (1986) afirma sobre a palavra. Para o autor, ela é o primeiro meio da consciência individual, resultado do consenso entre os indivíduos. Ela funciona como instrumento da consciência, acompanhando toda a criação
ideológica, e é neutra em relação a qualquer função ideológica específica, o que quer dizer que a palavra pode
preencher qualquer uma dessas funções, sejam elas da esfera estética, científica, da moral ou religiosa. 9 A maioria dos trabalhos que fazem tal correlação parte do pressuposto de que há um divisor entre grupos ou
povos que usam a escrita e aqueles que não a usam. Esses trabalhos são empíricos e etnográficos, comparam as
estratégias de resolução de problemas utilizadas por grupos letrados e não letrados e remontam à pesquisa de
Luria (1976). Em 1981, Scribner e Cole investigaram um contexto na Libéria isolando as duas variáveis,
escolarização e aquisição da escrita. Os resultados mostraram que o tipo de “habilidade” desenvolvida depende
da prática social em que o sujeito está inserido quando ele usa a escrita, isto é, depende do contexto (KLEIMAN,
1995, p. 23-24).
A tese de doutorado de Tfouni (2006) desconstrói esse discurso etnocentrista do modelo autônomo de
letramento quando mostra que podemos encontrar em grupos não alfabetizados características que são atribuídas a grupos alfabetizados e escolarizados. Para a autora a questão não está em o sujeito ser ou não alfabetizado
enquanto indivíduo, e sim em ser ou não letrada a sociedade em que esses sujeitos vivem, isto é, nas condições
materiais em que esses discursos são produzidos. Mais do que isso, a questão está na sofisticação dos modos de
produção e das demandas cognitivas pelas quais uma sociedade passa quando se torna letrada.
53
a oralidade e a escrita10
; e a atribuição de “poderes” e qualidades intrínsecas à escrita11
. No
modelo autônomo o fracasso e a responsabilidade por ele são atribuídos ao indivíduo
(KLEIMAN, 1995, p. 31-37).
Sem discutir a pertinência do modelo autônomo de letramento literário, Zappone
(2006) propõe que se questione a forma como ele aparece para o aluno na escola, pois,
segundo ela, o professor e o aluno trabalham com a escrita literária aceitando os sentidos já
construídos sem compreender as razões pelas quais eles são pertinentes. Esse modelo parte do
pressuposto de que os alunos já são leitores iniciados, situados no mundo da escrita.
Para Samuel R. Soares (2009), as possíveis consequências desse modelo são: a) a
formação de simulacros de leitores; b) a perda da autonomia pelos alunos de manifestarem
suas leituras; c) a restrição do significado da literatura em contexto histórico, características e
biografias de autores; e d) a consideração da literatura como obrigação. Como alternativa,
Street (apud KLEIMAN, 1995) propõe o modelo ideológico de letramento que parte do
pressuposto de que as práticas de letramento mudam segundo o contexto e que elas são
aspectos não apenas da cultura mas também das estruturas de poder de uma sociedade. Nesse
modelo o contexto faz toda a diferença, pois, com ele, temos práticas, e não prática de
letramento, conforme propõe o modelo autônomo.
Atualmente vêm ocorrendo debates acerca da pertinência político-pedagógica do
conceito de letramento. Para Goulart (2014), ele tem sido visto como uma estratégia de
compensação. O uso da noção de letramento tem levado à dicotomia entre forma e sentido,
técnica e conhecimento, individual e social, fonema e linguagem, de maneira que os primeiros
elementos dessas duplas se referem à alfabetização. Já os últimos, ao letramento. Essa
perspectiva estaria vinculada ao que Britto (apud GOULART, 2014, p. 47) chamou de
“alfabetismo pragmático”, que é um tipo de alfabetização que permite à pessoa ler e escrever
10 Essa dicotomização pode ser analisada na perspectiva da diferença ou semelhança. Segundo Olson e Hildyard
(1983), a perspectiva da diferença considera a oralidade informal e sem planejamento, e a escrita planejada e
formal. Já a perspectiva da semelhança trabalha com a interface entre a oralidade e a escrita, propondo a
existência de um contínuo ao invés de polos extremos de diferenciação, tendo em vista que nem toda escrita é
formal e planejada, como também nem toda oralidade é informal e sem planejamento. Essa perspectiva adota
ainda o pressuposto bakhtiniano do dialogismo na linguagem e da polifonia do texto (KLEIMAN, 1995, p. 27). 11 Ong (1982 apud KLEIMAN, 1995, p. 31-34) defende que a escrita aumenta a condição de ser ciente
fundamentado em uma complexa comparação entre processos mentais orais e processos mentais característicos
da escrita. No geral, os processos mentais orais são apresentados como mais simples, subjetivos, tradicionais,
voltados para a exterioridade, enquanto os processos característicos da escrita seriam mais complexos, objetivos,
inovadores e voltados para a interioridade, para a vida psicológica interna. Essas caracterizações reforçam o que
Graff (1979 apud KLEIMAN, 1995, p. 34-37) chamou de “mito do letramento”, que é uma ideologia que confere ao letramento efeitos positivos tanto no âmbito da cognição quanto no social, tais como: efeitos que
garantem a manutenção das características da espécie; efeitos que determinam a ascensão e mobilidade social;
efeitos nos macroprocessos de desenvolvimento econômico e no aumento da produtividade (KLEIMAN, 1995, p
31-37).
54
algumas coisas e operar com números, a fim de agir adequadamente em função dos protocolos
e procedimentos de produção e consumo.
Quando o termo letramento entrou na escola, começou a busca pela compreensão
sobre como transformá-lo em conteúdo. Segundo Goulart (2014), tal entrada muitas vezes
significou esvaziamento do sentido cultural que o conceito inclui, como também esvaziou o
conteúdo da alfabetização em seu sentido político. A pesquisadora, então, indaga: “A
existência de textos se torna a garantia para alfabetizar letrando? Que textos? De quem para
quem? Que textos os antecedem e a que textos se ligam?” (GOULART, 2014, p. 41).
Alfabetizar letrando e letrar alfabetizando são duas expressões que, segundo Goulart
(2014, p. 40-41), dividem as dimensões do ensinar-aprender a escrita. Compreender essas
dimensões como dois processos determina uma separação, mesmo que sejam considerados
indissociáveis.
O pragmatismo social que passou a marcar o conceito de letramento nos colocou uma
nova questão. Se estamos trabalhando com a literatura, que é uma categoria estética, já que
aqui está sendo tomada como sinônimo de arte, como, então, seguir com o termo letramento
literário? Ao pesquisar com esse termo, estaríamos esvaziando seu sentido cultural?
Acreditamos que sim.
A literatura é objeto da cultura no sentido amplo e plural, e não da cultura escolar. Ela
não está a serviço do pragmatismo social, que caracteriza o cotidiano da nossa sociedade e
que acaba por abarcar a escola. Assim, as definições de letramento literário nos interpelam:
como pensar a literatura na escola em uma perspectiva que ultrapasse o pragmatismo social e
escolar subjacente ao conceito de letramento literário? Como aproximar as crianças da arte
literária? Como propor práticas de leitura literária em que as crianças possam participar, fruir
a arte na sua multimodalidade? Qual é o lugar na escola do acesso das crianças à literatura?
Na perspectiva de refletir sobre as aulas de literatura no CPII, apresentamos a seguir a
proposta de educação literária do Gretel/UAB, coordenado pela Profª. Drª. Teresa Colomer
(2003), que traz um panorama da função da literatura na educação.
1.5 Educação literária
De acordo com Colomer (2003, p. 125), a escola sempre teve relação com os livros
escritos para crianças. Desde o início da produção desses livros, ela acolheu os livros
didáticos e organizou antologias para o ensino da leitura e para a formação moral dos alunos.
Afirma a autora que, nos anos 1970, as mudanças sociais e a evolução da Teoria Literária
55
favoreceram a discussão sobre a função da literatura na educação obrigatória e,
consequentemente, a revisão dos textos e das práticas tradicionais. O questionamento dos
métodos historicistas e a ideia hegemônica do acesso direto aos textos deram lugar a essas
discussões e criaram as condições para reivindicar a leitura das obras literárias próximas às
capacidades e aos interesses dos alunos. Dessa maneira, a LIJ encontrou um quadro mais
favorável para a sua entrada na escola (COLOMER, 2003, p. 126).
As novas formulações da Teoria Literária deram uma causa inicial para a introdução
dos livros infantis na escola. O aparecimento da noção de competência literária conduziu ao
estabelecimento dos objetivos da educação literária12
, como a formação de um leitor
competente. Assim, muitos professores acolheram os livros que pareciam construir,
espontaneamente, a competência dos leitores quando liam fora da escola.
Durante a década de 1970, a competência literária entrou como um objetivo na escola:
“la competência literária era una específica capacitat humana que possibilita tant la producció
d‟estructures poètiques com la comprensió dels seus efectes” (BIERWISCH apud
COLOMER, 1994, p. 37). A escola começou a entender o progresso literário como o
desenvolvimento dessa capacidade, e não como simples transmissão de conhecimentos sobre
a herança literária. Como essa capacidade é adquirida, a escola passou a refletir sobre quais
eram as competências; quando, como e onde as crianças aprendem a entender e a fruir os
textos literários, como também sobre o que a escola podia fazer para ajudar nesse processo
(COLOMER, 1994, p. 37).
No mesmo período o ensino linguístico sofreu uma renovação e começou a conceber a
aquisição da competência literária por meio do uso da literatura na escola como uma forma de
comunicação. Todavia, segundo Colomer (1994, p. 37-38), essa renovação linguística e a
impossibilidade de utilizar no ensino obrigatório o que estava sendo desenvolvido na Teoria
Literária provocaram a redução das competências literárias a competências linguísticas.
A crença de que o leitor literário é formado lendo literatura, na Espanha, conduziu os
professores da escola primária a valorizar a leitura de livros por prazer após o horário escolar.
Os métodos educativos anglo-saxões, baseados na prática da lectoescrita literária e no
comentário oral na aula de leitura, ligaram-se a essa posição mais facilmente do que a tradição
educativa europeia, mais centrada nos programas cronológicos e nos conteúdos formais. O
12 Vale ressaltar que a educação literária se insere na perspectiva didática dos estudos sobre a LIJ. Esses estudos
contam ainda com outras abordagens, como a histórico-bibliográfica, a literária, a psicológica, a sociológica e a
didática.
56
fim da fronteira entre a leitura dentro e fora da escola levou a uma nova pergunta: pode-se
formar o leitor literário lendo literatura infantil? (COLOMER, 1994, p. 38).
A educação literária defende que sim, é possível. Considerada como uma
aprendizagem de interpretação dos textos (COLOMER, 2009, p. 74), a educação literária
propõe que um leitor saiba como construir o significado do que lê segundo as instruções
ofertadas pelo texto. Tais instruções guiarão o leitor também no descobrimento do ganho de
significado que a construção literária adiciona às regras da língua natural (BERTONI DEL
GUERCIO apud COLOMER, 1994, p. 40).
Para adotar essa perspectiva, a educação se beneficiou de formulações da Teoria
Literária como o pacto narrativo, segundo o qual o significado é uma construção negociada
por autor e leitor através da mediação do texto. Devido a esse pacto, o leitor deve suspender
as condições de “verdade” da realidade e aceitar que o discurso de um relato, por exemplo, é
uma organização convencional proposta como verdade. Também ele há de respeitar as
condições de enunciação e recepção presentes. A partir dos signos ofertados pelo texto, o
leitor deve distinguir o narrador e o autor. Desde o início do discurso o leitor precisa
concordar com o jogo provocado pelo autor e aprender a seguir elementos metadiscursivos
que instruem sobre como interpretar a obra (COLOMER, 1994, p. 40).
O campo da Teoria Literária mostrou como a linguagem de ficção provê o leitor de
instruções, dá pistas para a construção de uma situação comunicativa e para a produção de um
objeto imaginário. Para Colomer (1994, p. 40-41), o campo da Educação deve estabelecer
como as crianças e adolescentes aprendem a seguir essas pistas. Deve saber quais elementos
da construção literária resultam mais simples e quais mais complexos para oferecer ao longo
do currículo escolar, como também deve escolher os textos que ajudam a seguir esse
itinerário.
Segundo a autora, a pesquisa educativa ajudou a superar, em certa medida, a polêmica
sobre a utilização da LIJ no ensino. O problema não é classificar os textos entre “literatura
autêntica” e “literatura para crianças”, mas ver em quais textos e em quais idades essas
convenções podem ser aprendidas.
Na Espanha, como no Brasil, foi na década de 1980 que a LIJ se tornou mais presente
na escola. O consenso de que os livros para crianças e jovens são imprescindíveis para a
formação leitora e literária propiciou a reflexão sobre esse tipo de literatura do ponto de vista
do ensino regular. Além disso, muitas reflexões psicológicas, sociológicas e literárias
começaram a ser revertidas na articulação da presença desses textos nos objetivos e práticas
educativas que giravam em torno da educação literária (COLOMER, 2003, p. 125-126). De
57
acordo com Fittipaldi (2013, p. 92), na mesma década, a didática da literatura se replanejou
em função do seu ensino na escola e dos modos de conceber e propiciar a sua aprendizagem.
Assim foi se constituindo a educação literária.
Para as pesquisadoras do Gretel duas causas parecem ter sido dominantes nas
transformações vividas pela didática da literatura: o desenvolvimento dos estudos
construtivistas e socioconstrutivistas, que levaram a uma perspectiva centrada no aprendiz, e o
alcance das teorias da recepção e das respostas leitoras, que mudaram o foco de interesse para
o diálogo entre o texto e o leitor. As duas perspectivas se complementam e situam o leitor no
centro do processo educativo e das práticas literárias (FITTIPALDI, 2013, p. 93). O
reconhecimento do estudante-leitor como um sujeito ativo, responsável na construção das
aprendizagens, acarretou mudanças nos modos de abordar a literatura no marco didático.
No período foi desenvolvida nova atenção psicopedagógica aos processos de
aprendizagem dos alunos e à sua relação com as práticas de ensino (COLOMER, 2003, p.
128). A introdução da literatura infantil na escola também foi justificada com a concepção
vigotskiana de aprendizagem, com a pesquisa psicolinguística sobre o uso da língua escrita e
com a importância da leitura literária como elemento de aculturação.
Com a perspectiva da educação literária, o objetivo de aprender literatura na escola
mudou. Se antes era conhecer autores e obras relativas à história da literatura, com a educação
literária passou a ter como propósito procurar que as pessoas leiam mais e melhor, oferecer
ferramentas para que saibam interpretar mais finamente o que as rodeia (FITTIPALDI, 2013,
p. 92). No dizer de Colomer,
el objetivo de la educación literaria es, en primer lugar, el de contribuir a la
formación de la persona, formación indisolublemente ligada a la construcción de la
sociabilidad y realizada a través de la confrontación con textos que explicitan la
forma en la que las generaciones anteriores y las contemporáneas han abordado y
abordan la valoración de la actividad humana (COLOMER, 2009, p. 72).
Na proposta de didática da literatura do grupo catalão a escola deve se centrar no
progresso da competência literária. E, por isso, é importante identificar quais competências
são responsabilidade da escola, a saber:
1. Ensinar a ler no sentido amplo com tudo o que sabemos sobre o processo de
leitura e de interpretação dos textos como prática social;
2. Garantir a leitura de livros de qualidade para todos;
3. Assegurar o conhecimento de textos clássicos; 4. Oferecer a experiência de leitura de textos linguisticamente complexos e mostrar
aos leitores o que podem fazer para entender os livros em profundidade e com
espírito crítico;
5. Garantir uma sistematização sobre o funcionamento dos sistemas ficcionais e
literários da sociedade (COLOMER, 2009, p. 75-76).
A compreensão da educação literária como uma aprendizagem de interpretação dos
textos supõe, em primeiro lugar, a adesão afetiva por meio da autopercepção do leitor como
58
pertencente a essa comunidade interpretativa e a aprendizagem das convenções que regem as
formas literárias de maneira que se possa revelar o máximo de sentido. Em segundo lugar, ter
como resultado uma prática educativa que se desenvolve por meio da recepção oral ou a
leitura direta dos textos pelos aprendizes e as formas guiadas para ensinar a construir sentidos
cada vez mais complexos. Assim,
Enseñar literatura es algo complejo, en el sentido de que integra distintos elementos.
Debe responder a la conexión entre la capacidad de recepción y de producción literaria, entre la recepción del texto y la posibilidad de elaborar un discurso
analítico y valorativo sobre él, entre la interpretación del lector y los conocimientos
que la potencian, entre la educación lingüística y la educación literaria, entre los
aspectos lingüísticos y los aspectos culturales que configuran el fenómeno literario o
entre la literatura y los restantes sistemas artísticos y ficcionales existentes en las
sociedades actuales (COLOMER, 2009, p. 80).
Colomer (2003, p. 128) afirma que a preocupação com a melhora da primeira
aprendizagem leitora foi um dos maiores debates na escola nas últimas décadas. A
fundamentação teórica sobre a importância da compreensão e do interesse do leitor pelo texto
lido provocou a substituição das antigas cartilhas pelos contos infantis.
Afirma a autora que a presença dos contos infantis foi reforçada pelo aumento da
narração oral de histórias e do uso de textos do folclore. Na época a pré-escola iniciou e o uso
desses materiais foi aumentando nos diferentes níveis de ensino. Rapidamente, todo o
primário aderiu à ideia de incentivar a leitura livre e as atividades sobre textos de tradição
oral. Os estudos literários de Propp13
acerca dos contos populares deram cientificidade à
análise do material folclórico usado na escola. Ainda, assevera a autora que na época foram
divulgadas as propostas de Rodari14
sobre a escrita criativa e a utilização de contos infantis.
Daí surgiu uma grande quantidade de materiais didáticos sobre a relação entre o ensino da
leitura e a LIJ (COLOMER, 2003, p. 128-129).
Diversas obras sobre a compreensão e a resposta leitora destacaram a necessidade de
haver na escola um contexto de construção compartilhada na interpretação do texto. A LIJ
passou a ser vista como um fórum apropriado para a discussão sobre as intenções do autor, as
características dos personagens e o desenvolvimento da narrativa. Mesmo que os livros
possam ser entendidos em uma primeira leitura individual, foi observado que poderiam ser
aprofundados na troca de opiniões da comunidade de leitores. Assim, ganhou força o
argumento de que os livros deveriam ser selecionados não só pelos méritos literários, mas
13 Vladimir Propp (1895-1970) foi um acadêmico russo que analisou os contos populares russos. Ele teve como
objetivo identificar uma estrutura nos contos. É considerado um dos expoentes da narratologia. 14 Gianni Rodari (1920-1980) foi um jornalista, escritor e poeta italiano. Escreveu muitos livros infantis e
recebeu, em 1970, o Prêmio Hans Christian Andersen. Seu livro de destaque é Gramática da fantasia.
59
também pela oportunidade que ofereciam para discutir, comparar e favorecer a introspecção e
a comunicação (COLOMER, 2003, p. 129).
No dizer de Colomer (2003, p. 129-139), o fato de a LIJ ter entrado na escola não quer
dizer que se saiba o lugar que ela deve ocupar nesse espaço. Com a entrada do conceito de
competência literária, foram formulados itinerários leitores que preveem uma ampliação
progressiva do corpus que deve ser desfrutado pelos alunos. A seleção desse corpus não se
refere ao consagrado pela tradição literária.
Na prática, aumentou o objetivo de incentivar o prazer do texto, porém, manteve-se a
tensão com os textos consagrados por essa tradição. Divididos entre os objetivos de formação
de hábitos de leitura e os de acesso a formas complexas de conhecimento cultural que
requerem mediação educativa, os participantes dos debates da didática da literatura continuam
discutindo esse ponto.
Atualmente, os leitores infantis e juvenis estão imersos em um amplo caudal textual
por meio de diferentes formas de acesso: orais, escritas, visuais, audiovisuais etc. Essa
diversidade, segundo Fittipaldi (2013, p. 96-97), deve se manifestar e ser trabalhada no corpus
escolar. Se damos o acesso aos livros e, posteriormente, oferecemos um espaço e um tempo
efetivos destinados à leitura deles, os leitores se sentem convidados a realizar uma busca ativa
de indícios no corpo do texto, nos recursos e materiais utilizados pelos escritores, ilustradores
ou editores. Essa atitude interpretativa leva os leitores a pôr em jogo seus saberes e a conceber
a compreensão do texto como um todo, a partir da análise e da leitura detalhada de seus
diversos aspectos.
Assim, para a pesquisadora, não basta aproximar os livros das crianças. Mas levá-las a
frequentar os textos literários. Entendem que precisam avançar no esclarecimento sobre que
tipos de textos contribuem melhor para esse trabalho e quais são os modos de aproximação
das crianças com essas obras que seriam mais frutíferos. Assim, o acesso aos textos e a
discussão sobre eles são o núcleo da educação literária. É importante prever um tempo dentro
do horário escolar para a leitura literária autônoma, na biblioteca escolar ou na sala de aula.
Além disso, propõe a promoção de atividades literárias baseadas na oralidade, como a
narração de contos, a recitação de poemas, dramatizações, a leitura em voz alta, a associação
textual com a imagem. Outra forma de acesso à literatura é a escrita literária. Portanto,
considera importante aprender a conhecer e a valorizar um corpus cada vez mais amplo de
textos, a partir do estabelecimento de um itinerário rico de leituras (FITTIPALDI, 2013, p.
76-99).
60
De acordo com Colomer (2003, p. 132), a análise dos critérios mais inovadores de
atuação educativa evidenciou que a LIJ exerce um papel importante nos dois tipos de
objetivos que configuram a educação literária: a) a maneira de suscitar a cumplicidade e b) a
resposta dos alunos à complexidade interpretativa das obras.
Para a educação literária o estudo formal da literatura é essencial, pois a possibilidade
de obter acesso a esse tipo de comunicação depende do domínio das convenções implícitas
que governam o pacto entre o autor e o leitor. Por essa razão, outros autores renovaram a ideia
anterior de dar atenção às características formais dos textos, mesmo que a partir do uso da LIJ
no ensino. Foi defendido que esses textos podem cumprir uma função formativa na aquisição
explícita das convenções literárias. Essa questão situa-se na interseção entre a didática da
literatura e os estudos sobre essa literatura (COLOMER, 2003, p. 136).
Para Fittipaldi (2013, p. 382) há diferentes modos de abordar a literatura. Ao ordenar
as contribuições realizadas por diversos trabalhos ligados ao campo da Didática da Literatura,
a pesquisadora chegou a cinco aspectos ou dimensões da literatura que precisam ser
considerados pela escola: as dimensões afetiva, sociocultural, cognitiva, ético-filosófica e
estético-linguística. Cada uma dessas dimensões está ligada a diferentes aprendizagens, que
podem ser desenvolvidas por meio de algumas práticas pedagógicas.
Vale ressaltar que as práticas apontadas para cada uma das dimensões literárias
apresentadas a seguir não estabelecem relação unívoca entre elas e as aprendizagens listadas.
Um mesmo saber pode ser construído ou reforçado por diferentes práticas. Ao mesmo tempo,
uma mesma prática pode servir para a aprendizagem de vários conhecimentos. Para as autoras
catalãs o trabalho com as dimensões da literatura é uma tarefa contínua e progressiva a ser
desenvolvida em um processo em espiral, em um movimento dialético.
A dimensão afetiva ou pessoal apresenta o reconhecimento das práticas literárias como
atividades relevantes na vida pessoal das crianças e no desenvolvimento de seus hábitos de
leitura (FITTIPALDI, 2013, p. 444-445). Nessa dimensão as aprendizagens que a constituem
são a atitude positiva para os textos e os processos de lectoescrita; a familiarização com uma
diversidade de gêneros; a associação dos textos com a própria experiência; o reconhecimento
e a valorização das próprias leituras, práticas e saberes sobre o literário; o fortalecimento da
autoimagem leitora; a construção e ampliação progressiva de um cânone pessoal de leituras; a
ampliação do corpus apreciado e das possibilidades de desfrute dos textos literários e
culturais; o reconhecimento da leitura e da escrita literárias como atividades pessoais
significativas e a implicação pessoal com a literatura (FITTIPALDI, 2013, p. 167).
61
Essas aprendizagens estão ligadas a práticas pedagógicas, como o acesso direto a um
corpus amplo e diversificado; leitura livre ou optativa; realização de exibições de livros,
murais com citações, blogs de recomendações, caixas de correio de leitura; justificativa das
preferências e manifestação de opiniões sobre as leituras; valorização dos textos e de seus
aspectos significativos; elaboração de seleções pessoais de leitura; autobiografias leitoras,
cenas de leitura ou outros tipos de evocações de textos ou situações de leitura (FITTIPALDI,
2013, p. 167).
A dimensão sociocultural entende a literatura como uma atividade de caráter
individual e social, a partir da qual referentes culturais comuns podem ser construídos. Para
Fittipaldi (2013), tal dimensão compreende:
1) Conhecimentos sobre a cultura (conhecimentos de textos, tradições e
referências culturais comuns, vinculações dos textos literários entre si e com outras
formas da cultura, reconhecimento de lugares comuns e identificação de
singularidades e localização no mapa cultural e constituição de um horizonte onde inscrever as leituras);
2) o contexto de produção (saberes sobre os livros como objeto, sobre o ato de
escrever e sobre o funcionamento editorial);
3) e o contexto de circulação e recepção (canais de circulação, mercado do livro,
transformações sócio-históricas dos textos, crítica literária e cultural e modos de
leitura diversos ao longo do tempo);
4) além disso, inclui o entendimento da literatura como prática social
(socialização das leituras, aprendizagem sobre como discutir e negociar
interpretações, reconhecimento do sentido como construção compartilhada,
valorização da comunidade interpretativa da que se é membro e compreensão da
literatura como sistema cultural e prática social) (FITTIPALDI, 2013, p. 444-445).
As práticas pedagógicas relacionadas à dimensão sociocultural são diversas: redes de
leitura; organização de uma biblioteca; projeto de edição de um livro, revista ou periódico;
conversa com autores, ilustradores, editores ou outros mediadores de LIJ; visita a livrarias,
editoras, bibliotecas ou entornos virtuais de circulação da literatura; comparação do texto-
fonte e suas versões, traduções, adaptações; passagem de textos a outros códigos; escrita de
versões, traduções, adaptações; leitura e escrita de comentários, recomendações e resenhas;
leitura compartilhada; discussões literárias; clubes e oficinas de leitura (FITTIPALDI, 2013,
p. 168).
A dimensão cognitiva nos possibilita compreender as práticas literárias como
processos interpretativos em que os leitores são ativos e constroem sentidos (FITTIPALDI,
2013, p. 444-445). Estão incluídas nessa dimensão as seguintes aprendizagens: a
diversificação das entradas aos textos; a integração das práticas de leitura e escrita; o
conhecimento e a explicitação progressiva das convenções literárias (estruturas, gêneros,
aspectos relevantes de cada um dos gêneros...); o desenvolvimento e a ampliação das
estratégias de leitura (antecipação, inferência, verificação, autocontrole, releitura etc.); a
62
reflexão sobre a diversidade de modos de construção textual; a complexificação dos processos
interpretativos, o reconhecimento de diferentes níveis de leitura e a capacidade de olhar
“globalmente”; o reconhecimento da leitura e da escrita literárias como processos contínuos e
progressivos e do texto como obra aberta caracterizada por sua polifonia e polissemia.
As práticas pedagógicas que remetem a essa dimensão podem ser diferentes
dispositivos de apresentação de um texto, como a leitura em rede, por descobrimento
progressivo, quebra-cabeça e com ou sem imagens. Pode haver ainda diferentes dispositivos
de problematização de um texto: escritas, desenhos e trocas orais (FITTIPALDI, 2013, p.
169).
A dimensão ético-filosófica permite refletir sobre a literatura como discurso em que se
manifestam representações e juízos de valor presentes na sociedade (FITTIPALDI, 2013, p.
444-445). Nessa reflexão o leitor tem a oportunidade de realizar várias aprendizagens: o
reconhecimento da inexistência de uma “neutralidade” enunciativa e dos valores inscritos no
imaginário textual e coletivo; a formulação de dilemas éticos e filosóficos a partir das leituras;
o desenvolvimento progressivo de um olhar crítico e de uma atitude reflexiva sobre os
modelos ou esquemas organizadores do pensamento e sobre os discursos que os rodeiam
cotidianamente; a exploração das trocas que sofrem historicamente os valores que sustentam
os textos e inscrição destes em seu contexto; a confrontação com os próprios valores ou
sistemas de valores pessoais e culturais; a reflexão sobre a literatura como discurso que dá
conta de representações e juízos de valor da sociedade sobre determinados fenômenos, formas
de ser etc.
No que se referem às práticas pedagógicas associadas a essa dimensão, há a leitura
guiada de textos; a releitura de textos; os fóruns e debates sobre as leituras realizadas; as
investigações e trabalho por projetos; as tarefas de análise e reflexão sobre os valores e
questões morais que se tecem e a partir das produções abordadas (FITTIPALDI, 2013, p.
170).
A dimensão estético-linguística sublinha a importância do jogo com os aspectos
materiais da linguagem e considera a literatura como uma práxis artística (FITTIPALDI,
2013, p. 444-445). Ela permite a exploração da linguagem (verbal e visual) de maneira lúdica,
a observação de seus recursos retóricos e a reflexão sobre seus efeitos estéticos e suas
possibilidades expressivas; a escrita, a revisão e a correção de textos e o conhecimento sobre
os diversos modos de construção da linguagem literária; a apropriação, a integração e o uso da
metalinguagem visual e literária; a reflexão sobre os sentidos que potencializa o uso de
63
determinados recursos linguísticos e da imagem; o reconhecimento da literatura como prática
artística e de linguagem, e da língua como objeto.
As práticas pedagógicas que potencializam tais aprendizagens são a narração oral e
jogos com a linguagem; a leitura em voz alta; a leitura coletiva; a recitação poética em classe;
a realização de festivais de poesia; a dramatização e a realização de espetáculos teatrais; a
indagação das eleições linguísticas e das ressonâncias que sugerem determinados vocábulos
ou expressões; a escrita criativa individual ou colaborativa; as oficinas literárias de troca de
leituras e de escritas (FITTIPALDI, 2013, p. 171).
A proposta das dimensões literárias, suas aprendizagens e práticas culminaram na
construção de um panorama geral, um mapa de rota de diversos aspectos que conformam a
competência literária. No mapa da página seguinte, desenhado como uma amarelinha, alunos
e professores podem ter clareza sobre a existência de diferentes pontos ou lugares a que
podem ir, a fim de alcançar uma visão mais ampla sobre a literatura (FITTIPALDI, 2013, p.
450).
Fittipaldi (2013) destaca que, nesse jogo, os estudantes podem ir e voltar sobre os
diferentes aspectos literários, saltar de um a outro ou ficar mais tempo em um. A imagem da
amarelinha também suscita a ideia de que, na educação literária, podemos transitar por rotas
diversas, voltar, experimentar novos movimentos, parar, acelerar. Ademais, a analogia com a
amarelinha traz em si duas ideias caras à educação literária: o caminho e o jogo
(FITTIPALDI, 2013, p. 451-452).
A ideia de caminho implica no entendimento de que as aprendizagens não se dão de
uma vez e para sempre. Elas vão avançando pouco a pouco, vão se construindo e
reconstruindo. O caminho começa em algum ponto e nos leva a algum lugar. É importante
que tenhamos a consciência de onde partimos e aonde queremos chegar. No caminho vamos
reconhecendo a rota e os passos já dados no trajeto. Nessa rota o indivíduo, às vezes, segue o
seu próprio ritmo ou o dos outros, joga em tempos diferentes, acompanhado ou recebendo
orientação de alguém. Contudo, todo o tempo, o indivíduo assume que ele tem a
responsabilidade pessoal de saber que o caminho deve ser percorrido por cada um. Fittipaldi
(2013, p. 452) afirma que a ideia de jogo na educação literária remete ao lúdico, do ponto de
vista da fabulação. Nela as crianças movem peças da linguagem, sentem-se capazes de
manipular as palavras e de combiná-las entre si com a própria experiência para dizer coisas
novas.
Para entrar no jogo é necessário que as crianças se assumam como leitoras,
construtoras e produtoras de sentido. Assim, oferecer desde a escola a oportunidade de
64
experimentar as diferentes dimensões da literatura torna possível a construção de uma
resposta aos textos a partir de uma visão mais global sobre a literatura. Além disso, há fatores
históricos, políticos, sociais, econômicos que incidem sobre a situação da educação literária
em cada escola. Contudo, saber quais conhecimentos e práticas colaboram para que as
crianças sigam sendo leitoras além da escola pode ser um primeiro passo no desenvolvimento
da educação literária (FITTIPALDI, 2013, p. 453).
Diagrama 1. Amarelinha da educação literária.
Fonte: Figura 7.1: Educación literaria como rayuela, FITTIPALDI, 2013, p. 451.
Agora que os conceitos de letramento literário e educação literária estão explicitados,
sigamos para o necessário contraste entre eles. Afinal, há diferenças? Em que medida esses
conceitos se aproximam?
10. Atividade que põe em jogo
um processo interpretativo
9. Diálogo entre textos
literários e culturais
8. Prática social
7. Âmbito onde se jogam
valores e ideologias
5. Construção de
mundos possíveis
6. Formalização dos
modos de representar a
experiência
4. Produção artística feita de
linguagens
2. Objeto material
1. Espaço pessoal
Literatura
3. Sistema de produção e
de circulação cultural
65
Contrastando ambos os conceitos, parece-nos que apropriar-se da literatura
(letramento literário) esteja próximo de aprender a interpretar textos literários (educação
literária). Contudo, a escolha das palavras “letramento” e “educação” apontam para uma
direção diferente. A educação literária circunscreve a literatura a espaços educacionais,
principalmente à escola. Já o letramento literário inclui qualquer espaço onde a literatura
esteja presente como uma prática social de leitura e/ou escrita.
O principal objetivo da educação literária vai ao encontro do que o letramento literário
considera como um processo de apropriação: a formação da pessoa por meio da construção
literária de sentidos. A educação literária e o letramento literário compreendem a literatura da
mesma maneira, considerada um sistema simbólico, e, portanto, cultural. Para a educação
literária e o letramento literário, o leitor literário é aquele que constrói significados e vive o
pacto ficcional. O letramento literário parece ser o estado ou a condição de quem teve uma
educação literária.
Diante do exposto, afirmamos que os conceitos de letramento literário e educação
literária dialogam. Contudo, o primeiro abrange todas as práticas sociais de leitura e escrita
literárias, enquanto o segundo se circunscreve ao âmbito educacional.
Todavia, observamos que a educação literária tal qual proposta pelo grupo de
pesquisadores espanhóis carece de um aporte filosófico do campo da linguagem. Por essa
razão sentimos a necessidade de pensar o ensino de literatura no EFI, acrescentando outros
elementos às discussões até agora postas tanto pelo letramento literário quanto pela educação
literária.
No capítulo a seguir, intitulado “A formação literária”, vamos apresentar uma
abordagem da literatura na escola.
66
2 A FORMAÇÃO LITERÁRIA
Pois qual o valor de todo o nosso patrimônio cultural, se a experiência não mais o
vincula a nós?
BENJAMIN, 2012, p. 124
Benjamin nos instiga a pensar sobre a possiblidade de, a contrapelo, buscarmos formas
de vincular a experiência a nós. Assim, indagamos: o que pode a literatura em relação à
experiência e à formação do sujeito?
O capítulo anterior apresentou duas abordagens da literatura na escola, o letramento
literário e a educação literária. Vimos que as duas abordagens, em certa medida,
complementam-se. Para pensar aulas de literatura no espaço escolar é necessário considerar o
processo de apropriação da literatura pelos alunos, como também o aprendizado de vários
elementos do texto literário que contribuem para a interpretação de textos. Considerando os
conceitos apresentados no capítulo anterior, decidimos refletir agora sobre os verbos
escolhidos para compor ambas as definições.
Um primeiro aspecto a ser observado no conceito de letramento literário se refere à
noção individual que o verbo “apropriar-se” sugere. Quem se apropria da literatura? O
contemplador, fruidor, leitor. O sujeito é o centro.
No âmbito da educação literária o verbo “aprender” não se coloca como intransitivo
aprende-se algo. Indica também a possibilidade da presença de outrem na relação. Como a
educação literária não se circunscreve somente à escola, esse outrem pode ser de origem
muito variada: professor, bibliotecário, parente, um voluntário, ou até mesmo o próprio leitor.
Comparando os verbos analisados, observamos que “aprender” traz para a cena, além do
leitor, o outro, o que possibilita a formação da tríade leitor – obra – interlocutor, com a qual
estamos de acordo. No caso do verbo reflexivo “apropriar-se”, temos a dupla leitor – obra.
Em ambos os casos, a própria obra pode ser a interlocutora.
Após termos refletido sobre os verbos escolhidos na composição das definições do
letramento literário e da educação literária, voltamos a nossa atenção para os modos de
abordar a literatura na escola. Como cada abordagem propõe?
Cosson (2006), representante do letramento literário, sustenta a existência de três
etapas no modo de abordar a literatura na escola, nesta ordem: antecipação, decifração e
interpretação. Das três, destacamos a segunda etapa. O leitor decifra? Para o autor,
67
Entramos no texto através das letras e das palavras. Quanto maior é a nossa
familiaridade e o domínio delas, mais fácil é a decifração. Um leitor iniciante
despenderá um tempo considerável na decifração e ela se configurará como uma
muralha praticamente intransponível para aqueles que não foram alfabetizados. Um
leitor maduro decifra o texto com tal fluidez que muitas vezes ignora palavras
escritas de modo errado e não se detém se desconhece o significado preciso de uma
palavra, pois a recupera no contexto. Aliás, usualmente ele nem percebe a decifração
como uma etapa do processo da leitura (COSSON, 2006, p. 40). De acordo com nosso ponto de vista, entramos no texto literário com o outro por meio
da nossa imaginação, das nossas experiências com a língua escrita e dos nossos
conhecimentos sobre nós mesmos e sobre o mundo. Isso não quer dizer que não
reconhecemos a importância da aprendizagem do sistema alfabético da escrita. Mas que
aprender a língua escrita é mais do que aprender um sistema, é “um processo de aprender a
significar por escrito” (GOULART; GONÇALVES, 2013, p. 22). Então, sob essa ótica, o
leitor literário não decifra, ele significa.
Aprender a significar por escrito inclui aprender o sistema alfabético da escrita, mas
foge ao binômio alfabetização-letramento, cuja discussão trouxe para o campo da
alfabetização dicotomias tais como: forma e sentido, técnica e conhecimento, individual e
social, fonema e linguagem. Aprender a significar por escrito não se circunscreve ao primeiro
elemento de cada dupla citada acima (GOULART, 2014, p. 40). Nesse contexto as expressões
alfabetizar letrando e letrar alfabetizando aparecem como perspectivas diferentes do trabalho
pedagógico.
Ao associarmos estas duas palavras alfabetizar e letrar, estamos significando alfabetizar como a aprendizagem do sistema alfabético de escrita e letrar como a
aprendizagem do sentido social da linguagem escrita. Desse modo, de um lado, ao se
alfabetizar letrando, ensina-se o sistema alfabético da escrita na perspectiva do seu
sentido social. Por outro lado, ao se letrar alfabetizando, parte-se do sentido social
da escrita, na perspectiva do ensino do sistema alfabético de escrita (GOULART,
2014, p. 40-41, nota 6, grifo da autora). Dessa maneira, quando Cosson (2006) afirma que entramos no texto através das letras
e palavras, subentendemos que para o pesquisador o centro do processo de alfabetização é a
análise das palavras em unidades linguísticas (SOARES apud GOULART, 2014, p. 41). Essa
maneira de ver uma das etapas que orienta uma abordagem da literatura na escola traz como
consequência a separação entre forma e conteúdo. Para o pesquisador quanto maior é a nossa
familiaridade e o domínio das letras e palavras mais fácil é a decifração do texto. E se o aluno
não aprendeu o sistema alfabético da escrita, como ele entra no texto literário? Colocada
assim a questão, parece-nos que palavras e letras funcionam como parte de uma engrenagem
técnica que deve ser aprendida. As dicotomias técnica/conhecimento e forma/conteúdo
reaparecem.
68
Essa maneira de compreender o processo de alfabetização tem referência em Soares
(2016, p. 46, grifos da autora), para quem o aprendizado da escrita alfabética “é,
fundamentalmente, um processo de converter sons da fala em letras ou combinação de letras
escrita , ou converter letras, ou combinação de letras, em sons da fala leitura”.
Segundo a pesquisadora, tal conversão de sons em letras e de letras em sons é uma invenção
cultural que tem sido caracterizada como a invenção ora de um código, ora de um sistema de
representação, ora de um sistema notacional.
Como o sistema alfabético é o sistema primeiro, ele não pode ser considerado um
código, já que substitui ou esconde os signos de outro sistema já existente. A pesquisadora
esclarece que a escrita alfabética
É um sistema de representação porque, em seu processo de compreensão da língua
escrita, que se inicia antes mesmo da instrução formal, a criança de certa forma
„reconstrói‟ o processo de invenção da escrita como representação, o que não quer
dizer, conforme alerta Tolchinsky (2003, p. 20), que „há uma recapitulação da
história social no processo individual de aquisição‟[...] Por outro lado, a escrita é,
para a criança, um sistema notacional porque, ao compreender o que a escrita
representa (a cadeia sonora da fala, não seu conteúdo semântico), precisa também
aprender a notação com que, arbitrária e convencionalmente, são representados os
sons da fala (os grafemas e suas relações com os fonemas, bem como a posição
desses elementos no sistema (SOARES, 2016, p. 48-49, grifos da autora).
Então, podemos afirmar que para Cosson (2006) a aprendizagem da língua escrita,
compreendida como um sistema representacional e notacional, é um processo de decifração
no qual os sons da fala são convertidos em letras ou em uma combinação de letras e vice-
versa. Todavia, reiteramos que a aprendizagem da língua escrita é “um processo de aprender a
significar por escrito” (GOULART; GONÇALVES, 2013, p. 22). E significar é uma ação que
pertence à dimensão discursiva dos processos de aprendizagem da escrita.
De acordo com Goulart (2014, p. 47), essa dimensão compreende as relações com as
experiências de vida dos sujeitos e seus valores. Por isso, não é suficiente providenciar um
contexto para as unidades de trabalho da linguagem escrita, sejam elas letras, palavras, sílabas
e textos, mesmo que os textos sejam legitimados socialmente. Não é suficiente se a linguagem
for trabalhada como um elemento sem peso, se a prioridade for a análise da língua
encaminhada pelo professor, se o conhecimento e as possibilidades de análise das crianças e
as próprias crianças estiverem subordinadas ao estudo de características do sistema
linguístico. Abordar a língua priorizando a reflexão linguística é incompatível com uma
perspectiva histórica e viva da língua. O caráter discursivo das práticas pedagógicas sobressai
quando o outro dos processos escolares (isto é, as crianças) entra como encontro e confronto
de conhecimentos.
69
E como pensar o leitor ouvinte? O leitor ouvinte não “decifra”. Ele compreende o
texto verbal escrito, articula-o às ilustrações, como é o caso da literatura infantil, e o
interpreta. Nesse sentido, ser leitor significa mais do que simplesmente saber ler, saber ler em
voz alta ou em silêncio as palavras escritas. Formar leitor não é sinônimo de ensinar a ler
(BRITTO, 2015, p. 127).
É no mundo possível da ficção que o homem se encontra realmente livre para
pensar, configurar alternativas, deixar agir a fantasia. Na literatura que, liberto do agir prático e da necessidade, o sujeito viaja por outro mundo possível. Sem
preconceitos em sua construção, daí sua possibilidade intrínseca de inclusão, a
literatura nos acolhe sem ignorar nossa incompletude (QUEIRÓS apud BRITTO,
2015, p. 58). Os leitores de ouvido podem viver essa possibilidade de fantasiar com a literatura. Não
saber ler não impede nem de apreciar a obra literária, nem de interpretá-la. Embora
reconheçamos a importância da alfabetização, não a vemos como pré-requisito para viver esse
acolhimento da literatura. O leitor ouvinte, alfabetizado ou não, é capaz de viajar para outro
mundo possível ao compreender o texto literário.
Voltando, então, às três etapas de abordagem da literatura na escola propostas por
Cosson (2006), entendemos que o trio antecipação, decifração e interpretação não convém
nessa abordagem discursiva. Do ponto de vista da educação literária, Colomer (2008) propõe
que pensemos por meio de princípios de atuação que se cruzam, superpõem-se e podem ser
planejados de diferentes maneiras: ler, compartilhar, expandir e interpretar. Observa-se que,
nessa perspectiva, o leitor não decifra. O leitor lê. O que compreende a criação de um espaço
de leitura individual na escola e a oportunidade de ler a todos os alunos. A leitura autônoma é,
segundo Colomer (2007), imprescindível para o desenvolvimento das competências leitoras e
para que os alunos construam sua autoimagem como leitores, aprendendo a avaliar os livros,
criando expectativas e se arriscando na seleção, no abandono e no empréstimo de livros.
O leitor lê com os outros, compartilha as obras. Nesse momento todos se beneficiam
da competência dos outros para construir sentidos e entender mais e melhor os livros. Em uma
comunidade de leitores podemos experimentar a literatura em sua dimensão socializadora, o
que faz com que nos sintamos participantes de uma comunidade com referências e
cumplicidades mútuas. O leitor expande seus conhecimentos, integrando o livro literário com
outros tipos de aprendizados e conhecimentos, como os sociais, filosóficos, éticos, históricos
ou artísticos. “Quanto mais ativo e inter-relacionado é o ensino que se oferece, mais fácil será
que os alunos se encontrem com a literatura em qualquer espaço ou matéria (...) sempre que
nos lembremos de pôr aí as obras” (COLOMER, 2007, p. 160). O leitor interpreta. As
crianças, para aprofundarem suas leituras, precisam da ajuda de leitores mais experimentados
70
que lhes deem pistas e caminhos para construir um sentido mais satisfatório do significado
dos livros por meio da leitura guiada.
Comparando os dois modos de abordar a literatura na escola, observamos uma
primeira diferença: uma abordagem pensa em etapas e a outra, em princípios de atuação. As
etapas seguem uma sequência e os princípios entram como elementos que o docente coloca
em jogo, conforme o seu planejamento pedagógico. O outro aparece mais fortemente na
perspectiva da educação literária e ambos consideram a interpretação um momento
importante. Outra comparação importante entre ambos os conceitos se refere à orientação do
pensamento filosófico-linguístico ao qual estão vinculados. A filosofia da linguagem
bakhtiniana (1986) aponta para duas orientações principais: o subjetivismo idealista e o
objetivismo abstrato.
O subjetivismo idealista se interessa pelo ato da fala, de criação individual, como
fundamento da língua. A fonte da língua é o psiquismo individual. As leis da criação
linguística são as leis da psicologia individual. O indivíduo está como protagonista nessa
orientação em relação à língua (BAKHTIN, 1986, p. 72). A outra orientação do pensamento
filosófico-linguístico, o objetivismo abstrato, tem como centro o sistema linguístico, isto é, o
sistema das formas fonéticas, gramaticais e lexicais da língua. Aqui o indivíduo recebe da
comunidade linguística um sistema já constituído. A língua como um sistema estruturado
obedece a leis linguísticas específicas que não dependem da consciência individual. O
indivíduo tem que tomar tal sistema e assimilá-lo tal como ele é (BAKHTIN, 1986, p. 77-79).
Bakhtin problematiza essas concepções de forma dialética refutando tanto a tese quanto a
antítese, fazendo uma síntese que inclui a ambivalência e apresenta as questões discursivas.
Guardadas as devidas proporções, vemos no conceito de letramento literário traços ora
da primeira orientação, ao trazer o processo de apropriação da literatura pelo contemplador,
fruidor, leitor, como algo que coloca o sujeito como protagonista; ora do objetivismo, uma
vez que se refere às práticas sociais de leitura literária de forma instrumental. Já a proposta de
educação literária se apresenta próxima ao objetivismo abstrato, ao tratar do aprendizado da
interpretação de textos. Aqui já não é o indivíduo o protagonista, mas os textos.
Todavia, pensamos que o centro da formação literária não é o leitor ou os textos, mas a
interação verbal entre eles por via do diálogo, no sentido amplo do termo, isto é, toda
comunicação verbal, de qualquer tipo, e não apenas a comunicação em voz alta, de pessoas
colocadas frente a frente (BAKHTIN, 1986, p. 123). Nessa interação verbal o outro aparece
com força. A relação é dialógica. “A palavra se dirige a um interlocutor” (BAKHTIN, 1986,
p. 112). Por isso, propomos que pensemos em ações interlocutórias com a literatura ao invés
71
de etapas ou princípios de atuação para abordar a literatura na escola. As ações interlocutórias
com a literatura querem dizer atividades, movimentos com a literatura. Tais ações têm como
produto a palavra, que se apoia sobre o leitor em uma extremidade e na outra, sobre o
interlocutor, que é aquele a quem a palavra se dirige, em uma relação dialógica. A palavra é o
produto da interação do leitor com o texto. Ela é a ponte entre o eu e o outro.
O livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um elemento da
comunicação verbal. Ele é objeto de discussões ativas sob a forma de diálogo e, além disso, é feito para ser apreendido de maneira ativa, para ser estudado a fundo,
comentado e criticado no quadro do discurso interior, sem contar as reações
impressas, institucionalizadas, que se encontram nas diferentes esferas da
comunicação verbal (críticas, resenhas, que exercem influência sobre os trabalhos
posteriores etc.). [...] o discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma
discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta,
confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio etc.
(BAKHTIN, 1986, p. 123). Propomos ações interlocutórias com a literatura a partir de três ações: ler, dizer(-se) e
criar.
LER
DIZER(-SE)
CRIAR
Imaginar Apreciar Sentir
Ouvir/assistir
Observar, fruir, conhecer
Antecipar
Especular
Relacionar
Comparar
Relatar
Comentar
Debater Entrevistar
Criticar
Perguntar
Apresentar
Opinar
Discutir
Recordar
Conversar
Argumentar
Inferir
Avaliar
Recomendar Analisar
Descrever
Identificar
Narrar/recontar oralmente
Brincar
Dramatizar
Fotografar
Esculpir
Pintar
Ilustrar Dançar
Recitar
Filmar
Jogar
Brincar
Musicar
Tocar
Cantar
Produzir texto escrito
Quadro 1. Ações interlocutórias com a literatura.
72
Tais ações interlocutórias com a literatura não contam com uma ordem preestabelecida
e são previamente pensadas, planejadas, elaboradas e orientadas pelo professor, que
intencionalmente as provoca. Na imagem da brincadeira infantil cama de gato temos a melhor
metáfora, até o momento, para representar o que entendemos que deve tecer um dos modos
possíveis de abordar a literatura na escola, em particular no EFI.
Figura 1. Brincadeira cama de gato.
Com o professor promovendo o encontro com o outro na fabulação, por meio da
leitura, do dizer e da criação, a cada movimento na cama de gato constrói-se um novo laço.
Os pontos de encontro dos dedos com o barbante e do barbante em si se movem e um novo
trançado é criado. Cada ponto é importante, um sustenta o outro. Com uma nova figura
formada, tudo está novamente posto em questão e os pontos entram em tensão. Quem fica?
Quem sai? Quem se transforma? Assim também entendemos que sejam as aulas de literatura.
A vivência de cada ação interlocutória com a literatura forma um laço, um ponto de encontro
com o outro. O aluno deve poder parar para vivenciar cada ação proposta.
Cada vez que as ações interlocutórias com a literatura são vivenciadas, o aluno tem a
oportunidade de significar. “Atribuir significação às coisas as que o homem encontra já
prontas na natureza e as que ele produz agindo sobre ela constitui o que entendemos por
produzir cultura” (PINO, 2005, p. 54). Cultura no sentido das produções humanas, as quais
são portadoras de significação, daquilo que o homem sabe e pode dizer a respeito delas. Na
medida em que as ações da criança vão recebendo a significação que lhe dá o outro, conforme
propõe a tradição cultural do seu meio social, ela vai incorporando a cultura que a constitui
como um ser cultural, como um ser humano (PINO, 2005, p. 59).
Segundo Vigotski, o desenvolvimento humano passa, necessariamente, pelo outro:
“poderíamos dizer que é por meio dos outros que nos tornamos nós mesmos [...] O indivíduo
73
torna-se para si o que ele é em si pelo que ele manifesta aos outros” (VIGOTSKI apud PINO,
2005, p. 66). Nesse processo a criança/aluno não desempenha papel passivo.
CRIANÇA
Mediação semiótica do outro
CULTURA
Figura 2. Mediação do outro na interação criança-cultura.
Fonte: PINO, 2005, p. 66.
Do ponto de vista da corrente histórico-cultural da Psicologia, representada por
Vigotski (1998 e 2010), o desenvolvimento humano é cultural. No que se refere
especificamente à arte, o pesquisador elaborou um conceito vivência estética que
dialoga sobremaneira com as reflexões que tecemos até aqui acerca da importância do Outro e
do seu papel ativo no desenvolvimento cultural do sujeito.
Segundo Vigotski (2010, p. 333), a vivência estética é uma “atividade construtiva
sumamente complexa, que é realizada pelo ouvinte ou o espectador [...], o próprio receptor
constrói e cria o objeto estético”. O leitor/ouvinte/espectador é provocado por um estímulo e
reage a ele de modo responsivo, reconstruindo-o. Inicialmente, o organismo percebe o
estímulo, por meio do aparelho receptor15
. Depois, ele elabora o estímulo com o aparelho
central16
. Por fim, através do aparelho respondente, dá-lhe uma resposta17
(VIGOTSKI, 2010,
p. 15-50).
15 O primeiro momento da reação é a percepção pelo organismo dos estímulos enviados pelo meio exterior. Ele é denominado momento sensorial ou percepção do estímulo (VIGOTSKI, 2010, p. 16). Esse momento está
vinculado, segundo Vigotski (2010), ao aparelho receptor, que pertence a três campos do corpo humano. No
campo exteroceptivo ele é representado por todo o sistema de órgãos especiais dos sentidos que estão
predestinados à recepção das estimulações externas, à sua análise e transmissão a um centro. No campo íntero-
receptor, representado pelo estômago, intestino, coração, vasos sanguíneos e outros órgãos relacionados às
funções fundamentais do organismo, o aparelho receptor está adaptado para receber os estímulos internos. O
aparelho receptor também pertence ao campo proprioceptivo. Representado pelos músculos, articulações,
tendões, ele recebe as próprias reações do organismo. Sua única função é perceber as mudanças que
acompanham a reação (VIGOTSKI, 2010, p. 50-52). 16 O segundo momento da reação está relacionado com o aparelho central, também conhecido como aparelho da
elaboração. Ele é constituído pelos segmentos centrais do sistema nervoso, que são a massa da medula espinhal e
do cérebro. A massa da medula espinhal é um espaço de localização da experiência hereditária e das reações hereditárias. A massa do cérebro, mais conhecida como córtex cerebral, é uma espécie de superestrutura erigida
sobre o sistema nervoso central. Ele é o órgão da experiência pessoal do indivíduo, é uma região das respostas
condicionadas, isto é, são reações adquiridas na experiência com o mundo, estribadas em reações hereditárias. O
córtex cerebral decompõe o mundo nos seus elementos integrantes para possibilitar o estabelecimento dos
74
Considerando esses momentos, Vigotski (2010) os transporta para o contexto de
quando o ouvinte/espectador/leitor vivencia a obra de arte. Ele denomina todo esse conjunto
de reação estética. Aprendemos a reagir esteticamente. Tal reação surge no processo da
experiência pessoal e depende das particularidades históricas, geográficas, individuais, de
gênero e de classe. Ela é variada e se distingue pela inconstância. O ouvinte, o expectador, o
leitor, quando vivencia a obra de arte, é ativo, reage a ela. De acordo com a sua experiência
pessoal, ele percebe, elabora e responde ao objeto estético (VIGOTSKI, 2010, p. 20-21).
A reação é estética porque suas emoções se resolvem, principalmente, em imagens da
fantasia com um estímulo externo artístico. Porém, do ponto de vista psicológico, a obra de
arte é mais que um estímulo externo (VIGOTSKI, 1998, p. 333). Ela é um sistema organizado
de modo consciente e tem força para provocar emoções que não se manifestam no nosso dia a
dia. Essa força se deve, em parte, ao trabalho do autor-criador, que se esforça para construir
uma divergência interior entre conteúdo e forma. Mas essa força também está relacionada ao
fato de o conteúdo e a forma serem recolhidos do social. Então, no momento em que a obra de
arte é vivenciada, essa divergência entre conteúdo e forma provoca uma contradição
emocional no sujeito, tornando esse sentimento social em pessoal (VIGOTSKI, 1998, p. 272-
273).
A estimulação é “O momento da percepção sensorial da forma, aquele trabalho
desempenhado pelo olho e o ouvido constitui apenas o momento primeiro e inicial da
vivência estética” (VIGOTSKI, 1998, p. 333). Embora a reação estética comece pela
percepção sensorial, ela não se conclui nesse momento (VIGOTSKI, 1998, p. 249-250). Na
elaboração e na resposta, acontece o que o autor denominou de “síntese criadora secundária”.
vínculos entre o organismo e o meio (VIGOTSKI, 2010, p. 50-54). O segundo momento da reação elabora os
estímulos enviados pelo meio exterior e é chamado de central ou momento da elaboração do estímulo. 17 O terceiro é último momento é realizado pelo aparelho respondente ou responsivo. Ele é um sistema formado por todos os órgãos funcionais do organismo, como músculos e tendões para as respostas motoras, pelo coração
e pelos vasos sanguíneos para as respostas somáticas, pelas glândulas de secreção interna e externa para as
respostas secretórias. O homem não pensa só com o auxílio do cérebro, mas por meio de uma atividade
coordenada e determinada do conteúdo de sua caixa craniana em associação com todas as glândulas de secreção
interna. Com isso, tais glândulas são de extrema importância na reação humana. Elas lançam sua secreção
diretamente no sangue e, por isso, são denominadas sanguíneas, endócrinas ou glândulas de secreção interna. Os
produtos da sua secreção no sangue são denominados hormônios. A secreção interna é importante para todo o
organismo, pois os fenômenos do crescimento, a constituição do corpo, o tamanho e as formas dos órgãos
dependem da secreção interna. O sistema hormonal ou secretório depende de outros sistemas, o circulatório e o
nervoso. O sistema circulatório distribui os hormônios por todo o corpo. O sistema nervoso domina os demais
órgãos do corpo e as glândulas endócrinas, e vice-versa. Essas glândulas estão aptas a levar estimulações ao
centro e a receber desses impulsos executivos como qualquer músculo. Nesse sentido, as glândulas de secreção interna integram o aparelho responsivo do sistema nervoso. O cérebro influencia o sistema hormonal e, por meio
dele, torna a exercer influência sobre si mesmo (VIGOTSKI, 2010, p. 54-61). O terceiro e último momento,
denominado motor, é a ação responsiva do organismo, sob a forma de movimento resultante de processos
internos.
75
Nela o sujeito deve reunir em um todo e sintetizar os elementos dispersos na totalidade
artística (VIGOTSKI, 2010, p. 334). Esse trabalho de análise é função do córtex cerebral
(órgão da experiência pessoal do indivíduo), que decompõe o mundo nos seus elementos
integrantes e depois estabelece os vínculos entre o organismo e o meio (VIGOTSKI, 2010, p.
52-54).
Por meio da empatia, projetamos o conteúdo e os sentimentos que relacionamos com o
objeto da arte. Segundo Vigotski (1998, p. 334), essa atividade da empatia consiste em um
reatamento de uma série de reações internas, da sua coordenação vinculada e em certa
elaboração criadora do objeto.
A luta entre forma e conteúdo é propriedade fundamental da obra de arte. Segundo o
autor, essa luta provoca no ouvinte/espectador/leitor uma contradição emocional que suscita
uma série de sentimentos opostos entre si e provoca o seu curto-circuito. Esse é o verdadeiro
efeito da obra de arte (VIGOTSKI, 1998, p. 269). “É nessa transformação das emoções, nessa
sua autocombustão, nessa reação explosiva que acarreta a descarga das emoções
imediatamente suscitadas, que consiste a catarse da reação estética” (VIGOTSKI, 1998, p.
272, grifo nosso). Desse modo, resumimos a reação estética de Vigotski no seguinte esquema:
Estimulação Elaboração Resposta
(aparelho receptor) (aparelho central) (aparelho respondente)
Catarse
Diagrama 2. Reação estética de Vigotski
Fonte: Vigotski, 1998.
Vigotski (1998, p. 313-314) entende que, por si só, o sentimento não é capaz de criar
arte. É necessária a criação do autor e do ouvinte/espectador/leitor. Só então a arte se realiza
plenamente. Essa é a razão de a vivência estética ser uma atividade construtiva:
a percepção da arte também exige criação, porque para essa percepção não basta
simplesmente vivenciar com sinceridade o sentimento que dominou o autor, não
basta entender da estrutura da própria obra: é necessário ainda superar criativamente
o seu próprio sentimento, encontrar a sua catarse, e só então o efeito da arte se
manifestará em sua plenitude (VIGOTSKI, 1998, p. 313-314). “A arte é trabalho do pensamento, mas de um pensamento emocional inteiramente
específico” (VIGOTSKI, 1998, p. 57). As emoções estéticas são inteligentes e parciais, pois
não tendem passar à ação. Elas se resolvem principalmente em imagens da fantasia. Esse é o
seu traço distintivo em relação à emoção real (VIGOTSKI, 1998, p. 266-267).
76
No entanto, há realidade nas emoções estéticas. Vigotski (1998, p. 264) exemplifica da
seguinte maneira: se confundo uma pessoa com um casaco que ficou pendurado à noite no
quarto, o equívoco é evidente porque nenhum conteúdo real corresponde a essa vivência.
Contudo, o sentimento de pavor que experimento nesse ato é real. Assim, vemos que o
sentimento e a fantasia não são dois processos separados entre si, mas o mesmo. A fantasia é a
expressão central da reação emocional.
Para Vigotski (1998) a emoção é um dispêndio de energia. A descarga das emoções
durante a reação estética não é uma descarga no vazio. Ela é uma reação à obra de arte. É na
fantasia que essas emoções são descarregadas. Quanto maiores são o dispêndio e a descarga
das emoções, maior é a comoção causada pela arte. Desse modo, Vigotski afirma que a reação
estética “encerra em si a emoção que se desenvolve em dois sentidos opostos e encontra sua
destruição no ponto culminante, como uma espécie de curto-circuito” (VIGOTSKI, 1998, p.
270, grifo do autor).
O vivenciamento estético de uma obra de arte pode ter efeito emocional, moral e
cognitivo. O efeito emocional, o momento hedonístico do prazer suscitado pela obra de arte,
pode exercer influência educativa no processo das nossas sensações. Já o efeito moral se
realiza sob a forma de processo íntimo, manifesta-se em certa elucidação interior do mundo
psíquico, em certa superação dos conflitos íntimos e na libertação de certas forças reprimidas,
em especial as forças do comportamento moral. Não é possível saber de antemão o tipo de
efeito moral que qualquer livro irá exercer. Ele pode ser casual e secundário. O vivenciamento
estético de uma obra também pode ter um efeito cognitivo, isto é, ampliar a nossa concepção
de algum campo de fenômenos, levar-nos a vê-lo com novos olhos, a generalizar e unificar
fatos que antes estavam inteiramente dispersos. A vivência estética nunca passa sem deixar
vestígios para o nosso comportamento. Ela dá para futuras ações um novo sentido e leva a ver
o mundo de modo diferente (VIGOTSKI, 2010, p. 325-343).
Se a vivência estética deixa marcas, o mesmo acontece com a vivência estética da
literatura. Para refletirmos sobre esse processo formativo, vamos abordar, inicialmente, a
questão da leitura como formação e a formação como leitura, ambas válidas para o processo
de formação do leitor literário.
De acordo com Larrosa (2003, p. 25-26), a leitura como formação se refere a uma
atividade que tem relação com a subjetividade do leitor, com aquilo que ele sabe e com o que
ele é. A leitura, nessa perspectiva, é algo que nos forma, ou nos de-forma, ou nos trans-forma.
Ela nos constitui, coloca-nos em questão com aquilo que somos. A leitura é algo que nos faz
ser, mas também é o que somos.
77
Na leitura como formação não há fronteiras entre o real e o imaginário, o
conhecimento e o sujeito. Nessa perspectiva a leitura é uma experiência de formação. O
estudo da origem do conceito de imaginação explica o uso dos termos subjetivo e experiência
dessa abordagem da leitura. Na ciência moderna, conforme explicita Larrosa (2003, p. 27-28),
a imaginação está ligada ao não real, à ficção, ao delírio, à fantasia, à alucinação, ao sonho.
Vem daí a perda do seu valor cognitivo e sua referência maior ao campo da Psicologia. Aqui a
imaginação está ao lado do subjetivo.
Na Antiguidade a imaginação era considerada o meio essencial do conhecimento. Ela
era a faculdade mediadora entre o sensível e o inteligível, a forma e o intelecto, o objetivo e o
subjetivo, o corporal e o não corporal, o exterior e o interior. Na época a imaginação estava
ligada à experiência. Na contemporaneidade há uma nova compreensão do papel cognitivo da
imaginação. Do ponto de vista linguístico, a imaginação tem uma relação reprodutiva e
produtiva com a realidade. A imaginação produz, incrementa e transforma a realidade.
A leitura como formação é um modo de afirmar a potência formativa e transformativa
(produtiva) da imaginação. Dar luz à palavra “formação” na definição de um conceito para
pensar aulas de Literatura em escolas reafirma tal potência formativa da leitura e,
consequentemente, da literatura, na medida em que estamos tratando de uma questão central
no desenvolvimento intelectual das crianças, a sua imaginação, que está ligada ao subjetivo e
à experiência. A imaginação traz consigo a potência de formar e transformar.
Vimos que a leitura como formação reaproxima o conhecimento com a subjetividade.
Sem a relação entre texto e subjetividade, a leitura não resulta em formação. Para Larrosa
(2003, p. 25) a leitura como formação apenas se dá na medida em que há uma relação íntima
entre o texto e a subjetividade. Quando acontece essa relação, estamos diante de uma
experiência. Portanto, a leitura resulta em formação quando há experiência. Formamos
leitores literários quando há experiência.
A experiência é o que nos passa, nos afeta; é quando trocamos com o que sabemos;
resulta em formação ou na trans-formação do que somos; é quando a arte nos atravessa e
deixa marcas; é quando algo nos agita, altera, inquieta, perturba, afeta, emociona, desloca. A
experiência põe fim à fronteira entre o que sabemos e o que somos, o que passa e podemos
conhecer e o que nos passa, no sentido de que atribuímos sentido a algo em relação a nós
mesmos. A atribuição de sentido é parte da experiência. É vivência ou experiência estética
quando a obra de arte nos forma, de-forma ou trans-forma.
Nessa relação de produção de sentido é imprescindível que o leitor esteja disposto a
ouvir o que não sabe, o que não quer e o que não precisa. Ele deve estar disposto a se
78
transformar em uma direção desconhecida. Quando o leitor continua o mesmo frente ao que
lê, ele reduz tudo à sua imagem, à sua medida. Ele não é capaz de ver outra coisa senão a si
mesmo. Aquele que lê apropria-se de si mesmo, converte o outro em uma variante de si
mesmo. É o leitor que lê a partir do que sabe, do que quer, do que necessita. Sua consciência
está cristalizada frente ao que poderia ser posto em questão.
Essa relação de escuta é o que define a outra face da leitura de que Larrosa (2003)
trata: a formação como leitura. Os livros, as pessoas, os objetos, as obras de arte, a natureza,
os acontecimentos que ocorrem ao nosso redor querem nos dizer algo. É uma relação de
produção de sentido, de escuta entre o leitor e o outro. Uma pessoa que não é capaz de se
colocar à escuta cancelou o seu potencial de formação e de trans-formação. Diríamos ainda
que ela pôs em suspenso o seu potencial de vivência e experiência estética. Nela o outro deve
permanecer o outro e não se tornar o outro eu.
[...] fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece, nos alcança;
que se apodera de nós, que nos tomba e nos transforma. Quando falamos em „fazer‟
uma experiência, isso não significa precisamente que nós a façamos acontecer,
„fazer‟ significa aqui: sofrer, padecer, tomar o que nos alcança receptivamente,
aceitar, à medida que nos submetemos a algo. Fazer uma experiência quer dizer,
portanto, deixar-nos abordar em nós próprios pelo que nos interpela, entrando e
submetendo-nos a isso. Podemos ser assim transformados por tais experiências, de
um dia para o outro ou no transcurso do tempo (HEIDEGGER apud LARROSA,
2003, p. 30-31).
Pensar a leitura literária como experiência recupera criticamente a ideia de formação.
Para a educação tecnocientífica o conhecimento é essencialmente a ciência e a tecnologia,
algo infinito, universal e objetivo. É algo que está fora de nós e de que podemos nos apropriar
e utilizar. Nessas condições, a mediação entre o conhecimento e a vida é a apropriação
utilitária. A experiência é experimento e formar significa dar forma e desenvolver um
conjunto de disposições preexistentes, levar o homem para a conformidade com um modelo
ideal fixado e assegurado de antemão. Assim, a educação se converte em uma questão de
transmissão de conhecimento. O professor transmite conhecimentos, antecipa o sentido do
texto e as atividades de leitura são um meio para chegar a um saber previsto de antemão. A
leitura como experimento é uma parte definida e sequenciada de um método ou de um
caminho seguro para um modelo prescritivo de formação.
Porém, nem sempre o conhecimento foi separado da vida. A categoria experiência
serviu muitos séculos para pensar a relação entre conhecimento e vida como mediação. Ela
era chamada de “saber humano” ou “saber de experiência”. Esse saber é finito, particular,
subjetivo, relativo, pessoal e inerente ao indivíduo. O saber da experiência ensina a viver
humanamente. Sob tal perspectiva, o professor transmite no sentido de permitir uma relação
com o texto, uma forma de atenção, uma atitude de escuta, uma inquietude, uma abertura. Isso
79
não quer dizer que o professor fique passivo ou que somente administre o ato de leitura
durante a aula, como também não significa somente deixar os alunos lendo. O professor tenta
fazer com que a leitura como experiência seja possível.
... enseñar es aún más dificil que aprender. (…) No porque el maestro deba poseer
un mayor caudal de conocimientos y tenerlos siempre a disposición. El enseñar es
más dificil que aprender porque enseñar significa: dejar aprender. Más aún: el
verdadero maestro no deja aprender más que „el aprender‟. Por eso también su obra
produce a menudo la impresión de que propiamente no se aprende nada de él, si por
„aprender‟ se entiende nada más que la obtención de conocimientos útiles. El
maestro posee respecto de los aprendices como único privilegio el que tiene que aprender todavía mucho más que ellos, a saber: el dejar aprender. El maestro debe
ser capaz de ser más dócil que los aprendices. El maestro está mucho menos seguro
de lo que se lleva entre manos que los aprendices. De ahí que, donde la relación
entre maestro y aprendices sea la verdadera, nunca entra en juego la autoridad del
sabihondo ni la influencia autoritaria de quien cumple una misión (HEIDEGGER
apud LARROSA, 2003, p. 45). A perspectiva da leitura como experiência está articulada a uma concepção de
educação que para Larrosa (2003) não está vinculada ao par ciência e técnica e nem à teoria e
à prática. O autor propõe uma terceira via, a educação como experiência.
Se no par ciência e técnica a perspectiva é positivista, em teoria e prática a abordagem
é política e crítica. Em uma os sujeitos são técnicos que aplicam diversas tecnologias
pedagógicas, desenhadas por cientistas, tecnólogos e especialistas. Na outra os sujeitos são
críticos, comprometidos com práticas educativas concebidas desde uma perspectiva política.
Na dupla ciência e técnica a educação é uma ciência aplicada. Já em teoria e prática a
educação é compreendida como práxis política. Larrosa (2003, p. 39-41) não se localiza em
nenhum desses pontos de vista acerca da educação, e traz, então, uma proposta. Ver a
educação e a leitura a partir da experiência. Para tal se faz necessário trazer à cena o conceito
de palavra, pois ela é constituinte da abordagem larrosiana.
Para Larrosa (2003, p. 70-71) as palavras produzem sentido, criam realidade, têm
poder e força. Nós fazemos coisas com as palavras e elas fazem coisas conosco. As palavras
determinam nosso pensamento porque pensamos com palavras, pensamos desde as nossas
palavras. Pensar, nesse sentido, não se restringe somente a racionalizar, calcular e argumentar.
Pensar também é dar sentido ao que somos e ao que nos passa.
O modo como nos colocamos ante nós mesmos, ante os outros e ante o mundo em que
vivemos e ainda o modo como atuamos diante de tudo tem relação com as palavras. Essa
maneira de pensar sobre a palavra vai ao encontro do que Aristóteles definiu como homem:
vivente dotado de palavra. Ele é um vivente de palavra. O homem é palavra. O humano se dá
na palavra.
80
Quando fazemos coisas com as palavras, como criticar, eleger, cuidar, inventar, jogar,
impor, proibir, transformar, estamos dando sentido ao que somos e ao que nos passa. Nomear
o que fazemos não é somente uma questão terminológica. Do ponto de vista da técnica
aplicada, da práxis reflexiva e da experiência, nomear o que somos, fazemos, pensamos,
percebemos e sentimos é diferente. A luta pelas palavras, pelos significados, pelo controle ou
silenciamento das palavras, pela imposição ou desativação de certas palavras, são lutas em
que se joga algo mais do que simplesmente palavras.
A experiência literária nos coloca dentro da luta pelas palavras. Por que é difícil viver
tal experiência no sentido daquilo que nos passa? Como fazer com que vivamos experiências?
Larrosa (2003, p. 87-94) nos traz algumas questões que revelam o que dificulta vivê-las.
O excesso de informação. Uma sociedade que está fundada na informação é uma
sociedade em que a experiência é impossível. Informação não é experiência. O sujeito da
informação sabe muitas coisas, passa todo o tempo buscando informações, cada vez sabe
mais. Embora saiba mais, nada lhe passa. Saber coisas (estar informado) é diferente do saber
da experiência. Nesse tipo de sociedade parece que a informação, o conhecimento e a
aprendizagem são sinônimos, como se o conhecimento se desse ao modo da informação e
aprender fosse adquirir e processar informações.
O excesso de opinião. O sujeito da opinião passa a vida opinando sobre qualquer
coisa. Se alguém não tem opinião, se não tem uma posição própria sobre o que passa, se não
tem um juízo preparado sobre qualquer coisa que se apresente, ele se sente em falta.
A falta de tempo. Ela traz consigo a falta de silêncio e de memória. Tudo passa
depressa e se reduz a um estímulo fugaz e instantâneo. Um estímulo é substituído
imediatamente por outro estímulo ou excitação igualmente efêmera e fugaz. Assim, o
acontecimento se dá na forma de choque, de sensação, vivência instantânea, desconectada. A
velocidade com que as coisas acontecem no mundo moderno impede a sua conexão
significativa, a memória. O sujeito moderno é informado, opina, consome notícias, é curioso,
está sempre insatisfeito, é incapaz do silêncio, é agitado. Ele é o sujeito do estímulo. Tudo o
atravessa, excita-o, agita-o, choca-o. Mas nada lhe passa. Nessa mesma lógica atua a
educação, em que temos o sujeito da formação permanente e acelerado. Ele usa o tempo como
uma mercadoria.
Além do excesso de informação e de opinião, como também da falta de tempo, o
excesso de trabalho nos impede de viver a experiência. Ao não poder parar, nada nos passa. O
sujeito moderno trabalha e muito. Segundo Larrosa (2003), o sujeito moderno se acha
onipotente. Ele crê que pode fazer tudo o que lhe é proposto e que, se não pode, algum dia
81
poderá. Ele se relaciona com o acontecimento do ponto de vista da ação. Ele sempre se
pergunta o que pode fazer, deseja produzir algo, modificar algo. O sujeito moderno se
encontra atravessado pelo afã de trocar as coisas. Está sempre querendo o que não é porque
está sempre ativo, mobilizado. Ele não pode parar.
La experiencia, la posibilidad de que algo nos pase, o nos acontezca, o nos llegue,
requiere un gesto de interrupción, un gesto que es casi imposible en los tiempos que
corren: requiere pararse a pensar, pararse a mirar, pararse a escuchar, pensar más
despacio, mirar más despacio y escuchar más despacio, pararse a sentir, sentir más
despacio, demorarse en los detalles, suspender la opinión, suspender el juicio,
suspender la voluntad, suspender el automatismo de la acción, cultivar la atención y
la delicadeza, abrir los ojos y los oídos, charlar sobre lo que nos passa, aprender la
lentitud, escuchar a los demás, cultivar el arte del encuentro, calar mucho, tener
paciencia, darse tempo y espacio (LARROSA, 2003, p. 94).
Portanto, o sujeito moderno é ultrainformado, repleto de opiniões, superestimulado,
cheio de vontade e hiperativo. E quem é o sujeito da experiência? Ele é território de passagem
uma superfície de sensibilidade na qual o que passa o afeta , é lugar de chegada
aonde chegam coisas, e ao recebê-las dá lugar a elas e espaço do acontecer nele tem
lugar acontecimentos. O sujeito da experiência se define pela sua atividade e passividade,
receptividade, disponibilidade e abertura.
Porém, essa passividade não se refere aos antônimos ativo e passivo. Ela é feita de
paixão, padecimento, paciência e atenção. Ela é uma primeira receptividade, uma
disponibilidade fundamental, uma abertura essencial. Nessa passividade, que significa
abertura, recepção e disponibilidade, encontramos o conceito de contemplação estética,
postulado por Bakhtin (1993a, p. 92, grifo do autor): “contemplar esteticamente significa
submeter um objeto ao plano valorativo do outro”.
A “contemplação é a ativa, efetiva exotopicidade do contemplador com relação ao
objeto contemplado” (BAKHTIN, 1993a, p. 90). A exotopia do contemplador é espacial,
temporal e valorativa. Quando contemplo o outro, nossos horizontes não coincidem porque
sempre verei e saberei algo que ele, da sua posição fora e diante de mim, não pode ver. Esse
excedente da minha visão deve-se à minha singularidade e à insubstitutibilidade do meu lugar
no mundo. Nesse momento e nesse lugar, em que eu sou o único a estar situado em dado
conjunto de circunstâncias, todos os outros estão fora de mim. A contemplação estética não
pode abstrair a singularidade do lugar que o sujeito dessa contemplação ocupa na existência.
O excedente da minha visão em relação ao outro condiciona certa esfera do meu ativismo, ou
seja, um conjunto daquelas ações internas ou externas que só eu posso praticar em relação ao
outro. Ao outro tais ações são inacessíveis no lugar que ele ocupa fora de mim. Elas
completam o outro justamente naqueles elementos em que ele não pode completar-se. Essas
82
ações são infinitamente variadas em função da diversidade de situações da vida em que eu e o
outro nos encontramos em um dado momento (BAKHTIN, 2003, p. 21-23).
Para o autor a contemplação é ativa e eficaz. As ações de contemplação que decorrem
do excedente de visão externa e interna do outro são ações estéticas. O excedente de visão é
como se fosse o broto que repousa a forma e de onde ela desabrocha como uma flor. No
entanto, para que esse broto realmente desabroche na flor da forma concludente, é necessário
que o excedente de minha visão complete o horizonte do contemplado sem perder a
originalidade deste. Eu devo entrar em empatia com o outro, o que significa colocar-me no
lugar dele, retornar ao meu lugar, completar o horizonte dele com o meu excedente de visão,
convertê-lo, criar para ele um ambiente concludente a partir do meu conhecimento, da minha
vontade e do meu sentimento (BAKHTIN, 2003, p. 23).
A vida conhece dois centros de valor que são importantes e diferentes, embora tenham
relação entre si: eu e o outro (BAKHTIN, 2003, p. 91). As categorias eu e outro implicam
vivenciamentos distintos. O modo como eu vivencio o eu do outro é diferente do modo como
vivencio o meu próprio eu. Isso entra na categoria do outro como elemento integrante. Para o
ponto de vista estético, para mim, eu sou o sujeito de qualquer espécie de ativismo
(participação ativa em alguma coisa), é como se eu partisse de dentro de mim e me
direcionasse em um sentido adiante de mim, para o objeto. O objeto se contrapõe a mim-
sujeito. O outro indivíduo está no objeto para mim, o seu eu é apenas objeto para mim
(BAKHTIN, 2003, p. 35-36). No caso da contemplação estética, o outro é o objeto estético
que se encontra fora, no mundo exterior do contemplador. Na contemplação estética um
momento essencial é a empatia estética, ou seja, a identificação com um objeto individual.
Esse momento de empatia é sempre seguido pelo momento de objetivação, isto é,
colocar-se do lado de fora da individualidade percebida pela empatia, um separar-se
do objeto, um retorno a si mesmo. E apenas essa consciência de volta a si mesmo dá forma, de seu próprio lugar, à individualidade captada de dentro, isto é, enforma-a
esteticamente [...] Eu me identifico ativamente com uma individualidade e,
consequentemente, eu não me perco completamente, nem perco meu lugar único do
lado de fora dela, sequer por um momento. Não é o objeto que inesperadamente
toma possessão de mim como alguém passivo. Sou eu que me identifico ativamente
com o objeto: criar empatia é um ato meu [...]. A empatia realiza alguma coisa que
não existia nem no objeto de empatia, nem em mim mesmo, antes do ato de
identificação [...] (BAKHTIN, 1993a, p. 32-33, grifos do autor).
A empatia estética [...] realiza-se ativamente deste lugar único exotópico e é nesse
mesmo lugar que a recepção estética se realiza, isto é, a afirmação e a formação do
material absorvido através da empatia (BAKHTIN, 1993a, p. 84).
Com uma ampla concepção de atividade estética, Bakhtin (2003, p. 424) não a
circunscreve apenas no âmbito de uma obra de arte. Ele descreve três momentos da atividade
estética que dialogam com o que foi citado acima acerca da contemplação estética. Segundo o
autor, o primeiro momento da atividade estética é a compenetração, isto é, eu devo vivenciar
83
o que o outro vivencia (ver e inteirar-me), colocar-me no lugar dele. Esse momento, a nosso
ver, corresponde à empatia estética. A compenetração deve ser seguida de um retorno a mim
mesmo (objetivação). Quando retornamos a nós mesmos, a atividade estética começa
propriamente. Enformamos e damos acabamento ao material da compenetração (recepção
estética). Vale ressaltar que os elementos da compenetração e acabamento não se sucedem
cronologicamente (BAKHTIN, 2003, p. 22-25).
Assim, para o autor, criar empatia é um ato necessário, mas insuficiente para a
contemplação estética como um todo (BAKHTIN, 1993a, p. 101). A contemplação estética é
cocriação, é uma criação do autor-criador e do autor-contemplador (BAKHTIN, 2003, p.
137). O autor-criador deve ser entendido como um orientador autorizado do leitor, aquele que
guia ativamente o autor-contemplador (BAKHTIN, 2003, p. 191).
Na contemplação da obra de arte eu devo experimentar-me, em certa medida, como
criador da forma, a fim de realizar inteiramente uma forma artisticamente significante
enquanto tal. Eu devo experimentar a forma como a minha relação ativa com o conteúdo que
se opõe à forma como algo passivo que precisa dela. Eu, autor-contemplador, torno-me ativo
na forma e através dela ocupo uma posição fora do conteúdo (enquanto orientação cognitiva e
ética), e isso possibilita pela primeira vez o acabamento. Para Bakhtin (1993b), a forma é a
expressão da relação ativa do autor-criador e do autor-contemplador com o conteúdo.
Deste modo, durante a leitura ou a audição de uma obra poética, eu não permaneço
no exterior de mim, como o enunciado de outrem, que é preciso apenas ouvir e cujo
significado prático ou cognitivo é preciso apenas compreender; mas, numa certa medida, eu faço dele o meu próprio enunciado acerca de outrem, domino o ritmo, a
entonação, a tensão articulatória, a gesticulação interior (criadora do movimento) da
narração, a atividade figurativa da metáfora etc., como a expressão adequada da
minha própria relação axiológica com o conteúdo, ou seja, na percepção não viso as
palavras, os fonemas, o ritmo, mas com as palavras, com os fonemas e com o ritmo
viso ativamente um conteúdo: envolvo-o, formo-o e arremato-o [...] (BAKHTIN,
1993b, p. 59). Assim, resumimos a contemplação estética de Bakhtin (1993b) no seguinte esquema:
Empatia estética (compenetração)
Objetivação (retorno a mim mesmo)
Recepção estética
Acabamento (formação e acabamento)
Diagrama 3. Contemplação estética de Bakhtin.
Fonte: BAKHTIN, 1993b.
84
Os conceitos de experiência, contemplação estética e vivência estética não apresentam
a mesma definição. No entanto, encontramos pontos em comum, a saber: a) são ações
construtivas, ativas; b) são realizadas pelo ouvinte/espectador/leitor; e c) constroem e criam o
objeto estético. Além disso, a vivência e a contemplação estética não se concluem no primeiro
momento, apresentam três momentos e trazem o conceito de empatia.
As diferenças consistem, principalmente, no processo de construção do objeto estético.
A vivência estética resume-se em três momentos: estimulação, elaboração e resposta. Na
contemplação estética os três momentos são outros: empatia estética, objetivação e
acabamento. A correlação que é possível estabelecer entre ambos é a questão do acabamento.
Interessante notar que nos dois conceitos é possível que o ouvinte, espectador ou leitor
realize somente o primeiro momento: a estimulação (vivência estética) e a empatia estética
(contemplação estética). Contudo, isso não quer dizer que ele realizou todo o processo, apenas
o iniciou. “A percepção mais simples da forma ainda não é, por si mesma, um fato estético”
(VIGOTSKY, 1998, p. 68). “Só porque vemos ou ouvimos algo não quer dizer que já
percebemos a sua forma artística [...] é preciso ingressar como criador no que se vê, ouve e
pronuncia” (BAKHTIN, 1993b, p. 58-59, grifo do autor).
O sujeito da experiência, da vivência e da contemplação estética é um sujeito que lê,
diz e cria, ou seja, é um sujeito exposto, o que pode ser visto na etimologia da palavra
experiência, estudada por Larrosa (2003). Ela vem do latim experiri, que significa provar. A
experiência é um encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova. Periri
é um radical que também é encontrado em periculum, que significa perigo. Per é raiz indo-
europeia com a qual se relaciona a ideia de travessia e de prova. Dessa raiz em grego temos os
seguintes derivados: peirô (atravessar), pera (mais adiante), peraô (passar através), perainô
(ir até o final), peras (limite) e peiratês (pirata). Esse per grego tem na palavra peiratês. O
sujeito da experiência tem a ver com os piratas, pois se expõe atravessando um espaço
indeterminado e perigoso, coloca-se à prova e busca sua oportunidade. Ex de exterior,
estrangeiro, exílio, estranho e existência. A experiência é a passagem da existência. A
passagem de um ser que não tem essência, ou razão, ou fundamento, que simplesmente existe
de uma forma singular, finita, imanente e contingente. Em alemão, experiência tem relação
com viajar, perigo, pôr em perigo. Então, na língua germânica e nas latinas, a palavra
experiência contém inseparavelmente a dimensão de travessia e perigo.
O sujeito da experiência, da vivência e da contemplação estética é território de
passagem, lugar de chegada, espaço do acontecer, como são os piratas. O sujeito da
experiência não se concebe como dado. Ele se inventa e se experimenta. Esse sujeito não está
85
por descobrir, mas por inventar; não está para ser realizado, mas para ser conquistado; não
está para ser explorado, mas para ser criado da mesma maneira que a obra de arte é criada
pelo artista. Larrosa (2003) conclui que, para chegar a ser o que é, devemos ser artistas de nós
mesmos.
El llegar a ser lo que se es presupone el no barruntar ni de lejos lo que se es. Desde
este punto de vista tienen su sentido y valor próprios incluso los desaciertos de la
vida, los momentaneos caminhos secundarios y errados, los retrasos, las „modestias‟,
la seriedade dilapidada en tareas situadas más allá de la tarea. Em todo esto puede
expresarse una gran cordura, incluso la cordura más alta: cuando el „nosce te ipsum‟
(conócete a ti mesmo) sería la receta para perecer, entonces el olvidarse, el
malentenderse, el empequenecerse, el estrecharse, el mediocrizarse se transforman
en la razón misma (NIETZSCHE apud LARROSA, 2003, p. 135-136).
Para chegar a ser o que é, de acordo com Larrosa (2003), deve-se seguir o próprio
instinto e deixar que o inconsciente atue. Além disso, é necessário que os professores sejam
utilizados como pretexto temporário para a experimentação de si. Depois, deve-se saber
deixá-los. Nessa viagem somos tomados por outros, passados por outros, divididos de nós
mesmos. Tudo isso não é “eu”, mas ao mesmo tempo é.
Esses três conceitos vivência estética, experiência estética e contemplação estética
conferem muita força à função formativa da literatura, o que, em certa medida, também
aparece na etimologia da palavra experiência. Nesses conceitos ela encontra condição de
possibilidade de ser vivenciada. Por nos ser tão cara essa função, pensamos que ela merecia
maior destaque na definição de um conceito que aborde aulas de literatura. Reconhecemos
que o letramento literário e a educação literária levam em conta tal função. Do ponto de vista
do letramento literário,
a literatura permite que o sujeito viva o outro na linguagem, incorpore a experiência
do outro pela palavra, tornando-se um espaço privilegiado de construção de sua
identidade e de sua comunidade. Na verdade, todos nós construímos e reconstruímos
nossa identidade enquanto somos atravessados pelos textos. O que cada um é, o que quer ser e o que foi dependem tanto de experiências efetivas, aquelas vividas, como
da leitura que faz das próprias possibilidades de ser e das experiências alheias a que
tenha acesso por meio dos textos. Em outras palavras, somos construídos tanto
pelos muitos textos que atravessam culturalmente os nossos corpos, quanto pelo
que vivemos. O mesmo acontece com a nossa compreensão do que vivemos e da
comunidade onde vivemos. A experiência da literatura amplia e fortalece esse
processo ao oferecer múltiplas possibilidades de ser o outro sendo nós mesmos,
proporcionando mecanismos de ordenamento e reordenamento do mundo de uma
maneira tão e, às vezes, até mais intensa do que o vivido (COSSON; PAULINO,
2009, p. 69-70, grifo nosso). Para a educação literária seu objetivo é,
en primer lugar, el de contribuir a la formación de la persona, formación
indisolublemente ligada a la construcción de la sociabilidad y realizada a través de la
confrontación con textos que explicitan la forma en la que las generaciones
anteriores y las contemporáneas han abordado y abordan la valoración de la
actividad humana (COLOMER, 2009, p. 73, grifo nosso).
86
Contudo, ambas definições “o processo de apropriação da literatura” e “o
aprendizado da interpretação de textos literários” não dão luz à função formativa da
literatura.
Devido à acepção ampla que o termo letramento sugere, entendemos que talvez não
seja apropriado incluir na definição de letramento literário a palavra formação. O termo
letramento se refere às culturas escritas e trata de um campo de pesquisa complexo, no qual
diferentes áreas do conhecimento buscam compreender as diversas facetas da escrita. Além
disso, procuram compreender seus usos em diferentes contextos históricos e sociais, suas
funções e consequências para grupos ou indivíduos específicos (STREET, 2014, p. 7). A
cultura escrita tem sido objeto de interesse de muitas disciplinas, como a História,
Antropologia, Filologia, Psicologia, Sociologia, Pedagogia, Linguística, Linguística Aplicada
e Literatura. Os pesquisadores passaram a viver o desafio de compreender a escrita não
somente do ponto de vista da Linguística ou da Psicolinguística, mas também do ponto de
vista histórico, antropológico e cultural, considerando ainda as relações de poder. No que
tange à educação literária, talvez a inserção da palavra formação na sua definição possa
também não ser pertinente por ela abranger uma rede de espaços muito diversificada onde a
literatura circula, como escolas, museus, bibliotecas, centros culturais, domicílios, livrarias.
Essa preocupação não se faz tão presente no conceito de educação literária,
possivelmente, porque o termo foi cunhado no âmbito da cidade de Barcelona, reconhecida
pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) desde
2015 como a Cidade da Literatura. A cidade conta com sólidas editoras, um grande número de
projetos em torno do livro e da leitura, e uma preocupação com a distribuição igualitária de
espaços culturais. Cada bairro possui a sua escola e biblioteca local, que funcionam em
parceria, e ainda centros culturais, associações de moradores, além de livrarias que propõem à
população local diversas atividades culturais em torno do livro e da leitura. Isso mostra que a
questão da escola como a principal formadora de leitores de literatura está superada. A
aprendizagem da interpretação de textos literários também pode passar pela escola, conforme
o próprio termo indica educação literária. Mas a escola não está posta como protagonista
desse processo.
No caso do Brasil, acreditamos que a formação de leitores literários não está superada.
Embora a escola não seja o espaço exclusivo dessa luta, conforme nos mostra a cidade de
Barcelona, entendemos que ela tem um papel central, já que a escola pública brasileira pode
vir a ser o único espaço onde o aluno tem acesso à literatura.
87
Levando em conta o exposto até o momento, qual conceito será mais adequado para
dar suporte teórico à presente pesquisa: letramento literário ou educação literária? A noção de
processo, conforme postula o letramento literário, e a ideia de que há um aprendizado escolar
(educação literária) são aspectos importantes. Mas suas definições não conferem destaque à
escola e à função formativa da literatura. Pensamos, então, em formação literária. Britto
(2015, p. 34) propõe um termo bem próximo, a pedagogia da formação do leitor.
Na perspectiva da formação literária os livros para as crianças e jovens são entendidos
como literatura não infantil/juvenil. Literatura sem adjetivos (ANDRUETTO, 2012, p. 52).
Estamos de acordo com Candido (2004, p. 16) quando ele afirma que a literatura pertence a
um sistema simbólico que inclui “criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos
os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore,
lenda, chiste, até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes
civilizações”.
Quando falamos de formar o leitor, estamos tratando de um processo infinito de
criação de si mesmo. Então, essa formação não tem um fim, mas tem elementos que, depois
que o sujeito se apropria, ele os leva consigo para qualquer experiência literária. Quando o
sujeito passa a se ver, a se considerar como criador de si mesmo e aberto para o outro. O
outro, no caso, é tudo de imprevisível e de previsível que a literatura traz consigo. Portanto,
podemos dizer que se torna um leitor aquele que compreende que se constrói na relação com
o outro por meio da literatura. Assim, nem todo mundo que lê necessariamente é leitor
porque, na acepção que estamos defendendo, o sujeito que lê é leitor se ele se compreende
como cocriador da sua existência.
Contudo, isso também passa pela concepção de infância que a escola vive. No caso, a
concepção de infância que dialoga com essa ideia de leitor é a que compreende a criança na
sua singularidade e especificidade em relação ao adulto. Ela é vista como “agente social
pleno, sujeito ativo constituído na cultura e também produtor de cultura, cidadã de direitos
desde o nascimento cujas ações no mundo passam a ser entendidas como formas de
reelaboração e recriação” (CORSINO, 2014, p. 31). A criança como sujeito histórico e social
é pensada também na sua pluralidade e diversidade. Por isso, crianças e infâncias no plural.
Os adultos, então, são convidados a olhar as crianças “na sua dinâmica de constituição da
subjetividade e de transformação do mundo” (CORSINO, 2014, p. 31).
Contudo, não há garantias de que haverá a vivência de uma experiência de leitura,
tendo em vista que depende do texto, do momento que quem lê está vivendo, da situação na
88
qual o livro chegou, como está sendo lido etc. Tudo isso interfere. Mas, colocando-se dessa
maneira, o sujeito abre condições de possibilidade de vivência literária.
Portanto, a formação do leitor tem um fim, mas a do sujeito não. O leitor se forma e
continua se formando enquanto sujeito. Depois que o leitor se forma, acreditamos que o que
acontece é um desenvolvimento, refinamento, aprimoramento das suas leituras. É claro que
esse desenvolvimento repercute na sua formação. O sujeito não cessa de se formar. Um
sujeito pensante e autor de sua existência vai sendo formado.
Para tanto, a dimensão temporal precisa ser refletida. Essas duas formações passam
pela categoria tempo. Na perspectiva da educação humanística a educação é leitura. As letras,
segundo Larrosa (2003, p. 567), constituíam o núcleo do currículo. Ela era, essencialmente,
um modo de relação com o texto escrito, uma experiência do livro. A experiência do livro
estava ligada a uma experiência do tempo. O tempo da leitura estava separado do tempo da
vida. Na educação humanística a biblioteca encarnava a memória coletiva, ou seja, a presença
e a solidez de uma tradição e sua capacidade de permanecer se renovando, e nessa perspectiva
o leitor estabelecia uma relação com o tempo da tradição e da cultura.
A educação humanística implicava em uma temporalidade diferente da temporalidade
da vida. Os novos alunos eram introduzidos não somente na vida, mas principalmente na
biblioteca, que representava o mundo das palavras escritas, tanto as que já existiam antes do
seu nascimento quanto as que existiriam depois de sua morte. Desse modo, a formação
literária para se constituir como tal precisa promover a separação entre o tempo da vida e o
tempo da leitura. Para isso, é necessário resgatar a dimensão temporal da educação
humanística. O tempo era o tempo histórico e coletivo da cultura porque o livro atualizava no
presente o passado, a tradição. E, assim, o livro representava a manutenção do dito no tempo
para ser infinitamente repetido e renovado.
Para possibilitar a vivência da experiência literária é necessário separar o tempo da
vida do tempo da cultura e trazer o aluno para vivenciar somente o tempo da cultura. Isso é
possível dentro da biblioteca, na relação com a biblioteca.
Na época da educação humanística o tempo da cultura se fazia presente na biblioteca,
considerada um espaço de memória. A educação obtinha o seu valor, seu sentido e sua
dignidade de iniciação do aluno nessa temporalidade, que tinha na biblioteca o seu espaço
próprio de rememoração. Nessa relação com a palavra dos livros, o leitor se forma a si
mesmo. Por isso, a experiência de leitura estava ligada à constituição da memória do leitor.
Formar-se como um homem das letras significava uma familiaridade com as obras literárias.
89
A experiência de formação era se apropriar do que estava guardado nos livros na biblioteca. A
experiência de leitura era um modo de relação com texto.
Todavia, Larrosa (2003, p. 567-569) nos informa que houve uma transformação ligada
ao tempo na relação com o livro, na experiência do livro e da leitura, o que provocou uma
crise na educação humanística. Essa transformação também alterou a biblioteca. A biblioteca
humanista era um lugar sem exterior onde a Humanidade se apropriou do tempo e, com ele,
apropriou-se de si mesma. Na biblioteca, o Homem se fazia presente a si mesmo, reconhecia-
se e se celebrava. As palavras depositadas na biblioteca, convertidas em História, tornavam-se
memoráveis. O Homem formado era o homem da compreensão universal. Ele devorava os
livros, refletia, apropriava-se de toda a exterioridade.
A palavra já estava de antemão compreendida, lida e entendida. Seu espaço era um
espaço contínuo e homogêneo, sem exterioridade. Seu tempo era horizontal, acumulativo,
fechado no passado e aberto para o futuro. A biblioteca humanista podia ser um depósito
sempre disponível para novas utilizações e reutilizações.
Para Larrosa (2003, p. 582) o leitor da biblioteca humanista era soberano. Mas a ideia
da educação humanista já não é mais viável. Está em curso uma nova maneira de ler, uma
nova experiência do livro que implicará em uma nova experiência do tempo. A categoria
tempo entra com força e traz mudanças nas concepções de leitor e biblioteca.
A educação humanística representava a conservação de uma tradição. Sua seta era para
o passado. O sentido dessa conservação era um dos temas da reflexão filosófica. A formação
construía o futuro, mas sempre através do passado. Esse era um modo de conservação e
renovação da tradição cultural. Todavia, na educação moderna a nossa maneira de
compreender a educação está orientada para o futuro.
Na ideia de formação humanística Larrosa (2003, p. 582) destaca que há um sentido de
continuidade do tempo, do crescimento do futuro através de uma conexão com o passado.
Essa ideia tinha a ver com a palavra, especialmente as palavras dos livros da biblioteca. A
biblioteca era um espaço privilegiado. As palavras guardadas ali não eram quaisquer palavras.
E a experiência de leitura não representava qualquer relação com a palavra. As paredes da
biblioteca definiam uma interioridade fechada, um lugar onde o tempo não fluía. Era um
espaço separado da habitualidade dos espaços exteriores, cotidianos, onde o tempo
irremediavelmente se perde e as palavras são esquecidas. Essa separação em relação aos
espaços cotidianos conferiu à biblioteca a ideia de templo, de espaço sagrado e extraordinário
destinado à contemplação. No tempo da formação humanística o passado se guardava e se
assumia e se renovava para abrir um futuro.
90
No âmbito da formação literária almejamos que a biblioteca se torne um espaço
cotidiano, no sentido de entrar na vida das pessoas, de elas terem dentro da sua rotina o hábito
de frequentá-la. Por outro lado, ansiamos também que ela seja reconhecida como um espaço
extraordinário, especial e importante. A palavra extraordinária é simbólica nessa ideia que
estamos tratando: extra, não no sentido de a biblioteca ser algo extra e nem exterior;
ordinária, no sentido de fazer parte do nosso cotidiano, ser habitual; extraordinária,
significando algo incrível. Relacionando essa ideia de biblioteca com o conceito de leitor, a
biblioteca pode ser compreendida como um espaço cotidiano de deslocamento.
Na sociedade de consumo a biblioteca deixou de ser templo. Os livros não são mais
sagrados. A biblioteca virou lugar profano. Os livros viraram produtos de consumo. O leitor
contemporâneo busca esquecer-se de si. Ele não é mais soberano nessa relação como fora na
educação humanista.
Por isso, Larrosa (2003, p. 593) afirma que somente a escola seria o último lugar onde
ainda haveria o leitor soberano e uma biblioteca no sentido humanista. A biblioteca escolar
seria um lugar onde, no meio da cultura de massa, os livros estariam valorizados, seria
mantida uma fronteira entre os textos valiosos da cultura e os textos não valiosos do consumo
ordinário. A biblioteca escolar manteria firme a distinção entre as boas e as más leituras. A
escola seria, então, um espaço de resistência à completa dessacralização da biblioteca. É
possível resistir?
O autor nos explica que a experiência do livro como experiência de formação
significava que a biblioteca era o lugar de construir sua própria identidade. Nesse sentido, a
experiência de leitura estaria submetida a uma finalidade moral, cognitiva ou puramente
estética. A leitura, na perspectiva humanista, era meio para chegar a algo, para saber mais, ser
melhor, aumentar nossa sensibilidade e conseguir prazer sem consequências.
Na contemporaneidade o homem está despossuído de sua experiência. A todo tempo
nos acontece um monte de coisas. Tudo o que acontece nos está disponível imediatamente em
forma de notícia. Porém, nada se traduz em experiência. O que acontece, acontece fora de
nós. Não podemos nos apropriar. Assistimos fascinados, divertidos ou comovidos ao que
acontece lá fora. O homem contemporâneo termina a sua jornada vazio, esgotado, mudo. Em
contrapartida, nunca leu tanto.
Na cultura de massas a relação com o livro é de ócio e consumo. Com o livro
buscamos nos esquecer de nós. Não somos soberanos nessa relação. Por isso que Larrosa
(2003) reitera que a escola seria o último lugar onde ainda poderíamos experimentar o lugar
91
do leitor soberano. As leituras banais, exteriores, do homem comum estariam de fora. Nesse
sentido, entendemos que é importante recuperar o protagonismo da biblioteca.
O leitor, ao se apropriar da cultura, converte-se em dono do tempo e da palavra, autor
de sua existência. Aqui está uma chave. Na sociedade contemporânea quem tem a chave da
nossa casa não somos nós. Para nos tornarmos donos precisamos pertencer a um lugar
dedicado exclusivamente à formação humana. Esse lugar seria a escola? E qual seria o lugar
da leitura na escola? E da biblioteca escolar?
De acordo com essa perspectiva, propomos que a escola seja um lugar de resistência
da educação humanística, que reconheça a biblioteca escolar como uma esfera de circulação
cultural. Lugar onde grande parte do trabalho de formação do leitor possa acontecer. Onde
crianças, jovens e adultos possam viver esse espaço cultural e fazê-lo resistir à cultura de
massa. Quem é o leitor dessa perspectiva? É o leitor dono do tempo e da palavra. Precisamos
retomar a escola e a biblioteca escolar como o espaço da cultura, onde o tempo para para
formar. Na biblioteca o autor, a obra e o leitor se encontram em interlocução e participam
ainda de um diálogo entre diferentes disciplinas. O trabalho pedagógico realizado, então, no
âmbito de uma biblioteca escolar na perspectiva da formação literária precisa trabalhar com
essas duas categorias: o outro e o tempo, além da imaginação.
Nessa interlocução há diferentes forças em disputa no espaço da escola pública, que,
ao longo da sua história, apresentou diferentes concepções e práticas relativas à leitura. Há
diferentes razões para promover a formação do leitor literário, pois diferentes grupos sociais
conferem à leitura sentidos e significados distintos. Portanto, embora concordemos que é
importante formar o leitor, o que move os docentes a desenvolver essa formação carece de
consenso. Considerando essa questão, abordaremos no capítulo seguinte as linhas de forças de
promoção da leitura em articulação com as dimensões da literatura apresentadas no primeiro
capítulo.
92
3 AS LINHAS DE FORÇA DE PROMOÇÃO DA LEITURA
A práxis, atividade projetiva, teleológica, antecipadora de objetivos, fundada sobre
opções, necessita da teoria. E nada lhe assegura que ela venha a ter, no nível de que
carece, a teoria pela qual anseia. Entre o praticismo do militante disciplinado que
se limita a cumprir tarefas e o sábio que tem vocação especulativa e se dedica
exclusivamente à teoria, encerrado na biblioteca, há diversos espaços que podem
proporcionar mediações fecundas entre a paixão vivida na ação e a reflexão crítica
independente, mas comprometida com o projeto transformador (e com sua concretização)
KONDER, 2002, p. 264, grifos do autor
No capítulo anterior discutimos sobre a formação literária e entendemos a escola como
espaço de formação do leitor por meio da vivência/experiência de ações interlocutórias com a
literatura. Nessa perspectiva, o outro, o tempo e a imaginação são três categorias que se
destacam como principais eixos do trabalho pedagógico na escola, em uma perspectiva
formativa da leitura. Entretanto, conforme já apontamos, muitas são as concepções e práticas
de promoção da leitura, e elas disputam lugar e diferentes forças entram em tensão. Forças
que se tensionam nas teorias com repercussões nas práticas e nas políticas de promoção da
leitura. Forças que também estão presentes nas concepções e práticas do trabalho de literatura
no CPII.
O presente capítulo visa a articular as dimensões da literatura (capítulo 1) e o conceito
de linhas de força de promoção da leitura com base, principalmente, em Britto (2012 e 2015),
Compagnon (2012) e Fittipaldi (2013)18
.
A ideia de linha de força surgiu inicialmente em 2015, no processo de análise dos
Melhores Programas de Incentivo à Leitura para Crianças e Jovens, da Fundação Nacional do
Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Durante o processo, formamos agrupamentos de programas
em função de suas intenções e ações e observamos que, apesar da distância geográfica, eles
tinham muito em comum. Percebemos também que os programas poderiam estar juntos em
outros agrupamentos, mas que havia uma intenção que prevalecia, predominava. Então, vimos
que os programas apresentavam direções diversas, mas, ao mesmo tempo, contraditórias. Isso
nos levou a pensar sobre a possibilidade de coexistência de intenções opostas em um mesmo
trabalho pedagógico.
18 É importante informar que este capítulo foi construído a partir da experiência vivida, em 2015, durante o desenvolvimento desta pesquisa, com a FNLIJ. Por meio da Profª. Maria Beatriz Serra, a FNLIJ nos convidou
para construir um retrato dos programas vencedores do concurso Melhores Programas de Incentivo à Leitura
para Crianças e Jovens, sob a supervisão de Elizabeth D‟Angelo Serra (secretária-geral da FNLIJ) e do Prof. Dr.
Luiz Percival Leme Britto, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).
93
E quais intenções eram essas? Tais intenções deram nome aos agrupamentos de
programas. Como essas intenções estavam em conflito permanente, o Prof. Dr. Percival
nomeou-as de linhas de força19
, pois se assemelhavam à brincadeira do cabo de guerra. Uma
ação do programa puxava a corda para um lado, enquanto outra, para o lado oposto. A
apresentação da análise parcial desse trabalho ocorreu no 17º Salão FNLIJ do Livro Infantil e
Juvenil, no Rio de Janeiro, em 201520
.
É nossa intenção articular as linhas de força às questões abordadas anteriormente, já
que, embora as três perspectivas de ensino de literatura tendam a realçar uma ou outra linha
de força, tensões estão presentes e provocam contradições e ambivalências nas próprias ações
de formação.
3.1 As linhas de força
Se formos ao dicionário buscar pelas palavras linha e força, encontraremos definições
próximas ao campo da leitura. De acordo com o Minidicionário da Língua Portuguesa, linha
pode significar orientação (BECHARA, 2009, p. 559) e força, intensidade, energia, vigor
(BECHARA, 2009, p. 421). Assim, ao falar de linhas de força de promoção da leitura estamos
tratando das diferentes orientações que se mostram mais intensas, fortes, vigorosas quando se
promove a leitura. O termo linha de força também é encontrado na Física. Ao observar as
linhas formadas por limalhas de ferro21
em uma folha de papel colocada sobre um imã,
Faraday propôs o conceito de linhas de força. De acordo com o site Wikipédia22
, as linhas
possibilitam o estudo por onde passa o campo elétrico e a sua intensidade, conforme a
concentração de limalha de ferro. Assim, as linhas de força de promoção da leitura tornam
possível a identificação de por onde passa o trabalho por meio da análise daquilo que é mais
intenso ao promover a leitura.
No campo da leitura as linhas de força são compreendidas como diferentes formas de
compreensão e de ação que conduzem a ação e a percepção para um lugar. Qual é a
motivação de uma pessoa para realizar trabalhos com a leitura? Que direção ela segue?
19 A análise dos programas possibilitou a construção do conceito de linhas de força de promoção da leitura,
expressão cunhada pelo Prof. Dr. Luiz Percival Leme Britto. O aprofundamento do estudo dessas linhas também
contou com a orientação da Profª. Drª. Patrícia Corsino (UFRJ) em articulação com a experiência do doutorado
sanduíche. 20 Para conhecer os resultados preliminares da pesquisa, ver: BRITTO, Luiz Percival Leme; CAMASMIE, Vanessa de Abreu; SERRA, Elisabeth D‟Angelo. 20 anos do Concurso FNLIJ Os Melhores Programas de
Incentivo à Leitura para Crianças e Jovens. In: Notícias, n. 11, suplemento 49, novembro de 2015, p. 1-8. 21 Limalha: pó que cai de um metal quando este é limado (BECHARA, 2009, p. 558). 22 Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Linha_de_for%C3%A7a. Acesso em: 26/05/2016.
94
Nesse campo as linhas de força co-ocorrem. Elas são percepções da leitura, da
subjetividade, da alteridade, da identidade. Nelas o conceito de conhecimento e de verdade
jogam e fazem acontecer uma ação. São linhas que se aproximam e se afastam. Elas
coexistem, tensionam, divergem, se suportam, se impõem umas às outras e operam na
promoção da leitura.
E a leitura? Palavra polissêmica que, etimologicamente, tem a mesma origem de
escolha e eleição. Esse sentido parece conter a ideia de que a escolha é do leitor, pois é ele
quem elege e dá sentido ao texto. Britto (2012, p. 19-21), ao se referir à polissemia do termo,
apresenta alguns significados que ele comporta.
Na ideia de leitura da luz, a leitura se aproxima da expressão leitura ótica, em que há a
decodificação de uma informação quantitativa que está codificada em parâmetros
mensuráveis, processada por um instrumento decodificador. A leitura da mão seria uma
leitura esotérica, que também inclui a leitura das cartas, dos búzios. O significado dos signos
“impressos” se manifesta apenas para o vidente (BRITTO, 2012, p. 22-23). A leitura do jogo
usada por esportistas e comentaristas se refere ao modo como jogadores e técnicos percebem
a partida, a tática de jogo e as intervenções possíveis (BRITTO, 2012, p. 24). A leitura do
filme corresponde à percepção e à análise da situação narrativa oferecida ao espectador, é uma
leitura nas entrelinhas (BRITTO, 2012, p. 28-29).
A leitura de imagem provoca uma ação intelectiva para além do simples ver, pois a
pessoa que interage com um livro de imagem precisa preencher vazios, acompanhar as ações,
perceber sentidos na forma dos traços (BRITTO, 2012, p. 30-31). A leitura de mundo,
utilizada para apresentar a opinião de alguém sobre alguma situação específica, aproxima-se
do sentido de encontrar significação pessoal em algo a partir de suas vivências. Sua correlata
seria a expressão leitura do mundo de Paulo Freire (BRITTO, 2012, p. 24-27).
Já a leitura do texto compreende, pelo menos, duas ações que possuem naturezas
distintas, mas estão interligadas: a decifração do escrito e a intelecção do conteúdo do texto
(BRITTO, 2012, p. 20-21). São duas concepções em disputa. A primeira entende que ler
significa o ato de decifrar signos gráficos. Tal concepção de leitura relaciona-se com a vida
cotidiana e tem como referência o senso comum. Associam-se a ela textos cuja interpretação é
fortemente contextualizada e seus referenciais são da ordem do cotidiano. Trata-se de uma
dimensão pragmática da leitura. O ensino da leitura contribui para a participação da pessoa no
cotidiano urbano, na realização de tarefas da vida diária que tem o uso da escrita como
pressuposto.
95
A outra concepção entende a leitura como prática social. O conceito de letramento
proposto por Soares (1998, p. 38-43) mostra que a participação na sociedade urbano-industrial
exige dos indivíduos uma capacidade de ler e escrever que supera a condição de alfabetizado.
A leitura de um livro de literatura clássica, por exemplo, exige alguma vivência com a
Estética, a História, a Sociologia, a Política, a Filosofia e a Psicologia.
Essa vivência possibilita que o leitor realize articulações para além da simples
transposição ou ajuste do conteúdo daquilo que se lê ao seu quadro de referências. Assim, a
leitura de produções intelectuais é definida pela ação intelectual realizada na interação entre
um sujeito ou vários com objetos culturais que estão inseridos em diferentes campos de
referência. Nesse sentido, ser leitor depende de diversos fatores que vão além do interesse, do
hábito ou do gosto pela leitura. São necessárias condições objetivas e subjetivas, como tempo
e recursos materiais, formação e disposição pessoal. Tais condições estão distribuídas
desigualmente na nossa sociedade.
Desse modo, a dificuldade de leitura de textos sofisticados resulta do modo como as
pessoas interagem com os objetos da cultura letrada. Nessa concepção, o ensino da leitura
visa à formação das pessoas por meio da experiência e da vivência com o conhecimento nas
suas diversas formas de expressão.
Na disputa entre essas duas concepções leitura como decifração e leitura como
prática social há forças que tensionam a promoção da leitura. O que se quer promover
quando se promove leitura? Na visão de Britto (2012, p. 46-47, grifo nosso), o que se quer é
estimular o hábito de ler, compreendido como um gesto deliberado de ler determinados tipos
de texto com relativa frequência. Lemos para deleite pessoal, fruição, entretenimento, busca
de informação, instrução, aprimoramento pessoal. Então, o destinatário da promoção da
leitura é alguém que sabe ler.
E por que seria relevante estimular uma leitura frequente? Porque ler frequentemente
amplia a subjetividade e a capacidade de agir na sociedade. Trata-se de um processo
humanizador. Todavia, há outras possibilidades de realização desse processo, como a
convivência com pessoas de formações diversas, a interação com produtos diferentes da
cultura, o rádio, a TV e as mídias eletrônicas (BRITTO, 2012, p. 47). Essa concepção de
leitura interação intelectual com um discurso escrito traz consigo o conceito de
discurso. Bakhtin (2008, p. 207) afirma que discurso é “a língua em sua integridade concreta e
viva e não a língua como objeto específico da linguística”, ou seja, discurso é linguagem em
uso (BRAIT, 2008, p. 11).
96
Em “O discurso na vida e o discurso na arte”, Bakhtin (1993b, p. 231) defende a arte
como uma espécie de relacionamento, um ato de comunicação, mas de um tipo específico. É
necessário olhá-la em duas direções. Distingui-la de outros tipos de comunicação ideológica,
como a política, a jurídica e a ética. Simultaneamente, essa forma única de comunicação não
existe de modo isolado, ela participa do fluxo da vida social, reflete a base econômica e entra
em interação e troca com outras formas de comunicação (CLARK; HOLQUIST, 2008, p.
221-223).
Bakhtin (1993b) associa arte à liberdade. Como os fatores locais (contexto) são menos
determinantes, a arte é sempre o mundo da maior outridade, a maior brecha através da qual o
presente pode escapar para um futuro não sonhado. Para o autor, o discurso na arte engloba os
criadores, as obras de arte e os perceptores. É na totalidade da relação autor/texto/leitor que se
localiza tal discurso (BAKHTIN, 1993b, p. 223-229).
Dessa maneira, a ação de interagir intelectualmente com um discurso escrito
compreende uma interação entre leitor, autor e obra. Estes três elementos se articulam
mutuamente. Nessa interlocução muitas questões estão envolvidas, tais como: as intenções e
conhecimentos prévios do leitor, a forma e o conteúdo da obra com o texto, imagens,
suportes, texturas, as intenções e valores do autor frente ao tema que aborda e aos leitores
presumidos por ele.
Nessa relação entra ainda, no âmbito da escola, o professor como formador do leitor
literário. Suas concepções de leitura e leitor entram em interlocução com o autor, o aluno-
leitor em formação e a obra. Por trás desse encontro temos a intenção do professor quando
entra na interlocução. É aí que as linhas de força de promoção da leitura encontram espaço de
tensão e se revelam.
3.1.1 Leitura e Ludismo
Na linha de força de promoção da leitura, o prazer, a satisfação e a realização são os
pressupostos dessa dimensão da leitura. Quando o prazer e o lazer estão como pano de fundo
do que é considerado lúdico, essa linha de força liga-se à indústria cultural. De acordo com
essa perspectiva, a experiência se faz pelo perder-se no prazer, na busca pela satisfação. A
leitura lúdica por ela mesma se vincula ao já estabelecido e traz consigo a ideia de que esse
prazer ligeiro forma.
É nesse aspecto que a disciplina e o prazer entram em confronto como se o
desinteresse pela leitura resultasse do caráter autoritário imposto pelas práticas pedagógicas
97
tradicionais (BRITTO, 2012, p. 44). Essa leitura, também chamada de entretenimento, ao
espelhar o universo conceitual e valorativo do senso comum, torna-se mais fácil, pois supõe
conhecimentos e valores da vida cotidiana. Por essa razão, afirmamos que a leitura de
entretenimento não contribui para a experiência formativa, pois oferece a falsa ilusão de
crescimento.
Conforme afirmam Horkheimer e Adorno (2014, p. 24-31), a indústria cultural teve
sua origem nos países industriais mais liberais. Como ela se desenvolve conforme as leis
gerais do capital, a arte foi transposta para o consumo. Do ponto de vista desses autores, a
indústria cultural é a indústria do divertimento. Todo o seu poder sobre os consumidores é
mediado pela diversão, que está implícita nos seus elementos e já existia antes da própria
indústria cultural. Os autores ainda alegam que a diversão é o prolongamento do trabalho sob
o capitalismo tardio23
. Quem a procura é aquele que quer subtrair-se dos processos de trabalho
mecanizados para que possa novamente estar em condições de enfrentá-lo. O espectador não
deve trabalhar com a própria cabeça, pois o produto prescreve toda e qualquer reação. Todo
esforço intelectual é evitado.
Para perder-se no prazer e buscar a satisfação, a arte séria foi negada àqueles que
vivem na roda viva. À arte “leve” foi conferida uma aparência de legitimidade. A novidade da
indústria cultural está em unir elementos considerados inconciliáveis na cultura a arte e o
divertimento e reduzi-los a um falso denominador comum. Tal indústria repete conteúdos e
inova técnicas, fornecendo como paraíso a mesma vida cotidiana, manipula as distrações e
permanece vinculada aos clichês ideológicos da cultura (HORKHEIMER; ADORNO, 2014,
p. 29-39).
Na opinião de Horkheimer e Adorno (2014, p. 41-53) divertir-se significa estar de
acordo. A diversão é possível apenas quando se renuncia a refletir o todo da obra. No
entretenimento finge-se tratar as pessoas como sujeitos pensantes. O real objetivo é desabituá-
las ao contato com a subjetividade. Assim, belo é aquilo que a câmera reproduz. Sadio é o que
se repete. O sujeito pensante é combatido.
23 De acordo com Jameson (2007, p. 22-23), a expressão capitalismo tardio vem da Escola de Frankfurt (Adorno
e Horkheimer). Sua preparação econômica começou nos anos 1950, depois que a falta de bens de consumo e de
peças de reposição da época da guerra tinha sido solucionada e novos produtos e novas tecnologias, como a
mídia, puderam ser introduzidos. O capitalismo tardio, ou multinacional, ou de consumo do pós-guerra é a mais pura forma de capital que jamais existiu. Nele há algo novo e historicamente original: a destruição da agricultura
pré-capitalista do Terceiro Mundo pela Revolução Verde e a ascensão das mídias e da indústria da propaganda.
No capitalismo tardio a cultura se torna coextensiva à economia, e ele está marcado por novos padrões de
consumo e produção (ANDERSON, 1999, p. 67-75).
98
Tal perspectiva do lúdico como entretenimento dialoga com um dos poderes da
literatura postulados por Compagnon (2012, p. 54): a literatura permite respirar. Para fugir do
processo de trabalho, não realizar esforço intelectual algum, escapar da rotina, a literatura
entrou na vida pós-moderna para “matar o tempo” do “leitor”. Seu poder restringiu-se à
recreação.
Por outro lado, há outra perspectiva do ludismo em disputa. Ligada à formação
humana, ao jogo, à fabulação, essa outra concepção de lúdico estimula a indagação da
condição humana, a crítica e a imaginação (BRITTO, 2012, p. 45-46). Como descrito por
Vigotski (2000, p. 142-143), na brincadeira infantil a criança cria uma situação imaginária.
Quando pequena, os seus desejos tendem a ser resolvidos de modo imediato. Todavia, quando
entram na idade escolar, começam a apresentar desejos irrealizáveis ou que precisam ser
postergados. Quando isso acontece, a conduta da criança sofre uma mudança. Para resolver
essa tensão, ela entra em um mundo ilusório e imaginário. É esse mundo que chamamos de
brincadeira. A imaginação passa a constituir um novo processo psicológico para a criança e
representa uma forma especificamente humana de atividade consciente.
Para o psicólogo russo a situação imaginária de qualquer tipo de jogo contém em si
regras de conduta, mesmo que não tenham sido explicitadas (VIGOTSKY, 2000, p. 144). Da
mesma maneira, o inverso também ocorre. Todo jogo com regras tem uma situação
imaginária (VIGOTSKY, 2000, p. 146). Não há jogo sem regras: “el juego brinda al niño una
nueva forma de deseos” (VIGOTSKI, 2000, p. 152, grifo do autor). Vigotski (2000, p. 152)
alega ainda que o atributo essencial do jogo é uma regra que foi convertida em desejo.
Respeitar as regras é para a criança uma fonte de prazer não no sentido do entretenimento,
mas da possibilidade de no jogo haver a satisfação do que não foi possível na vida real.
O jogo ensina a criança a desejar, relacionando seus desejos com um eu fictício, o seu
papel no jogo e suas regras. Assim, é no jogo que são realizadas as maiores conquistas da
criança que, no futuro, se converterão em seu nível básico de ação. O jogo cria uma zona de
desenvolvimento iminente24
na criança. Durante sua realização a criança está sempre acima de
sua idade e conduta diária. O jogo é o ponto mais elevado do desenvolvimento pré-escolar
(VIGOTSKY, 2000, p. 156).
24 O termo zona de desenvolvimento iminente é defendido pela pesquisadora Zoia Prestes (2012): “Vigotski (2004a, p. 485) define da seguinte forma o conceito de zona de desenvolvimento iminente: [...] os processos que,
no curso do desenvolvimento das mesmas funções, ainda não estão amadurecidos, mas já se encontram a
caminho, já começam a brotar; amanhã, trarão frutos; amanhã, passarão para o nível de desenvolvimento atual”
(PRESTES, 2012, p. 190-207, grifo da autora).
99
3.1.2 Leitura e Experiência/Formação
A linha de força Leitura e Experiência/Formação trata da formação do leitor crítico.
Compreende a leitura como produção de sentidos, uma atividade de coautoria, de fruição do
objeto estético. A experiência é autoconhecimento, formação, uma vivência significativa.
É o conceito de experiência postulado por Larrosa (2002) que se articula melhor com
essa linha de força:
Experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto
de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer
parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar
mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar,
demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a
vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir
os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e
espaço (LARROSA, 2002, p. 24). A literatura, em particular o poema, ao brincar com a língua a ultrapassa. A literatura
tem o poder de ultrapassar os limites da linguagem ordinária. O poeta desvela uma verdade
latente até ele escrever inexprimível.
„Com efeito, há séculos que surgem homens cuja função é justamente a de ver e de
nos fazer ver o que não percebemos naturalmente. São os artistas.‟ A arte visa „nos
mostrar, na natureza e no espírito, fora de nós e em nós, coisas que não
impressionavam explicitamente nossos sentidos e nossa consciência‟. O poeta e o
romancista nos divulgavam o que estava em nós mas que ignorávamos porque
faltavam-nos as palavras (BERGSON apud COMPAGNON, 2012, p. 46-47).
A linha de força Leitura e Experiência/Formação também trata do conceito de
formação, e, conforme vimos no capítulo 2, o ato de formar tem dois significados: 1) dar
forma e desenvolver um conjunto de disposições preexistentes e 2) levar o homem para a
conformidade com base em um modelo já fixado e assegurado previamente. O autor defende
que a formação seja pensada sem haver uma ideia prescritiva de seu desenvolvimento nem um
modelo normativo de sua realização.
Refletir sobre a leitura enquanto formação significa pensá-la como uma atividade
relacionada com a subjetividade do leitor. É considerar a leitura como algo que nos forma e
constitui ou que coloca em questão aquilo que somos. A leitura, nessa perspectiva, não é um
passatempo e nem se restringe à ideia de se tornar culto (LARROSA, 2002, p. 25-26).
Para que a leitura resulte em formação é necessário partir do princípio de que a relação
entre o texto e a subjetividade é experiência, no sentido de que experiência é aquilo que nos
passa e que resulta em formação e transformação do que somos. Contudo, na condição de
espectadores, o mundo passa diante dos nossos olhos e trocamos pouco ou quase nada com o
que sabemos (LARROSA, 2002, p. 29).
100
Para Walter Benjamin (1994), essa relação com o mundo faz parte da chamada cultura
de vidro. Nela os rastros são apagados e vivemos o que o autor denominou de pobreza de
experiência, na qual os homens “aspiram a libertar-se de toda experiência”. Estranhando tal
relação com o mundo, o filósofo indaga: “qual o valor de todo o nosso patrimônio cultural, se
a experiência não mais o vincula a nós?” (BENJAMIN, 1994, p. 115-118).
Como a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos chega
(LARROSA, 2002, p. 87, grifo do autor), o que deixa rastros; e como a literatura é “algo que
exprime o homem e depois atua na própria formação do homem” (CANDIDO, 1972, p. 804),
a experiência tem a possibilidade de se efetivar com a literatura. Entretanto, a experiência de
leitura pode não acontecer para todos. Pode-se cuidar que se deem determinadas condições
para que aconteça uma experiência de leitura, mas não garanti-la (LARROSA, 2003, p. 40).
3.1.3 Leitura e Ilustração
A linha de força de promoção da leitura chamada Leitura e Ilustração parte do
princípio de que o conhecimento se acessa pela leitura. A leitura é veículo de ilustração,
instrução, erudição. O cidadão culto, bem formado, ilustrado é leitor. A leitura é voluntária,
gratuita, prazerosa. O leitor ilustrado lê literatura/arte e as obras do espírito (Filosofia,
Psicologia etc.), atualiza-se, instrui-se do cotidiano por meio do jornal, da revista, de obras da
informação.
Esta linha de força se fez presente historicamente no início do século XIX, quando a
associação entre cultura e nação era forte. No período, Compagnon (2012, p. 26) esclarece
que a Filologia pensava que um conjunto formado por uma língua, uma literatura e uma
cultura construiria uma nação. Esse modelo tem relação com o poder que a literatura tem de
deleitar, instruir e contribui para a formação de uma nação.
Entretanto, o século XX viveu muitas transformações e esse modelo de cultura no
singular vai sendo questionado, especialmente pelas vozes que foram silenciadas ao longo da
História e pelo caráter pouco crítico que a mera ilustração pode assumir. Adorno (1995, p.
164), ao discutir Educação pós-Auschwitz e contra a barbárie, questiona o lugar da cultura
frente aos horrores cometidos por homens instruídos: “a cultura que conforme sua própria
natureza promete tantas coisas, não cumpriu a sua promessa. Ela dividiu os homens. A divisão
mais importante é aquela entre trabalho físico e intelectual. Deste modo ela subtraiu aos
homens a confiança em si e na própria cultura”. Nesta perspectiva propõe uma formação
101
cultural para além da instrução, já que esta que pode ser preponderantemente adaptativa, uma
formação capaz de emancipar o sujeito.
Retomando a ideia de que a leitura conduz ao conhecimento, Britto (2012) defende
que essa ideia advém do senso comum. O autor argumenta que o estímulo à leitura ou as
instruções de como ler pouco valerão ao leitor se ele não tiver uma formação razoável e
entusiasmo para tanto. Embora concorde que há procedimentos de leitura que podem ser
apreendidos e que o hábito de ler contribui para a desenvoltura da pessoa, Britto (2012, p. 44)
considera que é o conhecimento que promove a leitura, e não o contrário.
3.1.4 Leitura e Subjetivismo
A linha de força de promoção da leitura, intitulada Leitura e Subjetivismo, traz a ideia
do sujeito como agente social que se coloca como protagonista do seu processo de
compreensão. A leitura é entendida como um instrumento de afirmação da individualidade, e
não processo alteritário que se dá no encontro entre eu e o outro. Como Bakhtin (1986)
elucida:
o indivíduo enquanto personalidade responsável por seus pensamentos e por seus
desejos, apresenta-se como um fenômeno puramente sócio ideológico. Esta é a razão
porque o conteúdo do psiquismo “individual” é, por natureza, tão social quanto a
ideologia (...). Todo signo é social por natureza, tanto o exterior, quanto o interior
(BAKHTIN, 1986, p. 58).
Portanto, esta linha de força que entende a leitura como uma atividade autocontrolada,
subjetiva e individual ignora a relação discursiva que se estabelece entre o sujeito e o texto,
ambos situados em um tempo e espaço, desconsidera que os significados e sentidos são
construídos na interlocução entre sujeitos.
Tal visão reitera o individualismo que marca o nosso tempo e se relaciona à ideia de
leitura na perspectiva da vivência (erlebnis), segundo Walter Benjamin. Característica de um
indivíduo solitário; “vivência do indivíduo privado, isolado; impressão forte que precisa ser
assimilada às pressas, que produz efeitos imediatos” (KONDER, 1999, p. 83) e que, portanto,
não deixa marcas e não altera.
3.1.5 Leitura e Cidadania
Na linha de força denominada Leitura e Cidadania promover leitura significa
promover cidadania, a qual pode ser compreendida no âmbito da moralidade ou da formação
do leitor crítico.
102
Na esfera da moralidade a cidadania é compreendida como ação civilizatória, um bem
edificante em si, com aspectos como a promoção de valores (dignidade, autonomia), a
reparação, a recuperação, o civismo, os direitos e os valores de convivência (solidariedade,
respeito etc.). Está subjacente a ela a ideia de que a leitura salva e proporciona prazer.
De acordo com essa perspectiva, se as pessoas fossem leitoras seriam melhores e mais
conscientes politicamente, o que possibilitaria o engajamento em movimentos de
transformação da sociedade. Visão que se relaciona à ideia de Street (apud KLEIMAN, 1995)
de letramento autônomo, que desconsidera as questões sociopolíticas e culturais que
envolvem o sujeito e seu grupo social e, consequentemente, sua formação e seus processos de
leitura.
Com isso, são criados movimentos de leitura em presídios, hospitais, parques,
semelhantes aos grupos religiosos e de ações beneficentes. Outra ideia implícita nessa esfera é
a crença de que o sujeito que não lê desconhece o prazer que a leitura proporciona e que,
portanto, é preciso mostrar-lhe isso por meio de animações e atividades descontraídas
(BRITTO, 2015, p. 77-78).
Na perspectiva da cidadania como moralidade é pouco provável que o leitor passe da
leitura frequente de textos simples para textos mais densos. É mais provável que tal leitor
torne-se avesso a eles, argumentando que são complicados e não provocam prazer (BRITTO,
2015, p. 78).
No âmbito da formação do leitor crítico, a cidadania se refere à dimensão humana, à
consciência da vida em sociedade, à afirmação do ser social no seu direito humano. De acordo
com Compagnon (2012, p. 42), já no Século das Luzes os homens pensavam que a literatura
tinha o poder de libertar o indivíduo de sua sujeição às autoridades, de contestar a submissão
ao poder.
Diferentemente do leitor formado na perspectiva da cidadania e moralidade, que toma
a palavra alheia e a reproduz, o leitor crítico entra em diálogo com o texto. Para Britto (2015,
p. 80-81), o leitor crítico se afirma e se reconhece como parte do processo de produção de
sentido, dirige ao texto, ao autor, sua contrapalavra. Está vinculado a um projeto de
transformação social.
Então, de acordo com essa perspectiva, um movimento de leitura é visto como um
direito de poder ler com o objetivo de incentivar a leitura e a vivência cultural como uma
marca de cidadania, e nele as escolas e as bibliotecas públicas são as instâncias mais
diretamente ligadas à formação do leitor e ao acesso aos textos (BRITTO, 2015, p. 82).
103
3.1.6 Leitura e Utilitarismo
Nesta linha de força o objetivo é tornar-se mais inteligente, aumentar o vocabulário,
alfabetizar-se. É uma linha de força submetida à ordem do ensinar para fazer. Nela a literatura
se escolariza. Tal escolarização é inevitável, na opinião de Soares (1999, p. 21), pois é o
processo que institui e que constitui a escola. O processo de escolarização se remete à
ordenação de tarefas e ações, aos procedimentos formalizados de ensino, à seleção e à
exclusão de conteúdos, à ordenação e à sequenciação desses conteúdos.
Há problema na escolarização da literatura? Na opinião de Soares (1999), os
exercícios propostos aos alunos sobre textos da literatura infantil não levam à análise da
percepção da literariedade, dos recursos de expressão, do uso estético da linguagem, pois tais
exercícios estão centrados nos conteúdos, voltados para as informações veiculadas pelo texto,
e não pelo modo literário como as veicula.
A autora ressalta que o estudo de um texto literário deve privilegiar “a análise do
gênero do texto, dos recursos de expressão e de recriação da realidade, das figuras autor-
narrador, personagem, ponto de vista (no caso da narrativa), a interpretação de analogias,
comparações, metáforas, identificação de recursos estilísticos, poéticos” (SOARES, 1999, p.
43-44). Ela se refere ao estudo do que é textual e literário.
Até o momento estamos operando com seis linhas de força de promoção da leitura, as
quais foram encontradas quando analisamos diferentes programas de leitura. A síntese e a
dinâmica dessas linhas estão no diagrama a seguir:
104
Diagrama 4. Linhas de força de promoção da leitura.
Como a presente pesquisa trata, especificamente, de aulas de literatura, e não de aulas
de leitura de modo geral, achamos pertinente vincular as linhas de força de promoção da
leitura apresentadas acima às dimensões da literatura. Dessa maneira, conseguiríamos incluir
a dinâmica das linhas de força nas aulas de Literatura.
3.2 As dimensões da literatura
Conforme desenvolvido no capítulo 1 da presente pesquisa, a pesquisadora Martina
Fittipaldi (2013), em sua tese, ao discutir a educação literária, sistematizou cinco dimensões
da literatura para pensar o campo da Didática da Literatura:
1. A dimensão afetiva, que trata do reconhecimento das práticas literárias como
atividades relevantes na vida pessoal das crianças e no desenvolvimento de seus hábitos de
leitura;
2. A dimensão sociocultural, que compreende a literatura como uma atividade de
caráter individual e social, a partir da qual podemos construir referentes culturais comuns;
LINHAS DE FORÇA DE PROMOÇÃO DA LEITURA
LEITURA E EXPERIÊNCIA/FORMAÇÃO
LEITURA E LUDISMO
LEITURA E ILUSTRAÇÃO
LEITURA E SUBJETIVISMO
LEITURA E CIDADANIA
LEITURA E
UTILITARISMO
Leitura: instrumento de afirmação da individualidade.
Cada leitor tem o seu trajeto.
Leitura: veículo de ilustração,
erudição. Ser culto, bem formado, ilustrado. Cidadão ilustrado é leitor.
Lúdico:
1) Prazer, satisfação, realização. 2) Algo constitutivo do ser humano, ligado ao jogo, à
fabulação, à formação humana.
Leitura para aumentar o
vocabulário, tornar-se mais
inteligente. Submissão à ordem da eficiência, da compensação e do ensinar para fazer. A ação está
submetida à ordem prática.
Cidadania:
1) Processo civilizatório, civismo,
direitos, valores melhores da convivência (solidariedade, respeito).
2) Consciência da vida em sociedade, afirmação do ser social
no seu direito humano.
Leitura: produção de sentidos,
atividade de coautoria, fruição do
objeto estético.
Experiência: autoconhecimento,
formação, vivências significativas. Formação do leitor crítico.
105
3. A dimensão cognitiva, que nos permite entender as práticas literárias como
processos interpretativos em que os leitores têm um papel ativo: o de construtores de sentidos;
4. A dimensão ético-filosófica, que possibilita a reflexão sobre a literatura como um
discurso no qual se manifestam representações e juízos de valor presentes na sociedade;
5. A dimensão estético-linguística, que ressalta a importância da fruição e do jogo
com os aspectos materiais da linguagem e a consideração da literatura como uma práxis
artística.
Estudando as dimensões da literatura propostas por Fittipaldi (2013) e as linhas de
força de promoção da leitura, percebemos a existência de um diálogo estreito entre os dois
conceitos. À dimensão afetiva da literatura (FITTIPALDI, 2013, p. 444) associamos a linha
de força Leitura e Subjetivismo (BRITTO; CAMASMIE; SERRA, 2015, p. 7). A vida pessoal
e o protagonismo do sujeito são o elemento em comum entre essa dimensão e a linha de força.
As práticas literárias são relevantes para a vida pessoal do leitor, protagonista do seu processo
de aprendizagem e itinerário leitor.
A dimensão sociocultural da literatura (FITTIPALDI, 2013, p. 444) articula-se à linha
de força Leitura e Cidadania (BRITTO; CAMASMIE; SERRA, 2015, p. 6-7). Tal dimensão
compreende a literatura como uma atividade de caráter tanto individual quanto social, que se
relaciona com um dos conceitos de cidadania explicitados na linha de força Leitura e
Cidadania: consciência da vida em sociedade, afirmação do ser social no seu direito humano.
A compreensão da literatura como uma atividade de caráter também social é o elemento de
ligação entre a dimensão sociocultural da literatura e a linha de força Leitura e Cidadania.
A dimensão cognitiva da literatura (FITTIPALDI, 2013, p. 444) se vincula à linha de
força Leitura e Ilustração (BRITTO; CAMASMIE; SERRA, 2015, p. 7). O conhecimento, a
cultura leitora e a biografia literária do leitor são as questões que ligam ambas as categorias. A
dimensão cognitiva vê as práticas literárias como processos interpretativos, nos quais é o
leitor quem constrói sentidos. A linha de força Leitura e Ilustração vê o conhecimento como
aquele que promove a leitura e que interfere diretamente nos sentidos que serão construídos
durante a leitura literária.
A dimensão ético-filosófica da literatura (FITTIPALDI, 2013, p. 445) dialoga com a
linha de força Leitura e Experiência/Formação (BRITTO; CAMASMIE; SERRA, 2015, p. 6)
e possibilita a reflexão sobre a literatura como um discurso em que se manifestam
representações e juízos de valor presentes na sociedade. Já a linha de força Leitura e
Experiência/Formação compreende a leitura como algo que nos forma, nos constitui ou que
coloca em questão aquilo que somos. Isso também se encontra no âmbito das representações e
106
juízos de valor presentes na sociedade. Então, tais representações e juízos de valor são a
ligação entre a dimensão ético-filosófica da literatura e a linha de força Leitura e
Experiência/Formação.
A dimensão estético-linguística (FITTIPALDI, 2013, p. 445) está associada a duas
linhas de força de promoção da leitura: Leitura e Experiência/Formação e Leitura e Ludismo
(BRITTO; CAMASMIE; SERRA, 2015, p. 6). A dimensão estético-linguística ressalta a
importância da fruição e do jogo com os aspectos materiais da linguagem e considera a
literatura uma práxis artística.
No que tange à fruição da literatura, relacionamos essa dimensão à linha de força
Leitura e Experiência/Formação, pois ela trata da leitura como fruição do objeto estético. No
âmbito da dimensão estético-linguística da literatura, o conceito de experiência de Larrosa
(2003, p. 94) se faz pertinente, na medida em que, do ponto de vista do autor, a experiência
resulta em transformação do que somos. Tal experiência é provocada pelo modo como o autor
da obra literária escolherá jogar com a linguagem.
Quanto ao jogo com a linguagem literária, a dimensão da literatura estético-linguística
entra em conexão com a linha de força Leitura e Ludismo, especialmente na perspectiva do
lúdico ligada à fabulação. De acordo com essa concepção, o lúdico estimula a indagação
humana e a imaginação.
Resumindo, consideramos que a fruição estética e o jogo com a linguagem literária são
os dois aspectos que conectam a dimensão estético-linguística da literatura e as linhas de força
Leitura e Experiência/Formação e Leitura e Ludismo.
Das cinco dimensões da literatura listadas por Fittipaldi (2013) nenhuma delas se
associa à linha de força Leitura e Utilitarismo. Tal falta de conexão se deve, em nossa opinião,
ao objetivo dessa linha de força (aumentar o vocabulário, alfabetizar-se), que não tem relação
com o que a educação literária propõe.
Ao apresentar o diálogo entre os dois conceitos, construímos uma rede de conceitos
que estão em disputa nas aulas de literatura, conforme mostra o diagrama a seguir:
107
Diagrama 5. Linhas de força de promoção da leitura e dimensões da literatura.
A seguir, apresentaremos o marco metodológico da pesquisa e o perfil dos sujeitos.
Como chegamos até eles? Por que foram escolhidos?
LINHAS DE FORÇA DE PROMOÇÃO DA LEITURA
DIMENSÕES DA LITERATURA
LEITURA E EXPERIÊNCIA/FORMAÇÃO
Ético-filosófica Estético-linguística
LEITURA E LUDISMO Estético-
linguística
LEITURA E ILUSTRAÇÃO
Cognitiva
LEITURA E SUBJETIVISMO
Afetiva
LEITURA E CIDADANIA
Sociocultural
LEITURA E UTILITARISMO
108
4 QUESTÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS
Pesquisar é isso. É um itinerário, um caminho que trilhamos e com o qual
aprendemos muito, não por acaso, mas por não podermos deixar de colocar em
xeque „nossas verdades‟ diante das descobertas reveladas, seja pela leitura de
autores consagrados, seja pelos nossos informantes, que têm outras formas de
marcar suas presenças no mundo. Eles também nos ensinam a olhar o outro, o
diferente, com outras lentes e perspectivas. Por isso, não saímos de uma pesquisa do
mesmo jeito que entramos porque, como pesquisadores, somos também atores sociais desse processo de elaboração.
ZAGO, 2003, p. 307-308
O itinerário de pesquisa que seguimos pretendeu compreender as aulas de Literatura
do EFI do CPII campus Humaitá. Compreender o processo mediante o qual os sujeitos
constroem significados naquilo que fazem e descrever em que consistem esses significados
(BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 70). Optamos, assim, por uma pesquisa qualitativa que foi
construída à luz do referencial teórico bakhtiniano.
Para Bakhtin (2003, p. 395, grifo do autor), a pesquisa nas Ciências Humanas tem
como sujeito o “ser expressivo e falante” que tem como capacidade específica a criação de
textos. Esses textos, por expressarem pensamentos, sentidos e significados do homem,
tornam-se o objeto de estudo das Ciências Humanas, independentemente de quais sejam os
seus objetivos.
As ciências humanas são as ciências do homem em sua especificidade, e não de uma
coisa muda ou um fenômeno natural. O homem em sua especificidade humana
sempre exprime a si mesmo (fala), isto é, cria texto (ainda que potencial). Onde o
homem é estudado fora do texto e independente deste, já não se trata de ciências
humanas (anatomia e fisiologia do homem, etc.) (BAKHTIN, 2003, p. 312). Como o objeto das Ciências Humanas é o homem social, seu estudo passa
necessariamente pela interpretação de textos, de signos25
criados por ele. A investigação
torna-se um processo dialógico entre pesquisador e pesquisado (BAKHTIN, 2003, p. 319). O
contrário acontece nas Ciências Exatas, que estudam o homem fora e independentemente do
texto, estabelecendo-se uma forma monológica do saber: o sujeito de pesquisa é contemplado
como uma coisa muda, um objeto, e o pesquisador é o único que emite enunciado sobre ele.
25 O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes [...]. Cada
signo ideológico é não apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas também um fragmento material dessa
realidade. Todo fenômeno que funciona como signo ideológico tem uma encarnação material, seja como som, como massa física, como cor, como movimento do corpo ou como outra coisa qualquer. [...] Os signos só podem
aparecer em um terreno interindividual. [...] não basta colocar face a face dois homo sapiens quaisquer para que
os signos se constituam. É fundamental que esses dois indivíduos estejam socialmente organizados, que formem
um grupo [...] só assim um sistema de signos pode constituir-se (BAKHTIN, 1986, p. 32-35, grifos do autor).
109
Ele mesmo fala e responde. Temos apenas um sujeito na pesquisa, o pesquisador (BAKHTIN,
2003, p. 400).
Entretanto, apesar de qualquer objeto do saber poder ser considerado coisa, nas
Ciências Humanas tal consideração não pode ocorrer pelo fato de, como sujeito, o homem
realiza-se somente na interação de duas consciências, a do eu e a do outro. Para Bakhtin
(2003, p. 395-400) a relação que se estabelece com o sujeito de pesquisa é dialógica. Ele deve
ser contemplado, interpretado, indagado, ouvido, em um encontro entre pesquisador e
pesquisado.
O material de pesquisa é construído na relação com o outro. O pesquisador produz o
material de pesquisa, ou seja, textos. Ele os interpreta e dá a sua organização. Os textos
trazem consigo ainda a criação, e com ela se tornam singulares e individuais, de tal maneira
que representam um novo elo na cadeia histórica da comunicação discursiva (BAKHTIN,
2003, p. 309-310).
Nas Ciências Humanas o sentido empregado ao texto é compreendido como enunciado
porque só ele tem relação com a realidade e com o sujeito (BAKHTIN, 2003, p. 328). Sob o
ponto de vista bakhtiniano, o enunciado é determinado pela situação social mais imediata e
constitui-se no
produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados [...]. A palavra dirige-se a um interlocutor [que] [...] variará se se tratar de uma pessoa do mesmo
grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na hierarquia social, se estiver
ligada ao locutor por laços sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido, etc.).
Não pode haver interlocutor abstrato; não teríamos linguagem comum com tal
interlocutor, nem no sentido próprio nem no figurado. [...] Na maior parte dos casos,
é preciso supor além disso um certo horizonte social definido e estabelecido que
determina a criação ideológica do grupo social e da época a que pertencemos [...]
(BAKHTIN, 1986, p. 112, grifos do autor). Os enunciados são compreendidos enquanto um conjunto de sentidos; têm a ver com
valores; são irreprodutíveis e determinados por diferentes formas de relação com a realidade,
com o sujeito falante e com outros enunciados. Eles ainda requerem uma compreensão
responsiva26
.
Segundo Bakhtin (2003, p. 333-334), todo enunciado tem sempre um destinatário cuja
compreensão responsiva o autor do enunciado procura e antecipa. Além do destinatário, ele
propõe um supradestinatário, que é o elemento constitutivo do enunciado total que, numa
situação de pesquisa, pode ser descoberto. Isso advém da natureza da palavra que sempre quer
26 A responsividade inclui em si o juízo de valor e é um princípio de qualquer compreensão. A compreensão
responsiva de um conjunto discursivo é de índole dialógica (BAKHTIN, 2003, p. 332). Cf. BAKHTIN, M. Arte
e responsabilidade. In: Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
110
ser ouvida, procura uma compreensão responsiva e não para na compreensão imediata. A
palavra quer ser ouvida, entendida, respondida e mais uma vez responder à resposta.
O autor afirma que “As relações dialógicas são relações (semânticas) entre toda
espécie de enunciados na comunicação discursiva” (BAKHTIN, 2003, p. 323). Elas
pressupõem linguagem e somente são possíveis entre enunciados integrais de diferentes
sujeitos do discurso. Mesmo dois enunciados, convergentes em seus sentidos, distantes um do
outro no tempo e no espaço, trazem entre si relações dialógicas.
Observa-se, portanto, que tais relações são mais amplas, diversificadas e complexas
que o sentido restrito de discurso dialógico que compreende as relações dialógicas como as
relações entre as réplicas de um diálogo real (BAKHTIN, 2003, p. 331-332). Nesse diálogo
não existem a primeira nem a última palavra e não há limites para o seu contexto (BAKHTIN,
2003, p. 410). Nas relações dialógicas numa situação de pesquisa encontramos algumas
semelhanças com as ideias propostas por Bakhtin (2003) acerca do autor de uma obra de arte
e seus personagens.
Para ele o autor “é o agente da unidade tensamente ativa do todo acabado, do todo da
personagem e do todo da obra, e este é transgrediente a cada elemento particular desta”
(BAKHTIN, 2003, p. 10). A consciência de um autor é a consciência da consciência, pois ele
enxerga e conhece tudo o que cada personagem e todas elas juntas enxergam e conhecem,
como também enxerga e conhece mais que elas. Isso se deve ao lugar exotópico que ocupa
(BAKHTIN, 2003, p. 21).
Compreendemos, assim, que o pesquisador das Ciências Humanas pode ser
considerado autor, na medida em que ele é o agente do todo acabado do seu texto de pesquisa,
construído, a partir de um lugar exotópico, com o excedente de visão que sua posição de
pesquisador lhe possibilita.
Na obra de arte o autor dá uma resposta estética ao todo da pessoa-personagem. Tal
resposta tem caráter criador e produtivo por princípio e reúne todas as definições e avaliações
ético-cognitivas que dão o acabamento ao todo da obra. Da mesma maneira, o pesquisador
oferece uma resposta estética ao seu objeto de pesquisa, que se configura por ele se colocar no
lugar de seu sujeito de pesquisa, depois retomar o seu lugar de pesquisador para, em seguida,
completar o horizonte do pesquisado (BAKHTIN, 2003, p. 6). Esse vivenciamento criador e
ativo do autor da obra de arte e do pesquisador baseia-se no princípio estético basilar da
relação entre personagem e autor, que se constitui uma
relação de uma tensa distância do autor em relação a todos os elementos da
personagem, de uma distância no espaço, no tempo, nos valores e nos sentidos, que
permite abarcar integralmente a personagem, difusa de dentro de si mesma e
111
dispersa no mundo preestabelecido do conhecimento e no acontecimento aberto do
ato ético, abarcar a ela e sua vida e completá-la até fazer dela um todo com os
mesmos elementos que de certo modo são inacessíveis a ela mesma e nela mesma
[...] (BAKHTIN, 2003, p. 12, grifos do autor). No caso da pesquisa acadêmica, tal princípio correlaciona-se com a atividade estética.
Bakhtin (2003, p. 22-23) a define como o “conjunto daquelas ações internas ou externas que
só eu posso praticar em relação ao outro, a quem elas são inacessíveis no lugar que ele ocupa
fora de mim; tais ações completam o outro justamente naqueles elementos em que ele não
pode completar-se”. Para o autor o primeiro momento da atividade estética é a
compenetração, quando me coloco no lugar do outro. Depois dela, devo retornar a mim
mesmo porque só desse lugar o material da compenetração pode ser assimilado. É no
momento do retorno que começa, propriamente, a atividade estética. É quando enformamos e
damos acabamento ao material27
.
O autor de uma obra de arte e o pesquisador vivenciam seu trabalho, escutam e veem o
produto que está sendo criado, mas seu vivenciamento não escuta e nem vê a si mesmo
(BAKHTIN, 2003, p. 25).
Segundo Bakhtin (2003, p. 26-35), não é possível termos acesso à nossa imagem
externa por nós mesmos. Ela é vivenciada sempre de dentro. Todavia, podemos imaginá-la,
por meio da introspecção, quando nos desdobramos um pouco da gente sem romper conosco.
Nesse caso, a nossa imagem externa permanece ligada ao nosso vivenciamento interior
através do cordão umbilical da autossensação. Para ir além, podemos nos imaginar en face,
isto é, desligarmo-nos por completo da nossa autossensação interior. Quando conseguimos
fazer isso, sentimos um vazio que se deve a essa imagem externa não ter um enfoque volitivo-
emocional28
suficiente para vivificá-la. A questão que se impõe nessa situação é que, ainda
que nós consigamos imaginar nossa imagem externa, ela carecerá de persuabilidade interna.
Como ter certeza de que isso somos nós inteiramente? Para ter acesso a essa imagem externa
dependemos do outro. Ele é o único capaz de criar para o homem uma personalidade
externamente acabada.
27 Segundo Bakhtin (2003), há o acontecimento estético, ético e religioso. Um acontecimento estético só pode se
realizar na presença de duas consciências que não coincidem. Quando a personagem e o autor coincidem ou
estão lado a lado diante de um valor comum ou frente a frente como inimigos, termina o acontecimento estético
e começa o acontecimento ético (o panfleto, o manifesto, o discurso acusatório, o discurso laudatório e de
agradecimento, o insulto etc.); quando não há nenhuma personagem, temos um acontecimento cognitivo (um
tratado, um artigo, uma conferência); e onde a outra consciência é a consciência englobante de Deus temos um
acontecimento religioso (uma oração, um culto, um ritual) (BAKHTIN, 2003, p. 19-20). 28 O tom volitivo-emocional, presente na produção de qualquer enunciado, está relacionado ao termo “volição livre”, que tem caráter realizador e significa liberdade de ação, o poder de decidir como se queira, como também
relaciona-se a valor, a como eu me posiciono frente aos valores construídos socialmente (eu – social – outro). O
tom volitivo-emocional é uma atitude de dever da consciência, moralmente válida e responsavelmente ativa, que
orienta e afirma o conteúdo sentido dentro do ser único (BAKHTIN, 1993a).
112
Segundo Amorim (2004, p. 28-29), é na análise e no manejo das relações com o outro
que se dá a produção do saber na atividade de pesquisa. Nesse caso, o outro é aquele a quem o
pesquisador se dirige quando em situação de campo e de quem ele fala em seu texto de
pesquisa. A autora afirma, como hipótese de trabalho, que é em torno da questão da alteridade
que se tece grande parte do trabalho do pesquisador.
Do ponto de vista da eficácia do diálogo e encontro com o outro no contexto de
pesquisa, para Amorim (2004, p. 80) o que importa é que ele seja realmente outro para o
pesquisador. Nesse sentido, a autora defende que a simples simpatia dele pelo pesquisador e
vice-versa não representa uma fusão em um ser único, e sim um enriquecimento do encontro
de pesquisa. A eficácia desse encontro está na distância do pesquisador e no uso do seu
excedente de visão.
O outro para existir precisa se tornar estrangeiro para o pesquisador. Porém, tal
estranheza não se trata somente do reconhecimento do outro como diferente, mas também de
um verdadeiro distanciamento do pesquisador em relação ao pesquisado, a fim de que as
evidências fiquem em suspensão e o objeto de pesquisa possa ser posto em questão.
Compreendendo a alteridade dessa forma, de acordo com Amorim (2004), a atividade de
pesquisa torna-se uma espécie de exílio. Em um primeiro momento o pesquisador é hóspede
quando é recebido e acolhido pelo outro, e em segundo momento é anfitrião, recebendo e
acolhendo o estranho29
.
O conceito de polifonia bakhtiniano insere-se como uma marca fundamental da
alteridade. Na pesquisa o pesquisador entra em relação com uma multiplicidade de vozes. O
modo como essa multiplicidade é trabalhada pelo pesquisador (autor) é ativa, conforme nos
esclarece Bakhtin (2003):
O nosso ponto de vista não afirma, em hipótese alguma, uma certa passividade do
autor, que apenas monta os pontos de vista alheios, as verdades alheias, renunciando
inteiramente ao seu ponto de vista, à sua verdade. A questão não está aí, de maneira
nenhuma, mas na relação de reciprocidade inteiramente nova e especial entre a
minha verdade e a verdade do outro. O autor é profundamente ativo, mas o seu
ativismo tem um caráter dialógico especial. Uma coisa é o ativismo (aktívnost) em relação a um objeto morto, a um material mudo, que se pode modelar e formar ao
bel-prazer; outra coisa é o ativismo em relação à consciência viva e isônoma do
outro. Esse ativismo que interroga, provoca, responde, concorda, discorda, etc., ou
seja, esse ativismo dialógico não é menos ativo que o ativismo que conclui,
29 Amorim (2004, p. 51-57) aponta ainda a existência de níveis ou modos de alteridade no trabalho de campo e
de escrita do pesquisador nas Ciências Humanas por meio de três figuras míticas gregas: Górgona, Dionísio e
Ártemis. Ártemis representa a alteridade que se submete ao trabalho teórico-conceitual na produção de conhecimentos; Dionísio corresponde à alteridade que se dá como resultado da experiência interior vivida na
atividade de pesquisa, isto é, onde o outro me alterou e deixou seu rastro; e Górgona encarna um nível de
alteridade absoluta, quando o outro é tão radicalmente outro que rompe com todos os dispositivos de percepção
do pesquisador, deixando como rastro possível um efeito lacunar, sob a forma do silêncio ou da ausência.
113
coisifica, explica por via causal, torna inanimada e abafa a voz do outro com
argumentos desprovidos de sentido (BAKHTIN, 2003, p. 339, grifos do autor).
Tal citação nos leva a concluir que a produção de conhecimentos nas Ciências
Humanas é uma questão de voz que se coloca tensamente ao pesquisador no momento da
interpretação e da produção do texto de pesquisa. Tal tensão, segundo Amorim (2002, p. 8),
parece ser própria das Ciências Humanas, pois o caráter de alteridade do encontro com o
outro “não deixa nenhuma margem de previsibilidade ou de controle da parte do autor”.
Ao interpretar os enunciados dos sujeitos de pesquisa, o pesquisador reproduz e cria
outro texto com suas interpretações enquanto pesquisador. Nessa reprodução e criação
considera-se a inter-relação do texto e do contexto a ser criado, momento que se constitui em
um encontro de dois textos e de dois sujeitos. O pesquisador torna-se parte do enunciado a ser
interpretado.
A compreensão dos enunciados integrais e das relações dialógicas entre eles é de
índole inevitavelmente dialógica (inclusive a compreensão do pesquisador de ciências humanas); o entendedor (inclusive o pesquisador) se torna participante do
diálogo ainda que seja em um nível especial (em função da tendência da
interpretação e da pesquisa) (BAKHTIN, 2003, p. 332). Diante do exposto, compreendemos que as Ciências Humanas, na perspectiva
bakhtiniana, têm como objetivo compreender o outro, reconhecido como produtor de
discursos30
. Seu objeto específico é o discurso, produzido na interação de dois sujeitos,
pesquisador e pesquisado. Cabe ao pesquisador, com base na atividade estética, construir o
todo do texto de pesquisa, colocando em diálogo as diferentes vozes participantes da pesquisa.
4.1 Procedimentos teórico-metodológicos
Considerando o objetivo geral da pesquisa de compreender as aulas de Literatura do
EFI do CPII campus Humaitá e o referencial teórico bakhtiniano, propomos a observação
participante (TURA, 2003) e entrevistas (ZAGO, 2003) como procedimentos teórico-
metodológicos.
A escolha pela observação participante se deve ao fato de ela focalizar mais
amplamente o contexto sociocultural do ambiente escolar. Com ela é possível analisar
diferentes atividades e perspectivas dos sujeitos pela observação dos sujeitos em seus locais
de estudo e trabalho (TURA, 2003, p. 189-192). Na observação participante o pesquisador
introduz-se no mundo de seus sujeitos, tenta conhecê-los e ganhar a sua confiança, registra
30 O sujeito “só pode ser apreendido na linguagem a partir das vozes de seu discurso. É por essa razão que se diz
não haver uma teoria do sujeito em Bakhtin, mas, sim, uma teoria da linguagem, fundada na ideia de que a
interação verbal é o modo de ser social dos indivíduos” (TEIXEIRA, 2006, p. 229).
114
por escrito de modo sistemático tudo aquilo que ouve e observa (BOGDAN; BIKLEN, 1994,
p. 16).
Segundo Tura (2003, p. 184-186), a observação é a primeira forma de aproximação do
sujeito com o mundo em que vive. A presença do observador no campo coloca em evidência
as suas posições teóricas e ideológicas. Nós somos parte do mundo que estudamos. Não
escapamos do senso comum e nem evitamos a nossa interferência no fenômeno que
investigamos. O nosso material de pesquisa é o que as pessoas dizem, documentam, reagem
em situações de pesquisa.
De acordo com Bogdan e Biklen (1994, p. 125) o objetivo do pesquisador é ganhar a
aceitação do sujeito, encorajando-o a falar para que a pesquisa prossiga. Ele registra de forma
discreta o que vai acontecendo e recolhe, simultaneamente, outros dados descritivos. Ele entra
no mundo do sujeito, mas, ao mesmo tempo, continua fora. O estranhamento do objeto de
pesquisa possibilita o distanciamento para a elaboração de indagações, a capacidade de se
surpreender com o que parece ordinário e uma abertura a outros modos de compreender o
campo (TURA, 2003, p. 195).
Segundo Tura (2003, p. 187-189), o pesquisador é o instrumento essencial da
observação. Ele irá coordenar, selecionar e interpretar o conjunto de fenômenos que
presenciou. Nesse processo o observador tem como principal auxiliar o seu diário de campo.
Esse recurso será consultado e relido diversas vezes, diante da necessidade de confrontar
informações díspares, analisar diferentes posições de situações ocorridas ou relembrar uma
sequência de fatos.
A autora afirma que na observação há um mergulho na vida de um grupo com o
objetivo de desvendar as redes de significados. Para que esse objetivo seja alcançado, Geertz
(apud TURA, 2003, p. 189-190) recomenda que a observação seja acompanhada de uma
descrição densa daquilo que foi observado. Tal descrição parte do pressuposto de que os
acontecimentos do cotidiano estão inter-relacionados com estruturas sociais mais amplas e
com tradições que foram sendo incorporadas pelo grupo em ritos e costumes. Ela é o esforço
de articulação entre fatos, o envolvimento, a lógica de sua organização, o decifrar de aspectos
obscuros. Isso exige a interpretação/reinterpretação dos acontecimentos pelo pesquisador. Há
a necessidade de tradução de comportamentos observados, de ritos socialmente reconhecidos,
de crenças compartilhadas.
Nos primeiros contatos o pesquisador precisa ter cuidado com as primeiras
impressões, pois os sujeitos tendem a mostrar um comportamento ou a fazer um discurso que
seja da expectativa do observador (TURA, 2003, p. 195-196). Na observação participante
115
diferentes focos de análise vão se delineando a cada momento. São situações que podem
exigir a utilização de outros procedimentos de pesquisa, como é o caso da entrevista.
A entrevista na perspectiva compreensiva (ZAGO, 2003, p. 295) permite a construção
da problemática de estudo durante o seu desenvolvimento e nas suas diferentes etapas. Ela
não tem uma estrutura rígida e o pesquisador se compromete formalmente. O que interessa é a
riqueza do material que descobre. A pesquisa de campo é ponto de partida da
problematização, e não a sua verificação. Uma das características da entrevista é assegurar
informações em maior profundidade. A formulação de perguntas que atinjam esse objetivo,
geralmente, encontra-se apoiada em outros procedimentos teórico-metodológicos, como a
observação. Um procedimento complementa o outro, amplia o ângulo de observação e a
condição de produção dos dados (ZAGO, 2003, p. 297-299).
De acordo com Zago (2003, p. 299), muitos pesquisadores usam o gravador nas
entrevistas. Essa prática exige uma negociação com o informante para obter a sua aprovação.
Com a gravação o pesquisador está mais livre para conduzir as questões, favorecer a
interlocução, avançar na problematização, organizar e analisar os dados.
O pesquisador deve preocupar-se em obter a confiança do entrevistado. A interação
estabelecida entre eles decide o desenvolvimento da entrevista e a natureza das informações.
É fundamental esclarecer os objetivos da pesquisa, o destino das informações, o anonimato de
pessoas e lugares, o horário de encontro e o tempo previsto de duração. Zago (2003, p. 303)
nos alerta que na entrevista o lugar central é do entrevistado. A manifestação de interesse pelo
entrevistado e a capacidade de escuta do que é dito e do não julgamento se fazem necessárias.
O pesquisador precisa focalizar nas riquezas desconhecidas que o entrevistado oferece.
Como a entrevista na perspectiva compreensiva é ponto de partida para a análise da
problemática de pesquisa, ela não tem uma estrutura rígida. Porém, o entrevistador deve
demonstrar aonde quer chegar, sendo importante a elaboração de um roteiro de questões.
Outrossim, é a necessidade de submissão do roteiro à crítica (ZAGO, 2003, p. 303).
De acordo com Zago (2003, p. 305-308), para atingir as informações, o pesquisador
deve se aproximar da conversação. A pesquisa de campo consiste em defrontar-se com os
fatos, discutir com os sujeitos de pesquisa, compreender melhor os processos sociais.
A entrada no campo de pesquisa exigiu o pedido formal ao CPII para poder atuar na
instituição como pesquisadora. Em seguida, solicitei à coordenadora pedagógica de Literatura
uma conversa com ela e sua equipe docente para apresentar o projeto de pesquisa. O encontro
aconteceu em setembro de 2014, durante a reunião de planejamento da equipe. Precisou ser
rápido por causa do curto tempo de que a equipe dispunha. Durante o encontro explicitei o
116
projeto de pesquisa e que as observações aconteceriam em turmas do 1º e do 5º ano, já que o
1º ano é o momento de entrada dos alunos na diversidade social do colégio e o início do
trabalho docente de aproximação das crianças com a literatura; e o 5º ano porque representa a
saída do EFI, após quatro anos de participação sistemática em aulas de literatura. Além disso,
pedi para acompanhar somente uma turma de cada ano citado, já que o planejamento é por
ano escolar, e não por turma.
A conversa culminou no aceite de uma professora da equipe, a Mariana. Iniciei as
observações participantes em outubro de 2014, finalizando-as em junho de 2015. A entrevista
ocorreu em março de 2016. Apesar de ter observado aulas do 1º e do 5º ano, sempre que
possível estava presente nas aulas dos demais anos.
No início de 2015, em fevereiro, entrei em contato com a última coordenadora de
Literatura, a Renata, que havia se aposentado em 2012, e que me concedeu uma entrevista.
Em março, mais uma vez entrei em contato com a outra professora de Literatura, a Cláudia.
Felizmente, ela aceitou contribuir com a pesquisa. As observações nas turmas dela duraram
parte do primeiro semestre de 2015 e 2016 (março e abril). Observei aulas que ela ministrava
do 2º ao 5º ano. Cláudia me concedeu a entrevista em julho de 2016.
Em 2016 recebi o convite para compor a equipe de Literatura, o que possibilitou a
participação nas reuniões pedagógicas da equipe. O ano letivo começou e eu não assumi
nenhuma turma de Literatura porque a escola precisava de um novo professor regente para o
1º ano. Enquanto isso, trabalhava como regente em uma turma de 1º ano. No contraturno de
trabalho observava as aulas da professora e da coordenadora de Literatura.
Quando houve esse convite, a coordenadora pedagógica abriu espaço tanto para as
observações de suas aulas quanto para a entrevista. Observei suas aulas do 1º ano e a
entrevistei em maio de 2016.
Portanto, durante quinze meses, realizei observações participantes. De outubro a
julho/2014 com a professora Mariana, e de março a julho/2015 e de março a abril/2016 com a
professora Cláudia. Além disso, observei as aulas da coordenadora pedagógica Sandra de
março a abril/2016. Entrevistei as professoras Mariana e Cláudia em março e julho de 2016,
respectivamente; e a atual e a última coordenadora pedagógica de literatura, Sandra e Regina,
em fevereiro de 2015 e maio de 2016, nesta ordem.
117
4.2 Campo de pesquisa31
O CPII foi fundado em 2 de dezembro de 1837. Criado para ser uma referência de
ensino no Brasil, foi inicialmente um colégio de instrução secundária. Sua tradição se
confunde com a história do Brasil. Do Império (1822-1889) à República (1889-atual), o
colégio vem atuando no cenário educacional brasileiro, buscando continuar sendo uma
referência.
Tudo começou com o Colégio dos Órfãos de São Pedro, criado em 1739 pelo bispo
Dom Antônio de Guadalupe. Depois, o colégio passou a ser chamado de Seminário de São
Joaquim em 1766. O seminário funcionava como um polo de cultura na cidade do Rio de
Janeiro, o que foi intensificado com a expulsão dos jesuítas em 1759. Com a saída deles, a
educação dos jovens circunscreveu-se à instrução doméstica com preceptores e aos seminários
ligados às paróquias locais, como o Seminário de São Joaquim.
O ministro interino do Império, Bernardo Pereira de Vasconcelos, transformou então o
seminário no Imperial Collegio de Pedro II. O nome escolhido foi uma homenagem ao
Imperador Dom Pedro II, que, em 2/12/1837, completava 12 anos, data de nascimento do
colégio.
Seu programa de ensino tinha uma base clássica e apresentava uma tradição
humanística. Os formandos recebiam da instituição o diploma de bacharel em Letras, o que os
habilitava a ingressar no ensino superior sem prestar exames. Para entrar no colégio havia um
rigoroso exame de admissão, no qual eram considerados idade, mérito e habilidades inatas.
No período imperial o ensino não era gratuito. Contudo, algumas gratuidades eram
concedidas.
Os primeiros docentes foram indicados pelo ministro Bernardo Vasconcelos e
aprovados pelo imperador. Os professores eram escolhidos por se destacarem na sociedade.
Na verdade, era uma elite intelectual educada na Europa. Posteriormente, instituíram os
concursos.
Em 1889, com a Proclamação da República, o colégio passou a ser denominado
Instituto Nacional de Instrução Secundária. Em 1890, mudou o seu nome para Ginásio
Nacional. Desde 1837, o colégio foi dividido em externato e internato. Todavia, em 1892, o
internato foi extinto e criou-se o 2º Externato, localizado no Centro da cidade do Rio de
Janeiro. A mudança nas denominações não parou. No ano de 1909, o presidente Nilo
31 Todas as informações apresentadas nesta seção foram retiradas do site do CPII. Disponível em:
www.cp2.g12.br. Acesso em: 22/02/16 e 27/02/16.
118
Peçanha, ex-aluno do colégio, decretou que o externato se chamasse Externato Nacional
Pedro II, e o 2º Externato passou então a Internato Nacional Bernardo de Vasconcelos.
Somente em 1911, com o presidente Marechal Hermes da Fonseca, também ex-aluno, a
instituição voltou a se chamar Colégio Pedro II.
A partir da década de 1950, o colégio viveu três ciclos de expansão. Nessa década
foram criadas três seções escolares: Engenho Novo (1952), Humaitá (1952) e Tijuca (1957)
que, em 1979, passaram a ser chamadas de Unidades Escolares. Na década de 1960, o
colégio foi transformado em autarquia do MEC e passou a ter autonomia orçamentária,
financeira e patrimonial. O segundo ciclo de expansão ocorreu na década de 1980, com a
criação de unidades voltadas para o EFI. Eram os chamados Pedrinhos. O primeiro Pedrinho
foi inaugurado em 1984, em São Cristóvão. Outras unidades também foram implantadas:
Engenho Novo (1986), Humaitá (1985) e Tijuca (1987). O terceiro ciclo de expansão do
colégio se deu no início deste século. No período de 2004 a 2010 foram criadas as unidades
Realengo, Niterói e Duque de Caxias.
Em 2012 o CPII foi equiparado aos institutos federais. Com isso, foi alterada a sua
estrutura organizacional e as unidades escolares passaram a se chamar campus. Atualmente, o
colégio conta com 14 campi e atende da Educação Infantil ao EM, como também oferece EM
integrado, EJA, especializações e mestrado.
4.3 Sujeitos de pesquisa
Para compreender como são as aulas de Literatura do EFI do CPII campus Humaitá,
optei por entrevistar32
a equipe pedagógica (coordenação pedagógica e professoras) da
disciplina Literatura, pois entendo que ela responde pelo trabalho pedagógico realizado. No
total, foram quatro sujeitos, duas professoras e duas coordenadoras. Busquei entrevistar a
última e a atual equipe, já que a escola passava por um processo de renovação por ocasião dos
seus trinta anos de existência. Dessa maneira, poderíamos analisar as concepções das aulas de
literatura e o histórico da disciplina. Já a análise das práticas pedagógicas ocorreu por meio da
observação de aulas das duas professoras da equipe e ainda da coordenadora, já que, com a
aposentadoria de uma das professoras, ela precisou substituí-la temporariamente.
Cada sujeito de pesquisa recebeu um nome fictício, a fim de garantir o sigilo de suas
identidades. As coordenadoras são Renata (aposentada em 2012) e Sandra (na coordenação
32 O roteiro das entrevistas está disponível no apêndice E.
119
desde 2012 até os dias de hoje) e as professoras, Mariana (aposentada em 2015) e Cláudia
(atua na disciplina desde 2012). Vale ressaltar que as coordenadoras aceitaram ser
entrevistadas pessoalmente e ter as entrevistas gravadas. As professoras pediram para
responder por escrito às perguntas da entrevista e responderam quando se sentiram à vontade.
Contudo, essa diferença não significa que houve resistência para participar da pesquisa.
Houve falta de tempo. Elas teriam que ficar na escola, além da carga horária de trabalho, ou
usar o tempo de trabalho em que estariam organizando as aulas. As duas responderam às
perguntas por e-mail.
Apresento, então, a seguir, o perfil dos quatro sujeitos de pesquisa.
Renata, Sandra, Mariana e Cláudia têm entre quarenta e sessenta anos de idade. Todas
são cariocas. Renata e Cláudia têm um casal de filhos. Sandra e Mariana têm um filho cada.
Seus filhos foram alunos do CPII e têm entre vinte e trinta anos de idade. Renata, Mariana e
Cláudia são casadas. Sandra, atual coordenadora, é solteira.
Antes de entrarem no CPII, Renata e Sandra trabalharam na Rede Municipal de
Educação do Rio de Janeiro. Renata trabalhou por dezessete anos no EFI e Sandra, por trinta
anos na Educação Infantil. Renata cita uma diretora que a influenciou positivamente no
exercício do magistério na rede municipal: “ela via que a gente era bem nova. Eu tinha 20
anos. E, ela, assim, interferia bastante para que a gente se modernizasse, não ficasse apegada
aos moldes antigos [...]. Aí, eu comecei a ser mordida pelo bichinho da inovação” (Renata).
Sandra menciona outra pessoa que exerceu influência no seu trabalho, principalmente quando
assumiu uma sala de leitura em uma escola municipal:
Sandra: [...] a responsável pela sala de leitura também atendia uma vez por semana
as crianças em sala de aula. Tinha na grade.
Pesquisadora: E era uma pessoa interessante, com quem você podia trocar?
Sandra: A princípio sim, maravilhosa. Na época ela trabalhava com teatro,
trabalhava com outros recursos, né, para contar a história... aí, eu fui assim: história
com quadro de pregas, história acumulativa, flanelógrafo... (Sandra). Renata e Mariana entraram na escola nos anos 1980 enquanto Sandra e Cláudia, na
década de 1990. Renata trabalhou no CPII com turmas de 2ª e 3ª séries e também como
coordenadora pedagógica de Língua Portuguesa e Literatura. Sandra trabalhou com 2º ano,
orientou o trabalho pedagógico de 2º e 3º anos e atualmente é coordenadora pedagógica de
Literatura. Mariana deu aulas de Literatura por quase toda a sua trajetória profissional dentro
do CPII. Ela foi coordenadora de Literatura e, somente por dois anos, atuou como professora
regente fora da disciplina. Ela terminou a sua trajetória profissional no CPII como professora
de Literatura. Cláudia foi professora de turmas do 3º ano e, atualmente, ministra aulas de
120
Literatura. Vale ressaltar que todas estão ou estiveram ligadas à disciplina Literatura por
causa do interesse que têm pela área.
Todas fizeram o Curso Normal. As coordenadoras passaram pelo Instituto de
Educação na década de 1970 e relataram que não havia uma disciplina sobre a literatura
infantil. Tempos depois, quando a professora Mariana fez o mesmo curso, a realidade havia
mudado: “Havia muito pouca informação sobre a literatura infantil nas escolas formais. Tive
uma matéria no Curso Normal e posteriormente em um Curso Adicional para pré-escolares”
(Mariana). O referido curso também foi realizado pela coordenadora Sandra: “no Adicional
que eu tive mais contato com a literatura porque tinha uma cadeira de literatura infantil”
(Sandra). Diferentemente de Renata e Mariana, ambas aposentadas, Sandra e Cláudia fizeram
uma graduação. Sandra fez Pedagogia e Arquitetura, pois houve uma época em que não
queria ser professora; e Cláudia gradou-se em Química.
O trabalho no CPII incluiu a realização de diferentes cursos. Renata, a última
coordenadora, cita que na década de 1980, durante a construção dos Pedrinhos, atuais campi I,
os professores participavam de cursos ligados à Língua Portuguesa, Estudos Sociais e
Matemática. Mariana, professora fundadora da disciplina no campus Humaitá I, disse que
Quando ingressei no CPII como professora, nem havia literatura infantil na grade
curricular. Fui convidada a iniciar este trabalho na escola após dois anos de atuação
como professora de núcleo comum, o que foi um grande desafio, pois eu e uma
equipe de professores das diferentes unidades [atualmente, campi] formatamos os
primeiros objetivos e a programação da literatura na escola, que estaria iniciando. A
partir de então, o próprio colégio começou a investir em cursos de literatura,
oferecendo uma boa variedade para aprimorar a formação de seus professores nesta
área (Mariana). Mariana, antes de Renata, foi a coordenadora de Literatura, e no período da entrevista
ela estava como professora. Cláudia já não cita estes cursos. Ela entrou na escola depois de
Mariana, que disse que, por conta própria, fez uma especialização voltada para a formação de
leitores: “Fiz especialização voltada para a formação de leitores, que me fez avaliar com mais
critério a escolha dos títulos a serem trabalhados com os alunos” (Mariana).
Sandra cita diferentes cursos que realizou sobre literatura infantil: o curso promovido
pela FNLIJ em parceria com a Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, um curso com a
Marília Pirillo e um grupo de estudos informal realizado no CPII, na biblioteca escolar.
Desses cursos Sandra menciona aquele que provocou maior reflexão sobre a literatura:
Sabe quem me ajudou muito também? Aqueles encontros de biblioteca que teve com
a Rosita. Porque aí eu mudei alguma coisa. [...] Mas eu achei interessante porque eu
tinha uma visão de literatura, literatura para agradar, a literatura estética e, aí, a Rosita uma vez falou pra mim que a literatura não tem que ser isso, também tem que
ser desafiadora, quebrar paradigmas e tentar... Trazer desconforto. Entendeu? Mexer
um pouquinho com a cabeça, com os nossos valores e tudo. E aquilo ficou na minha
cabeça. Ficou muito na minha cabeça (Sandra).
121
Vale ressaltar que Rosita é autora de uma dissertação de mestrado que trata de aulas de
literatura no CPII, especificamente com o 1º ano do EFI. Ela está presente na revisão
bibliográfica deste trabalho com o título As histórias da gente que cabem num livro:
experiências de leitura nas aulas de Literatura do primeiro ano do Ensino Fundamental.
A presente pesquisa contou, então, com quatro sujeitos que vêm desenvolvendo aulas
de literatura no EFI. Exceto por Cláudia, todas já estiveram na função de coordenadora
pedagógica da disciplina. São mulheres com larga experiência profissional e que viveram um
período no qual o Curso Normal era o principal espaço de formação docente. Nem todas
contaram com a Literatura Infantil na sua formação inicial e, durante a trajetória profissional,
houve a participação em cursos que estavam vinculados à disciplina, ora promovidos pela
instituição, conforme narra a professora Mariana, ora realizados por conta própria.
A seguir, trazemos para esta conversa a apresentação do currículo das aulas de
Literatura do EFI do CPII. Quais concepções ele traz? A análise foi tecida a partir da tese de
Martina Fittipaldi (2013), que, ao analisar currículos de Literatura de escolas primárias de
Espanha, Catalunha, França, Inglaterra e Quebec, trouxe categorias de análise preciosas para a
nossa investigação.
122
5 PROPOSTA CURRICULAR DAS AULAS DE LITERATURA DO ENSINO
FUNDAMENTAL I DO COLÉGIO PEDRO II
Pode-se afirmar que é por intermédio do currículo que as ‘coisas’ acontecem na
escola. No currículo se sistematizam nossos esforços pedagógicos. O currículo é, em
outras palavras, o coração da escola, o espaço central em que todos atuamos, o que
nos torna, nos diferentes níveis do processo educacional, responsáveis por sua
elaboração. O papel do educador no processo curricular é, assim, fundamental. Ele é
um dos grandes artífices, queira ou não, da construção dos currículos que se
materializam nas escolas e nas salas de aula. MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 19
O objetivo deste capítulo de analisar a proposta curricular de Literatura do EFI do
CPII se deve à intenção de articular tal proposta com as aulas de Literatura na perspectiva de
melhor compreendê-las. Concordamos com Moreira e Candau (2007, p. 19) que é por meio do
currículo que as “coisas” acontecem na escola. Então, o que acontece nas aulas de Literatura?
Que sínteses pedagógicas estão presentes no documento curricular? É preciso ressaltar que
não tivemos como objetivo realizar um estudo aprofundado sobre teorias curriculares que
embasam o documento. Nossa intenção foi apresentar e analisar a proposta para compreender
como ela se efetiva nas aulas de Literatura.
A proposta curricular das aulas de Literatura do EFI do CPII faz parte de um
documento mais abrangente, o PPP, que situa o colégio quanto aos seus objetivos e
finalidades. O projeto foi elaborado coletivamente pelo corpo docente sob a liderança das
chefias de departamento, e os professores se encontravam de tempo em tempo para discutir
questões relativas ao documento. As bases teóricas que deram suporte a ele são explicitadas
em cada componente curricular (Língua Portuguesa, Estudos Sociais, Matemática, Literatura,
Artes, Música, Educação Física e Ciências) e ao final do texto introdutório.
Na introdução percebemos que há a influência de Marcos Bagno (1998) quanto à
pesquisa na escola; do MEC, no que se refere aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN,
2001), às Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) e às Matrizes Curriculares de
Referência para o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb, 1998); de Maria Dolors
Busquets (2001), para tratar dos temas transversais em educação; Terezinha Carraher (1986),
como referência à Psicologia Cognitiva; do próprio CPII, quando aborda o último PPP (2002);
de Ivani Fazenda (2005), quanto à interdisciplinaridade; de Paulo Freire (1997), no que se
refere à Pedagogia da autonomia; Jussara Hoffman (2002) e Philippe Perrenoud (1999), para
123
aludir à avaliação; e de Ilma Passos Alencastro Veiga (1995), como referência à construção de
um PPP.
Embora o documento explicite tais bases conforme os estudiosos de cada área,
apresenta o conceito de competência como norte de trabalho de todas as disciplinas, com base
em Perrenoud (1999). Esse posicionamento teórico marca um ponto de vista de caráter
pragmático: “Todos os componentes curriculares trabalharão em prol do desenvolvimento das
competências transdisciplinares, balizadoras de toda ação pedagógica dentro do Colégio
Pedro II” (CPII, 2008, p. 3). De acordo com Perrenoud (1999), os currículos voltados para a
construção de competências devem dar prioridade a conteúdos que possam ser exercitados na
escola em situações complexas. O autor defende que “A escola só pode preparar para a
diversidade do mundo trabalhando-o explicitamente, aliando conhecimentos e savoir-faire a
propósito de múltiplas situações da vida de todos os dias” (PERRENOUD, 1999, p. 75).
Assim, as propostas curriculares construídas com base nessa visão não poderiam se limitar a
ensinar conhecimentos considerados inúteis para a ação. Os saberes considerados válidos são,
então, aqueles que podem ser mobilizados em uma situação precisa para resolver um
problema. São saberes com um para quê utilitário.
A forte presença do conceito de competência ao longo de todo o PPP (CPII, 2008), no
que tange à literatura na escola, revela uma tensão entre as linhas de força Leitura e
Utilitarismo e Leitura e Experiência/Formação. Esta última explicitada no objetivo geral do
documento ainda é tensionada pela linha de força Leitura e Cidadania, a saber: “formar
cidadãos críticos, orientados eticamente para o respeito às identidades, comprometidos
politicamente com a igualdade, sensíveis esteticamente à diversidade, dotados de
competências e valores capazes de mobilizá-los para intervir responsavelmente na sociedade”
(CPII, 2002, p. 70). Em suas finalidades o Colégio revela também o encontro entre as linhas
de força Leitura e Cidadania, Leitura e Ilustração e Leitura e Subjetivismo. A instituição tem
como fim o exercício da cidadania. Além disso, pretende promover o desenvolvimento
pessoal do aluno através da construção de sua identidade pessoal e de suas relações sociais,
como também a apropriação do saber construído historicamente (CPII, 2002, p. 65-67).
Assim, das seis linhas de força de promoção da leitura compartilhadas no capítulo 3,
observamos que as bases do PPP (CPII, 2008) trabalham com quase todas elas, com exceção
da linha Leitura e Ludismo, que está presente na proposta curricular das aulas de Literatura.
Tal constatação evidencia o quanto cada um dos fios das linhas, com suas respectivas
perspectivas, convivem tensionados: ora se somam, ora competem entre si; ora se opõem, ora
se sobrepõem.
124
A proposta curricular das aulas de Literatura tem como contexto um trabalho
pedagógico que vem sendo desenvolvido há mais de trinta anos. Um breve histórico do início
dessas aulas no CPII, para crianças de 6 a 10 anos de idade, é abordado a seguir.
5.1 O início das aulas de Literatura
Na contextualização do CPII apresentada no capítulo anterior vimos que a instituição
tem, desde a sua origem, a característica de ser voltada para as Letras. Quando o colégio
passou a ser chamado de Seminário de São Joaquim, em 1766, ele funcionava como um polo
de cultura na cidade do Rio de Janeiro. Tempos depois, o ministro Bernardo Pereira de
Vasconcelos transformou o seminário no Imperial Collegio de Pedro II. Seu programa de
ensino tinha uma base clássica e uma tradição humanística. Quem se formava no colégio
recebia o diploma de bacharel em Letras, que habilitava o ingresso no ensino superior sem
prestar exames. Este histórico é marcado fortemente pela linha de força Leitura e Ilustração,
devido ao fato de o seminário ter sido um polo de cultura da cidade e, depois, na condição do
Imperial Collegio Pedro II, de haver um programa de ensino clássico com forte tradição
humanística.
O destaque a essa tradição também está presente em suas propostas curriculares.
Desde o EFI os alunos têm aulas de Literatura, que são oferecidas semanalmente por uma
equipe pedagógica, a partir de uma proposta curricular específica. Essa especificidade que dá
visibilidade à literatura nos remete à ideia de Calvino (2016, p. 108-109) de pedagogia da
imaginação. Para o autor a pedagogia da imaginação nos acostuma à visibilidade, cuja
formação é muito importante na visualização e verbalização do pensamento (CALVINO,
2016, p. 112). A observação direta do mundo real, o mundo figurativo transmitido pela
cultura, o processo de abstração e a interiorização da experiência sensível nos habituam à
visibilidade. Indagamos: o fato de semanalmente haver aula de Literatura, ao longo de mais
de trinta anos, faz com que o CPII assuma, em certa medida, uma pedagogia da imaginação,
conforme teoriza Calvino?
De acordo com Vinco33
(2006, p. 50), no período da criação do EFI, chamado de
Pedrinho pela equipe, o colégio trabalhava na perspectiva do construtivismo piagetiano, uma
33 A professora do CPII Sônia Regina Vinco trabalha na disciplina Literatura do campus São Cristóvão I. Sua
dissertação de mestrado, intitulada Formação do leitor: um bicho de quantas cabeças?, foi defendida no
PPGE/UFF em 2006, sob a orientação da Profª. Drª. Edwiges dos Santos Zaccur. A pesquisadora investigou
aspectos do trabalho de formação de leitores desenvolvido no CPII campus São Cristóvão I. O segundo capítulo
125
orientação progressista para a época. Após a admissão de novas professoras, houve uma
seleção de pessoas que constituiriam as equipes de coordenação pedagógica e administrativa
da escola. Essa primeira equipe pedagógica montou o primeiro Plano Geral de Ensino (PGE)
em 1984, ano da inauguração do primeiro Pedrinho no campus São Cristóvão. A equipe
pensou a grade curricular, a seleção de conteúdos, e no processo observou que havia a
necessidade de ter “aula de biblioteca” (VINCO, 2006, p. 57-58). Assim, o EFI do CPII é
inaugurado com uma discussão que incluía a literatura como parte da sua proposta curricular.
Foi na década de 1980 que a LIJ se tornou mais presente na escola, e o mesmo
aconteceu no CPII. Na mesma década surgiu o primeiro PGE de Literatura. De acordo com
Fittipaldi (2013, p. 92), nesse período, na Europa, a Didática da Literatura foi replanejada em
função do seu ensino na escola.
Segundo Vinco (2006, p. 61-62), o ano letivo de 1987 contou com uma semana de
estudos com assessoras que apresentaram novas propostas metodológicas de ensino. Em
Língua Portuguesa, por exemplo, propunham não realizar ditados, cópias e exercícios formais
de sistematização do conteúdo. No que se refere à antiga 1ª série, as professoras deveriam
inventar os textos a serem usados nas aulas de interpretação. Os textos de autores da literatura
infantil eram raros em sala. As aulas deveriam favorecer as descobertas das crianças.
Entretanto, houve uma tensão entre as novas orientações e as antigas. Uma tensão entre a
inovação e a tradição, o que é uma marca do colégio.
A partir do segundo ano de funcionamento do primeiro Pedrinho (1988), uma cisão foi
sendo construída entre o trabalho de Língua Portuguesa e o da Literatura. Os professores de
ambas as equipes pertenciam ao mesmo departamento. Todavia, os professores de Literatura
não participaram das atividades de assessoria. Segundo Vinco (2006, p. 63-64), parece que a
maior preocupação era construir um trabalho das áreas chamadas de Núcleo Comum (Língua
Portuguesa, Estudos Sociais, Matemática e Ciências). O trabalho das demais disciplinas,
nomeadas de Atividades Complementares (Literatura, Artes, Música e Educação Física), que
proporcionavam à equipe de Núcleo Comum horários para encontros de planejamento, era
secundarizado. Havia um grupo de professores que considerava as Atividades
Complementares um diferencial da escola, mas outro grupo considerava as Atividades de
forma reduzida, como mera oportunidade de encontros para o planejamento coletivo. O
nascimento da disciplina acontece, então, em um contexto bastante pragmático do cotidiano
escolar: a necessidade de encontrar tempo para os encontros de planejamento. As aulas de
da dissertação, “Um lugar no espaço-tempo: encontros e desencontros numa instituição secular”, apresenta um
histórico da disciplina Literatura no EFI e colaborou na construção do presente capítulo.
126
biblioteca dariam tempo para os professores planejarem em equipe e os alunos estariam
envolvidos com uma aula importante. Esta é a segunda tensão que marca o cotidiano do
colégio: o pragmático versus o formativo.
Com relação ao trabalho pedagógico comum à época a proposta pedagógica de Língua
Portuguesa era progressista. Todavia, a equipe que trabalhava com a Literatura não via com
bons olhos a orientação daquele trabalho. A recíproca também era verdadeira (VINCO, 2006,
p. 63-64), o que evidenciava a falta de articulação entre as equipes. O primeiro coordenador
de Literatura dos Pedrinhos foi o professor Mário Bruno34
, que havia tido experiência de dois
anos como coordenador de Língua Portuguesa e Literatura. Em 1989 e 1990, porém, as
instâncias superiores do colégio extinguiram a coordenação de Literatura e criaram dois
coordenadores de Língua Portuguesa em cada unidade escolar, que também tinham a
responsabilidade de coordenar a Literatura.
Segundo Vinco (2006, p. 65), em 1988, as assessorias deixaram de existir e aqueles
que participaram delas se tornaram multiplicadores da proposta metodológica implantada.
Tempos depois, sem o controle das assessorias, algumas professoras da Classe de
Alfabetização começaram a romper com a metodologia proposta, voltando-se para uma
prática relacionada às pesquisas de Emília Ferreiro. Mais uma vez aparece a tensão entre
inovação e tradição no contexto escolar. No período a literatura no colégio encontrou outros
espaços, além das aulas de Literatura. Segundo uma das professoras entrevistadas por Vinco
(2006), o ensino da leitura sofreu alterações por meio de ações como o Clube do Livro, a
leitura e a contação de histórias em sala de aula e o questionamento do formato mais
tradicional do trabalho com a língua escrita.
Foi nesse contexto que as aulas de Literatura nasceram. De acordo com Vinco (2006,
p. 65-66), observando o PGE pode-se ver que, desde o primeiro ano de funcionamento dos
Pedrinhos, algumas Atividades Complementares faziam parte da grade curricular, como a
Educação Física e a Música. A equipe sugeriu que também houvesse aulas de Educação
Artística, de Teatro e alguma atividade na área da leitura. As propostas metodológicas de
Artes Plásticas, Teatro e Música se espelharam na publicação do Laboratório de Currículos da
Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro (Seeduc). É interessante notar que, ao
34 Mário Bruno possui graduação em Letras – Português e Literatura (Uerj, 1984), mestrado em Letras (UFRJ, Ciências da Literatura, 1989), graduação em Filosofia (Uerj, 1996), doutorado em Letras (UFRJ, Ciência da
Literatura, 1996) e doutorado em Psicologia (UFRJ, 2003). Atualmente, é professor/pesquisador da UFF e
professor adjunto da Uerj. Estas informações foram retiradas do currículo Lattes do professor, disponível em:
http://lattes.cnpq.br/7232939039544734. Acesso em: 29/02/16.
127
invés de o CPII ser referência para o trabalho pedagógico, foi a Rede Estadual de Educação
que ocupou este lugar.
No PGE de 1985 foi reservado um período de quarenta a sessenta minutos semanais
para a biblioteca, somente para a 1ª e a 2ª série. As duas professoras que começaram esse
trabalho foram Dione Coelho35
(2015) e Cristina Vergnano36
(2006). Posteriormente, o
trabalho transformou-se na Atividade Literatura. As professoras escolhiam algumas histórias e
liam para as crianças no horário estipulado. Contudo, vale ressaltar que, embora a Atividade
Biblioteca aparecesse na grade horária, não há no PGE registro de seu de trabalho.
A proposta curricular estava em formação. Com isso, de ano em ano, muitas mudanças
ocorriam. O cotidiano escolar trazia discussões que precisavam ser incluídas. O PGE de 1985
apresentou a atividade Literatura, que previa uma carga horária semanal de quarenta e cinco
minutos para a 1ª e a 2ª série e de uma hora e trinta minutos para a 3ª série. Naquele ano a
Literatura estava ligada ao trabalho de Artes Plásticas. Não havia ainda definição de
conteúdos. Em função do caráter experimental do trabalho, a equipe responsável preferiu
apresentar somente os objetivos e a proposta metodológica.
O cotidiano escolar mostrou que havia dificuldade entre os alunos na leitura,
interpretação e criação de textos literários, o que levou a equipe a implantar um trabalho
específico de Literatura no EFI. A integração entre Artes Plásticas e Literatura, prevista no
projeto, circunscreveu-se à necessidade de se trabalhar com diferentes formas de expressão
(CPII, 1985, p. 66-67). Os objetivos do trabalho eram genéricos e tratavam do
desenvolvimento do “espírito crítico”, da formação de “hábitos e atitudes”, da “coordenação
motora fina” e de uma questão que se tornou motivo de vigorosas discussões: apoiar o
trabalho de Língua Portuguesa.
Em 1985 as aulas de Literatura se resumiam à leitura de histórias para as crianças, no
horário estipulado, como as professoras de Biblioteca faziam em 1984. Entretanto, as aulas
35 A professora Dione Machado Silva Coelho, além de ter realizado este trabalho pioneiro no CPII, realizou uma
pesquisa de doutorado intitulada Crianças leitoras e suas escolhas literárias: um estudo com alunos do 5º ano
do Colégio Pedro II (2015), no PPGE/UFRJ, sob a orientação da Profª. Drª. Patrícia Corsino. A tese teve como
objetivo conhecer o que leem as crianças do 5º ano do EF de duas turmas do CPII campus São Cristóvão I, e
analisar como fazem suas escolhas literárias durante as atividades do Clube de Leitura. Estas informações foram
retiradas do currículo Lattes da professora, disponível em: http://lattes.cnpq.br/9799991152991790. Acesso em:
29/02/16. 36 A professora Cristina de Souza Vergnano-Junger trabalhou no CPII, no EFI, no período de 1984 a 1991.
Depois, de 1992 até 2002, ministrou aulas de língua espanhola no EFII do colégio. Cristina é licenciada em
Letras – Português/Espanhol (Uerj, 1983), possui mestrado em Letras Neolatinas (UFRJ, 1991) e doutorado também em Letras Neolatinas (UFRJ, 2002). Realizou seu pós-doutorado na área de linguística aplicada
(Universidade Pompeu Fabra, 2012-2013). Atualmente, é professora associada da Uerj. Estas informações foram
retiradas do currículo Lattes da professora, disponível em: http://lattes.cnpq.br/9455322284852465. Acesso em:
29/02/16.
128
aconteciam nas salas das turmas. A disciplina saíra do seu lugar privilegiado: a biblioteca, o
lugar onde as obras literárias estavam reunidas. Mais tarde a equipe de Literatura conquistou
uma sala específica, e saiu do modelo de leitura compartilhada para uma aula com conteúdo,
objetivo e avaliação. A ida para uma sala específica foi vista como uma conquista. A
conquista de um espaço. Antes a aula acontecia na biblioteca sem vinculação com o conteúdo
escolar. Depois, nas salas de aula, mas acabavam atreladas à Língua Portuguesa. Agora, as
aulas de Literatura contavam com uma sala de aula e um currículo específicos.
Cabe ressaltar que na época, na Rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro, como
também na Rede Estadual, havia propostas de trabalhos de Sala de Leitura, e algumas
professoras do CPII haviam atuado nessas redes antes de fazerem concurso para o colégio.
Vinco (2006) entrevistou professores que apontaram diferenças entre os trabalhos, como no
caso da professora Patrícia Fernandes, que se referiu na entrevista ao trabalho coordenado por
Maria Mazetti, no município do Rio de Janeiro, no princípio dos anos 1970. Segundo ela, era
um trabalho mais simples do que o proposto pela Literatura no CPII. Havia uma Sessão de
Bibliotecas e Auditório e cada escola tinha, dependendo do número de turmas, uma ou duas
professoras de biblioteca. Elas recebiam uma história, semanalmente, para cada série. Já a
professora Júlia afirmou na entrevista que a principal diferença entre os trabalhos propostos
era que o CPII queria uma carga horária semanal com as crianças. No município o que havia
era um trabalho de Sala de Leitura, aonde as crianças eventualmente iam para ler, para fazer
um trabalho com o professor, mas sem uma carga horária semanal em uma sala diferente da
biblioteca. Júlia acrescenta, dizendo que no Pedrinho havia conteúdo específico de Literatura
e o trabalho era acompanhado semanalmente pelo mesmo professor em dois tempos de aula.
Foi na coordenação de Mário Bruno que foi publicado o primeiro Plano de Literatura
no PGE de 1985. Na pesquisa de Vinco (2006, p. 68) o professor relatou que quando entrou
no colégio em 1985 encontrou um caos e que não entendia a dinâmica das aulas de biblioteca.
Os professores entravam em sala, iam à biblioteca, pegavam um livro, liam a história para os
alunos e não sabiam o que fazer depois. Mário conta que, diferentemente do que ocorreu nas
áreas do Núcleo Comum (Língua Portuguesa, Estudos Sociais, Matemática e Ciências), não se
estava pensando em uma metodologia especial para as Atividades (Literatura, Artes, Música e
Educação Física). As Artes Plásticas se valeram, no princípio, da proposta do Laboratório de
Currículos do Estado. Porém, a Literatura não contava com nada definido no colégio. Ela foi
criada a partir da prática de ler histórias para as crianças com as professoras Dione Coelho e
Cristina Vergnano. Na época o colégio não tinha biblioteca, os livros ficavam guardados em
129
uma sala e, segundo o entrevistado, eram de péssima qualidade. A maioria dos livros era de
doação ou do acervo particular das professoras (Vinco, 2006, p. 69).
De acordo com a professora Júlia, a estruturação do trabalho começou com Mário
Bruno e Cristina Vergnano. As diversas modificações no PGE foram propostas pelo
professor, quando ele era coordenador, e partiam das discussões do grupo. Julia relata que os
professores de Literatura formavam um grupo que se preocupava com o planejamento do
cotidiano escolar e o Mário “puxava lá na frente uma discussão”. Ele estava atento à formação
docente e propunha leituras. As leituras eram de autores variados e, como o coordenador era
ligado à Filosofia, o grupo lia textos dessa área para discutir e embasar o trabalho pedagógico
(Vinco, 2006, p. 70).
Em outra entrevista de Vinco (2006) a professora Cristina relatou que teve acesso ao
embasamento teórico da literatura com o grupo de estudos coordenado por Mário. Com ele e a
professora Júlia ela foi aprendendo o que era um bom texto, uma boa ilustração. Mário
conduzia, segundo Cristina, as reuniões de planejamento junto com a história da literatura
infantil (Vinco, 2006, p. 70).
Segundo Mário, era uma equipe unida, apaixonada e dedicada que, junto dele, criou o
trabalho. A seleção dos textos era feita em equipe. Mas Mário, que tinha formação em Letras,
cursava o mestrado em Teoria Literária, participava de grupos de estudo de Filosofia e trazia
muitas leituras. As discussões iam além da questão da textualidade. No seu depoimento Mário
declara que estava antenado com muitas leituras que não correspondiam à forma com que os
demais professores pensavam o trabalho com o texto. Ele lia Blanchot, Barthes, Foucault,
Deleuze. Para ele, o texto literário tem especificidades que devem ser consideradas ao
trabalhá-lo, que são diferentes quando se estuda uma notícia de jornal ou uma receita de bolo.
A busca pelo tom do trabalho com literatura no EFI revelava a fragilidade da formação
inicial de alguns docentes dos anos iniciais. Mário e Cristina possuíam formação em Letras,
mas pouca experiência como professores dos anos iniciais. O cotidiano da sala de aula
possibilitou o contato com a realidade e o saber do que se aplicaria ou não nas aulas de
Literatura.
Ainda segundo Vinco (2006), o Primeiro Congresso Brasileiro de Literatura Infantil e
Juvenil, em 1985, mudou o rumo do trabalho com a literatura infantil no colégio. No
congresso os professores fizeram contato com o Clã do Jabuti, que trabalhava de forma
teórica e prática com a Literatura Infantil. As oficinas do Clã encantaram a todos, pois
integravam Literatura e Artes, partindo da Literatura. Era uma possibilidade de interpretação
lúdica do texto literário. A ideia dessas oficinas ficou como um ponto de partida para o
130
trabalho de Literatura do colégio. O grupo queria um trabalho que incluísse um fazer artístico
e fosse além da contação de histórias. A intenção era criar possibilidades de interpretação
lúdica, por meio das artes plásticas, da música e da integração de diferentes linguagens
(Vinco, 2006, p. 72-73).
Portanto, a Literatura foi criada com a prática de ler histórias para as crianças. Ler é a
ação primeira da disciplina. As professoras escolhiam as histórias e liam para as crianças no
horário estipulado. O professor não sabia o que fazer depois da leitura do livro. A
coordenação pedagógica da época orientou a conversar sobre o livro após a leitura. Mas a
equipe docente queria que houvesse um trabalho pedagógico para além da leitura de histórias;
queria que também houvesse um fazer artístico, uma interpretação lúdica através das artes
plásticas, da música e da integração de diferentes linguagens.
Como se observa, no histórico das aulas de Literatura, as linhas de força de promoção
da leitura que tensionam são as seguintes: Utilitarismo, Experiência/Formação e Ludismo. A
Literatura nasceu da necessidade de apoiar o trabalho de Língua Portuguesa, já que os alunos
apresentavam dificuldades na leitura, interpretação e criação de textos. Então, a aula de
Literatura entraria na grade de estudo com o fim de apoiar esse trabalho. Todavia, a Literatura
não se submeteu inteiramente a essa necessidade. Sua equipe inicial ocupou bastante tempo
das reuniões de planejamento com o estudo de textos de autores ligados ao campo da
Filosofia, da Leitura e da Teoria Literária. Houve muita autoria na construção do primeiro
trabalho pedagógico com a literatura. A equipe docente buscou, em suas aulas, destacar as
especificidades do texto literário e promover sua interpretação lúdica, no sentido da
fabulação. A Literatura não estava na grade curricular do colégio para servir à Língua
Portuguesa, mas para desenvolver algo mais específico. E qual era a sua especificidade? A
equipe encontrou na interpretação lúdica do texto literário uma chave para as suas aulas. A
marca dessa especificidade será vista nas duas propostas curriculares das aulas de Literatura
descritas e analisadas a seguir.
5.2 As propostas curriculares das aulas de Literatura
Em 1985 o CPII publicou o primeiro Plano de Literatura no PGE, que depois foi
reescrito na forma de um PPP. De acordo com Vinco (2006, p. 74-75), a construção do
primeiro Plano de Literatura foi difícil. Para o coordenador da época, Mário Bruno, era
necessário ter uma visão horizontal e vertical do plano para eleger os conteúdos. Isso era um
problema, pois a experiência pedagógica se restringia à 1ª, 2ª e 3ª série. Para tanto, foram
131
consideradas a diversidade de gêneros literários e as experiências prévias das professoras.
Todavia, persistia o problema das duas séries iniciais. Durante a coordenação de Mário Bruno
foi possível a criação de um trabalho coletivo. Na época, 1986, as equipes de Literatura de
todas as unidades se encontravam no mesmo horário para planejar. Elas estudavam, discutiam
as aulas, liam Umberto Eco, Roland Barthes, Gianni Rodari, textos da Teoria da Literatura
Infantil (Cadernos da PUC, organizados por Eliana Yunes) (VINCO, 2006, p. 76-79).
A primeira proposta curricular de Literatura foi publicada em 1985 e a mais recente,
em 2008. A versão de 2008 é preliminar. Contudo, ela é a base do atual trabalho pedagógico.
Nas seções a seguir vamos descrever e analisar ambas as propostas a partir de algumas
categorias sugeridas por Fittipaldi (2013) na tentativa de responder às questões: qual o lugar
que ocupa as aulas de Literatura no colégio? Quais são os objetivos do trabalho? Como a
literatura é concebida? Quais conhecimentos literários são privilegiados e qual é o corpus
recomendado? Como a proposta curricular propõe aproximações com a literatura?
5.2.1 Estruturação e objetivos das aulas de Literatura
No PGE de 1985 as aulas de Literatura eram chamadas de Atividade Integrada. O
Plano de Literatura estava integrado ao das Artes Plásticas por causa da necessidade que a
equipe observou de trabalhar com as “diversas formas de expressão” (CPII, 1985, p. 133).
Vale ressaltar a palavra integrada. Ela traz consigo a ideia de encontro, no caso, da Literatura
com as Artes. Hoje, Artes têm uma proposta curricular, assim como a Literatura.
Na medida em que a Literatura se integrou às Artes, priorizou o imaginar e o criar.
Essa integração a vinculou a um dos princípios do trabalho pedagógico preconizado por
Vigotski (2008, p. 98): preparar o aluno para o porvir. Como a imaginação tem como função
básica orientar o porvir, essa preparação acontecerá com a imaginação criadora por meio da
criação artística.
Interessante notar que, embora a implantação de um trabalho específico com a
Literatura tenha surgido a partir da constatação das dificuldades dos alunos na leitura,
interpretação e criação de textos literários (CPII, 1985, p. 133), a proposta curricular dava
mais força à leitura na perspectiva da experiência e da formação, e não do utilitarismo. Em
1985 o tempo previsto para a Literatura na 1ª e 2ª série era de quarenta e cinco minutos
semanais. Para a 3ª série, de uma hora e trinta minutos semanais. As atividades eram
ministradas por professores especializados, com horários pré-fixados. No plano não há
132
menção à 4ª e 5ª séries, pois, na época, ainda não havia turmas devido ao início do Pedrinho,
em 1984 (unidade São Cristóvão).
Diferentemente do PGE (CPII, 1985), no PPP (CPII) de 2008 a Literatura não é
apresentada junto às Artes Plásticas, e também não é chamada de Atividade Integrada, mas de
Atividade Complementar. Além disso, do 1º ao 5º ano, os alunos têm dois tempos de aula de
Literatura semanais (1h30). As aulas continuam a ser ministradas por professores
especializados que pertencem a uma equipe específica de Literatura. A equipe tem horários
pré-fixados para as reuniões de planejamento e conta com um coordenador pedagógico por
campus, eleito pelo corpo docente, e com dois professores, no caso do campus Humaitá I.
No caso da nova denominação, vale refletir sobre o significado da palavra atividade.
Segundo o Dicionário Aurélio, considerando o contexto escolar, atividade é “2- Faculdade de
exercer a ação; 3- Exercício ou aplicação dessa capacidade”. No CPII o que não é Atividade é
Disciplina, como Ciências, Estudos Sociais, Língua Portuguesa e Matemática. De acordo com
o mesmo dicionário, disciplina significa “4- Instrução e educação; 5- Ensino; 6- Ação
dirigente de um mestre; 7- Estudo de um ramo do saber humano”. Há muita diferença entre
ambas as palavras. Ao ser considerada uma atividade, a Literatura pode ser conduzida para
uma linha de força de promoção de uma leitura utilitarista (exercício), podendo virar as costas
para a linha de força Leitura e Ilustração (saber) e mais ainda para a de
Experiência/Formação. Tal constatação vai ao encontro da origem da disciplina. Ela surgiu
para apoiar as aulas de Língua Portuguesa. Outra análise que merece destaque são os adjetivos
da Atividade: integrada e complementar. Ao nosso ver a palavra complementar se mostra
menos adequada do que integrada. Entendemos a escolha do termo como uma redução.
Integrada comunicava melhor a especificidade da disciplina que, na condição de
complementar, mantém a ideia de submissão à disciplina Língua Portuguesa. A mudança de
nome também dialoga com o conceito de competência que norteia todo o PPP. Na perspectiva
da competência o valor de uso de cada conhecimento ocupa lugar central.
Em relação aos objetivos, o PGE apresenta apenas objetivos gerais do trabalho
integrado, conforme vemos a seguir:
a) Objetivos que se referem ao trabalho específico com a Literatura e Artes
Plásticas:
- desenvolver as potencialidades criativas globais do aluno;
- desenvolver o espírito crítico;
- desenvolver as percepções, conjugando-as entre si;
- desenvolver a coordenação motora fina.
b) Objetivos referentes ao conteúdo e à proposta metodológica:
- trabalhar todas as formas de expressão, verbais ou não; - desenvolver as potencialidades intelectuais do aluno dentro de uma linha de
trabalho não-formal;
133
- integrar as atividades complementares;
- apoiar o trabalho das demais atividades do currículo, principalmente o de Língua
Portuguesa.
c) Objetivos atitudinais:
- desenvolver a capacidade de trabalhar independentemente, com vistas à conquista
da autonomia, e a de trabalhar cooperativamente, com vistas à conquista do
sentimento de solidariedade;
- criar um ambiente favorável ao estabelecimento de relações com os colegas e com
os demais membros da comunidade escolar;
- desenvolver hábitos e atitudes (CPII, 1985, p. 133).
O PGE de 1985 está marcado pela tensão entre as linhas de força Cidadania,
Utilitarismo, Experiência e Ludismo. Nos objetivos atitudinais (CPII, 1985, p. 133) vemos a
intenção de formar um cidadão. Esses objetivos que se referem às atitudes dos alunos revelam
que um cidadão é aquele que se mostra solidário e consegue conviver bem em sociedade. As
aulas de Literatura, portanto, também seriam úteis para a formação do cidadão, no sentido de
cidadania como civismo, processo civilizatório, de desenvolvimento de valores que melhoram
a convivência.
A linha de força Leitura e Utilitarismo se fez presente neste documento por meio do
objetivo referente ao conteúdo e à proposta metodológica: “apoiar o trabalho das demais
atividades do currículo, principalmente o de Língua Portuguesa” (CPII, 1985, p. 133). Nos
objetivos que tratam do trabalho específico com a Literatura e as Artes Plásticas, o objetivo de
“desenvolver o espírito crítico” (CPII, 1985, p. 133) nos conduz à linha de força Leitura e
Experiência/Formação. Nessa mesma direção, o objetivo de “desenvolver as potencialidades
intelectuais do aluno dentro de uma linha de trabalho não-formal” (CPII, 1985, p. 133) nos
remete ao Ludismo. Entendemos que, quando se faz questão de frisar que o trabalho deve
acontecer dentro de uma linha de trabalho não formal, há a intenção de realizar um trabalho
diferente do que as demais aulas oferecem. Talvez o termo não formal pudesse ser substituído
por lúdico, já que esta foi uma preocupação registrada no PGE de 1985. A equipe queria
propor uma interpretação lúdica do texto literário. Um dos princípios metodológicos da época
era o “estabelecimento de propostas lúdicas e agradáveis que conduzam a criança a um
contato prazeroso e à identificação com a Literatura” (CPII, 1985, p. 130). Propostas lúdicas e
agradáveis, contato prazeroso e identificação com a literatura são trechos do documento que
nos levam a relacioná-los com a linha de força Leitura e Ludismo. Observamos a presença das
duas concepções de lúdico. Quando há intenção de propor atividades agradáveis e que o
contato com a literatura seja prazeroso, a concepção de lúdico como prazer, satisfação e
realização se faz presente. Por outro lado, quando há preocupação do leitor se identificar com
a literatura, o lúdico aparece como algo constitutivo do ser humano e ligado à formação
humana.
134
No PPP os objetivos gerais descritos acima foram transformados em um único
objetivo geral: “Formação de leitores capazes de reconhecer as sutilezas, as particularidades,
os sentidos, a extensão e a profundidade das construções literárias” (CPII, 2008, p. 24). Além
dele, o documento conta com objetivos específicos, que já não fazem referência às questões
atitudinais. Tratam do trabalho com a Literatura, do conteúdo e da proposta metodológica:
1. Reconhecer a especificidade do texto literário e as inúmeras possibilidades de
apropriação de seus elementos. 2. Oportunizar ao aluno o contato com diferentes linguagens e não apenas com a
linguagem-padrão, de uso social.
3. Estimular o gosto pela leitura auxiliando a criança a acelerar o seu processo de
maturação, através da relação real/imaginário.
4. Possibilitar o desenvolvimento das estruturas mentais, através do
estabelecimento de relações, tais como: eu/outro, eu/as coisas verdadeiras/as coisas
inventadas, e do contato com diferentes tipos de tempo e espaço, fazer a criança
refletir sobre os problemas de seu tempo, levando-a a desenvolver o espírito crítico.
5. Incorporar o texto literário às práticas cotidianas na sala de aula (CPII, 2008, p.
123).
Nos objetivos específicos, de certa maneira, permanecem alguns dos objetivos gerais
de 1985. Quando se afirma que ao aluno deve ser oportunizado o contato com diferentes
linguagens (CPII, 2008, p. 123), faz lembrar o objetivo indicado no PGE (1985, p. 133) de
trabalhar todas as formas de expressão, verbais ou não. Em “Possibilitar o desenvolvimento
das estruturas mentais” (CPII, 2008, p. 123) observa-se a proximidade com “desenvolver as
potencialidades intelectuais do aluno” (CPII, 1985, p. 133). O objetivo que une os dois
documentos é “desenvolver o espírito crítico” (CPII, 2008, p. 123; CPII, 1985, p. 133).
O PPP (CPII, 2008) frisa que a criança deve estabelecer relação entre o real e o
imaginário: “Estimular o gosto pela leitura auxiliando a criança a acelerar o seu processo de
maturação, através da relação real/imaginário” (CPII, 2008, p. 123). Trazer essa possibilidade
nas aulas de Literatura significa proporcionar à criança a vivência lúdica da leitura, no sentido
da fabulação, do jogo entre o real e a fantasia.
Esses objetivos também dialogam com o que Candido (2004, p. 22) traz acerca da
humanização que a literatura possibilita. Ela desenvolve traços considerados essenciais para o
homem, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o
próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso
da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor.
Uma especificidade da proposta curricular aparece no seu objetivo geral (CPII, 2008)
quando trata das construções literárias, dialogando com Jouve (2012, p. 30-31) quando define
literatura: a literatura é o uso estético da linguagem escrita. A delimitação ao campo da
criação estética conduziu a Literatura no CPII à linha de força Leitura e
Experiência/Formação mais do que à linha Leitura e Ludismo, mais forte no PGE (1985). A
135
primeira proposta volta a sua atenção para a criação artística enquanto a última, para as
construções literárias. Todavia, as expressões “formação de leitores” e “construções literárias”
mostram uma diferença entre os dois documentos. Parece que a orientação do trabalho
mudou, adquirindo maior clareza quanto à especificidade do trabalho. Em 1985 o trabalho
estava ligado à criatividade, e atualmente busca ressaltar as construções literárias para formar
leitores.
De acordo com o objetivo geral de formar “leitores capazes de reconhecer as sutilezas,
as particularidades, os sentidos, a extensão e a profundidade das construções literárias” (CPII,
2008, p. 24), acreditamos que o documento se aproxima do conceito de letramento literário
proposto por Cosson e Paulino (2009, p. 67). Nessa perspectiva o letramento literário é um
processo de apropriação da literatura enquanto construção literária de sentidos. Os leitores
devem se apropriar de tais construções.
Além disso, considerando o histórico das aulas, observamos que elas surgiram de uma
demanda de letramento da escola. Na acepção de letramento proposta por Soares (1998, p.
21), letrado é aquele que responde adequadamente às demandas das práticas sociais de leitura
e escrita da sociedade em que vive. O CPII percebeu que seus alunos estavam com
dificuldades na interpretação e na compreensão de textos, como também na produção deles,
embora soubessem ler e escrever. As aulas de Literatura vieram, então, para apoiar o trabalho
pedagógico de Língua Portuguesa, como ressalta o PGE (CPII, 1985).
5.2.2 Concepções de literatura
No PGE (1985, p. 133) a concepção de literatura não está explícita. Contudo, alguns
trechos dão pistas para inferirmos sobre ela. “A integração Artes Plásticas/Literatura, prevista
no projeto, deve-se à necessidade de se trabalhar com as mais diversas formas de expressão,
facilitando o desenvolvimento das potencialidades criativas globais do aluno” (CPII, 1985, p.
133). Aqui a literatura é percebida como expressão da linguagem escrita. Nos objetivos de
desenvolver “o espírito crítico”, “as potencialidades intelectuais do aluno”, “as percepções”,
“hábitos e atitudes” subentende-se que a literatura é considerada uma forma de expressão que
desenvolve potencialidades, espírito crítico, percepções, hábitos e atitudes nos alunos.
Já no PPP (2008) a concepção está explícita e é percebida pela organização do texto,
que apresenta as seções: Histórico da Literatura Infantil brasileira, Literatura Infantil na
escola e fundamentação teórica. Dentro da fundamentação encontramos Uma questão de
diferença: o texto literário, O que é isto: Literatura Infanto-Juvenil? (O texto enquanto
136
gênero), Gosto ou não gosto? (Texto de prazer e texto de fruição) e A leitura é um jogo
criativo! (A poética da obra aberta). As seções anunciam que LIJ é um gênero literário. Elas
ainda revelam que Roland Barthes (Gosto ou não gosto? Texto de prazer e texto de fruição) e
Umberto Eco (A leitura é um jogo criativo! A poética da obra aberta) fundamentam o
trabalho.
O referencial teórico do PPP (2008, p. 130) de Literatura, além de incluir Barthes e
Eco, cita um artigo de Mário Bruno (1982) e um livro, Literatura infanto-juvenil: um gênero
polêmico, organizado por Sônia Khede (1986), que sugere a partir do que o grupo construiu a
ideia da LIJ como um gênero literário. Para o CPII,
A literatura infanto-juvenil é um gênero de complexas interligações. Articulou-se a partir de uma tradição somada à emergência de um novo público e de novas formas
de linguagem. Isso implicou (ou implica) o surgimento de uma forma de
textualidade que a todo o momento precisa definir seus limites entre a cultura de
massa e o folclore, entre o mito e a realidade. (...) Nesse conflito entre o novo e o
tradicional, cabe pensar a literatura infanto-juvenil no projeto desafiador próprio a
todo fenômeno artístico. Urge creditar-lhe o papel interrogativo das normas em
circulação; impulsionador do leitor a uma postura crítica; criador de condições de
possibilidade para que os propósitos da leitura se revelem criativos (CPII, 2008, p.
121-122, grifos nossos).
Segundo o documento (CPII, 2008, p. 122), “A noção de obra aberta conceito que
pode ser desenvolvido no campo da física, da pintura, da matemática, da música, etc., em
termos literários, (...) permite explicar uma relação lúdica do leitor com o texto”. Esse
conceito, cunhado por Umberto Eco, começou a ser esboçado com a ideia de discurso aberto.
Para Eco (2010, p. 279-280) o discurso aberto tem duas características: é ambíguo e tem como
primeiro significado a própria estrutura. Assim, o discurso aberto, típico da arte, não tende a
definir a realidade de uma maneira unívoca, definitiva, pronta. Dessa maneira,
A abertura e o dinamismo de uma obra, ao contrário, consistem em tornar-se
disponível a várias integrações, complementos produtivos concretos, canalizando-os
a priori para o jogo de uma vitalidade estrutural que a obra possui, embora
inacabada, e que parece válida também em vista de resultados diversos e múltiplos.
(...) as obras „abertas‟ enquanto em movimento se caracterizam pelo convite a fazer a
obra com o autor (ECO, 2010, p. 63-64, grifos nossos).
Para o PPP (CPII, 2008, p. 121) o texto literário também é compreendido à luz de
Barthes como aquele que oferece múltiplas possibilidades de reapresentação do real. Eco
(2010) afirma que Barthes foi um dos primeiros estudiosos a compreender que uma obra é
uma mensagem plurivalente e que tal disponibilidade é o próprio ser da literatura. Para
Barthes:
Escrever significa fazer estremecer o sentido do mundo, colocar uma pergunta
indireta à qual o escritor, numa derradeira indeterminação, se abstém de responder.
A resposta que dá é cada um de nós, que lhe traz a sua história, sua linguagem, sua liberdade; mas como história, linguagem e liberdade variam infinitamente, a
resposta do mundo ao escritor é infinita: não cessa jamais de responder ao que está
escrito para além de qualquer resposta; afirmados, contraditos depois, por fim
137
substituídos, os significados passam e a pergunta permanece... Mas, para que o jogo
se complete (...) devem respeitar algumas regras: é preciso, de um lado, que a obra
seja verdadeiramente uma forma, que ela indique um sentido duvidoso, não um
sentido fechado... (...) Neste sentido, por conseguinte, a literatura (diríamos: toda
mensagem artística) designaria de modo certo um objeto incerto (BARTHES apud
ECO, 2010, p. 40-41).
Ainda com base em Barthes, o PPP (CPII, 2008) afirma que é preciso pensar o texto
literário em um jogo entre duas margens, a do prazer e a da fruição. O texto de prazer como
aquele que contenta e não rompe com a cultura. Em contraposição, o texto de fruição coloca
em questão bases históricas, valores, põe em crise (BARTHES apud CPII, 2008, p. 122).
A concepção de literatura assumida também vai em direção à linha de força
Experiência/Formação na medida em que credita à literatura um papel interrogativo das
normas vigentes e impulsionador de uma postura crítica do leitor. Para embasar tal concepção
o documento traz Umberto Eco quando o autor trata da obra aberta. A ideia de fazer a obra
com o autor significa uma atividade de coautoria do leitor com a obra/leitor. Neste jogo
acontece a formação humana. Em diálogo com essa coautoria, o documento menciona
Barthes. Pensar o texto literário com este autor significa pôr em tensão duas linhas de força:
Leitura e Ludismo, na perspectiva do prazer, da satisfação e da realização, e Leitura e
Experiência/Formação, com a fruição do texto literário.
Podemos dizer que ambas as propostas curriculares (PGE, 1985 e PPP, 2008) buscam
desenvolver hábitos de leitura, ensinar a compreender textos literários, valorizar a literatura e
desenvolver o senso crítico nos alunos. A maior diferença entre os documentos é que o PPP
(CPII, 2008) explicita a preocupação em incluir o conhecimento das convenções literárias.
As propostas curriculares se situam em um dos poderes da literatura que Compagnon
(2012, p. 37-52) desenvolveu: a literatura deleita e instrui. Que conhecimento é esse que só a
literatura dá ao homem? Segundo a visão clássica, tal conhecimento tem por objeto o que é
geral, aquilo que permite compreender e regular o comportamento humano e a vida social. Já
na concepção romântica tal conhecimento se refere ao que é individual e singular. As
propostas curriculares ficam, então, nessa tensão entre uma visão mais romântica e uma visão
clássica de conhecimento. O PGE (CPII, 1985) em uma visão romântica e o PPP (CPII, 2008)
em uma clássica.
5.2.3 Conteúdos, progressão e corpus estabelecidos na proposta curricular
Devido ao caráter experimental do trabalho de Literatura em 1985, a equipe docente
optou por apresentar somente objetivos e proposta metodológica. Os conteúdos deveriam ser
138
planejados ao longo do ano, conforme as necessidades (CPII, 1985, p. 133). Com o
amadurecimento do trabalho, a equipe de Literatura construiu, posteriormente, um conjunto
de conteúdos, explicitados no PPP (CPII, 2008) e organizados a partir de dois eixos
norteadores do trabalho: o livro e o texto.
Os conteúdos relativos ao eixo livro são autoria, ilustração, diagramação, recursos
gráficos, paginação, editora, edição, contexto em que o livro foi produzido. Os que se referem
ao texto são o texto poético (acalantos, cantigas de roda, quadrinhos, trava-línguas, canções
populares e poemas de autores contemporâneos), o texto narrativo (contos de fadas, contos
maravilhosos, narrativas contemporâneas, lendas, fábulas, contos fantásticos, narrativa mítica,
provérbios, quadrinhos e crônicas) e o texto dramático (CPII, 2008, p. 124-127). No eixo livro
o documento explicita apenas o ano em que os conteúdos devem ser trabalhados.
Para o primeiro ano o PPP propõe abordar os conteúdos: autoria, ilustração,
diagramação, paginação e contexto em que o texto foi produzido. Esses conteúdos são
considerados básicos e são trabalhados do 1º ao 5º ano. O 2º e o 3º ano apresentam os mesmos
conteúdos de trabalho e diferenciam-se do 1º ano em apenas um conteúdo, a editora. O 4º e o
5º ano apresentam os mesmos conteúdos de trabalho do 2º e do 3º ano. Todavia, incluem o
conteúdo e a edição.
Dessa maneira, vê-se que no eixo livro o 1º ano constrói a base do trabalho. Tais
conteúdos continuam a ser trabalhados até o final do EFI. Os conteúdos, editora e edição
marcam a progressão das aprendizagens literárias. Primeiro, aprende-se os conteúdos gerais.
Em seguida, acrescenta-se o conceito de editora. Posteriormente, o de edição. A razão dessa
progressão não é explicitada. O fato de haver uma seleção de conteúdos mínimos é uma
maneira de nivelar e garantir que todos possam se apropriar desses conteúdos. Todavia, não
nos parece lógico que editora e edição precisem ser postergados. Por que se apropriar do
conceito de editora somente no 3° ano e de edição somente no 4° e 5° ano? Seriam conceitos
mais complexos em relação aos trabalhados todos os anos?
Diferentemente, o eixo texto apresenta progressão dos gêneros literários trabalhados, o
que se espera que o aluno aprenda em cada um deles e o tipo de atividade pedagógica que
deve predominar. No 1º ano apresentam-se os elementos constituintes do texto poético
(sonoridade, ritmo, forma, versos e estrofes). No 2º ano há maior preocupação com o estudo
desses elementos constituintes. No 3º ano explora-se a relação palavras-imagens.
Cada ano também conta com o tipo de atividade pedagógica que deve prevalecer. O 1º
ano estuda a caracterização e criação de personagens, a identificação de ações e a
caracterização do ambiente. O 2º ano caracteriza personagens principais e ambientes.
139
Ademais, identifica ações, o narrador e constrói personagens. O 3º ano apresenta o narrador
enquanto personagem do texto, identifica personagens principais e secundários, caracteriza as
ações e contextualiza no tempo e no espaço o texto. O 4º ano trata de todas essas
aprendizagens e acrescenta a identificação de semelhanças e diferenças entre os diferentes
tipos de texto, das características mais marcantes dos personagens mitológicos, da sequência
lógica das narrativas e dos sistemas de significação não linguísticos (signos auditivos e
visuais). O 5º ano também acumula as aprendizagens listadas do 1º ao 4º e inclui a
caracterização dos personagens, ações e situações do cotidiano nas crônicas, e a relação entre
os temas e os valores mais presentes nas narrativas mitológicas.
Analisando os conteúdos e a progressão das aprendizagens, observamos que os saberes
literários diriam respeito aos aspectos materiais, à produção e à circulação social da literatura,
aos conhecimentos culturais e sobre as linguagens com que se constrói o texto e a
metalinguagem literária. A interpretação e a produção de textos é um procedimento bastante
presente. E a consciência dos valores revelados nos textos é uma atitude valorizada.
Embora o PGE (CPII, 1985) não trate de conteúdos e progressão das aprendizagens,
na seção Proposta metodológica há indícios de saberes, procedimentos e atitudes que a equipe
da época valorizava. Poderíamos sugerir que um dos saberes privilegiados é o conhecimento
sobre as linguagens com que se constrói o texto, com base no trecho: “O ponto nodal das
atividades integradas será o processo de criação, recriação e transformação de textos,
narrativas orais” (CPII, 1985, p. 134). Em função da demanda que justificou o nascimento da
disciplina, também poderíamos dizer que a interpretação e produção de textos é, de certa
maneira, um procedimento presente. No trecho “sendo o interesse demonstrado pela criança
no que faz, sua alegria em criar, a procura de soluções próprias, os melhores indícios da
validade do trabalho” (CPII, 1985, p. 134), inferimos que a implicação pessoal com a
literatura e o desfrute do texto literário são duas atitudes que o PGE (1985) destaca.
Desse modo, vimos que o PGE de 1985 prioriza o LER, o DIZER(-SE) e o CRIAR.
Ele confere mais ênfase ao ler e criar. No que se refere ao ler e criar, as ações aparecem na
integração que a disciplina tentou promover entre a Literatura e as Artes Plásticas, como
também em um dos objetivos do plano: “trabalhar todas as formas de expressão verbal ou
não” (CPII, 1985, p. 133). O trabalho com todas as formas de expressão inclui a palavra
escrita e as demais formas, principalmente, as artes plásticas. O ponto nodal da disciplina era
“o processo de criação, recriação e transformação de textos, narrativas orais” (CPII, 1985, p.
134). Portanto, criar era uma ação muito presente. A intenção de desenvolver a criação do
aluno é perceptível em um dos objetivos referentes ao trabalho específico com a Literatura e
140
as Artes Plásticas: “desenvolver as potencialidades criativas globais do aluno” (CPII, 1985, p.
133).
A proposta curricular de 1985 era mais aberta do que é atualmente e o objetivo de
apoiar a Língua Portuguesa vincula-se ao conceito de educação literária proposto por Colomer
(2009, p. 74). A educação literária é a aprendizagem de interpretação dos textos. Daí a
presença da interpretação e da produção textual.
Com o PPP (CPII, 2008) houve uma reestruturação da proposta curricular. Que
conhecimentos os alunos deveriam ter para se tornarem leitores críticos? A última proposta
mostra que há a preocupação em compartilhar conhecimentos mínimos ligados à esfera dos
gêneros literários, o que estava pouco presente no PGE (CPII, 1985). Nele o enfoque estava
na fabulação e na criação artística. O PPP (CPII, 2008) tenta juntar a fabulação e a criação
com tais conhecimentos acerca da literatura. Acreditamos que essa mudança representa uma
ampliação.
Quanto ao corpus estabelecido na proposta curricular, os textos poéticos (acalantos,
cantigas de roda, quadrinhos, trava-línguas, canções populares e poemas de autores
contemporâneos) são estudados somente no 1º, 2º e 3º ano.
Os textos narrativos são estudados do 1º ao 5º ano. Eles são os contos de fadas, contos
maravilhosos, narrativas contemporâneas, lendas, fábulas, contos fantásticos, narrativa mítica,
provérbios, quadrinhos e crônicas. O 1º e o 2º ano trabalham os mesmos textos narrativos:
contos de fadas, contos maravilhosos, narrativas contemporâneas, lendas e fábulas. O 3º ano
trabalha, além dos gêneros já listados acima, os contos fantásticos, que são estudados somente
neste ano escolar. O 4º ano estuda, além da narrativa contemporânea, a narrativa mítica,
provérbios e quadrinhos. O 5º ano trabalha a narrativa contemporânea, a narrativa mítica,
provérbios, quadrinhos e crônicas. Vale ressaltar que as crônicas são estudadas somente neste
ano escolar. O gênero trabalhado todos os anos é a narrativa contemporânea. No que se refere
ao texto dramático, o documento indica que este deve ser trabalhado somente no 5º ano.
Observando os gêneros literários da proposta curricular, observamos que ela apresenta
a mesma concepção de literatura de Candido (2004). Os livros para crianças e jovens
pertencem a um amplo sistema simbólico que inclui todas as “criações de toque poético,
ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura,
desde o que chamamos folclore, lenda, chiste, até as formas mais complexas e difíceis da
produção escrita das grandes civilizações” (CANDIDO, 2004, p. 16).
Refletindo sobre o nível de detalhamento do corpus no currículo, vemos que ele não é
muito detalhado. Há prescrição dos gêneros literários, mas não há uma lista com os autores e
141
obras básicas para serem compartilhadas com os alunos do EFI. Acreditamos que prescrever
um corpus básico de leitura é importante.
O CPII privilegia a LIJ, incluindo seus clássicos e as produções contemporâneas. A
importância dada aos clássicos, às produções atuais e aos contos tradicionais é observada no
documento quando este indica que sejam lidos “poemas de autores contemporâneos” e
“narrativas contemporâneas” (CPII, 2008, p. 128). Além disso, na seção Metodologia afirma-
se que “Os contos clássicos e contemporâneos” contribuem “para o desenvolvimento do
espírito crítico na criança.” (CPII, 2008, p. 130), o que é um dos objetivos específicos do
trabalho. Os contos tradicionais aparecem na seção Conteúdos quando se explicita que “o
conteúdo de Literatura abrange: (...) as lendas e contos populares oriundos de várias culturas”
(CPII, 2008, p. 127).
O livro é concebido como um dos eixos de trabalho, além do texto literário. Contudo,
o livro de literatura conta com “recursos auxiliares”, como enciclopédias, revistas, jornais,
TV, rádio, vídeos, fitas de áudio, filmes, CD e computador (CPII, 2008, p. 130).
No currículo do CPII os gêneros prediletos são os que se referem à narração; em
segundo lugar, à poesia; e, em terceiro, ao teatro. Os textos narrativos são estudados durante
todo o EFI, e a poesia, somente nos três primeiros anos dessa etapa da educação básica. O
teatro entra no currículo de Literatura apenas no último ano do EFI, no 5º ano. Todavia, a
proposta de realizar dramatizações do texto literário está presente no 1º e no 2º ano.
Atualmente, no campo da literatura, há estudos e produções literárias acerca do livro álbum,
também conhecido como livro de imagem e livro ilustrado. Na análise do currículo do colégio
não foram encontradas referências a ele. Porém, a ilustração marca forte presença.
Dessa maneira, o corpus estabelecido no currículo de Literatura do CPII (PPP, 2008)
privilegia a literatura tradicional, os clássicos da LIJ e as produções atuais. Na proposta
curricular de 1985 é possível apenas fazer uma aproximação com o corpus literário
privilegiado. Na seção Proposta metodológica, o trecho “O ponto nodal das atividades
integradas será o processo de criação, recriação e transformação de textos, narrativas orais”
(CPII, 1985, p. 134) indica que, possivelmente, a literatura tradicional era privilegiada no
currículo, e ainda que a narrativa fosse uma tipologia abordada.
Os textos estão organizados de acordo com a tipologia textual (poético, narrativo e
dramático). Os que pertencem a cada uma dessas tipologias estão classificados de acordo com
a sua estrutura ou intencionalidade. Os critérios de seleção dos textos não estão explícitos.
Eles estão presentes, nas entrelinhas, em diferentes partes do texto, principalmente nas
competências específicas. Em Fittipaldi (2013, p. 319-320) encontramos quatro critérios de
142
seleção de textos: diversidade cultural, multiplicidade de suportes de leitura, capacidade dos
textos de adequarem-se à idade, aos interesses e às competências dos leitores e o tipo de
leitura que podem propiciar os textos e esses critérios também foram identificados nas
propostas curriculares de Literatura do CPII.
A diversidade cultural está presente na competência geral “Compreender variadas
manifestações do comportamento humano e a existência de diferenças culturais, através da
Literatura” (CPII, 2008, p. 123). Ela também aparece nas competências específicas
“identificar, no texto, elementos que expressam diferenças culturais” e “compreender e
respeitar essas diferenças, superando preconceitos e valorizando todas as manifestações
culturais” (CPII, 2008, p. 125) e nos conteúdos: “o conteúdo de Literatura abrange (...) as
lendas e contos populares oriundos de várias culturas” (CPII, 2008, p. 127).
A multiplicidade de suportes aparece em “Recursos auxiliares: Enciclopédias, revistas,
jornais, TV, rádio, vídeos, fitas de áudio, filmes, CD, computador” (CPII, 2008, p. 130) e
também está presente nas competências gerais do trabalho: “Identificar a existência de
variados tipos de texto, literários ou não, estabelecendo semelhanças e diferenças entre eles”,
“Estabelecer relações comparativas entre o texto literário e outros textos, literário ou não” e
“Posicionar-se criticamente frente a diversos materiais de leitura com os quais tenha contato”
(CPII, 2008, p. 123).
A capacidade de os textos se adequarem à idade, aos interesses e às competências dos
leitores mais uma vez surgiu nas competências específicas, de maneira mais discreta em
relação aos demais critérios, a saber: “Ler textos adequados à sua idade, vivência e interesse”
(CPII, 2008, p. 125). Esse critério também apareceu na seção dos conteúdos em: “As
narrativas contemporâneas, cujos personagens exercem grande fascínio sobre as crianças, pois
refletem o seu mundo, seus problemas, curiosidades, preocupações” (CPII, 2008, p. 127).
O quarto critério o tipo de leitura que podem propiciar os textos mostrou-se
presente na seção dos conteúdos e da metodologia, quando o documento põe luz sobre a
relevância do texto dramático e poético. O conteúdo de Literatura abrange “teatro,
funcionando como mecanismo de identificação em que são recolocadas para as crianças a sua
experiência e a sua pessoa como objetos, ajudando-a a esclarecer o seu lugar entre as coisas”,
e “a poesia, repleta de sonoridade, ritmo, significação afetiva e imaginativa, que oferece à
criança a oportunidade de experimentar a potencialidade linguística, descobrindo novos
efeitos de sentido” (CPII, 2008, p. 127). Na seção Metodologia esse critério também está
presente por meio da ênfase nos valores e na resistência que os textos literários podem
propiciar, o que pode ser visto no trecho: “Os contos clássicos e contemporâneos apresentam
143
conflitos políticos, sociais, referências à sexualidade, à realidade trágica e muitas vezes cruel
das relações humanas, contribuindo para o desenvolvimento do espírito crítico na criança”
(CPII, 2008, p. 130).
Por fim, nota-se a preocupação com a possibilidade de vinculação com outros textos.
Tal aspecto aparece bastante nas competências tanto gerais quanto específicas, na medida em
que há seis competências que dialogam com essa questão: “Identificar a existência de
variados tipos de texto, literários ou não, estabelecendo semelhanças e diferenças entre eles”;
“Estabelecer relações comparativas entre o texto literário e outros textos, literários ou não”;
“Estabelecer relações entre o texto e a ilustração”; “Relacionar autores e respectivos textos”;
“Estabelecer associações entre imagens e palavras contidas nos textos”; e “Identificar, num
texto, (lido ou ouvido) referência a outros textos” (CPII, 2008, p. 123-126).
A forte presença das competências em uma proposta curricular de Literatura marca
uma contradição. Se as competências (PERRENOUD, 1999) se vinculam ao valor de uso de
cada conhecimento, qual seria o valor de uso da Literatura? Cremos que esta proposta mais
atual oculta uma marca utilitária que identificou o início das aulas de Literatura no CPII. O
PGE (1985), sem a presença das competências, explicitou o objetivo de apoiar a Língua
Portuguesa. O PPP (2008) não apresenta esse objetivo, mas continuou carregando certo valor
de uso com a presença das competências como eixo norteador da proposta.
O saber que a competência pretende valorizar não se refere ao saber humano ou ao
saber de experiência. O saber da experiência ensina a viver humanamente. O professor, nesta
acepção, permite uma relação com o texto, uma abertura. Isso não quer dizer que ele somente
administre o ato de leitura ou que deixe os alunos lendo. O professor tenta fazer com que a
leitura seja uma experiência. O sujeito da experiência não se forma para agir e resolver tão
somente problemas do cotidiano. Ele se experimenta. Ele está em permanente criação. Essa é
uma forte contradição entre a última proposta curricular e o objetivo de formar leitores
críticos. A tensão entre Leitura e Utilitarismo e Leitura e Experiência/Formação fica vigorosa
com o conceito de competência dando norte ao trabalho pedagógico com a literatura na
escola.
5.2.4 Propostas de aproximação ao texto literário
Quanto aos modos de aproximação ao texto literário, há o predomínio das atividades
de leitura. As práticas de leitura direta de textos literários aparecem para os textos poéticos e
narrativos. Para o texto dramático há duas competências específicas que explicitam como
144
deve ser o estudo desta tipologia: “Identificar alguns elementos constituintes do texto
dramático” e “Identificar os principais elementos externos utilizados para a apresentação do
texto dramático” (CPII, 2008, p. 126). No estudo dos textos poéticos está implícito que é o
professor quem lê o texto literário. Ao aluno cabe a realização de atividades ligadas,
principalmente, à expressão oral, plástica e corporal. No que se refere aos textos narrativos, a
tarefa de ler o texto passa a ser dividida com o aluno. No 1º e 2º ano o aluno ouve a leitura do
professor. A partir do 2º ano o aluno também lê o texto. No 4º e 5º ano não há menção sobre a
leitura. No estudo da proposta curricular observamos que há variedade nos modos de abordar
o texto literário:
Para o 1º, 2º e 3º ano: Expressar-se oralmente, plasticamente e corporalmente. Para o 1º e 2º ano: Ouvir, recontar e dramatizar.
Para o 2º e 3º ano: Escrever textos pequenos e ler.
Para o 3º ano: Recortar e recriar textos poéticos.
Para o 4º ano: Escrever histórias em quadrinhos (CPII, 2008, p. 129).
Para o 5º ano há pouca explicitação sobre os modos de aproximação ao texto literário.
Todavia, quando o documento se refere às competências específicas, encontramos trechos que
podem nos dar ideia do modo como o texto dramático e as crônicas devem ser estudados. Três
competências nos informam que o aluno deve “Identificar alguns elementos constituintes do
texto dramático”, “Identificar os principais elementos externos utilizados para a apresentação
do texto dramático” e “Identificar características estruturais de crônicas” (CPII, 2008, p. 126).
O tipo de atividade pedagógica que prevalece do 1º ao 5º ano é a leitura e o dizer sobre
o texto literário, pois os alunos devem caracterizar personagens, ambientes, ações; identificar
ações, narrador, personagens, semelhanças e diferenças; contextualizar o texto. Há também
espaço para o criar, mas ele é menos intenso em comparação com as demais ações. Os alunos
devem criar personagens.
Quando a proposta curricular discrimina as atividades pedagógicas de cada ano, vemos
que há preponderância do criar nas atividades propostas para o 3º e o 4º ano, os quais,
respectivamente, devem recortar e recriar textos poéticos e escrever histórias em quadrinhos.
Já para o 1º e 2º ano encontramos a tríade, já mencionada acima, no PGE de 1985, do ler,
dizer(-se) e criar. A tríade parece estar mais presente no texto do PGE de 1985 porque,
embora cada uma dessas ações esteja presente ao longo do texto do PPP, aparecem juntas
somente nas atividades propostas para o 1º, 2º e 3º ano: ouvir, recontar e dramatizar. Nos
demais anos escolares as ações surgem de modo mais disperso.
Nesses diferentes modos de aproximação ao texto literário nota-se a importância dada
à contextualização do texto na seção Conteúdos: “contexto no qual o texto foi produzido”
(CPII, 2008, p. 127). Contudo, não se pode afirmar que há preocupação explícita com a
145
contextualização das atividades propostas e com a inter-relação entre as diferentes atividades.
Pode-se, sim, dizer que há intenção de que as tarefas sejam significativas para o aluno,
conforme indica um dos princípios metodológicos apontados na Metodologia:
“estabelecimento de propostas lúdicas e agradáveis que conduzam a criança a um contato
prazeroso e à identificação com a Literatura” (CPII, 2008, p. 130).
Nas propostas curriculares de Literatura do EFI do CPII (1985 e 2008) não há ênfase
ao trabalho com suportes diversos. Há, conforme já mencionado, uma breve seção, intitulada
Recursos auxiliares em que os diferentes suportes de leitura estão listados (CPII, 2008). No
que se refere ao trabalho colaborativo não há menção.
Encontramos no PPP (CPII, 2008) referência à leitura individual e compartilhada, à
escrita literária e às atividades de expressão oral, plástica e corporal. Com base no documento
não se pode analisar se a escrita literária está ligada à cópia, à redação, ou que lugar ocupa em
relação aos projetos coletivos de escrita, isto é, se há tais projetos e, havendo, se ocupa ou não
um lugar de relevância. Há referência à importância de ouvir textos literários. O PPP deixa
claro que essa atividade deve acontecer, principalmente, no 1º e 2º ano. Subentende-se que os
alunos ouvem a leitura dos textos literários durante todo o EFI. Embora não haja nenhuma
seção dedicada a essa questão, ela está presente como uma competência específica do eixo
texto: “Ouvir com atenção” (CPII, 2008, p. 125). No CPII a recitação não é mencionada
claramente. Contudo, pode ser considerada como uma possibilidade quando são prescritas
atividades de expressão oral (CPII, 2008, p. 129).
Nas propostas curriculares das aulas de Literatura do CPII para o EFI (1985 e 2008)
observa-se a coexistência de duas perspectivas de trabalho: a formação do hábito leitor e a
aprendizagem da interpretação. Contudo, pode-se afirmar que há a prevalência da perspectiva
da aprendizagem da interpretação.
De acordo com o objetivo geral do trabalho, “Formação de leitores capazes de
reconhecer as sutilezas, as particularidades, os sentidos, a extensão e a profundidade das
construções literárias”, a perspectiva da formação do hábito leitor se faz presente. Isso
também pode ser visto no objetivo específico de “Incorporar o texto literário às práticas
cotidianas na sala de aula” (CPII, 2008, p. 123).
No trabalho de reconhecer as sutilezas, as particularidades, os sentidos, a extensão e a
profundidade das construções literárias vê-se a perspectiva da aprendizagem da interpretação
também presente nos objetivos específicos:
- Reconhecer a especificidade do texto literário e as inúmeras possibilidades de
apropriação de seus elementos;
146
- Oportunizar ao aluno o contato com diferentes linguagens e não apenas com a
linguagem-padrão, de uso social;
- Estimular o gosto pela leitura auxiliando a criança a acelerar o seu processo de
maturação, através da relação real/imaginário;
- Possibilitar o desenvolvimento das estruturas mentais, através do estabelecimento
de relações, tais como: eu/outro, eu/as coisas verdadeiras/as coisas inventadas, e do
contato com diferentes tipos de tempo e espaço, fazer a criança refletir sobre os
problemas de seu tempo, levando-a a desenvolver o espírito crítico (CPII, 2008, p.
123, grifos nossos).
Observa-se a presença dessa perspectiva de modo mais concreto nos conteúdos. Os do
eixo livro são autoria, ilustração, diagramação, recursos gráficos, paginação, editora, edição e
contexto em que o livro foi produzido. Os do eixo texto são texto poético, narrativo e
dramático. Inclui-se ainda o estudo dos elementos constituintes dos textos poéticos
(sonoridade, ritmo, forma, versos e estrofes) e a exploração da relação palavras-imagens. Tal
perspectiva também é encontrada nas atividades pedagógicas propostas de recontar partes,
dramatizar, escrever e ler pequenos textos, criar novas histórias, produzir histórias em
quadrinhos e recriar textos poéticos.
Por fim, podemos ainda vê-la nas aprendizagens literárias, como na caracterização,
criação, construção e identificação de personagens; identificação de ações; contextualização
no tempo e no espaço do texto; caracterização do ambiente; identificação do narrador;
apresentação do narrador enquanto personagem do texto; identificação de semelhanças e
diferenças entre os diferentes tipos de texto; identificação da sequência lógica das narrativas;
identificação dos sistemas de significação não linguísticos e relação entre os temas e os
valores mais presentes nos textos.
Observamos na proposta curricular de 2008 a forte presença de dois enfoques de
trabalho. Um acerca das estratégias de leitura e escrita literárias (cognitivo) e outro sobre
questões estético-linguísticas. O enfoque cognitivo pode ser visto nos objetivos e nas
competências literárias. Nos objetivos específicos o documento propõe “Estimular o gosto
pela leitura auxiliando a criança a acelerar o seu processo de maturação, através da relação
real/imaginário” e “Possibilitar o desenvolvimento das estruturas mentais, através do
estabelecimento de relações, tais como: eu/outro, eu/as coisas verdadeiras/as coisas
inventadas e do contato com diferentes tipos de tempo e espaço” (CPII, 2008, p. 123).
Nas competências gerais recomenda-se “Estabelecer relações entre o texto e o
contexto no qual o texto foi produzido” e “Interpretar o texto, desvendando a sua estrutura e
descobrindo nas entrelinhas o subentendido e o interdito” (CPII, 2008, p. 123). Das quarenta e
quatro competências específicas listadas, trinta e quatro se referem às estratégias de leitura e
escrita literárias (CPII, 2008, p. 124-126), a saber:
147
Eixos Competências específicas
Livro Identificar algumas características de estilo do autor.
Reconhecer que existem textos que pertencem à tradição oral.
Estabelecer diferenças entre textos autorais e os que pertencem à tradição oral.
Identificar dados biográficos de autores significativos de literatura infantil.
Estabelecer relações entre o texto e a ilustração.
Reconhecer a ilustração como uma das possibilidades de interpretação do texto.
Reconhecer a ilustração como uma das possibilidades de recursos narrativos.
Reconhecer a ilustração como um recurso para a ampliação das possibilidades do sentido do texto.
Identificar diferentes recursos utilizados para a ilustração de textos.
Perceber que a distribuição adequada do texto e das ilustrações, no livro, facilita a compreensão da
leitura.
Reconhecer a paginação como um recurso para ampliar as possibilidades de sentido do texto.
Identificar coordenadas espaço-temporais do texto.
Texto Recontar textos obedecendo à sequência lógica dos fatos.
Identificar personagens primários e secundários.
Identificar as ações dos personagens.
Caracterizar personagens.
Criar personagens.
Identificar os elementos que compõem o ambiente dos textos apresentados, caracterizando-os.
Identificar a existência do narrador.
Identificar a existência do narrador enquanto personagem.
Perceber, num texto poético, as similaridades de sons (rimas), as repetições de sons (aliterações) e as
onomatopeias.
Perceber outros elementos constituintes do texto poético: versos e estrofes.
Estabelecer associações entre imagens e palavras contidas nos textos.
Modificar letras de canções conhecidas, cantigas de roda, poemas musicados.
Produzir textos poéticos.
Identificar alguns elementos constituintes do texto dramático.
Identificar os principais elementos externos utilizados para a apresentação do texto dramático.
Identificar características estruturais de crônicas.
Identificar os elementos estruturais dos quadrinhos: balão, onomatopeias, requadros, expressão facial
e corporal dos personagens.
Produzir histórias em quadrinhos, usando os elementos identificados.
Perceber semelhança e diferença entre os diferentes tipos de textos.
Identificar, num texto, (lido ou ouvido) referência a outros textos.
Modificar a estrutura dos textos, introduzindo novos elementos.
Produzir novos textos, partindo de outros textos já conhecidos.
Quadro 2. Competências específicas ligadas às estratégias de leitura e escrita literárias.
O PPP (2008) aponta para dois eixos norteadores do trabalho, o livro e o texto, o que
nos leva a inferir que ler é a primeira ação com a literatura em sala de aula. Observamos que
há predomínio das atividades de leitura, na medida em que a leitura direta dos textos literários
aparece quando o currículo trata dos textos poéticos e narrativos.
Nas competências gerais e específicas os alunos devem aprender a relacionar textos;
posicionar-se criticamente, isto é, o ler e o dizer entram em relação. O dizer está presente nas
148
competências específicas acerca do texto dramático e das crônicas e em todas as competências
específicas relativas ao eixo livro. O dizer(-se) aparece quando o aluno deve: identificar,
reconhecer, estabelecer, reconhecer, perceber. Estas são as ações propostas para o eixo livro.
Se o eixo livro está mais ligado ao dizer, o eixo texto está ao dizer(-se) e o criar:
recontar, identificar, caracterizar, criar, perceber, estabelecer, modificar, produzir. As
atividades propostas devem ser de expressão oral, plástica e corporal, em especial para os
alunos do 1º, 2º e 3º anos.
A presença das questões estético-linguísticas aparece em diferentes seções no PPP
(2008). Quando a proposta aborda o conceito de literatura, ele já nos revela o valor conferido
às construções literárias:
Cremos que o texto literário é aquele que permite mais do que uma representação de
si, ele nos oferta múltiplas possibilidades de re-apresentação do real. Eis porque,
para ser lido, ele implica uma re-escrita, solicita uma outra escritura. O modelo do
texto literário é produtivo na medida que só se configura como literário através de leituras que o reescrevem e o compreendem como “coisa viva”, capaz de operar
deslocamentos na linguagem e no sentido em geral (CPII, 2008, p. 121).
Também encontramos essas questões no objetivo geral do trabalho: “Formação de
leitores capazes de reconhecer as sutilezas, as particularidades, os sentidos, a extensão e a
profundidade das construções literárias”; e no específico de “Reconhecer a especificidade do
texto literário e as inúmeras possibilidades de apropriação de seus elementos” (CPII, 2008, p.
123). Quando o documento especifica o conteúdo relativo à poesia nos revela mais uma vez
tal perspectiva: “a poesia, repleta de sonoridade, ritmo, significação afetiva e imaginativa, que
oferece à criança a oportunidade de experimentar a potencialidade linguística, descobrindo
novos efeitos de sentido” (CPII, 2008, p. 127).
O PPP de 2008 não apresenta a linha de força Leitura e Utilitarismo. Contudo, mantém
a tensão entre as linhas Cidadania, Ilustração, Experiência/Formação e Ludismo. A cidadania
aparece na competência geral “Compreender variadas manifestações do comportamento
humano e a existência de diferenças culturais, através da Literatura” (CPII, 2008, p. 123); nas
específicas “identificar, no texto, elementos que expressam diferenças culturais” e
“compreender e respeitar essas diferenças, superando preconceitos e valorizando todas as
manifestações culturais” (CPII, 2008, p. 125); e nos conteúdos: “o conteúdo de Literatura
abrange (...) as lendas e contos populares oriundos de várias culturas” (CPII, 2008, p. 127). A
questão da diversidade cultural passa pela linha de força Leitura e Cidadania, no sentido de
afirmação do ser social no seu direito humano. A compreensão de que há diferentes
manifestações do comportamento humano e que há diferentes culturas leva ao respeito a tais
diferenças, superando preconceitos e valorizando todas as manifestações culturais. É com a
149
literatura que o cidadão também constrói a consciência da vida em sociedade. Neste ponto o
outro conceito de cidadania (civismo, valores para a convivência harmônica), presente no
PGE de 1985, perde espaço.
O PPP (2008) mostra a preocupação de o aluno aprender a estabelecer relação com
outros textos, o que exige um repertório amplo do leitor. Essa questão aparece bastante nas
competências gerais e específicas, na medida em que há seis competências que tratam dela:
“Identificar a existência de variados tipos de texto, literários ou não, estabelecendo
semelhanças e diferenças entre eles”; “Estabelecer relações comparativas entre o texto
literário e outros textos, literários ou não”; “Estabelecer relações entre o texto e a ilustração”;
“Relacionar autores e respectivos textos”; “Estabelecer associações entre imagens e palavras
contidas nos textos”; e “Identificar, num texto (lido ou ouvido) referência a outros textos”
(CPII, 2008, p. 123-126). Relacionamos essa preocupação com a linha de força Leitura e
Ilustração, na medida em que, por meio dessas competências e dos conteúdos, vamos sabendo
quais conhecimentos o leitor em formação deve construir. Afinal de contas, esse leitor deve
ser culto e se apropriar do saber construído historicamente, conforme aponta uma das
finalidades do colégio. Alguns desses saberes são: autoria, ilustração, diagramação, recursos
gráficos, paginação, editora, edição, contextos em que o livro foi produzido. Além disso, os
que se referem ao texto são: texto poético (acalantos, cantigas de roda, quadrinhos, trava-
línguas, canções populares e poemas de autores contemporâneos), texto narrativo (contos de
fadas, contos maravilhosos, narrativas contemporâneas, lendas, fábulas, contos fantásticos,
narrativa mítica, provérbios, quadrinhos e crônicas) e texto dramático (CPII, 2008, p. 124-
127).
Na mesma direção dessa linha de força, verificamos a presença da Leitura e
Experiência/Formação no objetivo geral do projeto: “Formação de leitores capazes de
reconhecer as sutilezas, as particularidades, os sentidos, a extensão e a profundidade das
construções literárias” (CPII, 2008, p. 24). Nesta síntese está clara a intenção da equipe de
literatura em marcar a especificidade do trabalho pedagógico, como também está implícita
uma concepção de leitor. Leitor é aquele capaz de reconhecer as sutilezas, as particularidades,
os sentidos, a extensão e a profundidade das construções literária. Ademais, no objetivo
entram as palavras formação e sentido, o que conduz o trabalho para a Experiência/Formação.
Leitura como produção de sentidos e experiência como a formação do leitor. No PPP (CPII,
2008, p. 123) já não encontramos objetivos específicos que mencionem questões atitudinais.
A mudança de perspectiva de trabalho de 1985 para 2008 é significativa. A literatura não está
vinculada ao civismo e à construção de valores de convivência (solidariedade, respeito). A
150
literatura é para formar. O trabalho deve possibilitar o estabelecimento de relações, como:
eu/outro, eu/as coisas verdadeiras/as coisas inventadas, e do contato com diferentes tipos de
tempo e espaço fazer a criança refletir sobre os problemas de seu tempo, levando-a a
desenvolver o espírito crítico. De acordo com essa perspectiva o enfoque está no
autoconhecimento, nas vivências significativas, na produção de sentidos.
Com base na primeira proposta curricular de Literatura (CPII, PGE, 1985) e na última
(CPII, PPP, 2008) nós chegamos ao final deste capítulo compreendendo melhor o lugar que a
Literatura ocupa no colégio, os objetivos de trabalho, como a literatura é concebida, os
conhecimentos literários privilegiados, como se dá a progressão das aprendizagens, o corpus
recomendado e os modos de aproximação com a literatura. Passemos, agora, às aulas de
literatura: o que dizem e o que fazem as professoras?
151
6 AULAS DE LITERATURA NO COLÉGIO PEDRO II: ENTRE CONCEPÇÕES E
PRÁTICAS
Uma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos, e a fruição da arte e
da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável.
CANDIDO, 2004, p. 33
O capítulo anterior buscou analisar as propostas curriculares de Literatura do CPII de
1985 e de 2008 a fim de articulá-las com as aulas de Literatura. O que dizem e o que fazem as
professoras? O que acontece nas aulas de literatura? Apresentaremos as respostas conforme as
categorias que guiaram as entrevistas, as quais dão nome às seções deste capítulo.
6.1 A literatura no cotidiano do professor: o seu lugar, as leituras e os critérios de
seleção
A literatura no cotidiano da coordenadora Renata teve origem no seu interesse pessoal:
“A minha história como leitora começou por meu interesse mesmo. A minha mãe era, sabe
aquela vontade que os pais têm que os filhos superem os próprios pais?”. Ela relata que, como
sua mãe era muito pobre e não conseguiu aprender música, o que era valorizado na época,
colocou-a para aprender a tocar piano. Sua mãe também quis ter aprendido outra língua, e
devido a essa vontade inscreveu Renata na Cultura Inglesa. Renata conta que sua mãe foi
também a responsável pela compra dos seus primeiros livros: “O meu amigo de infância foi O
Mundo da Criança, aquela coleção. Tem lá no Pedro II uma. O Mundo da Criança foi a minha
entrada na leitura”. Vemos na preocupação da mãe de Renata a marca da leitura como
ilustração e como ascensão social. Ela queria que a filha fosse culta. Na época isso significava
saber tocar um instrumento (piano), falar uma língua estrangeira (inglês) e ler livros (Coleção
Mundo da Criança).
Renata relatou que aprendeu a ler com cinco anos e estudou “num colégio particular
que era bom. Mas bom entre aspas, né? Depois que eu fui ser professora, eu fui ver o quanto
ele não era bom. Eu nunca vi uma biblioteca lá. Era um colégio que não tinha biblioteca.
Minha biblioteca era a Coleção Mundo da Criança”. Ela contou que, no final do ano, o
colégio realizava uma festa chamada Festa da Aplicação. Na festa os alunos que atingiam
médias acima de setenta ganhavam livros de presente da direção da escola. Também se tratava
de uma festa de talentos. Renata lembra que ganhou medalha e livro durante todo o EFI: “Eu
152
ganhei o Sargento verde, eu ganhei A princesa Raio de Sol, e por aí vai. Todo ano. Eu ganhei
os quatro anos. Depois, eu saí de lá e fui para o Pedro II. Mas eu gostava de ler por mim
mesma”. Ela reconhece que a Festa da Aplicação era um evento que reconhecia o esforço
intelectual dos alunos, mas tinha a marca da meritocracia embutida.
Renata disse que não teve nenhum incentivo maior, exceto pela Coleção Mundo da
Criança: “Eu sou uma leitora, mas menos do que eu gostaria. Eu leio muito jornal, eu leio, eu
tenho assinatura de jornal, leio jornal diariamente. Eu me lembro muito do meu pai. Meu pai
não era um homem de livros. Ele era um homem do jornal”. Ela continua: “No domingo meu
pai comprava três jornais, o Correio da Manhã, o Diário da Noite e o Jornal do Brasil.
Acordava às 8h da manhã, lia e, enquanto não acabava de ler os três jornais, não levantava da
cama. Por volta das 11h, 12h, ele terminava e a família se arrumava para ir almoçar fora e ir
ao cinema ou à praia”. Ela reconhece que o seu hábito de ler jornais tem relação com o seu
pai. O pai de Renata era um homem culto, ilustrado. Com a aposentadoria, Renata também se
tornou uma mulher de jornais, e menos de livros. Quando trabalhava, era o contrário devido à
necessidade de encontrar livros para as suas aulas.
Embora se considere mais leitora de jornal, Renata afirmou que também lê livros. Ela
se prometeu ler em 2015, ano da entrevista, um livro por mês. Disse que Pedagogia do
oprimido (Paulo Freire) está na fila para a leitura e que, por incrível que pareça, nunca leu
esse autor. Segundo Renata, tem muitos livros que ela quer ler. Ela olha a lista do jornal O
Globo, no caderno “Prosa e Verso”, e pensa: “quero ler esse livro”. Ela gosta de folhear os
livros: “ir, manusear, entro na Livraria da Travessa, dou uma olhada...”. Na sua casa lê num
canto da sala.
Portanto, a LIJ exerceu um importante papel na vida de Renata durante o seu período
escolar tanto como aluna quanto como professora. Com a aposentadoria, a literatura passou a
não ocupar um lugar central. Contudo, lê diariamente. Ela é uma pessoa bem formada e
informada.
Já a outra coordenadora, Sandra, talvez porque esteja na ativa na escola, tem a
literatura como um lugar central no seu cotidiano: “durante o período em que eu estou
trabalhando, eu leio muito literatura infantil. Eu gosto demais de literatura infantil. Não acho
uma leitura menor nem maior”. Ela relata que quando está de férias lê os livros que ganha.
Diz que as pessoas dão livros para ela não só porque é professora de Literatura, mas também
porque sabem da sua preferência. No período de férias a literatura lida é a mais direcionada
para os adultos. Entre os livros que são dados de presente para Sandra tem “restrições com
esses livros de autoajuda porque eu, não sei, assim, eu tenho preguiça de ler”.
153
O critério de escolha das leituras tem relação com o dia a dia da Sandra e com a
maneira como ela imaginou que poderia compartilhar com as crianças o livro lido. Ela adora
quando descobre algum texto que considera interessante. Sente vontade de “aplicar na turma”.
Observamos nas aulas que os livros selecionados por Sandra apresentam muitas
possibilidades de produção de sentidos. Então, quando ela se refere à aplicabilidade de um
livro é no sentido de ele poder ser lido e possibilitar desdobramentos nas aulas de literatura,
como pode ser notado no evento a seguir que aconteceu na turma do 1º ano:
Com as crianças em roda, Sandra disse: “Vou contar uma história que tem um
animal. Vocês vão ter que adivinhar. Ele voa. Não nasce voando.” As crianças
adivinharam que era a borboleta. “Como virou lagarta? Essa escritora foi a mesma
que escreveu a história da última aula. Quem era?” As crianças falaram Ana Maria
Machado e depois, Ruth Rocha. Uma aluna disse: “Essa autora também escreveu o
livro Quem tem medo de quê?” Os alunos assistiram em seguida a um vídeo
informativo sobre a transformação da lagarta em borboleta. As crianças o relacionaram com experiências que já tiveram com borboletas. Depois, a professora
leu “A primavera da lagarta”, de Ruth Rocha. Antes de iniciar a leitura, Sandra
explicou um pouco sobre o livro. Durante a leitura, perguntou: “Quem eram os
caçadores?” Os alunos responderam: joaninha, louva a deus, formiga etc. Ela
perguntou: “Por que será que eles não estavam encontrando a lagarta? Disse o
camaleão que mudava sempre de...”. Ao final do livro, há um texto informativo
sobre a transformação da lagarta em borboleta. Sandra leu e chamou a atenção para a
relação dele com o vídeo exibido no início da aula. Neste momento, uma aluna se
manifestou, dizendo que viu “um vídeo no Disney Chanel que o menino pediu ajuda
para a lagarta”. A professora continuou e perguntou: “A Ruth Rocha para escrever
esse livro ela pegou informações onde?” Uma aluna respondeu: “Em vídeos,
revistas, livros”. Em seguida, Sandra perguntou “A gente sofre metamorfose? Tem outro animal que vocês conhecem que sofre metamorfose? Qual?” Vários alunos
responderam: “O sapo!” Os alunos contaram suas vivências com sapos. Ao final, a
professora queria que eles brincassem com uma borboleta. Ela entregou uma folha
com pontos para serem ligados numa sequência numérica. Após ligarem os pontos,
os alunos teriam o desenho de uma borboleta. Depois pintaram a borboleta,
recortaram e colocaram um palito no verso dela. Enquanto faziam a atividade final,
vários alunos teceram comentários: “toda tarde na sala da minha casa aparece uma
borboleta. Tem uma toda laranja com listras pretas”, “Eu tô imaginando uma
borboleta falando comigo. As borboletas são incríveis”, “Ela vai voar e virar um
pássaro que vai até o arco-íris”, “se eu fosse uma borboleta, e estivesse por aí no sol
voando pegando aquele ventinho, aquela liberdade” (Caderno de campo, 12/12/14, coordenadora Sandra, 1° ano).
No caso deste livro o desdobramento foi em relação a informações sobre a
metamorfose da lagarta. Mas o livro foi escolhido pela equipe docente pela qualidade literária,
o tema, a extensão do texto e o autor. Sandra traz propostas para as professoras e, junto delas,
seleciona os livros que para a equipe possam promover vivências significativas e possibilitar a
produção de sentidos pelos alunos. Talvez a mesma ideia possa ser conferida a ela quando
trata das suas leituras. Quando ela afirma que não gosta de ler livros de autoajuda, talvez seja
porque ele apresenta o sentido único da mensagem e pouca abertura para o imaginário.
Desde criança a literatura ocupa um lugar de destaque na vida da professora Mariana.
“Desde muito pequena possuía um variado grupo de contadores de histórias em minha
154
família; meus pais, avós, uma tia especial com dons para os contos gregos e uma querida
empregada baiana que conhecia os mais arrepiantes casos de assombração de sua terra”. Seu
pai tinha uma biblioteca bem grande, era professor, escritor, poeta e pesquisador. Ele criava
suas próprias histórias para Mariana e “trazia os melhores livros e coleções disponíveis para
casa”.
A presença de um grupo variado de contadores de história na vida da Mariana mostra
como a narrativa estava presente na sua casa. Seu pai, culto, possibilitou o acesso aos
melhores livros da época e a leitura literária se constituiu como experiência e formação. Por
ter sido criada nesse ambiente, Mariana afirma que “não é de se admirar que hoje seja a
leitura” a sua “grande companheira”. Atualmente, ela escolhe “livros que ofereçam variadas
emoções”. Busca leituras que possam se constituir como experiência de vida. Mariana
apresenta como principais leituras os “contos, crônicas, ficção, clássicos da literatura, entre
outros”. “De qualquer forma, seja o estilo que for”, Mariana afirma precisar “ler todos os
dias”. A leitura é um momento significativo.
Observa-se que a professora Mariana e a coordenadora Renata tiveram famílias que
valorizavam a leitura e a instrução. Houve um investimento na formação cultural das filhas, o
que parece ter tido relação com suas escolhas profissionais.
Na vida da professora Cláudia a literatura ocupa um lugar de lazer. Para que haja o
encontro entre ambas, Cláudia pensa que precisa estar inteira nessa relação: “Em minha vida,
a literatura está associada aos momentos de lazer (...) não destino um tempo ou momento
obrigatório para as leituras. Preciso estar inteira para acontecer o encontro com o outro: o
escritor, a obra”. Entendemos que lazer está em oposição a trabalho. Então, quando lê, ela não
está a serviço de outra ocupação, pois ela precisa se sentir inteira na relação com o escritor e a
obra. Para fabular Cláudia precisa estar fora da obrigação. O contrário acontece com a leitura
para aperfeiçoamento profissional. No momento da entrevista Cláudia estava lendo o livro
Literatura infantil: teoria, análise, didática, de Nelly Novaes Coelho.
Não há leituras principais na vida da professora Cláudia. Ela lê “TUDO que chega” a
ela. “Agora, atualmente, os livros é que chegam até mim, mais do que eu a eles. Acabo de
ganhar dois livros do Xico Sá e uma tradução de Leda Beck para o Pinóquio, de Carlo
Collodi.” Embora leia tudo que chega até ela, Cláudia gosta de ler livros de literatura que
abordem o “estudo das ciências físicas (por isso amo a obra do astrônomo e físico Marcelo
Gleiser, em que costuma citar Copérnico, Keppler... e faz boas considerações sobre religião)”.
Suas preferências de leitura estão mais vinculadas à linha de força Leitura e Ilustração.
155
O critério de seleção dos textos para as aulas passa pelo quanto que o livro pode
inspirar a realização de uma atividade. Além da aula sobre A primavera da lagarta (Ruth
Rocha), observamos a aula com o livro Tanto, tanto, de Trish Cooke (28/03/16, Sandra). O
livro tem como clímax uma festa de aniversário. A atividade final da aula para o 1º ano foi
desenhar uma festa de aniversário dentro de uma dobradura de casa. A festa representada
deveria ser a do aluno. Outra aula para o 1º ano foi construída a partir do livro O menino e o
cachorro, de Simone Bibian (04/04/16, Sandra), que trata de duas histórias com dois pontos
de vista, um do cachorro e outro do menino. A atividade após a leitura e a conversa foi
desenhar uma cena da história promovendo o encontro entre o cachorro e o menino. O que
ocorre é que, embora a intenção seja de propiciar a criação, ligar pontos divertes, não propicia
a criação, e desenhar uma festa e na aula seguinte desenhar novamente repete um modo de
criar. Com isso, por mais que a intenção seja da criação e da fabulação, os modos de criar e o
que criar nem sempre resultam em uma produção que venha da criança, pois acaba sendo
muito direcionada.
6.2 Metodologia nas aulas de Literatura: o ensino-aprendizagem da literatura na escola
Antes do período em que Renata trabalhou como coordenadora pedagógica de
Literatura, as aulas já apresentavam uma estrutura. Primeiro, a equipe elegia um tema e, a
partir dele, planejavam-se as aulas: “Os temas eram trimestrais. Eram três, quatro temas por
ano. Três temas por ano para a gente poder ter bastante tempo para desenvolver. Então, eram
quatro. Depois, eu passei para três porque achei que quatro era pouco tempo, que a criança só
ia lá uma vez por semana”. Os temas permanecem, mas sofreram alterações. Com a nova
coordenação, Renata preocupou-se em manter “as coisas legais e acrescentar outras (...)
avaliar se aquilo vale a pena, se não pode mudar. (...) eu botei grandes autores brasileiros, não
tinha. Esse foi um tema”.
De acordo com Renata, os temas foram considerados o melhor norte de trabalho pelos
professores porque direcionavam a seleção dos livros e dos autores. O critério de seleção dos
livros por meio dos temas perdura. Eles eram escolhidos em função da faixa etária e não
estavam articulados com os temas que as professoras de Língua Portuguesa, Matemática,
Estudos Sociais e Ciências trabalhavam. A equipe de Literatura estabelecia parcerias com
essas outras professoras conforme a demanda. Quando isso acontecia, “fazia um parêntese
naquilo, naquele tema. Uma ou duas aulas” e “pegava aquele tema que a professora solicitou”.
156
Atualmente, essa desvinculação não existe mais. Com os planejamentos integrados,
promovidos trimestralmente, os temas de Literatura entraram em diálogo com as demais áreas
sem estar em uma posição de submissão, mas de diálogo. A desvinculação de que fala Renata
tem relação com a tentativa da equipe de Literatura se manter independente em relação à
Língua Portuguesa. A Literatura queria sustentar a sua especificidade. Embora a Literatura
também pertença ao Departamento de 1º Segmento do EF, ela nasceu misturada com a Língua
Portuguesa. Contudo, a Língua Portuguesa nunca deixou de ser considerada uma disciplina. Já
a Literatura, apesar do histórico, se tornou uma Atividade. Porém, com a entrada de novos
professores com outras experiências pedagógicas e a mudança na direção pedagógica da
escola, esse modo de trabalhar desvinculado precisou ser alterado. Percebeu-se a necessidade
de integração, ao menos temática, entre todas as áreas (Língua Portuguesa, Matemática,
Estudos Sociais, Ciências, Música, Artes, Literatura e Educação Física).
No CPII o ponto de partida não é o itinerário de leituras que já considera o texto e a
idade, bem como as convenções literárias previstas de serem aprendidas. A equipe escolhe
primeiro um tema de interesse. Depois, seleciona os textos, considerando tais convenções.
Mas estas estão em segundo plano. De acordo com Colomer (1994, p. 40-41), é necessário
construir um itinerário de leituras considerando o texto, a idade e as convenções literárias
consideradas apropriadas para serem aprendidas pelo grupo que vai viver a aula de Literatura.
Os temas desenvolvidos na época da Renata foram, por exemplo, família e contos de fadas37
(1º ano), contos (2º ano) e terror (5º ano). Além da definição de temas por ano escolar e
trimestre, a equipe utilizava estratégias variadas para fazer com que o aluno entrasse no texto
literário, como a música e a ambientação da sala.
No caso do 5º ano, com as histórias de terror, os alunos pediam histórias bastante
aterrorizantes. Porém, as professoras não colocavam pessoas decapitadas, sangrando. Renata
contou que falava para os alunos: “Não, isso aí vocês já veem na casa de vocês, na televisão.
A mãe deixa, ótimo! Mas aqui não vai ter histórias tão aterrorizantes”. Ela ainda relatou que
houve uma vez em que as professoras fizeram uma ambientação bem legal da sala. Colocaram
papel preto nas janelas, apagaram as luzes, acenderam velas e botaram caveiras e monstros
pendurados. Elas iam vestidas de preto, nessas aulas, pintavam olheiras nos seus rostos,
passavam batom roxo. Selecionavam músicas clássicas para o som ambiente. Quando as
37 A equipe da disciplina optou pelos clássicos no 1º ano “porque hoje em dia as crianças chegam na escola e não
conhecem Cinderela, Rapunzel, Chapeuzinho Vermelho. Não conhecem! Não contam mais histórias pras
crianças” (Renata).
157
crianças entravam na sala, sentiam medo. Segundo Renata, uma menina ouviu a leitura da
história abraçada na outra.
Renata também conta que no 1º ano também houve uma situação marcante com o
tema família. Ele foi escolhido “porque a criança ainda está muito com o cordão umbilical
sem cortar”. Nesse tema a equipe “contava histórias de criança e de família de bichinhos”, o
que sempre provocava nos alunos uma identificação. Certa ocasião foi lido um livro que
tratava de uma criança que toda a noite ia para a cama do pai por causa de diferentes razões
(frio, fome, sede, medo de monstro). O pai, então, incomodado com a situação, sentou-se para
conversar com o filho e perguntou: “Por que você vai para minha cama?”. O filho respondeu:
“É que eu sinto saudade de você!”. Essa resposta fez o pai perceber que ele não dava muita
atenção para o filho e passou a dedicar mais tempo a ele. Com isso, o filho nunca mais foi
para a cama do pai. Esse livro foi lido para os pais no Projeto Conhecendo o CPII, idealizado
por uma das profissionais do antigo Setor de Orientação Educacional (SOE), atual Setor de
Supervisão e Orientação Pedagógica (Sesop). Renata contou que os pais dos novos alunos
eram convidados a participarem de aulas que os filhos deles viviam. Nesse projeto os pais se
tornavam alunos. Uma das mães que participou do projeto, durante a realização da aula,
perguntou: “Você contou essa história semana passada? Simplesmente ela parou de ir dormir
na minha cama de repente”.
O tema família não está mais na grade temática das aulas de Literatura. O 1º ano
estuda identidade, animais e contos de fadas. No tema identidade, o mais próximo do assunto
família, os livros selecionados têm crianças como protagonistas. Em 2016, por exemplo,
foram lidos os seguintes livros: O menino Nito, de Sandra Rosa e Victor Tavares; Menina
bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado e Rosana Faria; Tanto, tanto, de Trish Cooke;
De bem com a vida, de Bia Hetzel e Mariana Massarani; Ana e Ana (livro animado, Coleção
A Cor da Cultura), de Célia Godoy e Fê; Diversidades, de Tatiana Belinky; Obax, de André
Neves; O menino e o jacaré, de Maté; Grande pequeno, de Blandina Franco e José Carlos
Lollo; O cabelo de Lelê, de Valéria Belém; Bruna e a galinha d’Angola (livro animado), de
Gercilga D‟Almeida e Valéria Saraiva; e O menino e o cachorro, de Simone Bibian e Mariana
Massarani.
O relato de Renata sobre as mudanças de comportamento dos alunos ao vivenciarem
aulas de Literatura mostra o quanto por meio da criação artística a criança aprofunda, alarga e
depura a sua vida emocional (VIGOTSKI, 2008, p. 98). Na mesma direção, Candido (1972, p.
804) afirma que a literatura “exprime o homem e depois atua na própria formação dele”. As
crianças mudam suas atitudes e pensamentos vivendo aulas de Literatura.
158
Renata relatou esse caso também para afirmar sua ideia de que havia necessidade de
garantir o espaço da discussão acerca do livro tanto sobre o tema tratado quanto sobre o autor
e o ilustrador. Segundo ela, foi a discussão do livro que possibilitou a mudança de atitude da
criança do caso relatado acima. Renata considerava importante discutir muito:
Olha, esse livro não é um livro brasileiro. Foi escrito pelo autor X (a gente falava o
nome). Ele é inglês ou ele é francês e teve uma pessoa que traduziu para nossa
língua para vocês poderem ouvir e entender a história. O ilustrador é fulano de tal. O
ilustrador se chama tal. Sabe, para a criança perceber. Esse livro aqui foi feito por
uma pessoa que sabia desenhar. Então, ele foi o ilustrador e foi o autor do texto tal
também para valorizar ambas as pessoas porque passar por uma história e não falar
de quem criou, eu acho um pecado com o autor, né? Principalmente, porque eu já
escrevi livro. (...) achei legal discutir bem a história. Falar sobre aquilo. Se as
crianças tinham alguma vivência parecida com aquela, se conheciam algum caso na
vida real e o que eles achavam daquele comportamento. Fazíamos discussões sobre o perfil psicológico dos personagens (...) como ele terminaria aquela história se ele
fosse o autor. E desenvolvia bastante a oralidade porque eu achava que a oralidade
era uma coisa importante (Renata).
Havia uma preocupação em garantir e respeitar o diálogo sobre o livro. Renata
perguntava: “O que vocês acham disso? Não tem certo e errado. Não fica nervoso ou com
medo de dizer. Diz o que você pensa. Esse espaço aqui é o espaço de liberdade, de criação.
Essa sala aqui é mágica!”. O fato de a Literatura não reprovar era usado como argumento para
incentivar a participação dos alunos.
A ideia de que “cada um recebe o texto de acordo com as suas vivências” também era
usada para estimular a participação deles. Ela argumentava com eles que, se as vivências são
diferentes, cada um receberá o texto de uma maneira, um vai rir, outro, chorar. Além disso, se
colocava como uma professora que não diria que a colocação do aluno estaria certa ou errada.
Vale ressaltar que este discurso é da Renata, coordenadora aposentada da escola que nos
concedeu uma entrevista. É um relato. Não observamos isso, pois ela já não atua mais como
coordenadora de Literatura. Tal entendimento se vincula à linha de força Leitura e
Subjetivismo, que postula que cada leitor tem a sua trajetória e que a leitura é um instrumento
de afirmação da sua individualidade.
Um evento de pesquisa observado, no dia 31/03/16, na aula da professora Cláudia,
mostrou esta questão. A professora leu O menino que comia lagartos, de Mercê López, para
uma turma do 3º ano. A aula começou com a apresentação da autora (francesa, viajou pela
África e é artista plástica). No mesmo momento, uma aluna disse: “fui numa apresentação de
jongo onde havia franceses”. O início da aula foi marcado por uma conversa longa que trazia
elementos da história, um deles o baobá. Nesse momento vários alunos começaram a falar ao
mesmo tempo: “no 2º ano, foi apresentada a foto de um baobá”, “é uma árvore rara, serve
como uma casa, parece uma casa”, “gosto tanto da África que pesquisei no tablet o baobá”, “o
159
tronco é largo e os gravetos são finos”. Outro elemento da história é o tuaregue. A aluna, ao
observar a fotografia que a professora trouxe, disse: “Parece muçulmano”, “Que deserto será
esse? Do Saara?” A professora convidou os alunos a se sentarem em volta de uma fogueira
que ela havia produzido com cartolina e papel colorido. Ela iniciou a leitura do livro. Durante
a leitura, ela parava para explicar uma cena e perguntava: “quem já viveu uma situação
parecida?”, “o que significa o azul?”. Um aluno disse: “Tem um povo que entende que o azul
é fidelidade”. A conversa e a leitura do livro continuaram e culminaram na vivência de uma
cena em que personagens do livro estavam tomando chá. A aula terminou com a produção de
cruzes tuaregues.
Travassos (2013), citada na revisão bibliográfica desta pesquisa, em sua dissertação
tratou da mediação dialógica e destacou estratégias significativas para tal mediação, como: ler
em voz alta; ler fazendo gestos; ler mostrando ilustrações; ler, perguntar e anunciar; ampliar a
compreensão dos ouvintes/leitores sobre elementos de outra época ou ambiente; ler
dramatizando. Segundo a pesquisadora, o professor deve ler sem explicar tudo e traduzir para
os leitores. É necessário deixar espaço para eles perguntarem.
Renata relatou como procurava garantir este espaço:
Teve um dia que a gente contou uma história que a mãe, a mãe fez uns biscoitinhos
para as crianças, eram dois irmãos. Tocaram a campainha era o nome da história!
Tocaram a campainha, aí chegaram mais dois. Aí, as crianças viram que tinham 12
biscoitos que já ia ser 6 para cada um, ia dividir por três. Depois, chegou mais gente,
ia dividir por quatro, por cinco. Daqui a pouco, sobrou um biscoito para cada um.
Mas, como só tinha um biscoito para cada um, tocaram a campainha. Quem era? A
vovó! Chegou com um prato de biscoitos novos que ela tinha feito. E aí todo mundo:
“Eh! Eh!”. E, aí, nisso, eu me vesti de vovozinha, né, botei um, prendi o cabelinho,
botei o oculozinho assim, botei um xale, comprei rosquinhas Mabel (risos). E aí, comprei rosquinhas Mabel e bati na porta. Aí, a Mariana: “Vocês escutaram alguém
bater na porta?”, “É, bateram”, “Quem é? Pode entrar!”. Aí, eu entrei: “Bom dia!
(com voz de velhinha) Vocês estão bem? Ouvi dizer que acabaram os biscoitos. Eu
trouxe mais para vocês!”. As crianças ficaram malucas. (...) E acabou a aula com
eles comendo mais biscoitos. Entendeu? Uma vez ou outra a gente fazia isso. Que é
um enriquecimento, né? Quer dizer, o personagem saiu do livro e apareceu ali. Eles
adoravam! (Renata, 03/02/15)
Neste evento narrado por Renata, a coordenadora cita a professora Mariana. Em todas
as suas aulas observamos que ela lia em voz alta, fazendo gestos, mostrando ilustrações e
dramatizando. A preocupação em garantir as demais estratégias dialógicas, como ler,
perguntar e anunciar; ampliar a compreensão dos ouvintes/leitores sobre elementos de outra
época ou ambiente aparece no discurso de Renata: “achei legal discutir bem a história. Falar
sobre aquilo. Se as crianças tinham alguma vivência parecida com aquela, se conheciam
algum caso na vida real e o que eles achavam daquele comportamento”.
Ela também disse que levava, uma vez por ano, autores e ilustradores para a feira de
livros da escola. Segundo ela, já foram à escola Graça Lima, João Pedro Roriz e Rui de
160
Oliveira. As crianças trocavam ideias com os autores e percebiam que nem todos os autores
estavam mortos. Ela entende que o encontro com os autores e a participação em eventos
literários possibilita vivências significativas com a literatura.
Da perspectiva que defendemos nesta tese, a vivência significativa com a literatura é
aquela que resulta em formação. Formamos leitores literários quando há experiência, quando
com a literatura nos afetamos, trocamos com o que sabemos; nos formamos ou nos trans-
formamos. A experiência estética acontece quando a arte nos deixa marcas, desloca-nos
(LARROSA, 2003). É vivência (VIGOTSKI, 1998) ou experiência estética (LARROSA,
2003 e BENJAMIN, 1994) quando a obra de arte nos forma, de-forma ou trans-forma.
Nesta experiência estética o autor-criador dá forma artística a um conteúdo, que é
percebido enquanto objeto estético pelo contemplador/fruidor/leitor: “contemplar
esteticamente significa submeter um objeto ao plano valorativo do outro” (BAKHTIN, 1993a,
p. 92, grifo do autor). Na contemplação eu devo entrar em empatia com o outro, retornar ao
meu lugar, completar o horizonte dele com o meu excedente de visão, convertê-lo, criar para
ele um ambiente concludente a partir do meu conhecimento, da minha vontade e do meu
sentimento (BAKHTIN, 2003, p. 23). Para Renata o encontro com autores e a participação em
eventos literários possibilitava que o aluno se afetasse, trocasse conhecimentos, se formasse,
se transformando, se deslocando. Fato que pode acontecer também no cotidiano.
Na entrevista Renata, a coordenadora aposentada de Literatura, disse que havia fatores
que limitavam o desenvolvimento da disciplina, como o barulho externo, a limitação do
espaço, o tempo de aula e o desconhecimento por parte das professoras das demais áreas
acerca do que acontece nas aulas de Literatura. Além disso, não havia espaço na sala de aula
para realizar uma encenação, mesmo que fosse bem simples. A sala de aula sofreu uma
reforma. Ela foi ampliada para o equivalente a duas salas de aulas, o que possibilitou arrumar
as mesas em um grande círculo, de modo que todos os alunos se viam. Porém, Renata sentia
falta de um palco “para as crianças sentarem e eles se sentirem artistas”. O tempo de aula era
considerado longo demais para o 1º e 2º ano e curto para as demais turmas. Ela pensava que
seria mais interessante se houvesse três tempos de aula (2h25min) para os 3º, 4º e 5º anos e
apenas 45min para o 1º e o 2º anos.
O desconhecimento de parte dos professores sobre o que era feito na Literatura
provocava a ideia de que ser professora de Literatura e coordenadora dessa área “era o
paraíso, eram férias, era a maior moleza”. Essa ideia era desconstruída quando algumas
professoras passavam a compor essa equipe e, então, descobriam o trabalho que a disciplina
exigia, pois cada professora de Literatura dá aulas para todos os anos e todas as turmas de um
161
turno. O planejamento das aulas acontecia uma vez por semana. Havia um horário dedicado a
ele que abrangia quatro tempos. A equipe planejava as aulas das cinco séries. Pensavam: “que
história ia dar, de que jeito ia ser contada, o que ia ser discutido, que ia ser feito depois”.
Sempre havia um trabalho após a leitura e a discussão do livro. Esta estrutura pedagógica das
aulas leitura, conversa e trabalho permanece.
Do 1º ao 5º ano as aulas seguem a tríade citada acima. Como exemplo, temos a aula do
dia 16/03/16, da professora Cláudia, para uma turma de 5º ano. A professora leu três contos
do livro Bá e as visagens, de Augusto Pessoa. Durante a leitura a professora convidou alguns
alunos para fazer a leitura dramatizada dos textos. Além disso, conforme iam lendo, ela trazia
perguntas para a turma: “Quem é Bá? O que será que é uma visagem? Quem está dizendo que
vai contar a história? Quem é o escritor?”. Às vezes, perguntava sobre expressões e
vocabulário: “O que é sepultura? Por que ciranda de ossos? Faltava o quê? Como é que eles
tinham chegado ali?”. Ela trouxe perguntas sobre personagens, cenário e acontecimentos e
ainda indagou sobre a relação dos textos com a vida dos alunos por meio da discussão das
ações dos personagens.
A rotina do planejamento pedagógico também foi constatada por Silva (2011) em sua
dissertação, quando pesquisou aulas do 1º ano do EFI do CPII no campus São Cristóvão. Sob
a orientação da coordenadora pedagógica, a professora planejava a aula, escolhendo
previamente as leituras e as atividades propostas após a leitura. A pesquisadora ressaltou em
sua dissertação a importância desse planejamento para a escolha dos livros que são lidos e a
criação das atividades pedagógicas propostas após a leitura. Ela reitera a necessidade de haver
um tempo para ouvir as crianças, para tecer narrativas e pô-las em rede. O momento da
conversa garante este tempo.
Isso pode ser visto na aula do dia 09/03/16 para uma turma do 5º ano. A professora
Cláudia deu bastante tempo para ouvir as crianças, deixá-las narrar e colocar os diferentes
conhecimentos delas em rede. Ela começou a aula lendo a introdução do livro Bá e as
visagens, de Augusto Pessoa, cujos contos foram lidos na aula subsequente. Ela chamou um
aluno para ler junto com ela e interrompeu a leitura para explicar um eufemismo (“Eu vim
aqui para te buscar”). Ela explorou com os alunos outras expressões relativas à morte. O aluno
que leu com ela fez voz grave para representar a morte. Ela interrompeu mais uma vez a
leitura para explicar a natureza dos contos populares. Um aluno pediu a palavra para dizer: “O
escritor está enrolando a morte”. Os alunos se sentaram em roda, deitaram no chão, ficaram
atentos à leitura. Cláudia destacou o trecho “podemos ir”, e perguntou quem seria. Era a
morte e o escritor. Ela perguntou o que significava. Perguntou, em seguida, o significado da
162
palavra epitáfio. Um aluno se lembrou do significado a partir de um desenho animado a que
assistira. Depois, Cláudia leu com a colaboração de outros dois alunos o texto “A morte e o
médico”, do mesmo livro. Na leitura da ilustração inicial os alunos falaram: “parece com o
desenho do Billy Mendy, o Puro Osso!”. Lançou uma pergunta sobre um trecho lido: “Por que
a fome não é justa?”. Ela trouxe ainda outras indagações, como “O que significa encontrou
seu destino?, O que é gadanha?”, e finalizou questionando: “Por que será que dizem que a
morte não é justa?”. Os alunos pensaram sobre a morte, especialmente sobre como seria
perder seus pais. Conforme a leitura dialogada prosseguia, os alunos iam mudando de
posição. A professora recriou uma cena com as crianças. Ao final da leitura elas bateram
palmas.
Observamos que a estrutura seguida nas aulas leitura, conversa e fazer artístico
tem um caráter formativo. As crianças escutam, conversam sobre a história e se mantêm de
alguma forma nela quando estão no fazer artístico em grupo. A leitura ganha, assim, uma
outra temporalidade que pode possibilitar essa relação com a subjetividade do leitor. Podemos
dizer que as aulas de Literatura conferem importância à imaginação e à criação e que buscam
promover a experiência, no sentido que Larrosa (2003) propõe. Entretanto, a sua continuidade
e repercussão em cada um é um processo que não foi/é possível capturar.
Observamos ainda nesta estrutura de aula que os dois procedimentos do letramento
literário, na acepção proposta por Paulino e Cosson (2009, p. 67) estão presentes. A interação
verbal intensa e o (re)conhecimento do outro e o movimento de desconstrução/construção do
mundo. No momento da conversa o leitor compartilha. Ele lê com os outros e todos se
mobilizam para construir sentidos e entender mais e melhor os livros.
Os materiais das aulas também eram produzidos pela equipe. Renata contou que ela
“fabricava trabalhos” porque queria ter a sua autoria no trabalho. Renata relata que sentia
vontade de produzir coisas melhores, ver que a criança via a sala de Literatura como um
espaço gostoso de criação: “(...) às vezes, a gente dava um chapéu de bruxa para ele. E a partir
do chapéu da bruxa, ele ia produzir uma bruxa. A bruxa ia ser dele. (...) a partir daquele
chapéu, ele ia fazer outras coisas”. O chapéu, por exemplo, era feito pela sua colega de
equipe, a Mariana, que era reconhecida pela sua facilidade para desenhar, recortar. Quando
fizeram As lendas do Rio São Francisco: as carrancas, produziram o barco. As carrancas
ganharam uma silhueta, uma forma e foram dadas aos alunos para as criarem: “Então, de um
ponto de partida, a criança viajava. (...) E imprimia o trabalho dela ali, a personalidade dela
ali”.
163
A ideia de a aula de Literatura ser um espaço gostoso de criação mostra bem a tensão
que a disciplina vive. Por um lado, há a preocupação com o lúdico, na perspectiva do prazer,
satisfação. Por outro lado, está presente a ideia de imaginação, formação humana, jogo.
De acordo com Renata, a disciplina Literatura no EFI deve contar com várias
condições que descrevemos a seguir: a) um ponto de partida de trabalho a fim de que ele não
fique solto; b) temas previamente selecionados de acordo com os interesses de cada faixa
etária, distribuídos pelos trimestres do ano letivo e com independência em relação às demais
disciplinas escolares; c) longo tempo de planejamento para que a equipe pedagógica possa
pensar as aulas semanais dos cinco anos escolares e produzir os materiais necessários para as
aulas; d) uma equipe pedagógica autônoma e livre para criar e experimentar; e) isenção no
que se refere à aprovação ou retenção dos alunos na disciplina; f) aulas estruturadas com
uma sequência, a saber: a apresentação e contextualização do livro, do autor e ilustrador;
leitura; amplo espaço para a discussão (articulação dos fatos narrados com as vivências dos
alunos, análise dos personagens e imaginação de novas situações pelos alunos a partir do
livro) e a realização de um fazer artístico no qual a criança imagine e imprima a sua
personalidade; g) o protagonismo do livro; h) música e ambientação da sala de aula como
estratégias de trabalho; i) participação dos responsáveis dos alunos (exemplo, o Projeto
Conhecendo o CPII); j) a troca de conhecimentos entre alunos, autores e ilustradores, de
preferência em feiras do livro, realizadas ou não pela escola; k) uma sala de aula ampla, com
um palco para a realização de dramatizações; l) silêncio externo no momento da aula; m)
tempo de aula adequado à faixa etária.
O ponto de partida ao qual Renata se refere é um tema de trabalho. Mas o tema não
pode vir a ser o principal critério de seleção dos livros. O que vem à frente dessa escolha: a
qualidade literária ou o tema? A equipe docente busca conjugar ambos os critérios. Mas, se o
livro tiver qualidade literária e não estiver de acordo com o tema, ele não é selecionado para a
aula.
As observações das aulas evidenciaram que os livros escolhidos geralmente agradam
os alunos. Percebemos que existe uma preocupação em identificar livros que atendam aos
interesses das crianças para que tenham elementos para imaginar e criar com o texto.
Atualmente, as aulas têm independência em relação às demais áreas do conhecimento mesmo
que haja um tema gerador que dê unidade ao trabalho. Na leitura do conto “Devolva a minha
aliança”, de Rosa Amanda Strausz, para uma turma de 5o ano, por exemplo, enquanto a
professora lia, os alunos olhavam avidamente para ela. Ao fundo, havia um som de trovão. A
professora lia, olhando nos olhos dos alunos, alterando a voz. Eles se entreolhavam
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demonstrando estar com um certo medo. Os alunos iam repetindo o final de trechos lidos e
fazendo perguntas, como quem está pensando alto (Caderno de campo, aula da professora
Mariana, 13/04/15, 5º ano). Na leitura do livro animado Ana e Ana, de Célia Godoy e Fê, os
alunos do 1º ano assistiram ao livro com muita atenção e teceram diversos comentários sobre
ele, como: “Você viu? Ninguém é igual. Tem coisa que as pessoas gostam e outras não” e “Eu
tenho um amigo gêmeo que joga bola desde pequeno. Ele chama João. O outro joga muito
bom e o outro joga bom”.
Renata dá muita importância ao tempo da conversa tanto para os professores quanto
para os alunos. Vale ressaltar que os professores de Literatura têm um momento somente
deles para o planejamento.
Planejamento era assim: a gente fazia uma vez por semana. A gente tinha horário e
quatro tempos porque era planejamento para cinco séries. Então, não podia fazer um
planejamento mais curto. A gente planejava que história ia dar, de que jeito ia ser
contada, o que ia ser discutido, que trabalho ia ser feito depois. Que a gente sempre fazia um trabalho, né. (...) acho que a gente tem que discutir muito. (...) discutir bem
a história. Falar sobre aquilo. Se as crianças tinham alguma vivência parecida com
aquela, se conheciam algum caso na vida real e o que eles achavam daquele
comportamento. Fazíamos discussões sobre o perfil psicológico dos personagens. E
como ele terminaria aquela história se ele fosse o autor. E desenvolvia bastante a
oralidade porque eu achava que a oralidade era uma coisa importante. (...). Para dar
espaço para o diálogo para a criança se colocar, dizer o que é que ela achava
(Renata, 03/02/15).
Como há uma proposta curricular específica de Literatura e a formação inicial docente
não conta, na maioria das vezes, com disciplinas obrigatórias ligadas à LIJ, defendemos que
haja uma equipe própria para encaminhar as aulas de Literatura formada por professores que
se dediquem à temática. Talvez valha a pena problematizar se não haveria a necessidade de
um representante da equipe estar presente nas reuniões de planejamento de Língua Portuguesa
com os demais professores das turmas. Esta separação tem relação com a origem das aulas de
Literatura, para dar tempo de planejamento para os professores. A não retenção nas aulas de
Literatura acontece porque ela é considerada uma Atividade Complementar, mas há uma
avaliação.
Onde está a especificidade do trabalho pedagógico com a literatura na escola? Ao
nosso ver ele está na tríade ler, dizer(-se) e criar. Ler, isto é, ouvir, assistir, observar, fruir
conhecer. No dizer(-se) é fundamental: antecipar, especular, relacionar, comparar, relatar,
comentar, debater, criticar, perguntar, apresentar, opinar, discutir, recordar, argumentar,
inferir, avaliar, recomendar, analisar, descrever, identificar. E no criar? Narrar, recontar,
brincar, dramatizar, fotografar, esculpir, pintar, ilustrar, dançar, recitar, filmar, jogar, musicar,
tocar, cantar, produzir texto escrito. Enfim, o núcleo as aulas de Literatura precisa ser
imaginar, apreciar e sentir. O que vamos discutir, na seção Atividades, é o que predomina
165
nesse fazer artístico. Sem dúvidas, a preocupação em garantir um momento de conversa e
fazer artístico está relacionada à preocupação com a produção de sentidos e a coautoria, no
sentido que a linha de força Leitura e Experiência/Formação prevê. O fazer artístico é uma
maneira de o aluno dar uma resposta ao texto.
Na aula de 15/05/15, a professora Mariana, com alunos do 1º ano, provocou um
momento de produção de sentidos e coautoria. A partir da exibição do livro animado Ana e
Ana, de Célia Godoy e Fê, a professora brincou de espelho com a turma. Ela pede que a turma
a imite. Depois, chamou alunos para comandarem a brincadeira. Em seguida, Mariana pediu
aos alunos desenhassem uma Ana igual à da folha que entregou. Durante a elaboração do
trabalho, duas alunas começaram a brigar porque uma delas não parava de imitar a outra.
Enquanto isso, outra aluna que é branca e loira transformou a Ana em uma menina loira,
assim como ela. O evento mostra que houve espaço na aula para a criação da empatia com as
personagens principais, o que provocou a produção de sentidos entre os alunos.
Durante a exibição do livro animado, os alunos comentavam: “Ninguém é igual, tem
coisa que as pessoas gostam e outras não” e “A gente não é obrigado a ser igual em tudo”.
Quando a aluna transforma a Ana nela mesma, vemos que houve espaço para uma coautoria
no texto Ana e Ana.
A outra coordenadora, Sandra, tornou-se coordenadora de Literatura em 2012. Antes,
ela era orientadora pedagógica do 2º e 3º ano. Ela entrou após a aposentadoria da Renata. Sua
preocupação nessa transição foi de manter o trabalho da coordenação anterior, mas também
realizar mudanças: “têm coisas que eu acho que tinha que realmente parar (...). Eu acho que
vai acontecer isso comigo também. (...). É um movimento em literatura. Literatura é
movimento”.
Sua ligação com a função tem relação com o trabalho que desenvolveu na Sala de
Leitura do município do Rio de Janeiro e no CPII, quando esteve como regente de turma e
orientadora pedagógica: “quando estava com o primeiro ano, eu já tinha essa visão de
trabalhar com literatura”. Para ela, “O professor de primeiro ano tem que trabalhar com a
literatura não importa como. Há algumas pessoas que questionam isso. Ah! Vamos pegar um
texto literário e trabalhar na alfabetização. Ué, por que não?”.
Do nosso ponto de vista, importa como o texto literário será trabalhado. Entendemos
que as aulas de alfabetização partem de um texto, mas como o texto será trabalhado e qual
será escolhido revelam a concepção de trabalho que o docente confere à alfabetização e à
literatura. É a literatura para ensinar a ler e a escrever, ou é a literatura para a formação
166
humana que imprime sentido à leitura e também ensina sobre o que se pode fazer com a
leitura?
Há quatro anos coordenando esse trabalho, Sandra se preocupa com a seguinte
questão: “até que ponto a gente consegue atingir o aluno ou não. Na questão de você avaliar,
será que ele aprendeu ou não aprendeu?”. Uma das maneiras que ela tem de verificar o quanto
atingiu o aluno é a memória dele. Como exemplo, ela cita uma aula, realizada no final do
primeiro trimestre de 2016, que teve como uma das atividades propostas conversar sobre os
livros que haviam sido trabalhados. Observando o desenvolvimento dessa aula, Sandra
percebeu que os alunos citaram os livros e até chamaram a atenção da professora para aqueles
que ainda não haviam sido mencionados. Então, promover uma vivência significativa do texto
literário é uma intenção da coordenadora. Há uma questão subjetiva neste critério de
avaliação que parece que faz com que fique difícil avaliar o aluno em aulas de Literatura. Tal
subjetividade também foi citada por Cláudia.
Vibro bastante quando percebo o envolvimento claro dos alunos com as histórias... Pude perceber isto, muito fortemente, na última aula dada para as turmas de quarto
ano. O texto trabalhado foi um conto extraído do livro Príncipes do destino, que
aborda a mitologia africana relacionada aos odus, representação religiosa associada
ao jogo de búzios. A participação oral foi marcante, com muitas suposições,
desdobramentos e conclusões bastante surpreendentes... Ficou evidente a interação
com a obra! No final, os alunos saíram da sala, interpretando os príncipes do destino,
“carregando” as abóboras presenteadas no conto (Cláudia, 15/07/16).
Após o estudo do conceito de educação literária, percebemos que a vivência estética é
uma parte do todo. Ela é uma das dimensões da literatura no âmbito da Educação Literária.
Metodologicamente, não é possível afirmar que alguém vivenciou esteticamente aulas de
Literatura. No máximo, podemos afirmar que ela provavelmente vivenciou esteticamente tais
aulas, a partir dos relatos que narram transformações que viveu, emoções que sentiu e as
reflexões que fez. Sandra avalia seu aluno com base nos gestos e relatos que mencionam em
sala. Na entrevista ela relata uma aula, a partir do texto O auto da Compadecida, de Ariano
Suassuna:
eu peguei, eu acho assim é uma aula que eu fico lembrando que eu acho que eu vou
repetir esse ano. Eu peguei o filme dele, O auto da Compadecida, e peguei um texto
da peça dele. Então, eu não podia passar o filme todo senão ocuparia a aula. Eu
peguei três trechos do filme. Passei a primeira parte do filme que eu queria passar. Parei o texto. Eles começaram a ouvir as falas dos personagens. E eu determinei três
alunos para serem justamente personagens. Então, nós fizemos uma leitura do texto
junto com as crianças que fizeram o papel dos personagens. O texto era uma peça
teatral. Aí, os alunos tinham já ouvido falar o som, o sotaque nordestino dos
personagens. Eles começaram a ler como os personagens. Aquilo ali foi fantástico!
Tanto os dois alunos lendo, fazendo a leitura do personagem, do texto, do diálogo. E
depois passei a outra parte do filme. Mais uma parte do filme para eles concluírem.
Foi assim dois tempos fechadinho. Não teve, não tive aproveitamento nenhum desse
texto. Aí, quando eu fui dar a reunião de pais, um pai chegou perto de mim e falou
assim: “a senhora”. Porque eu falei com eles: “Olha, esse filme aqui vocês não
podem assistir sozinhos, é um filme mais pesado que realmente tem umas cenas ali”.
167
Aí, o pai chegou assim para mim: “você não sabe o que aconteceu! Minha filha
chegou querendo assistir esse filme, pegou na locadora para gente assistir juntos”.
Ah! Eu fiquei emocionada (risos). Então, você vê o alcance. “E eu assisti junto com
ela e porque era da minha terra”, o pai falou. “Era da minha terra”, quer dizer... E ele
resgatou isso pra mim. Eu achei aquilo fantástico, o relato dele! Porque realmente eu
alcancei quem eu tinha que alcançar. Extrapolou a sala. O cinema entrou na casa.
Teve articulação com a origem do pai. Será que os outros 24 [alunos], eu não sei. Eu
sei que depois as crianças queriam assistir a esse filme, pegá-lo. Mas eu acho que
extrapolou (Sandra, 23/05/16).
Como avaliar aulas de Literatura? Segundo Eco (2016, p. 252), o fruidor ou
contemplador reage aos estímulos físicos do objeto de modo intelectual, mas também corporal
e emocionalmente. Assim, a fruição do objeto é pessoal, mutável e aberta. Concordamos com
Sandra quanto à dificuldade de avaliar o aluno em aulas de Literatura devido à complexidade
de questões que são movimentadas durante a experiência literária.
No processo de ensino-aprendizagem da literatura, Sandra concorda com as
orientações da escola de não reprovar o aluno na disciplina: “a gente não vai reprovar nenhum
aluno, a gente tem que ter essa preocupação”. Junto dessa preocupação vem a questão do
gosto do aluno. A tensão entre o lúdico, no sentido do prazer e da satisfação, e do lúdico como
fabulação reaparece:
Mas até que ponto a gente está transmitindo alguma coisa, eles estão aprendendo,
eles estão gostando? Por isso que eu acho tão importante a gente avaliar se o aluno
gostou ou não da leitura. Quando o aluno não suportou a leitura. Então, tem alguma
coisa errada. Ou o livro não está atendendo ou o jeito que a gente está mostrando
esse livro tá precisando ser alterado (Sandra, 23/05/16).
O modo de planejar a atividade também revela como a coordenadora compreende o
processo de ensino-aprendizagem da literatura. Na seleção do texto literário trabalhado, sua
extensão é considerada: “Você não vai dar um livro. Eu acho até difícil de trabalhar um livro.
(...) não dá para você ficar muito tempo com a criança, (...) mais de meia hora, (...) 45 minutos
lendo porque ninguém aguenta”. Sandra considera importante que a leitura aconteça junto
com a discussão do texto: “Vai discutindo e vai contando para as crianças para a leitura poder
avançar naturalmente”. A ênfase na conversa, enquanto a leitura é desenvolvida, é uma marca
da Sandra e também das aulas da Cláudia, o que será visto mais adiante.
Quanto à extensão do texto, é importante problematizarmos que, se os textos literários
mais extensos não estão sendo lidos nas aulas de Literatura, será que são nas aulas de Língua
Portuguesa? A leitura de coleções, de novelas, peças teatrais e romances fica comprometida,
se as aulas de Língua Portuguesa não estiverem contemplando tais textos. Quais obras são
importantes?
A professora Mariana entende que “a literatura infantil deve ser apresentada como arte
onde o aluno pode explorar toda a riqueza de contos e histórias”. Esta concepção de literatura
é a mesma defendida por Coelho (2000). Para a autora literatura é arte e a mais importante das
168
artes porque a sua matéria é a palavra, que é a especificidade do humano. Nesse trecho da
entrevista Mariana se posiciona quanto à sua concepção de literatura e dá a entender o que,
para ela, é a especificidade da disciplina: a exploração da riqueza dos contos e das histórias.
Entendemos que ela se refere à riqueza literária. Embora o PPP (CPII, 2008) marque que tal
especificidade se trata das construções literárias dos textos, nas aulas da professora Mariana
não observamos ênfase nessas construções.
Em seu trabalho como professora de Literatura ela considera importante “o ato de
resgatar o papel do contador de histórias na escola”. A busca pelo resgate do papel do
contador de história talvez tenha relação com os contadores que havia na família de Mariana.
Entendemos que, de fato, é relevante resgatar os contadores de história na escola, na medida
em que os textos da tradição oral também pertencem à literatura. Apesar de Mariana ler o
texto literário, ela se coloca como quem conta.
Esta visão do ensino-aprendizagem da literatura era concretizada nas suas aulas por
meio do uso de recursos diversos. A utilização de diferentes recursos com os alunos visava a
“despertar o interesse pelas narrativas e para que pudessem encontrar desafios, criando em
atividades decorrentes, representações espontâneas, bem como soluções para muitas de suas
dúvidas e problemas”.
A turma do primeiro ano, no dia 14/11/14, na aula da professora Mariana, chegou à
sala de Literatura e assistiram a um vídeo sobre as diferentes nações indígenas. Durante a
exibição, os alunos comentavam: “A vida deles é dura!”, “Tem uma moça muito velha”. A
professora se preocupou em destacar a variedade das nações indígenas. Enquanto isso, as
crianças falavam se já haviam visto de perto índios ou não. Nesse momento Mariana
perguntou: “Quem sabe o que é Iauaretê?”. Ninguém sabia. Ela chamou a atenção dos alunos
para um Power Point informativo com os personagens da história (onça pintada e jabuti) e um
pé de jabuticaba, onde parte da fábula lida ia acontecer. Imediatamente, os alunos começaram
a relatar suas experiências com esses animais e a jabuticaba. Perceberam que dentro da
palavra jabuticaba tem a palavra jabuti. Depois, a professora leu a fábula “Iauaretê e o jabuti”,
do livro As fábulas de Iauaretê, de Kaká Wera Jecupé. Enquanto lia, fazia vozes diferentes,
mostrava as ilustrações, fazia caretas e gestos. As crianças perceberam que a onça foi
enganada e qual era a razão das pintas da onça. Mariana perguntou: “Quem acha que o que o
jabuti fez com a onça foi certo? Com o jabuti amarrando a onça na jabuticabeira, o que
aconteceu?”. As crianças compararam a onça-rei com o leão, pois o texto quebrou a
expectativa delas quanto a quem é o rei da floresta. No fim, as crianças produziram a cabeça
do Iauaretê (onça) com origami e desenharam o seu corpo, além do desenho do jabuti e da
169
jabuticabeira. Durante o momento de produção os alunos puderam observar as ilustrações do
livro. A professora informou que foi a filha do autor que ilustrou o livro. Por essa razão, todo
mundo quis reler as ilustrações do livro. Os alunos mostravam uns para os outros os seus
trabalhos.
A utilização de diferentes recursos mostra a importância dada ao convite para a leitura.
Nesta preocupação duas ideias podem estar em tensão. Uma de que o próprio texto literário
não basta para convidar o leitor. Então, deve-se envolvê-lo com outros recursos. Outra de que
é importante para chamar o leitor para entrar na fabulação. A presença de objetos, vídeos,
canções na sala possibilita a entrada do aluno no texto, enriquecendo o seu imaginário.
A professora Mariana estava dando aula para o 1º ano, no dia 28/11/14, e começou a
aula apresentando o tema do livro, a história do Brasil, como também a autora e a ilustradora.
Nesse momento inicial os alunos já teciam os seus comentários sobre o tema: “1500 anos é
quase o ano dos negros!” e “Minha tia mora em Portugal!”. A professora perguntou: “Quem
conhece a Ruth Rocha?”. Quase todos os alunos responderam que conheciam. A professora
lia e explicava algumas partes da história, fazia vozes características dos personagens e usou
uma coroa para representar a entrada do rei na história: “O que queria dizer a presença da
águia?”. O aluno respondeu: “Terra à vista!”. “Que gente era essa que eles encontraram?”, a
professora perguntou. “Índios!”. Mariana, em seguida, mostrou fotografias dos lugares que
aparecem na história. Enquanto isso, o livro ficou passando nas mãos dos alunos. A
professora mostrava a fotografia e a ilustração que correspondia ao lugar. Explicou a razão
dos nomes Porto Seguro, Santa Cruz, Cabrália, Coroa Vermelha, Igreja de Nossa Senhora da
Conceição, nau do descobrimento e os índios Pataxós. Ela indaga se alguém já foi a esses
lugares. Em seguida, os alunos assistiram a um vídeo sobre os índios Pataxós. Depois, exibiu
o vídeo A Bahia que a gente gosta. Santa Cruz Cabrália. Os alunos aproveitavam para
perguntar: “Tia, aí existe leão?”, “O Pedrinho da história era o Pedro I?”. Após o vídeo, mais
uma exibição. Agora, os alunos iam assistir a uma animação chamada Pindorama, do grupo
Palavra Cantada. Enquanto assistiam, a professora disponibilizou a coroa do rei para as
crianças brincarem. Mariana dançou com a música e chamou atenção para partes da música
com voz de português.
A professora Cláudia procura não perder de vista “o fato de que é função da escola
formar leitores críticos e a autônomos”. Para ela este é o principal objetivo das aulas de
Literatura. A linha de força Leitura e Experiência/Formação também aparece no discurso de
Cláudia, que repete o objetivo geral do currículo de Literatura.
170
Sua visão de ensino-aprendizagem de literatura passa pela compreensão de que o texto
literário “não pode ser compreendido como objeto isolado, sem as interferências do leitor,
sem o conhecimento das condições de produção e sem as contribuições das diversas
disciplinas que perpassam o ato da leitura literária”. O destaque que a professora Cláudia dá à
conversa, bem como as coordenadoras, mostra a influência da Teoria Literária na vida
profissional delas, no que se refere ao pacto narrativo (COLOMER, 1994, p. 40).
Ao contrário de Mariana, que se esforça para que a leitura que ela realiza promova a
maior fabulação possível pelos alunos por meio de uma encenação teatral por parte dela,
Cláudia junta a conversa com a leitura e, nessa junção, deixa os alunos interferirem bastante e
compartilha outros conhecimentos que se articulam com o texto. O texto literário é lido junto
com as intervenções dos alunos, ora provocadas por ela, ora por eles. Em suas aulas Cláudia
se esforça para convocar o leitor/ouvinte a participar da obra, a pensar junto, a brincar, a
interagir, a refletir, a inferir, a opinar, a apreciar, a rir, a chorar, a sentir (CORSINO, 2014, p.
31).
Com uma turma de 4º ano, no dia 18/03/16, Cláudia promoveu a leitura da crônica
“Na delegacia”, de Carlos Drummond de Andrade. Durante a leitura, os alunos perguntavam:
“O que é desmoralizado?”, “Se os policiais sabiam que tinham marginais na casa, por que não
foram lá?”. As perguntas foram respondidas coletivamente. Cláudia trouxe um ponto
polêmico do texto: “Ela teve uma atitude macha. O que quer dizer isso?”. Após conversarem
sobre machismo, a professora conduziu o grupo para a reflexão sobre a forma do texto: “Por
que esta história é curta? Ela tem que tom?”. Os alunos entenderam que crônicas são textos
mais curtos e que podem apresentar o humor. Em seguida, a turma ouviu a canção All Star, de
Nando Reis. Os alunos, com a letra da música nas mãos, cantaram e assistiram ao clip da
canção. Com o fim da exibição, a professora indagou: “Há algo em comum entre esses dois
textos? Qual é a diferença entre os tipos de texto: o poético e a crônica?”. Os alunos
observaram que “As linhas são pequenas”. “Como se chama cada linha dessa?”, tornou a
perguntar Cláudia. “Verso”, responderam. A professora, em seguida, pediu que um aluno
lesse uma estrofe. Ela questionou: “Como ele sabia chegar à casa dela, mas não sabia o
endereço? Vocês têm algum lugar que vocês sabem chegar, mas não sabem o endereço?”. No
final da aula os alunos receberam uma folha A3 e, por meio da dobradura, fizeram uma casa
com portas que se abrem. Na parte de dentro da dobradura os alunos desenharam como
imaginavam a casa da crônica. Enquanto faziam a atividade, a professora colocou a música
All Star novamente.
171
Cláudia concretiza sua visão de ensino-aprendizagem da literatura, procurando
proporcionar em suas “aulas um espaço lúdico para construção de novos sentidos, onde a
imaginação do leitor é guiada pelos indícios do texto no ato dinâmico da leitura”. Cláudia traz
para conversa muitas perguntas. As aulas da professora pretendem ser momentos de
formação, o que pode ser observado na aula do dia 11/03/16. Com uma turma de 4º ano
Cláudia leu a crônica “No país do futebol”, de Carlos Eduardo Novaes. Os alunos sentaram no
chão, nas cadeiras, deitaram nos bancos. Sua leitura é bastante interrompida para fazer
perguntas de antecipação, contextualizar um trecho, explicar uma expressão. “Por que ele se
fingiu de mendigo? Ele é um mendigo?”, perguntou a professora. Ela explicou que as crônicas
podem ter presentes o humor e resgatou um trecho do texto: “O que ele quis dizer com sempre
pode pingar alguma coisa e onde está o seu controle remoto?” e “O que são retardatários?”.
Ela recomendou que eles esperassem o término da leitura para inferirem o significado de
retardatários. As crianças não conseguiram identificar. Ela, então, explicou. Depois, os alunos
deram exemplos. Uma aluna se recordou da história da corrida entre a tartaruga e o coelho.
No final os alunos escreveram o que aconteceu depois na crônica.
6.3 Temas geradores
Nas aulas observadas foi possível notar que entre concepções e práticas há um diálogo
estreito. O tema gerador está presente. Os livros lidos são selecionados conforme o tema e há,
de modo geral, espaço para o diálogo. As propostas vêm após a leitura e são planejadas de
acordo com o que o livro suscita, como uma maneira de o leitor conferir uma resposta ao
texto literário.
Vê-se que há a intenção de provocar transformações nos padrões culturais, nos
comportamentos e nas identidades por meio, principalmente, dos temas Rio de Janeiro, A
formação do povo brasileiro, Estereótipos e Memória. Tal intenção fica mais visível no tema
Eu e o outro: diferenças e semelhanças/pontos de vista. Vale ressaltar que a literatura ligada
às culturas indígenas e africanas ocupa um espaço generoso na grade temática.
Os temas geradores são diferentes para cada trimestre e ano escolar. Eles ora são de
fato tema, ora também são um gênero literário. No item a seguir trazemos um quadro com os
temas geradores, mostrando como as aulas de Literatura os organizam. Eles estão de alguma
maneira integrados aos temas propostos pela Língua Portuguesa.
172
TEMAS
GERADORES
1º ano 2º ano 3º ano 4º ano 5º ano
1º período Literatura Identidade As diversas
culturas Fábulas e contos Rio de Janeiro Medo e suspense
Língua
Portuguesa
Identidade
Crianças do
mundo/Histórias
de outras partes
do mundo
Eu e o outro:
diferenças e
semelhanças/pontos
de vista (fábulas)
Rio de Janeiro Contos de
medo/Suspense/Terror
2º período Literatura
Animais
A tradição oral
nas culturas
africanas e
indígenas
A formação do povo
brasileiro Medo
Culturas africana e
indígena
Língua
Portuguesa Animais Diversidade
cultural
Bairros da
cidade/Memória
Rio de Janeiro
colonial/imperial
Cultura
Popular/Contos
fantásticos
3º período Literatura Contos de
Fadas Família/Memória
Contos de
encantamento
contemporâneos
A mitologia
grega, romana,
africana e
indígena
As diversas mídias na
literatura
Língua
Portuguesa Contos de
Fadas Memória
Transgressões/Quebra
de estereótipos
Heróis da
ficção/Heróis do
mundo
Crônicas e histórias
clássicas
Quadro 3. Temas geradores.
Os temas geradores são escolhidos pela equipe docente. A coordenadora traz propostas
de mudanças a partir da conversa que tem com as demais coordenadoras pedagógicas da
escola (Língua Portuguesa, Estudos Sociais, Matemática e Ciências). O campus Humaitá I
passou a realizar trimestralmente reuniões de planejamento integrado, quando um tema do ano
escolar é escolhido em equipe e, posteriormente, cada área decide como contribuir. A
intenção da escolha de um tema em comum para um ano escolar é possibilitar a integração
entre as áreas do conhecimento.
Como exemplo, tem o tema identidade que foi escolhido para o 1º trimestre do 1º ano.
Os livros selecionados, a partir dos critérios de qualidade literária, autor, extensão e tema,
foram: O menino Nito, de Sandra Rosa e Victor Tavares; Menina bonita do laço de fita, de
Ana Maria Machado e Rosana Faria; Tanto, tanto, de Trish Cooke; De bem com a vida, de
Bia Hetzel e Mariana Massarani; Ana e Ana, de Célia Godoy e Fê; Diversidades, de Tatiana
Belink; Obax, de André Neves; O menino e o jacaré, de Maté; Grande pequeno, de Blandina
Franco e José Carlos Lollo; O cabelo de Lelê, de Valéria Belém; Bruna e a galinha d’Angola,
de Gergilga D‟Almeida e Valéria Saraiva; e O menino e o cachorro, de Simone Bibian e
Mariana Massarani.
A coordenadora Sandra deu uma aula no dia 21/03/16 a partir do livro Menina bonita
do laço de fita. Em roda, os alunos foram convidados a conversar sobre o que é uma menina
bonita. A professora perguntou quem conhecia o livro e se sabiam contar a história dele. Ela
explorou a capa, nome do ilustrador e do autor e o título. Sandra perguntou: “O que precisa
para ser bonito? Como a gente se torna uma pessoa bonita? Para ser bonito o que a gente
173
precisa fazer?”. Os alunos deram respostas diversas, tais como: “ser você mesma”, “ser
educada”, “se maquiar”, “ser comportada”, “se vestir bem”, “pedir desculpas”. A leitura do
livro também foi feita com a exibição do livro animado. O vídeo começa com crianças
conversando sobre o que é uma criança bonita, assim como foi o início da aula. Depois, as
crianças desenharam uma criança bonita e mostraram para os demais, explicando suas
produções. Em seguida, a escritora foi apresentada. A turma, então, se deitou no chão e nos
bancos, preparando-se para a leitura audiovisual. Prestaram muita atenção. No final,
receberam uma folha. De um lado, desenharam a personagem principal do livro e do outro,
uma pessoa bonita. Os alunos podiam ainda escrever o que era ser bonito. Nesse momento
uma aluna começou a chorar dizendo que não sabia escrever. Sandra disse que tudo bem e que
ajudaria a escrever. As crianças apresentaram dificuldade na hora da pintura da menina: preto
ou marrom? Para os alunos, para ser bonito “tem que ser forte”, “respeitar pai e mãe”, “ser
você mesmo”, “ser forte e corajoso”, “ser chique”, “ser educado”, “ter amor”, “ter boas
maneiras”.
Em uma turma de 5º ano a professora Cláudia, em 16/03/16, iniciou o estudo do texto
de apresentação do livro Bá e as visagens, de Augusto Pessoa, que culminou em um teatro de
fantoches realizado pelos alunos na aula de 23/03/16. O livro contém vários contos. Foram
lidos coletivamente quatro, “Bá e as visagens”, “A porca de bobes”, “Ciranda de ossos” e
“Procissão das almas”. Após a leitura dialogada dos contos, na aula seguinte, as crianças
produziram, cada uma delas, um personagem. Elas se dividiram em grupos e cada um tratou
de um dos contos. Os alunos apresentaram lendo o texto na íntegra, fazendo vozes e mexendo
seus personagens. A professora organizou uma mesa com uma toalha para, na hora da
apresentação, aparecerem somente os personagens. Enquanto a dramatização acontecia, a
professora, quando achava pertinente, realizava intervenções quanto à velocidade da leitura e
a aparição dos personagens, os gestos necessários para as cenas, e também acrescentou um
elemento do cenário feito por outra turma. No final da aula Cláudia fez uma avaliação com a
turma e ressaltou os pontos positivos e negativos das apresentações.
Comparando as aulas do 1º ano e 5º ano, vimos que, como os alunos do 1º ano entram
pelo sorteio, há um grupo bastante heterogêneo no que se refere ao repertório literário e aos
conhecimentos relativos à leitura e à escrita. Nas aulas de Literatura essa heterogeneidade
aparece com mais força na conversa sobre o texto literário. A partir do segundo trimestre,
estas diferenças não são mais tão marcantes. A relação afetiva com a professora já está mais
garantida, o repertório de leituras está ampliado e eles se sentem mais confiantes para tecer
comentários, fazer perguntas e relatar experiências que viveram com relação ao livro.
174
O 5º ano já sabe como a aula de Literatura acontece e aguenta ficar mais tempo
ouvindo a leitura da professora. Ele já se apropriou da tríade leitura, conversa e produção.
Eles são mais exigidos na leitura e na escrita, como também na argumentação. Por outro lado,
eles também mostram as fragilidades do trabalho. Em uma aula da professora Mariana, no dia
18/05/15, ela levou o livro Contos de assombração, da Editora Ática, coedição Latino-
Americana. A professora propôs, após a leitura e a conversa, a produção de um álbum com
personagens divididos em três partes, de modo que o leitor poderia misturar diferentes
personagens usando a cabeça de um, o tronco de outro e as pernas de outro personagem.
Alguns alunos se recusaram a fazer a atividade: “De novo, professora? Não vamos fazer, não.
Já fizemos esse álbum”.
Vale notar que, na grade temática e na lista dos livros lidos no ano de 2016, em
articulação com os temas propostos, Maria Clara Machado não aparece no itinerário de leitura
dos alunos, assim como os livros mais extensos. No apêndice F há a lista dos livros lidos com
os alunos. Observamos a presença de ilustradores importantes, como Graça Lima, Marilda
Castanho, Eva Furnari, Roger Mello, Mariana Massarani. Mas não vimos Ziraldo, Juarez
Machado, Angela Lago, Rui de Oliveira, Nelson Cruz, Odilon Moraes. No que se refere aos
escritores, há Roseana Murray, Manuel Bandeira, Ferreira Gullar, Vinicius de Moraes. Porém,
tal itinerário de leitura não contemplou Olavo Bilac, Monteiro Lobato, Graciliano Ramos,
Érico Veríssimo, Figueiredo Pimentel, Sérgio Capparelli, Elias José, Leo Cunha, Cecília
Meireles, Mário Quintana, Cora Coralina, José Paulo Paes, Manoel de Barros, por exemplo.
Não observamos a preocupação em garantir um itinerário de leitura que dialogasse
estreitamente com a história da LIJ. Por isso, pensamos que é importante listar obras e autores
imprescindíveis à leitura dos alunos do EFI a fim de garantir o acesso e a apropriação deles
sem excluir os textos que vêm sendo selecionados. Nesta questão a integração entre Língua
Portuguesa e Literatura é fundamental, porque as coordenadoras têm como garantir um
itinerário de leitura que valorize obras e autores importantes para a formação literária dos
alunos.
6.4 Corpus nas aulas de Literatura: textos/materiais, critérios de seleção e modos de
apresentação
Para a coordenadora Renata os textos lidos nas aulas de Literatura eram os livros que
compunham o acervo da disciplina. Outros materiais também eram usados nas aulas, como
adereços (chapéu de bruxa, óculos, roupas, xale); materiais comestíveis (biscoitos); música
175
(com a letra digitada); quebra-cabeça, caça-palavras etc. A equipe comprava, na medida da
possibilidade, livros que contemplassem os temas de trabalho: “para facilitar na hora da gente
achar (...) a gente arrumava no armário por temas”, como folclore, clássicos, terror e poesia.
Havia outras seções. Mas Renata não se recordou na entrevista.
O livro era lido no suporte porque “As crianças têm que saber que as histórias, aquilo
tudo sai dos livros”. Na leitura compartilhada do livro Renata contou que as professoras
faziam a voz da personagem e que, às vezes, usavam um ou outro adereço. Mas elas não se
fantasiavam para “contar história”. Porém, eventualmente, a leitura contava com uma
dramatização. Como exemplo, temos uma aula planejada para o 1º ano:
Teve um dia que a gente contou uma história que a mãe, a mãe fez uns biscoitinhos para as crianças, eram dois irmãos. Tocaram a campainha era o nome da história!
Tocaram a campainha, aí chegaram mais dois. Aí, as crianças viram que tinham 12
biscoitos que já ia ser 6 para cada um, ia dividir por três. Depois, chegou mais gente,
ia dividir por quatro, por cinco. Daqui a pouco, sobrou um biscoito para cada um.
Mas, como só tinha um biscoito para cada um, tocaram a campainha. Quem era? A
vovó! Chegou com um prato de biscoitos novos que ela tinha feito. E aí todo mundo:
“Eh! Eh!”. E, aí, nisso, eu me vesti de vovozinha, né, botei um, prendi o cabelinho,
botei o oculozinho assim, botei um xale, comprei rosquinhas Mabel (risos). E aí,
comprei rosquinhas Mabel e bati na porta. Aí, a Mariana: “Vocês escutaram alguém
bater na porta?”, “É, bateram”, “Quem é? Pode entrar!”. Aí, eu entrei: “Bom dia!
(com voz de velhinha) Vocês estão bem? Ouvi dizer que acabaram os biscoitos. Eu
trouxe mais para vocês!”. As crianças ficaram malucas. (...) E acabou a aula com eles comendo mais biscoitos. Entendeu? Uma vez ou outra a gente fazia isso. Que é
um enriquecimento, né? Quer dizer, o personagem saiu do livro e apareceu ali. Eles
adoravam! (Renata, 03/02/15).
A equipe também usava a música. Renata citou A Dona Árvore (Bia Bedran). A
professora lia a história e botava a música para as crianças ouvirem. Ela entregava ainda a
letra da música digitada: “Então, eu fazia questão de mostrar que também tinha uma música
com aquele tema”. Essa intenção mostra que Renata tinha a preocupação de ajudar o aluno a
estabelecer relação entre o texto literário e demais textos, conforme prevê a proposta
curricular (CPII, 2008). Ademais, a equipe preparava quebra-cabeça e caça-palavras. A
presença de jogos parece ter sido uma marca da coordenação de Renata, o que não perdurou
na coordenação de Sandra.
Duas linhas de força estão em tensão no discurso de Renata: Experiência/Formação e
Ludismo. Possibilitar que o aluno estabeleça relações da literatura com outros textos, planejar
uma vivência significativa da literatura por meio da dramatização, fazer o aluno entrar em
uma cena do livro estão na direção da formação. Já os jogos, vimos a presença deles em
algumas poucas aulas, com um quiz sobre contos de terror que haviam sido lidos e quebra-
cabeça de um gato que foi protagonista do livro da aula. Os alunos adoraram ambas as aulas.
Eles entraram no jogo, não foi um momento qualquer.
176
No caso do quiz, ele aconteceu na aula do dia 13/04/15 com uma turma do 5º ano.
Após terem passado o trimestre estudando o tema medo e suspense, a professora Mariana
levou um quiz para os alunos sobre os contos estudados. Mariana fez treze perguntas sobre os
três livros de terror que leram, tais como: a morte se apresentou para o autor do livro Bá e as
visagens? Em que livro isso ocorre: a) Sete ossos e uma maldição, b) Bá e as visagens ou c)
Contos de morte morrida? Livro em que todos os contos têm a morte? No conto “A morte e o
pescador”, a morte se torna madrinha do pescador? Visagem é fantasma, assombração ou
coisa de outro mundo? No livro Bá e as visagens o autor diz que Bá era como se chamava a
vó dele Bárbara? Teresa Bicuda antes de morrer pediu que chamassem o padre para ela.
Verdadeiro ou falso? Etc. O quebra-cabeça foi para uma aula do 1º ano com a professora
Mariana, em 08/05/15. A turma leu o livro De bem com a vida, de Bia Hetzel, e depois
recebeu um quebra-cabeça de papel que tinha um gato, personagem principal do livro, para
ser pintado. Em seguida, cortaram as peças do quebra-cabeça e misturaram com as dos
colegas do grupo em que estavam sentados. Brincaram de misturar gatos. As crianças
adoraram. Enquanto isso, um aluno passava pelos grupos segurando uma lixeira e dizendo:
“Alguém tem alguma coisa para a Gulosa? A Gulosa está com fome?”. As crianças foram
dando o lixo produzido no recorte do quebra-cabeça.
Sandra continuou o que Renata iniciou quanto ao cuidado com a articulação dos textos
literários com outros textos: “Eu gosto muito de trabalhar em literatura com outros recursos.
Não só com livro. Por exemplo, você conta um livro, mas você pode passar um documentário.
(...) um curta-metragem. Você pode colocar uma música também. Você pode pesquisar”.
Segundo Sandra, os alunos gostam de ver a interlocução do texto literário com outras artes,
com outros textos. Esses textos, segundo Sandra, podem entrar em pé de igualdade com o
texto literário proposto, como em uma rua de mão dupla, provocando diálogo entre eles. Há,
então, uma preocupação com a formação. Porém, “às vezes, o texto não é o principal da
história (risos). (...) se torna uma coisa secundária naquela aula. De repente, o debate, a
informação é o mais importante do que o próprio texto”. Neste sentido a literatura entrou
como pretexto para o debate de um assunto.
Além do cuidado com a articulação dos textos literários com outros textos, ela
manteve os temas e, na entrevista, citou a metodologia de projetos de trabalho como
contraponto ao trabalho a partir de temas: “eu nunca trabalhei muito com projeto. Projeto é
uma coisa, assim, para mim, é muito recente. (...) eu já trabalhei com projeto quando eu estava
em sala de aula. Mas na literatura eu não estou conseguindo encontrar um meio de trabalhar
com projeto”. Observamos nas aulas que, com a estrutura de um texto para cada aula e o
177
planejamento das aulas sem a consideração da demanda dos alunos, a metodologia de projetos
de trabalho realmente fica difícil de entrar. O que os alunos gostariam de fazer nas aulas de
literatura? Segundo Hernández (1998, p. 82) esta metodologia é
Um percurso por um tema-problema que favorece a análise, a interpretação e a
crítica (como contraste de pontos de vista).
Onde predomina a atitude de cooperação, e o professor é um aprendiz, e não um
especialista (pois ajuda a aprender sobre temas que irá estudar com os alunos).
Um percurso que procura estabelecer conexões e que questiona a ideia de uma
versão única da realidade.
Cada percurso é singular, e se trabalha com diferentes tipos de informação. O docente ensina a escutar; do que os outros dizem, também podemos aprender.
Há diferentes formas de aprender aquilo que queremos ensinar (e não sabemos se
aprenderão isso ou outras coisas).
Uma aproximação atualizada aos problemas das disciplinas e dos saberes.
Uma forma de aprendizagem na qual se leva em conta que todos os alunos podem
aprender, se encontrarem o lugar para isso.
Por isso, não se esquece que a aprendizagem vinculada ao fazer, à atividade manual
e à intuição também é uma forma de aprendizagem (HERNÁNDEZ, 1998, p. 82).
Após essa fala de Sandra, perguntamos se ela achava que trabalhar com a metodologia
de projetos de trabalho era necessário na Literatura, e sua resposta foi: “Eu, particularmente,
acho que não, entendeu? Porque eu não sei se está atendendo às minhas expectativas”. Sandra
parece ter pouca intimidade com essa metodologia, de modo que não vê uma maneira de
estabelecer relação entre ela e a estrutura pedagógica das aulas de Literatura.
As expectativas da equipe de Literatura estão atendidas na medida em que o tema do
trimestre já confere contexto para as aulas. E quais são as expectativas dos alunos? Elas são
importantes? Nas falas das coordenadoras e professoras vemos que elas avaliam se a aula foi
boa ou não, conforme o quanto que significaram para os alunos. Então, o que o aluno
responde a essas aulas vale para a equipe. Até agora o aluno entra na conversa sobre o texto.
Sandra defende que a maneira de apresentar os textos seja acompanhada de uma conversa
antes, durante e depois da leitura do texto principal da aula.
A professora Mariana não citou os textos que eram lidos nas aulas de Literatura.
Contudo, reiterou que eles, bem como os diferentes materiais usados, eram “escolhidos de
acordo com as temáticas das séries, durante as reuniões de planejamento da equipe de
literatura com a coordenação”. Os modos de apresentação dos textos e dos materiais variavam
e se mesclavam com as atividades propostas, como leitura de livros, teatro de fantoche,
filmes, vídeos, músicas.
Na aula de 06/04/15 a professora Mariana distribuiu classificados do jornal para a
leitura dos alunos. Ela explica: “Os classificados foram distribuídos para vocês conhecerem
como eles são. Servem para trocar, comprar, alugar, passar o ponto, detetive particular”. Os
alunos pedem que a professora apague a luz e coloque som de terror: “A história é muito de
178
terror, aterrorizante? Então, põe som de trovão!”. A professora inicia a leitura do texto
“Crianças à venda, tratar aqui”, de Rosa Amanda Strausz. Ela escreve no quadro o nome da
autora, mostra a sua foto e diz que ela já visitou o colégio: “O título do livro é Sete ossos e
uma maldição. Nós vamos trabalhar um dos contos. De que trata esse conto? Vocês vão
ouvir”. Sua leitura é repleta de gestos e vozes diferentes. Quando Mariana leu o trecho “O
primeiro a ser vendido foi o Tião”, a turma riu bastante porque havia um Tião na turma. Os
alunos mais uma vez pediram que a professora colocasse a música de trovão. Os alunos
prestaram muita atenção. A professora produziu uma casa para ilustrar melhor uma das cenas.
O aluno perguntou: “Tem figura?”. E a professora apontou para a casa que fez. Os alunos
comentaram a leitura: “Tão maltratando o moleque!”, “Ele devia estar morto!”. Mariana
mostrou um cartaz com um homem produzido por ela com o objetivo de mais uma vez ilustrar
uma cena. As crianças foram ficando com um olhar triste. Durante a leitura, alguns alunos
pegaram a casa que a professora fez e ficaram observando, comentando seus detalhes. Um dos
alunos fingiu que chorava conforme a professora narrava a morte de uma personagem. Esse
mesmo aluno repetiu as falas da professora ou respondeu às perguntas que as personagens
faziam entre si. Um aluno pediu: “Conta o resto, conta o resto”. Para a surpresa da turma, não
tinha resto. A professora perguntou: “O que vocês entenderam? O que aconteceu é para a
gente pensar. Essa mãe merece ser culpada ou não?”. As respostas foram diversas, a saber:
“Ela não foi saber do filho”, “Ela queria dinheiro”, “Ela não pensou em visitar a casa
primeiro”, “No começo, ela falou que ela queria um futuro melhor para os filhos do que o
dela. Ela ficou obcecada pelo dinheiro”, “Eu não concordo com algumas pessoas que
disseram que ela só ligou para o dinheiro”, “Essa mãe é e não é culpada porque ela pensava
nos filhos. Não tinha dinheiro para comprar um fogão!”. Uma aluna chorou por causa do final
da história. Quando a conversa esfriou, a professora os convidou para a atividade final, que
era a produção de um classificado, trocando, vendendo ou alugando algo bem absurdo. Os
alunos ficaram muito animados. A aluna que chorou pediu o livro emprestado para a
professora, que não podia emprestá-lo porque a outra professora, a Cláudia, ia usá-lo na aula.
Ela, então, produziu um classificado que dizia assim: “Troco uma tristeza por um livro
grosso”.
A professora Cláudia também não listou os textos e materiais usados nas aulas de
Literatura, justamente porque “Os textos são escolhidos de maneira coletiva, junto à equipe de
Literatura”. Compreendemos que essa dinâmica de trabalho faz com que os textos não sejam
sempre os mesmos todos os anos. Nas reuniões de planejamento vimos que os cadernos de
planejamento dos anos anteriores são consultados sempre que falta uma ideia ou que há a
179
necessidade de verificar uma informação. Elas mantêm as aulas que “deram certo” e alteram
sempre que surge um livro mais interessante. Talvez esta seja a razão de elas não se
preocuparem com um número de obras prescritas para serem lidas no EFI. Elas não fazem
uma lista de antemão para depois planejar as aulas. Tal maneira de pensar as leituras corre o
risco de não garantir a leitura de obras literárias consideradas importantes para um aluno do
EFI ter tido acesso.
A professora Cláudia confirma que os critérios de seleção dos textos e materiais
seguem “a temática selecionada para ser trabalhada, no período, para aquela determinada série
escolar. O material vai ser escolhido a partir das atividades inspiradas pelos textos”. Como
este é um critério muito presente qual atividade o texto inspira , talvez essa seja uma das
razões de alguns textos importantes não entrarem.
Os critérios de seleção dos textos não estão explícitos no currículo. Contudo, as
entrevistas e as aulas mostram que são selecionados conforme o tema. Há uma preocupação
em atender a uma diversidade cultural, o que se vincula com a competência geral e as
competências específicas, como também com os conteúdos do PPP (CPII, 2008, p. 123, 125 e
127).
Não foi observada a preocupação com a multiplicidade de suportes de leitura. O que
há é a busca por diferentes materiais que possam contextualizar, dialogar com a obra lida na
aula. Sobre isso, acreditamos que vale a pena inserir o e-book e conversar com os alunos
sobre e-readers, já que há o surgimento de novas tecnologias (HUNT, 2010, p. 287) na cena
contemporânea.
Outra preocupação observada foi a adequação dos livros aos interesses dos alunos e às
suas competências. Vimos que o campus não segue estreitamente a proposta curricular no que
se refere à ordem de estudo dos gêneros literários, pois há a intenção de integrar-se com as
demais áreas, como também a prática pedagógica mostra o que funciona ou não, o que os
alunos dão conta e o que precisa ser postergado. Tal preocupação talvez justifique a diferença
encontrada entre o que prescreve a proposta curricular e o que as professoras fazem.
Por fim, nota-se a preocupação com a possibilidade de vinculação com outros textos.
Tal aspecto aparece bastante nas competências tanto gerais quanto específicas. Esta
preocupação também se concretiza nas aulas realizadas em parceria com o Laboratório de
Informática Educativa (Lied). Com ele, os vídeos e as imagens são mais presentes, já que ele
visa, principalmente, à contextualização da aula e à produção de um trabalho por meio da
ferramenta da informática.
180
Os livros lidos nas aulas estão no apêndice F. Eles são variados. Há leituras clássicas e
contemporâneas da LIJ, conforme prescreve a proposta curricular. Em geral, a equipe
seleciona um livro por aula. Ele é o protagonista da aula. Todavia, ele conta com “recursos
auxiliares”, principalmente vídeos e fotografias. Os gêneros prediletos são os que se referem à
narração; em segundo lugar, à poesia e em terceiro, ao teatro.
Os textos narrativos, no campus Humaitá I, são estudados durante todo o EFI. A
proposta curricular postula que a poesia deve ser estudada somente nos três primeiros anos
desta etapa da educação básica. Porém, ela está presente no 1º, 2º, 4º, e 5º anos. Somente no
3º ano a poesia não se encontra. O teatro entra na proposta curricular de Literatura apenas no
último ano do EFI, no 5º ano. O mesmo acontece nas práticas pedagógicas do campus.
Todavia, a proposta de realizar dramatizações do texto literário está presente nos modos de ler
o livro para as turmas, principalmente nas aulas da professora Cláudia. A proposta curricular
prevê que os textos narrativos sejam lidos do 1º ao 5º ano (textos narrativos: contos de fadas,
contos maravilhosos, narrativas contemporâneas, lendas, fábulas, contos fantásticos, narrativa
mítica, provérbios, quadrinhos e crônicas). Há textos narrativos em todos os anos e em todos
os trimestres. Contudo, não registramos a presença de quadrinhos nas aulas.
Não sabemos dizer se a junção do que o campus prevê de leitura com o que a proposta
curricular prescreve ano a ano é possível. Como a seleção de gêneros literários está vinculada
também ao tema gerador e ao acervo literário disponível, cremos que não é possível afirmar
de antemão que há a possibilidade de haver uma junção. De qualquer maneira, a maior parte
dos gêneros literários está contemplada na proposta curricular que o campus organizou. O que
falta é a inclusão dos quadrinhos.
Quanto aos modos de apresentação do texto literário, todas leem de modo fluente, de
forma envolvente, com entonações e pausas e valorizam a ilustração, conforme Silva (2011)
também constatou em aulas de Literatura do 1º ano do EFI do CPII no campus São Cristóvão.
Para Sandra, que ministra aulas somente para o 1º ano, o momento da leitura começa com
uma brincadeira e a leitura é um momento de ouvir e conversar. Enquanto lê, ela faz vozes
diferentes e explora ilustrações. Ela faz perguntas de localização de informações explícitas
(“Quem eram os caçadores? Disse o camaleão que mudava sempre de...?”), levanta hipóteses
(“Por que será que eles não estavam encontrando a lagarta?”), relaciona textos (a professora
leu o texto informativo sobre a lagarta e perguntou que relação ele tinha com o vídeo),
relaciona o texto com a vida dos alunos (“Tem outro animal que vocês conhecem que vive a
metamorfose? Qual? Quem já tinha visto a transformação da lagarta em uma borboleta?”),
antecipa a história com os alunos. Sandra também traz muitas informações. Como exemplo,
181
na aula de 04/04/16, antes da leitura, a professora explicou que a primeira história do livro
mostra o ponto de vista do menino e que a segunda história mostra o do cachorro. Ela
explicou o que era ponto de vista. Apresentou a ilustradora e disse que na semana seguinte
leria outro livro da ilustradora. Informou o nome da autora.
O modo de Sandra aproximar o texto literário dos alunos começa com uma conversa
em roda na sala de aula dos alunos antes de partirem para a sala de literatura. Lá, ela faz uma
introdução da aula por meio de brincadeiras (brincadeira de adivinhação para entrar no tema
do livro, descobrir o nome da autora, chama os nomes do último ao primeiro e os alunos ao
invés de falarem presente, devem dizer o nome de um animal sem repetir etc.). Depois, vai
com o grupo para a sala de literatura, onde novamente os alunos se sentam em roda.
Dependendo do texto escolhido pela equipe, a professora exibe algum vídeo que contextualize
a história (exibição do vídeo da borboleta, conversa sobre o vídeo). Quando isso não cabe, ela
faz perguntas de antecipação sobre a história. Depois que percebe que os alunos estão com o
conhecimento mínimo para entrarem na história, ela inicia a leitura do livro. Após a leitura, se
houver algum comentário sobre o livro, ela para e conversa um pouco mais. Caso contrário,
explica a atividade seguinte.
Para Cláudia o momento da leitura é a hora de ouvir e conversar, como também de
dramatizar cenas do texto. Quando ela provoca seus alunos para vivenciarem os personagens
por meio da leitura dramatizada, promove um encontro com novas pessoas. Segundo Todorov
(2010, p. 80-82), conhecer novas personagens é como encontrar novas pessoas e que, quanto
menos essas personagens se parecem conosco, mais ampliado e rico se torna o nosso
horizonte. Nas aulas da Cláudia a leitura é bastante interrompida para explicar algum trecho,
localizar no mapa alguma informação, apresentar o autor e ilustrador (“Quem é o escritor?”),
contextualizar trechos (“O que estava acontecendo nesta época no Brasil e na África? O que
significa ser um país independente?”), ou perguntar sobre informações explícitas do texto
(“Em que lugar aconteceu a história? Vimos que o Kofi nunca tinha visto uma criança branca
e vice-versa. Como ele imaginava essa criança? O que não conheciam? Quais eram os únicos
seres que conheciam o fogo? Qual foi o plano que elas bolaram para conhecer o fogo? O que
aconteceu quando o braseiro ficou pronto? Qual povo foi estudado? Por que será que esse
lagarto recobrou a sua cor? Quem é Bá? Por que ciranda de ossos? Faltava o quê? Como é que
eles tinham chegado ali? Qual era o nome da moça? Por que a Francisca e sua mãe deram um
tempo da cidade? Quem deu a vela para a Dona Maria? Por que ela ficou trancada rezando?
Por que ele se fingiu de mendigo? Ele é mendigo? Como ele sabia chegar na casa dela, mas
não sabia o endereço?”). Ela também faz perguntas de vocabulário (“O que é petrificado? O
182
que é um amuleto? O que significa gadanha? O que será que é uma visagem? O que é
sepultura? O que é cabaré? O que é fúnebre? O que são retardatários? O que é All Star?”),
sobre o contexto histórico, sobre a relação do texto com a vida dos alunos (“O que essa
história ensinou pra gente? Quem viveu uma situação parecida? Vocês têm algum lugar que
vocês sabem chegar, mas não sabem o endereço?”), o narrador (“Quem vai contar as
histórias? Quem está dizendo que vai contar a história?”), para chamar a atenção para algum
aspecto da ilustração (chama a atenção para algo específico da África, para as cores utilizadas
nas ilustrações), informar sobre a estrutura de um gênero discursivo (explica a natureza dos
contos populares: “Por que esta história é curta? Esta história tem que tom?”), resumir um
trecho, perguntar sobre o que virá depois (“O que virá em seguida?”), perguntar sobre temas
sociais (“Por que a fome não é justa? Por que será que dizem que a morte é justa? Ela teve
uma atitude macha. O que quer dizer isso?”), explorar metáforas (“O que significa encontrou
seu destino? O que ele quis dizer com sempre pode pingar alguma coisa? O que o autor quis
dizer em onde está o seu controle remoto?”) e eufemismos, além de estabelecer relação entre
gêneros literários (“Há algo em comum entre estes dois textos? Qual é a diferença entre os
tipos de texto: o poético e a crônica?”).
A professora Cláudia começa sua aula de forma parecida com Sandra. Primeiro,
encontra a turma na sala de aula deles, faz combinados, explica a aula brevemente e, depois,
se dirige à sala de literatura. Lá reserva bastante tempo para a contextualização da obra
(vídeos, mapas, imagens) e para a conversa sobre ela. Esta contextualização também é
dividida com o Lied eventualmente, que em cada trimestre acompanha um ano escolar
diferente. Quando estão na sala de Literatura, às vezes, a contextualização vem de outra
maneira, por meio de uma ambientação (as crianças se sentam em volta de uma fogueira de
mentira, a luz da sala é modificada conforme o tema do livro, objetos são espalhados pela
sala, como caveiras, rolos de cabelo e uma vela). Sempre que há a contextualização ou a
ambientação da sala, quando a leitura finaliza, a professora pede que os alunos estabeleçam
relação entre os materiais utilizados para contextualizar o livro. Durante a leitura, a professora
abre bastante espaço para a conversa, como também para a vivência de uma cena a que ela
queira dar destaque (os alunos tomaram chá, por exemplo, o que fazia parte de uma cena do
livro). Ela também apresenta o livro e recria cenas através da dramatização com os alunos.
Observamos que nas aulas da professora Cláudia as crianças eram muito respeitadas
quanto ao seu imaginário. Tal concepção de infância vai ao encontro do que Travassos (2013)
concluiu na sua dissertação, que pertence à revisão bibliográfica desta pesquisa. A autora
concluiu que a concepção de infância de Lobato tem com marca a valorização e o respeito
183
pelo imaginário infantil. As principais personagens de Lobato são crianças livres que
imaginam, trocam ideias, resolvem problemas, criam e recriam o mundo à sua volta.
Para Mariana o momento da leitura não é para conversar. Ele é para ouvir, apreciar,
prestar atenção na leitura da professora que, na verdade, traz uma performance teatral. A
professora faz vozes diferentes, caretas, gestos, usa objetos que caracterizem um personagem,
coloca música de fundo, apresenta o autor e o ilustrador, mostra as ilustrações, explica partes
da história e vocabulário pouco conhecido, produz material para ilustrar cenas dos livros
lidos, olha nos olhos dos alunos, altera o tom de voz. Enquanto ela lê, não permite ser
interrompida.
Na hora da história, não levanta o dedinho para falar (28/11/14, turma 103). Não é para interromper e nem desenhar. Por que estão falando junto comigo? Senão
interrompe a leitura. A aula é desse tamanho e se vocês falarem agora fica desse
tamanho [a professora mostra com gestos que a aula fica menor] (28/11/14, turma
101).
Não dá pra ser uma história legal com vocês interrompendo. Não dá para encadear o
pensamento (05/12/14, turmas 101 e 103).
Parece que o fato de a professora não abrir espaço para a conversa se deve a essa
entrada teatral que ela tem com o texto literário. Ela dramatiza. Após a leitura, ela abre um
espaço para a conversa. Pergunta sobre atitudes dos personagens (“Quem acha que o que o
jabuti fez com a onça foi certo? Essa mãe merece ser culpada ou não? O que vocês acharam
da Albertina?”), a estrutura textual (“O que é rima? Tem rima no texto? Quais palavras
rimam?”), alguns trechos (“O que queria dizer a presença da água?”), informações explícitas
(“Quais são os personagens?”), a relação da vida dos alunos com o texto (“Alguém já foi
nesses lugares?”), vocabulário (“O que é estupefato?”), opinião (“Gostaram?”).
De modo geral, a professora começa a aula contextualizando o livro. Quando há a
parceria com o Lied, a professora toma a frente e apresenta o tema do livro por meio de
imagens e vídeos. Quando não há a parceria, a professora Mariana faz como Cláudia e
ambienta a sala (música com som de trovão para a leitura do conto de terror), apresenta o
tema do livro, o autor, ilustrador ou traz algum curta-metragem ou filme. Durante a leitura,
dramatiza a história, explorando ilustrações e objetos. Depois da leitura, acontece uma breve
conversa e, em seguida, ela apresenta a atividade final. Conforme os alunos vão acabando, ela
coloca um DVD musical de que a turma gosta (Palavra Cantada). Geralmente, o material é do
aluno. Então, como sabem que ela abre esse espaço, eles trazem para a aula. A leitura do livro
também pode ser com livros animados (Ana e Ana, DVD da Coleção A Cor da Cultura).
De modo geral, há intenção de que as aulas garantam condições de troca significativas.
As propostas têm a intenção de ser lúdicas (na aula de 12/12/14 a professora Mariana realizou
a produção de uma borboleta com uma turma de 1º ano) e agradáveis, que conduzam a criança
184
a um contato prazeroso (na aula de 31/03/16 a professora Cláudia promoveu a vivência de
uma cena do livro que era tomar chá com a turma de 3º ano) e à identificação com a Literatura
(na aula de 06/04/15 a professora leu o conto “Crianças à venda” e perguntou após a leitura se
a mãe merecia ser culpada para uma turma de 5º ano).
No que se refere ao trabalho colaborativo, não há menção na proposta curricular.
Porém, o trabalho está presente na dinâmica da aula. Geralmente, as crianças fazem trabalho
em duplas ou trios. Não observamos nenhuma aula em que a leitura individual estivesse
presente. Sempre vimos a leitura compartilhada. A escrita literária aparece mais, a partir do 3º
ano. Já as atividades de expressão oral, plástica e corporal estão presentes do 1º ao 5 ano. Há
uma ênfase para as brincadeiras no 1º ano (aula 04/04/16, brincadeira de adivinhar os nomes
dos animais) e para os jogos no 5º ano (aula de 13/04/15, quiz sobre os contos de terror lidos
para turma).
Nas aulas a escrita literária não está ligada à cópia e nem se vincula a projetos de
trabalho. Tal escrita entra como: a) nas aulas da professora Mariana: desenho e escrita do que
tem medo (1º ano), produção de um classificado no Lied (5º ano), produção de um texto
informativo sobre a vida do Edgar Allan Poe (5º ano), livro animado com uso do programa
BrOffice com as histórias produzidas pelos alunos na aula anterior, a partir de um jogo com
ações, personagens, lugares, qualidades e objetos (5º ano); b) nas aulas da professora Cláudia:
produção de um bilhete para os autores do vídeo e produção de uma breve apreciação (3º ano)
e escrita: “O que aconteceu depois?” (4º ano).
Conforme prescreve a proposta curricular, de fato, nas práticas há o predomínio das
atividades de leitura. Todas as aulas começam com uma leitura. Aos alunos cabe sempre a
realização de atividades de expressão oral, plástica e corporal. Em todo o EFI o aluno ouve a
leitura do professor. As aulas da professora Cláudia contam com a atuação do aluno na leitura.
O corpus literário selecionado está na perspectiva da linha de força Leitura e Ludismo,
assim como o critério de seleção e os modos de aproximação com o texto literário. Os textos
são escolhidos, principalmente, conforme o tema estudado no trimestre que foi previamente
acordado e está em articulação com as demais áreas do conhecimento, em particular com a
Língua Portuguesa. Conforme dissemos anteriormente, a equipe docente coloca em jogo
vários critérios de seleção dos livros para as aulas, como a qualidade literária, o tema, a
extensão do texto e o autor. Entre esses critérios, o que é mais presente nas reuniões
pedagógicas é o tema. Mas reiteramos que ele não pode vir a ser o principal critério de
seleção dos livros. O principal deve ser a qualidade literária. As aulas de Literatura vivem a
tensão de serem independentes em relação à Língua Portuguesa e de, ao mesmo tempo, se
185
articularem com as demais áreas nas reuniões de planejamento integrado. Quando os temas
entraram como um ponto de partida do trabalho pedagógico, as aulas ainda estavam se
estruturando, como também a equipe. Então, o tema apareceu como um critério de seleção dos
textos e orientador das propostas pedagógicas do trimestre. Contudo, hoje com os estudos
acerca da LIJ e a equipe de Literatura já com 30 anos de trabalho consolidado, pensamos que
vale a pena rever a importância do tema na seleção dos livros e na orientação do trabalho
pedagógico. A revisão passa por quem escolhe o tema, a importância dele na LIJ e os livros
escolhidos, que, embora possam ter qualidade literária, precisam equilibrar textos clássicos e
contemporâneos. Outra ideia que merece revisão é a de que em cada aula deve ser sobre um
livro diferente e que a atividade proposta deve ser inspirada no livro que atende ao tema
trimestral. Por que em cada aula deve ser um livro diferente? Por que as atividades de criação
devem se circunscrever sempre ao livro lido? Uma abertura se faz necessária para que as aulas
de Literatura possam ir ao encontro da formação literária.
6.5 Significado atribuído às aulas de Literatura e concepções de leitura literária
Segundo a coordenadora Renata, a literatura desenvolve a imaginação da criança e o
amor pela leitura. A criança descobre que dentro dos livros “tem tanta coisa boa, tanta coisa
divertida, tanta coisa emocionante”. Algumas delas, ao ouvirem a história, choram, abraçam a
professora e no final da aula agradecem: “Eu me emocionava demais ali. (...) Tem criança que
muda de comportamento para melhor com a família depois de vivenciar determinadas
histórias”. Esse retorno Renata via quando, no final do ano, durante a exposição dos trabalhos,
os pais iam falar com as professoras, abraçavam, elogiavam, davam os parabéns: “Era uma
coisa emocionante. Eles diziam: meu filho passou a gostar de ler graças a vocês. Era uma
conquista mesmo dos leitores”. Renata defende a tese de que “quanto mais você lê, você fala
melhor, você escreve melhor, você tem mais ideias”.
Para Renata a literatura colabora no processo de alfabetização na medida em que
desenvolve o amor pela leitura, a imaginação, a oralidade, a leitura e a escrita, como também
pode provocar mudanças de comportamento: “Eu acho que desenvolve a imaginação da
criança. E quando você desenvolve a imaginação da criança facilita a escrita. Ela aprende que
ela pode criar coisas fantasiosas, textos fantasiosos”.
Perguntamos, então, a Sandra por que ela considera importante ensinar literatura:
Ajuda a pensar, ajuda a questionar, ajuda você a entender alguns comportamentos
(...) aprendi muita coisa em relação até mesmo à questão de você aceitar o outro pela
literatura. (...) você entender algumas culturas de outros países. Entender não é só a
186
cultura, não, religiosas. Se você não entender isso, você não vai ter tolerância
nenhuma... (...) A gente escuta... (...) você fica tolerante. Eu acho que a literatura
mexe muito com (...) a sensibilidade. Você entender o outro. Se sensibilizar com o
outro. (...) até alguns contos que a gente dá aqui, a gente percebe o quanto as
crianças são preconceituosas. Eu acho difícil dizer que uma criança é
preconceituosa... (...) Tão construindo nela (Sandra, 23/06/16).
No que se refere ao significado da literatura associado ao processo de alfabetização,
Sandra concorda que há uma especificidade no trabalho de literatura com o 1º ano. Para tratar
desse tema, ela recorreu ao trabalho que duas professoras da instituição realizaram há alguns
anos. As professoras Vânia e Solange mostravam nas aulas do Núcleo Comum todos os tipos
de textos para as crianças, de extensão curta ou longa: “Mesmo as crianças sem saber ler, elas
botavam na frente da criança e falava para criança, assim: acompanhe a leitura. Aí, as crianças
faziam isso, ó (Suely pega um papel e finge passar o dedo pelas palavras). Elas iam lendo com
o dedinho”. Nesse período os livros de Ana Maria Machado eram os mais usados. Embora
Sandra reconheça que “Os livros da Ana Maria Machado não são uma literatura genuína”, ela
gosta deles para a alfabetização. “Eu não tenho nada contra porque ela também foi uma
alfabetizadora. Ela alfabetizava com esses textos. E eu usava muito e continuo. E se eu
estivesse no primeiro ano, eu estaria usando”. Sandra cita os livros do Menino Poti, Mico
Maneco. Para ela é uma literatura para o trabalho de Núcleo Comum. A seleção dos textos
trabalhados passa pela preocupação de o texto facilitar o ensino da letra: “Eu só trabalharia...
Eu alfabetizei só com literatura”.
Para as aulas de Literatura Sandra pensa que estes livros não são adequados: “Mico
Maneco. E é uma literatura. (...) Não é uma literatura pra nossa sala de Literatura”. Ela afirma
que “trabalharia qualquer outro texto de literatura... (...) mas não o Mico Maneco”. Ela
selecionaria os livros sem a preocupação de os alunos estarem lendo ou não.
Para Mariana a literatura interfere no processo de leitura do aluno. A relação entre as
aulas de literatura e a alfabetização está na necessidade de ensinar o aluno a gostar de ler para
que o processo de leitura seja iniciado.
Para se começar um processo de leitura do aluno de classe inicial, é preciso ensiná-
lo a gostar de ler. O bom leitor é aquele que estabelece relações, associa fatos,
reflete e tira suas próprias conclusões. A literatura infantil, neste caso, interfere e
auxilia este processo, pois as crianças do primeiro ano inicialmente fazem
interpretação das histórias que ouvem através de seus desenhos ou de outras
atividades lúdicas e desenvolvem desse modo o interesse pelo ensino formal de
letramento em sua alfabetização (Mariana, 05/03/16).
Portanto, na visão de Mariana, o ensino da literatura e o da leitura estão intrincados. A
literatura parece ser a entrada para o aprendizado da leitura. Seria ouvindo literatura e
realizando atividades lúdicas ligadas ao texto que o aluno desenvolveria interesse pelo seu
processo de alfabetização.
187
Cláudia pensa que o ensino da literatura é importante porque “A literatura vai
desencadear o pensar, o imaginar e o descobrir de novas verdades”. Ela “pode impulsionar o
leitor a não ter medo de enfrentar suas próprias ideias, representadas por meio da linguagem
oral ou escrita”. Ela defende que o momento da aquisição da linguagem escrita precisa ter
significado. Nesse momento, para Cláudia, a literatura pode exercer esse papel de desencadear
o pensamento, a imaginação e a descoberta de outras verdades, provocando o leitor para o
enfrentamento de suas próprias ideias: “Também acredito que, no momento da aquisição da
linguagem escrita, que precisa necessariamente ter significado, a literatura pode exercer este
papel”.
Quando os sujeitos de pesquisa falam da imaginação e criação no que se refere à
literatura, eles se aproximam de Vigotski (2008). Segundo o autor, quanto mais as crianças
veem, ouvem, experimentam, aprendem, mais elementos elas dispõem para imaginar e criar.
Para Vigotski (2008, p. 21-22), a imaginação também se converte em um meio de ampliar a
experiência do homem. E quando as crianças podem imaginar o que não viram, o que não
experimentaram diretamente através da narrativa do outro, elas não se circunscrevem à sua
própria existência.
Observamos que as aulas de Literatura em turmas de alfabetização não têm um
compromisso com o ensino da leitura e da escrita, mas com dar a palavra às crianças. Ensina-
se uma relação com o texto, uma forma de atenção, uma inquietude, uma abertura. Vimos a
preocupação com o significar. Conforme Goulart e Gonçalves (2013, p. 22) definem,
significar é uma ação que pertence à dimensão discursiva dos processos de aprendizagem da
escrita. O caráter discursivo das aulas de Literatura sobressai quando o outro (os alunos) entra
como encontro e confronto de conhecimentos.
De acordo com a fala dos nossos sujeitos de pesquisa, a literatura é uma forma de
expressão, desenvolve o espírito crítico, percepções e tem papel interrogativo. O conceito de
obra aberta de Eco (2010) aparece nas aulas por meio da contextualização que as professoras
tentam fazer, articulando o livro com diferentes suportes e áreas do conhecimento. A
conversa, principalmente as promovidas pela professora Cláudia, convidam o leitor a fazer a
obra com o autor. Esta maneira de ver a relação do aluno com as aulas de Literatura também
encontra ressonância com Bakhtin (1993b) e Vigotski (1998), quando afirmam que o artístico
se dá nas inter-relações entre criador, contemplador e obra.
A professora Mariana é a que fica mais na tensão entre o texto de prazer e a fruição. O
modo como a professora Mariana conduz a leitura não tem como fim refletir sobre normas,
mas contentar, o que é intensificado com as produções finais (desenhar, jogar). Não vimos
188
conversas que buscassem provocar rompimento com a cultura. Em contraposição, nas suas
aulas, principalmente, quando o Lied está presente, por meio da contextualização, há a
discussão das bases históricas, e, às vezes, o texto põe em crise valores já estabelecidos.
Todos os sujeitos de pesquisa valorizam a literatura e buscam desenvolver o senso
crítico nos alunos. A maior diferença entre estes sujeitos é o teor da conversa. A linha de força
mais presente no que se refere à concepção de literatura das professoras e coordenadoras é
Leitura e Experiência/Formação. Para elas a literatura forma, transforma, afeta.
6.6 Objetivos das aulas de Literatura
Para Sandra o objetivo principal das aulas de literatura é “conhecer um pouco da
literatura, de vários gêneros literários para as crianças. (...) Várias formas de expressão. (...)
opinar (...). Criticar também”. Ela se preocupa com a possibilidade de a criança não gostar do
livro e, inclusive, concorda com a ideia de que a criança tem todo o direito de não gostar do
livro e da ilustração. Portanto, o objetivo principal das aulas de Literatura é possibilitar ao
aluno conhecer a literatura e diferentes formas de expressão e abrir espaço para a opinião e a
crítica.
Mariana pensa que “o trabalho da escola é ajudar em um processo já iniciado na
família, oferecendo ao aluno um momento e um espaço dedicados à contação de histórias”.
Segundo ela, “Este processo tem por objetivo introduzir as crianças no universo das narrativas
e estimular assim o hábito da leitura. O encantamento das histórias e as atividades lúdicas
decorrentes visam a desenvolver futuros leitores espontâneos”.
Observamos nas aulas que as professoras se atêm ao objetivo geral de formar leitores
críticos. O ponto de partida é o livro que está vinculado ao tema proposto para o trimestre e a
produção que ele inspira. As aulas contam com a presença de objetivos específicos do PGE
(CPII, 1985), como desenvolver as potencialidades criativas do aluno; desenvolver o espírito
crítico; trabalhar todas as formas de expressão, verbais ou não; desenvolver as potencialidades
intelectuais do aluno dentro de uma linha de trabalho não formal; desenvolver a capacidade de
trabalhar independentemente, com vistas à conquista da autonomia; e a de trabalhar
cooperativamente, com vistas à conquista do sentimento de solidariedade.
Todas as aulas convergem para a o objetivo geral explicitado no PPP (CPII, 2008 p.
123): “Formação de leitores capazes de reconhecer as sutilezas, as particularidades, os
sentidos, a extensão e a profundidade das construções literárias”. Além disso, elas
concretizam alguns objetivos específicos do mesmo documento, como estimular o gosto pela
189
leitura; possibilitar o desenvolvimento das estruturas mentais, através do estabelecimento de
relações, tais como: eu/outro, eu/as coisas verdadeiras/as coisas inventadas, e do contato com
diferentes tipos de tempo e espaço; e fazer a criança refletir sobre os problemas de seu tempo,
levando-a a desenvolver o espírito crítico.
A professora Cláudia quer que seus alunos sejam capazes de reconhecer as sutilezas,
as particularidades, os sentidos, a extensão e a profundidade das construções literárias. Já a
professora Mariana focaliza no desenvolvimento da imaginação, da fabulação. Ela não entra
nas construções literárias. Então, as crianças assistem à sua performance de leitura e depois
fazem uma atividade que pretende ser bastante lúdica. Mariana vive o PGE (CPII, 1985) nas
suas aulas. Ela desenvolve um trabalho mais ligado à criatividade, imaginação e fabulação.
Cláudia, junta isso com as construções literárias, conforme o PPP (CPII, 2008) indica. Os
objetivos do trabalho estão tensionados pelas linhas de força Leitura e Experiência/Formação,
pois há a intenção de formar o leitor crítico, e pela linha Leitura e Ludismo devido à
preocupação com a fabulação.
6.7 Conteúdos das aulas de Literatura
Sandra pensa que a literatura “tem que provocar algum rompimento”. Ela acha que as
aulas de Literatura devem “provocar algum questionamento, alguma discussão”. Isso se
articula com o segundo poder da literatura, anunciado por Compagnon (2014, p. 36-37), de
que a literatura produz dissensão, o novo, a ruptura. Interessante notar que no senso comum é
o contrário. A literatura infantil está vinculada à inocência, à capacidade de se adequar, de se
adaptar, divertir, brincar, ensinar, e de não incomodar e nem desacomodar (ANDRUETTO,
2012, p. 59).
Para mostrar como esse poder da literatura se aplica na prática, ela deu um exemplo de
uma aula do 5º ano em que o texto principal foi o conto “Crianças à venda. Tratar Aqui”, da
escritora Rosa Amanda Strausz, do livro Sete ossos e uma maldição. Após a leitura e conversa
sobre o conto, foi proposta a realização de um julgamento quanto à questão da venda dos
filhos pela mãe: “as crianças ali conseguiram entender que ali tem duas situações: do
problema da mãe, uma situação real, do cotidiano dela, e o problema do fato de você vender
uma coisa que é uma criança, né. (...) Que não é um produto. É um choque”.
190
Quando indagada sobre os conteúdos priorizados nas aulas de Literatura38
, Sandra
disse: “eu acho que eu priorizo mais o texto escrito, mas também a ilustração. Não, o livro”.
De acordo com Sandra, já houve um período em que ela achava que o texto escrito era mais
importante do que a ilustração. Atualmente, ela pensa que o texto escrito e a ilustração estão
em pé de igualdade. É “Até mais difícil você ilustrar do que você escrever. Às vezes, o
trabalho do ilustrador, ele acaba sendo um autor. Se ele não está ligado a nenhum texto
escrito, tem aquela questão autoral. (...) Ele faz um outro texto paralelo”.
Para Mariana as crianças devem aprender com a literatura a expor suas próprias ideias,
valorizar suas opiniões e discutir valores. Elas devem desenvolver o espírito crítico: “Cada
história apresentada permite ao aluno expor suas próprias ideias, valorizar suas opiniões e
discutir valores modificando, assim, sua visão de mundo”. A partir da apresentação de cada
conto, os alunos “entram em contato com diferentes valores, ações, atitudes e desenvolvem o
espírito crítico, tão importantes ao comportamento em sua vida diária”. Os conteúdos
priorizados têm relação com o conjunto de temáticas que são “escolhidas de acordo com o
interesse e a faixa etária”.
Neste aspecto, achamos que as aulas de Literatura se afastam do modelo autônomo de
letramento literário, descrito na dissertação de Samuel Ronobo Soares (2009), pois não há
perda de autonomia pelos alunos de manifestarem suas leituras, o significado da literatura não
está circunscrito ao contexto histórico e à caracterização e biografias de autores.
Cláudia pensa que, “Quando lê, o leitor cria o seu mundo, o povoa e olha com os olhos
do outro”. É isso que ela espera que seus alunos aprendam com a literatura: criar o seu
mundo, povoá-lo e olhá-lo com os outros. Segundo ela, a partir daí, os alunos serão “capazes
de construir significados que poderão ajudá-los a refletir e mesmo reformular sua visão da
realidade”. A professora Cláudia prioriza em suas aulas os seguintes conteúdos: “o
conhecimento de dados biográficos e do contexto histórico, além da análise do gênero
textual”. Contudo, a aula não se restringe a tais informações. Ela contextualiza a obra e, ao
longo da leitura, a professora vai chamando a atenção dos alunos para os aspectos do gênero
literário, suas construções literárias, vocabulário, ilustrações, e os convida a relacionarem a
obra com eles mesmos.
38 Listados no PPP (CPII, 2008), os conteúdos estão organizados a partir de dois eixos de trabalho: livro e texto.
Os conteúdos do eixo livro são autoria, ilustração, diagramação, recursos gráficos, paginação, editora, edição, contexto em que o livro foi produzido. Os do eixo texto são o texto poético (acalantos, cantigas de roda,
quadrinhos, trava-línguas, canções populares e poemas de autores contemporâneos), o texto narrativo (contos de
fadas, contos maravilhosos, narrativas contemporâneas, lendas, fábulas, contos fantásticos, narrativa mítica,
provérbios, quadrinhos e crônicas) e o texto dramático (CPII, 2008, p. 124-127).
191
As aulas mostraram que os conteúdos trabalhados são autoria, ilustração, editora e
contexto em que o livro foi produzido e o que a história suscita. Os alunos não analisam o
texto do ponto de vista da estrutura. De modo superficial, as professoras chamam a atenção
para versos e estrofes, rimas, o humor das crônicas. Fora isso, destaca-se o conteúdo do texto.
O núcleo das aulas de Literatura é o acesso aos textos e a discussão sobre eles. Cremos que a
ausência do estudo da estrutura de um texto literário se deve à tensão que há entre a Língua
Portuguesa e Literatura na escola. O objetivo do PGE (CPII, 1985) de que o trabalho da
literatura não seja formal continua presente. Contudo, para que o aluno estude as construções
literárias do texto é importante que tenha conhecimento da estrutura textual dos gêneros lidos.
O que cabe a cada uma destas disciplinas?
Os conteúdos se vinculam à linha de força Leitura e Ilustração na medida em que ler
literatura não basta. É necessário haver uma aula para ensinar o aluno a ver esse tipo de texto.
Refletir sobre conceitos que pertencem a esse campo do conhecimento. Contudo, alguns
conteúdos não são considerados pelas professoras, como diagramação, recursos gráficos,
paginação e edição.
6.8 Atividades propostas nas aulas de Literatura
Sandra pensa que as atividades propostas para o 1º ano devem ser bastante diferentes
das oferecidas para o 5º ano: “O segundo [ano] se aproxima muito do primeiro [ano]. O
terceiro [ano] fica mais no meio termo. O quarto ano é como se fosse uma preparação para o
quinto [ano] (...) fica difícil a gente separar”. Para ela, o 1º ano exige textos mais curtos
porque o tempo de atenção deles é menor em relação ao 5º ano: “São mais curtos os textos,
mas você pode ler um clássico no primeiro ano. (...) eu li o Ricardo Azevedo que eram três
histórias de bobos, paspalhões. (...) Eu li com o meu segundo ano em duas etapas. (...) a
história era tão envolvente que eles queriam saber”.
Para Sandra, o 1º ano é um momento de “começar a criar empatia com o público
infantil (...). Tem que ter uma parte assim de jogo, de brincadeira, para depois você introduzir
o texto naquela brincadeira e depois você fazer uma proposta”. Já o 5º ano precisa ter debates.
Os textos selecionados devem provocar questionamentos: “É muito mais você lançar uma
literatura mais questionadora”. Nos debates é importante ouvir a opinião das crianças.
Conversando sobre as atividades propostas nas aulas de Literatura, Sandra trouxe à
tona outras duas questões: as atividades que o 5º ano realizava quando Renata era
coordenadora de Literatura e o perfil do professor de Literatura do EFI. Anos atrás, Sandra foi
192
chamada para avaliar o 5º ano. Teve um aluno que disse para ela: “Tia, por que que a gente
não faz teatro?”. Esse aluno provocou Sandra. Para ela não é qualquer professor que dá aula
de Literatura, pois “não é qualquer um que sabe ler, fazer uma leitura de um livro literário,
entendeu? As pessoas pensam que contar história é fácil, mas não é fácil não”. Ela pensa que
esse professor deve saber ler com entonação, ter envolvimento com o texto literário, ler de
acordo com a pontuação, olhar, fazer algumas pausas e perguntar sobre o texto.
As aulas de Literatura de Mariana contavam com atividades pedagógicas diversas: “A
apresentação das histórias era feita através da leitura de livros, mas também de teatrinhos de
fantoche, teatros de sombra, filmes, vídeos, poesias, entre outras técnicas, utilizando, sempre
que possível, músicas adequadas para despertar emoções”. Após a contação, os alunos
“representavam cenas, construíam personagens com desenhos, recortes e colagens e
utilizavam jogos”. Os jogos estavam em integração com os contos e com outras áreas do
conhecimento. De acordo com Cláudia, “As leituras dos textos, em nossas aulas de Literatura,
são permeadas com atividades mais lúdicas e plásticas, caracterizando as obras apresentadas”.
De modo geral, as observações e a participação nas reuniões pedagógicas mostraram
que as atividades propostas são leitura, conversa, dramatização, desenho (com ou sem
materiais diversos), escrita, exibição, análise, pintura de desenhos, jogo, dobradura.
Há leitura de literatura; conversa sobre texto, imagens ou vídeos; dramatização do
texto literário durante a leitura compartilhada da professora, ou em grupo, e após o
conhecimento do texto, com fantoches de varas; desenho de cenas, personagens, objetos;
escrita de bilhete, apreciação crítica, texto informativo, resposta a uma pergunta suscitada
pelo livro; exibição de curta-metragem, filmes, fotografias; análise de imagens; pintura de
desenhos de autoria dos alunos, quebra-cabeça; jogo de adivinhação, de cartas; dobraduras de
cenários e personagens. No apêndice G compartilhamos um quadro com as atividades
realizadas após a leitura e a conversa sobre o livro no período de março a outubro de 2016.
De modo geral, o 1º, 2º, 3º e 4º anos ouvem, conversam, desenham e escrevem,
preponderantemente. O 5º ano ouve, conversa, debate e escreve. A linha de força que é mais
presente nas atividades de Literatura é a Experiência/Formação, na medida em que a produção
de sentidos é um vetor muito presente no ato da leitura e da conversa. Também está presente a
linha Leitura e Ludismo. A leitura deve provocar encantamento, trazer o leitor para fabular
com o autor. Embora a intenção da produção, após a leitura, seja provocar uma reflexão ou
sistematização sobre a leitura, observamos que ela nem sempre promove uma resposta do
leitor ao texto. Embora ele tenha que criar nessa resposta, este momento nem sempre é de
criação para os alunos devido à repetição dos modos de criar. Vimos crianças realizando as
193
produções de modo tarefeiro, apenas para entregar. Nem sempre isso aconteceu porque o
aluno não era aplicado. Vimos alunos considerados bons desestimulados na realização das
produções. Então, a intenção é provocar a imaginação, mas a variedade de maneiras de
provocar este momento precisa ser revista. O professor tem a intenção formativa, e o aluno
está envolvido para dar a sua contrapalavra. Mas a maior parte das atividades propostas fica
no desenhar e escrever (1º ao 4º ano) e no debater e escrever (5º ano).
Olhando para as atividades propostas, diríamos que a força delas está na leitura. Ela é
cativante, bem contextualizada, o professor está inteiro nela. Os alunos ouvem, observam e
assistem. Percebemos que a leitura pelo aluno aparece quando há a dramatização do texto. A
conversa sobre o texto literário está presente, mas o teor dela fica a cargo do professor. Aqui
acreditamos que vale a pena combinar previamente o que é importante perguntar sobre o texto
para que as reflexões sobre as construções literárias sejam garantidas. Os alunos, de modo
geral, conversam sobre o texto literário, sobre aquilo que o professor quiser dar destaque. A
atividade subsequente à conversa é fundamental. A equipe compreende que o leitor dá uma
resposta e, desde o PGE de 1985, a marca desse momento da aula é a criação. Porém, hoje, a
equipe precisa refletir: em que medida a criação está sendo vivida pelo aluno com as
atividades propostas? O aluno está realizando para entregar uma tarefa, ou para de fato dar
uma resposta ao texto? As aulas de Literatura dão mais ênfase ao conteúdo e à emoção. O que
está mais frágil no trabalho é a criação.
Toda a aula de Literatura vai ao encontro do que Vigotski (2010, p. 333) chamou de
vivência estética. Há esta intenção. As professoras e coordenadoras entendem que o aluno não
está passivo na aula. Tal atividade construtiva é realizada pelo aluno na apreciação da leitura
dramatizada pela professora Mariana, nas leituras dialogadas da professora Cláudia e da
coordenadora Sandra. Todavia, há dúvidas quanto à construção e criação do objeto estético
pelo aluno, na medida em que ele realiza atividades propostas pela professora que nem
sempre fazem sentido para ele. As aulas mostram que os textos são bem aceitos, que a
conversa de fato abre espaço para as reflexões dos alunos. Porém, as atividades nem sempre
são bem aceitas, seja pelo desafio que provocam, pelo sentido que fazem para o aluno, ou pela
repetição de modos de realizar a tarefa. Nesta hora a criação fica em xeque.
Por meio da leitura dialogada ou não o aluno reage. Percebemos que a conversa é um
importante momento de reconstrução do objeto estético, que é quando o aluno entra em
interlocução mais fortemente com a obra, juntando sua experiência com o que a obra traz. A
resposta dada à obra é que, às vezes, é interrompida nas aulas por causa das razões expostas
acima. A reação estética nem sempre se completa.
194
Vimos que no momento em que a obra de arte é vivenciada a divergência entre
conteúdo e forma provoca uma contradição emocional no sujeito. Isso é potencializado
quando a professora ressalta tal divergência. O momento da estimulação é potencializado pela
ilustração, pelos objetos, ambientação da sala. A reação estética começa pela percepção
sensorial. Na síntese criadora secundária (VIGOTSKI, 2010, p. 334) o leitor se une à obra.
Esta síntese é potencializada e vivida na conversa sobre o texto literário. Por meio da empatia,
os alunos se projetam na obra, com a professora abrindo ou não espaço. A fragilidade está na
resposta. E por que há dúvidas sobre a resposta? Porque não é possível afirmar que há criação
na atividade proposta após a conversa. Contudo, a intenção é provocar esta criação. Ela é
presente e forte. A importância que a equipe confere à criação se relaciona com o dizer de
Vigotski (1998, p. 313-314):
a percepção da arte também exige criação, porque para essa percepção não basta
simplesmente vivenciar com sinceridade o sentimento que dominou o autor, não
basta entender da estrutura da própria obra: é necessário ainda superar
criativamente o seu próprio sentimento, encontrar a sua catarse, e só então o efeito
da arte se manifestará em sua plenitude (VIGOTSKI, 1998, p. 313-314, grifo nosso).
A leitura e a conversa possibilitam a empatia (BAKHTIN, 1993a, p. 32-33) das
crianças. Mas, para que possam de fato contemplar e vivenciar esteticamente a obra, é
necessário haver uma cocriação. É necessária uma atividade de autoria posterior em relação
ao leitor/contemplador. Questionamos na tese o quanto o aluno está como cocriador da obra.
A atividade proposta deve possibilitar cocriação. Falta garantir a conclusão da
recepção/reação estética. “Só porque vemos ou ouvimos algo não quer dizer que já
percebemos a sua forma artística [...] é preciso ingressar como criador no que se vê, ouve e
pronuncia” (BAKHTIN, 1993b, p. 58-59, grifo do autor). “A percepção mais simples da
forma ainda não é, por si mesma, um fato estético” (VIGOTSKY, 1998, p. 68).
Como os alunos continuam na condição de criadores nas aulas de Literatura após a
leitura e a conversa sobre o texto literário? Acreditamos que é produzindo coletivamente
produtos finais ligados a um projeto de classe, pois dessa maneira o que será produzido é
decidido coletivamente e, portanto, fará sentido para o grupo. Exemplos de produtos finais de
projetos literários são livros, musicalização de poemas, apresentações teatrais, festivais de
poesia/recitais, jornais/boletins informativos, curtas-metragens, animações, cenas de livros,
autobiografias leitoras, teatro de fantoches, radioteca, videoteca com entrevistas, máscaras,
modernização de histórias antigas, produções escritas de finais de contos, registro de histórias
populares contadas na comunidade, adaptações de clássicos para história em quadrinhos,
tapetes de histórias, livros virtuais, propagandas de livros, produções escritas de versões,
traduções e adaptações, escrita de resenhas.
195
As aulas de Literatura nada mais são do que a leitura dialogada e guiada do texto
literário. Um grande encontro para construir sentidos coletivamente. Por isso, pensamos que
elas se aproximam mais do conceito de educação literária do que de formação literária, pois a
aprendizagem de interpretação de textos supõe ter como resultado uma prática desenvolvida
através da recepção oral ou leitura direta dos textos pelos alunos e as formas guiadas para
ensinar a construir sentidos (COLOMER, 2009, p. 73).
Constatamos que nas aulas de Literatura há a presença da dimensão afetiva da
literatura (FITTIPALDI, 2013, p. 444-445), já que as práticas literárias são reconhecidas pelos
sujeitos de pesquisa como relevantes na vida pessoal das crianças e no desenvolvimento de
seus hábitos de leitura. Além disso, a dimensão sociocultural (FITTIPALDI, 2013, p. 444-
445) está presente por meio da entrada de conhecimentos sobre a cultura, o contexto de
circulação e recepção da obra, e o entendimento de que a literatura é uma prática social. A
dimensão cognitiva (FITTIPALDI, 2013, p. 444-445) também aparece nas aulas, pois se
refere à compreensão das práticas literárias como processos interpretativos em que os leitores
são ativos e constroem sentidos. A dimensão ético-filosófica (FITTIPALDI, 2013, p. 444-
445) também comparece com força, na medida em que ela permite refletir sobre a literatura
como discurso em que se manifestam representações e juízos de valor da sociedade.
Observando as aulas de Literatura, destacamos a dimensão estético-linguística porque
acreditamos que ela representa a especificidade das aulas de Literatura. Há momentos de
observação de recursos retóricos e de reflexão sobre seus efeitos estéticos e as suas
possibilidades expressivas, bem como dos diversos modos de construção da linguagem
literária, de reflexão sobre os sentidos que potencializam o uso de determinados recursos
linguísticos e da imagem. Todavia, eles não são tão presentes quanto deveriam. Algumas
práticas pedagógicas que observamos potencializam tal aprendizagem, como a dramatização e
a escrita individual ou colaborativa. Há outras que deveriam entrar, como a narração oral, os
jogos com a linguagem a leitura em voz alta, a leitura coletiva, a recitação poética em classe,
a realização de espetáculos teatrais, a indagação das eleições linguísticas e das ressonâncias
que sugerem determinados vocábulos ou expressões, oficinas literárias de trocas de leituras e
de escritas.
O fato de as aulas terem como ponto nodal a imaginação, a fabulação e a criação
(CPII, 2008) faz com que elas estejam em consonância com a ideia de Vigotski (2008) de que
a literatura atua no âmago do processo de desenvolvimento do ser humano, no seu mundo
simbólico e no processo de imaginação e criação. A ideia de a criação pretender ser um ponto
forte das aulas Literatura também se articula com o que Larrosa (2003) fala sobre a
196
imaginação. A imaginação produz, incrementa e transforma a realidade. Fictio vem da palavra
facere, que significa fazer. As aulas de Literatura pretendem fabular e fazer/criar algo.
A importância das aulas de Literatura vem dessa relação entre imaginação e criação.
Do nosso ponto de vista, elas apresentam as seguintes especificidades: a) acessar, organizar e
reorganizar a nossa experiência (JOUVE, 2012); b) ensinar a pensar de modo dialético
(CALVINO, 2016, p. 129); e c) iniciar-nos nas finesses da língua (COMPAGNON, 2012, p.
70-71). As aulas de Literatura devem ter como especificidade a dimensão estético-linguística,
o que não quer dizer que as demais dimensões não entrem nas aulas. Contudo, o
desenvolvimento destas dimensões afetiva, sociocultural, cognitiva, ético-filosófica
pode estar tanto nas aulas de Língua Portuguesa quanto nas de Literatura, ficando a cargo da
Literatura a dimensão estético-linguística por ser o núcleo do seu trabalho. A Literatura é
estética.
Chegamos ao final da análise dos dados construídos durante a realização da pesquisa
de campo. A seguir, apresentamos nossas considerações finais acerca de: Como são as aulas
de Literatura do Ensino Fundamental I do Colégio Pedro II campus Humaitá? O que estas
aulas fazem com os sujeitos e o que eles fazem nela?
197
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando tomamos a decisão de pesquisar não sabemos o que está por vir. Tantas aulas,
orientações, textos, congressos, escutas. E, no final, sentimo-nos como que montando um
grande quebra-cabeça com peças de diferentes naturezas. Interessante notar que a composição
deste quebra-cabeça também não se faz somente na relação entre pesquisador, orientador e
sujeitos de pesquisa. Além dos autores com os quais dialogamos e buscamos compreensão,
carregamos conosco tudo e todos que estão ou estiveram conosco até o momento da escrita
final da pesquisa.
Sem dúvidas, a experiência do doutorado sanduíche me colocou no lugar de
estrangeira. Estar em uma creche com crianças de diferentes nacionalidades falando catalão,
observando o espaço, as conversas, o comportamento, os combinados, os profissionais. E
ainda, na universidade, junto aos futuros professores catalães. O que discutiam? E a biblioteca
dessa universidade, o que tinha sobre aulas de Literatura? Esse lugar de estrangeira me
marcou profundamente. Tudo o que foi vivido está aqui, no texto, está em mim. Abrir-me
para a experiência foi o que a construção desta pesquisa pediu de mim. As peças antes
dispersas passam a fazer sentido, encontram lugar. Muita coisa me passou, me atravessou, me
alcançou, me afetou. Buscar compreender Como são as aulas de Literatura do Ensino
Fundamental I do Colégio Pedro II campus Humaitá? O que estas aulas fazem com os
sujeitos e o que eles fazem nela? reuniu tantas pessoas, levou-me a lugares que eu não
imaginava, mobilizou muita energia.
Afinal, o que fazem as professoras e o que orienta a coordenação pedagógica de
Literatura? As professoras fazem o que a coordenação orienta. A coordenadora faz uma
mediação entre as professoras e propõe aulas a cada encontro. Sua ação é sempre no sentido
de chegar a um combinado onde as professoras se sintam bem com a aula planejada. Há
espaço para perguntar, criar. As aulas são uma decisão coletiva. Cada sujeito de pesquisa
marca de maneira diferente as aulas de Literatura. As orientações de Renata, quando
coordenadora, deixaram como marca a renovação do acervo, as mudanças nos temas que
orientavam as aulas e a proposição de outras atividades lúdicas, a partir dos livros. Sandra,
além de ter feito as mesmas mudanças que Renata, conseguiu integrar a Literatura à Língua
Portuguesa sem deixar que a especificidade do trabalho se perdesse. Mariana, que viveu a
mudança de todas as coordenações pedagógicas de Literatura, marcou as suas aulas por meio
198
da criação tanto sua quanto das crianças. E Cláudia deixa a marca da leitura dialogada com
ênfase nas construções literárias.
Como a proposta curricular se articula às aulas de Literatura? A proposta curricular
se articula às aulas de Literatura por meio dos gêneros literários estudados; da presença de
livros clássicos e contemporâneos da LIJ; e da presença das atividades de leitura. Durante
todo o EFI os alunos leem textos narrativos; por quatro anos, leem poesias; e, no último ano,
têm contato com o texto teatral. Todavia, durante os cinco anos desta etapa da Educação
Básica, as crianças dramatizam histórias e poemas a partir de leituras feitas nas aulas. Além
disso, a proposta se articula quando observamos que há intenção nas aulas de possibilitar que
as crianças estabeleçam inúmeras relações entre os textos lidos na aula, outros textos e suas
experiências de vida. Há preocupação em atender os interesses das crianças e em garantir
condições de trocas significativas por meio de propostas criativas que possibilitem expressão
e identificação do aluno.
Qual é a metodologia de trabalho? As aulas têm como orientação o tema definido em
equipe com as demais disciplinas. Os temas que são trimestrais são decididos em uma reunião
de planejamento geral que acontece todo trimestre. Cada ano escolar escolhe um tema e, a
partir daí, cada disciplina pensa como vai desenvolver tal tema considerando as
especificidades das aulas. As crianças não participam da escolha dos temas das aulas de
Literatura, embora o interesse delas seja considerado por meio do que as professoras
observam acerca de suas conversas e comportamento nas aulas. Fazemos uma crítica a essa
maneira de selecionar os temas de estudo, ainda mais quando pensamos na perspectiva da
formação literária. Esta abordagem inclui uma atividade de cocriação por parte do leitor em
relação à obra. Como os alunos vão se colocar como cocriadores se a participação deles se
circunscreve basicamente à conversa sobre o texto literário?
Na perspectiva da educação literária, em que as aulas de Literatura são uma
aprendizagem da interpretação de textos, os alunos podem ficar fora dessas escolhas, pois
cabe a eles construir a competência literária que é guiada pela professora. Na perspectiva da
formação literária é construída uma relação com o texto. Isso exige uma abertura dos dois
lados da escola e dos alunos para um encontro com a literatura. As crianças precisam de
fato contemplar e vivenciar esteticamente a obra. Para tanto, é necessário haver uma
cocriação, uma atividade de autoria em relação ao leitor/contemplador. “A percepção mais
simples da forma ainda não é, por si mesma, um fato estético” (VIGOTSKY, 1998, p. 68), “é
preciso ingressar como criador no que se vê, ouve e pronuncia” (BAKHTIN, 1993b, p. 58-59,
grifo do autor).
199
Para Larrosa (2003, p. 46-46) a literatura tem função vital na escola. Aprender a ler
não é somente adquirir a competência de interpretar textos, mas ser capaz de escutar o que
está nas entrelinhas. Ler vai além do texto. Isso implica em permitir que as crianças tomem a
palavra. Neste ato elas se distanciam em relação ao que foi dito e transgridem as regras do
dizer. Desse modo, ensina-se uma relação com o texto que é uma forma de atenção, uma
atitude de escuta, uma inquietude, uma abertura.
Entendemos que o tema ajudou a Literatura no início da construção da estrutura das
suas aulas. Hoje, ele fecha, na medida em que os alunos não participam. Mas ele também é
um ponto de encontro com as demais disciplinas da escola. Propomos que o primeiro critério
de seleção dos livros seja a qualidade literária. Ao invés de temas para orientar as aulas de
Literatura, parece mais amplo pensar em projetos literários.
Como ampliar as experiências de leitura e a formação literária das crianças?
Observamos que há uma ampliação na capacidade dos alunos de conversarem sobre o texto,
um alargamento no tempo que conseguem parar para ouvir a leitura e na fluência de leitura.
Não observamos que há uma proposta de ir ampliando as experiências de leitura a cada ano,
como numa progressão. As aulas mostraram que a tendência é mais para a educação literária,
para uma aula de interpretação de textos que pretende promover a formação literária. A
ampliação das propostas pode vir com a proposição de textos, conversas e produções que
peçam pouco a pouco mais desse leitor em formação. O que vale para as aulas do 1º ano não
vale para as do 5º ano, mas para o 2º, 3º e 4º anos há pouca diferença. Todos escutam a leitura
e conversam. O 1º ano brinca e desenha. O 5º ano joga e debate. Do 2º ao 4º ano os alunos
ouvem, conversam, desenham e escrevem. Não observamos muita diferença quanto ao desafio
que oferecem em cada tipo de atividade (conversa, desenho e escrita). Pensamos que as
alterações podem ser pensadas por ciclo ao invés de ano escolar.
As propostas curriculares, tanto a última quanto a primeira, não fazem menção ao
tema como uma maneira de estruturar metodologicamente as aulas de Literatura. A proposta
em vigor (CPII, 2008) não menciona nenhuma questão relativa à metodologia de trabalho.
Nesse ponto, propomos que a metodologia de projetos de trabalho seja uma possibilidade. Os
temas são o norte das aulas de Literatura, que se estruturam sempre na tríade: leitura, conversa
e fazer artístico. As propostas curriculares (CPII, 1985 e 2008) falam sobre a criação. Nas
aulas há a intenção em promover um momento de criação artística com as crianças. Não
observamos a preocupação das professoras com o desenvolvimento das competências
prescritas na proposta curricular de 2008. Elas trabalham o que consideram importante os
alunos saberem acerca dos textos que levam para eles. A equipe se esforça para diversificar as
200
propostas de criação. Cada livro suscita uma atividade diferente. Contudo, os modos de criar
precisam de revisão para dar mais liberdade às expressões das crianças, para acolher o
inesperado.
Quais são as atividades pedagógicas propostas? De modo geral, as observações e a
participação nas reuniões pedagógicas mostraram que as atividades propostas são leituras,
conversas, dramatizações, desenhos (com ou sem materiais diversos), escritas, exibição de
filmes de curta-metragem, análise de algum aspecto do texto, pintura de desenhos, jogos,
dobraduras. As crianças dos 1º, 2º, 3º e 4º anos ouvem histórias, conversam, desenham e
escrevem, preponderantemente. As do 5º ano ouvem, conversam, debatem e escrevem. O
debate é a conversa sobre um tema que exige mais vivência por parte das crianças, e é quando
elas expõem seus argumentos e valores morais.
Qual é o objetivo das aulas? O objetivo das aulas é formar leitores críticos, conforme
estabelece a proposta curricular de 2008. Concluímos que há intenção em formar tais leitores,
principalmente por causa da atenção que se dá à conversa sobre o texto literário. Mas, como
as atividades posteriores à conversa carecem de diversificação e de gradação de desafios, a
concretização desse objetivo fica em xeque. As professoras dão voz aos alunos nas conversas
para que eles sejam mais críticos. Todavia, as propostas nem sempre vão se complexificando,
o que compromete tal formação. Os alunos se tornam críticos em relação às diferenças
culturais principalmente.
Quais concepções de leitura literária sustentam as aulas? A concepção de literatura
defendida na proposta curricular (CPII, 2008) é a mesma que a equipe docente defende.
Literatura é arte e é uma obra aberta. Porém, a presença das competências como eixo
orientador da proposta curricular confere um valor de uso às aulas de Literatura. As
professoras, por sua vez, não mencionam as competências no seu cotidiano de trabalho e
desenvolvem o que consideram importante do ponto de vista delas. Nas conversas alunos e
professoras vivenciam o conceito de obra aberta. A literatura enquanto arte faz com que os
sujeitos pensem sobre si, falem deles e sobre os textos. Contudo, o que eles fazem com a arte
é que está como uma questão para essas aulas. Há pouca diversidade nos modos de estar com
a arte. Isso as transforma em tarefas na maioria das vezes.
O que leem? Quais são os critérios de seleção do corpus literário? Os livros lidos nas
aulas são variados. Há leituras clássicas e contemporâneas. Em geral, a equipe seleciona um
livro por aula. O tipo de corpus privilegiado é a LIJ, clássicos e produções contemporâneas,
conforme também mostra a proposta curricular. Os gêneros prediletos são, nesta ordem, a
narração, a poesia e o teatro. Os gêneros literários prescritos na proposta curricular (CPII,
201
2008) são estudados, exceto as histórias em quadrinhos. Não estão sendo trabalhados na
ordem que a proposta prescreve em função da demanda de trabalho integrado que o campus
Humaitá I apresenta, o que acarreta rearranjos quanto à ordem de estudo dos gêneros
literários. Achamos que o currículo de Literatura deveria abrir mão da indicação do ano
escolar em que os gêneros literários devem ser estudados. A proposta curricular de 2008 dá
pouca ênfase ao teatro, muita à narração e alguma à poesia. Os critérios de seleção do corpus
que as professoras e coordenadoras apresentam é mais amplo do que a proposta. Pelo
documento, é a riqueza literária. A equipe ainda acrescenta o tema, a extensão do texto e o
autor. Reiteramos a necessidade de a proposta curricular oferecer um itinerário de leituras de
gêneros literários, livros e autores sem indicar o ano escolar. Dessa maneira, a equipe pode
escolher quando cada gênero, livro e autor devem ser estudados e ainda acrescentar outros
quando achar pertinente. A cada reunião pedagógica é pensado o texto da aula. A seleção de
cada texto não parte de um itinerário de leituras acordado previamente entre a equipe docente.
Que significado as professoras e a coordenação pedagógica de Literatura atribuem às
aulas? As professoras e a coordenação pedagógica compreendem que as aulas de Literatura
são um espaço de formação de leitores críticos. Estes leitores são muito respeitados e
valorizados no que se refere ao seu imaginário infantil. Eles têm espaço para trocar ideias,
resolver problemas, criar e recriar. A proposta curricular do Colégio de 1998 não menciona
em nenhum momento a preocupação com a alfabetização quando se refere ao trabalho com o
1º ano. O mesmo foi observado nas aulas. O 1º ano brinca, ouve, conversa, desenha e, às
vezes, escreve. A preocupação é com a fabulação. Essa maneira de abordar a literatura no 1º
ano possibilita que os alunos participem das aulas mesmo que tenham ou não vivenciado a
educação infantil e práticas de leitura literária. As diferenças sociais e culturais aparecem
durante as conversas. Aqueles que têm alguma relação com o livro e a literatura se colocam
mais facilmente. Aqueles que têm pouca ou nenhuma experiência com a literatura escutam e
vão pouco a pouco aprendendo como conversar sobre os livros e a literatura. Isso acontece
porque as crianças entram na escola por meio do sorteio público, o que traz para o CPII uma
grande diversidade de alunos no que se refere às classes sociais e ao acesso à literatura. As
aulas de literatura trazem a leitura em uma concepção ampla. Isso possibilita que todos
participem da aula conforme o que são e sabem sobre o mundo e sobre a linguagem escrita.
Nas aulas as professoras buscam ensinar uma relação com o texto. Nesse primeiro ano de
escola as crianças têm a oportunidade de fantasiar, ser no mundo. E vão aprendendo a
conviver com a literatura, a serem livres para pensar.
202
E para que esse direito possa ser usufruído, há que se produzirem as condições
materiais e sociais: crianças leitoras nascem, e crescem, e vivem, e criam em
ambientes em que a leitura desimpedida ocorra espontânea e frequentemente:
ambientes com muitos e bons livros, com muitas e boas histórias e poemas, com
muitas palavras desafiadoras, frases desajustadas, novidadeiras, voadoras,
atrapalhadas, consoladoras, brincalhonas... (BRITTO, 2015, p. 58). Quais são os conteúdos? No que se refere aos conteúdos em aulas de Literatura,
precisamos primeiro refletir: quais conteúdos literários são importantes os alunos saberem?
Que espaço eles devem ter nas aulas? Em todas as aulas observadas as professoras apresentam
o livro, falam do escritor, ilustrador, da editora e do contexto do livro. Sobre a autoria, os
alunos aprendem a relacionar autores e seus textos, e têm contato com dados biográficos de
autores importantes. Quanto à ilustração, estabelecem relações entre o texto escrito e a
ilustração. Os elementos do texto narrativo também são ensinados. As crianças identificam a
sequência dos fatos, personagens e suas ações, caracterizam personagens, o ambiente e o
narrador. Os elementos do texto poético também são estudados, principalmente o ritmo, as
rimas e as repetições de sons, como também os versos e as estrofes. O contexto do texto
literário é outro conteúdo bastante presente nas aulas de Literatura. As professoras o exploram
com muita intensidade. Nele os alunos relacionam ideias contidas nos textos e o cotidiano
deles, estabelecem relações entre o contexto em que o texto foi escrito e o próprio texto,
identificam elementos presentes no texto que expressam diferenças culturais, conversam sobre
preconceitos e manifestações culturais e, se possível, fazem referência a outros textos. Esses
conteúdos, embora prescritos, abrem para a entrada de outros, para aqueles que cada leitura
traz. Estes se referem às experiências de vida que os alunos trazem para as aulas quando
estabelecem relação com o texto literário. Trata-se de um tipo de conteúdo muito subjetivo e
impossível de ser previsto, mas possível de ter um espaço garantido para emergir e ser
compartilhado. Na conversa sobre o texto literário as perguntas que a professora traz
provocam respostas que puxam outras respostas, e assim por diante. Os alunos vão juntos de
maneira singular construindo os sentidos do texto com a orientação da professora. Nesta
interação verbal a palavra se dirige a um interlocutor. “Ela constitui justamente o produto da
interação do locutor e do ouvinte” (BAKHTIN, 1986, p. 113). O importante nesta interação
verbal é que “Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, (...) em relação à
coletividade” (BAKHTIN, 1986, p. 113). Neste encontro, compreender a enunciação de
outrem significa formar uma réplica. “A compreensão é uma forma de diálogo; ela está para a
enunciação assim como uma réplica está para a outra no diálogo. Compreender é opor à
palavra do locutor uma contrapalavra” (BAKHTIN, 1986, p. 131-132). Nesta interação
verbal existimos, interagimos e refletimos.
203
Como o texto literário é abordado? Quanto a esta questão, a proposta curricular é, em
grande parte, contemplada. Os alunos se expressam oralmente, plasticamente e
corporalmente; ouvem, recontam e dramatizam; escrevem textos pequenos e leem textos
poéticos. Entendemos que tais modos de aproximação ao texto literário poderiam ser mais
diversificados e incluir ações junto à biblioteca escolar e às aulas de Artes.
Como a biblioteca escolar se articula com as aulas de Literatura? A biblioteca
escolar, no período da pesquisa de campo, não tinha articulação com as aulas de Literatura. O
empréstimo de livros na biblioteca acontecia se as crianças quisessem, principalmente, na
hora do recreio. E como as aulas de Literatura se articulam com as atividades da biblioteca,
com as aulas de Língua Portuguesa e com as aulas de Artes? A biblioteca não tinha
atividades. Simplesmente havia uma equipe de técnicos, bibliotecária e auxiliar de biblioteca
que lá trabalhavam. Tal equipe cuidava do acervo. Não havia a proposição de atividades da
biblioteca. As aulas de Literatura se articulam com as aulas de Língua Portuguesa e Artes por
meio dos temas, conversados nas reuniões de planejamento integrado. Anualmente, há uma
gincana literária promovida pela equipe de Literatura em parceria com as professoras de
Língua Portuguesa do 4º ano. Contudo, não observamos a gincana. Mas é um momento de
integração entre as duas áreas e cabe pensar em articulações com a biblioteca.
As propostas curriculares (CPII, 1985 e 2008) se aproximam mais de qual
abordagem: letramento literário, educação literária ou formação literária? As propostas
curriculares analisadas (CPII, 1985 e 2008) se vinculam mais ao conceito de educação
literária. Contudo, algumas diferenças marcam tais documentos. O PGE (CPII, 1985) confere
mais força à dimensão estético-linguística da literatura (FITTIPALDI, 2013) e às linhas de
força Leitura e Ludismo e Experiência/Formação. Já o PPP (CPII, 2008) dá mais ênfase à
dimensão cognitiva da literatura (FITTIPALDI, 2013) e à linha de força Leitura e Ilustração.
O conceito de competência literária orienta toda a proposta curricular de 2008.
Definida como “una específica capacitat humana que possibilita tant la producció
d‟estructures poètiques com la comprensió dels seus efectes” (BIERWISCH apud
COLOMER, 1994, p. 37), a competência literária, na parte que trata da compreensão de
efeitos das estruturas poéticas, literárias, está presente no objetivo geral do PPP (CPII, 2008)
quando são ressaltadas “as sutilezas, as particularidades, os sentidos, a extensão e a
profundidade das construções literárias” (CPII, 2008, p. 24). Nesse sentido, parece que o
objetivo da educação literária formar o leitor competente não se distancia do explicitado
na proposta curricular formar leitores críticos. Compreendida como a aprendizagem da
interpretação de textos na perspectiva da educação literária, o leitor deve saber construir o
204
significado do que lê segundo as instruções oferecidas pelo texto. Para Colomer (1994, p. 41-
41) a Educação deve estabelecer como aprendem as crianças e adolescentes a seguir essas
pistas. Deve saber quais elementos da construção literária resultam mais simples e quais mais
complexos para oferecer ao longo do currículo. Isso dialoga como o objetivo geral da
proposta curricular de 2008: “Formação de leitores capazes de reconhecer as sutilezas, as
particularidades, os sentidos, a extensão e a profundidade das construções literárias” (CPII,
2008, p. 24). Reconhecer sutilezas, particularidades, sentidos, extensão e construções
literárias estão bem próximos de saber elementos da construção literária.
Foi durante os anos 1980 que a educação literária entrou na escola. Nesse mesmo
período foram criadas as aulas de Literatura no EFI. As transformações vividas no campo da
Didática da Literatura alcançaram as aulas de Literatura do CPII, a saber: a) desenvolvimento
nos estudos construtivistas e socioconstrutivistas, que levaram a uma perspectiva centrada no
aprendiz e b) o alcance das teorias da recepção e das respostas leitoras, que mudaram o foco
de interesse para o diálogo entre o texto e o leitor. O leitor está no centro do processo
educativo e das práticas literárias. Com a perspectiva da educação literária o objetivo de
aprender literatura na escola mudou de conhecer autores e obras relativas à história da
literatura para procurar que as pessoas leiam mais e melhor, oferecer ferramentas para que
saibam interpretar mais finamente o que as rodeia (FITTIPALDI, 2013, p. 92). As
competências literárias que são de responsabilidade da escola, segundo Colomer (2009, p. 75-
76), estão centradas no aprendizado da interpretação de textos.
Na abordagem da formação literária interpretar não é fim, mas meio. O fim deve ser a
experiência/vivência/contemplação estética da literatura que o CPII tenta promover com a
atividade de criação subsequente à leitura e à conversa. Aqui acontece uma tensão entre a
educação literária e a formação literária. Observamos que o núcleo das práticas pedagógicas
do CPII é o mesmo do que propõe a educação literária: o acesso aos textos e a discussão sobre
eles.
O PPP (CPII, 2008) quer que o aluno vivencie um estudo da literatura a fim de
dominar as convenções literárias implícitas que governam o pacto entre o autor e o leitor.
Essa proposta curricular diz como a literatura pode apoiar o trabalho de Língua Portuguesa.
Institui por meio das competências o valor de uso dessas aulas. Mas, na prática, as aulas de
Literatura buscam um trabalho não formal da Literatura ao garantirem um espaço para a
criação. Dessa maneira, vemos que há uma tensão entre a proposta curricular (CPII, 2008) e
as aulas observadas. A proposta salienta a dimensão cognitiva da literatura e a linha de força
Leitura e Ilustração, o que também está presente nas aulas durante a leitura dialogada.
205
Contudo, nas atividades posteriores à leitura dialogada, toma força a dimensão estético-
linguística da literatura e as linhas de força Leitura e Ludismo e Leitura e
Experiência/Formação. Nesse momento há uma abertura para a formação literária, pois dando
ênfase à dimensão estético-linguística da literatura permite a exploração da linguagem de
maneira criativa. O PGE (CPII, 1985) tendia mais para esta dimensão, portanto, para a
formação literária.
O centro da formação literária é a interação verbal entre texto e leitor por meio do
diálogo, no sentido amplo do termo. O sujeito deve experienciar, vivenciar, contemplar
esteticamente a literatura. A palavra é a ponte entre o eu e o outro. A partir do ler, dizer-se e
criar, propusemos que se estruture a aula de Literatura. Cada vez que as crianças têm a
oportunidade de vivenciarem uma ação interlocutória com a literatura, podem produzir
significados. Durante tais aulas, na perspectiva da formação literária, as crianças não apenas
ouvem e interpretam, mas estão com a literatura. A ação de ler vai além da interpretação do
texto. Na perspectiva da formação literária as crianças tomam a palavra. Ensina-se uma
abertura.
Deste modo, durante a leitura ou a audição de uma obra poética, eu não permaneço
no exterior de mim, como o enunciado de outrem, que é preciso apenas ouvir e cujo
significado prático ou cognitivo é preciso apenas compreender; mas, numa certa
medida, eu faço dele o meu próprio enunciado acerca de outrem, domino o ritmo, a
entonação, a tensão articulatória, a gesticulação interior (criadora do movimento) da
narração, a atividade figurativa da metáfora etc., como a expressão adequada da minha própria relação axiológica com o conteúdo, ou seja, na percepção não viso as
palavras, os fonemas, o ritmo, mas com as palavras, com os fonemas e com o ritmo
viso ativamente um conteúdo: envolvo-o, formo-o e arremato-o [...] (BAKHTIN,
1993b, p. 59).
O que as aulas de Literatura do CPII campus Humaitá I fazem com os sujeitos? As
aulas fazem com que os sujeitos ouçam, imaginem, conversem e têm a intenção de que eles
criem. As professoras fazem isso na tensão entre as perspectivas da educação literária e da
formação literária. A intenção de possibilitar a criação ora se concretiza, ora não.
O que defendemos nesta tese? Após este estudo apresentamos algumas recomendações
tanto na perspectiva de aprimorar a proposta das aulas de Literatura no CPII como também
em uma perspectiva de se pensar a formação literária nos anos iniciais do EF, especialmente
das crianças que frequentam escolas públicas brasileiras.
Defendemos que haja uma proposta curricular de Literatura para o EFI e que as aulas
de Literatura aconteçam, se possível, dentro de uma biblioteca na perspectiva da formação
literária.
Recomendamos que a estrutura das aulas de Literatura do EFI do CPII campus
Humaitá possa ser vista como uma possibilidade para pensar este tipo de aula. Ler, conversar
206
e criar vai ao encontro do que propomos com as ações interlocutórias com a literatura ler,
dizer(-se) e criar. Todavia, vale uma ressalva. O conceito de competência como norte de
trabalho de Literatura não coaduna com a abordagem da formação literária, devido ao valor de
uso que tal conceito encerra em si. Ao invés de competências, pensemos em saberes literários.
A progressão das aprendizagens é outro ponto que merece atenção. A proposta
curricular do CPII (2008) diz o que deve ser lido e realizado em cada ano escolar. Indagamos
se é possível propor uma progressão das aprendizagens na abordagem da formação literária. É
possível explicitar os saberes literários próprios de cada ano escolar? Talvez não seja possível
explicitar tais saberes. Porém, é possível selecionar textos literários com construções que
demandem mais dos alunos, bem como propor produções diversificadas que movimentem
diferentes saberes das crianças. Essa questão é importante de ser tematizada porque ela traz
consigo a avaliação das aulas de Literatura. Como avaliar as aulas da perspectiva da formação
literária? Esse é mais um ponto que carece de estudo.
As aulas de Literatura partirem de um tema é uma possibilidade metodológica, já que
também torna possível o diálogo com as demais disciplinas que a escola oferece. A ressalva
que fazemos é a decisão dos temas. Entendemos que ela deve ser feita com os alunos, e não
decidida somente entre os professores, já que, sob a perspectiva da formação literária, o aluno
é cocriador. Ele não cria sem contexto significativo. Podem ser feitos projetos literários a
partir da obra de um autor, de um gênero literário, e não apenas de um tema.
Optando por um tema ou por projetos de trabalho, entendemos que é necessário haver
um itinerário de leituras que inclua obras de reconhecida importância para a formação leitora
das crianças e que também esteja aberto para novas inclusões. Sobre esta questão é importante
que, na proposta curricular e entre a equipe pedagógica, os critérios de seleção dos livros
estejam claros. Outro itinerário que precisa ser construído é o de eventos literários, como
feiras de livros, visitas a bibliotecas, vivência de saraus, exposições, lançamento de livros.
Soubemos, após o período de pesquisa de campo, que os alunos do 1º ao 5º anos foram ao
Salão FNLIJ do Livro para Crianças e Jovens. Não observamos nenhuma aula em que as
crianças fizessem um sarau literário, montassem uma exposição ou produzissem um livro
coletivamente e preparassem o seu lançamento. Há exposições dos trabalhos dos alunos pelas
professoras em um evento que a escola realiza anualmente, chamado Mostra Pedagógica.
A dimensão estético-linguística da literatura (FITTIPALDI, 2013, p. 444-445) é a
especificidade da aula de Literatura. O jogo com os aspectos materiais da linguagem e a
compreensão da literatura como práxis artística permitem a exploração da linguagem de
maneira criativa. O momento da criação deve estar vinculado ao livro. Todavia, propomos
207
que as estratégias de criação sejam variadas e que, na medida do possível, possam também
contemplar as que acontecem em espaços onde a literatura circula além da escola. Além disso,
as próprias ilustrações dos livros lidos podem ser mais exploradas na sua dimensão plástica e
suscitar desdobramentos.
Se houver uma biblioteca com estrutura para receber uma turma com espaço, tempo,
acervo e equipe, entendemos que as aulas de Literatura podem acontecer na própria
biblioteca, pois, para possibilitar a vivência da experiência estética, é necessário separar o
tempo da vida do tempo da cultura e trazer o aluno para vivenciar somente o tempo da
cultura. Isso é possível dentro da biblioteca, na relação com o acervo de forma mais ampla. A
escola seria o lugar onde ainda haveria o leitor soberano e uma biblioteca no sentido
humanista. Isto significa viver a escola e a biblioteca como um espaço da cultura, onde o
tempo para para formar (LARROSA, 2003).
208
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FITTIPALDI, Martina. Qué han de saber los niños sobre literatura? Conocimientos literarios
y tipos de actuaciones que permiten progresar en la competencia literaria. UAB, 2013.
LÓPEZ, Lara Reyes. La formació literària a primària Impacte d’una intervenció educativa
en l’evolució de respostes lectores. UAB, 2015.
MUNITA, Felipe. El mediador escolar de lectura literaria. Un estudio del espacio de
encuentro entre prácticas didácticas, sistemas de creencias y trayectorias personales de
lectura. UAB, 2014.
ORTEGA, Maria Cecília Silva-Díaz. Libros que enseñan a leer: álbumes metaficcionales y
conocimiento literario. UAB, 2005.
POTRONY, Mireia Manresa. Els hàbits lectors dels adolescents Efectes de les actuacions
escolars em les pràctiques de lectura. UAB, 2009.
225
APÊNDICES
226
APÊNDICE A: MAPEAMENTO DOS ARTIGOS SOBRE LETRAMENTO
LITERÁRIO: COLEÇÃO LITERATURA E EDUCAÇÃO, ABRALIC E ANPED
Instituição Autor Ano Nº de
artigos Fonte Título
UFMG
(21 artigos)
Maria Zélia
Versiani
Machado
2003 5 Coleção Literatura e
Educação
Escolhas literárias e julgamento de valor por
leitores jovens
2006 Abralic Leitura de poemas no Ensino Médio, pela via do
livro didático
2007 ANPEd GT 10 Jovens leitores e suas bibliotecas íntimas
Coleção Literatura e
Educação
Literatura e alfabetização: quando a criança
organiza o caos
Maria Zélia
Versiani
Machado e
Aracy Alves
Martins
Evangelista
2011 Coleção Literatura e
Educação
A Literatura e a versatilidade dos leitores
Aracy Alves
Martins
Evangelista
2000 4 Coleção Literatura e
Educação
Diversidade na recepção estética
2001 ANPEd GT 10 Algumas reflexões sobre a relação
literatura/escola
2006 Abralic A leitura literária em livros escolares em
Portugal
Maria das
Graças
Rodrigues
Paulino
1999 3 ANPEd GT 10 Letramento literário: cânones estéticos e
cânones escolares
2005 ANPEd GT 10 Algumas especificidades da leitura literária
Coleção Literatura e
Educação
2004
Coleção Literatura e
Educação
Letramento literário no contexto da biblioteca
escolar
Marta Passos
Pinheiro
2004 2 Coleção Literatura e
Educação
Reflexões sobre práticas de letramento literário
de jovens: o que é permitido ao jovem ler?
2006 Abralic Práticas de leitura de literatura em livros
didáticos de Língua Portuguesa: Brasil e
Portugal
Marcelo
Chiaretto
2002 2 Abralic Leitura literária e exclusão digital no contexto
escolar
2003 Coleção Literatura e
Educação
A leitura literária diante da visão moderna de
progresso
Aparecida
Paiva
2004
2 Coleção Literatura e
Educação
Grupo de pesquisa do letramento literário: uma
trajetória em construção
Aparecida
Paiva e
Francisca
Maciel
2005 Coleção Literatura e
Educação
Discursos da paixão: a leitura literária no
processo de formação do professor das séries
iniciais
Hércules
Toledo Correa
e Geórgia
Roberta de
Oliveira
Ribeiro
2004
1 Coleção Literatura e
Educação
Relações entre o letramento literário e a
formação do escritor em A menina do sobrado,
de Cyro dos Anjos
Maria
Antonieta
Pereira
2007 1 Coleção Literatura e
Educação
Jogos de linguagem, redes de sentido: leituras
literárias
Célia Abicalil
Belmiro
2011
1 Coleção Literatura e
Educação
Formação de professores e os desafios
contemporâneos dos livros de literatura
Mônica
Dayrell
1
Rildo Cosson 2011 1 Coleção Literatura e
Educação
Explorando nossa imagem: a aula de literatura
no cinema
227
PUC
(3 artigos)
Egon de
Oliveira
Rangel
(PUC-SP)
2003
2 Coleção Literatura e
Educação
Letramento literário e o livro didático de Língua
Portuguesa: Os amores difíceis
2005 Coleção Literatura e
Educação
Literatura e livro didático no Ensino Médio:
caminhos e ciladas na formação do leitor
Regina
Zilberman
(PUC-RS)
2003
1 Coleção Literatura e
Educação
Letramento literário: não ao texto, sim ao livro
UFPE
(2 artigos)
Ana Maria de
Oliveira
Galvão
2003 1 Coleção Literatura e
Educação
Folhetos de cordel: experiências de
leitores/ouvintes (1930-1950)
Ester Calland
de Sousa Rosa
2011 1 ANPEd GT 10 A professora na biblioteca escolar: identidade e
práticas de ensino na formação de leitores
UFRJ
(2 artigos)
Ludmila de
Andrade e
Patrícia
Corsino
2007 1 Coleção Literatura e
Educação
Critérios para a constituição de um acervo
literário para as séries iniciais do Ensino
Fundamental: o instrumento de avaliação do
PNBE 2005
Elvira Vigna 2011 1 Coleção Literatura e
Educação
Literatura e internet
UFF Cecília Goulart 2007 1 Coleção Literatura e
Educação
Alfabetização e letramento: os processos e o
lugar da literatura
Ufes Andréa
Antolini Grijó
2007 1 Coleção Literatura e
Educação
Quem conta um conto aumenta um ponto?
Adaptações e literatura para jovens leitores
Unesp João Luís
Ceccantini
2009 1 Coleção Literatura e
Educação
Prazer à revelia: sobre a leitura de O Pica-Pau
Amarelo no Ensino Fundamental
Unicentro Cláudio Mello
e Antonio H.
da Cunha
2008 1 Abralic
Literatura como prática social em contexto
escolar
UFCG
Adriana
Martins
Cavalcante e
Naelza de
Araújo
Wanderley
2012 1
Abralic
Morte e vida Severina em HQ: uma proposta de
mediação do trabalho com o “clássico” em sala
de aula
UFPEL Mitizi Gomes 2012 1 Abralic
Na década de 1980... Utilizando mídias
inovadoras para a formação do leitor
UEM
Miriam Hisae
Yaegashi
Zappone
2006 1 ANPEd GT 10 Letramento literário: tecendo conceitos
EMAT – PBH Diléa Pires 2002 1 ANPEd GT 10 Dinamizando a biblioteca escolar por meio de
projetos integrados
Unesc Celdon Fritzen 2007 1 ANPEd GT 10 O lugar do cânone no letramento literário
UFJF Begma
Tavares
Barbosa
2009 1 ANPEd GT 10 Letramento literário: escolhas de jovens leitores
IFG Micheline
Madureira
Lage
2013 1 ANPEd GT 10 Palavra de professor: ensino, leitura e literatura
sob o foco dos docentes de licenciatura em
Letras
UFRGS
Rosa Maria
Hessel Silveira
e
Iara Tatiana
Bonin
2013
1
ANPEd GT 10
A literatura infanto-juvenil nas reuniões anuais
da ANPEd: espaços e temas
Ulbra
TOTAL 40
228
APÊNDICE B: MAPEAMENTO DE TESES E DISSERTAÇÕES SOBRE
LETRAMENTO LITERÁRIO: BANCO DE TESES DA CAPES, SITES DE
UNIVERSIDADES E BIBLIOTECA DIGITAL BRASILEIRA DE TESES E
DISSERTAÇÕES
Instituição Programa Orientador Ano Autor Título Sujeitos/corpus da
pesquisa
UFMG
(21)
Educação Aparecida
Paiva (7)
2006 Paula Cristina
de Almeida
Rodrigues
A literatura no livro didático de Língua
Portuguesa: a escolarização da leitura
literária
Coleções Linhas &
Entrelinhas e Bem-
Te-Li (EF I)
2009
Cristiane Dias
Martins da
Costa
Literatura premiada entra na escola? A
presença dos livros premiados pela
FNLIJ, na categoria criança, em
bibliotecas escolares da Rede Municipal
de Belo Horizonte
49 Títulos
premiados pela
FNLIJ, de 1974 a
2006, na categoria
criança (EF I)
Daniela Freitas
Brito
Montuani
O PNBE/2005 na Rede Municipal de
Ensino de BH: uma discussão de
possíveis impactos da política de
distribuição de livros de literatura na
formação de leitores
PNBE/2005 (EF I)
Bruna Lidiane
Marques da
Silva
Programa Nacional Biblioteca da Escola
– Edição 2006: a chegada dos acervos
na Rede Municipal de Ensino de Belo
Horizonte e a leitura de obras por jovens
leitores
Profissionais das
bibliotecas escolares
e alunos (EF II)
Elaine Maria
da Cunha
Morais
Impasses e possibilidades da atuação
dos profissionais das bibliotecas da rede
municipal de Belo Horizonte
Profissionais das
bibliotecas da rede
municipal de BH,
com enfoque nos
auxiliares de
biblioteca
2011 Marina
Gontijo Santos
Teixeira
Catálogos de editora de literatura infan-
to-juvenil: uma leitura
8 catálogos de
editoras dedicadas
ao público
infantojuvenil
2011 Virgínia de
Souza Ávila
Oliveira
Entre as proposições teóricas e a
prática: o uso da literatura infantil nas
escolas municipais de Lagoa Santa
Professoras (EI) e
professoras de
biblioteca (EF I)
Maria das
Graças
Rodrigues
Paulino (4)
2003 Maria Zélia
Versiani
Machado
A literatura e suas apropriações por
jovens leitores
Alunos (EF I e II)
2006 Marta Passos
Pinheiro (tese)
Letramento literário na escola: um
estudo de práticas de leitura de
literatura na formação da “comunidade
de leitores”
Alunos (EF II)
Mônica
Cristina
Ferreira Silva
Formação de indivíduos leitores entre a
biblioteca escolar, a família e outros
apelos socioculturais
Alunos (EF II e
EM), profissionais
da biblioteca,
professora de
Língua Portuguesa
2010 Micheline
Madureira
Lage (tese)
Ensino, literatura e formação de profess
ores na educação superior: retratos e
retalhos da realidade mineira
Professores do curso
de Letras (ES)
Magda
Becker
Soares
2000 Aracy Alves
Martins
Evangelista
(tese)
A escolarização da literatura entre
ensinamento e mediação cultural:
formação e atuação de quatro
professoras.
Professores (EF II)
Francisca
Izabel Pereira
Maciel e co-
2009
Chrisley
Soares Félix
Coleção Literatura Para Todos: análise
das obras em função do público da EJA
Coleção Literatura
Para Todos (EJA)
229
orientadora
Maria Zélia
Versiani
Machado
Francisca
Izabel Pereira
Maciel
2013 Joaquina
Roger
Gonçalves
Duarte
Formação continuada de rede: um
estudo de caso da formação de
professores no município de Lagoa Santa
Professores (EI e
EF I)
Maria Lúcia
Castanheira
e co-
orientadora
Maria Zélia
Versiani
Machado
2010 Paula Cristina
de Almeida
Rodrigues
(tese)
O letramento literário em uma turma de
quarto ano do Ensino Fundamental
Práticas de
letramento literário
(EF I)
Maria Zélia
Versiani
Machado
2011 Eliana
Guimarães
Almeida
O livro de literatura infantil no primeiro
ciclo: um estudo sobre a mediação
escolar da literatura em um contexto
socioeconomicamente desfavorecido
Alunos (EF I)
Marildes
Marinho
2010 Vânia
Aparecida
Costa (tese)
Práticas de leitura em uma sala de aula
da Escola do Assentamento: Educação
do Campo em construção
Práticas de leitura
(EF I – Educação do
campo)
2007 Rosângela
Assis Feliciano
de Melo
Jovens leitores de meios populares:
histórias e trajetórias de leitura
Alunos (EF II)
Carmem
Lúcia Eiterer
2010
Dorothy do
Abaeté
Andrade Neiva
Letramento literário e os sujeitos da
EJA: práticas, eventos e significados
atribuídos
Professores e alunos
(EF I – EJA)
Mariana
Cavaca Alves
do Valle
A leitura literária de mulheres na EJA Alunas (EF II)
Aracy Alves
Martins
Evangelista
2008 Maria Elisa de
Araújo Grossi
A mediação alfabetizadora na produção
de leitura e de escrita de gêneros e
suportes textuais: o desafio de
alfabetizar na perspectiva do letramento
Professoras (EF I)
UFRJ
(11)
Educação Reuber
Gerbassi
Scofano
2007 Luciana
Guedes
Guimarães
Tinha uma leitura no meio do caminho:
formação do aluno-leitor
Alunos (EM)
Ludmila
Thomé de
Andrade
2008 Fabrícia
Vellasquez
Paiva
A literatura infanto-juvenil na formação
social do leitor: a voz do especialista e a
vez do professor nos discursos do PNBE
2005
Pareceres do PNBE
2005 produzidos por
professores
especialistas,
professores de sala
de aula (EF I) e
professores de sala
de leitura
Patrícia
Corsino
(8)
2009 Ana Flávia
Teixeira Véras
Memórias leitoras, narrativas
reveladoras: a formação do leitor que
forma leitores
Professor (EF I)
2010 Simone Xavier
de Lima
Biblioteca ramal no município de Nova
Iguaçu: letramento e práticas leitoras
Bibliotecária,
responsável pelo
projeto de leitura,
alunos (EF I) e
professoras
responsáveis pela
biblioteca
2011
Rosita Mattos
da Silva
As histórias da gente que cabem num
livro: experiências de leitura nas aulas
de Literatura do primeiro ano do Ensino
Fundamental
Alunos (EF I)
Cláudia
Pimentel
(tese)
Espaços de livro e leitura: um estudo
sobre as Salas de Leitura de escolas
municipais da cidade do Rio de Janeiro
Responsáveis pelo
projeto sala de
leitura, professores
de salas de leitura
(EI e EF I)
230
2012 Jordana
Castelo Branco
A presença do discurso religioso em uma
escola de Educação Infantil da rede
pública de ensino do município de
Duque de Caxias
Diretora, professora,
auxiliar de turma e
alunos (EI)
2012 Hélen A.
Queiroz
O jogo literário: espaço, função e
reverberação da literatura na formação
do leitor na infância
Alunos (EF I) 5º ano
2013 Sônia M. M. F.
Travassos
Lobato, infância e leitura: a obra infantil
de Monteiro Lobato em diálogo com
crianças na escola da atualidade
Obra infantil de
Monteiro Lobato.
Alunos, professora e
coordenadora de
Literatura (EF I)
2013 Maria
Nazareth de
Souza Salutto
de Mattos
Leitura literária na creche: o livro entre
texto, imagens, olhares, corpo e voz
Alunos, professoras,
auxiliares de turma e
demais funcionários
da creche (EI)
Linguística
Aplicada
Idalina
Azevedo da
Silva
2011 Anderson da
Silva Ribeiro
Textura da leitura: seria uma rima ou
uma solução? Perspectivas em
Linguística Aplicada
Alunos (EM)
UEM
(8)
Letras Miriam Hisae
Yaegashi
Zappone (6)
2008 Juliana Carli
Moreira de
Andrade
O letramento literário em uma
comunidade rural do Pontal do
Paranapanema
Alunos (EF II)
Gilda Teresa
Contreras
López
Um estudo de caso Leitura de narrativa
de acadêmicos do Instituto de Línguas
da Universidade Estadual de Maringá
Professores e alunos
(ES)
Samuel
Ronobo Soares
Letramento literário: materiais didáticos
e o ensino da literatura
Materiais didáticos
(EF I e II e EM)
2009 Fátima
Aparecida de
Oliveira Sozza
Histórias de leitura: orientações e
práticas de letramento literário
Professores
(EF II)
2010 Marcela Dias
Pinto
Leitor comum escolarizado e a leitura de
O caçador de pipas, de Khaled Hosseini
Leitor comum
escolarizado
2012 Letícia Toniete
Izeppe
Bisconcim
Mangá: um estudo de sua forma
ficcional e de sua recepção enquanto
prática de letramento literário no
município de Maringá – Paraná
Mangá. Leitor de
mangás
Sonia
Aparecida
Lopes Benites
2011 Maria Iraides
da Silva
Barreto
Um sarau literário no semiárido baiano:
formação e desenvolvimento de leitores
Alunos e ex-alunos,
professora, equipe
gestora da escola,
coordenadora
pedagógica, pais de
alunos e de ex-
alunos (EM)
Vera Helena
Gomes
Wielewicki
2012 Daiane da
Silva Lourenço
Entre instituições de ensino e mercado
de consumo: a leitura de narrativas em
língua inglesa por adolescentes
brasileiros
Alunos (EF II e ES)
UFCG
(8)
Letras Márcia
Tavares Silva
2008 Kalina Lígia
Pereira Soares
Da leitura do espaço ao espaço da
leitura: um estudo sobre A cama de
Lygia Bojunga Nunes
Alunos (EF II)
Literatura e
Ensino
José Edilson
de Amorim
2009 Isaías de
Oliveira
Ehrich
Entre os apitos da casa-de-força, a
barragem: da análise textual à sala de
aula
Romance A
barragem
Denise Lino
de Araújo
2009 Elizabeth
Maria da Silva
Histórico de letramento e práticas
letradas em redações de vestibular
Provas de redação do
vestibular da UFCG
2007. Candidatos do
vestibular (ES)
José Hélder
Pinheiro
Alves (2)
2012 Luciana Maria
Moura
Rodrigues
Leituras e leitores de Corações solitários
– alternativas para a abordagem do
conto em sala de aula
Alunos (EM)
Fernanda
Aquino
Sylvestre (2)
2013 Adriana
Vicente do
Nascimento
A poética do espaço na teia narrativa:
da crítica à sala de aula
Professor e alunos
(EM)
Linguagem
e Ensino
Fernanda
Aquino
2013 Rodrigo
Fernandes de
Que estranho! Isso me parece familiar...
O conto fantástico em sala de aula
Alunos (EF II)
231
Sylvestre Sousa
Josilene
Pinheiro
Mariz
e co-
orientador
José Hélder
Pinheiro
Alves
Aluska Silva A literatura no ENEM: questionamentos,
perspectivas e propostas
Provas do ENEM de
2009 a 2012 e
Matriz de
Referência do Enem
(EM)
Maria Marta
dos Santos
Silva
Nóbrega
Andréia Maria
da Silva Lopes
As mulheres da cidade em Lima Barreto:
apreciação crítica e recepção de contos
na sala de aula
Contos do autor
Lima Barreto.
Alunos (EM)
USP
(6)
Educação Neide Luzia
de Rezende
2008
Mei Hua
Soares
A literatura marginal-periférica na
escola
Alunos (EF II e EM)
Idméa
Semeghini-
Siqueira
Márcia Soares
de Araújo
Feitosa
Prática docente e leitura de textos
literários no Fundamental II: uma
incursão pelo Programa Hora da Leitura
Hora da Leitura
Silvia de
Matos
Gasparian
Colello
2012 Priscila Maria
Sbizerra
Bolognesi
Rodas de leitura na escola: do
envolvimento dos alunos aos processos
de reflexão
Alunos (EF I)
Teresa
Cristina Rego
2009 Ana Paula
Carneiro
Renesto
Jovens leitores em meios populares:
paradoxais constituições leitoras
Jovens leitores
Letras Cristina
Moerbeck
Casadei
Pietraróia
2009 Rita Jover-
Faleiros (tese)
Didática da leitura na formação FLE:
em busca dos leitores
Alunos (ES)
Walkyria
Maria Monte
Mór
2011 Roberto
Bezerra da
Silva (tese)
Interpretações: autobiografia de uma
pesquisa sobre letramento literário em
língua inglesa
Pesquisador (ES)
Unesp
(6)
Educação Cyntia
Graziella
Guizelim
Simões
Girotto
2013 Vanessa
Bataus
Leitura, literatura infantil e estratégias
de leitura no contexto escolar:
concepções e práticas
Projeto Educativo da
unidade escolar.
Alunos,
coordenadora
pedagógica e
professora (EF I)
Renata
Junqueira de
Souza (2)
2011 Miriam Raquel
Piazzi
Machado
Alfabetização e letramento literário no
2º ano do Ensino Fundamental de nove
anos: funções e usos da literatura
infantil
Professoras (EF I)
Kelly Cristina
Costa Martins
Da leitura à literatura ao letramento
literário: prática docente em foco
Professora (EF I)
Paulo César
de Almeida
Raboni
2012 Antônia
Aurélio Pinto
Literatura infantil e ensino de ciências:
aproximações e dificuldades
Professoras (EF I)
Letras João Luís C.
Tápias
Ceccantini (2)
2008 Ana Carla
Lanzi Ciola
PISA 2000 e Letramento literário: um
estudo comparativo entre Brasil e
Alemanha
PISA/2000
2011 Fábio
Coutinho Silva
Antes que o mundo da leitura acabe: um
estudo da recepção de uma obra juvenil
na escola pública paulista
Alunos e professores
(EF II)
UCS
(5)
Educação Flávia
Brochetto
Ramos (5)
2009 Janaína
Pieruccini de
Bortoli
Letramento literário: leitura de contos
populares na educação
Alunos (EF I)
2010
Vânia Marta
Espeiorin
Educação pelo poético: a poesia na
formação da criança
Poesias do livro Lili
inventa o mundo do
autor Mário
Quintana
Athany
Gutierres
A mediação docente como estratégia
para o aprimoramento da competência
leitora
Alunos (EM)
2011 Morgana Kich Mediação de leitura literária: o
Programa Nacional Biblioteca da Escola
Professores
bibliotecárias e
232
(PNBE) / 2008 equipe diretiva (EF
I). Obras do
PNBE/2008
Judithe Eva
Dupont Ló
Educação literária pela mediação:
estudo aplicado no primeiro ano do
Ensino Fundamental
Professora e alunos
(EF I)
UNB
(5)
Linguística Márcia
Elizabeth
Bortone
2009 Maria
Emanuele
Pereira Costa
A interdisciplinaridade na construção da
leitura: um caminho para o letramento
Professores e alunos
(EM)
Stella Maris
Bortoni-
Ricardo (3)
2012 Caroline
Rodrigues
Cardoso (tese)
Letramentos escolares no Ensino Médio Professores e alunos
(EM)
Educação Ângela
Álvares
Correia Dias
2009 Siberia Sales
Queiroz de
Lima
O dialogismo bakhtiniano nas
articulações hipertextuais de diferentes
gêneros discursivos nas aulas de
literatura do Ensino Médio
Alunos (EM)
Stella Maris
Bortoni-
Ricardo
2010 Veruska
Ribeiro
Machado
(tese)
Práticas escolares de leitura: relações
entre a concepção de leitura do PISA e
as práticas da escola
PISA. Professores e
equipe gestora (EF
II)
2012 Thaís de
Oliveira
Letramento literário – a mediação da
leitura de obras literárias no processo de
constituição de leitores competentes
Professores e alunos
(EF I)
UFMT
(5)
Educação Ana Arlinda
de Oliveira
(4)
2006
Rosana
Campos Leite
Experiências de leitura de leitores jovens
de uma escola pública de Cuiabá, Mato
Grosso
Jovens leitores (EM)
Leila
Aparecida de
Souza
A criança na biblioteca pública
comunitária “Saber com sabor” em
Cuiabá - MT: formação leitora literária
Crianças de 9 a 12
anos e mediadores
de leitura.
2011 Sílvia Cristina
Fernandes
Paiva
Literatura infantil: formação do leitor
literário em três escolas de Primavera
do Leste - MT
Professores (EFI)
2012 Claudionor
Alves Viana
Leitura e literatura na Escola Livre
Porto Cuiabá na perspectiva da
Pedagogia Waldorf
Professora e alunos
(EF I)
Estudos da
Linguagem
Cláudia
Graziano
Paes de
Barros
2013 Iara Lopes
Maiolini
Uma proposta enunciativo-discursiva de
leitura de contos para o Ensino
Fundamental
Alunos. Livro
didático de Língua
Portuguesa (EF II)
UFT
(5)
Língua e
Literatura
Dernival
Venâncio
Ramos Júnior
e co-
orientador
Márcio de
Mello Araújo
2012 Gislene Pires
de Camargos
Ferreira
Escola de tempo integral e letramento
literário: um estudo sobre a formação de
leitores
Diretora,
coordenadora e
professoras de
Língua Portuguesa.
Proposta curricular
(2006) (EF II)
Ensino de
Língua e
Literatura
Luiza Helena
Oliveira da
Silva
2012 Francisco de
Assis Neto
O direito de aprender literatura: estudos
sobre o letramento literário envolvendo
uma escola de assentamento rural no
norte do Tocantins
Professores, alunos,
pais e moradores.
Livro didático de
Língua Portuguesa
(EM)
Hilda Gomes
Dutra
Magalhães
(2)
2012 Maria da
Conceição de
Jesus Ranke
O lugar da fruição em aulas de literatura
em um Centro de Ensino Médio de
Araguaína, Tocantins
Professor da
biblioteca,
professores de
Literatura,
coordenadores
pedagógicos e
alunos. Projeto
Político Pedagógico,
Proposta Curricular
do Estado do
Tocantins, PCNEM,
PCN + Ensino
Médio e Orientações
233
Curriculares para o
Ensino Médio (EM)
2013 Francisco Neto
Pereira Pinto
O leitor real na perspectiva da
complexidade: um estudo de caso
Alunos e professores
(EM). PCNEM
(2000), PCN (2002)
+ Orientações
Curriculares para o
Ensino Médio
(2006), Proposta
Curricular do Estado
do Tocantins para o
Ensino Médio e o
Projeto Político
Pedagógico da
escola
Márcio
Araújo de
Melo
2012 Antônio
Adailton Silva
A literatura no terceiro ano do Ensino
Médio em Araguaína / TO: um estudo de
caso comparado entre as práticas de um
professor em escola pública e particular
Professor,
profissionais da
biblioteca,
coordenadora
pedagógica e alunos
(EM)
UFRGS
(4)
Educação Iole Maria
Faviero
Trindade
2008 Fernanda
Fornari Vidal
Príncipes, princesas, sapos, bruxas e
fadas: os “novos contos de fadas”
ensinando sobre infâncias e relações de
gênero e sexualidade na
contemporaneidade
Contos de fadas
contemporâneos
Linguística
Aplicada
Luciene
Juliano
Simões
2011 Juçara
Benvenuti
(tese)
Letramento, leitura e literatura no
Ensino Médio na modalidade de
Educação de Jovens e Adultos: uma
proposta curricular
Proposta Curricular
de Literatura (EM –
EJA)
Literatura
Brasileira,
Portuguesa
e Luso-
Africana
Regina
Zilberman
2011 Ernani Mügge
(tese)
Ensino Médio e educação literária:
propostas de formação do leitor
Proposta
metodológica (EM)
Literatura
Brasileira
Maria da
Glória
Bordini
2013 Tiane Reusch
Quadros (tese)
A poesia no Ensino Médio: um desafio
da escola e da universidade
Alunos e professoras
(EM)
PUC
(4)
Educação Sônia
Krammer
(RJ)
2004 Leda Maria da
Fonseca
Sala de leitura – concepções e práticas Sala de Leitura
Literatura e
Crítica
Literária
Vera Bastazin
(SP)
2007 Ceciliany
Alves Feitosa
A literatura na escola: o texto literário
no livro didático
Livros didáticos
(EF I)
Linguística
Aplicada e
Estudos da
Linguagem
Mara Sophia
Zanotto (SP)
(2)
2009 Madalena de
Souza Reis
O professor como agente de letramento e
o pensar alto em grupo na leitura de
poemas
Professores (EM)
2011 Ariene Mieco
Sugayama
Investigando práticas sociais de leitura
de textos literários: a mediação de
leitura como ação cultural e o pensar
alto em grupo
Alunas do Projeto
Formação de
Educadores
Mediadores de
Leitura e professora-
pesquisadora (EF II)
Unicamp
(3)
Linguística
Aplicada
Roxane
Helena
Rodrigues
Rojo
2008 Viviane Silva
Coentro
A arte de contar histórias e letramento
literário – possíveis caminhos
Alunos e professor
(EF I)
Sylvia Bueno
Terzi
2009 Júlia Sant‟Ana
Scavassa
Leituras de poemas num curso de
letramento para adultos: olhares dos
educandos, olhares da educadora
Alunos e professora-
pesquisadora
(Educação não
formal)
Raquel Salek
Fiad
2010 Aline Akemi
Nagata
Ensino de literatura: formação, reflexão
e prática
Professores (EM)
Unitau Linguística Vera Lúcia 2008 Maria Elisa Interação em sala de aula de literatura: Alunos (EM)
234
(2) Aplicada Batalha de
Siqueira
Renda
(2)
Brito Pereira
Pinheiro
vozes leitoras e produtoras de sentido
2012 Glaucia
Cristina
Scarpel Melli
Letramento literário: caminhos e
desafios para a formação de pais leitores
Pais ou responsáveis
de alunos (EI)
Unesc
(2)
Educação
Celdon
Fritzen
2008 Alaim Souza
Neto
Formação do leitor e cânone literário:
relações entre as Orientações
Curriculares e as práticas docentes
Professores (EM)
Gladir da
Silva Cabral
2012 Cristiane
Cechinel de
Villa
A leitura sem fim: análise das práticas
pedagógicas de leitura de uma escola
estadual do município de Içara (SC)
Bibliotecária, alunos
e professores (EF II
e EM)
UFPE
(2)
Educação Lívia
Suassuna
2010 Amanda Silva
Falcão da
Costa
Ensino de leitura literária: um estudo
comparativo
Documentos oficiais
e não oficiais.
Professor (EM)
Linguística Elizabeth
Marcuschi
e co-
orientadora
Gilda Maria
Lins de
Araújo
2010 Sônia Maria
Xavier Duarte
Que leitor se pretende formar no Ensino
Médio?
PCNEM, OCEM,
PNLEM e manuais
do professor de livro
didático de Língua
Portuguesa (EM)
UFG
(2)
Letras e
Linguística
Lucielena
Mendonça de
Lima
2012
Priscila
Rodrigues do
Nascimento
Letramento literário: uma experiência de
leitura com alunos do Ensino Médio
técnico
Alunos (EM
técnico)
Maria de
Fátima
Cruvinel
Lúcia Vagna
Rafael da Silva
Leitura literária na escola: a experiência
de ler contos de Clarice Lispector
Alunos (EM)
UFJF
(2)
Educação Maria Teresa
de Assunção
Freitas
2010
Maria
Leopoldina
Pereira
Blogs literários nas aulas de Língua
Portuguesa: uma possibilidade de
autoria
Professores (EF II)
Adriana
Rocha Bruno
Lúcia Helena
Schuchter
Biblioteca escolar e laboratório de
informática: espaços para diferentes
letramentos
Professores-
bibliotecários,
professora
responsável pelo
laboratório de
informática,
professores regentes
e coordenadoras
pedagógicas
UFMS
(2)
Educação Maria Emília
Borges
Daniel
2008 Carlos Alberto
Suniga dos
Santos
As concepções de literatura do professor
na formação do aluno do texto literário
Professores (EM)
Ana Lúcia
Espíndola
2011 Fé de Souza
Freitas
A leitura da literatura infantil e o
letramento literário: perfil docente na
rede municipal de ensino (REME) do
município de Três Lagoas - MS
Professores (EI) e
profissional
responsável pela
biblioteca escolar
UFF
(1)
Educação Edith Ione
dos Santos
Frigotto
2011 Vanessa de
Abreu
Camasmie
A apropriação de práticas de leitura
literária de alfabetizandos adultos
trabalhadores do projeto Leituras e
escritas no cotidiano do trabalhador
Alunos (Educação
não formal)
UFBA
Educação
Dinéa Maria
Sobral Muniz
2009
(tese)
Maria de
Fátima
Berenice da
Cruz
Memória de leituras literárias de jovens
e adultos alagoinhenses
Alunos (EM – EJA)
UFPR Educação Leilah
Santiago
Bufrem
2012 Elisa Maria
Dalla-Bona
(tese)
Letramento literário: ler e escrever
literatura nas séries iniciais do Ensino
Fundamental
Alunos e professoras
(EF I)
Cefet-MG Estudos de
Linguagens
Marta Passos
Pinheiro
2012 Érica Cristina
dos Santos
Concepções e práticas de literatura de
professores: um estudo sobre os nonos
anos da rede municipal de Itabirito
Professoras (EF II)
Unimep Educação Maria Cecília
Rafael de
Góes
2006 Elaine silva
Dante
Gostar de ler: um estudo com alunos do
Ensino Médio e sua relação com a
leitura
Alunos (EM)
235
UPF Letras –
Estudos
Literários
Tânia M. K.
Rösing
2011 Talita Maria
da Silva
Blogs: novos espaços para a escrita
literária
Blogs literários
UCP Educação Marlene
Alves de
Oliveira
Carvalho
2010 Giovanna
Rodrigues
Cabral
Programa de formação continuada de
professores: Pró-Letramento em ação
Professoras cursistas
do Programa Pró-
Letramento
Uenf Cognição e
Linguagem
Sérgio Arruda
de Moura
2010 Edissa Fragoso
da Silva
Leitura do texto literário museificado no
manual de Língua Portuguesa
Livro didático (EF
II)
Total 16
Educação: 66
Letras: 45
111 trabalhos: 12 teses e 99 dissertações
Escola: 96
Universidade: 6
Outros espaços
educativos: 4
História de leitura
literária: 5
236
APÊNDICE C: MAPEAMENTO CATEGORIZADO DE TESES, DISSERTAÇÕES E
ARTIGOS SOBRE LETRAMENTO LITERÁRIO
Abordagem
teórica Ensaios Categorias Subcategorias 1
Teses,
dissertações
e artigos
Subcatego-
rias 2
Teses, dissertações e
artigos
1. Maria das
Graças
Rodrigues
Paulino e
Rildo Cosson
Paulino
(1999)
Evangelista
(2001, 2011)
Paulino (2005)
Zilberman
(2003)
Rangel
(2003)
Aparecida
Paiva (2004)
Rangel (2005)
Fritzen (2007)
Machado
(2007a, 2011)
Goulart (2007)
Pereira (2007)
Grijó (2007)
Gomes (2012)
Silveira e
Bonin (2013)
Vigna (2011)
Cosson (2011)
Belmiro e
Dayrell (2011)
1. Práticas de
letramento literário
1.1. História de
leitura literária
Corrêa e
Ribeiro (2004)
Melo (2007)
Valle (2010)
Renesto (2009)
2.1. Biblioteca
pública
Souza (2006)
Lima (2010)
2. Práticas
escolares de
letramento literário
2.1. Políticas
públicas/Progra-
mas de livro e/ou
de leitura
PNBE:
Andrade e
Corsino (2007)
Montuani
(2009)
Paiva (2008)
Silva, Bruna L.
M. (2009)
Kich (2011)
Coleção
Literatura Para
Todos:
Félix (2009)
Programa Hora
da Leitura:
Feitosa, Márcia
S. A. (2008)
2.2. Biblioteca
escolar/Sala de
leitura
Biblioteca
escolar:
Pires (2002)
Chiaretto
(2002, 2003)
Machado
(2003a, 2003b,
2007b)
Paulino (2004)
Silva, Mônica
C. F. (2006)
Costa (2009)
Morais (2009)
Rosa (2011)
Grossi (2008)
Schuchter
(2010)
Ranke (2012)
Freitas (2011)
Villa (2012)
Oliveira (2011)
Sala de leitura:
Pimentel (2011)
2.3. Ensino de
literatura
2.3.1.
Formação
docente
Paiva e Maciel (2005)
Evangelista (2000a)
Lage (2010, 2013)
Duarte (2013)
Cabral (2010)
Veras (2009)
237
Bataus (2013)
2.3.2.
Práticas
docentes
Neto (2008)
Oliveira (2011)
Villa (2012)
Branco (2012)
Pinto (2012)
Costa, Maria Emanuele
P. (2009)
Machado, Veruska R.
(2010)
Santos, Érica Cristina
(2012)
Ferreira (2012)
Pinto (2013)
Silva, Antônio A.
(2012)
Freitas (2011)
Santos, Carlos Alberto
S. (2008)
Nagata (2010)
Costa, Amanda S. F.
(2010)
Grossi (2008)
Veras (2009)
Rodrigues (2010)
Bataus (2013)
Machado, Miriam R. P.
(2011)
Martins (2011)
Paiva (2011)
2.3.3.
Práticas
docentes e
interlocução
com
discentes
Evangelista (2000b)
Costa, Vânia A. (2010)
Mattos (2013)
Neto, Francisco de A.
(2012)
Ranke (2012)
Quadros (2013)
Neiva (2010)
Almeida (2011)
Silva, Rosita M. (2011)
Travassos (2013)
Ló (2011)
Viana (2012)
Dalla-Bona (2012)
2.3.4.
Práticas do
pesquisador
com
discentes ou
com
responsáveis
dos discentes
Com discentes:
Ceccantini (2009)
Soares, Kalina L. P.
(2008)
Pinheiro, Maria E. B. P.
(2008)
Reis (2009)
Queiróz (2012)
Travassos (2013)
Bolognesi (2012)
Bortoli (2009)
Oliveira (2012) )
Ehrich (2009)
Rodrigues (2012)
Nascimento, Adriana V.
(2013)
Sousa, Rodrigo F.
238
(2013)
Lopes, Andréia M. da S.
(2013)
Soares, Mei (2008)
Silva, Fábio C. (2011)
Gutierres (2010)
Lima (2009)
Pereira (2010)
Silva, Lúcia V. R.
(2012)
Sugayama (2011)
Scavassa (2009)
Nascimento, Priscila R.
(2012)
Com responsáveis dos
discentes:
Melli (2012)
2.3.5.
Propostas
didáticas do
pesquisador
Maiolini (2013)
Mugge (2011)
Cavalcante e Wanderley
(2012)
2.3.6.
Práticas de
leitura e/ou
escritas dos
discentes
Barbosa (2009)
Guimarães (2007)
Leite (2006)
Dante (2006)
Maiolini (2013)
Camasmie (2011)
2.3.7.
Textos
impressos ou
digitais
(Materiais
didáticos,
documentos
oficiais,
catálogos de
livros de
literatura,
avaliações,
obras
literárias,
blog)
Ciola (2008)
Neto (2008)
Evangelista (2006)
Machado (2006)
Rodrigues (2006)
Feitosa (2007)
Pinheiro, Marta P
(2006a, 2006b, 2004)
Teixeira (2011)
Travassos (2013)
Ehrich (2009)
Silva, Aluska (2013)
Lopes, Andréia M. da S.
(2013)
Silva, Edissa (2010)
Silva, Talita Maria
(2011)
Duarte, Sônia Maria X.
(2010)
Benvenuti (2011)
Vidal (2008)
Espeiorin (2010)
Pinto (2012)
Machado, Veruska R.
(2010)
Maiolini (2013)
Ferreira (2012)
Neto, Francisco de A.
(2012)
Ranke (2012)
Pinto (2013)
Villa (2012)
Costa, Amanda S. F.
(2010)
2. Ângela B.
Kleiman
Zappone
(2006)
1. Práticas de
letramento literário
1. História de
leitura literária
López (2008)
Sozza (2009)
239
2. Práticas de
leitura literária
Pinto (2010)
Bisconcim
(2012)
Lourenço
(2012)
2. Práticas
escolares de
letramento literário
2.2. Biblioteca
escolar/Sala de
leitura
Sala de leitura:
Fonseca (2004)
2.3. Ensino de
literatura
2.3.1.
Formação
docente
Mello e Cunha (2008)
Jover-Faleiros (2009)
Silva, Roberto B. (2011)
2.3.2.
Práticas
docentes e
interlocução
com
discentes
Cardoso (2012)
2.3.3.
Práticas do
pesquisador
com
discentes ou
com
responsáveis
de discentes
Coentro (2008)
Ribeiro (2011)
Barreto (2011)
2.3.4.
Práticas de
leitura e/ou
escritas dos
discentes
Andrade (2008)
Silva, Elizabeth Maria
(2009)
2.3.5.
Textos
impressos ou
digitais
(Materiais
didáticos,
documentos
oficiais,
catálogos de
livros de
literatura,
avaliações,
obras
literárias,
blog)
Soares, Samuel R.
(2008)
Bisconcim (2012)
240
APÊNDICE D: MAPEAMENTO DE TESES SOBRE EDUCAÇÃO LITERÁRIA:
GRETEL/UAB
Instituição Programa Orientadora Categorias Ano Autores Títulos Sujeitos/corpus da
pesquisa
UAB
Didática da
Língua e da
Literatura
Teresa
Colomer
Literatura Infantil
2005
Maria
Cecília
Silva-
Díaz
Ortega
Libros que enseñan a leer:
álbumes metaficcionales y
conocimiento literario
Álbunmes
Metaficcionales
2015 Brenda V.
Bellorín
Briceño
De lo universal a lo global:
nuevas formas del folklore en
los álbumes para niños E
du
caci
ón
Sec
un
dar
ia
Prácticas de
lectura
literaria
2007 Francisca
Trujillo
Culebro
Prácticas de lectura literaria
en dos aulas de segundo de
secundaria
Docentes, discentes
y textos literários
Hàbits
lectors
2009 Mireia
Manresa
Potrony
Els hàbits lectors dels
adolescents Efectes de les
actuacions escolars em les
pràctiques de lectura
Adolecents
Ed
uca
ció
n P
rim
aria
Currículos 2013 Martina
Fittipaldi
Qué han de saber los niños
sobre literatura?
Conocimientos literarios y
tipos de actuaciones que
permiten progresar en la
competencia literaria
Currículos de
literatura de
Cataluña, España,
Francia, Inglaterra y
Quebec (último
ciclo de la escuela
primaria)
Mediadores
escolares de
lectura
literaria
2014 Felipe
Munita
El mediador escolar de lectura
literaria. Un estudio del
espacio de encuentro entre
prácticas didácticas, sistemas
de creencias y trayectorias
personales de lectura
Estudiantes de
Magisterio y
maestras en ejercicio
Formació
literària
2015 Lara
Reyes
López
La formació literària a
primària Impacte d’una
intervenció educativa en
l’evolució de respostes
lectores
Alumnes
Total: 7 teses
241
APÊNDICE E: ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA AS PROFESSORAS
Objetivos Temas Perguntas
Introduzir o tema da educação
literária no Colégio Pedro II
campus Humaitá I.
Literatura no
cotidiano do
professor
Você poderia me contar que lugar ocupa a literatura
na sua vida cotidiana?
Quais são tuas principais leituras no dia a dia, e o
que mais gosta de ler?
Como escolhe suas leituras?
Literatura na
formação
docente inicial e
continuada
Como foi a sua formação inicial docente em
relação ao ensino de literatura?
Você teve outras experiências de formação que
foram importantes para você neste âmbito?
Conhecer e analisar o que fazem
as professoras e o que orienta a
coordenadora pedagógica de
Literatura no que se refere à
metodologia, aos objetivos, aos
conteúdos, às atividades
pedagógicas, ao corpus literário e
aos critérios de seleção dele.
Metodologia Qual é a sua visão do ensino-aprendizagem da
literatura?
Como a concretiza em sua escola?
Objetivos A partir da sua visão sobre a educação literária,
quais seriam os principais objetivos que orientam o
seu trabalho?
Conteúdos Na sua opinião, o que as crianças devem aprender
com/sobre a literatura?
Quais conteúdos você prioriza?
Atividades Quais atividades você realiza para ensinar
literatura?
Corpus Quais textos ou materiais você usa nas aulas?
Como você escolhe as leituras e a forma de
apresentá-las nas suas aulas?
Avaliação Poderia me contar uma aula que você tenha dado
que foi muito boa?
Como você avalia os alunos?
Compreender o significado que as
professoras e a coordenadora
pedagógica de Literatura atribuem
às aulas de Literatura e as
concepções de leitura literária que
sustentam suas aulas.
Significado
atribuído às aulas
de Literatura e as
concepções de
leitura literária
Por que você considera importante ensinar
literatura?
Como você vê a relação entre as aulas de literatura
e a alfabetização?
242
APÊNDICE F: LIVROS LIDOS NAS AULAS DE LITERATURA
1º ANO
1º período
O menino Nito, de Sandra Rosa e ilustr. Victor Tavares
Menina bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado e ilustr. Rosana Faria
Tanto, tanto, de Trish Cooke
De bem com a vida, de Bia Hetzel e ilustr. Mariana Massarani
Ana e Ana (livro animado – A Cor da Cultura), de Célia Godoy e ilustr. Fê
Diversidades, de Tatiana Belinky
Obax, de André Neves
O menino e o jacaré, de Maté
Grande Pequeno, de Blandina Franco e ilustr. José Carlos Lollo
O cabelo de Lelê, de Valéria Belém
Bruna e a galinha d’Angola (livro animado), de Gercilga D‟Almeida e ilustr. Valéria Saraiva
O menino e o cachorro, de Simone Bibian e ilustr. Mariana Massarani
2º período
A arca de Noé, de Ruth Rocha e ilustr. Claudio Martins
A história do leão que não sabia escrever, de Martim Baltscheit
Elmer, o elefante xadrez, de David L. Mckee e ilustr. Monica Stahel
Um porco vem morar aqui, de Claudia Fries
O hipopótamo calorento (história em DVD)
O patinho feio, de Andersen
Formiga amiga, de Bartolomeu Campos de Queiros e ilustr. Elisabeth Teixeira
Será mesmo que é bicho, de Ângelo Machado e ilustr. Roger Mello
3º período – 2016
João e Maria, dos Irmãos Grimm (imagético de Taisa Borges)
Soldadinho de chumbo, de Hans Christian Andersen
Rapunzel, dos Irmãos Grimm
A bela e a fera, de Jeanne-Marie de Beaumont
Cinderela, dos Irmãos Grimm
Branca de neve, dos Irmãos Grimm
O flautista de Hamlin, dos Irmãos Grimm
O pequeno polegar, dos Irmãos Grimm
Os músicos de Bremen, dos Irmãos Grimm
A roupa nova do imperador, de Hans Christian Andersen
A história dos 3 ursos, de Robert Southey
As fadas, dos Irmãos Grimm
A pequena sereia, de Hans Christian Andersen
243
2º ANO
1º período
Escola de chuva, de Janes Rumford
Como as histórias se espalharam pelo mundo (livro animado – A Cor Da Cultura), de Rogério
Andrade Barbosa e ilustr. Graça Lima
Aladim e a lâmpada maravilhosa (livro: Mil e uma noites), rec. de Ruth Rocha
Simbad, o marujo (livro: Mil e uma noites), rec. Ferreira Gullar
Aliá e os Babá e os quarenta ladrões (livro: Mil e uma noites), rec. de Ruth Rocha
Uma história de tapetes (livro: Contos árabes), de Luísa Soriano Martins
Festa no mar/Festa no céu, de Lúcia Hiratsuka
Oriê, de Lúcia Hiratsuka
O rouxinol e o imperador, de Hans Christian Andersen (imagético de Taisa Borges)
O velho, o menino e o burro (livro: As 14 pérolas da Índia), de Ilan Brenman e ilustr. Ionit
Zilberman
Baba Yaga – Rússia (livro: Volta ao mundo em 52 histórias)
Pássaro de fogo, o fabuloso arqueiro e o cavalo mágico (livro: Histórias russas), de Ana Maria
Machado
2º período
Mitos do folclore do mestre André, de Marcelo Xavier
A mosca trapalhona (livro animado: A Cor da Cultura, Bichos da África 1, lendas e fábulas),
de Rogério Andrade Barbosa
O burro e o sal, de Edgar Romanelli e ilustr. Girotto e Fernandes
O veado e a onça, de Elza Fiúza e ilustr. Cecília Iwashita
A onça e o bode (livro: Contos tradicionais do Brasil), de Câmara Cascudo
Os três companheiros (livro: Contos tradicionais do Brasil), de Câmara Cascudo
O macaco que perdeu a banana (livro: Contos tradicionais do Brasil), de Câmara Cascudo
Amigos mas não para sempre (livro animado – A Cor da Cultura: Contos africanos para
crianças brasileiras), de Rogério Andrade Barbosa
Como o gato e o rato se tornaram inimigos, de Rogério Andrade Barbosa
O macaco, a onça e o boi (livro: Macacos me mordam), de Ernani Ssó
Minhas contas, de Luiz Antônio e ilustr. Daniel Kondo
O macaco e a velha, rec. João de Barro (Braguinha) e ilustr. Eva Furnari
3º período – 2016
Cadê meu travesseiro, de Ana Maria Machado
A velha misteriosa, de Ana Maria Machado
Ah, cambaxirra, se eu pudesse, rec. de Ana Maria Machado
Guilherme Augusto Araújo Fernandes, de Mem Fox e ilustr. Julie Vivas
Gabriela e a tia, de Ruth rocha e ilustr. Mariana Massarani
O pintor de lembranças, de José Antonio Del Cañizo e ilustr. Jesús Gabán
Raul e o baú do vovô (imagético), de Silvana Menezes
O homem que amava caixas, de Michael Stephen King
Caixinha de música (poesias), de Roseane Murray
Carona no jipe, de Roseane Murray
244
3º ANO
1º período
O papagaio que não gostava de mentiras (livro: O papagaio que não gostava de mentiras e
outras fábulas africanas), de Adilson Martins
Por que o camaleão muda de cor (livro: Histórias africanas para contar e recontar), de
Rogério Andrade Barbosa e ilustr. Graça Lima
A guerra de morcegos (livro: O papagaio que não gostava de mentiras e outras fábulas
africanas), de Adilson Martins
As aves, os animais e o morcego (livro: Fábulas de Esopo), rec. Jean Kent
Iauaretê, a raposa e o jabuti (livro: As fábulas de Iauaretê), de Kaká Wera Jecupé
A lebre e a tartaruga (livro: Fábulas – La Fontaine), trad. Ferreira Gullar
O cassolo e as abelhas (livro: Bichos da África 2, lendas e fábulas), de Rogério Andrade
Barbosa
O lobo e os sete cabritinhos, rec. de Aurélio de Oliveira
O jabuti e o chacal (livro: Bichos da África 4, lendas e fábulas), de Rogério Andrade Barbosa
A águia e o gavião (livro: Bichos da África 4, lendas e fábulas), de Rogério Andrade Barbosa
Porque o cachorro foi morar com o homem (livro: Histórias africanas para contar e
recontar), de Rogério Andrade Barbosa
O lobo e o cão, de Mary França e Eliardo França
A tartaruga e o leopardo (livro: Bichos da África 1, lendas e fábulas), de Rogério Andrade
Barbosa
2º período
O primeiro fogo (livro: Contos dos meninos índios), de Hernâni Donato
Kofi e o menino de fogo, de Nei Lopes e ilustr. Hélène Moreau
O menino que comia lagartos, de Mercê López
Três mercadorias muito estranhas (livro animado – A Cor da Cultura), de Rogério Andrade
Barbosa e ilustr. Maurício Veneza
Irmãos Zulus, de Rogério Andrade Barbosa e ilustr. Ciça Fitipaldi
A serpente de Olumo, de Ieda de Oliveira e ilustr. Roberto melo
2016
A história de Akykysia, o dono da caça, adap. e ilustr. Rita Carelli
Como nasceram os bichos, rec. de Clarice Lispector (livro: Como nasceram as estrelas)
3º período – 2016
Josué e o pé de feijão (curta de animação brasileiro)
A bruxa Salomé, de Audrey Wood e ilustr. Don Wood
Sapo vira rei vira sapo, de Ruth Rocha e ilustr. Walter Ono
Quo ini pó ou baleia (livro: Que história é essa?), de Flavio de Souza
Doze reis e a moça do labirinto do vento, de Marina Colasanti
A moça tecelã, de Marina Colasanti em áudio
Babruxa, o caldeirão e o dragão (painel de pano)
O príncipe que bocejava, de Ana Maria Machado e ilustr. Graça Lima
Como a princesa de Neca de Pitibiriba tornou-se princesa da lagoa da felicidade (livro: Nove
245
novos contos de fadas e princesas), de Didier Lévy
Ervilina e princês, de Sylvia Orthof
A história do príncipe sabido e da princesa deslumbrante, de Luciana Sandroni
O chapéu
O passarinho (livro: Que história é essa?), de Flavio de Souza
4º ANO
1º período
No país do futebol (livro: Gostar de ler – crônicas 6), de Carlos Eduardo Novaes
Na delegacia (livro: Crianças d’agora é fogo), de Carlos Drummond de Andrade
A descoberta do mar (livro: Cadeira de balanço), de Carlos Drummond de Andrade
Caso de boa ação (livro: Cadeira de balanço), de Carlos Drummond de Andrade
Bruxas não existem (Revista Nova Escola), de Moacir Scliar
Cãomício no calçadão (livro: Gostar de ler – crônicas 7), de José Carlos de Oliveira
Alô Realengo (1º capítulo), de Sonia Rosa
Trem de ferro, de Manoel Bandeira
Convite carioca (poemas), de Sandra Lopes
2º período
O tesouro enterrado (livro: Contos de assombração), de Maurício Pereira
Gaspar, eu caio (livro: Meu livro de folclore), de Ricardo de Azevedo
A mulher do cemitério (livro: Histórias de índio), de Daniel Munduruku
Aposta (Revista Disney), de Franz Lupo
Contos de assombração, de Maurício Pereira
3º período – 2016
Orfeu e Eurídice
Os príncipes do destino, de Reginaldo Prandi
Ifá, o adivinho, de Reginaldo Prandi
A pérola preciosa (livro: Mar de história), de James Riordan
Caixa de Pandora
Minotauro
Meduza
5º ANO
1º período
Crianças a venda. Tratar aqui, de Rosa Amanda Strausz
Sete ossos e uma maldição, de Rosa Amanda Strausz
Devolva minha aliança, de Rosa Amanda Strausz
O corvo e O gato preto (animação), de Edgar Alan Poe
A morte e o escritor (livro: Contos de morte morrida), de Ernani Ssó e ilustr. Marilda Castanha
A morte e o médico (livro: Contos de morte morrida), de Ernani Ssó e ilustr. Marilda Castanha
246
Bá e as visagens, de Augusto Pessôa
2º período
Os sete novelos, de Angela Shelf Medearis e ilustr. Daniel Minter
Uma ideia luminosa, de Rogério Andrade Barbosa
A história de Akykysia, o dono da caça, adap. e ilustr. Rita Carelli
Os três presentes mágicos, de Rogério Andrade Barbosa e ilustr. Salmo Dansa
Igaranhã, a canoa encantada (livro: Lendas e mitos dos índios brasileiros), de Wald-mar de
Andrade e Silva
Esperança Garcia, de Sonia Rosa
O filho de Luísa (livro: Gosto de África. Histórias de lá e daqui), de Joel Rufino dos Santos
Luísa (livro: Heroínas Negras Brasileiras em Cordéis), de Jadid Arraes
Chico rei (cordel), de Sandra Lopes
3º período – 2016
Vida Maria (curta brasileiro)
Auto da Compadecida (texto teatral)
Carta ao prefeito (crônica), de Rubem Braga
Entre amigos (crônica), de Martha Medeiros
A mula teimosa e o controle remoto (curta brasileiro)
Guerra de Botões (longa)
Esquetes (Porta dos fundos)
247
APÊNDICE G: ATIVIDADES PEDAGÓGICAS PROPOSTAS NAS AULAS DE
LITERATURA
1º ano 2º ano 3º ano 4º ano 5º ano
1º
tri
Desenho da protagonista
da história e de uma
pessoa bonita
Desenho das
protagonistas da história
Produção de uma
ilustração para um livro
coletivo da turma
Desenho do que imagina
que a pedra pode vir a
ser e escrita
Preenchimento do jacaré
com materiais diversos
Desenho de si mesmo
em cima do jacaré
Reescrita do título do
livro
Desenho
Desenho de um objeto de
uma história que se lembre
com uma lã
Desenho de uma cena da
história com a cabeça de
um leão e de um rato
Produção de máscaras de
animais
Dobradura do rouxinol
Desenho de 4 partes da
história com escrita
Produção de fantoches
Dramatização
Produção de um livro
sanfona
Produção de
autorretratos com escrita
de descrição
Produção escrita de uma
apreciação do vídeo
Desenho de uma cena do
livro com miçangas
Produção de máscaras e
amuletos
Escrita de uma
estratégia para
atravessar o Rio Níger
Reescrita do conto em
dupla
Debate
Desenho de um amuleto
Escrita do que
aconteceu depois
Desenho de uma casa
Desenho da silhueta de
um gigante
Produção de um
poema com banco de
palavras sobre gigante
Jogral
Construção coletiva de
um mural: de que
comício você
participaria?
Produção de postais
poéticos com aquarela
e cópia de um poema
Produção de
personagens com
vara
Dramatização de
contos por meio do
teatro de varas
Participação num
quis
Debate
Desenho da
personagem e de sua
transformação (lixa
e papel A4)
Escrita da
apreciação do livro
2º
tri
Desenho de um casal de
animais
Desenho do leão
Escrita de uma palavra
Pintura coletiva de um
elefante
Desenho de um elefante
Desenho do outro
animal que tem dentro
de um ovo
Produção com massinha
de uma formiga
Produção de um jogo do
porco
Produção de um cartaz:
o que vocês fariam com
a galinha xadrez?
Produção de um cenário
com massinha
Leitura em voz alta de um
mito
Produção coletiva de um
quadro com as cenas
cumulativas do conto
Desenho de uma cena da
fábula
Montagem de um
cineminha
Produção de uma narrativa
com duas cenas
consecutivas usando
papéis coloridos
Pintura do burro e desenho
no verso do que tinha no
saco que ele carregava
Reescrita do verso do
burro
Dobradura de uma casa
Desenho de uma cena da
história
Produção de fantoches
Leitura dramatizada com
os fantoches
Reconto oral de um conto
Produção de um anel de
morcego
Reescrita coletiva do
título e da primeira
estrofe de uma fábula
Desenho no Paint Brush
da fábula
Pintura de mercadores
com estampas africanas
criadas pelos alunos
Reconto em dupla de
uma fábula
Produção de um
marcador de livro
Produção escrita no
Word do desfecho do
mito
Escrita de um desejo
numa pérola (papel)
Produção de um mapa
da mitologia com
legendas literárias
Desenho da rota
Vivência de uma cena
do livro:
experimentação de um
arroz vietnamita
Produção de uma
estante de livros
com lombadas de
livros
Debate
Debate
Reescrita de um
conto
Escrita de uma carta
para uma autoridade
Escrita de um
esquete
3º
tri
Listagem de elementos
da história
Desenhar e escrever a
memória mais antiga
Produção de um livreto
com duas histórias
Produção de um livro
com o formato de um
caixão
Criação de qualquer
objeto com novelos
248
Desenho de personagem
Produção em trio de
uma cena com
sobreposição de
personagens
Reconto oral de um
conto
Produção coletiva de
uma cena com
dobraduras, silhuetas de
personagens
Leitura dramatizada de
um conto
Produção de um relato Reconto oral de um
conto
Desenho de uma
ilustração
Escrita com descrição da
ilustração
Escrita em dupla de uma
lei
Debate
Leitura dramatizada de
contos
Escrita de uma ideia
dentro de uma vela
de papel