PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP
Ana Lúcia Magalhães
RETÓRICA NO DISCURSO ORGANIZACIONAL: constituição do ethos da organização a partir de notas
oficiais sobre acidentes
DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
SÃO PAULO
2010
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP
Ana Lúcia Magalhães
RETÓRICA NO DISCURSO ORGANIZACIONAL: constituição do ethos da organização a partir de notas
oficiais sobre acidentes
DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa sob orientação do Prof. Dr. Luiz Antonio Ferreira.
SÃO PAULO 2010
Banca Examinadora:
Ao Bruno, companheiro de todos os momentos.
Aos meus filhos Carlos Henrique e Luiz Eduardo, por acreditarem no que faço e
incentivarem sempre.
À minha irmã Maria Luiza, pela doçura, carinho, amizade e cuidados.
Aos meus pais Itamar e Hercília que, distantes no tempo e no espaço continuam ensinando
pedaços de vida.
AGRADECIMENTOS
Ao orientador Prof. Dr. Luiz Antonio Ferreira, por me mostrar um novo olhar
para as palavras, pelo estímulo em momentos cruciais, pela paciência e bom
humor, pela orientação valiosa, pela dedicação e apoio.
Ao Bruno Andreoni, pelas discussões, leituras e críticas; pela dedicação e
bondade; pelo apoio incondicional.
Ao Prof. Dr. Severino Antonio por me ouvir, incentivar e particularmente
esclarecer questões de filosofia.
À professora Deborah Orsi Murgel, por ajustar meus horários e permitir, dessa
forma, a elaboração desse trabalho.
Aos professores Hirene, Paulo e Walmir pela amizade, apoio e estímulo
constantes.
Aos membros da banca de qualificação, pela leitura criteriosa e sugestões que
enriqueceram o texto.
Aos professores da PUC, pelos seus valiosos ensinamentos.
Aos alunos que, direta ou indiretamente, me fizeram buscar mais.
RESUMO
O discurso, mais do que produção linguística, apresenta complexidade e é, assim, espaço privilegiado de construção subjetiva. Este trabalho analisa, sob a perspectiva da retórica, uma nota oficial do acidente ocorrido com a empresa Mineração Cataguases, em 2007, e três notas da Air France, veiculadas por ocasião do acidente com a aeronave A330-200, em 2009, consideradas como parte do discurso organizacional. O objetivo é observar como os estudos da subjetividade contribuem na formação do ethos da empresa e, dessa forma descobrir quais critérios retóricos permitem interpretar as notas oficiais de acidente como formadoras de ethos da organização. A hipótese é que existe um discurso fortemente marcado por argumentos criados em função da problematicidade e dimensão do acidente que se interpõe profundamente ao discurso consolidado para evidenciar a força da instituição e minimizar possíveis pontos negativos. O discurso das notas de acidente busca privilegiar a transparência. Para tal, procura elaborar seus textos com foco nos fatos e se vale de textos tipicamente jornalísticos, supostamente mais objetivos. Entende-se a criação e manutenção do ethos organizacional como uma das finalidades desse discurso organizacional. Considerando que a imagem é fundamentada não apenas em fatos, mas também em impressões e essas dependem de um auditório, a subjetividade permeia esse discurso. Nesse contexto, buscou-se no estudo dos subjetivemas conforme concepção de Kerbrat-Orecchioni (1997) identificar tal subjetividade e sua contribuição na elaboração da imagem da empresa. Estudos retóricos de Aristóteles, Perelman, Maingueneau e Meyer sobre ethos são a base teórica. Enquanto na concepção de Aristóteles, o ethos refere-se a caráter, personalidade que o orador se confere, para Meyer não está ligado apenas ao orador, mas se trata de uma dimensão; não se limita a quem fala e sim a respostas a questões suscitadas.
Palavras-chave
Subjetividade, ethos, retórica, discurso organizacional
ABSTRACT
Discourse, beyond plain linguistic production, shows complexity of its own it is a privileged locus of subjective construction. This text analyzes. under a rhetorical perspective, an official statement of an accident with a mining company (Mineração Cataguases) waste dam and three statements by Air France in the aftermath of an airplane crash in 2009. Those notes are herein treated as pieces of organizational discourse. The objective here is to investigate how the subjectivity studies contribute to the constitution of corporate ethos and find in the process which rhetorical criteria make possible the interpretation of official statements on accidents as builders of organizational ethos. The hypothesis is the existence of a discourse strongly marked by arguments created as function of problematicity and accident seriousness. Such discourse deeply interposes itself within the consolidated corporate discourse in order to show strength and minimize possible negative points. The discourse present in accident statements seeks to enhance transparency. It therefore elaborates texts focused on facts and uses texts with journalistic character, supposed as essentially objective. Since image is founded not solely on facts but also on impressions and those depend on an audience, subjectivity should permeate that discourse. Within the mentioned context, subjectivity was identified and analyzed according to the concepts set forth by Kerbrat-Orecchioni (1997), as well as the contribution made to the construction of company image. The theoretical bases are provided by rhetorical
limited to the orator but also to answers to questions raised.
Keywords
Subjectivity, ethos, rhetoric, organizational discourse.
RESUMEN
El discurso, más que producción de lenguaje, muestra complexidades adicionales es un lugar privilegiado de la construcción subjetiva. Esta tesis estudia, bajo la perspectiva de la retórica, una nota oficial de la empresa Mineracao Cataguases publicadas en la prensa después de un accidente en 2007 y tres notas de Air France divulgadas en el día del desaparecimiento de la aeronave A330-200, en 2009. Las notas son analizadas como parte del discurso organizacional. El objetivo es observar como los estudios de la subjetividad contribuyen para establecer el ethos de la organización e así descubrir los criterios retóricos que permiten interpretar las notas oficiales después de accidentes como formadoras del ethos de una organización. La hipótesis es la existencia de un discurso fuertemente marcado por argumentos creados en función de la problematicidad e de la dimensión del accidente. Este discurso se interpone profundamente en el discurso consolidado para mostrar la fuerza de la institución y para minimizar aspectos negativos. El discurso de las notas de accidente busca la transparencia y la objetividad. Para eso, elabora sus textos de manera periodística. La creación y mantenimiento del ethos organizacional es entendida como una de las finalidades dese discurso. La imagen de una organización es basada no solamente en hechos. Las impresiones también la construyen y dependen de una audiencia, así la subjetividad se hace presente en el discurso. Se buscó identificar las formas de esa subjetividad y su contribución para elaborar la imagen de una empresa mediante la utilización de los conceptos de Kerbrat-Orecchioni (1997). Estudios retóricos de Aristóteles, Perelman, Maingueneau y Meyer sobre ethos completan las bases teóricas: mientras Aristóteles se refiere al ethos como carácter y personalidad auto-conferida por el orador, para Meyer el ethos no depende solamente del orador. Meyer considera otra dimensión, que incluye las respuestas a preguntas que aparecen con el desarrollo del discurso.
Palabras clave
Subjetividad, ethos, retórica, discurso organizacional.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 15
CAPÍTULO I - DISCURSO ORGANIZACIONAL - DELIMITAÇÃO ......................................... 22
1.1 COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL ............................................................... 22
1.1.1 CONCEITOS DE COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL ........................................ 23
1.1.2 ABRANGÊNCIA ......................................................................................... 31
1.1.3 DIMENSÕES ............................................................................................. 33
1.2 DISCURSO E PRODUÇÃO DE SENTIDO NAS ORGANIZAÇÕES ........................... 36
1.3 CRISES CORPORATIVAS E GERENCIAMENTO ................................................ 38
1.3.1 ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO DE CRISE ................................................. 40
1.3.2 QUESTÕES PÚBLICAS ............................................................................... 43
1.3.3 IMAGENS E IDENTIDADE CORPORATIVA....................................................... 46
CAPÍTULO II - ÉTICA ORGANIZACIONAL: BUSCA POR UM ENTENDIMENTO ..................... 58
2.1 PROPOSTA HERMENÊUTICA PARA A COMPREENSÃO ÉTICA ............................ 58
2.2 ÉTICA ...................................................................................................... 51
2.2.1 PRÉ-SOCRÁTICOS E ÉTICA. ....................................................................... 53
2.2.2 ÉTICA EM SÓCRATES. ............................................................................... 54
2.2.3 ÉTICA EM PLATÃO .................................................................................... 56
2.2.4 A ÉTICA DE ARISTÓTELES .......................................................................... 57
2.2.5 ÉTICA EM KANT E HEGEL ........................................................................... 64
2.2.6 A ÉTICA EM WEBER .................................................................................. 67
2.2.7 ÉTICA EM FOUCAULT ................................................................................ 70
2.2.8 A ÉTICA EM PERELMAN ............................................................................. 72
2.3 ÉTICA ORGANIZACIONAL ............................................................................ 76
CAPÍTULO III - A RETÓRICA NAS ORGANIZAÇÕES ...................................................... 80
3.1 DISCURSIVIDADE ...................................................................................... 81
3.2 RETÓRICA ................................................................................................ 87
3.2.1 ENFOQUE HISTÓRICO ............................................................................... 87
3.2.2 PARTES DA RETÓRICA .............................................................................. 90
3.3 RETÓRICA E ARGUMENTAÇÃO .................................................................... 94
3.4 PARES FILOSÓFICOS ............................................................................... 101
3.4.1 REAL E PREFERÍVEL ............................................................................... 102
3.4.2 VERDADE X FALSIDADE MENTIRA X SEGREDO ......................................... 109
3.4.3 OBJETIVIDADE X SUBJETIVIDADE ............................................................. 115
CAPÍTULO IV - SUBJETIVIDADE, PAPÉIS SOCIAIS E ETHOS ........................................ 125
4.1 MANIFESTAÇÃO DA SUBJETIVIDADE .......................................................... 117
4.1.1 ADJETIVOS ............................................................................................ 124
4.1.2 SUBSTANTIVOS ...................................................................................... 127
4.1.3 VERBOS ................................................................................................ 129
4.1.4 ADVÉRBIOS ........................................................................................... 132
4.2 PAPÉIS SOCIAIS ...................................................................................... 133
4.3 ETHOS ................................................................................................... 141
4.3.1 DIFICULDADES ASSOCIADAS À NOÇÃO DE ETHOS ....................................... 147
4.3.2 A PROBLEMATOLOGIA DO ETHOS ............................................................. 154
CAPÍTULO V - NOTAS OFICIAIS DE ACIDENTES ........................................................ 177
5.1 ANÁLISE DE UMA NOTA DE ACIDENTE: CONSTITUIÇÃO DO ETHOS ................. 167
5.1.1 MARCAS DE SUBJETIVIDADE .................................................................... 169
5.1.2 PAPÉIS SOCIAIS ..................................................................................... 175
5.1.3 A CONSTITUIÇÃO DO ETHOS .................................................................... 180
5.2 AS NOTAS DA AIR FRANCE O ETHOS CONSTITUÍDO ................................... 188
5.3 A ÉTICA NAS NOTAS SOBRE ACIDENTE ...................................................... 204
5.3.1 MINERAÇÃO CATAGUASES ...................................................................... 204
5.3.2 AIR FRANCE .......................................................................................... 206
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 209
BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................... 205
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Esquema da comunicação proposto por Jakobson ······························ 24
Figura 2 Esquema da comunicação proposto por Hymes ································· 25
Figura 3 Esquema da comunicação proposto por Orecchioni ···························· 26
Figura 4 Primeira geração dos termos categoriais ········································· 111
Figura 5 Segunda geração dos termos categoriais ········································· 112
Figura 6 Gradação de vocábulos conforme Orecchioni ··································· 123
Figura 7 Classificação dos adjetivos ··························································· 125
Figura 8 Classificação dos substantivos ······················································ 128
Figura 9 Classificação dos verbos ······························································ 130
Figura 10 Grau de certeza ········································································ 132
Figura 11 Classificação dos advérbios ························································ 133
Figura 12 Concepção de logos em Meyer ···················································· 156
Figura 13 Concepção de ethos em Meyer ···················································· 158
Figura 14 Concepção de sentido em Meyer ················································· 163
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Estratégias de reparação de imagem ·············································· 42
Tabela 2 Virtudes Morais conforme Aristóteles ··············································· 58
Tabela 3 Trabalhos acadêmicos na área de comunicação organizacional ············· 80
Tabela 4 Características dos discursos: jurídico, político e organizacional ··········· 115
Tabela 5 Equivalências de conceitos de ethos em Maingueneau e Meyer ··········· 147
Tabela 6 Problematicidade e gêneros em Meyer ··········································· 160
EPÍGRAFE
Ai, palavras, ai palavras, que estranha potência, a vossa!
[...] A liberdade das almas,
Cecília Meireles
INTRODUÇÃO
omo não é por acaso que escolhemos entre diversos caminhos,
estudar o discurso das organizações também tem uma história.
A pesquisa tem sido para mim, mais que atividade acadêmica, um
projeto de vida. É de longa data o desejo de aprofundar nos mistérios da
palavra, descobrir seus meandros, limites, segredos, suas possibilidades, as
forças e fraquezas, as formas, seus desígnios.
A literatura foi meu primeiro momento de deslumbramento e assim
permanceceu durante anos até eu descobrir, nos estudos acadêmicos um tanto
tardios, que qualquer forma discursiva poderia encantar desde que eu me
decidisse por um mergulho mais profundo. Estudei o discurso jurídico no
mestrado e me tomei de amores pela retórica. A análise do discurso de linha
francesa serviu como auxílio na compreensão dos sentidos do texto e consegui
me apaixonar por ela também.
O convite para ministrar aulas de Comunicação Empresarial em curso
superior foi um desafio. As novas leituras mostraram diferentes possibilidades
e me conduziram a um necessário aprofundamento na área.
É de se esperar que, assim como existem estudos sobre discurso
jornalístico, jurídico, literário, midiático, o discurso das organizações também
possa ser examinado, analisado. A identidade institucional é uma realidade que
não pode ser negligenciada. Mais do que isso, tal identidade não se sustenta
apenas pela manutenção das práticas empresariais, porém é construída a
partir da linguagem e depende da maneira como seus discursos são
elaborados e recebidos.
Eu havia descoberto a retórica do júri por meio dos argumentos
utilizados nas falas do promotor e advogado; havia estudado a semiótica para
comprender a voz do réu; havia verificado o que existe de pragmático nesse
discurso, que condena e absolve indivíduos inocentes ou culpados.
C
16
A partir de tais aprofundamentos deparei-me com o ethos, esse termo
grego que continua motivo de estudo no século vinte e um, embora escolhido
por pensadores da Grécia antiga para designar ora o caráter que o orador
transmite, ora sua imagem, ora a identidade que dele se constrói trataremos
do ethos em maior profundidade nos capítulos subsequentes.
Os estudos do discurso jurídico e as pesquisas sobre Comunicação
Empresarial necessárias para as aulas suscitaram a questão: Como seria
tecido retoricamente o discurso organizacional?
É bastante comum ouvir sobre a importância desse discurso, pois as
organizações se beneficiam de visibilidade interna e externa não apenas na
medida em que produzem e distribuem produtos ou serviços, mas também por
meio da recepção e emissão de informações que circulam dentro e fora do seu
ambiente. A importância está associada à construção da imagem e também à
capacidade discursiva de sustentar uma estrutura construída.
Para que tal ocorra, faz-se necessária a produção de um discurso
estratégico com a finalidade de gerar efeito positivo nos clientes, acionistas, no
mercado e na sociedade, de forma a construir a boa imagem da instituição,
preservá-la e melhorá-la. É preciso lembrar que existe possibilidade de controle
sobre a identidade da organização desde que se aproveitem os recursos
discursivos disponíveis. Por outro lado, é preciso cuidar para que as
informações alcancem os diversos públicos de maneira satisfatória.
Em um primeiro momento, é consenso que esse discurso seja
transparente, explícito, objetivo, pois a diferença entre o dizer e o mostrar pode
ser fatal para a sobrevivência de uma organização. No entanto, como todo o
discurso é dialógico, polissêmico e intertextual (BAKHTIN, 2006: p. 354-355), e
justamente porque o discurso organizacional precisa gerar efeitos positivos e
obter a adesão de seu auditório, é possível que sejam efetivamente
desenvolvidas durante sua elaboração, características polêmicas entre o texto
e o intertexto, entre os implícitos que existem sutilmente.
17
Além da complexidade inerente a todo discurso, o organizacional vai
além, pois aí convivem inúmeros gêneros, diversas vertentes e a própria
indefinição quanto ao sujeito da enunciação.
[...] os gêneros do discurso são infinitos porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque cada em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se dsenvolve e se complexifica um determinado campo. (2005: p. 262)
Tal complexidade configurou-se como grande desafio e serviu de
incentivo a pesquisa mais acurada. Algumas diretrizes se tornaram
indispensáveis.
Em primeiro lugar foi necessário delimitar o espaço de pesquisa, uma
vez que o discurso organizacional subjaz aos da Comunicação Empresarial,
Comunicação Organizacional, Comunicação Integrada e até mesmo Relações
Públicas. Para efeito deste trabalho estabeleceu-se, então, discurso
organizacional para definir o domínio discursivo e comunicação organizacional
para se refeir à área de estudo.
O passo seguinte foi a pesquisa específica na área, outra dificuldade,
pois, em um primeiro momento, boa parte da literatura encontrada versava
sobre experiências de profissionais ou se assemelhavam muito a auto-ajuda.
Essa dificuldade fortaleceu a escolha do objeto da pesquisa, afinal não foram
localizadas publicações que relacionassem os estudos discursivos à
comunicação organizacional.
O ponto de partida para maior aprofundamento sobre o assunto foi um
artigo da Dra. Margarida Kunsch. Participações em congressos específicos,
leituras de outras publicações da pesquisadora, teses e artigos em revistas
especializadas foram fundamentais para abrir minha visão e permitir o
estabelecimento da ponte com os conhecimentos de Retórica e Análise do
Discurso.
Embora decididos tipo de discurso e linha de estudo, faltavam subsídios
teóricos. Assim, foi imprescindível aprofundar conhecimentos retóricos e
discursivos, além de maior esclarecimento sobre subjetividade, por entender
que o ethos é constituído subjetivamente.
18
Dessa forma, sustentam a tese: 1) a retórica de Aristóteles, Perelman e
Meyer e 2) os estudos de subjetividade elaborados por Benveniste, Bakhtin e
Orecchioni. Servem de complemento e reforço: a teoria dos papéis, conforme
Kuhn e alguns conceitos de Maingueneau. No que concerne à área específica
de comunicação organizacional, os esclarecimentos imprescindíveis foram
encontrados em Kunsch e Torquato.
Para estabelecer a forma de abordagem pensou-se, em um primeiro
momento, em fornecer uma visão abrangente do discurso organizacional,
porém isso se mostrou impraticável. Para cada gênero utilizado nas
organizações, por exemplo, seria preciso uma explicação que, mesmo sucinta,
aumentaria o capítulo consideravelmente e, o que é pior, não esclareceria
suficientemente o escopo.
Optou-se, então, por uma formatação que explicasse a visão de
pesquisadores conhecidos e atuantes sobre a comunicação organizacional, a
abrangência e as dimensões desse discurso. Evidentemente foi necessário
situar o corpus, além de comentar a questão da imagem e identidade
corporativa no entendimento desses mesmos pesquisadores.
Nosso olhar não é o do especialista em comunicação. A pesquisa
investigou o discurso da organização, assim, não é intenção apontar problemas
ou propor soluções, mas analisá-lo sob o ponto de vista da sua eficácia.
A proposta desse trabalho é, assim, por meio dos estudos de retórica,
extrair os recursos de análise do discurso organizacional com a finalidade de
evidenciar a constituição do ethos das organizações e verificar qual o reflexo
desse ethos nas suas práticas. Escolhi, em meio à grande diversidade de
gêneros (BAKHTIN, 2006: p. 262) que fazem parte do discurso organizacional,
estudar notas oficiais sobre acidentes para responder a algumas questões:
como os estudos da subjetividade contribuem para a elaboração da imagem da
empresa nas notas de acidentes? Quais os critérios retóricos que permitem
interpretar as notas oficiais de acidente como formadoras de ethos da
organização? O entendimento dos mecanismos retóricos permite uma melhor
compreensão da construção retórico-argumentativa das notas de acidentes?
19
Como o real é retoricamente configurado nas notas de acidentes? Qual o papel
da ética nesse discurso?
A hipótese é que existe um discurso fortemente marcado por
argumentos criados em função da problematicidade e dimensão do acidente,
que se interpõe profundamente ao discurso consolidado para evidenciar a força
da instituição e minimizar eventuais pontos negativos.
Pretende-se responder às questões a partir d escolha das notas oficiais
sobre acidentes
Os seguintes objetivos foram determinados:
1. estabelecer pontos de contato entre os conceitos retóricos de Aristóteles,
Perelman e Meyer com foco na pertinência de cada um para este trabalho;
2. examinar a ética como formadora do ethos institucional;
3. analisar de que maneira a subjetividade contribui para a constituição do
ethos;
4. analisar um corpus aqui considerado como típico da comunicação
organizacional.
Além desta Introdução, que desenvolve as motivações gerais da
pesquisa, suas características principais e os objetivos que pretende alcançar, a
composição da tese compreende cinco capítulos seguidos pelas
Considerações Finais e a Bibliografia
O Capítulo I situa o discurso organizacional e define o campo de estudo
nomeado como comunicação organizacional. Pretende possibilitar a verificação
de conceitos, abrangência e dimensões. Há ainda uma colocação sobre a
linguagem, a retórica e a produção de sentido nas organizações. Ao final,
situam-se as crises corporativas no que se refere à identidade e imagem.
O Capítulo II, a partir de um estudo sobre a ética, mostra qual sua
importância no discurso organizacional. É traçado um rápido percurso evolutivo
do pensamento ético a partir dos pré-socráticos, passando por alguns
pensadores que se ocuparam da ética com mais ênfase. Penso que o capítulo
seja necessário devido à importância do assunto na formação da imagem
20
organizacional. Conceitos ali expostos são retomados no Capítulo V e nas
Considerações Finais.
O Capítulo III introduz conceitos de Discursividade e Retórica, que
fundamentam a tese. Enfatizam-se a sistematização da retórica elaborada por
Aristóteles e os pares filosóficos retomados por Perelman, como introdução à
questão da subjetividade.
O Capítulo IV complementa os conceitos estudados no capítulo III,
insere a teoria dos Papéis Sociais, por entender que auxilia na compreensão
do discurso da organização, uma vez que tais papéis são parte inerente de seu
discurso, e aprofunda os estudos sobre ethos. Iclui Maingueneau e o
pensamento retórico de Meyer, que reforçam as análises a serem efetuadas no
capítulo V.
O Capítulo V aplica os conceitos anteriores a textos específicos do
discurso organizacional, mais especificamente a notas oficiais divulgadas
durante a ocorrência de acidentes. Foram escolhidos quatro textos: a nota
oficial sobre o acidente com a barragem da Mineração Cataguases, em janeiro
de 2007, e três notas oficiais sobre o acidente com a aeronave da Air France,
no ano de 2009.
A escolha se deu por entender que tais textos são constituintes do
discurso organizacional.
As Considerações Finais apresentam uma síntese dos resultados da
análise, de forma que o leitor possa compreender não apenas a escolha das
teorias e a possibilidade de diálogo entre elas, como a possibilidade de
aplicação à comunicação organizacional, ainda pouco explorada pela retórica e
análise do discurso.
Embora saiba que o trabalho não se esgota, pois a pesquisa é campo
aberto, espero que tal investigação possa contribuir com os estudos retóricos e
da área da comunicação organizacional, e servir como fonte para trabalhos
futuros.
CAPÍTULO I
DISCURSO ORGANIZACIONAL: DELIMITAÇÃO
esquisar sobre os limites e funções do discurso organizacional é tarefa
árdua. Logo de início depara-se com dificuldades de ordem semântica
além da existência de algum conflito conceitual entre abordagens
pragmáticas e o tratamento acadêmico da disciplina.
A primeira dificuldade, de ordem semântica, encontrava-se na
nomenclatura, pois hoje existem algumas designações para indicar a
transmissão de informações praticada nas empresas: Comunicação
Empresarial e Comunicação Organizacional são duas delas. Escolhemos a
segunda porque é a forma como geralmente é conhecida hoje no ambiente da
pesquisa acadêmica.
Parte da abordagem pragmática tem produzido no Brasil literatura de
autoria principalmente de consultores, que consiste basicamente em estudos
de casos e instruções práticas. Parte considerável do material procura vender
duas ideias. A primeira delas é a necessidade de diretrizes claras e
procedimentos estabelecidos de comunicação organizacional (geralmente
nomeada como comunicação empresarial1) com a finalidade de promover a
competitividade das empresas. O outro ponto defendido é a posição
hierárquica do responsável pela área que, segundo alguns autores, o
profissional da comunicação empresarial deve se reportar diretamente às mais
altas autoridades da empresa devido ao caráter estratégico da matéria. Esses
autores dirigem sua atenção basicamente às empresas de grande porte e não
parecem se preocupar com as empresas pequenas e mesmo as de porte
médio.
1 Os itens 1.1.1 e 1.1.2 procuram esclarecer as diferenças entre comunicação empresarial e comunicação organizacional.
P
22
Evidentemente existem autores2 que, embora se refiram à comunicação
organizacional como empresarial, tratam o assunto em maior profundidade.
A abordagem acadêmica tem cunho multidisciplinar e crítico. Procura
aprofundar o estudo da inserção das organizações no sistema social global
(KUNSCH, 2003: p. 19) e utiliza conceitos de Filosofia, Sociologia e Teoria da
Comunicação entre outros. A finalidade não é apenas utilitária, é a de
lançamento de bases conceituais e de uma pesquisa abrangente, pois o
assunto compreende inúmeros segmentos, relaciona-se a várias disciplinas e
envolve uma complexidade que desafia as simplificações que aparecem, por
exemplo, nas listas de procedimentos veiculadas na literatura pragmática.
Escolhemos a segunda porque é a forma como geralmente é conhecida
hoje no ambiente da pesquisa acadêmica.
1.1 COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL
Conforme comentado na introdução, embora tenhamos escolhido
comunicação organizacional como espaço de pesquisa, alguns autores ainda
se referem a ela como comunicação empresarial, comunicação integrada e até
relações públicas.
Apesar de não existir consenso, concordamos com Farias, que enfatiza
permeáveis entre si, dialógicos, com relação complementar, mas com produção
IAS, 2006: p. 62), e com Kunsch, quando afirma
que a área de Relações Públicas está inserida na Comunicação Integrada.
Assim, são encontradas Comunicação Empresarial, Comunicação
Organizacional, Relações Públicas e Comunicação Integrada, as duas
primeiras, às vezes com o mesmo significado.
A escolha da expressão comunicação organizacional ampara-se
também em Gaudêncio Torquato, que foi o precursor de tal expressão para
2 Wilson da Costa Bueno, que atua em cursos de pós-graduação e no campo profissional, continua mantendo a expressão comunicação empresarial, embora trate de teoria e pesquisa.
23
designar a comunicação efetuada para além do ambiente empresarial. De
qualquer forma, será necessário comentar os conceitos que nos levaram a
optar por essa taxonomia. Tentaremos uma sistematização de conceitos a
partir de definições de pesquisadores que têm trabalhado o assunto
1.1.1 CONCEITOS DE COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL
Segundo Kunsch, a Comu
71), definição oriunda da Teoria da Comunicação que estabelece o fundamento
do processo. Esse primeiro conceito já demonstra a abrangência e a
complexidade envolvidas na matéria.
Nassar explora essa noção de outra maneira. Ainda que a escolha
lexical recaia sobre comunicação empresarial, entendemos que se trata do
mesmo escopo, assim,
A Comunicação Empresarial não pode ser considerada apenas uma
métodos e técnicas de Comunicação dentro da empresa dirigida ao público interno (funcionários) e ao público externo (clientes,
s como essas precisam ser sempre revistas em função das mudanças da sociedade e do ambiente empresarial. (NASSAR, 1995: p. 14)
Enquanto Kunsch elabora um conceito complexo, Nassar a considera
como ferramenta fundamental para o desenvolvimento e o crescimento de
qualquer organização e que funciona como um elo entre a comunidade e o
mercado. Apresenta-se aqui o caráter pragmático da comunicação
o
que podem ser medidos no faturamento da e
De forma abrangente e simplificada, a comunicação organizacional é
outras perspectivas sob as quais a essência da comunicação é percebida.
24
Krone, Jablin e Putnam estabelecem quatro perspectivas: mecânica,
psicológica, interpretativo-simbólica e interacional-sistêmica3.
Segundo a perspectiva mecânica, a comunicação organizacional se
aproxima do conceito elaborado por Jakobson (1960:36)4. Assim, trata-se de
processo no qual: 1) as mensagens são transmitidas de um (2) emissor a um
receptor, (3) possui um canal transmissor das mensagens e (4) apresenta um
relacionamento linear entre as partes que desemboca em efeitos no receptor
provocados pelo emissor. Há que levar em conta (5) a natureza concreta e
física das mensagens e a prevenção de ruídos (6) para conferir fidelidade na
mensagem.
A figura 1 mostra o esquema proposto por Jakobson, que considera a
comunicação como processo simplificado.
(elaborado pela autora)
Figura 1: Esquema proposto por Jakobson e funções da comunicação
3 ao que optamos por denominar neste trabalho perspectiva interacional-sistêmicaa coesão textual seja mantida.
4 Embora não seja mais utilizado como modelo, é a esse esquema de comunicação que os autores se referem nesse primeiro instante.
25
No entanto, a comunicação organizacional não se restringe ao modelo
mecanicista. A perspectiva psicológica é importante porque focaliza as
características individuais que interferem na comunicação ou facilitam seus
fluxos. Leva em conta, além dos ambientes geradores de informação, os
comportamentos produzidos pelos comunicadores. A perspectiva interpretativo-
simbólica da comunicação organizacional é considerada por Putnam (1987: 30)
como a mais humanística, pois enfatiza os papéis sociais5 e significados
compartilhados e se importa com a negociação de fatos e atividades
organizacionais. Nesse caso, a comunicação organizacional é examinada por
meio do método qualitativo e é tratada como participativa.
Hymes, em 1964, (apud Cavalcanti, 1984: 108) ampliou o número de
funções básicas definidas por Jakobson para oito: referencial, expressiva
(emotiva), diretiva (conativa), fática, metalinguística, contextual, poética
(estilística), metacomunicativa. Mountford, 1975, (op. cit.: 108), retomando as
funções ampliadas por Hymes, explicitou-as de acordo com o propósito
primário do escritor/falante.
(elaborado pela autora)
Figura 2 Ampliação das funções da comunicação proposto por Hymes
5 A Teoria dos Papéis e o Interacionismo Simbólico serão tratados no capítulo IV.
26
Assim, a função referencial relaciona-se com o fornecer informação; a
expressiva relaciona-se à expressão de sentimentos, opiniões, atitudes; a
função diretiva refere-se à persuasão e mudança de opinião; a função fática
alerta o leitor/ouvinte para o desenvolvimento da comunicação; a
metalinguística explica o uso que faz das palavras e expressões; a função
contextual descreve o cenário da comunicação e vai além dos elementos
tempo e espaço; a função poética utiliza os recursos da língua e a
metacomunicativa enfoca a situação de comunicação.
Orecchioni concebeu novo esquema de comunicação que inclui dados
importantes no processo de interação comunicacional.
(elaborado pela autora)
Figura 3: Esquema proposto por Orechioni
Esse esquema coloca em evidência a diferença entre a representação
estática e mecanicista do ato de comunicação elaborada por Jakobson e a
representação dinâmica, sob a perspectiva da teoria da enunciação. O código
(língua) por não ser único e comum ao emissor e receptor, que interiorizam
como competência linguística e paralinguística próprias, produz desvios de
entendimento. Esses desvios de compreensão ou de intercompreensão
27
registrados em muitas situações de comunicação são o resultado da diferença
entre a língua do emissor e a língua do receptor.
Os protagonistas possuem além da competência linguística (e
paralinguística), competências ideológicas e culturais (ou enciclopédicas), ou
seja, saberes sobre o mundo que influem sobre suas respectivas competências
linguísticas.
Embora Jakobson, em esforço considerável, tenha decodificado o
processo comunicativo, Hymes ampliado essa decodificação e Mountford
explicitado as funções propostas por Hymes, estes modelos resumem a
comunicação a um processo, como já se disse, mecanicista, simplificado e
estático, quando, na verdade, ela é dinâmica e complexa. É impossível
formatá-la, restringi-la a seis ou oito passos, porque a dinâmica da
comunicação transcende as formalizações propostas. Todas as funções
interpenetram-se e no discurso organizacional essas funções ganham
destaque na dependência do contexto situacional.
O que se vê no discurso organizacional é a necessidade de privilegiar os
fenômenos da língua em uso, suas divergências, polaridades, irregularidades e
suas frequências.
A língua em uso e suas especificidades colocou os linguistas diante do
enorme desafio de buscar conciliar a totalidade comunicativa porque, além de
englobar diferentes vertentes 1) a nominalização do mundo pelo homem, 2)
as regras necessárias de uma língua para que o homem expresse suas
verdades; 3) a forma com que o homem utiliza as regras para bem falar em
público há, de outra parte, todo um envolvimento psico-antropológico-social,
bem como estratégias que precisam ser consideradas.
Conciliar essas três vertentes, que já se têm mostrado de grande
dificuldade, é insuficiente. Por isso, hoje se observa o aspecto pragmático da
comunicação, ou seja, o ambiente em que ela ocorre e suas diversas
implicações, assim como as interações por ela provocadas ou dela
decorrentes. No ambiente organizacional vários são os discursos que se
entrecruzam: o do público interno (colaboradores, chefias imediatas, diretorias)
e o do público externo (mídia, clientes, fornecedores e governo). Vários são os
28
gêneros por meio dos quais eles se manifestam. Há, assim, um conjunto
circunstancial representado por um complexo pragmático.
Nos Estados Unidos, faz-se uma distinção importante entre
comunicação empresarial e comunicação organizacional que reforça nossa
escolha de nomenclatura. Leipzig e Moore (1982: p. 78 a 89), por exemplo,
mostram que a comunicação organizacional está mais ligada à teoria e ao
academicismo, enquanto a comunicação empresarial se vincula ao aspecto
pragmático, à habilidade de escrever e transmitir com clareza. Mais ainda,
esses autores sustentam que a teoria envolvida na comunicação
o
(1982: p. 88).
A partir dos trabalhos de Kunsch, percebe-se que o pensamento
comunicacional dos Estados Unidos apresentava mais tradicionalmente seu
foco voltado para os processos de gestão e comunicação interna. Assim,
Putnam e Cheney (1990) apontam que a pesquisa no período de 1960 a 1980
se voltava ao estudo da comunicação organizacional como meio-mensagem. A
essa característica, acrescentavam a importância dos canais da comunicação,
a análise das redes formal e informal e a comunicação entre superior-
subordinado. Evidentemente esse modelo evoluiu a partir dos anos 1980.
Segundo Thayer, a comunicação é elemento vital no processamento das
funções administrativas.
É a comunicação que ocorre dentro [da organização] e a comunicação entre ela e seu meio ambiente que [a] definem e determinam as condições da sua existência e a direção do seu movimento (THAYER, citado por Kunsch, 2002: p. 69).
Embora o conceito tenha sido formulado por Thayer há trinta anos, em
coordenam recursos humanos,
cit. p. 69).
29
Segundo a autora, o conceito de comunicação organizacional difundido
pela Escola de Montreal mescla o pragmatismo da comunicação empresarial
norte-americana ao pensamento francês. Nessa mesma universidade observa-
se James Taylor, considerado um dos expoentes desse pensamento, que
apresenta a comunicação como organização, e não a comunicação nas
organizações. Nesse sentido, este autor adota uma perspectiva mais dialética e
apresenta essa comunicação na sua complexidade, e aborda, ao mesmo
tempo, a diversidade das organizações, ou seja, os colaboradores são
influenciados por outros a partir do plano simbólico da linguagem e das
narrativas.
Gaudêncio Torquato (in: KUNSCH, 2009: 8 a 28) mostra a linha
evolutiva da comunicação organizacional no Brasil em quatro conceitos. Em um
primeiro momento, o conceito aparece ligado à comunicação interna,
concretizada no jornal da empresa que apresentava inicialmente um discurso
laudatório, fruto do clima autoritário da época (final dos anos de 1960),
orientado para os dirigentes das empresas. Em 1967 foi criada a Aberje6, que
possuía como foco a comunicação interna e, nesse mesmo momento, surgiu o
profissional de relações públicas, diretamente ligado ao presidente da empresa.
Esse primeiro conceito está, portanto ligado ao de jornalismo empresarial.
O segundo coloca a comunicação organizacional junto à comunicação
aquele primeiro discurso laudatório cedeu lugar às competências
comunicativas e o conceito de comunicação organizacional passou a ser
reconhecidamente do âmbito da retórica, pois
uma pessoa em influenciar uma outra para que esta aceite as razões da
primeira, isso ocorre, inicialmente, por força d
Da mesma forma, retórica é a relação de poder na empresa, pois, conforme
Torquato essa relação também se efetiva em decorrência do ato comunicativo.
O terceiro conceito aparece associado à comunicação governamental e
ao marketing político. Tal inclusão à comunicação organizacional ocorrida no
6 ABERJE Associação Brasileira dos Editores de Revistas e Jornais de Empresas
30
espírito de cidadania, nascido de uma sociedade civil mais organizada e cada
vez mais cônscia de seus direitos
comunicação organizacional estava fortemente ligada à comunicação
estratégica governamental, conduzida por uma comissão dissolvida após
17). Surgiu então o marketing político, tanto governamental quanto eleitoral.
A partir de meados dos anos 1980, a sociedade tem passado por uma
série de transformações: a emergência de grupos organizados (defesa dos
direitos do consumidor, por exemplo), a rápida consolidação de novas
tecnologias ensejando uma multiplicidade de processos de comunicação e a
produção acadêmica intensa. Com isso, o conceito de comunicação
organizacional se ampliou, uma vez que técnicas que se aplicavam às
empresas e à política passaram a ser de uso mais abrangente. Se no início ela
se ligava apenas ao jornalismo interno da empresa, em um segundo momento
associou-se à estratégia e política empresariais e passou a incluir o âmbito
político, hoje a comunicação organizacional permeia todos os setores
organizados da sociedade.
Margarida Kunsch considera a comunicação organizacional como área
abrangente e
[...] em uma perspectiva de integração das subáreas da
organizacional em duas vertentes: institucional e mercadológica que,
79).
Por fim, saliente-se que os dois últimos autores citados estão de acordo
s
KUNSCH, 2009: p. 79).
31
1.1.2 ABRANGÊNCIA
Considerando que a comunicação organizacional surgiu a partir das
atividades de relações públicas é natural que as duas áreas apresentem
interseções.
A esse respeito, estudos de Gaudêncio Torquato (Tratado de
Comunicação Organizacional, 2002) e Margarida M. Krohling Kunsch
(Planejamento de Relações Públicas na Comunicação Integrada, 2003) tratam
de diferenças e pontos de contato entre comunicação organizacional e relações
públicas. Luiz Alberto de Farias (2006: p. 46) estabelece diferenças e
aproximações entre comunicação organizacional e relações públicas em um
estudo dialógico entre Brasil e México.
O mesmo autor, ao interrogar, em 2009 se comunicação organizacional
organizacional quanto no acadêmico suscitam recorrentemente a ideia de
Embora não seja o foco deste estudo um aprofundamento sobre essas
2009, p. 46), é importante, para inteireza do trabalho, mostrar que se trata de
Quanto às relações públicas e à comunicação organizacional, além das possíveis superposições em torno do entendimento e da falta de clareza da sua abrangência e/ou dos seus limites, cabe ainda ressaltar que um sem-número de outros termos é utilizado de forma indistinta e indiscriminada, como se fossem todos sinônimos, a exemplo de comunicação empresarial, comunicação corporativa, comunicação institucional, marketing de relacionamento, entre tantos outros. (FARIAS, in: Kunsch, 2009: p. 48).
Apesar das superposições citadas, trata-
massa crítica capaz de sustentar que relações públicas e comunicação
um percurso histórico pode auxiliar no entendimento das áreas de atuação.
32
No Brasil, historicamente as relações públicas tiveram sua origem em
1914, com a criação do departamento de relações públicas da empresa Light &
Power. Eduardo Pinheiro Lobo, funcionário da filial paulista da empresa
canadense, instalou o primeiro serviço de relações públicas do país com base
no modelo utilizado nas empresas Rockfeller pelo jornalista norteamericano Ivy
Lee, em 1906. Assim como Lee é considerado o pai das relações públicas nos
EUA (e no mundo), Pinheiro Lobo é tido como o patrono das relações públicas
no Brasil (FARIAS, 2009: p. 51).
Esse modelo baseia-se na Declaração de Princípios do jornalista
norteamericano, que incluiu a comunicação com a mídia como ferramenta de
grande relevância. Um dos pontos-chave era a busca de apoio da opinião
pública norte-americana (final do século XIX e início do século XX) na relação
entre alguns grandes empresários da época cujas relações com os públicos
eram delicadas e conduziam a crises. Naquele momento, a área de relações
públicas estava ligada a gestão de crises a partir da assessoria de imprensa.
Após algumas décadas, passou a se constituir em campo de pesquisas
e desenvolvimento de novos modelos de trabalho. A área deixou de ter um
enfoque operacional e se transformou em modelo com objetivos mais amplos
que visavam à formação de imagem. Não deixou, no entanto, a gestão de
crises. Ampliou esse aspecto e passou a se preocupar com a prevenção delas.
Embora o marco brasileiro tenha sido 1914, efetivamente só na década
de 1950, com a fundação da ABRP7 é que as atividades foram impulsionadas
no Brasil. Na área acadêmica, o início se deu com a criação do primeiro curso
superior de Relações Públicas na Escola de Comunicações Culturais da USP,
em 1966.
Os nomes de Cândido Teobaldo de Souza Andrade, Gaudêncio
Torquato e Margarida Kunsch figuram entre aqueles que tiveram o mérito de
iniciar a construção bibliográfica específica nas duas áreas. Segundo Farias
(2009), Kunsch alavancou a corrente brasileira baseada no conceito de
comunicação integrada, além de enfatizar o caráter estratégico da área.
7 ABRP Associação Brasileira de Relações Públicas.
33
Para Noguero i Grau (apud Farias, 2009), a comunicação
prá
p. 52).
Pesquisadores dos EUA ainda procuram organizar o pensamento sobre
a comunicação organizacional e no Brasil, alguns autores a entendem como
sinônimo de comunicação empresarial8.
Gaudêncio Torquato e Margarida Kunsch, a primeira a utilizar a
expressão comunicação organizacional no país, reproduzem o aspecto
abrangente desta área, diferentemente da comunicação empresarial, que
designa o caráter apenas prático, ligado a ferramentas e peças de divulgação.
A segunda não representa, assim, a abrangência daquela.
1.1.3 DIMENSÕES
Para compreender um pouco da abrangência da comunicação
organizacional é preciso observar as formas de comunicação praticadas.
Diante da necessidade de implantar novas formas de comunicação provocadas
pelo processo de globalização, derivadas do processo de comunicação, as
organizações perceberam a necessidade de buscar e implantar novas formas,
assim, segundo Margarida Kunsch, três são as dimensões: humana,
instrumental e estratégica. É possível que as três ocorram simultaneamente,
porém os níveis de frequência com que acontecem dependem do tipo de
organização.
A dimensão humana privilegia a comunicação interpessoal, ou seja,
aquela que objetiva a relação e o entendimento entre os indivíduos, interna ou
externamente às organizações. Nesse aspecto, e porque os indivíduos são
seres em evolução e com diferenças, são levados em conta fatores sociais,
8 Segundo Farias (2009) a comunicação empresarial foi difundida timidamente a partir da década de 1970 e alcançou seu apogeu nas décadas posteriores. Poucos autores efetivamente se destacam no campo da comunicação organizacional, que ainda pode ser considerado emergente (in Kunsch, 2009, p. 54 e 55)
34
culturais, políticos, econômicos. Conforme enfatiza Kunsch (2006: p. 169 a
190), a comunicação humana tem como grande objetivo o entendimento entre
as pessoas, assim as organizações não podem ser vistas apenas como
entidades que cumprem objetivos e fins específicos. O fato de os indivíduos
pertencerem a diversas culturas e possuírem diferentes conhecimentos de
mundo já configura complexidade suficiente para que as organizações não
trabalhem a comunicação sob um ponto de visa linear.
Se analisarmos profundamente esse aspecto relacional da comunicação do dia-a-dia nas organizações, interna e externamente, perceberemos que elas sofrem interferências e condicionamentos variados, dentro de uma complexidade difícil até de ser diagnosticada, dados o volume e os diferentes tipos de comunicações existentes, que atuam em distintos contextos sociais. (KUNSCH, 2006: p. 169).
causem os efeitos desejados, não sejam automaticamente respondidos e
aceitos da forma como foram elaborados pela organização ou que não
correspondam à intenção inicial.
Para que exista uma compreensão comunicacional na organização, é
preciso primeiro não se dissociar o verdadeiro sentido de comunicação
humana, que pressupõe o entendimento verbal, não-verbal, simbólico e
paralinguístico entre as pessoas.9 Assim, deve-se pensar a comunicação de
maneira crítica e não apenas como transmissão de informações.
A dimensão instrumental, com foco nas ferramentas e instrumentos
utilizados na transmissão de informação, é fruto das transformações ocorridas
no período da Revolução Industrial.
Essas transformações deram origem a novas formas de comunicação
com os públicos interno e externo. Ao público interno, a inclusão de
publicações na área administrativa ou gerencial representada por todos os
documentos burocráticos e publicações de cunho informativo (jornais, boletins,
9 Estudos de Margarida Kunsch (2006) enfatizam as pesquisas de Tânia Casado (2002) e de Adler e Towne (2002), que especificam sobre as visões da comunicação interpessoal sob dois pontos de vista: qualitativo e quantitativo.
35
revistas organizacionais, entre outros). Ao público externo, publicações
centradas nos produtos com a finalidade de concorrer ao mercado em um novo
processo de comercialização. Trata-se da dimensão mais presente nas
organizações, embora informacional.
Inicialmente sem preocupação com retorno por parte dos seus públicos,
essa dimensão evoluiu e hoje os instrumentos, as ferramentas da comunicação
organizacional diversificaram e sua produção atingiu alto grau de sofisticação
técnica, além de ganhar caráter estratégico no setor de negócios e no conjunto
dos objetivos corporativos.
Se a propaganda alcançou papel fundamental após a Revolução
Industrial, hoje é insuficiente, embora evidentemente não tenha sido abolida.
Apenas [a propaganda] não dá conta das exigências dos públicos, que cobram
responsabilidade social, atitudes transparentes, comportamentos éticos. Tal
evolução da comunicação organizacional se deu por conta das exigências de
um público mais consciente e de uma sociedade mais esclarecida. Assim, é
exigido por esse público, transparência e clareza nas comunicações.
A complexidade do contexto organizacional atual obrigou a comunicação
organizacional a assumir uma dimensão estratégica ações
precisam ser pensadas estrategicamente e planejadas com base em pesquisas
científicas e aná p. 170). Essa dimensão
conduz a um novo olhar sobre a comunicação, mais abrangente e integrado,
que soma o trabalho de relações publicas, responsável pela comunicação
institucional, ao de marketing, responsável pela comunicação de mercado.
A intenção é evidentemente agregar valor às organizações por meio de
planejamento de ações com a finalidade de atingir seus públicos estratégicos.
Em síntese, a partir da década de 1990, cenário de transformações
paradigmáticas, a comunicação organizacional alcança uma dimensão muito
mais relacional que informacional, com atuação mais sinérgica que conduz o
trabalho de profissionais, acadêmicos e estudantes.
36
1.2 DISCURSO E PRODUÇÃO DE SENTIDO NAS ORGANIZAÇÕES
Embora o assunto seja tratado em maior profundidade no Capítulo III,
aqui são apresentados alguns conceitos de discurso para que se possa expor
sobre a produção de sentido nas organizações e dar inteireza a este capítulo.
Etimologicamente, do latim discursus, discursum, discurrere, nos
dicionários e na linguagem popular, texto falado para um público específico, o
termo discurso aparece ligado à produção de textos falados ou escritos que se
destacam pela utilização de estratégias argumentativas para convencer ou
persuadir um auditório sobre determinada questão. Benveniste também
associa o termo às mensagens escritas e faladas.
das linguagens não-verbais. Em outra acepção, os mesmos autores
consideram discurso como um domínio semiótico distinto, que pode ser
Nesse sentido, é possível dizer que existe um discurso organizacional
constituído pelos signos relativos à atividade da organização, assim como
existe um discurso literário, um discurso jurídico e outros.
Orlandi define discurso como
[...] linguagem em interação, ou seja, aquele em que se considera a linguagem em relação às condições de produção ou, dito de outra forma, é aquele em que se considera que a relação estabelecida pelos interlocutores, assim como o contexto, é constitutivo da significação. (ORLANDI, 1986: P. 145).
A autora acrescenta que o modo de existência social da linguagem é
estabelecido pela noção de discurso, ou seja, existe a possibilidade de se
considerar linguagem como ferramenta de trabalho.
37
Bakhtin estende o conceito de discurso à prática social e o considera
ado de uma interação que antecede mesmo a participação
in: IASBECK, 2009: p. 18). Para Bakhtin a noção de discurso
aproxima-se da noção de contextos, ou seja, liga-se ao ambiente em que os
as mudanças por
p. 369).
Longe de se esgotarem os conceitos e olhares sobre o discurso, a
intenção é mostrar que a produção de sentido nas organizações se constrói no
e pelo discurso, ou seja, as atividades organizacionais são discursivisadas
continuamente, seja no âmbito oral, escrito ou simbólico.
Os discursos são elaborados para que os sentidos sejam construídos
pelos receptores. Assim, em meio a discursos de diversas naturezas, é
possível identificar as intenções que correspondem também ao reconhecimento
dos traços característicos de cada cultura produtora da instância discursiva.
Dessa forma, as organizações veiculam sua cultura não apenas de
forma verbal, escrita e falada, conforme se comentou, mas utilizam recursos
retóricos para construir um discurso autorreferencial, centrado nas intenções e
estratégias de seu produtor. Cabe aos públicos interno e externo a construção
de sentidos ligada a essas estratégias retóricas.
Os argumentos retóricos com finalidade de construção de sentido são
aplicados na comunicação organizacional ligada ao cliente, por exemplo.
Iasbeck considera que tais argumentos são dispensáveis em documentos
administrativos como balanço patrimonial, justificativas de resultados,
apresentação de políticas e estratégias aos acionistas e nas comunicações
internas de caráter instrumental. (2009: p. 22)
No entanto, acreditamos que mesmo esses documentos constroem
sentidos, embora não sejam elaborados especificamente com tal finalidade,
pois todos eles ou possuem um nível argumentativo ou podem ser utilizados
como reforço de outros instrumentos eminentemente argumentativos. Um
balanço social, por exemplo, embora seja constituído basicamente de itens e
números, serve para comprovar quanto e como a organização investiu em
38
responsabilidade social. Esse fato está diretamente ligado à construção retórica
da imagem de uma organização.
O mesmo se aplica às justificativas de resultados, uma vez que justificar
é atividade essencialmente argumentativa. Mesmo uma carta administrativa
pode conter argumentos e um balanço patrimonial tem uma escolha de
organização de ativos e passivos que conduz o analista à construção de
sentido.
A construção de sentido no discurso da organização, no entanto, não
segue os estudos de polissemia aplicados por Bakhtin à literatura. Enquanto a
literatura se caracteriza por uma polissemia intencional que conduz a várias
leituras e interpretações por parte do leitor, os textos administrativos não têm a
intenção de construir muitos sentidos, pois os resultados fugiriam ao controle
do administrador. Tais textos buscam um estreitamento da significação,
embora não possam fugir a interpretações. Assim, de maneira geral os textos
organizacionais devem buscar suficiente clareza para evitar distorções que
comprometam seus sentidos.
1.3 CRISES CORPORATIVAS E GERENCIAMENTO
Segundo Coombs10, o gerenciamento de crise é uma função
organizacional crítica. Falhas podem resultar em sérios prejuízos às partes
interessadas, perdas para a organização e até mesmo seu fim. O assunto é
considerado tão importante, que grandes organizações possuem equipes
especiais para tratar do gerenciamento de crises.
Muito já foi escrito sobre o assunto tanto por pessoas que trabalham em
organizações como por pesquisadores de várias disciplinas, o que transforma
em desafio sintetizar o que se conhece sobre o gerenciamento de crises e a
retórica aí praticada.
10 Timothy Coombs, professor associado no departamento de Estudos de Comunicação da Earthern Illinois University. Sua área principal de pesquisa tem foco no desenvolvimento e teste da teoria situacional da comunicação de crises (SCCT). Segundo o autor, seu livro Ongoing crisis communication: Planning, Managing, and responding foi desenvolvido com a finalidade de ensinar estudantes e gerentes a considerar o gerenciamento de crises como processo.
39
Há muitas definições para crise. Aqui, a definição reflete pontos
fundamentais encontrados em várias discussões: assim a crise está associada
à ameaça significativa para as operações, ameaça que pode ter consequências
negativas se não for tratada adequadamente.
Segundo Alves (in: Organicon, 2007: p. 94), nos EUA a disciplina gestão
de crises ainda é genericamente denominada crisis management, o que a
associa ao fato ocorrido e não à gestão de um sistema. No entanto, a
expressão crisis administration, por se preocupar com o caráter mais
estratégico, demonstra uma abordagem sistêmica, ou seja, a crise passa por
momentos diferentes em que é preciso lidar com elementos diversos. Nesse
sentido, a comunicação de crise se efetiva de várias formas, diretas e indiretas:
resposta às situações de emergência, gerenciamento, comunicação durante a
crise, comunicação de risco, plano de crise, manual de comunicação de crise,
estudo de vulnerabilidades.
Em gerenciamento de crises a ameaça é o dano potencial que ela
acarreta em uma organização, em suas partes interessadas e ao próprio ramo
de atividade. Segundo Coombs (2007), uma crise pode gerar três tipos de
ameaças que estão relacionadas à segurança do público, perda financeira e
perda de reputação. Algumas crises como acidentes industriais e danos a
produtos podem resultar em lesões e mesmo perdas de vidas, além de
prejuízos financeiros. Como consequência, podem gerar diminuição de fatia de
mercado e de intenções de compra. Podem ainda suscitar ações judiciais com
danos tangíveis significativos.
Conforme Dilenschneider escreveu na Bíblia da Comunicação
Corporativa11 todas as crises, se não geridas de forma adequada, se
transformam em ameaças à imagem de uma organização e se reflete de modo
danoso a sua reputação. As ameaças estão interrelacionadas. Lesões ou
mortes chegam a causar perda financeira e denegrir a imagem; as imagens,
por sua vez, têm impacto financeiro nas organizações.
11 DILENSCHNEIDER, The Corporate Communication Bible, 2000, citado em artigo de COOMBS, 2009.
40
1.3.1 ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO DE CRISE
O gerenciamento efetivo de crises lida com as ameaças de modo
sequencial. Conforme Coombs, a primeira preocupação deve ser a segurança
do público. Uma falha em tratar essa segurança intensifica os danos. A
reputação e as preocupações financeiras devem ser consideradas somente
após eliminados os perigos relativos à segurança do público. De modo
abrangente é possível dizer que o gerenciamento de crise se destina a proteger
uma organização e suas partes interessadas de ameaças e/ou reduzir o
impacto percebido. Trata-se, conforme comentado, de um processo e, como
tal, não consiste de uma única linha de ação. Segundo o autor, pode ser
dividido em três fases: 1) pré-crise, que consiste em prevenção e preparação;
2) resposta à crise, que ocorre quando a gerência da organização responde
efetivamente a uma crise; 3) pós-crise, que consiste na procura de caminhos
que preparem para uma próxima crise e permitam o cumprimento de
compromissos assumidos durante a crise. Essa fase inclui informação sobre as
possíveis consequências.
Essa visão de processo em três partes constitui a essência da teoria de
americanas de treinamento e formação de profissionais para implantação de
esta organização, um programa de gerenciamento de crises também pode ser
dividido em três fases: 1) pré-planejamento, 2) desenvolvimento e implantação
e 3) pós-implantação.
Uma crise muitas vezes pode afetar a segurança do público (como é o
caso da Mineração Cataguases, analisado no capítulo V), além de causar
perdas financeiras (caso da Air France) e pode ser uma ameaça à imagem da
empresa.
A teoria de Coombs e de acordo com Melo (2007: p. 122-126), o
enfoque sequencial pode ser especificado a partir dos itens propostos em cada
fase citada.
A fase pré-crise se caracteriza pela busca na redução dos riscos que
podem levar à crise e mitigação das consequências. A lista proposta por
41
Coombs mostra de modo resumido que essa etapa consiste de atuação
contínua, e pretende minimizar os efeitos da crise. Assim, o autor sugere que a
empresa: possua um plano de gerenciamento de crises e o atualize ao menos
uma vez por ano; estabeleça uma equipe de gerenciamento de crises treinada
de modo adequado; conduza um exercício ao menos anual para teste do plano
e equipe de gerenciamento de crises e elabora uma minuta sobre notas
oficiais, com revisão e aprovação pelo departamento jurídico.
Um dos tópicos do treinamento mencionado deve incluir o conhecimento
retórico de notas oficiais. A elaboração da minuta cuida do lado pragmático da
redação das notas oficiais. É preciso observar que cada crise, por definição é
um acontecimento inesperado e se constitui de componentes peculiares,
assim, a equipe responsável pelo gerenciamento de crise e em particular a de
redação de notas oficiais têm de tomar decisões. Conhecimentos de retórica e
pragmática certamente contribuem para a elaboração dessas notas.
A fase de resposta à crise é constituída pela comunicação e apresenta
duas etapas: a resposta inicial e a restauração da imagem.
Durante a resposta inicial, o enfoque pragmático encerra três
recomendações: rapidez, exatidão e consistência. A necessidade de rapidez
valoriza as minutas redigidas na fase de preparação. A exatidão determina que
somente informações acuradas sejam fornecidas e a consistência define que
mensagens não podem ser contraditórias entre si e em relação aos fatos e
ações.
As recomendações de Coombs (1995), Melo (2007) e Rosa (2007) para
essa segunda fase são: tentativa de emissão da comunicação inicial na
primeira hora após o evento; verificar cuidadosa dos fatos; garantia de
informação aos porta-vozes; segurança ao público como primeira prioridade;
utilização de todos os canais disponíveis de comunicação, interna e externa;
demonstração de simpatia de preocupação para com as vítimas; garantia de
acompanhamento médico e psicológico para as vítimas, familiares e amigos.
A estratégia de restauração de imagem depende da causa da crise,
porém mais ainda, da elaboração retórica de comunicados da organização. A
tabela 1, organizada por Coombs (1995), mostra as estratégias possíveis.
42
Embora se perceba o caráter pragmático e algumas estratégias possam
evidenciar certa falta de ética, a retórica permeia as ações.
Tabela 1: Lista de estratégias de reparação de imagem.
Estratégia Comentário
1 Atacar o acusador Aplica-se quando a crise é causada por uma acusação falsa proveniente de pessoa ou grupo sem credenciais.
2 Negar Afirmar que não há crise. Aplica-se principalmente a boatos, infelizmente causadores freqüentes de crises
3 Acusar um terceiro Culpar pessoa ou grupo externo à organização pela crise. É caso, por exemplo, de desastre aéreo causado por pista de pouso em más condições.
4 Apresentar uma causa externa
Negar intencionalidade ou negligência e mostrar a impossibilidade de controlar os eventos que provocaram a crise. Pode assumir uma das formas que seguem.
suscitação atribuir a crise a uma resposta a ações de terceiros.
imprevisibilidade falta de informação sobre os eventos que levaram à crise.
imponderabilidade impossibilidade de controle sobre os eventos que levaram à crise.
boas intenções a organização pretendia efetuar uma ação benéfica.
5 Amenizar Minimizar a percepção do dano causado pela crise, construindo um ou mais cenários plausíveis.
6 Lembrar Apresentar às partes interessadas um histórico de ações positivas efetuadas pela organização.
7 Elogiar Congratular as partes interessadas por suas ações, presentes e passadas.
8 Compensar Oferecer reparações tangíveis às vítimas e suas famílias, sem se limitar a declarações de solidariedade.
9 Desculpar-se Indicar que a organização assume a inteira responsabilidade por suas falhas ou omissões e pedir desculpas às partes interessadas.
(Fonte: W. Timothy Coombs, traduzido e adaptado pela autora)
É interessante observar que a tabela apresenta um caráter pragmático
talvez tenha sido elaborada com essa intenção. De qualquer forma, o
enunciador lançará mão de argumentos persuasivos ou convincente para
utilizar quaisquer das estratégias ou mesmo a combinação de algumas delas.
43
Basta observar cada uma para saber que a escolha entre elas é discursiva e
que a prática é domínio da retórica.
Coombs, no trabalho citado, e Lukaszewski (1999: p. 2) propõem, para
auxiliar o delineamento da estratégia de resposta, uma taxonomia de
atribuições de responsabilidade: crises de mínima responsabilidade, baixa
responsabilidade e forte responsabilidade. As crises de responsabilidade
mínima são, por exemplo, os desastres naturais, rumores sem fundamento,
agressões pessoais e utilização indevida de produto. As mais graves ou de
maior responsabilidade acontecem quando acidentes decorrem por erro
humano, defeitos em produtos ou falhas organizacionais que produzem danos
sérios. Determinada a atribuição de responsabilidade, é possível escolher a
combinação de estratégias.
Na fase de pós-crise, a organização deixa de ser o foco das atenções,
embora ainda seja necessário certo cuidado. A restauração da imagem pode
depender de uma continuidade à sequência de ações iniciadas ou mesmo
prometidas durante a fase anterior, principalmente no que se refere a
fornecimento de informações detalhadas.
Não se pode negligenciar, em nenhum momento, a força retórica que
permeia a escolha pragmática, assim, mesmo na fase pós-crise, o discurso
manterá a escolha argumentativa.
1.3.2 QUESTÕES PÚBLICAS
As questões públicas como agentes primários ou secundários
influenciam diretamente as atividades de uma empresa. São forças até certo
ponto estranhas ao mercado, mas que afetam as organizações. Segundo
atenção dos altos executivos das grandes empresas em todas as partes do
Assim, para este autor o termo questões públicas concebido
internacionalmente como public issues são todas as ameaças que as empresas
sofrem e que, de alguma forma, causam impacto em seus negócios e imagem.
44
Um desastre, um acidente são momentos de vulnerabilidade na imagem
da empresa. Configura-se, quase sempre, o que se chama crise na
organização, pois coloca em destaque sua imagem positiva ou negativa ligada
a perícia, competência, confiabilidade, ética
antecipar sempre, prevenindo-se contra as crises e administrando-as se
acontecerem (KUNSCH, 2001: p.
Alguns autores afirmam que crises acontecem todos os dias. Assim,
pequenas desavenças ou discussões já seriam motivo de geração de crise.
Embora vários pequenos problemas possam realmente se transformar em
grandes dificuldades, este trabalho versa sobre crises derivadas de acidentes
externos à organização.
É impossível deixar de lembrar, neste momento, o ideograma chinês
em que crise é a junção de perigo e oportunidade. Toda crise acaba por
envolver um problema de imagem que, bem conduzido, é capaz de se
transformar em oportunidade de crescimento. Do contrário, chega a gerar
fracasso e, no limite, decretar o fim de uma organização.
Segundo o professor Mauro Teixeira, em palestra da ABERJE (2009), a
primeira atitude a tomar em casos de crise é não escondê-la, mas comunicá-la.
O papel do responsável pela comunicação é, dessa forma, manter contato com
a mídia e informar os fatos ao lado de seus gestores. Bem elaborada, uma nota
oficial sobre o acidente e as providências posteriores podem reforçar uma
imagem positiva, ainda que o desastre seja algo negativo em essência. O
professor resumiu com propriedade a questão
talvez seja, nesses casos, o momento em que o discurso é mais exigido, uma
vez que tudo que se disser será analisado e confrontado com o fato.
É preciso muito cuidado com o dizer e o não-dizer. A nota oficial
publicada logo após o acidente com função de defender a organização e
mostrar as ações pretendidas para mitigar os problemas causados não pode
omitir fatos. Por outro lado, é bastante delicada a posição da empresa diante
de responsabilidades. Embora veicule os fatos e por isso pareça objetiva, a
nota oficial, às vezes, precisa se utilizar de subjetividade de maneira cuidadosa
45
para reduzir os prejuízos à imagem de confiabilidade, por exemplo. Um dos
objetivos da nota será fortalecer a imagem da empresa ou, no mínimo, reduzir
possíveis danos. Ao lado dos fatos veiculados, há uma construção retórica com
finalidade de reduzir possíveis problemas.
Assim, o que define a distância entre discurso e realidade é a escolha
dos argumentos. Não se deve, por exemplo, criar ou mencionar fatos que não
correspondam à realidade ou prometer o que não possa ser cumprido. Uma
nota oficial pode se transformar em instrumento de fortalecimento ou
enfraquecimento da imagem da empresa. Há casos conhecidos12.
A gestão de crises corporativas tem evoluído rapidamente em função
das realidades e necessidades. As organizações vivenciam problemas
originados em situações inerentes ao negócio e recebem ataques e acusações,
verdadeiras ou falsas, que envolvem seus produtos, imagem, reputação, marca
e condicionam o futuro.
Os acidentes, como possíveis geradores de tensão e crise conduzem,
dessa forma, à necessidade de cuidado especial na elaboração do discurso
que veicula as especificidades da ocorrência. Aliás, economias adiantadas
(Europa e Estados Unidos), por exemplo, já apresentam uma abordagem
sistêmica do assunto por considerar os acidentes geradores de crise como
sistema, ou seja, conjuntos de elementos que funcionam como estrutura e a
partir dos quais se pode encontrar ou definir alguma relação.
Em um acidente vários elementos são acionados: gerenciamento de
possível crise, emissão de nota oficial, comunicação de risco, elaboração de
plano estratégico, manual de comunicação de acidentes, estudo de
vulnerabilidades.
Até bem pouco tempo, havia preocupação apenas com o evento
(acidente). Hoje a reflexão se estende não só aos problemas e soluções,
porém enfatiza a informação e a elaboração de um discurso que servirá para
modelar e reforçar a imagem da organização.
12 Um exemplo está no ocorrido em 1990 com a fabricante da água mineral Perrier. Após acidente com contaminação por benzeno de um lote de garrafas, a empresa deu ampla publicidade ao fato e recolheu todas as garrafas que haviam saído da fábrica.
46
1.3.3 IMAGENS E IDENTIDADE CORPORATIVA
Empresas, assim como indivíduos, têm identidades, personalidades. A
transformação dessa identidade em imagem é um processo no qual a
comunicação, interna e externa, é considerada central. A comunicação de uma
empresa, quando bem planejada e executada, transmite a seus públicos um
sentido de quem a organização é.
A identidade corporativa diferencia uma empresa, é o que a faz única
aos olhos de seus colaboradores e demais partes interessadas e pode ser
definida como o conjunto de atributos que torna uma empresa especial. Os
atributos podem ser essenciais (valores, cultura, propósito) ou acidentais
(logotipo, código de vestimenta, slogans publicitários). Os atributos essenciais
são os que influenciam decisivamente a identidade corporativa. Os acidentais
são matéria que serve à descrição da empresa, mas não definem sua
essência. Uma organização pode, por meio de sua identidade, transmitir uma
imagem de honestidade, justiça ou de preocupação com seu papel na
sociedade.
Assim, a comunicação organizacional, em termos de imagem e
identidade, pode promover uma cultura forte e um senso de cidadania
corporativa. O profissionalismo na comunicação inclui também uma relação
com a imprensa, que compreende respostas rápidas e responsáveis a
situações de crise. O sucesso da comunicação da crise vai depender em larga
medida do que a empresa tiver construído em suas relações com a imprensa e
a comunidade.
As questões relacionadas à imagem das organizações serão tratadas
em maior profundidade nos capítulos IV e V, mas já é possível perceber que a
comunicação organizacional tem forte componente ligado à construção e
manutenção da imagem.
O capítulo seguinte tratará de aspectos teóricos sobre valores e ética de
forma geral e mais especificamente de como a ética empresarial atua de
maneira a criar e manter uma imagem.
CAPÍTULO II
ÉTICA EMPRESARIAL: BUSCA POR UM ENTENDIMENTO
uito se tem falado a respeito de ética e valores no campo pessoal,
político, jornalístico, religioso, propagandístico. É de se esperar,
portanto, que não seja diferente com o Discurso Organizacional.
Fala-se também em crise dos valores morais e que o sentimento de tal crise
estaria expresso na linguagem cotidiana.
Ao imaginar conflito de valores, reporta-se imediatamente a questões
individuais e principalmente políticas e é possível pensar em comportamentos,
normas de conduta em ser, não-ser, dever-ser, não-dever, dever-não-ser.
Para entender assunto tão complexo, buscaremos subsídios em
filósofos que trataram especificamente do tema.
2.
2.1 PROPOSTA HERMENÊUTICA PARA A COMPREENSÃO ÉTICA
É preciso deixar de lado qualquer postura preconcebida e certezas
frente a tema tão fugidio. A condição para que se interprete o campo
comunicacional incluirá
pelo que consegue enxergar na materialidade e no simbólico, reconhecendo
seus limites e os das fe
É verdade que a hermenêutica por si só não dá conta de, isoladamente,
suportar a busca no campo dos estudos comunicacionais, mas acreditamos
que possa servir como auxílio na compreensão desses fenômenos.
M
48
Assim, um enfoque transdisciplinar13 parece mais apropriado a uma
relação positiva com o método hermenêutico, uma vez que o objeto de estudo
desse trabalho necessitará olhares que extrapolam o campo de seus estudos,
fazendo-se necessária a apropriação de conhecimentos de outras ciências
para o desenvolvimento de uma compreensão mais ampla de seu objeto.
Dessa forma, a Filosofia, a Pragmática e os aspectos sociológicos,
discursivos e retóricos que compõem o discurso da empresa, aqui
representados pela crescente pluralidade das representações contemporâneas,
vêm ao encontro do paradigma transdisciplinar, valorizam as tendências
heterogêneas da atualidade para a produção de conhecimento e constroem
novos modelos de compreensão que se adaptem ao tempo atual.
É possível por meio da hermenêutica, adotar um sentido no qual a
validação da consciência se transforma em referencial para a interpretação do
conhecimento.
O presente trabalho, ao analisar a comunicação organizacional,
privilegia o estudo dos sentidos da palavra, estuda os subjetivemas14 e busca
esclarecer possíveis questões subjetivas em textos supostamente objetivos.
Os estudos de Retórica, em particular de questões ligadas a logos e
pathos servirão de base teórica para a análise do corpus, no sentido de tornar
possível verificar a constituição do ethos das organizações e a composição de
seus discursos.
Considerando o vasto e diversificado ferramental teórico, o trabalho
prevê abordar algumas linhas definidas: filosófica, retórica e discursiva, que
serão utilizadas em parte ou na sua totalidade.
O termo hermenêutica deriva do grego (hermeneuein), que
significa interpretação. Muitos autores associam o termo a Hermes, deus grego
capaz de transformar em linguagem acessível o que a mente humana não
13 unidade do conhecimento, dizendo que com o crescente avanço da técnica o desenvolvimento dos saberes encontra-se cada vez mais centrado neste objeto, anulando de certa forma o sentido humano, sociowww. bocc.ubi.pt.
14Os subjetivemas são classes de palavras que apresentam nível maior ou menor de subjetividade e serão estudados no capítulo III.
49
que traduziria o incompreensível.
A visão tradicional vê a Hermenêutica como ciência que busca o
estabelecimento dos princípios, métodos e regras de interpretação necessárias
à compreensão de textos escritos. Nesse sentido, é a teoria científica da arte
de interpretar.
A partir do final do século XVIII, início do século XIX, a hermenêutica é
reformulada e passa a fazer parte da filosofia como hermenêutica geral, que
pressupõe uma teoria geral da compreensão e interpretação de manifestações
linguísticas. Em outras palavras, onde há linguagem, existe a possibilidade de
interpretação. Assim, foram delimitadas algumas hermenêuticas, entre as
quais, a muito conhecida hermenêutica jurídica. A diferença estaria em que nas
Ciências Sociais a hermenêutica é aceita como uma das formas da análise do
conteúdo e no Direito ela incorpora o rigor que o marco da lei fornece sem,
contudo, possuir caráter determinante.
Apesar dessa indeterminação e considerando que o assunto não está
ligado diretamente aos rigores da lei, a hermenêutica geral poderá auxiliar na
interpretação, que será aprofundada por meio da análise discursiva e retórica
dos enunciados constitutivos do corpus.
Outro ponto a considerar são os estudos de linguagem em seu campo
de compreensão textual, que passa a ser domínio da técnica de solução de
incompatibilidades, da resolução de conflitos. Seu progresso consiste na
elaboração de técnicas - sempre imperfeitas - a
conciliação do irreconciliável, a mescla das antíteses, a síntese das oposições
[...] 1999: p. 469). Essas oposições podem ser compreendidas
como parte do problema discursivo e, assim, componente do problema da
comunicação organizacional entendida em seu aspecto discursivo.
Uma mesma incompatibilidade enseja, às vezes, na sua resolução,
vários arranjos de conceitos, ou seja, eles são adaptados, reconstruídos
lexicalmente para atender essas necessidades. Em outras palavras, cria-se
nova forma de escrever ou se a modifica para resolver um determinado
problema.
50
Nesse aspecto pode-se questionar até que ponto o discurso jurídico, por
exemplo, está embasado na verdade. Talvez fosse mais apropriado dizer que
este discurso se preocupa com a aplicação correta das leis. Aliás, a verdade
jurídica está ligada, na prática, às aparências que apresentam mais pontos
comuns e se fundamenta nos elementos mais coerentes. De qualquer forma,
não é intenção desse trabalho analisar o contexto jurídico.
O compromisso com a solução de incompatibilidades provoca uma nova
estruturação do real, o que exige esforço e necessita justificativas de difícil
elaboração. Uma vez resolvido o conflito e as noções dissociadas e
reestruturadas, a solução escolhida será considerada inelutável até que nova
incompatibilidade venha a surgir.
Partindo-se do pressuposto que todos os aspectos da realidade são
compatíveis entre si, o protótipo da dissociação nocional é a dissociação que
dá origem ao par aparência-realidade, que nasceu de certas incompatibilidades
entre aparências (Perelman, 1999: p. 472), uma vez que não podem ser todas
consideradas como expressão da realidade.
opor-se, o real é coerente: sua
elaboração terá como efeito dissociar, entre as aparências, as que são
enganosas das que correspondem ao real . Esse é um ponto
essencial devido à sua importância argumentativa: se o real é o coerente, o
não enganoso, a aparência seria o ilusório, o erro. Na prática não é o que
ocorre e nas questões de comunicação organizacional, as provas e as
interpretações são o que conta. Em outras palavras, a aparência de verdade.
É preciso, contudo, muito cuidado com as generalizações, pois a
realidade como resultado da aparência não enganosa, aquilo que o escrúpulo
aceita sem titubear, apresenta um aspecto mais subjetivo do que um critério
objetivo de escolha. As filosofias pragmáticas, positivistas, fenomenológicas ou
existencialistas afirmam que a única realidade é a das aparências. Assim, as
(aparências) que manifestam o existente não são nem interiores, nem
exteriores, mas se equivalem.
É justamente sob esse aspecto que a retórica conforme Aristóteles,
Perelman, Vignaux, e em seu conceito mais moderno, não define o certo e o
51
errado, a aparência e a realidade, o bom e o mau, mas observa os diferentes
pontos de vista de uma mesma ocorrência. Isso torna as crenças possíveis.
Como não há certo ou errado e sim pontos de vista a serem defendidos
retoricamente, talvez a própria ética possa ser discutida como aparência ou
como motivo de argumentação.
2.2 ÉTICA
Diante de tais questões, instaura-se o grau de problematicidade (Meyer,
1998: p. 36). Pode haver problematicidade máxima (questão duvidosa, sem
critério de resolução), grande (questão incerta, mas com critérios do Direito,
por exemplo) e fraca (questão resolvida). No discurso da organização a
problematicidade pode ser grande ou máxima, pois o interesse principal da
empresa, por exemplo, é produzir lucro. Para tal é necessário fundar-se no
real15 e essa realidade não deve prescindir do senso ético: é esperado que o
discurso da empresa seja construído em bases éticas.
Nesse sentido, uma questão pode ser incerta e de grande
problematicidade não apenas porque não se conhece a resposta, mas
principalmente porque não dispõe dos meios ideais para atingir uma resposta
boa ou justa. Assim o ethos desempenha papel determinante: a credibilidade
construída por aquele que fala e propõe sua autoridade, imporá o juízo. Entre
outras considerações é fundamental aprofundar os estudos sobre o ethos, pois
parece ser a base para a construção da imagem organizacional. É o que se
fará em capítulo adiante.
É também de se esperar que conceitos tais como Moral, Justiça,
Verdade e seus sentidos sejam discutidos.
Assim, uma das tarefas desse trabalho será descobrir as regras (caso
existentes) segundo as quais as formas, conceitos e opções se fazem
presentes e descobrir se, de fato, a comunicação organizacional contribui para
15 Questões sobre o real serão aprofundadas no item 3.4.
52
a construção do ethos da empresa. Antes, no entanto, é necessário aprofundar
as questões relacionadas à ética.
Etimologicamente, ética vem do grego (ethos), e tem seu correlato
no latim "morale", com o mesmo significado: conduta ou relativo aos costumes.
Dessa forma, etimologicamente ética e moral seriam sinônimos.
No entanto, a palavra ética não tem o mesmo sentido para todos que a
estudaram. Para Novaes, ética e moral estão no mesmo nível.
Se comparamos as definições que os antigos e os modernos dão à noção de ética, percebemos que são tão radicalmente diferentes que se cria em torno delas um verdadeiro campo de contradições. Os filósofos gregos sempre subordinaram a ética às ideias de felicidade da vida presente e de soberano bem [...] hoje a felicidade não é pensada mais nos termos da moral antiga, mas em termos de eficácia técnica, de consumo [...] o que por si só demonstra que entre as duas concepções existe muito mais que simples diferença: há uma verdadeira ruptura, uma contradição. É como se houvesse um lento enfraquecimento da noção de ética e das conquistas do espírito com o avanço da técnica. Ou melhor, a moral passa a ter uma importância quase convencional. (NOVAES, 1992: p. 7-8)
Vários pensadores em diferentes épocas abordaram especificamente
assuntos sobre a ética: pré-socráticos, Sócrates, Platão, Aristóteles, os
estóicos, os pensadores cristãos (patrísticos, escolásticos e nominalistas),
Kant, Espinoza, Nietzsche, Paul Tillich e mais recentemente Perelman,
Faulcault. Evidentemente não serão todos abordados: apenas será traçado um
perfil histórico.
Esse perfil foi elaborado com base n
Pré- Dessa forma, a autora só
faz citações a partir do contato direto com obra do próprio pensador no caso de
Aristóteles, Perelman e Foucault. Os demais são releituras.
É possível afirmar que a ética grega apareceu a partir da reflexão dos
filósofos sobre os costumes do seu tempo, ou seja, surgiu das indagações para
além das práticas habituais de conduta, crenças de caráter religioso aí
implicadas. Os pré-socráticos já buscavam as razões pelas quais os homens
devem se comportar de determinada maneira. Mais do que isso, o discurso
ético em Demócrito procurava definir uma atitude reflexiva e racional para
53
julgar as ações humanas. Dizia que "é sábio quem não se aflige com o que lhe
falta e se alegra com o que possui" e que "a moderação aumenta o gozo e
acresce o prazer". Afirmava que a agressividade é insensata porque "enquanto
se busca prejudicar o inimigo, esquecemos o nosso próprio interesse". (PRÉ-
SOCRÁTICOS, 1973: 211 a 237)
No entanto, existe na Filosofia certo consenso no que diz respeito ao
pensador mais representativo do início da ética antiga: Sócrates. Antes dele,
contudo, já havia normas de comportamento, com os pré-socráticos, alguns
autores trágicos e historiadores, e até com os próprios sofistas,
contemporâneos de Sócrates. Porém, foi Sócrates quem delimitou o domínio
do estudo que trata das ações humanas, definiu uma atitude reflexiva e crítica
dos conceitos e argumentos necessários para a criação e desenvolvimento da
ética como parte integrante da filosofia antiga.
Embora Sócrates não tenha inaugurado a reflexão ética, ele é
considerado aquele que criou um estilo de pesquisa ética, analítica e
argumentativa. Seu pensamento influenciou as novas escolas como é o caso
dos cínicos e das escolas helenísticas (epicurismo, ceticismo e estoicismo).
Assim, é possível dizer que a filosofia ética da antiguidade se
desenvolveu por um período de mais de dez séculos e pode ser dividido em
três momentos: 1) os pré-socráticos; 2) Sócrates, Platão e Aristóteles; 3) os
helenistas. De qualquer forma, não são todas as correntes de filosofia ética
antiga que podem ser adaptadas nesta divisão. Os socráticos menores, por
exemplo, embora contemporâneos de Platão, não são enquadrados na
categoria porque diferem de Platão e Aristóteles.
É interessante notar que até mesmo entre filósofos do mesmo grupo,
havia divergências: é sabido que Aristóteles criticava as idéias de Platão,
justamente no âmbito da retórica.
2.2.1 PRÉ-SOCRÁTICOS E ÉTICA.
A literatura homérica deixou considerável herança cultural. É possível
encontrar nos poemas de Homero o desenvolvimento de um padrão que tem
por finalidade a busca do ideal heróico de afirmação de si. Aquiles, herói
54
homérico, procura ser sempre o primeiro, o melhor e superior aos outros.
Possuir a Virtude é a medida das façanhas cumpridas . Dessa forma, o ideal
de afirmação de si, por meio do qual se procura desafiar e competir está
associado à ética da vergonha e da honra. Alguns poemas de Hesíodo
mostram o ideal de afirmação junto à ética do constrangimento e da
autolimitação.
[...] Ó Perses! Mete isto em teu ânimo: / A Luta malevolente teu peito do trabalho não afaste / para ouvir querelas na ágora e a elas dar ouvidos. / Pois pouco há em disputas e discursos / para quem em casa abundante sustento não tem armazenado / na sua estação: o que a terra traz, o trigo de Deméter. / Fartado disto, fazer disputas e controvérsias / contra bens alheios poderias. Mas não haverá segunda vez / para assim agires. Decidamos aqui nossa disputa / com retas sentenças, que, de Zeus são as melhores.[...] (HESÍODO, 1990: p. 7).
Assim, é possível afirmar que algumas grandes obras literárias gregas já
tratam da ética. De qualquer forma, a essência da filosofia ética como reflexão
é posterior.
Os pré-socráticos, nesse sentido, abordam especificamente princípios
de moralidade em Heráclito (PRE-SOCRÁTICOS, 110-112) e não apenas de
reflexões éticas. A concepção do bem moral já é trabalhada por Heráclito, que
comenta noções de erro e reparação. Designa a punição ou a correção infligida
a quem ultrapassa a medida e perturba a ordem entre os elementos do mundo,
pois a ordem do kosmos ( ) ou da physis ( ) tem um caráter ético,
político e estético:
BORHEIM, 1964: p. 102).
Xenófanes é o primeiro pensador que tenta separar o estudo do mundo
humano do mundo divino. O mundo dos deuses e o cosmos só conhecem a
justiça e a harmonia, enquanto no mundo humano coexistem hostilidade,
conflitos, injustiça e retribuição.
2.2.2 ÉTICA EM SÓCRATES.
Os conceitos filosóficos referentes à ética em Sócrates podem ser
55
conhecidos a partir dos textos de Xenofonte e dos primeiros diálogos de Platão.
Sócrates apresenta inovação no estilo da pesquisar a ética e na própria
compreensão da virtude - arete ( ), mais tarde retomada por Aristóteles. O
pensamento socrático afirma que a racionalidade ou saber é um meio de fazer
o homem progredir até a virtude. O processo de pesquisa racional (meio de
prova, argumento, investigação), é a forma de estabelecer o conjunto de
certezas que configura o conteúdo da Ética. Assim, a ação justa deriva do
exato saber (saber = ação justa). O saber é, por sua vez, a raiz de toda ação
ética. A ignorância, nesse contexto, seria a fonte de todos os erros.
A grande questão da ética socrática resume-se em viver racionalmente.
Essa vida mais racional seria essencialmente uma "vida ética". Na verdade, os
gregos em geral, buscavam a vida ética, porém sempre associada à felicidade
como recompensa. Sócrates defende a tese da felicidade, segundo a qual os
homens perseguem a forma humana do bem. Assim, o homem virtuoso será
sempre feliz.
A essência da ética socrática é, assim, o poder libertador do verdadeiro
conhecimento confrontado com a hipocrisia. É através deste conhecimento que
cada indivíduo é capaz de um dia chegar à compreensão do que é o Bem,
conhecimento que por si só tem efeito transformador tanto de quem o adquire
como da sociedade na qual ele vive.
A partir de Sócrates, a ética do indivíduo resulta na formação e na
perfeição de seu caráter. Segundo tal ética, o pensamento deverá estar ligado
ao ideal do "melhor agir" ou do "melhor ser", a respeito das relações humanas,
da sociedade. A frase que melhor demonstra o princípio do bem conforme os
gregos é de Protágoras, para quem "O homem é a medida de todas as coisas".
Em outras palavras, o bem está diretamente relacionado à opinião do próprio
agente.
Dessa forma a ética seria uma teoria da arte de viver. Esta teoria tem
como conceito base o bem, por isso recebeu, posteriormente, o nome de ética
do bem. As ações do homem têm um valor decisivo para a realização da boa
vida do próprio indivíduo. Daí surge a questão socrática, já mencionada, "como
eu devo viver?". Embora cada um dos termos da indagação tenha seu valor (a
56
palavra como tem o sentido de duplo advérbio modo e de intensidade "de
que maneira devo vier" e "com que intensidade devo viver"; o termo eu não é
uma subjetividade dada, mas um caráter ético a ser formado; é princípio de
ação intencional e fonte das razões do agir; o verbo devo não se refere a
obrigação ética abstrata, regra, mas a exigência racional fundamentada na
própria natureza do homem, o viver refere-se à vida do próprio indivíduo ético),
é Platão quem responde: pelo conhecimento do Bem e sua interiorização.
2.2.3 ÉTICA EM PLATÃO
As palavras Verdade, Bem, Certo, Errado, ligadas ao senso ético,
passaram a ser tratadas como valores, a despeito de sua relatividade. No
entanto, havia o pensamento de que ser ético é seguir modelos individuais.
Ora, se ser ético é viver dentro de modelos individuais, não haveria um
padrão genérico, universal. Platão inseriu assim a interferência da lei do
homem, para tentar resolver alguns impasses criados a partir do paradoxo que
é viver dentro de noções pessoais de ética. De qualquer forma, para que a lei
do homem não sofra as mesmas críticas é preciso um suporte sólido para
legitimar tal lei. Trata-se da razão, ou, conforme Platão, o saber do filósofo.
Dessa forma, o eixo da discussão ética passa para a dicotomia entre prazer e
saber, conforme explicado a seguir.
A criação, por Platão, do mundo das ideias ou a superação do mundo
sensível propõe outra abordagem à relação do prazer com a physis.
trabalhariam de forma empírica, e o prazer é da ordem do físico, do sensível,
do devir. Platão transfere este problema para a ordem do inteligível, do estável,
do inteligentemente ordenado (kosmos). O prazer se dá na alma, precisa de
uma medida, deixa de ser um fim e se torna um meio para atingir o Bem,
conquistar o bem-viver, desfrutar da felicidade. CELEDON, 2005: p. 12).
A ética platônica da boa vida não é imediatista nem empírica e se
preocupa mais com o duradouro, o estável, o essencial e o racional. Embora o
prazer se dê aqui na Terra, o olhar está focado no mundo das ideias. Assim
como na ética de Sócrates o maior prazer está em viver de maneira virtuosa, e
o homem sábio é aquele que melhor entende a relevância da virtude e do
57
prazer, porque o sábio consegue captar a ideia mais adequada, na ética de
Platão o prazer está ligado à virtude (arete), e a virtude, ao bom uso da razão.
Para este filósofo, cada indivíduo teria uma razão forte de agir eticamente.
Nesse caso, o modo de vida virtuoso se justificaria racionalmente e de forma
independente das normas estabelecidas.
2.2.4 A ÉTICA DE ARISTÓTELES
Muitas são as pesquisas sobre a ética de Aristóteles, afinal foi ele o
filósofo que procurou estabelecer regras, quem melhor definiu a ética e quem
procurou compilar as questões relacionadas ao assunto.
Enquanto na concepção essencial da ética de Sócrates bastava saber o
que é a bondade para ser bom, enquanto Platão sonhava com uma sociedade
ideal na qual não praticar o bem era impossível, Aristóteles propõe o que, de
certa forma, pode ser compreendido como um caminho contrário. Para ele a
Lei deve ser capaz de compreender as limitações do ser humano, aproveitar-se
das suas paixões e instintos e produzir instituições que promovam o bem e
reprimam o mal.
Assim, se para Platão a Lei deve moldar o real, para Aristóteles o real
deve moldar a Lei, única forma de seu cumprimento ser possível a todos. A
exposição destes conceitos na Ética de Aristóteles parece estar diretamente
dirigida contra a utopia platônica que, na visão de Aristóteles, está condenada
ao fracasso porque não respeita os impulsos do homem, seus apetites e
paixões.
Enquanto Platão lança elementos que permitirão reabilitar o valor dos
bens humanos que, mutáveis e instáveis, não deixam de ser componentes
indispensáveis de uma vida boa, Aristóteles, na Ética a Nicômaco, considerada
manua
O bem do homem vem a ser uma atividade da alma de conformidade com a virtude, e se as virtudes são várias, de conformidade com a melhor e mais completa entre elas, e ademais devemos acrescentar que tal atividade deve estender-se por toda a vida (ARISTÓTELES, 1098: 16-18).
58
Aristóteles afirma nesse mesmo livro que a virtude está em trilhar o
caminho do meio. A essência da virtude seria, então, a moderação entre os
extremos de cada paixão, a regra de ouro de caminhar entre a indulgência
absoluta e a privação absoluta. (ARISTÓTELES, 1098: 102).
Para seguir o justo meio, os homens devem procurar a excelência, ou
seja, aprimorar as virtudes morais e intelectuais, como forma para atingir o fim
último, causador de toda a busca e investigação. Entre um excesso e uma
deficiência, que são vícios, os homens devem procurar o "justo meio", que é a
virtude. Assim entre a temeridade e a covardia, a coragem; entre a libertinagem
e a insensibilidade, a temperança; entre o esbanjamento e a avareza, a
prodigalidade; entre a vulgaridade e a vileza, a magnanimidade; entre a
vaidade e a modéstia, o respeito próprio; entre a ambição e a moleza, a
prudência; entre a grosseria e a indiferença, a gentileza; entre o orgulho e a
própria menos valia, a veracidade; entre a zombaria e a rusticidade, a agudeza
de espírito; entre a condescendência e o enfado, a amizade; entre a inveja e a
malevolência, a justa indignação
(ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, 1098: p. 41).
É possível estabelecer, dessa forma, um quadro com as virtudes morais
conforme Aristóteles.
Tabela 2 Virtudes Morais
VÍCIO DA DEFICIÊNCIA MEIO DA VIRTUDE VÍCIO DO EXCESSO
covardia coragem imprudência
insensibilidade temperança libertinagem
avareza generosidade esbanjamento
vulgaridade elegância ostentação
pobreza de espírito espírito elevado empáfia
conformismo desejo de evoluir ambição excessiva
ausência de personalidade firmeza arrogância
maus modos civilidade amistosa bajulação
depreciação irônica sinceridade franqueza excessiva
falta de graça bom humor deboche
falta de vergonha modéstia ostentação
cinismo indignação justa maledicência
(elaborado pela autora com base em dados da Encyclopedia of Philosophy)
59
Há outros valores a serem tratados, mas acredita-se que esses sejam
suficientes para ilustrar que a virtude, segundo o filósofo, está no meio.
Assim, o primeiro livro da Ética a Nicômaco já contém passagens que
indicam a necessidade de bens externos, cuja presença na vida do homem
contribui essencialmente para a sua felicidade.
Em seus tratados de ética, Aristóteles propõe uma concepção pluralista
e fornece ao conceito de bem uma estrutura analógica, sem, contudo, perder
de vista a hierarquia dos bens estabelecida de acordo com as exigências da
natureza racional da práxis (prática).
Tal pluralidade é mostrada pelo filósofo quando aponta algumas
categorias que podem ser consideradas importantes para a comunicação
organizacional: virtude; justo meio; discernimento; equidade; e amizade (esta
última não tratada neste trabalho).
Em sua obra Política, Aristóteles destaca que sua idéia de felicidade
alia-se à identificação do melhor governo, compreendendo-se este melhor
ue
Tratado da política, s/d: p.45).
Transferindo o conceito de governo do Estado (que no caso se referia
mesmo à política) para o de gerência empresarial, uma organização só pode
ser feliz nos termos de Aristóteles caso se mantenha nela virtude e
prudência. Na vida coletiva, assim como na conduta individual, Aristóteles
entende o hábito como o grande princípio regulador da ação.
Assim e nesse caso, o ethos é o regulador, o princípio e o fim da
conduta e isso se aplica à organização:
o caráter não é mais o que recebe suas determinações da natureza, da educação, da idade, da condição social; é o produto da série de atos dos quais sou o princípio. Posso ser declarado autor de meu caráter, como o sou dos meus atos (VERGNIÈRES: 1999, p.105).
No Livro II de Ética a Nicômaco, o filósofo expressa o intuito, o
propósito, o objeto e o sujeito do estudo da ética:
60
Estou falando da excelência moral, pois é esta que se relaciona com as emoções e ações, e nestas há excesso, falta e meio termo. Por exemplo, pode-se sentir medo, confiança, desejos, cólera, piedade, e, de um modo geral, prazer e sofrimento, demais ou muito pouco, e, em ambos os casos, isto não é bom: mas experimentar estes sentimentos no momento certo, em relação aos objetos certos e às pessoas certas, e de maneira certa, é o meio termo e o melhor, e isto é característico da excelência. Há também, da mesma forma, excesso, falta e meio termo em relação às ações. Ora, a excelência moral se relaciona com as emoções e as ações, nas quais o excesso é uma forma de erro, tanto quanto a falta, enquanto o meio termo é louvado como um acerto; ser louvado e estar certo são características da excelência moral. A excelência moral, portanto, é algo como eqüidistância, pois, como já vimos, seu alvo é o meio termo. Ademais é possível errar de várias maneiras, ao passo que só é possível acertar de uma maneira (também por esta razão é fácil errar e difícil acertar fácil errar o alvo, e difícil acertar nele); também é por isso que o excesso e a falta são características da deficiência moral, e o meio termo é uma característica da excelência moral, pois a bondade é uma só, mas a maldade é múltipla. (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, p.42)
Por virtude, Aristóteles compreende uma prática. A virtude não seria
natural. Não haveria aprendizado suficientemente eficaz para garantir a ação
virtuosa. A virtude, contudo, seria a forma mais plena da excelência moral e
esta, revelada pela prática da virtude, seria, antes de tudo, uma disposição de
caráter. Para o exercício da virtude seria necessário conhecer, julgar, ponderar,
discernir, calcular e deliberar.
Certamente a comunicação organizacional deveria se revestir de virtude
assim como postulado por Aristóteles. A virtude, como excelência moral,
corresponderia à idéia de uma empresa idônea em questões de conduta.
Dessa forma, estaria isenta de fraudes.
Nesse sentido, pode-se dizer que, na Ética de Aristóteles, virtude é
hábito:
[...] em relação a todas as faculdades que nos vêm por natureza recebemos primeiro a potencialidade, e, somente mais tarde exibimos a atividade (isto é claro no caso dos sentidos, pois não foi por ver repetidamente ou repetidamente ouvir que adquirimos estes sentidos; ao contrário, já os tínhamos antes de começar a usufruí-los, e não passamos a tê-los por usufruí-los); quanto às várias formas de excelência moral, todavia, adquirimo-las por havê-las efetivamente praticado, tal como fazemos com as artes. As coisas
61
que temos de aprender antes de fazer, aprendemo-las fazendo-as por exemplo, os homens se tornam construtores construindo, e se tornam citaristas tocando cítara; da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos, moderados agindo moderadamente, e corajosos agindo corajosamente. Essa asserção é confirmada pelo que acontece nas cidades, pois os legisladores formam os cidadãos habituando-os a fazerem o bem; esta é a intenção de todos os legisladores; os que não a põem corretamente em prática falham em seu objetivo, e é sob este aspecto que a boa constituição difere da má. (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, p.35-6)
O texto a Nicômaco confirma a perspectiva da virtude como faculdade
prática, que levaria as organizações a, pela prática, exercitar o meio da virtude,
o caminho entre o excesso e a ausência para que apenas ações sensatas
fossem tomadas, uma vez que a virtude ética pressupõe escolha, deliberação,
discernimento.
As escolhas e deliberações não são simples nem fáceis:
[...] às vezes, é difícil decidir o que devemos escolher e a que custo, e o que devemos suportar em troca de certo resultado, e ainda é mais difícil firmar-nos na escolha, pois em muitos dilemas deste gênero o mal esperado é penoso... (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, p.501).
Se a ação humana, no plano dos valores, tem origem na escolha e esta
Ética a
Nicômaco, p.114).
Ao comentar sobre o discernimento, Aristóteles vale-se das
características pessoais do saber escolher. Tais pessoas são, de modo geral,
capazes de deliberar corretamente sobre o que é bom e conveniente para si e
para os outros em um sentido mais amplo. O discernimento é de importância
vital para a Comunicação Empresarial, pois permite o reconhecimento do
universal na eventualidade da situação particular.
Haveria, para Aristóteles, uma faculdade capaz de corrigir possíveis
desvios: a equidade.
62
Chamamos de julgamento (isto é, a faculdade graças à qual dizemos que uma pessoa julga compreensivamente) a percepção acertada do que é eqüitativo. Uma prova disso é o fato de dizermos que uma pessoa eqüitativa é, mais do que todas as outras, um juiz compreensivo, e identificarmos a equidade com o julgamento compreensivo acerca de certos fatos. E julgamento compreensivo é o julgamento no qual está presente a percepção do que é eqüitativo, e de maneira acertada; e julgar acertadamente é julgar segundo a verdade. Então é razoável dizer que todas as disposições recém-examinadas convergem para o mesmo ponto; com efeito, quando falamos de julgamento, de entendimento, de discernimento e de inteligência atribuímos às mesmas pessoas a posse da faculdade de julgar e dizemos que elas chegaram à idade da razão e têm discernimento e entendimento, pois todas estas disposições se relacionam com o fundamental e com o particular; e ser uma pessoa de entendimento e compreensiva consiste em ser capaz de julgar acertadamente os fatos a propósito dos quais se demonstra discernimento, porque os atos eqüitativos são comuns a todas as pessoas boas em sua conduta nas relações com as outras pessoas. (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, p.123)
Pela equidade particular se pode chegar à equidade em sentido
universal. Assim, a equidade aplicada em sentido universal à comunicação
organizacional serviria para tratar a todos de forma igual. Nesse ponto é
possível pensar na comunicação da empresa que precisa fluir vertical e
horizontalmente. Certamente a empresa que exerce a equidade, vence as
barreiras.
Aristóteles considera também, no Livro VIII da Ética a Nicômaco, a
natureza da amizade, que seria uma disposição de caráter.
Parece estranho a esse contexto falar de amizade, que segundo
Aristóteles, supõe reciprocidade, afeição e generosidade de sentimento. O
filósofo afirma que, acompanhadas por amigos, as pessoas se revelam mais
capazes de melhor agir.
Evidentemente, nesse sentido, a disposição amistosa para exercitar a
concórdia parece ser elemento importante nas relações profissionais de
qualquer prática, caso exista o propósito de construir coletivamente, como o faz
a empresa.
Quando Aristóteles discorre sobre modos de se relacionar, afirma que
há necessidade de interesse comum. Nesse caso, a amizade poderia ser
direcionada a partir de um viés útil a todas as partes.
63
Embora pudesse se pensar em um modelo amistoso menos profundo,
porque efetivado sobre alicerces utilitários, teria certamente um apoio de
concórdia, necessário à ação das pessoas na vida profissional. Aristóteles
reconhece que não se trata aqui do tipo mais perfeito de amizade.
A comunicação organizacional certamente prevê o convívio com base
nas práticas de amabilidade, mesmo que tais disposições amistosas não o
sejam em escolha natural. De qualquer modo, é importante assinalar que a
amizade nesses moldes supõe crenças individuais e proporcionalidade de
sentimento e visa ao bem comum, que, no caso, seria uma vantagem para
todos os componentes da empresa.
É quase impensável uma vida profissional sem amigos nesse sentido
aristotélico, uma vez que tal sentido está associado ao dever e supõe que,
mesmo por questão de consciência profissional, os colaboradores acabam por
adquirir certa dose de satisfação pessoal. Pelo texto de Aristóteles:
[...] a amizade e a justiça parecem relacionar-se com os mesmos objetos e manifestar-se entre as mesmas pessoas. Realmente, parece que em todas as formas de associação encontramos alguma forma peculiar de justiça e também de amizade; nota-se pelo menos que as pessoas se dirigem como amigas aos seus companheiros de viagem e aos seus camaradas de serviço militar, tanto quanto aos seus parceiros em qualquer espécie de associação. Mas a extensão de sua amizade é limitada ao âmbito de sua associação, da mesma forma que a extensão da existência da justiça entre tais pessoas. O
verdade, pois a amizade depende da participação. Os irmãos e os membros de uma confraria têm tudo em comum, mas as outras pessoas às quais nos referimos têm somente certas coisas em comum algumas mais, outras menos pois nas amizades também há maior ou menor intensidade. [...] As reivindicações de justiça também parecem aumentar com a intensidade da amizade, e isto significa que a amizade e a justiça existem entre as mesmas pessoas e têm uma extensão igual. (ARISTÓTELES, Ética a Nicômacos, p.163-4)
A ética de Aristóteles não é, dessa forma, uma disposição de coração.
Está dirigida ao bem comum, à felicidade pública.
De qualquer forma, e comprometida com o público, em que o indivíduo
se mostra, a ética reflete um padrão de conduta que supõe escolha e adesão a
determinados valores.
64
Supõe também compromisso e responsabilidade para manter e
sustentar opções efetuadas a partir de situações diárias. O profissionalismo
poderia ser pensado como a adequação dessa finalidade na rotina das
instituições.
Seria possível, nesse ponto, concluir sobre a pertinência da reflexão
ética de Aristóteles nas atuais relações de trabalho. Se a ética requer vida
ativa, o indivíduo precisa atuar como ser ético perante os outros. Não se pode
ser ético separado de uma comunidade, por isso, o espaço público da
empresa, da organização possibilita que o indivíduo expresse a virtude.
É necessário lembrar que as virtudes do comportamento traduzem-se no
hábito e não puramente nas intenções. Para Aristóteles, ética e política são
práticas que se definem pela ação. Ao agir eticamente é que se adquire a
prática da virtude.
Como este trabalho não pretende ser um histórico sobre a ética,
pontuam-se a seguir, algumas idéias modernas e pós-modernas com ênfase ao
pensamento ético de Perelman, que retomou a tradição retórica e a
modernizou.
No pensamento moderno, a ética foi profundamente marcada pela
filosofia alemã, a que mais influenciou o mundo do pensamento sobre o agir
político e moral após o século dezoito. Uma quebra entre ética e moral se
estabeleceu na filosofia alemã: a primeira foi atenuada em proveito da
segunda. Como reação a esta hegemonia da moral, o pensamento do século
vinte acentuou o ético, o coletivo e o visível.
2.2.5 ÉTICA EM KANT E HEGEL
Apesar dessa quebra entre ética e moral, o pensamento germânico
entende a primeira de modo coerente com as raízes gregas, como o conjunto
dos costumes adquiridos ou ensinados aos grupos sociais e aos indivíduos.
Assim, a ética torna-se a linha das condutas transformadas em hábitos
assumidos sem maiores debates. Em princípio não há grande distinção entre
ética e moral. A moral, por força do pensamento de Kant, passou a designar o
65
campo invisível da consciência inacessível dos indivíduos, os valores
radicalmente diversos dos enunciados científicos.
Segundo Kant, a ética é um sistema de regras absolutas, o valor moral
das ações provém das intenções com que são praticadas; as regras morais
devem ser respeitadas independentemente das consequências e são
estabelecidas pela razão para todos os seres racionais.
A comunicação organizacional, dessa forma, não poderia ser exercida
dentro do pensamento desse filósofo porque já se sabe que não existem
regras absolutas , conforme por ele preconizado.
O ideal de objetividade une-se ao de visibilidade das coisas sobre as
quais se fala, pois a ciência se faz com o que se pode verificar. Assim, a
ciência opera da forma como os gregos entendiam a própria ética: de modo
visível. A Crítica da Razão Pura, dedicada à ciência, pensa a si como teoria, o
campo do olhar,
apud ABRÃO, 2004: p. 308). Em a Crítica da Razão
Prática, também não estabelece a classificação dos deveres morais do homem,
mas os
309). Quanto à moral, Kant comenta ao longo da Razão Prática que falamos de
nosso agir, não nos escondemos atrás das coisas.
Conforme Kant, se a moral pertencesse ao campo científico, o do visível,
ela seria presa de outras determinações do mesmo campo científico. O mundo
moral não possui caráter de fenômeno, não é visível, não pode ser controlado
por experimentos, não é objetivo. O mundo moral reside apenas na consciência
dos indivíduos, na sua razão. O setor moral dos homens foge do físico e só
pode ser experimentado por meio da subjetividade.
Dessa forma, a ciência desconhece o moral para se estabelecer. Não
laboratórios, com que todos os sujeitos aderissem. Assim, não se faz, segundo
Kant, ciência com moral, nem moral com ciência. Ambas, embora
harmonizáveis, não são sintetizáveis de modo imediato. Muitas mediações
precisam ser feitas entre moral e ciência para que uma não prejudique a outra.
66
Com essa duplicidade entre o fenômeno e a moral aliada à recusa da
visibilidade ética, a moral foi reduzida a uma espécie de consciência individual
invisível e se tornou uma questão a ser assumida pelo cientista, pelo político,
pelos homens comuns, de modo autônomo frente à ciência e frente à vida
coletiva. Assim, setores do direito, das regras morais, religiosas, se definem
como algo além da ciência, que residem apenas na consciência
Em síntese, e conforme o pensador, o campo da ciência é o fato, o
fenômeno, o que aparece e pode ser controlado objetivamente. O campo da
moral move-se ao redor do dever-ser , dos valores que só têm uma existência
diversa dos indivíduos e movimentos físicos, na consciência dos sujeitos. Um
ato político, jurídico ou moral, segundo Kant, pode ser bom ou mau; de
qualquer forma, não se o experimenta nem se o prova cientificamente.
Embora não se prove cientificamente, o que se pode aplicar do conceito
de Kant à comunicação organizacional é justamente a questão da consciência
do sujeito, que nesse caso só pode ser individual (relações pessoais) e
aplicada aos fluxos na comunicação.
Há, segundo Kant, dois imperativos (ou obrigações): 1) imperativo
hipotético, quando existe apenas em certas condições, mas não em outras.
Nesse caso existe apenas em função de o agente ter um certo desejo. Se o
agente o abandonar, a obrigação desaparece também e 2) imperativo
categórico, segundo o qual agir moralmente significa seguir várias obrigações
particulares como dizer a verdade, cumprir a palavra dada, não matar pessoas
inocentes, não roubar. Agir segundo tais regras é agir com base em máximas
universais. O contrário não é permissível porque suas máximas não são
universais.
O valor moral das ações provém das intenções com que são praticadas.
As regras morais, por sua vez, devem ser respeitadas independentemente das
consequências e são leis que a razão estabelece para todos os seres
racionais.
Evidentemente a comunicação organizacional seria beneficiada por essa
ética calcada em regras absolutas, pois não existiria o erro. No entanto, não é o
que ocorre na prática.
67
Contra Kant, pensadores como Hegel procuraram mostrar que, mesmo
não científica, a moral se encontrava em um campo visível e livre, não
absolutamente necessário, que seria justamente o da ética. Enquanto a moral
kantiana se prendia ao indivíduo, tornava-se um dever-ser (imperativo
categórico) e jamais chegava ao ser, que era privilégio da ciência, a ética
conforme Hegel não deixaria totalmente o coletivo, mas consideraria o
comportamento da sociedade. Com Hegel a extensão da ética é ampliada.
Nesse sentido, sua aplicação à comunicação organizacional também é
ampliada.
A ética de Hegel, embora pertença ao mundo dos valores e dos hábitos,
pode ser verificada no contexto coletivo, ou seja, é subjetiva, mas observável.
Ele parte do princípio que a ética não é de todo livre para os indivíduos de uma
sociedade existente, histórica. Os indivíduos nascem em um tempo e espaço
definidos e em uma sociedade com valores expressados por meio de hábitos
comuns, que não pertencem apenas a esta ou aquela pessoa. O ethos grego é
traduzido por Hegel como hábito, que não se exerce na invisível consciência
individual, mas em uma espécie de sede comum a muitos indivíduos. A ética é
o modo pelo qual muitos indivíduos agem em comum com os mesmos padrões
de comportamento, sejam corporais ou espirituais. Assim, os indivíduos
possuem uma língua comum, utilizam traços semiológicos comuns para se
comunicarem com seus semelhantes, partilham determinada ética, que pode
ser visível a todos os que compõem aquele universo pensante, com sinais
particulares pertencentes a um grupo, a uma sociedade, a um povo.
2.2.6 A ÉTICA EM WEBER
Comentar sobre a ética elaborada por Max Weber é particularmente
importante para esse trabalho porque questiona as razões pelas quais os
meios de administração do capital, assunto intrínseco à comunicação
organizacional, foram tratados. Esses meios encontram-se, em grande parte,
no comando de adeptos do protestantismo. A partir desse fato, o autor
procurou respostas em dados históricos. Construiu um painel histórico-
comparativo entre as especificidades do protestantismo e do catolicismo e
extraiu o campo argumentativo com vistas a comprovar a burocracia religiosa
68
como uma das principais determinantes na formação e na estruturação
histórica do sistema capitalista.
O primeiro fenômeno analisado relaciona-se ao princípio segundo o qual
os protestantes necessitaram posse prévia de capital ligada ao
desenvolvimento de rigorosa formação educacional com o objetivo de atingir
melhores posições na estratificação social capitalista.
Alegando que o fator econômico estimulava a autoridade no plano
individual, por exemplo, foi possível ao Calvinismo impor ao nível da ideologia
de massas as novas leis econômicas e as novas relações sociais que
provinham do poder da burguesia ascendente. Em linhas gerais, a burguesia
criou o "fiscal ideológico", para, assim, garantir mão de obra qualificada e
manutenção do capital acumulado. Altas parcelas desse capital foram
utilizadas em educação com fim exclusivo de manter a posse do capital.
Weber questiona o motivo da ocorrência de tal revolução religiosa justo
em países com grandes cidades e extensos recursos naturais, além de alto
grau de desenvolvimento econômico naquela ocasião.
Outra questão colocada por Weber é que o ensino católico visava uma
formação humanística e desmotivava, assim, qualquer direcionamento a
empreendimentos capitalistas. O ensino protestante, por sua vez, preparava os
indivíduos para o preenchimento de quadros especializados nas empresas
capitalistas que obteriam sucesso profissional, pois atenderiam às condições
da nova ordem econômica que requereriam mão de obra qualificada.
O autor mostra as oposições entre protestante (racionalismo e caráter
obreiro) e católico (ausência de racionalismo e indiferença ao mundo). De
qualquer forma, é importante observar o par ascetismo (católico)/anti-ascetismo
(protestante) e acrescentar a reação contra a autoridade católica, além da
prática do comércio, requisito poderoso ao desenvolvimento do capitalismo.
Weber apresenta a ocorrência da junção de duas posições: 1)
propagação de intensa religiosidade e 2) espírito mercantil da ocasião, com
vínculos entre "espírito de trabalho" e "progresso". O produto resultante não
pode ser confundido com a "alegria de viver" dos protestantes, porque está
relacionado a características estritamente religiosas.
69
Weber (1985: p. 28) enfatiza que se um dos mandamentos econômicos
("tempo é dinheiro", "crédito é dinheiro") não for observado pelo fiel, será
acusado de infrator, além de não-cumpridor de seus deveres cívicos. Livre da
influência direta da religião, esta característica particular do capitalismo
ocidental conforma toda uma significação cultural, e dela emana uma ética de
caráter particular.
Assim, o capitalismo ocidental possui um ethos particular, porque
contém uma concepção utilitarista, com as qualidades: honestidade financeira,
pontualidade nos pagamentos, laboriosidade desenvolvida nas atividades
profissionais, entre outras que se tornam virtudes úteis ao cidadão comum.
Nesse aspecto, a ética capitalista, ao menos em seus primeiros
momentos, se assemelha à de Aristóteles, tanto no que concerne ao exercício
das virtudes como no caráter utilitário.
Assim, somar ou ganhar dinheiro transforma-se em finalidade última na
vida dos indivíduos, na medida em que esta prática atinge níveis consideráveis
no campo do irracionalismo e do transcendentalismo religioso protestante. De
outra parte, como base fundamental do processo, destaca-se o dever
profissional caracterizado como a "ética social" da cultura capitalista.
Aqui também é apropriado comentar que a comunicação organizacional
tem lastro na ética social de Weber. Nesse sentido, tanto o fabricante quanto
os trabalhadores que se opõem às normas estabelecidas estarão sujeitos à
exclusão do sistema econômico. Dessa forma, é viável ao capitalismo e à
comunicação organizacional escolher os que melhor compõem o quadro
burocrático-administrativo porque deverão estar voltados à sustentação do
referido sistema econômico.
Por outro lado e conforme Weber é preciso refletir sobre como tal
filosofia se firmou como norma de vida, uma vez que o poder capitalista
convence uma totalidade de indivíduos no interior de um contexto histórico.
Não é o momento de aprofundar tal contexto, mas é preciso lembrar que
Weber ilustra o pré-capitalismo a partir do enriquecimento dos holandeses; da
aplicação efetuada por grandes empreendedores que, a partir de métodos
específicos e eficazes de racionalização, aproximaram-se dos consumidores
70
por meio de certos princípios, como "baixos preços", e estimularam o hábito do
consumo e da aquisição material; do investimento maciço em indústrias. A
partir do argumento comentado, Weber afirma que onde se encontrar esse
"espírito" surge o próprio capital, sem necessidade de uma acumulação
primitiva. Isto se torna mais evidente quando situamos o conjunto de
particularidades e qualidades éticas pessoais do empreendedor capitalista.
Weber explora também os fundamentos religiosos do ascetismo leigo
originários na Igreja Reformada e apresenta os principais representantes
históricos do protestantismo de forma esquemática. Assim, Calvinismo,
Pietismo, Metodismo e Seitas Batistas são comentadas e a ética de cada uma
explorada com vistas a reforçar o ethos da empresa sob o ponto de vista do
capital.
Apenas a título de exemplo, Calvino afirmava que Deus dispôs todas as
coisas de modo a determinarem a sua própria vontade ou ainda, Deus chama
cada um para uma vocação particular cujo objetivo é a glorificação dele
mesmo. Assim, o comerciante que busca o lucro, pelas qualidades que o
sucesso econômico exige o trabalho, a sobriedade, a ordem responde
também ao chamado de Deus e santifica, de seu lado, o mundo pelo esforço e
sua ação é santa.
Evidentemente o capitalismo teve forte apelo emocional, que se traduziu
na transferência às empresas e certamente à comunicação organizacional.
2.2.7 ÉTICA EM FOUCAULT
A ética, para Foucault, é a possibilidade de apontar o sujeito que
constitui a si próprio como agente das práticas sociais. É o momento para
refletir o motivo pelo qual o homem moderno constitui critérios de um modo de
subjetivação em que tenha espaço a liberdade.
A ética operada pela comunicação organizacional, nesse aspecto,
elabora um sujeito que constitui critérios de agenciar as práticas sociais no
sentido de que ela é, sob determinado aspecto, uma prática social.
71
Ao invés de conceber o sujeito a partir de sua condição política colocou-
a no quadro de juízos. Seu modo de conceber a distinção entre ética e moral
difere da neokantiana. Para Foucault não se trata de incorporar-se em uma
totalidade natural ou essencial, nem de elevar-se a uma república
transcendental racional e normativa ou derivar a solidariedade da
racionalidade, nem de recuperar um sentimento perdido da comunidade no
meio de uma razão moderna. Trata-se, antes, de estudar as práticas de si em
sua esfera própria e do lugar dessas práticas em determinada sociedade.
Assim, a ética individual conforme pensamento de Foucault pode ser refletida
na postura profissional individual e, como consequência, interage como
facilitador em todas as instâncias interacionais que permitem bons fluxos
comunicacionais e minimizam a criação de barreiras .
O filósofo buscava recolocar a questão do ser ético do indivíduo.
Censurou a idéia vaga do individualismo, invocada para explicar, em diferentes
épocas, fenômenos diversos. Foucault afirma que convém distinguir as práticas
de si, que tomam o indivíduo objeto de saber e de ação (ascetismo religioso), o
valor que se atribui ao indivíduo em certos grupos dos quais é membro
(aristocracia militar) e o valor atribuído à vida privada ou familiar (burguesia do
século XIX).
Conforme Rajchman (1985: 2 a 9), Foucault, no estudo da ética como
prática de si mesmo elabora quatro elementos:
1. A substância: nessa prática, o que precisa ser transformado é a evidência
das formas em virtude das quais o sujeito pensa identificar-se com a verdade; é
a segunda natureza do sujeito que está em jogo; não é o que está dado, mas
aquilo que lhe fornece a possibilidade de dar-se. A substância é o que, no ser
do sujeito, está aberto a uma transformação histórica.
O sujeito não é uma substância. É uma forma e essa forma não é sempre, nem em todas as partes, idênticas a si mesma..., o que me interessa é precisamente a constituição histórica dessas formas diferentes do sujeito em relação com o jogo da verdade. (FOUCAULT, 1984).
72
2. O modo de subjetivação: a transformação é o que conduz a uma
liberdade prática, à possibilidade de dar novo impulso, o mais vasto possível, a
obra sempre inacabada da liberdade. idem, 1984). É a possibilidade de fazer
da liberdade uma questão prática e não simplesmente formal, uma liberdade,
não dos atos, das intenções ou do desejo, mas a liberdade de escolher um
modo de ser.
Evidentemente tal prática não pode ser aplicada indiscriminadamente à
comunicação organizacional, uma vez que os indivíduos precisam pensar
também na empresa, o que certamente limita a liberdade individual.
3. O trabalho ético: os meios de transformação serão os de uma análise crítica
que reconstitua as formas dos sujeitos em "singularidades transformáveis".
Trata-se de determinar precisamente contra quê se deve lutar para liberar-se e,
acima de tudo, para libertar-se de si. Esta é a análise da problematização das
"evidências em que se apoiam nosso saber, nosso consentimento, nossas
práticas" (idem, ibidem) do qual deriva sempre um "nós necessariamente
temporário". Assim, o trabalho ético do indivíduo na empresa está mais
associado ao coletivo e não ao individual.
4. O telos: de acordo com Rajchman (1989: p. 6), o objetivo dessa
transformação aberta é a prática de dizer a verdade que uma sociedade não
pode regular nem fazer calar. Trata-se de um traço de si, uma atitude crítica a
respeito do que lhes ocorre e "um desafio a todo fenômeno de dominação".
(FOUCAULT, 1984)
Pode-se afirmar que dizer a verdade está na base das comunicações
que pretendem consolidar a imagem organizacional. É preciso, porém,
preocupação em como dizê-la, sob pena de comprometer a mesma imagem.
O trabalho de Foucault, na medida em que todo trabalho filosófico
implica um exercício de ética, poderia, assim, resumir concomitantemente a
importância do exercício ético na empresa.
2.2.8 A ÉTICA EM PERELMAN
A ética em Perelman questiona o papel da igualdade na justiça por ele
proposta, a exemplo de Aristóteles, não como
73
bom coração dos indivíduos, à parte nobre de sua alma, para levá-lo, de modo
direito ou dissimulado, a conceber um ideal PERELMAN, 2002: p. 3). O autor
não pretende convencer de que existe uma única concepção de justiça que
que definir uma
noção preexistente com alguma carga emotiva e prestígio a ela vinculado é
prender-se a valores. A palavra justiça já chega aos leitores com certo
conhecimento preconcebido e com carga emotiva que a faz se aproximar de
Justiça termo ligado a valores positivos como bem, correção e afasta-a de
pensamentos desprezíveis e negativos.
É interessante notar que o livro de Perelman intitulado
em que metade de suas páginas é dedicada à ética, não menciona essa
palavra. Entende-se, no entanto, que o autor se refere à ética sempre que
utiliza os termos justiça e moral. No primeiro capítulo, ele questiona sobre o
papel da igualdade, que certamente pode ser aplicado às organizações e, no
segundo, tece considerações morais. Dessa forma, justiça e moral são termos
que podem ser observados pelo prisma da ética.
Para que se pudesse estabelecer uma definição de ética (e justiça ou
moral, conforme Perelman), seria preciso que não houvesse qualquer ligação
emotiva ao termo, o que é quase impossível quando se trata do pensamento
filosófico, que se distingue das disciplinas científicas
[...] na medida em que, pelo uso de métodos precisos, experimentais ou analíticos, lograram por o relevo e obter o acordo das mentes menos sobre o sentido emotivo das palavras do que sobre o seu sentido conceitual (PERELMAN, 2002: p. 5).
op. cit.: 2002, p. 6). Evidentemente o
autor se refere às noções que simbolizam valores não numéricos, mas ligados
aos sentidos.
74
Talvez fosse o momento de questionar se os valores das empresas são
numéricos ou têm papel afetivo, se dependem do que cada um pensa ou se
existiriam valores definidos, cristalizados.
O autor comenta que a literatura moral e religiosa reconhece como justo
o homem honesto e benfazejo. Os clássicos expressariam sua ideia
fundamental do que seja objeto da ciência moral o ensino do que é justo fazer
em contrapartida ao que seja justo renunciar. Essa distinção seria alcançada
por meio da razão, que saberia compreender a diferença entre bem e mal.
Dessa forma, a ética seria, ao mesmo tempo, virtude e moral.
O filósofo cita alguns exemplos de sentidos possíveis da noção de
justiça e, embora não faça parte do escopo deste trabalho um aprofundamento
no assunto, é possível perceber sua aplicação à comunicação organizacional.
Na verdade, tais sentidos podem ser considerados fórmulas de justiça
concreta. Segundo Perelman (2002: p. 20-29), são eles: 1) a cada qual a
mesma coisa, princípio segundo o qual a empresa deve tratar a todos da
mesma forma, com os mesmos direitos; 2) a cada qual segundo seus méritos,
permite que a organização possa investir nos colaboradores, de forma a
categorizá-los, a criar grupos, hierarquias; 3) a cada qual segundo suas obras,
princípio segundo o qual se retribui conforme a produção. As noções de
, assim, aos que
se aperfeiçoam, aos que se dedicam, melhores incentivos; 4) a cada qual
segundo suas necessidades, princípio que permite que sejam tratados da
mesma forma aqueles que fazem parte da mesma categoria essencial do ponto
de vista de suas necessidades; 5) a cada qual segundo sua posição, fórmula
que promove a hierarquização. A hierarquia não é boa ou ruim em essência,
mas necessária para que a ordem seja estabelecida. Embora às vezes
considerada como injustiça, é natural que as organizações concedam mais
direitos e privilégios aos indivíduos que ocupam níveis superiores. A
justificativa utilizada é que tais indivíduos possuem mais obrigações e
responsabilidades; 6) a cada qual segundo o que a lei lhe atribui é uma regra
que se distingue das outras, uma vez que não proporciona liberdade de
escolha. Em moral, a pessoa é livre para escolher a fórmula de aplicar a lei,
75
mas no trabalho, as leis podem ser impostas até mesmo para fazer valer a
igualdade.
Quando Perelman se reporta à moral está se referindo também aos
valores. Assim, é imprescindível que as organizações neles fundamentem suas
ações. Vale ressaltar neste ponto, as questões relacionadas a alguns pares
filosóficos: aparência x realidade, meio x fim, real x ideal, estudadas pelo autor
sob o conceito genérico de dissociação das noções que se traduz em
elementos de ligação e de dissociação.
Os pares resultantes de uma dissociação são chamados por Perelman
de antitéticos (1999, p. 477) e neles o segundo termo é inverso ao primeiro.
Platão, em Fedro, já expressava seu pensamento filosófico por meio dos pares
antitéticos: aparência/realidade, opinião/ciência, sensível/racional, corpo/alma,
devir/imutabilidade, pluralidade/unidade, humano/divino. A ética de Spinoza
também focaliza os pares antitéticos: adequado/inadequado, imagem/ideia,
imaginação/entendimento, universal/individual, abstrato/concreto,
mudança/imutabilidade, paixão/ação, escravidão/liberdade, paixão/ação.
Assim, é de se esperar que a interação comunicacional nas organizações
possa deles se valer para estabelecer outros pares nocionais: certo/errado,
justo/injusto, verdadeiro/falso, negativo/positivo, cidadão/não-cidadão.
Os pares nocionais dependem da cultura da empresa: o par
certo/errado, por exemplo, vincula-se à política da organização. Assim, um
colaborador participativo pode ser bom para uma empresa e ruim para outra,
dependendo da política que a empresa adota.
Além dos pares antitéticos, Perelman comenta sobre pares não
necessariamente dissociativos, mas que estão ligados entre si. Dessa forma, é
possível pensar que a observação de tais pares esteja diretamente ligada às
questões éticas (Capítulo III).
Se em Aristóteles a ética está diretamente relacionada aos atos da
organização, em Perelman o estudo dos pares filosóficos reforça o caráter
argumentativo do discurso organizacional. Assim, será imprescindível retomá-lo
em maior profundidade no capítulo sobre argumentação.
76
2.3 ÉTICA ORGANIZACIONAL
No cotidiano, observa-se que ética e moral são utilizadas indistintamente
para indicar a presença de valores relacionados a bem e mal no
comportamento de indivíduos, mas filosoficamente existe uma diferença.
A moral estaria ligada a valores, princípios, regras que servem para
orientar o comportamento do homem. Ligada também à noção de certo e
errado, desperta uma expectativa da sociedade em relação ao desempenho
dos papéis assumidos e a conduta individual será aceita ou não, caso
corresponda ou não ao esperado.
A ética, por sua vez, seria a reflexão crítica sobre a moralidade e não
definiria normas (campo da moral), mas indicaria princípios. Assim, ética está,
digamos, acima da moral e questiona a consistência dos valores que norteiam
as ações de caráter moral.
Enquanto a moral orienta o comportamento, a ética examina a
consistência e a coerência com a finalidade de garantir, nas relações sociais,
ações legítimas e autênticas.
Segundo Rios, a origem das ações morais se encontra
[...] nos costumes de cada sociedade. Esses costumes estão fundados em valores o que é costumeiro é confundido, muito frequentemente, com o que é bom. E, então, porque algumas ações reprováveis tornam-se costumeiras em algumas instâncias sociais,
(RIOS, 2009: p. 85),
É comum que algumas ações sejam consideradas certas ou erradas não
com fundamento propriamente ético ou moral, mas com base no costume. De
maneira geral, por exemplo, não se considera errado chegar atrasado para
compromissos. Algumas empresas costumam marcar reuniões com
antecedência para garantir que ela tenha início no horário necessário. Aliás,
essa é uma questão bastante comum na sociedade brasileira. Assim, como faz
parte do ethos brasileiro, o atraso não é considerado como falta de ética.
77
No entanto, esse costume está ligado mais à moral e não à ética, que
teria uma atitude reflexiva a esse respeito. O indivíduo ético refletirá a respeito
do atraso com base em princípios de respeito, justiça, solidariedade para com
aquele que chegou no horário.
Se a ética individual se refere à equação indivíduo e sociedade
circundante, esses mesmos princípios são aplicados ao contexto
organizacional: a ética empresarial indaga sobre as ações e relações
profissionais e está ligada ao bem comum, à dignidade humana, à felicidade
coletiva, ao bem público, à cidadania. Nesse sentido, aplica o conceito de bem
comum conforme Platão.
É esperado que a atuação de todos nas organizações obedeça aos
princípios comentados, de respeito, justiça, bem, solidariedade. Tais valores
podem ser medidos a partir dos fazeres que, por sua vez, se originam no
conjunto de conhecimentos que cada indivíduo possui, de seu conhecimento
enciclopédico. Implicam ainda em um posicionamento diante do que considera
desejável e necessário. É preciso salientar que não basta o que o indivíduo
considera. Existe uma cultura construída historicamente que determina certas
posições, certas atitudes aceitas como corretas.
Pode-se afirmar então, que existe um senso ético pessoal, oriundo do
núcleo familiar, do grupo social a que o indivíduo pertence e uma ética coletiva,
construída a partir de valores mais universais. A ética das organizações é
coletiva, e apresenta algumas características que pertencem ao campo do
saber, do fazer e do dever. Do saber, porque o indivíduo precisa, além de
possuir competência profissional específica, conhecer a política organizacional
e seu propósito; do fazer, porque deve exercer atividades que gerem
resultados; e do dever, porque tais atividades se inserem em um sistema
estabelecido e que, portanto, precisa ter suas diretrizes cumpridas.
Na competência profissional, saber fazer é apenas uma de suas
dimensões. Segundo Rios (2009: p. 87), articulam-se:
- dimensão técnica, referente ao domínio de conhecimentos na área de
trabalho e à habilidade na utilização e transferência de conhecimento;
78
- dimensão estética, ligada à sensibilidade para a percepção das relações
intersubjetivas: o bom profissional é sensível às manifestações que ocorrem
na prática e possui também um nível de afetividade;
- dimensão política, pois o trabalho é exercido em um contexto social que
permite escolher a melhor entre diversas opções. Ser político, nesse
sentido, é tomar partido em situações de escolha e não permanecer
indiferente diante de situações sociais;
- dimensão ética, que atravessa todas as outras e lhes confere significado
pleno. Esta é a dimensão que permite aos indivíduos se fundamentarem ou
se deixarem guiar por princípios éticos já citados: respeito, justiça,
solidariedade e outros.
Assim, conforme Rios (2008, p. 87), a competência não é una, porém
deriva de propriedades plurais que, somadas ou em conjunto, constroem um
caráter positivo direcionado ao bem comum. Nesse sentido e conforme
explicitado, não existe uma competência parcial: a empresa não deve
incentivar pedaços de competências, mas a sua totalidade. A competência
ética, assim, é o todo e cada uma dessas quatro partes, as propriedades que a
definem. Um trabalho competente é, em resumo, aquele que faz bem aos que
de alguma forma estão envolvidos em seu processo, a quem o executa e à
organização.
Além dessas propriedades e porque as organizações são formadas por
grupos sociais, é preciso acrescentar que a competência não aparece isolada.
O indivíduo é competente na prática de suas relações éticas com os outros
daquele grupo social. Existe, evidentemente, um componente pessoal que são
suas características individuais e seu desempenho, mas mesmo esses devem
estar contextualizados.
As reflexões feitas até o momento sobre ética permitem pensar que as
organizações trabalham evidentemente com valores numéricos, mas seus
valores éticos são substanciais. Há um fator ligado às crenças individuais que
não pode ser negligenciado, porém existem também os valores institucionais
ligados à competência ética do grupo estabelecido. Não há uma cristalização
79
de valores, ou seja, eles se modificam com a evolução da sociedade e mesmo
do rumo econômico.
Após colocadas as questões de ética e sua aproximação à comunicação
organizacional, para compreender mais profundamente esse discurso, é
necessário o estabelecimento de uma retórica a ele aplicada. É o que se verá
nos capítulos III e IV.
CAPÍTULO III
A RETÓRICA NAS ORGANIZAÇÕES
uitos são os trabalhos acadêmicos disponíveis sobre comunicação
organizacional. Esse número aumenta significativamente se forem
englobados os estudos sobre relações públicas, uma das vertentes
do discurso organizacional. Segundo Kunsch (2009, p. 83-84), verificou-se um
número considerável de teses e dissertações, voltadas principalmente para a
área de comunicação. A tabela 2 mostra um resumo dos números
apresentados pela pesquisadora.
Tabela 3: Trabalhos acadêmicos na área de comunicação organizacional
Data Teses Dissertações 1970 a 2000 90 182 2000 a 2006 72 219 TOTAL 162 401 TOTAL GERAL 573
(elaborado pela autora)
Conforme Kunsch, a produção científica registrada no período de 1950 a
1995, que inclui relações públicas, comunicação empresarial, comunicação
organizacional e opinião pública, reúne 1.049 registros bibliográficos entre
[...] livros (157), dissertações de mestrado (59), teses de doutorado e livre-docência (24), comunicações em congressos (70), artigos em catálogos (33), obras de referência (17), artigos em revistas (394) e artigos em jornais (295).
Percebe-se nesse levantamento a existência de uma grande variedade
que abrange desde teorias da comunicação aplicadas às técnicas de gestão
até enfoques mais administrativos, passando pela importância da propaganda
e olhares ainda mais técnicos como os de engenharia de produção (UFRJ). Há
muita pesquisa em Relações Públicas, mas não foram encontradas, ao menos
no Brasil, teses específicas sobre retórica organizacional, particularmente com
foco no ethos.
M
81
Assim, conforme mencionado, o objetivo deste trabalho é o
estabelecimento de um caminho que evidencie, até onde possível, de que
forma o discurso organizacional é utilizado na constituição do ethos das
organizações e qual o reflexo desse ethos nas suas práticas.
Para tanto, faz-se necessário situar retoricamente tais práticas. Antes, é
preciso tratar a discursividade como lugar retórico.
Estudar o texto implica debruçar sobre questões de natureza retórica e
discursiva. No momento da criação textual estão envolvidos, a despeito do
querer humano, meios de ordem racional e afetiva. Mais racionais ou mais
afetivos, os textos são produto de um ato retórico e, como tal, trazem uma
carga inseparável de razão e de emoção. Os meios de competência da razão
são os argumentos (silogismos e exemplos). Os meios relativos à afetividade
concentram-se no ethos e no pathos: as tendências, os desejos, as emoções
que podem despertar. Os oradores, evidentemente, valem-se dos dois meios
para conseguir a persuasão. Mesmo sem saber a teoria, exercitam a retórica
como techné, ambíguo termo grego que designa tanto uma habilidade
espontânea quanto uma competência adquirida por meio do ensino.
Assim, é possível dizer a priori que a interação comunicacional das
organizações atua retoricamente para atingir seus objetivos por meio de textos
que refletem um discurso argumentativo em um cenário determinado. Este
capítulo compõe, gradativamente, esse cenário de atuação do discurso das
organizações.
3
3.1 DISCURSIVIDADE
No século XX, as teorias do discurso apresentam um quadro bastante
diversificado e rico, resultante de seu aprofundamento e da contribuição de
pesquisas realizadas em várias áreas do conhecimento. Assim, van Dijk
declara que na atualidade é difícil estabelecer distinções disciplinares precisas
no campo do estudo do discurso, que parece cada vez mais se caracterizar
como um campo interdisciplinar independente [...] (VAN DIJK, 1992: p. 11).
82
Brandão ao comentar as pesquisas encetadas na França na década de
80, retoma a afirmação de Courtine sobre o fato de os analistas de discurso
deverem se colocar contra a territorialização, o esquadrinhamento, a
delimitação dos domínios do saber e acrescenta que, pelos próprios objetivos a
que se propõe, a Análise do Discurso é, e só pode ser interdisciplinar.
(COURTINE, in BRANDÃO, 1991: 83-4).
Nesse contexto, o presente trabalho retoma alguns conceitos dessas
teorias que auxiliam na análise do seu corpus.
Na segunda metade do século XX, quando os estudiosos se debruçaram
sobre as formalizações da linguagem, particularizaram-se as noções sobre o
texto e o discurso, assim como as teorias que os explicitam. A diferença entre
as duas noções, contudo, não surgiu, a princípio, facilmente delimitada e pede,
por essa razão, algumas considerações.
O homem para se tornar agente do processo de comunicação produz
textos por meio do processo da escolha e da combinação dos elementos que
lhe são oferecidos pelo sistema da língua. É no processo complexo único de
textualização, intertextualização, coesão e coerência argumentativas que o
locutor imprime seu discurso e se motiva a atuar ou intervir no grupo social.
Discurso, mais comumente relacionado à linguagem verbal, tem seu
sentido ampliado quando remetido a processos de produção e interpretação e
enfatiza a interação entre falante e receptor, escritor e leitor e leva em conta
também o contexto situacional de uso. Nesse aspecto, texto é uma dimensão
do discurso, a sua materialidade.
A distinção entre um e outro não está expressa nessa materialidade,
mas no olhar que o focaliza. Assim, o estudioso, ao examinar as
particularidades linguísticas do texto, ao compreender o significado de suas
estruturas sintático-semânticas, ao se motivar a desvendar seus sentidos e
intenções particulares, não se confronta mais com um texto, mas com o
discurso. Se no exame do texto destaca-se o sistema da língua, no exame do
discurso emerge o processo da enunciação.
A ideia de discurso como processo é confirmada por Maingueneau
(1995: p. 21) quando diz que o discurso é concebido como uma associação de
83
um texto com o seu contexto. Isso se esclarece ao se considerar que os
locutores são entidades situadas em um tempo histórico e em um espaço
sócio-cultural definidos, que condicionam o seu comportamento lingüístico. Em
atividade discursiva, mediatamente regida por parâmetros de ordem ideológica
e sócio-cultural. Assim,
o sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição não
literalidade do significante), mas é determinado pelas posições ideológicas postas em jogo no processo sócio-histórico em que palavras, expressões e proposições são produzidas (quer dizer, reproduzidas) (REIS e LOPES, apud Vignaux, 1994: p. 22).
O discurso, portanto, identifica-se com o conceito de processo, ou seja,
o conjunto das práticas discursivas: linguísticas (comportamentos verbais) e
não-linguísticas (comportamentos somáticos significantes, manifestados por
meio das ordens sensoriais). Está situado na instância da enunciação, que, em
uma perspectiva da Análise do Discurso, foi tratada por Benveniste (1976), com
a teoria da subjetividade; por Bakhtin (1979), com a teoria da enunciação; por
Ducrot (1987), que retoma as noções bakhtinianas de polifonia e do Ethos; por
Authier-Revuz (1998), com as novas propostas para as não-coincidências do
dizer; por Maingueneau (2001), que aborda as teorias anteriores de forma
didática, entre outros.
O discurso é atividade única que se atualiza no momento da enunciação
e se re-atualiza em outra atividade: a da interpretação do interlocutor. Ao
discurso se ligam, portanto, dois tempos, conforme Benveniste: o da sua
concepção na enunciação (eu - organizacional) e o da revelação de efeitos em
sua interpretação (tu - auditório). Além dessa relação eu-tu, existe a questão de
tempo os discursos são proferidos em um tempo presente, passado ou futuro
e de espaço aqui, ali, lá, acolá, ontem, hoje, amanhã.
A maneira pela qual os textos se organizam, por sua vez, depende da
prática social dos grupos em que são gerados e de seus objetivos discursivos.
84
Podem se formalizar em texto científico, acadêmico, publicitário, jornalístico,
literário, empresarial etc., ou seja, domínios discursivos, conforme Bakhtin.
Este autor denomina gêneros do discurso os campos de utilização da
língua elaborados a partir de
A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo (BAKHTIN, 2006: p. 262).
Com relação ao enunciado e a partir dos diferentes estudos sobre
gêneros efetuados a partir da antiguidade [retórico (jurídico, político...), literário
(romântico, moderno...)...], o pesquisador
distinção entre gêneros primários (simples) e secundários (complexos) embora
admita que não se trata de diferença funcional. Os gêneros discursivos
secundários, por sua vez,
primários, que integram os complexos [...] e perdem o vínculo imediato com a
realidade concreta e os enunciados re
Embora exista uma diferença essencial entre primário e secundário, há,
por outro lado, estreita relação entre eles. Embora Bakhtin denomine gênero
aos enunciados da modalidade primária e secundária, para efeito desse
trabalho, serão denominados como gênero os enunciados da modalidade
primária (cartas, relatórios, notas) e
complexa (jurídico, organizacional, literário).
Bakhtin estendeu a prática social ao conceito de discurso e o considerou
território privilegiado de uma interação que antecede mesmo a participação
coletiva. Dessa forma, o discurso está ligado às condições sociais e não
individuais da comunicação e as ideias sobrevivem, não a partir da consciência
isolada de um homem, mas do dialogismo entre outras idéias.
Maingueneau concorda com a existência do aspecto social do discurso e
o entende como contexto, ou seja, ambiente em que os textos são gerados.
85
O discurso, sendo prática social, é uma convenção; o texto, a forma que o atualiza, que o torna material. o contexto discursivo é, em princípio, o veículo(MAINGUENEAU, 1995: 106)
Nesse sentido, é de se notar a contribuição de Fairclough (2002: p. 24),
que reforça a análise do discurso organizacional, pois faz referência às
diferentes áreas de conhecimento e apresenta uma abordagem
multidimensional: 1) prática social, porque cuida das circunstâncias
institucionais e organizacionais do evento discursivo e como elas moldam a
natureza da prática discursiva e seus efeitos constitutivos/construtivos; 2)
prática discursiva, porque trata da interação que os textos produzem e 3)
prática textual, neste caso ligados especificamente ao texto organizacional.
É preciso lembrar, conforme se pode deduzir no Capítulo I, que as
relações organizacionais hoje são bastante diferentes do que há cinquenta
anos, por exemplo. Mesmo os indivíduos que exercem funções repetitivas em
processos automatizados fazem parte de um grupo considerado importante,
em parte porque transmitem a imagem da empresa em seus discursos.
Acrescente-se que as relações tradicionais empregado-firma são consideradas pelas administrações como disfuncionais nesse contexto; portanto elas têm tentado transformar a cultura do local de trabalho por exemplo, ao estabelecer instituições que posicionam os empregados em uma relação mais participativa com a gerência,
valores culturais... (FAIRCLOUGH, 2002: p. 26)
Essas mudanças estão refletidas nas relações interpessoais e podem
ser comprovadas nas práticas discursivas. O uso linguístico tem mais
importância hoje e espera-se que os colaboradores envolvam-se de forma a
produzir maior interação com a empresa.
86
Sob o ponto de vista de Greimas e Courtés, o discurso pode ser
. (1989: p. 128-129)
Bakhtin denomina como domínios discursivos: literário, publicitário,
político, religioso (Bakhtin, 2006: p. 261 a 306). Assim, é possível identificar a
existência de um domínio discursivo empresarial ou organizacional, constituído
pelos gêneros que veiculam as atividades das organizações ou empresas.
Marcuschi, a partir de Bakhtin, entende domínio discursivo como:
[...] uma esfera ou instância de produção discursiva ou de atividade humana. Esses domínios não são textos nem discursos, mas propiciam o surgimento de discursos bastante específicos (MARCUSCHI, 2002: p. 23)
Em síntese, o termo discurso deixou de significar apenas peça de
oratória proferida solenemente e adquiriu uma dimensão bem mais ampla.
Conforme Halliday, discurso passou a
[...] designar também o conjunto de significados caracterísitcos de um comunicador, seja ele individual ou institucional. tem sido aplicado a variegadas construções simbólicas de realidade esse presta a
-Tornou-se ocrriqueiro referir-se ao discurso de arquitetura, múica, gastronomia, terrorismo, futebol, medicina e, naturalmente, das organizações. Assim, o conjunto das práticas linguísticas, semânticas e retóricas das pessoas jurídicas recebe o nome de discurso organizacional (HALLIDAY, 2009: p. 32).
Discurso é, assim, um processo complexo situado na instância da
enunciação, pressupõe uma relação enunciativa eu-tu, depende das práticas
sociais, pode se formalizar em diferentes domínios discursivos que, por sua
vez, pressupõem incontáveis gêneros.
Uma vez estabelecido o que se entende por discurso no âmbito desse
trabalho, faz-se necessário um aprofundamento nas questões retóricas e
argumentativas.
87
3.2 RETÓRICA
3.2.1 ENFOQUE HISTÓRICO
A retórica tem sido definida como a arte de bem falar, ou seja, a arte de
utilizar todos os recursos da linguagem com o objetivo de provocar
A retórica é a arte de falar do que levanta
problemas nos assuntos civis, de forma a persuadir
Para Platão (in: Os Pensadores, 1965), essa doutrina é uma técnica que
poderia convencer os próprios deuses. É a utilização dos recursos discursivos
para obter a adesão dos espíritos, expressão que ainda hoje é lembrada e
exprime muito bem o objetivo do discurso a públicos determinados.
Para os sofistas (pensadores pragmáticos e utilitaristas), a retórica
ensinada na Grécia Antiga era a arte de argumentar, no sentido de debater
contra ou a favor de qualquer opinião, desde que vantajosa. Essa postura foi
discutida por Sócrates, que lhe emprestava valor à medida que participasse da
essência da Filosofia.
Aristóteles sistematizou a retórica. Para este filósofo, retórica é
a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão. [...] parece ser capaz de, por assim dizer, no concernente a uma dada questão, descobrir o que é próprio para persuadir. Por isso dizemos que ela não aplica suas regras a um gênero próprio e determinado. (ARISTÓTELES, s/d: p. 33)
Entre os conceitos explicados pelo filósofo, destacam-se as três provas
retórico-discursivas: ethos, pathos e logos. Em linhas gerais, ethos refere-se ao
caráter, à imagem que o orador (eu) transmite por meio do seu discurso;
pathos está ligado ao componente emocional que o discurso desperta no
auditório (tu) e logos refere-se também ao orador e à sua capacidade de
convencimento, ao seu conhecimento de mundo. Esse assunto será retomado
no capítulo V.
Após estudos, concluímos que, para Cícero, que expôs sua doutrina em
três tratados, o orador perfeito era o homem perfeito, ponto de vista também
encontrado em Quintiliano, em uma exposição mais completa e sistemática da
88
retórica. Os tratados retóricos atuais ainda se espelham em Aristóteles, Cícero
e Quintiliano, ou seja, esses pensadores lançaram sólidas bases para a
disciplina.
Na Idade Média e Renascença a Retórica foi indispensável na
educação, dividindo-se com a Lógica no século XVI. Naquele século e no
seguinte, os grandes mestres retóricos foram os jesuítas, membros de uma
ordem religiosa, a Companhia de Jesus, fundada em 1.534, que aplicavam a
retórica aos domínios da crítica.
Embora tenha entrado em decadência após o Romantismo e se tenha
limitado ao estudo das figuras, é no século XX que a retórica se consolida
porque o homem continua a fazer história e a envolver-se com as tramas do
poder. Hoje está definitivamente incorporada aos estudos do discurso.
A Nova Retórica, no seu sentido amplo, resguarda muitos conceitos da
velha retórica, considerados absolutamente válidos. Moderniza-se, no entanto,
a partir de sua aproximação com várias disciplinas específicas da
comunicação, que a suportam ou que são por ela suportadas, em definitiva
interdisciplinaridade: linguística, semiologia, semiótica, teoria da informação,
pragmática.
Existiu, durante algum tempo, uma visão distorcida da retórica, quando
se aceitavam raciocínios de todo tipo e chegou a adquirir um sentido pejorativo,
em contrapartida à concepção aristotélica. Leve-se em conta ainda que cada
época interpreta os fatos conforme seu próprio pensamento. A modernidade da
retórica de Aristóteles está em considerar os conhecimentos prováveis e não
as certezas e evidências.
Segundo Reboul, a retórica é amoral e, nesse sentido, não precisa estar
vinculada à noção de verdade. Reside no campo do verossímil, do provável, do
possível. Como conteúdo e forma são inseparáveis e hoje a nova retórica
trabalha no sentido de resgatá-los, não é difícil entender que o interlocutor
pode ser visto como juiz.
O que se observa de novo na neo-retórica é a integração que pretende
eliminar a diferença entre ciências humanas, ciências dos discursos e das
matemáticas. Para isso, as teorias da argumentação desenvolvem-se nos
89
postulados democráticos e se embasam nos valores, preferências e decisões,
aceitando limitações e imperfeições, trabalhando-a no provável. Há que se
considerar hoje a universalidade a que indivíduo está sujeito, bem como a
diversidade de argumentação nela embutida. Pensar em relações
intersubjetivas no discurso compara-se a apreender enunciativamente o
mundo.
Levando-se em conta que a argumentatividade está presente em todo
discurso, argumentar significa considerar o outro como capaz de reagir e
interagir diante das propostas e teses que lhe são apresentadas, o que é feito
por meio do diálogo, do debate. O discurso enunciado pretende mover o
pensamento do outro, colocar o interlocutor em condições de exercer-se para
separar o essencial do acessório, de julgar um conjunto de proposições sem
prejuízo dos matizes utilizados no percurso discursivo.
O envolvimento entre as partes não é unilateral: trata-se muito mais de
uma negociação em que prevalece o anseio de influência e de poder, em que
uma parte quer convencer a outra, persuadi-la de que seu ponto de vista é o
correto, seja por meio da lógica (logos), seja pela emoção (pathos), seja pelo
caráter do orador (ethos). Os comunicados das organizações, embora
busquem objetividade, possuem uma carga de subjetividade com objetivo de
construir e manter seu ethos que não deve ser desprezada, pois é nos
implícitos muitas vezes que estão as informações.
Perelman assim como Aristóteles, define a retórica como técnica da
persuasão.
O objeto desta teoria é o estudo das técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses apresentadas ao seu assentimento. (PERELMAN, 1998: p. 5).
A retórica é, então, a arte de comunicar com múltiplos sentidos:
persuadir e convencer, agradar, seduzir ou manipular idéias com a finalidade
de aceitação, fazer passar o verossímil, a opinião e o provável com boas
razões e argumentos, sugerir inferências, sugerir o implícito pelo explícito,
90
instituir um sentido figurado a inferir do literal, utilizar linguagem figurada,
descobrir as intenções de quem fala ou escreve, atribuir razões ao seu dizer.
O caráter prático da retórica impõe-se no Direito, Ética, Política e
Psicanálise e possibilita confronto e intercâmbio com a Pragmática, Linguística,
Semiótica Discursiva, Teoria do Texto e Discurso e Análise Conversacional.
Contribui com os estudos da Linguagem referentes à conscientização do
discurso. Conjuga as capacidades intelectivas, sensoriais e afetivas, utilizando
argumentação e persuasão, conciliando conhecimento, afetividade, sedução e
prazer.
Em sentido amplo, é uma visão que implica tomada de posição, ação no
mundo, ao mesmo tempo em que se faz necessária uma competência
específica por parte dos indivíduos.
Assim, é possível afirmar que a retórica hoje é sinônimo de
argumentação, cujo campo não é efetivamente o da evidência.
3.2.2 PARTES DA RETÓRICA
O sistema retórico, a partir de Aristóteles, se divide em:
1) invenção, que compreende o tratamento da questão, a procura das razões
verdadeiras ou verossímeis que podem apontar a causa. O estudo dos lugares
é parte essencial da invenção. Trata-se da retórica do conteúdo. No caso
empresarial, a invenção é o que está em questão, a pesquisa de maneira
genérica;
2) disposição, que consiste na maneira de colocar as diferentes partes do
discurso, ou seja, sua organização interna, seu plano, a exposição das idéias
estruturadas em um espaço plausível ou racional. A disposição apoia-se tanto
em fatos (compra, venda) como em verossimilhanças (discurso em si); tanto
em evidências (produto), como em opiniões (decisões de chefia). A disposição
é efetuada em três momentos: a) exórdio, b) narração dos fatos, que expõe a
solução argumentando; é a argumentação (prós e contras) propriamente dita; e
c) peroração ou síntese, com a apresentação da solução da questão;
91
3) elocução, o lugar específico do estilo do enunciador, da retórica literária;
consiste na escolha das palavras e dos pensamentos por meio dos quais a
invenção será veiculada. Busca-se a correção, clareza, adequação e elegância.
Consideram-se também as modalidades de estilo: retórica como arte funcional;
4) ação, que consiste na atualização do discurso, sua execução e constitui o
próprio alvo da retórica. Aqui é o lugar do não verbal, que faz parte integrante
do ato comunicativo: ritmo, entonação, timbre, gestos corporais.
A essas partes, os romanos acrescentaram a memória (5), cujo objetivo
é gravar, no espírito do auditório, os pensamentos que se pretende transmitir.
Contribuem para a memória, a própria estrutura do discurso, a coesão, sua
coerência, o encadeamento lógico das partes. A ação auxiliada pela memória
(herança da retóri É o quadro
ou contexto da argumentação, mas também o dos efeitos mediáticos da
ampliação ou atenuação da imagem e do som MEYER, 1994: p. 38).
Essa divisão do discurso continua atual e constitui procedimentos
importantes na sua elaboração. O elemento oral que trata da ação e da
memória, embora desprezado com o advento da era tecnológica, é recuperado
por meio da mídia, que o dissemina, conserva e reproduz, mesmo à distância.
Enfatize-se o caráter polêmico desse enfraquecimento da ação e da memória,
uma vez que a empresa frequentemente se vale da mídia para divulgar seus
produtos. Além do mais, inicia-se um enfraquecimento da oposição oral/escrito,
pois a realidade comunicativa atesta a presença de muitas atuações híbridas
(MOSCA, 1997: p. 30).
Em síntese e conforme Meyer, a invenção é o tratamento da questão, a
disposição trata da exposição da resposta e a elocução em fazer a resposta
passar. A ação, a memória e o estilo são auxiliares (MEYER, 1994: p. 39). Para
este autor, a retórica judiciária ou argumentação jurídica deu o tom, enquanto
as grandes articulações tornaram-se simplesmente o exórdio, a narração, a
argumentação e a peroração, em que aparecem, misturados, o prazer de
convencer, a linguagem das paixões, a forma e o conteúdo, o implícito e
explícito, o racional e emotivo, ou seja, o papel da retórica.
92
A importância das partes do discurso para este trabalho é justamente
ethos, aquele que o orador profere em função do pathos imanente à sua ação
Embora em Aristóteles a disposição apareça antes da demonstração,
que fornece os argumentos em favor da tese, Meyer enfatiza que, na prática,
porque há certa informalidade, em um bom resumo da essência de uma boa
argumentação
[...] o exórdio é o início do discurso: ele dispõe (a) e prepara o espírito do ouvinte (...) para escutar. A narração (b) expõe o desenrolar dos fatos como eles aconteceram ou podem acontecer. Na divisão dos argumentos, elucidamos os pontos de acordo e os de desacordo, e expomos aquilo sobre o que falaremos. A confirmação (c) deduz os tópicos básicos da conclusão adversa. A conclusão (d) fecha com mestria o discurso. (CÍCERO, apud Meyer, 2007: 47).
Meyer associa as partes da retórica aos três grandes elementos: o ethos
discursivo se apresenta ao auditório e visa captar sua atenção a respeito de
uma questão e, em seguida expõe o logos dessa mesma questão, ao mesmo
tempo em que apresenta os prós e contras. Por último, age sobre as paixões
(no sentido Aristotélico) ao apelar às emoções e sentimentos do auditório
(pathos).
problematização que o auditório sempre p MEYER, 2007: p. 48).
Em outras palavras, o discurso propõe mover o auditório em seu favor e para
isso utiliza as três provas aristotélicas ethos, pathos e logos.
E novamente o autor explica que o exórdio capta a atenção e torna o
auditório nesse instante, sem voz, silencioso porque não existe ainda uma
questão. A narração servirá para alterar tal silêncio. É o momento de colocar a
questão o mais completamente possível e de forma agradável, dramática. É
importante, porém, que a questão esteja próxima da realidade e seja partilhada
pelo auditório, embora ainda possa existir alguma oposição, rejeição ou
desaprovação: trata-se do tempo de argumentação em que as perguntas
(quem, o quê, por quê, onde, quando, como, por quais meios) são respondidas
de forma natural e antecipadamente. Caso ainda não convencido (pelo logos
93
do enunciador), o auditório ainda pode se opor e, nesse caso, o enunciador
apela à persuasão, que atuará sobre as emoções do auditório.
A elocução, a memória e a ação, segundo Meyer, estão presentes em
todos os momentos anteriores
Recorrendo a Meyer, é possível verificar que o discurso organizacional
vale-se essencialmente dos dois primeiros momentos, porém certamente lança
mão da memória, da ação e até da elocução com a finalidade de convencer
seu auditório. Uma empresa que precisa informar a respeito de seu produto,
por exemplo, busca primeiro captar a atenção do seu público e, em seguida,
informa sobre o produto a partir de respostas às possíveis questões suscitadas
(quem, o quê...). Seu discurso, no entanto, é tecido com textos preexistentes,
com retomadas a fatos, daí que a memória é acionada. O apelo às paixões,
embora mais sutil, ocorre certamente nesses discursos uma vez que não é
possível fugir à subjetividade.
As três provas do discurso estabelecidas por Aristóteles (ethos, pathos e
logos) são utilizadas por Meyer e evoluem. Para o autor, o ethos, cujo conceito
será ampliado no capítulo IV, não pode ser identificado apenas ao caráter do
orador: a dimensão da palavra está estrutur
ethos é um domínio, um nível, uma estrutura em resumo, uma dimensão ,
mas isso não se limita àquele que fala pessoalmente a um auditório, nem
esse mot MEYER, 2007: p. 35). Esse
posicionamento confere ao ethos uma complexidade que certamente servirá à
análise do discurso organizacional, entendido como discurso coletivo.
O conceito de pathos em Meyer também avança e passa a ser fonte das
questões que respondem a interesses dos quais dão prova as paixões (no
sentido retórico), as emoções ou as opiniões. Assim é possível associar o
pathos à subjetividade, presente implicitamente no discurso organizacional,
conforme se verá no capítulo IV. É possível estudá-lo também por meio das
discussões de Meyer sobre a paixão, que ao contrário das emoções, não
p. 37).
Segundo Meyer, a paixão como resposta também é um julgamento sobre o que
94
está em questão: a pergunta se torna resposta e suscita novas perguntas.
Nesse sentido, a paixão retórica se torna útil ao mobilizar o auditório em favor
de uma tese porque reforça a identidade dos pontos de vista. Assim, o discurso
organizacional se vale do pathos para despertar questões em seu auditório e
suscitar respostas que, por sua vez, uma vez respondidas levarão a outras
perguntas.
O logos, conforme mencionado e por estar associado às características
mais objetivas do discurso organizacional deve poder expressar as perguntas e
as respostas preservando a diferença. As respostas, nesse caso, e conforme
Meyer (2007: logos está
- nte útil na
análise do discurso organizacional porque é a base desse discurso. O que
seria apocrítico-problematológico? Ao ser colocada uma questão obtém-se um
problema que precisa ser solucionado. Se a questão for completamente
respondida e a resposta resolver a questão, tem-se uma resposta apocrítica.
Em outras palavras, há um momento problematológico, ao se colocar a
questão e uma resolução apocrítica porque não dá margem a outras questões.
Assim, os estudos de Meyer sobre as três provas do discurso
certamente contribuirão nas análises que serão efetuadas no capítulo V, com
finalidade de comprovar que o discurso empresarial, embora de foco
do ethos sem excluir o pathos. Evidentemente será necessário aprofundar a
questão problematológica (Meyer, 2007: p. 83), assunto que será abordado no
capítulo IV.
Antes porém, é necessário comentar sobre argumentação, uma vez que
o contexto interacional das organizações é eminentemente argumentativo.
3.3 RETÓRICA E ARGUMENTAÇÃO
Embora existam várias teses, compêndios e até tratados sobre a
argumentação (Perelman e Tyteca), trata-se ainda de assunto não esgotado
95
porque se utiliza da palavra, signo que, isolado, tem um significado e em
contextos, em discursos diversos, tem seu sentido modificado.
É preciso refletir sobre a palavra: a forma como se ordena, os gestos, as
inflexões, a postura. Trata-se de elemento de sedução, recurso imprescindível
aos empresários para convencimento e persuasão no exercício da
discursividade organizacional. Pode-se dizer que a palavra é uma ferramenta
de trabalho à disposição da empresa. Ela possui um significado explícito, literal,
mas pode ser utilizada em situações tácitas, em contextos implícitos. Até
mesmo o silêncio, a ausência de palavras, é, no contexto discursivo, maneira
eficaz de argumentar.
Vignaux (1976: p. 19) aponta os perigos de se definir argumentação: o
primeiro seria confundi-la com demonstração. Segundo este autor, a
argumentação consistiria nos discursos com premissas prováveis e a
demonstração trataria das premissas verdadeiras.
Um segundo perigo seria tratar a argumentação como demonstração
mal feita ou prática social que, por sua natureza, tornaria possível todo rigor
científico.
Outro risco seria conduzir os usuários da língua a investigações sobre
fenômenos de interação, que nunca seriam capazes de reconstituir as
condições sociais reais, o que levaria a duvidar da eficácia da argumentação e,
por isso, reduzi-la a conjunto de efeitos de persuasão e convicção.
argumentação visa à adesão dos espíritos e, por
isso mesmo, pressupõe a existência de um contato intelectual (1999: p. 16).
Tratado só versará sobre recursos discursivos para se obter
a adesão dos espíritos: apenas a técnica que utiliza a linguagem para persuadir
e para convencer será examinada p. 8), mas se pergunta
argumentação, para ser eficaz, deve apoiar-se em teses admitidas pelo
auditório, como pode ser medida, ou ao menos apreciada a intensidade de
adesão? (1999: p. 19).
Se a demonstração se impõe necessariamente ao espírito, a
argumentação procura e é um esforço concentrado à adesão modalizada dos
espíritos. Não pode ir além. Por isso também, e contrariamente à lógica formal
96
que se situa em outro universo, a argumentação retórica pressupõe o contexto
de um espaço público, entendido como conjunto de indivíduos que fazem uso
público da razão. O que a existência de um espaço argumentativo pressupõe e
implica é o reconhecimento do outro como interlocutor válido, a quem é
possível colocar argumentos.
Evidencia-se, assim, a importância da presença de um auditório para a
eficácia da argumentação. O estudo psicológico da maneira como a
representação de certos fatos se faz presente na consciência, influencia sobre
a eficácia de uma argumentação. Por outro lado, o conceito de auditório é
apenas teórico, uma construção do orador. Isso porque seria, além de
impossível classificar todas as personalidades, composições sociológicas e
dinâmicas dos auditórios, admitir que a argumentação define-se
essencialmente pela presença desse auditório e que, dessa forma, todos os
discursos seriam produzidos em função das relações sociais que ele
representa.
O conceito de auditório conforme colocado por Perelman reconduz ao
Capítulo 1 deste trabalho. Todas as instâncias da comunicação organizacional
são dirigidas a um auditório, interno ou externo à organização. O auditório
interno se constitui dos indivíduos que, de algum modo dela fazem parte e o
externo, é formado pelos clientes efetivos ou potenciais, fornecedores, governo
e até mesmo concorrentes.
Perelman postula sobre auditório universal e particular e talvez se possa
associar o conceito de auditório universal ao público externo e particular ao
público interno. No entanto, essa questão não é tão simples e leva a outras
reflexões.
A noção de auditório implica a (noção) de reconhecimento e sugere
renúncia à violência, mesmo simbólica. Aliás, os termos que Perelman utiliza
para definir seu auditório o aproximam da definição do espaço público. Diz ele:
"... (o auditório é) o conjunto daqueles que o orador quer influenciar pela sua
argumentação." (1999, p. 25). Nesse sentido é possível dizer que "influenciar
pela sua argumentação" é o mesmo que "fazer uso da razão", ou seja, uma
retomada da ideia grega de logos/legein de uma racionalidade discursiva.
97
Por outro lado, o reconhecimento do interlocutor por parte do
orador/locutor persuasivo faz do auditório, em grande parte, uma construção do
orador que define seus limites e sua identidade. Assim, por exemplo, quando o
gestor de uma empresa afirma estar disposto a esclarecer determinado
assunto à mídia, ele já definiu seu auditório que, aliás, transcende em muito os
jornalistas. Na verdade, seu discurso é dirigido a um auditório bem mais amplo,
que inclui clientes (externos e internos), públicos em geral, todas as mídias.
Nesse sentido, vale interrogar se existiria uma técnica discursiva
retórico-argumentativa válida em todas as circunstâncias e para qualquer
auditório. Perelman, ao fazer distinção entre "persuadir" e "convencer",
estabelece que a persuasão se dirige a um auditório particular e o
convencimento a um auditório universal: o importante, na argumentação, não é
saber o que o orador considera como verdadeiro ou como probante, mas qual é
a opinião daqueles a quem se dirige .(1999: p. 36).
Em oposição ao convencer, que utiliza argumentos baseados na
estrutura do real e argumentos quase-lógicos (Perelman, 1999), a persuasão
se dá por meio da emoção, de uma argumentação passional.
Segundo o autor, argumentos baseados na estrutura do real são
aqueles que se valem da estrutura da realidade para estabelecer uma
solidariedade entre os juízos admitidos e aqueles que se quer evidenciar.
Alguns deles: autoridade, direção, superação, desperdício, causal, pragmático.
Os argumentos quase-lógicos são os que apelam para estruturas lógicas
(contradições, identidade total ou parcial, transitividade) ou para relações
matemáticas (parte com o todo, do menor para o maior, de frequência). São
eles: contradição e incompatibilidade, identidade, probabilidade, divisão,
comparação, inclusão, reciprocidade, transitividade, sacrifício.
Perelman admite três tipos de auditório: 1) universal, constituído pela
(1999: p. 33); 2) particular diálogo, unicamente pelo interlocutor a
(1999: p. 34); e individual
(1999: p. 34). De
qualquer forma, e por ser difícil delimitar o auditório particular, e porque os
98
argumentos dirigidos a auditórios particulares podem ser mais fracos, os
enunciadores procuram elaborar seus discursos a um auditório universal.
Trata-se de uma universalidade e unanimidade imaginada pelo orador.
O que o autor entende como universal é o modelo de todos os auditórios
particulares, individuais ou íntimos. Nos três é necessária uma argumentação
retórica:
uma argumentação que se dirige a um auditório universal deve convencer o leitor do caráter constringente das razões fornecidas, da sua evidência, da sua validade intemporal e absoluta, independente das contingências locais e históricas. (1999: p. 48).
O auditório individual é constituído dialogicamente por um só
interlocutor, mas a questão acaba por ser a mesma, uma vez que se vê nele
uma simples declinação do auditório universal: "o auditório único encarna o
auditório universal." (1999: p. 48)
De qualquer forma e em boa parte, toda a argumentação precisa ser
construída a partir do que se convencionou como seu auditório. O
conhecimento psicológico, sociológico ou ideológico dele é, portanto, essencial
à própria eficácia da argumentação, que decorre da importância que esse
auditório tem na argumentação, cujo objetivo não é veicular propriamente a
"verdade", mas a verosimilhança. Tal semelhança ao verdadeiro só pode
encontrar um critério de validade ou justeza naquilo que pensa o auditório, qual
seja o seu estado de espírito, a força da sua convicção ou crença,
eventualmente pela argumentação aduzida.
Partindo do princípio que não se pode qualificar o auditório senão de
maneira global, a argumentação necessita de mais dados para ser definida. Tal
fato conduz à reflexão sobre a finalidade do discurso. Assim, a argumentação
leva em conta que não existe discurso ingênuo: são sempre dirigidos a um
"outro" com intenção premeditada: a de convencê-lo e/ou persuadi-lo da crença
veiculada no discurso.
99
Meyer, ao comentar sobre retórica, associa o verdadeiro discurso ao
logos. Assim, a possibilidade de verdade contrária, por definição seria um erro.
Acrescenta que
[...] a verdade é sem partilha ou deixa de ser verdade. A ambiguidade, o sentido plural, a abertura à multiplicidade das opiniões, não passam, pois de palavras-chave do incompetente que se esforça por falar de tudo para dar a impressão que sabe do que fala (MEYER, 2007: p. 18).
Segundo este autor, os verdadeiros problemas, aqueles que têm
solução definida e incontestável não são assunto de debate, no sentido em que
se entende a retórica, mas fazem parte da ciência justamente porque
apresentam uma única resposta. Assim, a retórica é colocada para fora do
campo do logos e assume todas as dificuldades associadas à coexistência de
paixões, moral, lógica, dialética e até poética, no sentido que é necessário um
estilo e uma ordenação discursiva.
Uma vez que não se chega a uma definição absoluta, aceita-se para os
fins a que se propõe esse texto, que argumentação seja um conjunto de razões
que defendem uma afirmação, uma tese; que há argumentação quando se
trata de resolver, expor, alegar, abalar e que toda argumentação pode
identificar-se com o enunciado de um problema, além de especificar que não
se argumenta contra o óbvio, a verdade, o evidente, mas sobre o provável, o
verossímil, o possível.
Argumenta-se para estimular a polêmica, a reflexão; construir debates,
entrevistas, relatos; incentivar a reflexão crítica; examinar apelos, propostas,
contrapropostas; enriquecer a visão de mundo através da diversidade de
confronto, levando a juízos de valor; estabelecer diálogos, partilhar saber e
vivência; estruturar troca comunicativa; buscar soluções nas situações de
conflito.
Assim, pode-se afirmar que todo discurso se reveste de uma retórica, ou
seja, com determinada maneira de definir a realidade conforme a visão que o
retor deseja compartilhar. A retórica das organizações revela-se por meio de
diferentes atos retóricos porque se destinam a influenciar as percepções das
100
pessoas e o andamento das coisas. Conforme se observou no Capítulo I, as
atividades da comunicação organizacional podem ser consideradas como atos
retóricos organizacionais: relatórios, entrevistas, cartas, notas de
esclarecimento, cerimonial, jornais, entre outros, porque todos são veiculados
por meio da palavra e por símbolos.
De acordo com Halliday,
o discurso está entranhado nos processos organizacionais porque estes dependem de atos retóricos para funcionar. [...] não se podem conceber desempenho, políticas, liderança, atos de responsabilidade social sem um discurso a secundá-los. (HALLIDAY, in: KUNSCH, 2009: p. 32)
Assim, a autora afirma que discurso e retórica fundem-se em um
conceito único. Se o discurso é uma construção simbólica da realidade e a
retórica seu revestimento, é possível dizer que o discurso é uma retórica na
medida em que busca influenciar as relações humanas. Tais conceitos estão
presentes em toda a interação organizacional desde a maneira de
cumprimentar até a apresentação de um jornal, passando pelas manifestações
orais e escritas comentadas. Recorrendo a Perelman, tais manifestações
acontecem , orientar modos
de pensar, excitar ou acalmar emoções, guiar ações, ela pertence ao reino da
re p. 162).
É preciso mencionar que a abordagem retórica exercida nas
organizações apresenta cunho pragmático, pois é um discurso com finalidade
de obter resultado, exercer influência. Em outras palavras, remetem à
legitimação, seja de produtos, serviços, desempenho, lucro, comportamentos,
informações, políticas, causas, portanto, com vistas à elaboração de sua
imagem, seu ethos.
De cunho retórico, torna-se possível afirmar que o discurso
organizacional apresenta maior ou menor grau de subjetividade. Uma notícia
veiculada em jornal da empresa, apesar de pretender mostrar fatos
(PERELMAN, 1999: p. 74), é uma construção retórica e não foge à
subjetividade que reside na própria escolha de palavras, nos argumentos.
101
Assim, e porque existe grande variedade de atos retóricos na organização, é
possível analisar esses veículos discursivos sob diversos aspectos.
Em decorrência dessa diversidade e no sentido de enfatizar a
característica retórica do discurso organizacional, uma visão multidisciplinar
desse discurso é proposta pelo Centre for Researth in Organizational
Discourse, Strategy and Change:
ação pragmática, pari passu com outras ações da organização para atingir objetivos e cumprir compromissos;
ação comunicativa pela qual a organização é legal e moralmente responsável;
ação retórica, ou seja, o conjunto de atos comunicativos (atos retóricos) com os quais um agente, chamado de retor, constrói a realidade, por meio de palavras e outros símbolos, da maneira como deseja que seus interlocutores a vajem. Aos retores organizacionais os comunicadores gestores cabe o desafio e o poder de incluenciar essa construção. (HALLIDAY, 2009: p. 35).
3.4 PARES FILOSÓFICOS
Perelman y Tyteca estabelecem uma taxonomia dos argumentos que os
classifica segundo duas linhas: a) ligações argumentativas tornam
respectivamente solidários elementos que poderiam ser considerados
independentes; e b) ruptura de ligações consiste em afirmar que são
indevidamente associados elementos que deveriam ficar separados e
independentes.
Embora a diferença estabelecida por esses autores entre ruptura e
dissociação seja vista neste trabalho de maneira menos profunda, a
dissociação será utilizada porque se encontra ligada à solução de
incompatibilidade e se trata de normas, de fatos ou de verdades. Evidencia-se,
assim, a necessidade de aprofundar as noções sobre pares filosóficos, embora
não se utilize, no trabalho, a taxonomia perelmaniana na sua íntegra.
Segundo Perelman (1999: p. 130), uma ligação inicialmente aceita
(presumida ou desejada) não existe porque nada permite constatar ou justificar
a influência que certos fenômenos examinados têm sobre aqueles que estão
em causa e porque é irrelevante levar em conta esses fenômenos examinados.
102
A experiência real ou mental, a modificação de uma situação e o exame isolado
de variáveis, às vezes serve para provar a falta de ligação existente e a
produção de inconvenientes.
A técnica de ruptura de ligação consiste em afirmar que elementos que
deveriam ficar separados e independentes são indevidamente associados. A
dissociação pressupõe a unidade primitiva dos elementos confundidos no
centro de uma mesma concepção. A dissociação das noções determina um
remanejamento mais ou menos profundo dos dados conceituais que servem de
fundamento para a argumentação.
Dependendo das ligações entre os elementos serem naturais ou
artificiais, essenciais ou acidentais, é possível um indivíduo classificar
determinada contingência como dissociação enquanto outro a classifica de
ruptura, o que se apresenta, portanto, como marca de subjetividade na
argumentação e suas técnicas.
As dissociações de noções consistem em um remanejamento mais
profundo, nascido da necessidade de se remover uma incompatibilidade, seja
ela proveniente de fatos, acontecimentos, normas ou verdades.
3.4.1 REAL E PREFERÍVEL
A dissociação, na prática, sacrifica um dos valores ou os dois, mas
teoricamente, ao restaurar a concepção do real, impede o reaparecimento da
mesma incompatibilidade. Trata-se de dar ao que é importante seu lugar no
pensamento, constituindo a coerência. Tal assunto é particularmente bem
ilustrado na área jurídica em que, antes de Perelman, alguns juristas já haviam
notado o Direito como campo predileto da técnica de solução de
incompatibilidades. O progresso do direito consiste na elaboração de técnicas
(sempre imperfeita a conciliação do irreconciliável,
a mescla das antíteses, a síntese das oposições, eis os grandes problemas do
direito , 1999: p. 469).
A resolução de incompatibilidades atravessa todos os níveis da atividade
jurídica: do legislador ao teórico, dos advogados/promotores ao juiz. Quando
eles se veem diante de uma antinomia, não se decidem por uma lei em
103
detrimento de outra, mas delimitam um campo de atuação e justificam seu
modo de agir, mediante interpretações que restabelecem a coerência jurídica.
Em resumo, considerando que as leis são gerais, sua aplicação fica na
dependência da interpretação subjetiva dos elementos constitutivos desse
grupo social.
Isso faz crer que não haveria, em princípio, acerto ou erro, e que os
pares antitéticos seriam, na verdade, pontos de vista, visões diferentes de um
mesmo evento.
A exemplo dos juristas, que buscam elaborar um sistema para resolução
de conflitos, as empresas não constatam contradições ou incompatibilidades,
mas buscam resolvê-las. Evidentemente a solução de conflitos muitas vezes cria
precedente e permite interpretações diversas dependendo da circunstância,
estabelecendo diferenças de pontos de vista, o que pode causar injustiças.
Justiça, aliás, é outra questão a ser considerada no âmbito empresarial. Como
nem sempre se vê solução para esse impasse a justiça teria de ser inerente
ao ser humano, tarefa quase impossível, consideradas as diferenças individuais
apela-se, então à Retórica e Discursividade para solucionar tais questões.
Uma mesma incompatibilidade ocasiona, às vezes, na sua resolução,
vários arranjos de conceitos, ou seja, os conceitos são adaptados,
reconstruídos lexicalmente para atender essas necessidades, ou seja, cria-se
uma nova situação ou se a modifica para resolver um problema determinado.
Seria possível afirmar, portanto, que as noções de Justiça e Verdade não
existiriam e dependem da filosofia ou política da empresa. Aliás, a verdade é,
das aparências, aquela que mais tem pontos comuns e fundamenta-se nos
elementos mais coerentes. Evidentemente é necessário que exista ao menos
um padrão de justiça e verdade a ser praticado e que seja do conhecimento de
todos na empresa.
De qualquer forma, a argumentação visa à adesão do espírito às teses
sempre em confronto. É evidente que será melhor aceita se construída em
bases mais sólidas, ou seja, se o discurso da empresa contiver um lastro real,
embora resulte do que se disse, o reconhecimento da variação e variedade dos
104
auditórios bem como das suas crenças e convicções, do seu estado de
espírito.
Em todo o caso, há pelo menos um aspecto necessariamente presente
em todo tipo de argumentação qualquer que seja a sua relação à ação. O
discurso argumentativo é sempre constituído por uma palavra performativa, no
sentido em que essa palavra cumpre uma ação persuasiva que procura o efeito
de "mover a mente" do outro, "co-movê-la" ao ponto de criar certa "posição à
ação" (AUSTIN, 1990: p. 25).
Considere-se ainda que a renúncia à violência reside na base de
qualquer processo argumentativo assentado necessariamente na
discursividade como modo da racionalidade. Isso significa que seu ponto de
partida, sua condição de possibilidade precisa ser um acordo sobre certo
número de coisas. Esse acordo prévio entre o orador e o auditório exprime-se
nas premissas da argumentação. Sem premissas acordadas, explicita ou
implicitamente, não há argumentação possível, nem sequer comunicação.
Assim, como a argumentação é um discurso que se insere em uma troca
interlocutória recíproca ao nível da sociabilidade, terá de pressupor, conforme
Perelman (1999: 74), ao menos duas categorias de acordos: o que seja real
(fatos, verdades e presunções) e o que seja preferível (valores, hierarquias e
lugares do preferível). Isto é, como premissa da argumentação existe
um acordo sobre o que define e delimita o que é o
real. Segundo o autor,
[...] na argumentação, tudo o que se presume versar sobre o real se caracteriza por uma pretensão de validade para o auditório universal. Em contrapartida, o que versa sobre o preferível, o que nos determina as escolhas e não é conforme uma realidade preexistente, será ligado a um ponto de vista determinado que só podemos identificar com o de um auditório particular, por mais amplo que seja. (PERELMAN, 1999: p. 74, grifo nosso).
Assim, existe o real e o preferível.
É preciso esclarecer que
argumentativamente, seu significado ontológico, mas o que o auditório entende
105
ou acredita ser real, É claro esse motivo não faz com que o real deixe de sê-lo.
Em outras palavras, o acordo (premissa da argumentação) sobre o real é um
consenso em torno do que se entende serem fatos, verdades e presunções.
Com relação ao preferível, Perelman refere-se aos valores, hierarquias e
lugares do preferível (1999, p. 74). Em síntese, o autor distingue o real, ligado
ao auditório universal, do preferível, cujo acordo só seria válido para um
auditório particular.
O discurso da empresa engloba fatos, verdades e presunções. Engloba
ainda valores, hierarquias e lugares.
Os fatos estão ligados àquilo que ela veicula produzidos, portanto e
que é acreditado por um auditório universal sustentado por um instrumento de
verificação. Os fatos são, na empresa, aqueles admitidos como tal, ou seja,
resultam de um acordo por parte do auditório empresarial: seja interno ou
externo.
Fatos e verdades sucedem a partir de acordo do auditório universal, com
a diferença que os fatos referem-se a acontecimentos limitados, enquanto a
verdade se refere a enunciações (teorias, construções mentais). Uma verdade,
que o é porque sobre ela o auditório está previamente de acordo, pode
enunciar-se acerca de um fato que também obtenha o consenso do auditório.
Para um auditório religioso como a Igreja Católica, por exemplo
universal a divindade de Cristo é uma verdade que enuncia como fato a sua
ressurreição. O acordo sobre esta matéria é mesmo a condição prévia para
pertencer ao auditório universal representado por esta igreja.
Como se afirmou, o(s) auditório(s) não aceita(m) apenas fatos ou
verdades. Há também as presunções. Por exemplo, houve tempos em que o
auditório da imprensa escrita estava de acordo para dizer "se vem no jornal é
presumível que tenha acontecido". Presumível significa, aqui, verossímil e essa
verossimilhança assenta, neste caso, na credibilidade.
Conforme citado, o discurso organizacional, porque precisa de
credibilidade por parte dos consumidores, vale-se do real e do presumível e
nele se misturam fatos, verdades e presunções, valores, hierarquias e lugares.
Se uma empresa deixa de transmitir o valor honestidade, por exemplo, a
106
inverossimilhança pode se instalar. Com um discurso enfraquecido, ela perde
confiabilidade porque seu auditório pode construir, com base em presunções,
ausência de um valor essencial a essa confiabilidade. Como se observa, o
discurso fortalece ou enfraquece a empresa.
É crível, presumível aquilo que é normal. Perelman
presunções estão vinculadas, em cada caso particular, ao normal e ao
verossímil p. 80, grifo nosso). Presume-se ser normalidade o que mais
probabilidade tem de acontecer. Que uma tempestade acabará é uma
presunção universalmente partilhada precisamente porque o natural, o
esperado, é que isso venha a acontecer. O real, que permite viver, está cheio
de presunções dessa natureza. Em suma, a presunção da normalidade é
constitutiva do real no espírito do auditório e como tal, a par dos fatos e das
verdades, será um bom ponto de partida para a argumentação. Tanto as
verdades como os fatos ou as presunções que constituem o acordo sobre o
real, não são percebidas como opiniões, a que se chamava doxa. O enunciado
da verdade como da factualidade ou da presunção, anuncia-se como um dizer
do real.
Os valores, por outro lado, mesmo quando sobre eles existe o acordo do
auditório que deles faz premissa de argumentação, dizem não o real, mas uma
"atitude perante o real" (Perelman, 1999: p. 101).
Uma consequência da utilização dos valores é o estabelecimento de
hierarquias determinadas por esses valores. A maior valorização de
determinados parâmetros estabelece uma hierarquia que coloca alguns
indivíduos acima de outros. Do mesmo modo que, mais abstratamente, uma
maior valorização, por exemplo, da rentabilidade sobre a justiça social coloca
no topo da hierarquia os valores da competitividade acima dos valores como o
do bem estar, emprego.
Muitos são os critérios de hierarquização: a anterioridade, por exemplo.
Quando um grupo de pessoas se dispõe, por ordem de chegada, em um caixa
de banco, estabelece-se uma hierarquia que valoriza a anterioridade. No caso
de atropelo à regra será sempre esse o argumento invocado. Outro exemplo de
hierarquização: o que está na origem valorizado relativamente àquilo que se
107
lhe segue. Em um partido político, o fundador ou fundadores tenderão a invocar
esse argumento hierárquico para justificar sua precedência sobre os que
chegaram depois.
A hierarquização dos valores é, portanto, determinante na
argumentação, não tanto por eles serem ou não aceitos pelo auditório, mas
porque este adere com diferente intensidade e estabelece uma diferenciação
hierárquica entre eles (1999, p.109).
A hierarquização na empresa é fator imprescindível para seu
funcionamento e existem critérios específicos para seu estabelecimento. Aliás,
sem hierarquização, ela não sobreviveria. Embora à hierarquização
correspondam vários níveis de discurso, é preciso haver certa unidade
discursiva na empresa para que dela se tenha uma imagem.
Outro aspecto decisivo para o discurso argumentativo é a questão dos
lugares (topoi). Também aqui alguns equívocos têm sido constantes. A
expressão lugar comum, por exemplo, evoca a ideia pejorativa de banalidade
desinteressante. No entanto a expressão tem originalmente, a partir de
Aristóteles, significado diferente. A expressão "lugar do discurso" designa um
argumento pré-fabricado e que se encontra à disposição do orador. Foram
mesmo construídos elencos mais ou menos exaustivos desses lugares (do
discurso). A ideia do lugar comum servia para distingui-lo do lugar específico
(Aristóteles): o comum era utilizável em qualquer domínio da argumentação e o
específico só aparecia em um campo determinado.
Os lugares, comuns ou específicos, têm uma função predominante nas
premissas de qualquer argumentação e são, por definição, o tipo de argumento
aos quais o orador pode obter o acordo do auditório. Esse acordo já teria sido
estabelecido anteriormente, senão tais argumentos não seriam lugares (topoi).
Perelman distingue, dentre uma multiplicidade, duas grandes categorias
de lugares: os da quantidade e os da qualidade (1999: p. 97 e 100). Os
primeiros afirmam a preferência por algo baseado em uma valorização da
quantidade. A noção de quantidade pode ter várias conotações, principalmente
a temporal em que se valoriza a quantidade de tempo e a durabilidade ou
estabilidade. Como se pode observar, trata-se de lugar de valor inestimável na
108
empresa, uma vez que a quantidade de material ou de mão-de-obra está
diretamente associada à criação da imagem da empresa, sua durabilidade ou
estabilidade. Colocar em evidência a antiguidade da empresa seja em notícia
de jornal, em um site ou em um logotipo Ipyoca, estabelecida desde 1846"
é exemplo da utilização do lugar comum da quantidade que neste caso valoriza
a antiguidade, durabilidade, estabilidade. Esse lugar discursivamente passa a
simbolizar qualidade. Como se observa, os lugares, assim como outras
características em retórica, não apresentam limites definitivos, mas estão
imbricados, muitas vezes.
É claro que tudo depende do tipo de mercadoria. Se porventura se trata
de propor algo que se quer caracterizar pela sua novidade, esse lugar não
seria o mais adequado. Aliás, o lugar comum da quantidade, nesta sua
temporalidade está muitas vezes no centro da argumentação sobre a retórica.
No Górgias, de Platão, a verdade é preferida à opinião precisamente quando
valoriza o lugar da quantidade que trata o estabelecimento da verdade em
contraste com a inconstância da opinião:
[...] só o lugar da quantidade autoriza esta assimilação, essa passagem do normal à norma, parece, para muitos, ser natural. um aspecto quantitativo das coisas, à norma que afirma que esta frequência é favorável e que cumpre conformar-se a ela (PERELMAN, 1999: p. 99).
Enquanto os lugares da quantidade enfatizam os da qualidade, os da
qualidade, paradoxalmente, às vezes servem para contestar os da quantidade,
principalmente quando se referem à valorização da durabilidade, como da
maioria, por exemplo. Uma boa parte da argumentação estética utiliza os
lugares comuns da qualidade ao valorizar, por exemplo, a originalidade. O que
é original é único, distinto. Um exemplo organizacional é a valorização de um
CD ou DVD original em comparação a uma cópia pirata. Por outro lado, o
discurso sobre a moda suscita alguns paradoxos. A moda valoriza
discursivamente, o lugar da qualidade, a originalidade, o diferente, o único. Por
outro lado, suscita a adesão de grande maioria de clientes, que é seu objetivo e
precisamente o que mais contradiz a diferença, a originalidade e a unicidade.
Quando várias pessoas se vestem da mesma maneira, a moda exige sua
109
reinvenção, o novo, o diferente. Assim uma empresa de moda precisa se
superar e argumentar pela qualidade.
Muitos outros lugares poderiam ser comentados (da ordem, do
existente, da essência), mas por não ser o foco deste trabalho, acreditamos
que os comentários sejam suficientes para ilustrar.
Assim, e retomando a questão da incompatibilidade, o compromisso
com a solução dessas incompatibilidades provoca uma nova estruturação do
real, que exige esforço e necessita justificativas difíceis. Uma vez resolvido o
conflito e as noções dissociadas e reestruturadas, a solução apresentada será
considerada inelutável. Até que nova incompatibilidade surja.
3.4.2 VERDADE X FALSIDADE MENTIRA X SEGREDO
Considerado por Perelman como protótipo da dissociação nocional, o
par aparência-realidade (1999: p. 472) nasceu de certas incompatibilidades
entre aparências, uma vez que estas não poderiam todas ser consideradas
expressão da realidade, partindo-se da hipótese de que todos os aspectos da
realidade são compatíveis entre si.
Enquanto as aparências podem opor-se, o real é coerente , ou seja,
seu efeito é dissociar, entre as aparências, as que são enganosas das que
correspondem ao real . Esse ponto torna-se essencial graças à
sua importância argumentativa: se o real é o coerente, o não enganoso é
possível dizer que a aparência seria o ilusório.
O discurso da empresa apresenta-se com forte componente de
realidade: o produto e/ou serviço, porém está ao mesmo tempo intimamente
ligado à aparência, uma vez que seu discurso é estabelecido retoricamente.
Nesse sentido, o discurso organizacional busca sustentar-se em argumentos
com base no real.
É necessário, no entanto, muito cuidado com as generalizações, pois a
determinação da realidade como resultado da aparência não enganosa resulta
de um critério de escolha que pode ser mais subjetivo do que objetivo. As
filosofias pragmáticas, positivistas, fenomenológicas ou existencialistas
110
afirmam que a única realidade é a das aparências. Assim, as aparições que
manifestam o existente não são nem interiores, nem exteriores, mas todas se
equivalem.
Nesse aspecto, no exercício do Direito, por exemplo, área em que se
buscam valores e se pressupõe deva sobressair a Justiça, o discurso não
define o certo e o errado, a aparência e a realidade, o bom e o mau, mas
observa os diferentes pontos de vista de uma mesma ocorrência. Dessa forma,
os julgamentos são possíveis. Um réu é considerado culpado ou inocente após
escolha resultante da avaliação discursiva das argumentações.
As empresas que pretendem sobressair, por sua vez, devem construir
um discurso construído sobre fatos, sem esquecer o que se comentou no
tópico anterior. Seu produto precisa, por exemplo, apresentar qualidade (se
esse for o argumento utilizado discursivamente) para não incorrer no perigo da
mentira16. Como a construção retórica permite a elaboração de textos diversos
o texto não é certo ou errado em si ou que se conduza o interlocutor, o
discurso organizacional poderia veicular que a organização produz com
qualidade e, na prática, disponibilizar um produto menos efetivo. Ocorre, no
entanto, que o consumidor após o uso verificará a diferença entre o veiculado
discursivamente e a realidade associada ao produto adquirido. Dessa forma, e
porque o discurso não corresponde à realidade, a empresa perde espaço.
É preciso lembrar que até o momento estamos considerando o discurso
empresarial de maneira generalizada, uma vez que, conforme se observou no
capítulo I, são várias as suas vertentes e inúmeras as suas ferramentas.
No entanto, sempre existirá uma incerteza, pois se trata de discurso.
Essa incerteza é construída com base na crença de que os indivíduos, em
princípio, buscam o certo, o real, o verdadeiro, o justo. Essa é uma das razões
de se considerar, em alguns momentos, o discurso organizacional como
polêmico, embora seja uma polêmica especial (MEYER, 1998: 37). Configura-
se, aqui, um triplo movimento: "o se reenvia do fato ao sujeito; o aquilo de que
para a atribuição; e a última questão, o em virtude de quê, para a norma que
(idem: 37).
16 Par filosófico verdade x mentira.
111
Embora o princípio da verdade real seja estabelecido no discurso
organizacional, excluindo-se os limites da verdade formal, eventualmente
criados por atos ou omissões das partes, presunções, ficções, transações, tão
comuns nos documentos da empresa, sabe-se que este princípio não se
efetiva totalmente, por exemplo, na divulgação de produtos. É comum omitir
algumas características menos desejáveis, como forma de construção do real
pela linguagem. Por exemplo, existe no mercado um detergente muito efetivo,
mas que prejudica a pele das mãos. A característica negativa não é veiculada,
e a divulgação enfatiza a primeira propriedade, considerada verdadeira
(verdade x falsidade), ou seja, o detergente é muito bom.
O jogo da verdade e da falsidade apoia-se na dicotomia ser x parecer.
Essa dicotomia, aliás, presente em todas as atividades humanas, é mostrada
no quadrado semiótico estabelecido por Greimas (1970: p. 192), cuja primeira
relação é definida pela contradição e a segunda, pela asserção que, efetuada
sobre os termos contraditórios, pode se apresentar como uma implicação e
fazer aparecer os dois termos primitivos, como pressupostos.
Figura 4: Primeira geração dos termos categoriais Fonte: Greimas e Courtés (2008: p. 402)
A partir dessa dicotomia, são obtidas quatro outras categorias:
verdadeiro, falso, segredo e mentira, conforme esquema a seguir:
asserção negação
não-
negação
não-
asserção
112
Figura 5: Segunda geração dos termos categoriais
Fonte: Greimas e Courtés (2008: p. 403)
Esse quadrado permite que qualquer disjunção (ou conjunção), possa
ser distinta em duas espécies: o fazer persuasivo (daquele que fala) e o fazer
interpretativo (daquele que ouve).
É esperado que o discurso empresarial utilize o fazer cognitivo
conjuntivo e que se situe no nível verdadeiro, entre ser e parecer. Nesse
sentido, aliás, vale lembrar texto de Plutarco que cita frase de Caio Júlio César:
a mulher de César deve estar isenta não somente das ações vergonhosas,
(1992, p. 17). É comumente atribuída a
não é suficiente para a mulher de César que
seja honesta; el 17. Pode-se aplicá-la a ao discurso
organizacional e expandi-la: não basta à empresa ser boa e honesta, é preciso
parecer boa e honesta; não basta parecer boa, é preciso ser boa.
Em outras palavras, os discursos devem ser semelhantes e veicular,
para reforçar seu valor de verdade, as mesmas ideias, valores, crenças e
parâmetros, desde os colaboradores mais humildes até os que ocupam o mais
alto grau hierárquico da empresa.
17 Por exemplo, o site de Comunicação e Marketing www.umacentral.com.br reproduz esta frase. Acesso em 18/07/2010.
ser parecer
não-ser não-parecer
verdadeiro
segredo
falso
mentira
113
O texto organizacional muitas vezes precisa se valer de um discurso que
veicule o ser/não-parecer, pois há assuntos confidenciais que evidentemente
não podem ser divulgados, definido na figura como segredo.
Outra questão a ser considerada é que enquanto discursos jurídicos,
literários, políticos, científicos têm sempre um eu que os profere, o empresarial
não possui um eu enunciativo (FIORIN, 1996: p. 60). Embora não possa ser
considerada efetivamente como pessoa da enunciação porque não enuncia em
primeira pessoa, paradoxalmente o anonimato também é impossível: a
instância da enunciação tem, necessariamente que ser figurativizada no texto
como figura do mundo.
É importante distinguir essa condição da anterior, pois podem parecer
antagônicas: a enunciação não pode ser projetada no enunciado como um eu
porque a empresa não o é e também não pode permanecer desconhecida. Em
outras palavras, embora a enunciação não se faça enunciar, o ator da
enunciação (GREIMAS e COURTÉS, 2008: p. 45) precisa ser claramente
identificado no texto e deve ser/parecer verdadeiro. Aliás Bakhtin já tratava
dessa polifonia.
Ator, aqui, não está relacionado a personagem embora se assemelhe,
mas ao nível figurativo de geração de sentido. Dessa forma uma organização
pode ser ator, pois exerce um fazer discursivo.
Para ser considerado ator, um lexema deve ser portador de ao menos um papel actancial e de ao menos um papel temático. Acrescentemos que o ator não é somente o lugar de investimento desses papéis, mas também o de suas transformações, uma vez que o discurso consiste essencialmente em um jogo de aquisições e perdas sucessivas de valores (GREIMAS; COURTÉS, 1993: p. 7-8).
O ator pode ser individual (Pedro) ou coletivo (a multidão), figurativo (antropomorfo ou zoomorfo) ou não-figurativo (o destino). A individualidade de um ator marca-se frequentemente pela atribuição de um nome próprio, sem que tal coisa constitua, em si mesma, a condição sine qua non de sua existência [...] (GREIMAS e COURTÉS, 2008: p. 44-45 grifo nosso).
É por meio da identificação do ator da enunciação de um discurso
organizacional, que precisa ser claramente identificado (por nome, logotipo,
CNPJ) que esse discurso passa a existir. Uma vez estabelecido, há certas
114
características necessárias à sua produção de sentido. Uma delas é que utilize
realizações linguísticas constantes e
repetidas, de caráter sócio- FIORIN, 1995: p. 82). Em outras palavras,
é o conjunto de usos reconhecido como correto gramaticalmente e detentor de
prestígio social.
Tal exigência está ligada à natureza das organizações. As empresas
precisam apresentar-se como impessoais, mas, ao mesmo tempo, demonstrar
que seguem as normas do grupo social. Impessoalidade e respeito à norma
servem, assim, para fortalecer sua imagem (ethos).
Discursos institucionais com erros gramaticais ou de ortografia são
falhas formais que refletem na formação da imagem empresarial e por isso
precisam respeitar os requisitos formais, identificar o ator da enunciação e
utilizar a norma culta. Mas é preciso retomar a necessidade de possuir um
caráter veridictório. O discurso empresarial deve parecer verdadeiro.
Um balanço social, por exemplo, que apresente marcas de veridicção
como auditoria, indicação de responsáveis, recibos de doações, tem maior
chance de ser aceito. É preciso lembrar que a aparência de verdade não
garante que as informações sejam verdadeiras, não garante a honestidade da
empresa. Por outro lado, os discursos do parecer e não-ser (mentira) e do
não-parecer e não ser , se praticados podem comprometer-lhe a
imagem e a credibilidade.
É possível estabelecer um contraponto com o discurso jurídico
estabelecido durante um julgamento, que é exemplo justamente do fazer
cognitivo disjuntivo, no instante em que se distinguem duas pessoas, duas
crenças diferentes e/ou opostas a partir das quais se tece um discurso que dá
origem a uma sentença: culpa ou inocência de um réu. Esse discurso pode
valer-se das vertentes parecer/não-ser e não-parecer/não-ser, principalmente
quando se trata da voz do réu, que não tem compromisso com a verdade ou do
advogado, cuja função é defender um indivíduo, mesmo que existam provas de
determinado crime.
Questões sobre verdade, mentira, falsidade, segredo, certo, errado,
justo e injusto serão retomadas no capítulo V.
A título de ilustração, a tabela 3 evidencia algumas características dos
discursos: jurídico praticado em um júri, político de plataforma e organizacional
115
genérico. A elaboração do quadro leva em conta apenas alguns pares
antitéticos.
Tabela 4: Características dos discursos: jurídico, político e organizacional Jurídico Político Organizacional
Verdadeiro/falso
Diz buscar a verdade Diz ser verdadeiro Diz ser embasado em fatos
Veicula dados de acordo com fatos, verdades (promotor) convicções e crenças (advogado)
Seleciona os dados em função do público do momento
Apresenta os fatos do modo mais favorável possível à organização
Justo/injusto
Diz buscar a justiça Diz buscar a justiça Procura ser coerente com a justiça
O papel dos advogados é inocentar os clientes, independentemente da culpa
Procura atender interesses próprios e/ou dos eleitores
Procura atender interesses próprios e/ou dos clientes
Certo/errado
Diz estar certo Diz buscar o certo Diz buscar o certo
Utiliza argumentos para convencer e/ou persuadir de que está certo
Diz o que é conveniente Precisa buscar o certo
Objetivo/subjetivo
Busca a objetividade ao apresentar provas e fatos, mas apresenta alto grau de subjetividade
Essencialmente subjetivo Proclama objetividade, mas usa de subjetividade
Auditório Dirige-se a um auditório situável no espaço e no tempo: júri
Dirige-se a um auditório situável no espaço e no tempo: eleitorado
Dirige-se a auditórios diversos e com interesses distintos: clientes, fornecedores, governo, associações de classe, sindicatos e outros
Intenção discursiva
Persuadir/convencer (emoção e razão)
Persuadir (emoção) Convencer (razão)
(elaborada pela autora)
Embora a subjetividade seja própria do discurso, o tratamento e a
intenção de objetividade variam. Conforme o quadro, o discurso político é
subjetivo; o jurídico praticado em sessões de júri tem aspectos objetivos
quando apresenta a materialidade dos fatos/crimes e o organizacional procura
ser objetivo para construir, reforçar e maximizar a imagem de credibilidade.
3.4.3 OBJETIVIDADE X SUBJETIVIDADE
O par objetividade/subjetividade tem particular importância no discurso
organizacional. Há diferenças às vezes sutis com relação aos aspectos
objetivos e subjetivos nos diversos discursos. O jurídico, por exemplo, vale-se
de provas objetivas para comprovar a materialidade de um crime e de
116
subjetividade para convencer/persuadir o júri da culpa ou inocência do réu; o
político, interessado subjetivamente em uma estrutura de poder, evidencia
alguma objetividade por meio da ação, mas suas bases são subjetivas.
O discurso organizacional, ao contrário dos anteriores, pretende a
objetividade porque precisa de ações que o fortaleçam, mas deixa
transparecer, como qualquer outro ato linguístico, subjetividade em maior ou
menor grau e conforme a necessidade.
É possível encontrar aspectos objetivos desse discurso em boa parte
dos documentos pertencentes à área administrativa. Assim, cartas,
memorandos, e-mails, relatórios, veiculam fatos, e a subjetividade ali presente
deve ser minimizada para evitar interpretações que deem margem a diferentes
interpretações.
Embora conforme já verificado, não se possa dizer que o discurso
organizacional seja objetivo porque a subjetividade é inerente ao discurso, o
grau de objetividade necessário assim entendida precisa estar presente
também nas ferramentas da área jornalística. É esperado, por exemplo, que
um press release forneça informações concretas sobre eventos da empresa,
sob pena de prejuízo na divulgação e na construção da imagem. Conforme
modelo dos grandes jornais, é esperado que a revista ou jornal da organização
veicule notícias e fatos que possam ser comprovados, da mesma forma que
websites, blogs, twitters, newsletter, boletins. Assim, a credibilidade da
organização é construída por meio de seu discurso.
Tal objetividade deve modular os textos que mostrem a aquisição e
transferência de novas tecnologias, relações com clientes, fornecedores e
governos, aperfeiçoamentos nas interações com colaboradores, lançamento de
produtos, eventos, contratações, realizações de colaboradores.
A área de Relações Públicas, notadamente marcada por textos sobre
responsabilidade social (balanço social), contatos com públicos prioritários,
eventos e notas oficiais sobre acidentes também precisa dessa mesma
objetividade discursiva, embora não consiga livrar-se de alguma subjetividade,
como se pretende demonstrar no próximo capítulo.
CAPÍTULO IV
SUBJETIVIDADE , PAPÉIS SOCIAIS E ETHOS
s três teorias comentadas neste capítulo não estão separadas, porém
imbricadas no discurso. Entende-se que o estudo da subjetividade é
necessário porque o ethos é construído subjetivamente e porque,
apesar de o discurso organizacional muitas vezes parecer objetivo por ser
tratado pragmaticamente, é essencialmente subjetivo. A Teoria dos Papéis
Sociais evidenciará o foco social que perpassa esse discurso e reforçará que o
papel social da empresa, embora diferente de ethos, funciona como seu
componente. O aprofundamento de questões sobre o ethos é necessário
porque é o foco teórico. Assim, o capítulo mostra o imbricamento desses três
movimentos teóricos.
Conforme comentado no capítulo III, apesar de o discurso
organizacional com foco nas notas oficiais de acidente buscar objetividade, não
se pode negar a presença de subjetividade, uma vez que ela está presente em
todos os níveis do fazer humano. Assim, espera-se responder de que forma os
estudos da subjetividade contribuem para a elaboração da imagem da empresa
em notas de acidentes.
4.1 MANIFESTAÇÃO DA SUBJETIVIDADE
Considerando que a linguagem é mais que troca de palavras, ela
assume uma função instrumental ou veicular. É na linguagem e pela
linguagem que o homem se constitui como sujeito (BENVENISTE, 1966: 259-
260). Assim, essa realidade do sujeito, que é a do indivíduo, estabelece uma
subjetividade, ou seja, é a capacidade de o locutor propor-se como sujeito,
conforme já especificado
.
A
118
A subjetividade em Benveniste tem a ver com a condição subjetiva
inerente ao discurso, pois provém de um sujeito e não se refere à subjetividade
estudada na Psicologia. É a capacidade de o sujeito se colocar como locutor,
enunciador que enuncia.
Esse dialogismo estabelecido inicialmente por Benveniste é a condição
possível se experimentada por contraste. É condição única: não haja antinomia
entre eu e tu indivíduo e sociedade, mas a condição dialética engloba os dois
termos (eu/tu) e os define pela relação mútua fundamento linguístico da
subjetividade. A linguagem é, então, marcada pela expressão da subjetividade:
1) os pronomes pessoais existem em todas as línguas é inconcebível uma
língua sem eles. Podem até ser omitidos, mas existem através de
perífrases, de linguagem mais polida. Dos pronomes pessoais dependem
outros tipos de pronomes (demonstrativos, advérbios, adjetivos dêixis),
que são organizados no tempo (ontem, hoje, amanhã) e espaço (aqui, ali,
acolá). São sempre em relação ao discurso e em relação ao eu enunciador.
2) não há
(todas as mesas). O eu não designa qualquer entidade lexical. O eu é algo
singular, único ato de discurso individual no qual é pronunciado e lhe
designa locutor.
3) é na instância do discurso que o eu se anuncia como sujeito. A
subjetividade está, então, no exercício da língua. Só através do que o
sujeito diz de si é que sabemos sua identidade. Assim, o sujeito é o ponto
de referência de tudo.
Assim, e tendo em mente que subjetividade tor
em se posicionar como é natural que o homem se constitua como
sujeito na e pela linguagem. O indivíduo apropria-se de certas formas
disponibilizadas pela língua: o estabelecimento do eu enunciativo, que toma a
palavra e do tu a quem, por contraste, dirige seu discurso. Ou seja, não existiria
subjetividade sem essa intersubjetividade eu/tu.
119
No entanto, é preciso lembrar que, conforme mencionado no capítulo III,
embora a organização não seja propriamente um eu enunciativo, seu discurso
estabelece um ator que enuncia e que, portanto estabelece uma relação de
intersubjetividade porque tais relações baseiam-se na linguagem.
Com relação à constituição do ethos, é importante enfatizar seu caráter
subjetivo. O ethos é construído no e pelo discurso. O retor não diz claramente
como (ele) é, quais suas qualidades, seus defeitos; não descreve seu caráter,
sua imagem, mas deixa transparecer tais características por meio dos
discursos verbal e não verbal. Dessa forma, o ethos é uma construção
intersubjetiva que depende das relações eu/tu e, em decorrência,
eminentemente subjetivo.
Para tratar da subjetividade no discurso organizacional, foram
escolhidas quatro notas oficiais de acidentes ocorridos com empresas e
veiculadas na imprensa nacional.
É com base no caráter veridictório desse discurso que o ethos da
empresa se firma, pois, conforme já se comentou, se a imagem criada não
parecer real ou não se comprovar retoricamente, há uma perda de credibilidade
potencialmente irreversível que anula todo o trabalho de construção dessa
imagem.
Tome-se como exemplo, uma empresa que divulga um fogão com
acendimento automático que falha três em cada quatro vezes; ou uma fábrica
de tintas que anuncia seu produto como de primeira linha e que apresente
baixíssima cobertura; ou um telefone que não receba chamadas. Estas são
apenas algumas entre uma infinidade de possibilidades. Qualquer delas servirá
para, senão destruir o ethos da empresa, ao menos reformulá-lo e arranhar a
confiabilidade.
É de se esperar que o viés jornalístico no que concerne à objetividade
se aproxime, então, do discurso organizacional, ou seja, que haja, ao menos,
intenção de objetividade. Clareza, concisão, veracidade e consistência são
características inerentes a esse discurso, afinal a ausência de contradições é
necessária para a construção de imagem sólida.
120
No entanto, e levando em conta que a subjetividade é inerente aos
discursos, ela também está presente no discurso organizacional. Apresenta-se
a seguir, um texto típico desse discurso: a declaração de princípios do
jornalista Ivy Lee18 a partir da qual foi criada a profissão Relações Públicas nos
Estados Unidos e que, no Brasil, é considerada também como origem da
Comunicação Organizacional.
Declaração de Princípios Ivy Lee
Isto não é um gabinete de imprensa secreto. Todo o nosso trabalho é feito às claras. O nosso objetivo é fornecer notícias. Não somos uma agência de publicidade; se pensarem que certas informações deveriam pertencer exclusivamente à vossa seção comercial, não as usem.
O nosso trabalho é exato. Pormenores adicionais sobre qualquer assunto tratado serão prontamente fornecidos, e qualquer editor será apoiado, com o maior empenho, na verificação de qualquer afirmação factual.
Aos inquéritos serão fornecidas informações completas para qualquer editor referindo aqueles em cujo nome o artigo é enviado. Em suma, o nosso plano é fornecer franca e abertamente em nome das preocupações dos negócios e das instituições públicas, informação rápida e exata à imprensa e ao público dos Estados Unidos, relativa a assuntos que sejam de valor e interesse para o público conhecer.
As empresas e as instituições públicas fornecem para fora muita informação na qual o valor-notícia se perdeu de vista. No entanto, é tão certo como importante para o público ter as notícias como é para as firmas fornecer as notícias de forma exata.
O texto do jornalista Ivy Lee apresenta, em linhas gerais, um discurso
organizacional com pretensão de objetividade. Com foco na exatidão, busca a
comunicação do fato, a clareza, a transparência, a completude de informação e
a verdade. Ao menos essa é a intenção declarada.
Observe-se, por exemplo, as assertivas: é, serão fornecidos, será
apoiado, informações, verificação, é importante, notícias, tão certo.
18 Ivy Lee é considerado mundialmente como o pai da Comunicação Organizacional. Criou um dos primeiros escritórios de Relações Públicas nos EUA, em 1906. As ações tomadas por seu escritório referentes a qualquer cliente baseavam-se na sua Declaração de Princípios.
121
Há indícios de que o discurso seja verdadeiro, ele assim parece: o texto
está assinado pelo jornalista Ivy Lee, que garante sua veridicção. Não há um
tivo, que toma a palavra e
empresa trabalho objetivo,
plano, somos.
instala-se a subjetividade. O
fato de o eu discursivo do texto do jornalista Ivy Lee afirmar que não se trata de
, não garante que haja, de fato, uma abertura.
No nível discursivo a afirmação é possível, mas a prática pode ser diferente.
de valor e
viço prestado por essa empresa
foram assim determinados por quem? Quem é o sujeito que as enuncia? Quem
assim os elegeu? Existe, portanto, um ator ou sujeito da enunciação que
determina, enuncia e elege tais informações como verdadeiras.
O último parágrafo da declaração demonstra grau ainda maior de
subjetividade.
As empresas e as instituições públicas fornecem para fora muita informação na qual o valor-notícia se perdeu de vista. No entanto, é tão certo como importante para o público ter as notícias como é para as firmas fornecer as notícias de forma exata.
pode-se entender, por exemplo, que é a totalidade delas. Porém é esperado
que o leitor intua que não se trata de todas. Há implícitos importantes nesse
período: a declaração conta com o conhecimento prévio do leitor. Embora o
leitor deva imaginar que o autor esteja se referindo a algumas (notícias), não
há indícios textuais. Essa é, portanto, uma informação bastante subjetiva.
A comparação colocada exige esforço do leitor. Como não fica claro o
motivo pelo qual seja importante e certo que o público precise de notícias da
122
empresa, o enunciatário precisará recorrer novamente ao seu conhecimento
prévio.
Um paradoxo se faz presente: é interessante notar que o texto, que se
propõe objetivo, torna-se mais subjetivo quanto mais objetivo tenta ser. Isso
porque o autor, no esforço de fazer evidenciar tal objetividade, passa muito
mais a sua crença do que a práxis. Em outras palavras, ele quer fazer-crer que
o gabinete de imprensa que dirige é produtor de verdades. Esse fazer-crer
discursivo é essencialmente subjetivo. Um olhar mais atento é capaz de
perceber no esforço retórico mais a intenção do autor do que propriamente um
texto objetivo.
Para tratar da subjetividade no discurso organizacional, buscou-se
Kerbrat-Orecchioni. Conforme a autora (1993: p. 93), o estudo da subjetividade
é uma contribuição para pesquisas voltadas às várias formas de comunicação:
conceitos e valores variam, assim, de cultura para cultura, de indivíduo para
indivíduo e a percepção de mundo, experiências e mesmo objetivos pessoais
influem na enunciação, particularmente na axiologia. O discurso não pode ser
entendido como simples produção de linguagem apresenta complexidade
derivada principalmente de seu aspecto subjetivo, que permeia a construção de
frases e a escolha das palavras.
Embora não se possa afirmar que determinadas classes gramaticais
sejam produtoras de subjetividade, a autora mostra por quais mecanismos
algumas delas podem produzir diversidade de sentido. Denomina-as de
subjetivemas. O estudo desses subjetivemas servirá, neste trabalho, para
reforçar o caráter subjetivo do discurso organizacional e, como consequência,
auxiliar na elaboração do ethos da organização.
Kerbrat-Orecchioni, em continuidade ao trabalho de Benveniste,
inventariou e descreveu os lugares da subjetividade além de elencar seus
marcadores com distinção entre termos afetivos, avaliativos, axiológicos, não
axiológicos e modalizadores.
Segundo a autora, toda unidade léxica é, em certo sentido, subjetiva,
pois as palavras da língua são símbolos que substituem e interpretam as
coisas. O mundo não é isomórfico, ou seja, não houve uma atividade específica
123
para dar nome aos objetos. Assim, as produções discursivas recortam à sua
maneira o universo referencial, impõem uma forma particular à substância do
conteúdo e organizam o mundo por abstração.
As palavras da língua possuem diversos graus de conotação (pedra, boi,
alma), mesmo depois de culturalizadas. Quando o sujeito escolhe verbalizar
uma enunciação, seleciona certas unidades do vocabulário e sintaxe que
fazem parte do código. Assim, segundo Orecchioni existem dois códigos: 1)
discurso objetivo, que se esforça em apagar qualquer marca do enunciador-
indivíduo e 2) discurso subjetivo, quando o enunciador está explícito ou
implícito (Nossa doce França). Nesse caso, a utilização do dêitico (nossa) e do
adjetivo afetivo axiológico (doce).
Outros pontos observados pela autora são:
1) a localização de unidades subjetivas via intuição comprovada. Existe uma
diferença entre termos objetivos (com contornos relativamente estáveis) e
subjetivos (conjunto fluido, que depende do enunciador). Ex: na série de
solteiro, amarelo, pequeno, bom é possível observar uma
gradação de objetividade em direção à subjetividade. Na nossa cultura,
todos têm mais ou menos a mesma idéia a respeito de solteiro. Todos
sabem o que é amarelo, embora não haja certeza a respeito da percepção
individual. O termo pequeno é mais subjetivo em relação a solteiro e o
vocábulo bom é bem mais subjetivo, pois leva em conta a opinião, que
certamente é subjetiva.
Figura 6: gradação de vocábulos conforme Orecchioni
2) a existência de certas categorias de subjetivemas (1993: p. 91)
representadas pelos traços afetivo, axiológico e modalizador e
OBJETIVO ----------|---------------|---------------|-----------------|------------- SUBJETIVO
solteiro amarelo pequeno bom
124
3) a existência gradual e não dicotômica de um eixo de oposição
objetivo/subjetivo.
É de se supor, assim, que o nível de subjetividade varia de um
enunciado a outro na medida em que as unidades pertinentes a partir desse
ponto de vista possam estar presentes em maior número ou com maior
densidade deste inventário das unidades enunciativas.
Orecchioni estabelece, assim, os subjetivemas, classes gramaticais não
necessariamente subjetivas que, no entanto, apresentam diferentes graus de
subjetividade.
4.1.1 ADJETIVOS
Orecchioni (1993) afirma que tudo é relativo na utilização dos adjetivos e
que se enganam os que dizem que as coisas são grandes ou pequenas, longe
ou próximas, muito próximas ou pouco próximas.
A autora distingue os adjetivos objetivos (1993: p. 110), aqueles que
enunciam uma qualidade independente do enunciador dos adjetivos
subjetivos (1993: p. 111), que implicam uma reação emotiva ou um
julgamento de valor.
Os adjetivos subjetivos, por sua vez, podem ser: afetivos, que
manifestam sentimento experimentado pelo enunciador; avaliativos; exprimem
uma apreciação sobre a qualidade de um ser ou coisa ou um julgamento de
valor sobre determinado ser ou coisa (axiológicos).
Embora para esse trabalho interessem apenas os adjetivos subjetivos,
ou seja, aqueles que deixam transparecer um nível interpretativo da linguagem,
o esquema apresentado na página que segue evidencia a divisão feita por
Kerbrat Orecchioni.
125
(elaborado pela autora)
Figura 6: Classificação dos adjetivos conforme Orecchioni
Adjetivos Subjetivos Afetivos
São aqueles que enunciam uma propriedade do objeto que determinam
e uma reação emocional do sujeito enunciador em face daquele objeto. São
enunciativos na medida em que implicam um engajamento afetivo do
enunciador, lugar de manifestação de sua presença na enunciação.
O estilo impassível ou intelectual se opõe ao estilo afetivo. Trata-se do
pólo objetivo da linguagem. Segundo Orecchioni, o valor afetivo pode ser: a)
inerente ao adjetivo ou, ao contrário, b) solidário a um significante prosódico
tipográfico ; c) sintático particular : grande mulher pobre vítima.
Existem certas afinidades entre os adjetivos afetivos e os avaliativos
axiológicos. Dizer é bonito, por exemplo, nem sempre significa estar
emocionado. Às vezes trata-se de uma constatação neutra.
Adjetivos
objetivos
subjetivos
avaliativos
não axiológicos axiológicos
solteiro
vermelho
masculino
afetivos
prezado
estranho
doloroso
grande
distante
numeroso
bom
desfavorável
elevado
126
Adjetivos Avaliativos
Podem ser axiológicos e não axiológicos
Os adjetivos avaliativos não-axiológicos implicam em uma avaliação
qualitativa e/ou quantitativa sem enunciar juízo de valor ou compromisso com o
enunciador. Para identificá-los, é possível invocar seu caráter gradual.
A utilização do avaliativo se baseia em uma norma dupla: - interna do
objeto ao qual se atribui a qualidade e - específica do enunciador, que o
determina como subjetivo.
O uso do adjetivo avaliativo é relativo à ideia que o emissor faz da
norma de avaliação para determinada categoria do objeto. O adjetivo grande,
por exemplo, é subjetivo porque depende da ideia de tamanho e do
conhecimento de mundo que o sujeito tem.
Para Bally (in Orecchioni, 1993: p. 114), a norma é relativa ao sujeito da
enunciação: o baixo o é conforme a idéia que se faz; para Lyons (op. cit., p.
114), a relatividade da norma refere-se ao próprio objeto. a casa é grande,
implica em uma comparação com outras casas, pressupõe uma relação.
Assim, existem duas normas subjetivas: uma que se refere ao
conhecimento de mundo do sujeito da enunciação e outra que se refere à
comparação entre a avaliação no próprio ser.
Os adjetivos avaliativos axiológicos implicam em uma norma dupla, que
se refere:1) à classe do objeto a que se atribui a propriedade: modalidades de
belo, por exemplo, variam conforme a natureza do objeto: em a moça é bonita
há várias categorias ou gradações de beleza e 2) ao sujeito da enunciação e
relativa aos seus sistemas de valores (estética, ética). O funcionamento dos
axiológicos, sob esse ponto de vista é análogo ao de outros avaliativos.
É preciso conhecer a referência da beleza da moça ou, por exemplo, de
uma árvore (folhas? tamanho? grandeza?).
A diferença entre adjetivos não axiológicos e axiológicos é que os
segundos aplicam ao objeto denotado pelo substantivo e determinam um juízo
de valor, positivo ou negativo. São, assim, duplamente subjetivos uma vez que
127
variam segundo a natureza do sujeito da enunciação e refletem sua
competência ideológica. Manifestam uma tomada de posição a favor ou contra,
em relação ao objeto denotado.
Em geral, os adjetivos avaliativos apresentam orientação argumentativa,
se acompanhados dos lexema
variáveis) na medida que refletem algumas particularidades da competência
cultural e ideológica do enunciador; refletem a subjetividade de um enunciador
Existe assimetria entre os adjetivos negativos e positivos: os negativos
(marcados) conservam mais constantemente seu valor polar; os positivos (não
marcados) podem, em alguns casos, não expressar ideia de superioridade em
relação à média: os axiológicos útil/inútil representam, de maneira geral, uma
categoria: útil liga-se à escala da utilidade e inútil remete somente ao pólo
negativo da categoria.
Existem graus na atualização dos valores semânticos: alguns se
impõem com evidência e constância, outros orientam a interpretação para
determinados sentidos sem que o falante possa ser acusado de mentiroso nem
o receptor de contradições quando interpretam o enunciado de forma diferente.
4.1.2 SUBSTANTIVOS
A maior parte dos substantivos afetivos e avaliativos é derivada de
verbos ou de adjetivos. Existem, no entanto, palavras que são intrinsecamente
substantivos, que podem ser pejorativas ou laudatórias (ver exemplos no
diagrama adiante). Esses substantivos são chamados axiológicos, pois emitem
um juízo de valor sobre o que ou quem é denotado. A distinção entre as
conotações axiológicas e estilísticas deve ser cuidadosa.
128
(elaborado pela autora)
Figura 7: Classificação dos substantivos conforme Orecchioni
Os substantivos são objetivos quando designam uma entidade sem que
haja qualquer juízo de valor ou sentimento. Por exemplo, quando se fala a
palavra mesa, descontextualizada, não há, em princípio, qualquer tipo de
apreciação, embora cada indivíduo possa formar mentalmente uma imagem
peculiar, conforme seu conhecimento enciclopédico (quadrada, redonda,
grande, pequena). É evidente que essa mesma palavra em mesa redonda é
utilizada metaforicamente. Mesmo quando se diz a palavra providências, que
pode significar que alguém está exercendo uma ação em oposição a ficar
inerte, não se está dizendo se as providências são boas ou más, gostáveis ou
detestáveis, possíveis ou impossíveis.
Por outro lado, quando se diz que uma pessoa é um fenômeno, esse
indivíduo está recebendo a qualificação de tipo incomum, portador de
qualidades na maioria das vezes positivas. O termo expressa admiração e
pode ser enquadrado como afetivo. Embora hoje o termo fenômeno associado
Substantivos
objetivos
subjetivos
avaliativos
não axiológicos
axiológicos
oficina
barragem
providências
afetivos
calamidade
acidente
fenômeno
impacto
trejeito
cacoete
gentalha
elite
ápice
129
a indivíduo tenha uma conotação positiva, é possível que tenha, por oposição,
um significado negativo, dependendo naturalmente do que se possa entender.
Essa conotação afetiva ainda não é axiológica, pois não apresenta um
oposto claro, o que acontece, tem o reforço
A categorização é, como se pode observar, similar à dos adjetivos.
4.1.3 VERBOS
A categorização dos verbos segundo Kerbrat-Orecchioni apresenta
diferenças importantes em relação aos adjetivos e substantivos.
Para a autora, a
podem
pode significar que ele compôs uma carta para alguém, mas pode significar
também que multou um automóvel, em uma acepção muito usada no Rio de
Janeiro.
Conforme mencionado, os verbos são de análise mais complexa quanto
à subjetividade o valor avaliativo está mais ligado ao contexto em oposição
aos adjetivos e substantivos. Sejam por exemplo, duas afirmações:
a) Manuela anseia por uma viagem.
b) Pedro aparenta calma.
Os dois verbos apresentam características avaliativas, mas diferem no
teor e complexidade da avaliação.
A primeira afirmação implica que Manuela considera a viagem boa para
si, enquanto a segunda possui duas afirmações: a que Pedro tenta passar e a
do real estado de Pedro. Existe também uma diferença na fonte do juízo
avaliativo: na primeira, trata-se de agente, na segunda, é o narrador.
130
Existe ainda, segundo Kerbrat-Orecchioni, outra axiologia presente, por
or,
mas a referência é feita não a algo ocorrido durante algum processo, mas ao
próprio processo.
A autora propõe três critérios de avaliação do verbo subjetivo:
a) autoria do juízo: locutor ou agente.
b) objeto de avaliação: o agente ou o processo, que leva consigo o agente.
c) natureza do juízo avaliativo: bom e mau, verdadeiro e falso, certo e incerto.
(1993: p. 133),
Estabelecidos esses critérios, Kerbrat-Orecchioni propõe a classificação
dos verbos enquanto subjetivemas.
(elaborado pela autora)
Figura 8: Classificação dos verbos conforme Orecchioni
Verbos
objetivos
subjetivos (intrinsecamente ou ocasionalmente) ocorrer
viver
andar
de sentimento
perceptivos
enxergar
verificar
escutar
declarativos
opinativos
avaliar
evidenciar
ponderar
informar
cumprir
declarar
vazar
tratar-se
prezar
rejeitar
apreciar
131
a) verbos objetivos: de um modo geral não comportam subjetividade, ainda
que a subjetividade muitas vezes neles se insinue. Por exemplo, o verbo
b) verbos ocasionalmente subjetivos: essa categoria compreende verbos que
implicam em uma avaliação:
1. do objeto do processo. Por exemplo, verduras ajudam a digestão.
2. por parte do ag Maria teme que João
deseja
julgamento subjetivo que Maria faz da chegada de João.
3. em termos de bom e mau, verdadeiro e falso. Por exemplo, os maus
políticos falseiam a realidade.
c) verbos intrinsecamente subjetivos: implicam em uma avaliação cuja fonte é
Nesse caso, as avaliações são sempre do tipo bom:mau, ou seja, os verbos
intrinsecamente subjetivos são também intrinsecamente axiológicos.
Outra classificação é mostrada no esquema. Os verbos subjetivos
podem ser:
a) de sentimento, afetivos ou axiológicos: expressam uma disposição favorável
ou desfavorável do agente do processo e, correlativamente, uma avaliação
positiva ou negativa desse objeto.
Um exemplo está em
b) perceptivos: apelam
c) as
1993: p. 137), e ao
mesmo tempo indicam o grau de certeza com que aquele terceiro adere a
sua opinião. Orecchioni propõe um esquema que situa o grau de certeza.
132
Figura 9: Grau de certeza segundo Orecchioni
d) declarativos: podem ser de dois tipos, conforme mostrado a seguir.
1.
avaliativa é independente do grau de intensidade do comportamento
enunciativo.
2.
um caráter modalizante, ou seja, marcam a relação entre enunciador e
enunciado.
4.1.4 ADVÉRBIOS
Orecchioni (1993: p. 154) classifica os advérbios subjetivos em termos
de suas funções modalizadoras. Afirma ser obrigada a isso devido à
complexidade da tarefa de gerar uma taxonomia dos advérbios subjetivos.
A autora
significativos que indicam o grau de adesão (forte ou mitigada)/ incerteza/
repúdio ao enunciado por par (1993: p. 154). Isso
vale para características entonacionais ou tipográficas (como o itálico), para os
é certo, provável, duvidoso, indiscutível),
para os verbos considerados avaliativos, para os advérbios, muito ligados aos
Assim, Orecchioni propõe uma classificação simples, da qual é derivado
o esquema a seguir.
133
(elaborado pela autora)
Figura 10: Classificação dos advérbios conforme Orecchioni
4.2 PAPÉIS SOCIAIS
Entende-se por interacionismo simbólico o estudo do problema abstrato
das relações entre a pessoa, a sociedade e a própria interação. Sua proposta
teórica básica é a de que o self intermedeia a relação entre a sociedade e uma
boa parte do comportamento social. Nesse sentido, a melhor compreensão de
self é o que há de indivíduo social no indivíduo o eu social. Essa interação é
simbólica porque se traduz na e pela linguagem. res
humanos agem em relação às coisas com base nos significados que eles
(BLUMMER, apud Bazzili, 1998: 24 a 28)
A discussão se o interacionismo simbólico é ciência formal, escola ou
teoria não altera sua contribuição aos estudos pragmáticos do processo verbal.
Uma vez que, segundo Bazzili et all (1998: 28), a seleção vocabular depende
da situação de modalização, da intenção do locutor e de como ele modaliza
essa intenção na interação social, é possível perceber em quais parâmetros o
interacionismo simbólico exerce sua contribuição no discurso organizacional.
Advérbios (e pronomes indefinidos)
objetivos
subjetivos (intrinsecamente ou ocasionalmente)
restritivos (de verdade e de realidade)
declarativos
todo
popularmente
rigorosamente
nenhum
exclusivamente
apenas
assim
quando
134
Segundo os autores, a conexão entre o interacionismo simbólico,
entendido como instrumento de compreensão das psicologias sociais e da
interação homem homens, e a comunicação, compreendida como forma de
estabelecer trocas verbais significativas e de sentidos, conduz o indivíduo, em
última instância, à interação social.
Por exemplo, quando uma empresa elabora uma nota sobre acidente
com intenção de criar uma imagem positiva (criação de símbolo para
interação), uma comunicação é colocada na mídia e o auditório responde de
maneira positiva ou negativa. Cria-se assim, a interação social.
Por certo, os responsáveis pela atividade comunicativa organizacional
têm em mente que o processo da comunicação é entendido em sua
complexidade e envolve procedimentos por meio dos quais as mentes afetam
umas às outras. Isso não inclui apenas linguagem escrita e oral, mas também
toda a complexidade do comportamento humano, mostrado nas atividades
diárias das organizações de maneira geral. Embora possa não se ter
consciência, a empresa é também um espaço de manipulação de argumentos
com a finalidade de definir posições.
No plano teórico, sabe-se que a comunicação não é um processo
simples. Embora já tenha sido reformulado, o processo foi elaborado pela
primeira vez por Jakobson (Capítulo 1). O que se vê no discurso organizacional
é a necessidade de privilegiar os fenômenos da língua em uso, suas
divergências, polaridades, irregularidades e suas frequências.
A língua em uso e suas especificidades colocou os linguistas diante do
enorme desafio de buscar conciliar a totalidade comunicativa porque, além de
englobar diferentes vertentes 1) a nominalização do mundo pelo homem, 2)
as regras necessárias de uma língua para que o homem expresse suas
verdades; 3) a forma com que o homem utiliza as regras para bem falar em
público há, de outra parte, todo um envolvimento psico-antropológico-social,
bem como estratégias, que precisam ser consideradas.
Conciliar essas três vertentes, que já se têm mostrado de grande
dificuldade, é insuficiente. Por isso, hoje se observa o aspecto pragmático da
comunicação, ou seja, o ambiente em que ela ocorre e suas diversas
135
implicações, assim como as interações por ela provocadas ou dela
decorrentes. No ambiente organizacional vários são os discursos que se
entrecruzam: o do público interno (colaboradores, chefias imediatas, diretorias)
e o do público externo (mídia, clientes, fornecedores e governo), e vários são
os gêneros por meio dos quais eles se manifestam. Há, assim, um conjunto
circunstancial representado por um complexo pragmático.
Por outro lado, e à parte desses estudos essencialmente linguísticos, a
Psicologia Social, a partir de enfoques derivados da Sociologia, Psicanálise,
Teorias Cognitivistas, Behaviorismo (na sua origem apenas), Antropologia e
Sociologia Política, têm enfrentado questionamentos semelhantes.
Nesse contexto surge o Interacionismo Simbólico como forma de
contribuir para a conceituação de Psicologia Social ou do social, tendo como
explicitar o que na sociedade causa impacto em aspectos
particulares do indivíduo o que na pessoa faz diferença para
aspectos particulares da sociedade BAZILLI, 1998: 18).
Considerando-se a necessidade de uma teoria que reconheça os dois
caminhos; quanto o comportamento individual, a interação social e a pessoa
social são impulsionadas pela estrutura social; a forma como as pessoas
constroem seus comportamentos individual e coletivamente, a ponto de alterar
as estruturas em que atuam, é possível estabelecer pontos de contato com a
comunicação verbal, uma vez que é esse um meio pelo qual todo o processo
social se desenvolve. Nesse aspecto o interacionismo simbólico contribui para
o esclarecimento do discurso organizacional, uma vez que parte dele se efetiva
por meio da comunicação verbal.
Ainda segundo Bazilli et all (1998: 31 e 32) o desenvolvimento do
interacionismo simbólico se faz em duas linhas básicas, resumidas nos
pensamentos: 1) de Blumer (1969), da Escola de Chicago, que enfatiza
processos e não estruturas, introspecção e não atitudes, indeterminação e
emergência e não determinação e 2) de Kuhn (1964), da Escola de Iowa, que
considera que a estrutura social é criada, mantida e modificada por interação
simbólica, mas, uma vez criada, passa a ser uma estrutura que exerce coação
sobre a interação.
136
Segundo Blumer (apud Bazilli, 1998: 31), a sociedade não é uma
estrutura ou organização, mas se forma a partir das ações das pessoas que
tomam lugar em situações, e é construída por pessoas que interpretam
situações, identificam e avaliam coisas que têm de ser levadas em
consideração e agem com base nessa avaliação. Trata-se de uma postura
pragmática, em que as pessoas são construídas e reconstruídas por processos
definitórios e interpretativos. A partir desses processos os indivíduos constroem
e reconstroem seus papéis nas organizações.
As empresas, por meio do discurso de seus dirigentes, assumem um
lugar social e, a partir dele, se posicionam. Hoje, cada vez mais as instituições
buscam enquadrar-se como empresa-cidadã. A instituição tem voz, embora
conforme mencionado, não seja um sujeito no sentido de Benveniste. É
importante que o discurso organizacional demonstre, por exemplo,
preocupação com o bem estar dos seus clientes internos, também chamados
de colaboradores. É bastante comum que as instituições procurem colaborar
com a melhoria do meio ambiente, que invistam em educação. Tais
investimentos derivam de uma atitude que é reflexo do papel social de que está
revestida.
Ressalte-se ainda a importância dos papéis no processo de defesa de
posições. No plano teórico, a teoria dos papéis, com algumas raízes no
interacionismo simbólico, compartilha, ao mesmo tempo, postulados e fontes
estruturais. Sua linguagem é a da posição e a do papel. Semelhantemente ao
interacionismo simbólico, não é escola ou teoria, mas um movimento com dois
enfoques: um estruturalista (com bases no estruturalismo-funcional e na teoria
sociológica clássica) e outro interacional.
Conforme Bazilli (1998), historicamente a teoria dos papéis de corte
estruturalista, que cresceu após a segunda guerra e enfatiza as análises de
relações organizacionais intra-societais, conta, entre as principais influências,
com idéias de Durkheim (domínio da exterioridade sobre o indivíduo) e Weber
(estrutura burocrática da sociedade); Simmel (as pessoas entram em
sociedade mediante troca de parte de sua individualidade pela generalidade de
partes a serem representadas na sociedade), Darwin (teoria evolucionista-
137
adaptativa) e Ludwig Berthalanfly (teoria geral de sistemas, proposta pela
Biologia do início do séc. XX).
Enquanto no Interacionismo Simbólico é possível identificar uma figura
central considerada mais importante, na Teoria dos Papéis é muito difícil
identificar um autor com essa natureza. Nesse sentido, quando se observa a
linguagem organizacional, verifica-se a interação entre os indivíduos
participantes daquela empresa. Nesse caso, os papéis estão relacionados às
funções exercidas. Essa interação entre papéis é simbólica porque se utiliza de
palavras que estão carregadas de significados específicos, de acordo com as
pretensões ou necessidades individuais.
Para que se possa refletir um pouco mais sobre os papéis ocupados
pelos indivíduos de uma organização, alguns conceitos subjacentes à Teoria
dos Papéis são considerados relevantes: natureza da sociedade, interação
social, conceito de grupo, normas, conceito de papel.
A natureza da sociedade é uma idéia sistêmica (um sistema)
"estratificada em subestruturas funcionais que se estratificam em subestruturas
funcionais adicionais" (BAZILLI, 1998: 112), ou seja, a sociedade é composta
de instituições que fazem parte de um sistema global que auxiliam ou
controlam as necessidades dos indivíduos em um sistema social específico.
Nesse aspecto, é possível que o cargo funcione como controle social, ou seja,
os indivíduos se conscientizam, por exemplo, de que erros são punidos.
A organização é submetida ao processo de socialização: as normas são
transmitidas para que as expectativas sejam mantidas. É o meio pelo qual as
pessoas adquirem conhecimento, disposições e motivações para se tornarem
membros da sociedade e de grupos: junta a ordem pessoal à ordem social. O
conhecimento das normas é essencial em todas as instâncias organizacionais,
seja internamente, no ambiente de trabalho, seja externamente, como seu
representante, pois o colaborador de qualquer nível hierárquico ocupa um
espaço em que, algumas vezes precisará conciliar discursos contrários.
Simultaneamente, essa condição só é possível em função da interação
social, aquela que dinamiza as estruturas e executa os papéis. A interação se
dá quando os "atores" executam suas partes no script de determinada cultura,
138
adaptando-se esse script ao ambiente. Essa interação acontece entre pessoas,
grupos, instituições ou sociedades totais, tendo em vista o funcionamento
independente e interdependente de cada um e de todos. Ao se definirem os
lugares na organização, seus componentes deverão executar seus papéis e a
argumentação perpassa as condições em que o discurso é moldado.
Presidentes, diretores, gerentes, colaboradores estarão atentos às
normas, que são diferentes para cada cultura. Mesmo que se reconheça a
desigualdade social (conceito de posição, papel, status), as normas são parte
do processo de socialização e encarregadas da padronização e/ou
manutenção do social e do cultural. Nas ocorrências empresariais seguem-se
as normas específicas estabelecidas por aquela sociedade, com a finalidade de
se manter certa igualdade nas diferenças.
Como se vê, as normas surgem a partir do Conceito de Grupo, que
separa os indivíduos em grupos, de acordo com o estabelecido. Esse conceito
é básico para a explicação do social, porque é decorrente da interação das
pessoas e ao mesmo tempo estrutura o individual, pois envolve "atores"
cooperativos que buscam um objetivo comum, em uma unidade organizada. Os
grupos definem-se, dessa forma, por elementos que seguem padrões de
comportamento normatizados socialmente.
Na verdade, os grupos são compostos por partes das pessoas, ou seja,
alguns componentes do indivíduo atuam conforme as situações criadas. Vale
aqui, uma reflexão de natureza teórica: enquanto no interacionismo simbólico o
self, com múltiplas faces, pertence aos grupos, na teoria dos papéis, a pessoa
nunca está inteira em determinado grupo, mas apresenta uma ou algumas de
suas faces: aluno, pai, professor, amigo, escritor, leitor, gerente,
empreendedor, colaborador, servidor e assim por diante.
Dessa forma, no grupo social empresarial, o lado trabalhador (no
indivíduo) atua no colaborador durante o tempo em que ele está a serviço da
empresa; a parte líder apresenta-se nos gerentes; a parte mediadora define-se
em cada membro do RH e psicólogos e assim por diante. Precisa ser um grupo
de tal forma estruturado e coeso que, após representados cada um desses
papéis em separado, a empresa apresenta êxito. Assim, embora o produto
139
esperado seja, no caso de empresas, o lucro, o processo comunicacional é sua
base mais sólida.
Ressalte-se, dessa forma, o conceito de papel: padrões de
comportamento atribuídos (e esperados) para certas posições dentro de
determinada estrutura social. No modelo evolucionista, os papéis originam-se
nas normas morais derivadas da cultura, preexistindo a interação dos membros
em estruturas organizadas. Pode-se dizer que são fruto da experiência dos
membros anteriores transmitidos e adaptados aos novos meios.
Embora nas organizações nem sempre objetivo, é preciso que todos
saibam, de alguma forma, o que se espera que, como personagens, devam
desempenhar, as expectativas, os scripts. Normalmente presidentes e diretores
de organizações têm consciência muito nítida dos papéis dos participantes
daquele grupo social. Sabem que, fundados em valores societais, os papéis
tendem a ser compartilhados pela sociedade à qual o indivíduo pertence. Ao
reforçar a ideia de que cada indivíduo exerce papel diferente, destaca a
importância dos scripts, da forma de atuar de cada um naquele contexto.
Assim, cada colaborador atua dentro de padrões predeterminados e dele
esperados.
Ao se destacar a função de cada um na organização, o auditório é
remetido à consciência dos papéis na sociedade. Na prática, uma reação
estudada pela Teoria dos Papéis é provocada e se liga ao processo de
compreensão e integração do indivíduo na sociedade.
É preciso lembrar que a Teoria dos Papéis analisa a forma como eles
causas,
consequências e resolução do conflito de papéis institucionalizados no contexto
de grupos e organizações formais e informais, complexas ou não BAZILLI:
118).
É justamente por esse motivo que a ação retórica nesse tipo de discurso
se faz sentir mais intensamente. Ao recriar na mente de alguém uma cena,
uma experiência, a ação retórica acrescenta algo de novo à experiência do
auditório. Amplia, de algum modo, o conhecimento de uma realidade criada a
partir do discurso. Dessa forma, por força retórica, cria-se no auditório uma
140
experiência que até então não existia. Nesse sentido talvez seja possível que o
indivíduo exista em função e na medida de sua comunicação: interna, consigo
mesmo e externa, por meio de símbolos, com outros. Por ser social, tanto em
um processo quanto no outro, desenvolve representações internas e externas
de mundo.
Se intenção do discurso é passar o verossímil, a opinião e o provável,
institui-se um sentido novo ao que se diz por meio da sugestão de inferências.
É preciso que o papel da organização seja entendido como tal: "a empresa não
está inventando", age sobre as representações sociais em favor de sua causa.
Pretende a interação.
A interação social é o espaço, a unidade que possibilita que o self e a
sociedade, por meio da interação e da simbolização, gerem-se ambos,
mantenham-se ou mudem perma , (BAZILLI, 1998: 36)
se renegociam os sentidos, os conhecimentos, as informações. E isso só é
é um sistema de significado compartilhado e que
implica, ao mesmo tempo, um sistema de comportamento compartilhado op.
cit: p. 37).
Nesse aspecto, é interessante verificar como a relação estabelecida a
partir dos papéis e do self é tecida no discurso organizacional. Enquanto para
essa teoria a concepção de homem tem duas marcas (o individual e o social), o
conceito de self, básico para o interacionismo simbólico, é fundamental na
comunicação, pois é algo mais abrangente que o EU, mais profundo do que o
EGO. É uma forma de pensamento auto-reflexivo. Fenomenológico, porque
não possui localização física ou biológica, está associado ao ver-se a si sob o
ponto de vista dos outros com os quais interage. Dessa maneira, a
comunicação é construída sob vários prismas: do eu, do ego, do outro, do self.
Construído a partir da subjetividade e como integrante fundamental dos
papéis sociais, encontra-se o ethos, conceito a ser mais explorado porque,
conforme pretende comprovar este trabalho, trata-se de elemento constituinte
do discurso da organização como formador de imagem.
141
4.3 ETHOS
Historicamente Isócrates parece ter sido o primeiro filósofo a se
preocupar com o conceito de ethos quando comenta em Elogio a Helena que a
novidade do discurso não é um valor em si e não pode ser dissociada da
harmonia entre os períodos, da sintaxe clara bem articulada aos elementos
acessórios. Para o filósofo, o discurso une elegância, originalidade e clareza;
distingue seu enunciador e a linguagem é o ponto capital que diferencia os
homens dos animais, os cidadãos de estilo mais elevado dos que se contentam
com o falar cotidiano.
Enquanto Platão se utiliza de uma linguagem matemática, lógica,
impessoal e fria (Diálogos), para Isócrates o discurso deve ser belo, agradável
aos ouvidos, harmonioso. Em Platão não há lugar para o ethos, pois a
Verdade, uma vez universal, não dependeria de contexto ou do indivíduo que a
enuncia.
Isócrates dá, então, o primeiro passo na direção do estabelecimento do
ethos discursivo ao afirmar sobre a necessidade de uma linguagem bem
cuidada em oposição a instrumento para alcançar a Verdade. Tal necessidade
soma-se ao ser ético na elaboração do discurso, e à construção do orador
como sujeito distinto em relação a seus pares. Daí, portanto, a preocupação
com a reputação do orador. Amossy e outros estudiosos (2005: p. 16)
consideram Isócrates o primeiro a tratar do ethos na retórica romana, embora
sob perspectiva diferentes da de Aristóteles, o sistematizador da Retórica.
Sob a perspectiva retórica de Isócrates, seguida pela retórica latina,
principalmente por Quintiliano, o elemento central na persuasão do ouvinte é o
ethos do orador, entendido a partir de dois elementos: reputação no meio social
e qualidade do discurso. Bons oradores, portanto, são os que possuem um
ethos que os torna dignos de confiança e cuidam do seu discurso. Nesse
sentido, foi o primeiro a propor um nexo causal entre caráter e discurso.
Aristóteles dedicou especial atenção ao ethos do orador, embora o
conceba de forma distinta. Concorda que o ethos se molda por meio de
qualidades morais do orador, mas não é fruto da imagem pública, exterior ao
discurso. Enquanto em Isócrates tais qualidades morais moldam o discurso, em
142
Aristóteles o discurso constrói o orador. O ethos, assim, é discursivo e decorre
da enunciação.
Aristóteles, no livro II da Retórica, parte do pressuposto de que o
objetivo de toda retórica é obter um julgamento favorável a determinado ponto
de vista. Afirma que não basta zelar pelo discurso, é preciso se apresentar
perante o auditório de forma a despertar uma disposição favorável: isso
envolve o ethos do retor. Para ele o ethos pressupõe o logos e o pathos: o
primeiro ligado especificamente ao orador, sua capacidade de convencer por
meio do conhecimento, sua argumentação, sua lógica; o segundo, ligado ao
auditório, seria a capacidade do orador em despertar a emoção no auditório.
O autor pretendeu uma techné que visa a examinar não apenas o que é
persuasivo para este ou aquele indivíduo, mas para este ou aquele tipo de
indivíduos (1356b: 32-33). A prova pelo ethos consiste em causar boa
impressão por meio da construção dos seus discursos, fornecer uma imagem
de si capaz de convencer o auditório e ganhar sua confiança. O destinatário
confere, assim, certas propriedades à instância colocada como fonte do evento
enunciativo.
Amossy (2005) reafirma que na teoria aristotélica a persuasão tem como
objetivo provar a veracidade do discurso através de três meios: ethos, que diz
respeito à moral do orador, ou seja, é pelo ethos que a fala do orador irá
despertar a credibilidade e adesão do auditório quanto maior a identificação
do orador com as condições morais e sociais da audiência, maior a chance de
persuasão de seu discurso; pathos, que diz respeito aos sentimentos ou
paixões, como alegria, ódio, afeição que alteram a forma de se representar o
mundo com discursos, com vista à adesão ou não, à verdade da tese proposta;
logos, que diz respeito aos componentes lógicos que constituem determinado
raciocínio no discurso e que vão interferir na aceitação por parte da audiência
das verdades ou provas anunciadas ou enunciadas sobre o mundo.
Quando se profere uma fala, um discurso, deliberadamente ou não,
deixa-se transparecer uma imagem. A essa imagem dá-se o nome de ethos,
(pouco importante sua sinceridade) para causar boa impressão: é o seu jeito
143
[...] O orador enuncia uma informação e ao mesmo tempo diz: sou isto, não sou
in Amossy, 2005: p. 10).
Embora o ethos do orador seja, para Aristóteles, preponderante no
discurso, não há como separá-lo do pathos, pois os discursos são dirigidos a
um auditório. Para isso, é preciso predispor o ouvinte a aderir às ideias e a
justificativa dada pelo filósofo da Retórica é clara:
[...] não se veem as coisas com o mesmo olhar quando se ama e quando se é movido pelo ódio, nem quando se está encolerizado e quando se está calmo; mas tudo se mostra de outra forma ou recebe uma importância bastante diferente (ARISTÓTELES, s/d: p. 34).
Assim, ethos e pathos processam uma simbiose discursiva, na medida
em que o segundo é despertado no auditório pelo primeiro.
Na retórica de Cícero, versão simplificada da retórica de Aristóteles para
o grande público segundo Barthes (1975: p. 97-98), o orador romano também
se refere ao ethos (orador), pathos (auditório) e logos (discurso), dos quais o
primeiro seria o elemento mais importante. O caráter mostrado pelo orador é,
asim, essencial para obter persuasão, mas está subordinado ao pathos, uma
vez que sua função é emocionar o auditório. A preocupação de Cícero está em
uma eloquência fundada em dois aspectos: ético, porque relacionado à
conduta do orador e patético, porque busca a adesão pela emoção.
Meyer comenta que a retórica de Cícero
[...] não é, em suma, senão a teatralização de uma paixão sinceramente sentida e cujo espetáculo faz nascer verdadeiros arrebatamentos. Superando as distinções tradicionais entre o natural e o artificial, entre a realidade e a ilusão, o ser e o parecer a eloqüência ciceriana nos introduz em um universo de representação sensível onde as simulações do corpo e do discurso tem a sinceridade por condição e a emoção real por efeito. (MEYER, 1999: p. 68)
Cícero associa uma corporalidade ao ethos. As manifestações físicas:
gestos, tom e intensidade de voz, expressões faciais, funcionam como reforço
144
ao ethos do orador. Essa teatralização desperta o pathos no auditório, que
adere aos valores do orador. Dessa forma, o ethos é mais do que textual,
conforme já preconizava Aristóteles ao acrescentar a entonação, a clareza.
Nesse sentido, é possível que a discursividade descrita pelos semioticistas
franceses retome o conceito conforme verificado em Cícero.
O ethos continua destacado em Quintiliano, porém retoma Isócrates,
pois está ligado aos atributos morais (integridade, coragem), intelectuais
(conhecimento e capacidade de raciocínio) e verbais (eloquência), necessários
ao orador. Volta a ser a arte do bem falar com preocupação moralizadora, ou
seja, é construído pela reputação do orador.
Até o século XVI as ideias de Isócrates foram aceitas e o ethos ora se
baseava na figura do orador (Cícero, Isócrates), ora no extradiscursivo
(Aristóteles).
Segundo Reboul, após a união da escolástica com o humanismo a
retórica ficou reduzida à elocução, ao texto escrito com ênfase nos ornamentos
e figuras de linguagem. Isso a afastou de seu nexo filosófico.
Outra razão que contribuiu para a decadência da retórica foi o
pensamento de Descartes, no século XVII, em seu conhecido Discurso do
Método, fundamentado basicamente na onipotência da razão e no método
científico. Conforme Perelman, a retórica entrou em decadência provocada
pela ascensão da burguesia e pelas guerras.
Essa decadência afastou os olhares sobre ethos, pathos e logos, que
foram retomados primeiramente por Perelman e voltaram a ser estudados.
A prova pelo ethos mobiliza
tudo que, dentro da enunciação discursiva, contribui para emitir uma imagem do orador destinado ao auditório. Tom de voz, elocução da fala, escolha das palavras e argumentos, gestos, mímicas, olhares, postura, vestimenta etc., são vários sinais, elocutórios e oratórios, indumentários e simbólicos, pelos quais o orador fornece uma imagem psicológica e sociológica de si mesmo (DECLERCQ, 1992: 48).
145
Não se trata de representação estática e delimitada, mas de uma forma
dinâmica, construída pelo destinatário por meio do movimento da fala do
locutor. O ethos não age no primeiro plano, porém de maneira lateral, ele
implica uma experiência sensível do discurso, mobiliza a afetividade do
destinatário. Para retomar a fórmula de Gilbert (séc. VXIII), que resume o
triângulo da retórica antiga: instrui-se (ensina-se) com argumentos; move-se
com as paixões, insinua-
logos, as paixões ao pathos, as atitudes ao ethos.
O ethos propriamente retórico, a primeira função, está ligada à própria
enunciação e não a um saber extradiscursivo acima do locutor. Esse é o ponto
-se pelo caráter quando o discurso é de natureza a tornar
o orador digno de confiança (...), mas é necessário que esta confiança seja o
efeito do discurso, não de uma suposição sobre o caráter do orador
(Aristóteles, 1356: aC).
Barthes sublinha que
mostrar ao auditório ade para causar boa
impressão(...). O orador enuncia uma informação e, ao mesmo tempo, ele diz:
p. 212). Assim, a eficácia do ethos está em
sua ligação a algum tipo de enunciação sem estar explícito no enunciado.
Ducro -
- na qualidade de ser no mundo),
que cruza a distinção dos pragmáticos entre mostrar e dizer: o ethos se mostra
no ato da enunciação, ele não se diz no enunciado. Ele reside, por natureza, no
segundo plano da enunciação: deve ser percebido, mas não deve
Não se tratam de afirmações lisonjeiras que o orador possa fazer sobre si no conteúdo de seu discurso, afirmações que arriscam produzir o efeito contrário no auditório, mas da aparência que lhe confere a elocução, a entonação calorosa ou severa, a escolha das palavras, os argumentos. Na minha terminologia, direi que o ethos está ligado ao L, o locutor enquanto tal: é enquanto fonte da enunciação que ele se vê travestido de certos caracteres que, por conseqüência, tornam essa enunciação aceitável ou inaceitável (DUCROT, 1984: p. 201).
146
Assim, o ethos é distinto d esteja
ligado a ele na medida que este locutor esteja na fonte da enunciação. É do
exterior que o ethos caracteriza esse locutor. O destinatário atribui a um locutor
inscrito no mundo extradiscursivo traços que são, em realidade,
intradiscursivos já que associados a uma maneira de dizer, embora não
, pois interferem também na sua elaboração dos
dados externos à fala propriamente dita (mímica, roupa e outros).
Em última instância, a questão do ethos está ligada à da construção da
identidade. Cada tomada de palavra, por sua vez, faz com que sejam levadas
em conta as representações que os parceiros fazem (um do outro) e orienta o
discurso de maneira que se forma certa identidade por meio dele. A estratégia
da fala do locutor orienta o discurso de maneira que se forme certa identidade.
Ao se falar sobre representações, o ethos se aproxima dos papéis
sociais, porém não se limita a eles. O que se teorizou até o momento parece
referir-se a pessoas, ao falante que emite o discurso, porém é possível ampliar
esses conceitos e aplicá-los a grupos de pessoas.
As relações organizacionais são estabelecidas a partir da comunicação
organizacional, que inclui um contexto social formado por seus públicos
(interno e externo) e ocorre no domínio discursivo: trabalha-se no terreno das
estratégias discursivas presentes nos textos que pretendem estimular certo
efeito de sentido. Convencer e persuadir um comprador a adquirir um produto
ou servico, por exemplo, é uma estratégia discursiva.
Ao se observar a organização em sua natureza relacional, é possível
perceber que suas bases estão focadas também nos processos
comunicacionais estabelecidos e mantidos com os mais diversos públicos. Já
não se considera tais processos apenas em seu aspecto informativo, mas
como constituinte do indivíduo. A força discursiva reside em um agenciamento
de sujeitos, assim a visibilidade como elemento estratégico se torna realidade
buscada pelas organizações.
Se a organização for considerada como sujeito da enunciação, como
enunciador, como aquele que diz algo ou mesmo como ator discursivo, é
147
possível aplicar a ela os conceitos de subjetividade comentados no início deste
capítulo, os papéis sociais e a própria constituição do ethos.
4.3.1 DIFICULDADES ASSOCIADAS À NOÇÃO DE ETHOS
Embora se saiba que o ethos está fundamentalmente ligado ao ato da
enunciação, não se pode ignorar que o público constrói também as
representações do ethos do enunciador antes mesmo que ele fale. Assim,
mesmo que alguns autores não comentem diferenças, para efeito desse
trabalho é necessário estabelecer uma distinção entre ethos discursivo e ethos
pré-discursivo, conforme Maingueneau ou ethos imanente/projetivo e ethos
efetivo, conforme Meyer. A tabela 4, a seguir, mostra a equivalência desses
conceitos nos dois autores.
Tabela 5: Equivalências de conceitos sobre ethos em Maingueneau e Meyer
Maingueneau Meyer Equivalência Exemplo
ethos pré-discursivo
ethos imanente e/ou projetivo
imagem prévia o que o auditório imagina a respeito das organizações antes de seus discursos
ethos discursivo
ethos efetivo imagem construída imagem que o auditório constrói das organizações durante e após o discurso
(elaborada pela autora)
Existem discursos ou circunstâncias em que não é necessário que o
auditório esteja preparado para representações prévias do ethos do locutor: um
romance, por exemplo. Porém o discurso se apresenta de forma diferente no
domínio político, em que a maior parte dos locutores constantemente está
associada a um ethos que pode ser confirmado ou invalidado.
De qualquer forma, mesmo que o auditório não conheça previamente
coisa alguma do ethos do locutor, o próprio fato de um texto realçar certa
posição já será capaz de induzir expectativas.
É possível que, em algumas circunstâncias, não seja necessária a
distinção entre pré discursivo e discursivo, pois cada discurso se desenvolve no
tempo (alguém que retoma a palavra já adquiriu certa reputação que a
148
continuação de sua fala pode confirmar ou não). Existe um ethos prévio das
organizações que se efetiva ou é reconstruído discursivamente.
Para ilustrar, Massey (2001: p. 153-182) mostrou, coincidentemente em
um estudo quantitativo de nota sobre acidente aéreo, que o ethos prévio da
organização tem influência na resposta do auditório. O estudo tomou como
base duas notas sobre um desastre. Essas notas foram concebidas a partir de
extenso material sobre acidentes reais. Uma delas era consistente e a outra
fornecia informações desencontradas.
O pesquisador apresentou cada comunicação a quatro grupos de
estudantes universitários (selecionados com rigor acadêmico para garantir que
tivessem o mesmo nível de conhecimento). Para dois dos grupos, as notas
foram apresentadas como produzidas por empresa aérea (fictícia) com 49 anos
de operação, grande número de rotas e considerável frota de aviões; para o
outro grupo, foi informado que a nota havia sido gerada por uma organização
que operava havia quatro anos, com poucas rotas e pequena frota de aviões.
Cada um dos quatro grupos recebeu, assim, uma combinação diferente: nota
consistente e empresa pequena, nota consistente e empresa grande, nota
inconsistente e empresa pequena, nota inconsistente e empresa grande.
Conforme esperado, os resultados privilegiaram a consistência do texto
à experiência e porte da empresa, mas em caso de igualdade de redações, a
empresa de maior porte e mais antiga passou mais credibilidade que a
organização com menos anos de operação e menor frota. Assim, aquela
pesquisa demonstrou que o ethos prévio de uma organização, ainda que não
seja o fator mais importante, pode ter influência decisiva na percepção de
legitimidade pelo auditório.
Um dos focos da comunicação organizacional é justamente a construção
de uma boa imagem: um ethos confiável, sólido, comprometido junto aos seus
públicos. As operações auto-referenciais expressam a maneira que as
organizações encontram para criar a própria imagem. O discurso, subjetivado
pelas auto-referencialidades, marca essa imagem organizacional que é
construída na mente dos públicos pelo estímulo das categorias verbais
utilizadas para descrevê-la: a organização é reconhecida por um rótulo
149
simbólico. Esse rótulo é o ethos pré discursivo ou imanente que é confirmado
ou não em processo discursivo contínuo por meio da comunicação
organizacional.
Outros problemas relativos à elaboração do ethos derivam da interação
de ordens de fatos muitos diversos: os índices sobre os quais se apoiam o
intérprete vão da escolha do registro da língua e das palavras ao planejamento
textual e passam pelo ritmo e fluxo. O ethos se constrói, assim, por meio de
uma percepção complexa que mobiliza a afetividade do intérprete, extrai suas
informações do material linguístico e do meio. Além do mais, se o ethos é um
efeito do discurso, supõe-se possível delimitar o que depende do discurso.
Nesse sentido é possível concordar que o ethos se mostra também em
um texto escrito. Boa parte dos veículos do discurso organizacional (newsletter,
house organ, website, e-mail, relatórios, notas oficiais, correspondências) é
constituída de textos escritos.
Há sempre elementos contingentes no ato de comunicação para os
quais é difícil dizer se fazem ou não parte do discurso, mas que influenciam na
construção do ethos pelo auditório. Embora teórica, trata-se de decisão sobre
tratá-lo como material verbal, sobre dar poder às palavras ou sobre integrar
elementos externos na sua composição (vestime ). O problema é,
sobretudo, mais delicado à medida que o ethos é, por natureza, um
comportamento que articula verbal e não-verbal para provocar no auditório os
efeitos que, em sua totalidade, não se devem somente às palavras.
Nesse sentido, embora gestos, aparência, tom de voz estejam mais
ligados ao indivíduo e não façam parte do imaginário referente à organização,
há elementos não textuais que compõem seu ethos: cores, uniformes, logotipo,
arquitetura externa, disposição interna do ambiente, conforto dos
colaboradores, recepção. Além disso, a noção de ethos remete a coisas muito
diferentes conforme se considere o ponto de vista do locutor ou o do
destinatário: o ethos desejado nem sempre será alcançado. A empresa que
pretende mostrar uma imagem de organização séria pode ser percebida como
falsa; aquela que pretende passar a imagem de aberta pode ser percebida
como demagoga.
150
Existem largas zonas de variação na concepção do ethos. Auchlim
assinala que o ethos pode ser concebido:
como mais ou menos concreto, ou abstrato de acordo com a própria
tradução do termo: caráter, retrato moral, imagem, costumes oratórios,
aspecto, ar, tom. O quadro de referência pode privilegiar a dimensão visual
(retrato) ou musical (tom), a psicologia popular, a moral etc.
como mais ou menos fixo, convencional versus emergente, singular. É
evidente que existem para um determinado grupo social, esses ethé
solidificados que são relativamente estáveis, convencionais. Mas é não
menos evidente que existe também a possibilidade de representar esses
como mais ou menos axiológico
não da prova pelo ethos. Atribui-se à retórica latina o preceito segundo o
qual para ser um bom orador é preciso, antes de tudo, ser um homem de
bem. Essa posição parece oposta à concepção aristotélica.
como mais ou menos proeminente, manifesto, singular e coletivo,
partilhado, implícito e invisível. Alguns autores, como Orecchioni, associam
a noção de ethos aos hábitos locutórios partilhados pelos membros de uma
comunidade
Pode-se, com efeito, supor razoavelmente que as diferenças comportamentais de uma mesma comunidade obedecem a alguma coerência profunda e esperar que sua descrição sistemática permita
maneira de se comportar e de se apresentar, sua interação mais ou menos calorosa ou fria, próxima ou distante, modesta ou imodesta, desinibida ou respeitosa ao território do outro, suscetível ou indiferente à ofensa etc.) (ORECCIONI, 1996: 78).
Esse ethos coletivo constitui para os locutores que o partilham um
quadro invisível e imperceptível como aquele interno. Tais afirmações da
autora reforçam a ideia de que há possibilidade de uma organização coletiva
constituir um ethos a partir de seus discursos.
151
Não é tarefa deste trabalho atribuir uma interpretação ao conjunto de
utilizações do ethos em Aristóteles, mesmo se ligado somente à retórica. O que
interessa é saber a que título essa categoria interessa a um determinado setor
das ciências humanas contemporâneas, mais especificamente à comunicação
organizacional, na ocorrência do estudo do discurso.
Os conceitos atuais não são os mesmos da retórica antiga e a fala não
está mais restrita pelos mesmos dispositivos; a retórica, que era disciplina
única, explodiu em diversas disciplinas teóricas e práticas, com interesses
distintos e captam o ethos de formas diversas. Não é possível, entretanto,
estabilizar definitivamente a noção de um núcleo gerador de uma multiplicidade
de desenvolvimentos possíveis. Há os exemplos dos esforços de M. Dascal
para integrar o ethos de uma retórica cognitiva fundada em uma pragmática
filosófica (DASCAL, 1999: 57) às perspectivas dos estudos culturais, em que o
ethos está associado às questões de diferença sexual e étnica (BAULIM, J. et
T, 1994). Os corpora representam, dessa forma, um papel essencial nesta
diversificação: aplicado a um texto filosófico do século XIX, o ethos pode não
apresentar as mesmas características que aparecerão em uma interação
conversacional.
Ao se tomar como referência a retórica de Aristóteles, pode-se
concordar sobre qualquer ideia sem prejuízo da maneira pela qual poderão ser
explorados aqueles corpora. Nesse sentido o ethos:
- é uma noção discursiva (ele se constrói através do discurso, não é uma
imagem do locutor exterior à fala);
- está profundamente ligado a um processo interativo de influência do outro;
- é uma noção híbrida (sócio discursiva), um comportamento julgado
socialmente, que não pode ser apreendido fora de uma situação de
comunicação precisa, integrada ela mesma em uma conjuntura sócio-
histórica determinada.
É com esse espírito que Maingueneau apresenta sua concepção de
ethos que se inscreve no quadro da análise do discurso: mesmo com
problemática diferente, não está fundamentalmente distante das linhas da
concepção aristotélica.
152
não deve levar a esquecer que o discurso é inseparável daquilo que poderíamos designar muito gro sta era, aliás, uma dimensão bem conhecida da retórica antiga que entendia por ethé as propriedades que os oradores se conferiam implicitamente, através de sua maneira de dizer: não o que diziam a propósito deles mesmos, mas o que revelavam pelo próprio modo de se expressarem. (MAINGUENEAU, 1997: p. 45)
Nesse aspecto, Aristóteles distinguia phrônesis (ter o aspecto de pessoa
ponderada), arete (assumir atitude de um homem de fala franca, que diz a
verdade crua) e eunóia (oferecer uma imagem agradável de si mesmo). O
ethos é construído por meio de tais distinções.
Da mesma maneira como em Aristóteles, o ethos em Maingueneau é
construído: o orador não diz o que é ou como é, não descreve suas
características, mas deixa entrever, discursivamente, uma imagem de si.
Assim, a noção de ethos para Maingueneau está integrada à de discursividade,
ou seja: implica um
modo de habitar o espaço social. (1997: p. 48).
Maingueneau supõe que a noção de ethos permite, de fato, refletir sobre
o processo mais geral da adesão dos sujeitos a certo posicionamento. Essa
adesão fica mais evidente quando se trata de discursos publicitários,
filosóficos, políticos. Por outro lado, e de forma diferente, os discursos
relevantes mais funcionais como formulários administrativos, relatórios,
manuais de instrução, procuram ganhar um público que não pode ignorá-los
porque fazem parte de uma instância mais próxima do real. Não há escolha
possível: aos colaboradores de uma organização não é colocada a escolha
entre ignorar ou não seus comunicados. Aqueles que optam por não
compartilhar dessa interação acabam alienados dos processos e desmotivados
de atingir os objetivos da empresa.
O discurso organizacional contemporâneo mantém uma ligação direta
com o ethos; busca efetivar o convencimento associando os produtos que
promete a uma maneira de habitar o mundo. Da mesma forma que o discurso
153
jornalístico, é por meio de sua enunciação que ele se efetiva. A partir de
estereótipos determinados, encarna o que ele determina.
Mas não se pode considerar o ethos da mesma maneira em qualquer
texto. A incorporação não é um processo uniforme, ela se modula em função
dos gêneros e dos tipos de discurso. Já se comentou que o discurso
organizacional é particularmente complexo por compreender diferentes
gêneros (BAKHTIN, 2006: p. 262).
Em qualquer caso, o conteúdo é indissociável do ethos de um corpo
enunciativo e o ethos, por sua vez, só tem existência intertextual. Em outras
palavras, o conteúdo do discurso da empresa não tem existência separada da
sua imagem. É veículo dela. Dessa forma, a imagem perpassa o discurso e o
discurso constrói a imagem. Isso está presente, por exemplo, nas notícias da
empresa publicadas em seu website, em circulares enviadas aos
colaboradores, em participações sobre campanhas de interesse público. A lista
é muito extensa.
É preciso considerar ainda que existe uma separação entre o ethos
desejado e o efetivo. Ou seja, o enunciador tem em mente determinado
assunto que precisa elaborar, imagina o auditório e cria seu texto em função
desse auditório. Tal fato não significa que (o auditório) vá compreender
efetivamente e receber o assunto conforme desejado pelo enunciador, pois tal
recepção depende da leitura que se faz e também do conhecimento de mundo
daquele que recebe.
Quando se trabalha sobre textos pensando em gêneros determinados,
há um apagamento do enunciador, que não impede caracterizar a fonte
enunciativa em termos de ethos validado. Nos casos de textos científicos ou
jurídicos, por exemplo, a validação, além do indivíduo que produziu
materialmente o texto, é uma entidade coletiva (sábios, homens da lei...). Essa
entidade coletiva representa entidades abstratas (a Ciência, a Lei) das quais é
esperado que cada um de seus membros assuma o poder assim que tomem a
palavra.
Uma vez que dentro de uma sociedade toda voz é socialmente avaliada
(discurso científico ou jurídico) nesse caso, tal voz é inseparável de mundos
154
bem caracterizados (cientistas de roupa branca em laboratórios, juízes
austeros em um tribunal.). Quando se fala em empresa, no entanto, é mais
difícil associá-la a um ethos determinado, justamente porque seu discurso é
formado por grande diversidade de textos, mesmo se tais textos forem
considerados como parte de um universo organizacional. Existe, de fato, uma
confluência de situações que levam à construção de uma imagem mais ou
menos definida da organização, imagem essa que pode ser melhorada ou
piorada, em grande parte discursivamente por meio dos veículos da
comunicação organizacional.
4.3.2 A PROBLEMATOLOGIA DO ETHOS
Antes de explicar a concepção de ethos conforme Meyer, é preciso
comentar sobre o entendimento do autor sobre logos, pois conforme suas
próprias palavras, ele chega à argumentação como concepção
problematológica a partir do que considera seja logos. O autor trata a questão
do logos sob quatro aspectos.
Primeiro o vê como linguagem da razão, mas não aquela razão científica
para ele (a razão) é o que se apreende em toda a sua extensão: não a um ou
outro aspecto particular, não só o aspecto cientificista das coisas (MEYER,
2009: 183). A questão da linguagem, para além de toda individualização, deve
poder fornecer resposta, pois é a linguagem que está em questão. Meyer
interroga a linguagem e chega a alguns pontos que não se pode afirmar sejam
conclusões: as próprias questões sobre a linguagem são atos de linguagem
(realidade linguageira de base) e essas colocam o questionador no logos, ou
seja, logos = questão. Assim, a partir da questão do logos, é possível
constatar-se que a linguagem permite interrogar (MEYER, 2009: 187). Essa
afirmação vai além de interrogar: já é responder. Existem aí, então, três
instâncias: afirmação, interrogação e resposta. Dessa forma, a linguagem serve
para interrogar, responder e afirmar. Complementa, dizendo que o logos
abarca tanto o implícito (linguagem de problemas em que se misturam
inconsciente e história) quanto o explícito.
155
Em segundo lugar, Meyer apr
MEYER, 2009, 190) e retoma as questões
de implícito e explícito. Afirma que o explícito é realmente uma resposta.
Retoma a diferença entre a ciência pura, para a qual só interessa o observável,
portanto aquilo que prescinde de explicações, e o falar, mais especificamente a
-se
190). Ele opõe
apocrítico e problematológico ao afirmar que uma resposta, por ser resposta, é
apocrítica e problematológica.
Em terceiro lugar, o autor, a partir da interrogação que suscita o discurso
e do discurso que sobre a interrogação é originado, estabelece o percurso da
dialética e da retórica como implicação da figura do outro. Reacende a
discussão sobre o dualismo do apocrítico e do problematológico nas respostas:
apocrícito quando a resposta satisfaz, ou melhor, encerra-se; e
problematológico quando suscita novas perguntas e não se encerra. Em outras
palavras, se é preciso pergunta e resposta, é possível, em linhas gerais,
afirmar que toda a retórica repousa sobre a figura do outro e aí é possível
pensar no conceito de auditório.
questionador explícito: leitor também, sem dúvida, mas só muito raramente
pode interr MEYER, 2009: p. 202). A figura do
auditório suscita a questão do sentido e, ao mesmo tempo, estabelece o
sentido como questão. Em outras palavras, a compreensão ou processo
hermenêutico depende dos sentidos que, em última instância, são implícitos.
Em síntese, Meyer traça o percurso argumentativo do logos a partir do
estabelecimento da razão, que vai além de simples cientificismo; passa pelos
conceitos de implícito e explícito; considera a existência do outro na figura do
auditório; e leva em conta os efeitos de sentido. O logos assim estudado, não
está apenas ligado ao demonstrável: certamente é bem mais complexo.
156
(elaborado pela autora)
Figura 12 Concepção de logos conforme Meyer
Conforme visto, Meyer parte da interrogação do logos sob uma tripla
articulação: hermenêutico-semântica, retórico-argumentativa e dialético-
dialógica (MEYER, 2009: p. 203) e conclui que, nesse sentido, há uma
distância do modelo clássico, que estudava a semântica, a sintaxe, a
pragmática. Em outras palavras, embora nele embasado, está afastado desse
modelo reducionista dos fenômenos da linguagem e da argumentação sobre o
qual operaram linguistas importantes como Chomsky, Ducrot e Frege. Este
último, por exemplo, parte da proposição, da frase isolada e já se sabe que a
frase não existe sem um contexto de enunciação que a situa. Os discursos,
nesse sentido, não são um punhado de frases. Ducrot, por sua vez, embora
consciente dos efeitos do contexto sobre o sentido, mantém uma oposição
entre a frase e o enunciado:
Disse há pouco que a tese aqui defendida diz respeito às frases e não aos enunciados. Isso dá simultaneamente uma facilidade e impõe uma obrigação ao lingüista. Primeiro a obrigação. A descrição deve-se poder aplicar a todo o enunciado das frases interrogativas de que falo, sem que se possa esperar que as excepções confirmem a regra. Que a frase contenha a instrução de procurar, para os seus
157
enunciados, um determinado tipo de utilização argumentativa, isto não implica, de facto, que todos os seus enunciados sejam efectivamente utilizados desse modo. (DUCROT, apud Meyer, 2009: p. 204).
Meyer associa o caráter contextual da significação e sua variabilidade ao
valor argumentativo, pois é a própria argumentatividade que distingue as frases
dos enunciados. Mas Ducrot, ao estudar o caráter proposicionalista da
linguagem, ou seja, aquele em que a cada frase equivale um conjunto de
instruções dadas às pessoas que têm que interpretar os enunciados (da frase),
ou seja, instruções que explicam as manobras para associar um sentido a
esses enunciados (DUCROT, apud Meyer, 2009: p. 204), acaba por fornecer
exemplos que ilustram a natureza da linguagem, ou seja, sua concepção
problematológica.
Para Meyer, Falar é levantar uma questão [...] é evocar uma, mesmo
2009: p. 205), assim, tudo que é
dito pode ser contradito:
[...] negação e interrogação mantém um certo tipo de pressuposto, enquanto que outras implicações não resistem a esse duplo texto. Os subentendidos e também aquilo que é posto num enunciado, para retomar a terminologia de Ducrot (MEYER, 2009: p 208).
enunciatário), pergunta e resposta adquirem uma inferência dialética altamente
argumentativa. A argumentatividade está, então, no cerne da problematologia
da linguagem. A retórica, dessa forma, é vista como a integração de implícitos,
subentendidos e pressupostos, uma vez que a linguagem é a representação
factual e, por isso mesmo, perpassada pelo crivo pessoal. O logos, conforme
visto, não é espelho da realidade, porém representação dela, assim, parte da
argumentação.
Então, se há argumentatividade na dialogia (aspecto dialógico) e tal
argumentatividade existe porque carregada de implícitos, subentendidos e
pressupostos, ou seja, impregnada de problematologia, é possível entender a
158
importância da significação, ou seja, dos significados e sentidos que são
conferidos aos enunciados.
Entendida a concepção de logos, é possível verificar a concepção de
ethos segundo Meyer, que apresenta complexidade a ser estudada por dois
motivos: primeiro, porque auxilia na compreensão dos discursos
organizacionais e segundo, pela própria complexidade que, entendida, abre
caminhos.
(elaborado pela autora)
Figura 13: Concepção de ethos conforme Meyer
Meyer afirma que o ethos é uma excelência que não tem objeto próprio,
mas se liga à pessoa, à imagem que o orador passa de si mesmo. Trata-se
daquilo que o torna exemplar aos olhos do auditório, que então se dispõe a
ouvi-lo e a segui-lo (MEYER, 2007: p. 34-35).
159
Quando o autor afirma que o ethos é o orador como princípio (e
também como argumento) de autoridade aprofunda o conceito em relação a
outros estudiosos da retórica, que o associam ao caráter e à imagem do orador
em relação ao auditório.
Se orador é esse princípio, seu saber, moral, código de ética,
conhecimento e humanismo estão ligados ao seu ethos. Porém o que se
percebe na teoria de Meyer é que não basta essa identificação com o orador
porque a dimensão do uso da palavra está estruturada de maneira ainda mais
complexa, conforme observado anteriormente no esquema proposto por
Orecchioni, mostrado na figura 3, item 1.1.1.
Assim, o ethos adquire uma dimensão não limitada ao enunciador que
se dirige a um auditório, nem mesmo a um autor, mas leva em conta o
processo discursivo. Nas palavras de Meyer, é um domínio, um nível, uma
estrutura e se traduz em ethos é o ponto final do ques MEYER,
2007: p. 25).
Meyer distingue, então, duas categorias: ethos imanente ou projetivo
aquele que o auditório imagina e ethos efetivo aquele que se constitui de
fato (Tabela 4). Entre projetivo e efetivo, o discurso é elaborado e se consolida.
Cabe ao orador, mais do que modificar seu discurso e adequá-lo ao que o
auditório espera, responder todas as questões suscitadas, ou seja, o ethos
segundo o autor é a capacidade do orador colocar fim a uma interrogação
potencialmente infinita. Para isso, ele precisa conhecer as respostas às
questões do discurso. Não das questões que o auditório venha efetivamente a
fazer, mas daquelas que o orador supõe que possam ser levantadas ou que
possam ser pensadas.
Para Meyer, aliás, tudo em retórica deriva de ou acaba em
questionamento. O próprio pensar é questionar. Assim, ele situa os grandes
gêneros retóricos de acordo com o nível de problematicidade.
160
Tabela 6: Problematicidade e gêneros em Meyer
Problematicidade Gêneros Resolução logos pathos ethos
fraca questão resolvida Epidítico verossímil, agradável adesão
grande questão incerta, com com critérios (direito)
Judiciário justo juízo
máxima questão duvidosa, sem critério de resolução
Deliberativo útil decisão
(elaborado pela autora)
Os três gêneros apresentam componentes de ethos, de pathos e de
logos:
O auditório julga se é belo (epidíctico), justo (judiciário) ou útil (deliberative). Temos aí o pathos, quer dizer, as reações da alma, das paixões, que são ativadas. O orador, ou ethos, intervém igualmente nesses três gêneros de modo distinto, pois defende, ornamenta ou delibera. Quanto ao logos, nos três casos ele repousa sobre o possível: o que teria sido possível, o que é, e o que será. (MEYER, 2007: p. 29).
Quando se tem uma questão e nenhuma forma de decisão, a
problematicidade é alta, ou seja, trata-se do gênero deliberativo ou político.
Nesse caso, o pathos é bastante presente. Se há meios de resolução, mas a
problematicidade permanece, tem-se o gênero jurídico. Por fim, se o problema
está em fazer-parecer que não há problema, trata-se do gênero epidítico.
No caso do discurso organizacional, convivem os três gêneros: há um
discurso deliberativo que apresenta alta problematicidade quando, por
exemplo, os gestores precisam comunicar decisões que afetam aos
colaboradores; há um discurso jurídico, quando precisam defender posições
interna ou externamente; e há o gênero epidítico, em algumas cartas,
memorandos de elogios. Evidentemente alguns discursos apresentam apenas
um gênero; outros podem conter dois e até mesmo os três gêneros.
O ethos está presente em todas essas instâncias problematológicas do
discurso da organização. Em outras palavras, há questões resolvidas e de
problematicidade fraca nos documentos administrativos (relatórios, atas); há
questões incertas e de grande problematicidade associadas ao gênero
161
judiciário (notas em que a organização precisa se defender de possíveis
injustiças ou ataques); e questões duvidosas, sem critério de resolução,
quando se trata de ações deliberativas associadas a decisões complexas que
envolvem várias instâncias.
Todas essas questões refletem o ethos da empresa, pois há um
auditório interessado: interno, constituído pelos colaboradores e externo,
constituído pelos acionistas, clientes, governo, fornecedores, consumidores,
público em geral.
Por fim, não se pode desprezar o que Meyer diz a respeito dos sentidos
literal e ficcional do texto. Enquanto o literal é definido pelo que o autor chama
de verdade ou proximidade com o referencial cotidiano, a retórica é figurativa e
derivada. A abertura a múltiplas leituras nela presentes decorre do afastamento
do literal e referencial
Ao se afastar do literal, os textos se valem da figuratividade e da
metáfora para construir seus significados. A diferença entre literal e figurativo
(metáfora)
esta organização é uma fortaleza metáfora obriga
a um movimento de raciocínio: a descoberta das características da fortaleza e
à aplicação delas à empresa.
Buscar o sentido significa que o interlocutor precisa trabalhar
mentalmente, decifrar, contextualizar e só então compreendê-lo. Aí está a
problematologia: a leitura do não dito.
Os graus de problematização referem-se à(s) questão(ões) suscitada(s)
pelos enunciados. O sentido é refeito a partir do locutor-autor, que explicita os
implícitos: o locutor parte da questão em direção à resposta; a interpretação
parte da resposta e retorna à questão e confere se a resposta é mesmo uma
resposta. A dualidade dos discursos é assim uma possibilidade interna à
linguagem, devido justamente à natureza problematológica da discursividade
em geral.
Em virtude da problematicidade discursiva, o sentido da frase e do texto
tem origem em um único processo: a compreensão que leva (ou não) o
162
auditório à diversidade de interpretações. Segundo Meyer, a tradição e autores
como Wittgenstein, Austin e Searle explici
frases baseado nas condições de verdade ou em mecanismos contextuais e
MEYER, 1991: p. 222). Assim, é possível compreender que, no
pressuposto a referência equivale à significação. A significação de um termo na
frase é equivalente ao que tal termo designa.
A literalidade está em compreender a frase por si mesma. Se não há
questão, a frase é totalmente inteligível nesse caso a problematicidade seria
nula, ou seja, as questões estão resolvidas. O autor denomina de raciocínio
apocrítico à problematicidade nula. Aliás, quanto mais interrogações explícitas,
mais problematológica é a questão, e mais implícita a frase se torna. As
respostas, por sua vez, carregam em si a questão que a originou. O sentido
das respostas, portanto, é sua ligação com as questões que as suscitam.
Pode-se dizer, segundo o autor, que o objetivo da resposta é descobrir a
questão. A conclusão que se chega é que não há resposta sem questão, mas
há questão sem resposta.
Meyer comenta ainda que o proposicionalismo se encontra na
impossibilidade de unificar o campo do discurso:
Como não pode pensar o questionamento como tal, ele só percebe seus efeitos parciais, que toma pela totalidade do sentido. É por isso que [...] a significação, quando é literal e frásica, lógica, é associada à referência e, desse modo, às condições de verdade, se é que há verdade. (MEYER, 1991: p. 226)
Compreender o discurso é, assim, entendê-lo como resposta a uma
questão. É preciso, por último, distinguir entre o quê está em questão em uma
resposta e a questão de quê ela trata, aquilo sobre o qual ela fala e que é
diferente ao que nela é resolvido.
Trata-se da articulação da forma e do contexto, que em determinados
textos deixa implícitos propositais (literatura), embora existam aqueles bastante
.
É o caso, por exemplo, da retórica, da comunicação organizacional.
163
Os problemas são colocados e, na sua maioria, resolvidos de uma forma
ou outra. Esses problemas são, na verdade, fruto da figuratividade, pois
refletem o real. O não dito se torna o que Meyer chama de diferença
na de forma
implícita.
Por outro lado, quanto menos o problema for dito, explicitado, ou seja,
quanto mais implícito, maior a problematologia. Assim, quanto mais o retórico
se torna problemático, mais a solução está em dizer a problematicidade: em
outras palavras, maior o número de respostas possíveis, portanto mais aberto a
leituras. A figura 14 resume as concepções de Meyer de sentido literal e
figurado.
Figura 14: Concepção de sentido em Meyer
164
Conforme se percebe na figura 14, é possível, por meio da diferença
entre o discurso da propaganda e o de alcance referencial (relatório de
empresa), verificar que a
MEYER, 1991: p. 232). A diferença está em que no relatório não é
necessário explicitar os elementos do contexto, pois se trata da verdade
suposta. A retórica da propaganda
que é caracterizada pela existência de duplos sentidos e argumentação de
forma abrangente.
O capítulo V a seguir aplica a teoria estudada a notas oficiais sobre
acidentes ocorridos em duas empresas.
CAPÍTULO V
CONSTITUIÇÃO DO ETHOS A PARTIR DE
NOTAS OFICIAIS DE ACIDENTES
onforme verificado nos capítulos anteriores, o discurso organizacional
é particularmente complexo porque envolve uma série de eventos
planejados e não planejados que exigem constituição argumentativa
especial, realizada por meio de gêneros (Bakhtin) também diversos, em função
da dimensão de cada ocorrência. Na perspectiva da retórica envolve, pois, um
contexto que se corporifica em um ato retórico também de diversas dimensões.
Em quaisquer desses veículos do discurso organizacional seria possível
demonstrar as evidências de que se enquadram na categoria de atos retóricos.
Após pesquisados vários desses veículos, a escolha recaiu sobre notas oficiais
de acidente ocorrido com duas empresas. A intenção é analisar a constituição
do ethos organizacional ato essencialmente retórico e como tal imagem se
efetiva nesses discursos como importante maneira de reforçar sua
confiabilidade.
A análise busca investigar a existência de uma possível força discursiva
marcada por argumentos criados em função da complexidade e dimensão do
acidente, que se impõe ao discurso consolidado para esconder eventuais
falhas e mostrar a força institucional.
Contribuirão na análise o levantamento das marcas de subjetividade
conforme Kerbrat-Orecchioni, a partir da identificação de subjetivemas; a
importância dos papéis sociais evidenciados nesses documentos e a própria
construção do ethos da organização.
C
166
É preciso lembrar que todo enunciado deve mostrar um mundo cuja
representação se faz de maneira adequada ao ritual discursivo do gênero em
que se inscreve. Isto é, a forma de dizer e o que é efetivamente dito (o modus e
o dictum dos antigos), a temática e o regime enunciativo devem se constituir
em gestos solidários que se legitimam reciprocamente. Assim, os enunciados
obedecem a gêneros determinados: visam a informar uma ocorrência
específica (novo produto no mercado) e objetivam um efeito determinado
(venda desse produto).
Devido às características do discurso organizacional, tal tarefa exige
capacidade de abstração, pois, conforme visto, não existe um gênero
associado ao texto da empresa, uma vez que, neste domínio, a diversidade em
que veiculam as informações é enorme: sites, blogs, twitter, jornais, revistas,
mural, circuito de TV, cartas, relatórios, balanço contábil, receita, manual entre
outros.
Aliás, é preciso mencionar, conforme destaca Halliday (2009: p.41), que
tal diversidade corrobora para a existência de uma retórica da ligitimação
organizacional como gênero. O sentido de gênero, nesse caso se refere ao que
Conforme a autora, para manter a legitimidade, as organizações se
.
Por outro lado, quem está autorizado a falar da forma como fala?
Foucault, ao comentar sobre o discurso médico diz:
a autoridade de exercer esta espécie de linguagem? (...) A fala médica não pode vir de qualquer um, seu valor, sua eficácia, seus próprios poderes terapêuticos e, de forma geral, sua existência como fala médica não são dissociáveis do personagem estatutariamente definido que tem o direito de articulá- FOUCAULT, 1969: p.65)
E qual é o auditório a quem esse discurso está direcionado? Em que
lugar discursivo o eu/tu da dêixis discursiva se posicionam? Essas
comunicações são redigidas no plano enunciativo do relato conforme
167
Benveniste (1966), com estrutura semelhante à da notícia: o eu do locutor se
apaga e o evento é enfatizado.
Embora as notas oficiais sobre acidentes pretendam a objetividade
porque seu foco é transmitir ocorrências, relatar fatos, tais notas comportam
um nível maior ou menor de subjetividade. Além disso, não necessariamente
intencional, o discurso veiculado em tais notas auxilia na criação da imagem da
empresa, colabora para a manutenção dessa imagem ou destrói uma imagem
já consolidada.
O primeiro acidente a ser analisado ocorreu com a empresa Mineradora
Rio Pomba Cataguases, em 12 de janeiro de 2007 e o segundo refere-se à
aeronave 447 da Air France, em 01 de junho de 2009. Com relação ao
segundo acidente, há três notas oficiais (da Air France brasileira, da Air France
francesa, do Presidente da República do Brasil) e dois comunicados: da FAB
Força Aérea Brasileira e da ANAC Agência Nacional de Aviação Civil.
Em diferentes níveis, cada um desses acidentes gerou comoção
nacional e certamente colocou em evidência a imagem da empresa. A partir da
análise dos aspectos subjetivos, retóricos e sociais do discurso veiculados nas
notas oficiais, procura-se então examinar se os artifícios retóricos se vinculam
à comunicação organizacional para fortalecer o ethos institucional. Busca-se
ainda verificar mudanças discursivas marcadas por argumentos criados em
função da problematicidade e dimensão do acidente.
Outras questões a estudar nos corpora contemplam: critérios retóricos
que permitem interpretação das notas oficiais de acidente como formadoras do
ethos da organização; contribuição da subjetividade na elaboração da imagem
da empresa; compreensão da construção retórico-argumentativa por meio dos
mecanismos retóricos e entendimento de como o real é retoricamente
configurado nessas notas.
5.1 ANÁLISE DE UMA NOTA DE ACIDENTE: CONSTITUIÇÃO DO ETHOS
Conforme mostrado no primeiro capítulo, a comunicação organizacional
se utiliza do discurso organizacional. A análise da subjetividade no primeiro
168
texto comunicação de acidente veiculada na imprensa nacional e que se
pode, conforme Bakhtin, associar ao domínio discursivo jornalístico é
diferente, por exemplo, de uma análise de texto publicitário, que ainda que
parte da comunicação integrada, não tem de um modo geral pretensão à
objetividade. O estudo dessas diferenças não faz parte do escopo deste
trabalho.
É com base no caráter veridictório desse discurso que o ethos da
empresa se firma, pois, conforme já se comentou, se a imagem criada não
parecer real ou não se comprovar retoricamente, há uma perda de credibilidade
potencialmente irreversível que anula todo o trabalho de construção dessa
imagem.
Suponha-se uma empresa que divulgue, por exemplo, um fogão com
acendimento automático que falhe três em cada quatro vezes; ou uma fábrica
de tintas que anuncie seu produto como de primeira linha e que apresente
baixíssima cobertura; ou um telefone que não receba chamadas. Estas são
apenas algumas entre uma infinidade de possibilidades. Qualquer delas servirá
para, senão destruir o ethos da empresa, ao menos reformulá-lo e arranhar a
confiabilidade.
Embora Benveniste trate a subjetividade como inerente ao sujeito e,
nesse sentido todas as manifestações discursivas sejam subjetivas em
essência, há uma busca por objetividade em algumas ferramentas próprias da
comunicação organizacional. Essa objetividade se conecta ao que Perelman
(1999: 74) denomina como categorias de acordos. Dessa forma, o autor
estabelece acordos ligados ao real, representados por fatos, verdades e
presunções e acordos ligados ao preferível, representados por valores,
hierarquias e lugares do preferível, já comentados no capítulo III. Assim,
clareza, concisão, veracidade e consistência são características próprias do
discurso organizacional: a ausência de contradições auxilia na construção de
uma imagem sólida.
O texto da nota oficial da empresa Mineração Rio Pomba Cataguases
refere-se ao acidente ocorrido em Janeiro de 2007 no município de Miraí (MG).
A partir da ocorrência de fortes chuvas naquele período, houve o rompimento
169
de uma das barragens mantidas pela Mineração, que já se encontrava no seu
limite, e resultou no vazamento de rejeitos de bauxita na calha fluvial do Rio
Muriaé.
Fato semelhante havia ocorrido no ano anterior, porém em menor
proporção. No acidente de 2007, o principal impacto se deu em Miraí, onde se
encontram os depósitos da Mineração e a nascente do Rio Muriaé. A notícia foi
seguida de pronunciamento oficial das autoridades municipais, que alertaram
para o risco de extravasamento das águas, o que efetivamente ocorreu 24
horas após o primeiro anúncio oficial.
5.1.1 MARCAS DE SUBJETIVIDADE
A análise da nota oficial, transcrita a seguir procurará mostrar o discurso
organizacional como importante veículo na construção do ethos da empresa..
A Mineração Rio Pomba Cataguases Ltda. vem a público informar que:
Na madrugada do dia 10 de janeiro de 2007, houve galgamento e o consequente rompimento da sua barragem de contenção de rejeitos de bauxita, localizada na zona do município de Mirai-MG, devido à elevada concentração de chuvas em curto espaço de tempo, na cabeceira do Rio Fubá;
O material vazado não é tóxico, tratando-se apenas de água e argila (terra de barranco);
de calamidade vivido não só pela Zona da Mata do Estado de Minas Gerais, como também por todo o sudeste brasileiro, nestes últimos meses;
Este acidente não possui nenhuma relação com o outro ocorrido em março de 2006, sendo que todas as exigências constantes do Termo de Ajustamento de Conduta celebrado na ocasião entre a empresa e o Ministério Público de Minas Gerais, foram rigorosamente cumpridas, com a devida fiscalização dos órgãos ambientais do Estado de Minas Gerais;
Os órgãos ambientais dos Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro foram imediatamente avisados, para adoção das providências cabíveis;
A empresa está avaliando os impactos do acidente e não se furtará às suas responsabilidades.
(11/01/2007)
O texto veiculado na mídia um dia após a ocorrência tem como atributo
principal informar os fatos por meio de uma linguagem clara, concisa, direta.
Embora a intenção seja produzir um texto objetivo, as marcas de subjetividade
serão analisadas para evidenciar de que forma se dá a constituição do ethos.
170
Escrito em terceira pessoa, o enunciador procurou produzir um texto
claro, pois pretende demonstrar ao leitor, em um primeiro momento, a certeza
de que a empresa agiu com rapidez. Informa sucintamente os eventos, as
ocorrências: mostra o fato sem acréscimos desnecessários.
É possível que o ethos de empresa séria seja construído e que estejam
preservadas a integridade e a solidez de seus propósitos.
A escolha lexical a partir de leitura mais cuidadosa conduz a aspectos
subjetivos que serão analisados. Assim, a utilização de adjetivos e a escolha
de alguns substantivos, advérbios e até mesmo verbos reforçam a presença da
subjetividade.
a) Substantivos
Ao analisar determinados substantivos presentes, sejam eles afetivos ou
avaliativos, percebe-se que são sempre derivados de verbos ou adjetivos.
Exercem a função de denominação absoluta, emitem juízos avaliativos de
apreciação ou depreciação aplicados pelo sujeito da enunciação e, por essa
razão, são carregados de subjetividade. Segundo Kerbrat-Orecchioni (1997, p.
96), os substantivos axiológicos podem ser encontrados em situação específica
de conotação simplesmente axiológica ou estilística, ou seja, são localizados
em um significado de determinada unidade léxica inscrita em nível de
representação referencial. Nesse contexto, a instabilidade das aplicações
axiológicas existentes nas competências lexicais se deve às competências
ideológicas que as refletem no enunciado. Não se pode analisar o
funcionamento dos axiológicos sem considerar seus efeitos quando inseridos
em determinado contexto discursivo. Entretanto, é possível considerar seu
valor semântico e sua função pragmática quando analisadas a sua frequência e
as categorias positiva e negativa de forma variada, empregadas em
conformidade com a perspectiva global do discurso a que pertence.
Na nota da Mineração [...] Cataguases, a presença de alguns
substantivos reforçam seu sentido de verdade: madrugada, chuva, espaço de
tempo, barragem, empresa, Termo de Ajuste, rejeitos, porque especificam
entidades verificáveis.
171
Por outro lado, outros substantivos presentes permitem ao leitor uma
construção de sentido diversa. Assim, os substantivos fenômeno, calamidade,
rompimento, acidente, adoção, providências, impacto, responsabilidade têm
forte apelo, ou melhor, auxiliam na composição de dupla leitura. O subjetivema
rompimento significa quebra, interrupção e, seguido da expressão da barragem
de contenção de rejeitos tóxicos, prepara o leitor para a notícia explicitada nas
linhas seguintes.
Ao associar o rompimento da barragem a o
enunciador dá início ao processo de afastamento de possível culpa da
empresa. A intenção do discurso é delineada. Os subjetivemas calamidade e
acidente reforçam a subjetividade como construtora de ethos, embora os dois
termos sejam sempre associados a eventos climáticos negativos. Tais lexemas
levam o leitor ao processo de construção do discurso da empresa como vítima.
O substantivo responsabilidade vem reforçar a boa intenção da empresa
perante a sociedade.
b) Adjetivos
Segundo Kerbrat-Orecchioni (1997: p. 112), há relatividade na utilização
dos adjetivos considerando que são selecionados por um enunciador e, dessa
forma, impregnados de subjetividade. A autora distingue, em primeiro lugar,
duas categorias de adjetivos: os objetivos, que exprimem uma realidade que
independe de julgamento (solteiro, casado, masculino...) e os subjetivos, que
implicam uma reação emotiva. Os subjetivos, por sua vez, subdividem-se em:
afetivos, que exprimem sentimento experimentado pelo enunciador (pungente,
esquisito, patético) e os avaliativos, que exprimem uma apreciação. Os
avaliativos podem ser axiológicos, que enunciam apreciação sobre
determinada qualidade de um ser/coisa ou sobre um julgamento de valor (bom,
belo, elevado) e não-axiológicos: grande, distante, quente, numeroso. É
importante salientar que, por meio da investigação desses adjetivos, é possível
conhecer o enfoque dos enunciadores.
O texto da Mineração [...] Cataguases é rico em adjetivos, que reforçam
o sentido subjetivo do discurso. Assim, em vez a
barragem rompeu elevada concentração de chuvas, em
172
curto espaço de tempo" (adjunto adnominal com função de adjetivo). Parece que a
intenção discursiva é transferir a possível responsabilidade pelo acidente, da
empresa para um fenômeno natural.
Por outro lado, o texto pretende reforçar a idéia de lisura da empresa.
Em outras palavras, o discurso parece não deixar espaço para que o auditório
construa qualquer juízo de valor contrário. O adjetivo cabíveis
reforça a imagem de empresa idônea.
Os verbos para Kerbrat-Orecchioni (1997, p. 131) revelam a
subjetividade inerente do enunciador, assinalando sua interpretação sobre o
fragmento selecionado e incorporado ao discurso citante. A autora divide os
verbos subjetivos em ocasionalmente subjetivos, que exprimem uma
disposição do sujeito, favorável ou não, diante do processo enunciativo, e
verbos intrinsecamente subjetivos, que implicam uma avaliação que tem
sempre como fonte o sujeito da enunciação. Assim como ocorre com os
adjetivos, a pesquisa desses verbos leva ao enfoque dos sujeitos participantes
da enunciação.
Assim como se percebe com os substantivos e adjetivos, os verbos e
formas verbais presentes na comunicação da Mineração [...] Cataguases
contribuem para a construção da subjetividade: vem, a público informar, evidencia o estado de calamidade, vivido não só pela Zona da Mata [...], foram rigorosamente cumpridas,
foram imediatamente avisados, está avaliando e não se furtará às suas responsabilidades,
material vazado.
Os primeiros verbos que aparecem no texto pretendem marcar a
disposição da empresa em esclarecer a ocorrência: vem (a público) informar.
Em outras palavras, o sentido construído pelo leitor é o de que a empresa não
se esconde, comunica qualquer que seja o problema. A forma nominal do
verbo vazar em material vazado tem duplo sentido: por um lado, fortalece a
impressão de fenômeno climático e mostra a impotência da empresa; por outro,
seguido de material não tóxico, enfraquece a periculosidade do acidente. Como
a forma verbal tem muitas leituras, é possível que haja uma associação com
algo de pequeno porte (vazamento de um cano, de uma torneira, de uma
rachadura). Nesse caso, o leitor poderá ter a impressão, em um primeiro
173
momento, que a ocorrência na Mineração se tratava de algo controlável, em
oposição ao termo derramado, que explicita ausência de possibilidade de
controle. Talvez o termo mais apropriado fosse material derramado e não
vazado19
Ao afirmar que todas as exigências foram rigorosamente cumpridas, o texto reforça
o caráter da empresa, seu ethos. Ou seja, não há ou não havia qualquer
providência que pudesse ser tomada naquela circunstância. A comunicação
não pretende deixar margem a dúvidas.
Os verbos que aparecem no último parágrafo estão relacionados à
responsabilidade futura da empresa e se apresentam bastante enfraquecidos
se comparados com os verbos em defesa da sua inocência: a empresa está
avaliando: trata-se de gerúndio, tempo verbal processual e não finalizador. Em
outras palavras, ela enfatiza sua ausência de culpa e enfraquece sua possível
responsabilidade. Por último e também enfraquecido porque associado ao
advérbio de negação, encontra-se o verbo furtar não se furtará às suas responsabilidades.
Evidentemente o ethos de empresa idônea é mais uma vez fortalecido por meio
da escolha de um verbo que minimiza a culpa.
c) Advérbios
Os advérbios admitem também uma participação emotiva e afetiva do
enunciador. Por essa razão é impossível desconsiderá-lo como classe de
modalizadores valorizantes. Ao analisar sua atuação como modalizador,
apresentam sua avaliação caracterizada no verdadeiro/falso/incerto. Podem
oferecer todos os tipos de unidades subjetivas, sejam eles afetivos, axiológicos
ou avaliativos, todavia, se encontram representados por uma classe especial
de enunciação e de enunciado.
Dessa forma, o advérbio de negação que funciona como afirmação da
não toxicidade do material despejado no rio, seguido do advérbio de
intensidade apenas água e argila, dá início a um processo de minimização de
19 O termo tem gradações e chega a uma associação com catástrofes: o acidente com Chernobil, embora na prática não tenha sido um vazamento, mas uma difusão atmosférica de material radioativo decorrente de explosão química foi veiculado na mídia como vazamento; os derramamentos de óleo que ocorrem em petroleiros decorrentes de rachaduras em cascos de navios também são veiculados como vazamento. Talvez em todos os casos a intenção seja mesmo minimizar o impacto nos leitores.
174
possível responsabilidade da empresa no acidente. Aliás, ao afirmar que se
trata apenas de água e argila o texto elimina a possibilidade de contaminação
por bauxita, embora a barragem que rompeu seja para contenção de rejeitos
de bauxita. Ora, se a barragem é para rejeitos de bauxita, é de se esperar que
a lama contenha bauxita que, por sua vez, ainda que possa ser não tóxica, é
poluente.
O advérbio popularmente
conhecimento de todos, é senso comum. O subjetivema todo, que tem, no
texto, função de adjetivo todo o sudeste brasileiro expande a incidência do fenômeno
ocorrido naquele lugar para uma grande região. É possível afirmar inclusive
que se trata de hipérbole, pois da forma como está escrito, o texto veicula um
estado de calamidade sem precedentes uma região inteira assolada pelo
fenômeno. Para reafirmar tal estado, a duração do fenômeno também aparece
como hiperbólica quando a ele se refere em nestes últimos meses. Se
chovesse em todo o Sudeste do país durante mais de dois meses (últimos
remete a, pelo menos, mais de um) e com a intensidade de tr
teria deixado de ser um fenômeno (o lexema fenômeno refere-se a passageiro,
esporádico), mas adquiriria dimensões de catástrofe.
Ainda como forma de justificativa, a nota afirma, por meio dos advérbios
de negação em não possui nenhuma relação, que os acidentes do ano anterior e
deste são diferentes. Para reforçar tal argumento, o texto enfatiza, por meio do
pronome indefinido todas que as exigências constantes do Termo de Conduta
celebrado entre estados foram cumpridas. Aliás, os substantivos Termo de
Ajustamento de Conduta e Ministério Público de Minas Gerais, reforçam, por
meio do argumento de autoridade, a afirmação textual veiculada. Os advérbios
rigorosamente cumpridas e imediatamente avisados fortalecem mais uma vez o ethos
de empresa séria e preocupada com o cumprimento da lei.
Apenas ao final, o texto apresenta a disposição da empresa em cumprir
com suas responsabilidades e o faz de maneira diferente da forma como vinha
se defendendo. Afirma que está avaliando os impactos e, por meio do advérbio de
negação não se furtará às suas responsabilidades, coloca sua disposição enfraquecida.
Certamente seria mais enfático dizer, por exemplo, que assumiria a
responsabilidade, caso ficasse comprovado algum dano.
175
5.1.2 PAPÉIS SOCIAIS
Conforme verificado no capítulo anterior, a sociedade, em uma postura
pragmática, se forma a partir das ações das pessoas em situações avaliadas e
interpretadas. O mesmo ocorre nas organizações.
No texto da Mineração Cataguases, é possível identificar com clareza o
lugar da defesa da empresa. Posturas são percebidas e papéis são assumidos
a partir do pragmatismo da situação e da reconstrução de processos. Embora
de cunho jornalístico, é possível identificar essa nota como discurso jurídico,
pois se percebe claramente o tom intencional de defesa de possível culpa por
acidente ambiental. O reconhecimento de certa estabilidade do self funciona
como medição no suporte para o estudo empírico. Nesse sentido, Kuhn
não vê contradição entre explorar conceitos referentes a significados, processos simbólicos e aspectos subjetivos e internos e encontrar os requisitos para conceitos precisos e medição razoável (in: BAZILLI, 1998: p. 32).
A sociedade, segundo o interacionismo simbólico, é concebida como um
tecido de comunicação: as pessoas atuam com referência umas às outras, em
termos dos símbolos desenvolvidos por meio da interação e por meio da
comunicação desses símbolos, ou seja, é interação e é simbólica. Esse
processo é dinâmico e a sociedade não existe estanque e definitiva, mas está
em constante criação e recriação, acontece em interdependência com o
homem como faces de uma mesma moeda: a sociedade não existe sem o
homem e este não existe sem a sociedade. O processamento verbal (escrito
e/ou oral) reflete essa tessitura, tal constatação ressalta a importância dos
papéis sociais e provoca a manutenção e a mudança do comportamento social,
conforme se pode notar nos trechos recortados:
[...]vem a público informar [...]; devido à elevada concentração de chuvas; [...] o material vazado não é tóxico [...]; .estado de calamidade [...]; acidente não possui nenhuma relação com o
176
outro; todas as exigências [...]; foram rigorosamente cumpridas; devida fiscalização dos órgãos ambientais [...].
O texto da Mineração Cataguases mostra faces: de um lado a empresa
precisa defender-se de possível crime ambiental; de outro, os órgãos
ambientais que fiscalizaram o local são citados como corresponsáveis. Dessa
forma, várias são as leituras de um mesmo evento a interagir simbolicamente.
Os eventos são, por sua vez, multifacetados, e podem ser interpretados
conforme os diferentes pontos de vista.
É justamente por esse motivo que a ação retórica nesse discurso se faz
sentir com mais intensidade. Ao recriar na mente do indivíduo leitor uma cena,
uma experiência, a ação retórica acrescenta algo de novo à experiência do
auditório. Amplia, de algum modo, o conhecimento de uma realidade criada a
partir do discurso. Assim, por força retórica, cria-se no auditório uma
experiência que até então não existia. No caso da Mineração, por exemplo, o
conhecimento enciclopédico aponta quaisquer resíduos industriais como
tóxicos, e a nota cria uma nova realidade que afirma a inocuidade daqueles
resíduos. Embora tal resíduo, na realidade não seja tóxico, mas poluente, os
indivíduos entendem à sua maneira.
É possível afirmar que o homem existe em função e na medida de sua
comunicação: interna, consigo mesmo e externa, através de símbolos, com
outros. Por ser social, tanto em um processo quanto no outro, está
desenvolvendo representações internas e externas de mundo. O discurso
organizacional explora aspectos cognitivos específicos no auditório com o
intento de movê-lo, de convencê-lo ou persuadi-lo de suas idéias. É o que se
observa no texto da Mineração, que tenta convencer os leitores de que a
com Silveira (1998: p. 143), o processamento cognitivo se dá por meio dos
sistemas linguístico, enciclopédico e interacional, assim como da observação
de estratégias específicas de processamento. A construção textual, através da
qual a comunicação se efetiva, vai além do simples reconhecer de símbolos e
considera os elementos externos à língua que os influenciam diretamente.
177
Nessa instância, privilegiam-se os aspectos cognitivo e sociointeracional
da comunicação. O processamento cognitivo das informações articula o
sistema linguístico com o sistema cognitivo do homem, de forma a produzir
proposições. Para isso, considera que as estruturas do texto e da significação,
construídas pelo indivíduo, são determinadas pela organização do domínio do
texto, pelas estruturas linguísticas superficiais e pelas operações cognitivas
que ele utiliza ao construir sua representação de mundo. Ao valer-se das
especificidades textuais, a nota da Mineração age simultaneamente na
representação de mundo de seu auditório.
Consciente ou inconscientemente, os locutores provocam experiências
diversas no auditório. As representações mentais, sejam sociais, sejam
individuais, são a maneira de os indivíduos experienciarem o mundo. As coisas
(acontecimentos - eventos) passam a existir para o homem somente após
representadas na mente.
É por isso que, no texto mostrado, os sentidos são construídos na
mesma medida em que as representações mentais. Em outras palavras, pode-
se dizer que o auditório constrói o sentido da culpa ou inocência pelo acidente
com base nas suas representações mentais, em seu conhecimento de mundo,
em seu acervo cultural e específico com base no discurso. Tudo é criado com o
propósito de incutir no auditório as suas "verdades", a partir também das
representações possíveis e com esperanças de encontrar, nele, receptividade.
A intenção discursiva é passar o verossímil, a opinião e o provável. Por
meio da sugestão de inferências, institui um sentido novo ao que se diz. É
necessário que seu papel seja entendido como tal: a empresa não inventou,
choveu forte realmente. O texto veiculado age sobre as representações sociais
em favor de sua causa. Pretende a interação. Seu papel, porém, o obriga a
considerar a existência de diversas realidades prováveis que incluem a
possível culpa da empresa.
A interação social é o espaço, a unidade que possibilita que o self e a sociedade, por meio da interação e da simbolização, gerem-se ambos, mantenham-se BAZILLI, 1998: 36).
178
Dessa forma, a interação
é pelas representações que se renegociam os sentidos, os conhecimentos, as
é um sistema de
significado compartilhado e que implica, ao mesmo tempo, um sistema de
comportamento compartilhado p. 37).
Nesse aspecto, é interessante verificar como a relação estabelecida a
partir dos papéis e do self é tecida no discurso organizacional. Enquanto a
concepção de homem tem duas marcas (individual e social), o conceito de self,
básico para o interacionismo simbólico, torna-se fundamental na comunicação,
pois é algo mais abrangente que o EU, mais profundo do que o EGO. É uma
forma de pensamento na medida em que é auto-reflexivo. Fenomenológico,
porque não possui localização física ou biológica, está associado ao ver-se a si
mesmo sob o ponto de vista dos outros com os quais interage. Dessa maneira,
a comunicação é construída sob vários prismas: do eu, do ego, do outro, do
self.
Partindo-se do pressuposto de que o princípio básico da organização
social humana é a comunicação e implica, com isso, a participação do outro, a
linguagem, entendida como processamento verbal, ele (homem) torna-se o
veículo principal dessa interação. No caso da nota da Mineração, existem ou
não provas do acidente enquanto produzido exclusivamente por fenômeno
meteorológico. Quanto maior a frequência de provas, menor será o esforço
retórico. Daí existir uma complexidade discursiva que engloba eu, self, ego e
imagem, e que perpassa todo o texto da nota.
Embora não se trate de caso jurídico, o discurso implica ação efetiva
sobre o outro. Basta passar os olhos pelo texto para sentir que o
processamento verbal (em sua complexidade) como veículo da comunicação
humana abrange mais do que conhecimento das normas gramaticais. Vai além
do esquema proposto por Jakobson e seus seguidores estruturalistas, que
reduziam a comunicação a esquemas; vai além de estruturas linguísticas
estanques; vai além de interpretações literárias aleatórias e passa a ser fruto
de um complexo sistema mental direcionado por intrincada rede de situações
sócio-cognitivas-simbólico-interacionais. Assim, este comunicado é social
porque dirigido a um grupo (todos os interessados); cognitivo porque apela aos
179
conhecimentos de mundo dos leitores; simbólico porque construído com
palavras; interacional porque engloba complexidade e interação entre várias
áreas. O discurso da Mineração é dependente e contribuinte, é social e
individual, é processo e produto, é problema e solução, é simbólico e real, é
parte e é todo.
Atuar discursivamente é assumir uma postura complexa que envolve
ethos, self, papéis e representações sociais. Por isso, as atividades discursivas
do texto verificado, que funcionaram em outra ocasião podem ser
determinantes para um suposto veredicto.
Ressalte-se, novamente, a importância dos papéis da Mineração nesse
processo discursivo de defesa. Os papéis sociais nesse caso seriam a defesa
discursiva do meio ambiente, de si como pessoa jurídica, da população
afetada, da sua imagem. Pode-se até pensar em papel social como
empregador, mas o texto não autoriza afirmar que isso esteja implícito.
Conforme reflexões efetuadas no capítulo IV sobre conceitos
subjacentes à Teoria dos Papéis (papéis ocupados pelos indivíduos de uma
organização), é preciso lembrar que a natureza da sociedade como idéia
sistêmica, ou seja, composta de instituições que fazem parte de um sistema
global que ajudam ou controlam as necessidades dos indivíduos em um
(sistema) social específico, os cargos ocupados pelos indivíduos funcionam
como controle social, ou seja, existe uma consciência mais ou menos genérica,
por exemplo, de que erros são punidos, daí o caráter de defesa que perpassa o
texto da Mineração.
Na nota da Mineração, o réu implícito já está sendo punido durante o
desenrolar do acidente: com o rompimento da barragem e prejuízos, com os
depoimentos que precisou prestar, com um julgamento prévio, com um
possível processo. Trata-se, como já comentado, de um discurso de defesa
prévia com a finalidade de minimizar danos. Caso seja considerada culpada, a
punição terá continuidade.
Ainda que não existam as figuras jurídicas de réu, juiz, promotor,
advogado, por força social, a empresa é submetida ao processo de
socialização: as normas são transmitidas para que as expectativas das
180
pessoas e dos outros sejam mantidas. É o meio pelo qual as pessoas adquirem
conhecimento, disposições e motivações para se tornarem membros da
sociedade e de grupos: junta a ordem pessoal à ordem social. O conhecimento
das normas é essencial em todas as instâncias organizacionais e não só em
casos de acidente, lugar em que será preciso, eventualmente, conciliar
discursos contrários.
No texto da Mineração Cataguases há implícitos que levam o leitor a
leituras diferentes daquela proposta. A intencionalidade (Grice) declarada é
apagar as marcas de responsabilidade da empresa, por isso há ênfase no
discurso com base em argumentos lógicos e forte apelo ao convencimento.
devido à elevada concentração de chuvas em curto espaço de tempo, na cabeceira do Rio Fubá [...]; o material não é tóxico, tratando-se apenas de água e argila (terra de barranco) [...]; estado de calamidade vivido ... nesses últimos meses [...]; este acidente não possui nenhuma relação com o outro ocorrido em março de 2006 [...]; todas as exigências foram rigorosamente cumpridas.
Na intenção de seguir normas (conceito de posição, papel, status) que
separam os indivíduos em grupos conforme estabelecido (com a função de
estruturar grupos), e como forma de manter os padrões sociais, culturais e
melhorar a imagem, a empresa Mineração não se furta a elas e se coloca à
disposição:
às
5.1.3 A CONSTITUIÇÃO DO ETHOS
O discurso da Mineração Cataguases evidencia a constituição do ethos
da empresa a partir de uma premissa: não há culpa pela ruptura da barragem.
Articula-se, pois, sobre o provável âmbito da retórica e isso não lhe confere
qualquer autoridade inicial. Assim, será preciso examinar essa questão retórica
com cuidado.
Se observado sob o olhar da retórica antiga, o ethos está relacionado à
personalidade que o orador se confere, personalidade demonstrada por meio
da fala, da maneira de expressão, implica, em princípio, a criação de uma
181
imagem agradável (eunoia), simples e sincera (areté) de si, que vale para o
indivíduo ou grupo. O orador não diz claramente que é honesto, simples,
agradável, mas deixa transparecer no enunciado, por meio do exercício da
palavra. Segundo Aristóteles (1973: p. 159), o ethos associa-se a um estado
afetivo suscitado no receptor por uma determinada mensagem. Assim, no caso
da empresa, as características do ethos seriam evidenciadas no seu discurso.
Aplicando o conceito ao texto da Mineração Cataguases, o ethos é
construído no e pelo discurso, conforme demonstrado pela escolha lexical.
Assim, a nota da Mineração constrói um ethos de empresa preocupada com a
verdade houve galgamento e o consequente rompimento da sua barragem de
contenção de rejeitos de bauxita e com a justificativa do evento devido à
elevada concentração de chuvas em curto espaço de tempo. A escolha lexical
permite, ainda, demonstrar que se trata de empresa: 1) séria, pois todas as
exigências constantes do Termo de Ajustamento de Conduta celebrado na
ocasião entre a empresa e o Ministério Público de Minas Gerais, foram
rigorosamente cumpridas, com a devida fiscalização dos órgãos ambientais do
Estado de Minas Gerais; 2) preocupada com o meio ambiente os órgãos
ambientais dos Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro foram imediatamente
avisados, para adoção das providências cabíveis. O discurso deixa claro que a
empresa é idônea, uma vez que não se furtará às suas responsabilidades.
Com essas colocações, instaura-se um ethos que procura despertar o
sentimento de confiança nos leitores.
A empresa, no entanto, não diz que é confiável, mas deixa transparecer
essa intenção no intertexto, no não-dito, que significa e se traduz por meio da
sua maneira de se colocar no discurso.
O ethos vincula-se não ao grupo real, mas ao sujeito da enunciação,
seja ela oral ou escrita. O texto está sempre relacionado a alguém, tem sempre
uma origem enunciativa, uma voz que atesta o que foi dito. A empresa, tanto
no corpus como em qualquer outra situação, entende que a autoridade
instituída pelo ethos assenta-se na institucionalização, no papel social e no
"lugar" do discurso no momento em que é pronunciado/escrito.
182
Dessa forma, a posição social pode se tornar desfavorável e, nesse
caso, só pode contar com o benefício da dúvida e o produto enunciado. A
empresa possui um caráter que corresponde ao estereótipo de uma época, de
um lugar, inseparável de princípios sociais. O ethos, então, implica a maneira
de habitar o espaço social: surge da representação social que dele se constrói.
O esforço da nota da Mineração Cataguases está limitado por essa
circunstância de representação: há duas referências temporais (na madrugada
do dia 10 de janeiro de 2007 e a data da nota oficial) e uma referência de lugar
(no município de Miraí/MG).
Buscar a comunhão com o público é tarefa árdua, pois precisará
estabelecer um vínculo entre o real presumido e o real que ela expôs como
verdadeiro. Embora o vínculo do ethos com o real não seja o que o discurso
propõe, essa incorporação se faz em um nível imperceptível em um primeiro
momento. O leitor real assume o enunciado como parte de, como característica
intrínseca do escritor. Essa representação do enunciador é construída a partir
dos índices, das marcas fornecidas pelo texto. Assim é estabelecido um
contrato em que essa representação desempenha o papel de fiador que se
encarrega da responsabilidade pelo enunciado.
O ethos, portanto, associa-se ao mundo das representações sociais e só
é capaz de representar aquilo de que se tem idéia. Assim, os locutores
constroem seus ethé por meio dos discursos que proferem, em comunhão com
os interlocutores, e constituem articuladores polivalentes, por meio da recusa
de cortes entre texto e corpo, entre o mundo representado e a enunciação que
o transporta. Desse modo, não se pode separar o ethos do código de
linguagem próprio a uma posição no texto. O código só é eficiente quando
associado ao ethos que lhe corresponde, daí atribuir a ele um caráter.
No discurso da Mineração Cataguases, há uma composição muito
expressiva, tensa e provida de autoridade. A autoridade é obtida através do
vínculo instituído. São convocados os órgãos públicos como corresponsáveis.
[...] todas as exigências constantes do Termo de Ajustamento de Conduta celebrado na ocasião entre a empresa e o Ministério Público de Minas Gerais, foram rigorosamente cumpridas, com a devida fiscalização dos órgãos ambientais do Estado de Minas
183
Gerais; Os órgãos ambientais dos Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro foram imediatamente avisados, para adoção das providências cabíveis.
Ao se referir à instituição pública (Ministério Público de Minas Gerais e
órgãos dos Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro grifos da autora) a
empresa buscou uma autoridade de fato e de direito para respaldar seu
discurso. Assim, o espaço do dizer está limitado à autorização que obedece a
uma hierarquia secularmente determinada. Concisão e clareza são necessárias
para fazer aflorar a suposta verdade. A nota é redigida com economia e frases
supostamente diretas.
Em qualquer ocasião e particularmente no discurso organizacional, a
construção do ethos está diretamente ligada à eficácia do discurso, à sua
capacidade de suscitar a adesão por meio da maneira de ser. Assim, é
possível, conforme Perelman (1999, p. 116), afirmar que tal composição está
ligada não a fatos, mas a opiniões e, sobretudo, a apreciações que auxiliam a
função que o discurso exerce e ao papel que ele assume, ao modo como
influencia (o leitor) e à maneira como o auditório o acolherá. Tanto no discurso
da organização como nos outros (discursos), o ethos atestará o que é dito e
levará o interlocutor a se identificar com o que o discurso veicula. O enunciador
tem uma árdua tarefa no processo, que é convencer seu auditório da verdade
de um fato que pode suscitar dúvidas. No momento da composição do discurso
e de sua leitura, o habitus da empresa é convocado. Conforme mostrado em
5.2, a nota oficial busca mostrar o papel social de empresa séria.
Apesar de não se haver comentado até o momento que a nota se trata
de texto argumentativo, pois busca convencer e/ou persuadir o leitor da
inocência da Mineração em relação ao acidente, duas questões precisam er
tratadas: logos e pathos, que não são polaridades dos movimentos
argumentativos, mas estão imbricados em tais movimentos.
Conforme já verificado, o logos está ligado ao aspecto factual, mais
direcionado para a lógica, para as ocorrências que podem ser de alguma forma
comprovadas.
184
Nesse aspecto, desde o início o enunciador busca construir um ethos de
empresa confiável, valendo-se do logos: situa o fato no tempo (na madrugada
do dia 10 de janeiro de 2007), cita fatos (galgamento e rompimento da
barragem) e justifica o acidente (devido à elevada concentração de chuvas em
curto espaço de tempo).
O enunciador constrói a partir de evidências, em vários momentos, a
inocência da empresa e, para isso, apela ao fenômeno climático devido à
elevada concentração de chuvas em curto espaço de tempo; fenômeno
O
fenômeno climático de fato existiu, não há como contestar.
Contribuem nesse aspecto alguns conceitos de Meyer, segundo os
quais, o sentido tradicional de uma proposição é dado pelas suas condições de
verdade (2007: p. 213). Dessa forma as proposições chuvas fortes e tromba
são facilmente entendidas porque se referem a fenômenos conhecidos
do auditório: o enunciado corresponde à verdade. Existe aí uma identidade
entre sentido e referência a significação da palavra chuva refere-se sempre
ao mesmo fenômeno. O que varia, nesse caso, é a intensidade.
A partir do comentado, duas proposições que dizem a verdade terão
sempre a mesma significação, embora com sentidos diferentes, pois veiculam
de maneira diferente a mesma significação. Assim, os termos chuvas fortes e
m a mesma significação, ou seja, apresentam a mesma
intenção de veicular um fato.
Como pathos entende-se o aspecto passional, emocional dos eventos.
Nas primeiras leituras não se percebe a existência desse movimento, mas o
aspecto emocional está implicitamente presente, conforme mostrado a seguir.
A utilização dos verbos em terceira pessoa produz um distanciamento
entre enunciador e enunciatário. Tal ocorrência não está evidente, e só
aparece depois de análise. Por outro lado, a terceira pessoa auxilia na
constituição da confiabilidade: a empresa vem a público, ou seja, não tem medo de
se expor ou de expor o que considera como fatos; a empresa está avaliando e a empresa não se furtará às suas responsabilidades.
185
A repetição sobre o fenômeno climático e a hipérbole todo o sudeste
brasileiro, empregada como forma de eximir a empresa de culpa pelo
rompimento da barragem também é colocada de forma subjetiva. Trata-se de
outro apelo passional. O texto escrito pode esconder a força oratória, porém
evidencia a ênfase nas idéias, mais visível no escrito:
não só pela Zona da Mata do Estado de Minas Gerais, como também por todo o sudeste brasileiro, nestes últimos meses.
Observar um texto escrito permite análise mais acurada de algo que se
efetivou em um contexto especial. Em outras palavras, o locutor deixa
saliências que serão observadas e demonstradas por meio da redundância, ou
seja, torna redundantes alguns aspectos de seu enunciado para que o leitor
possa compreendê-lo sem muita dificuldade, no momento da elocução. Essa
redundância está associada ao pathos, ao que não é dito, porém construído
retoricamente.
No fragmento em destaque, a redundância é demonstrada nas
retomadas, nas repetições do mesmo assunto, na ênfase. Essa redundância
não se trata, portanto, de figura retórica viciosa, mas de diferentes formas de
repetir o dizer com a finalidade de tornar o texto mais claro, de eliminar dúvidas
e elucidar pontos de vista.
Contribuem ainda para a formação do ethos, a maneira de se apresentar
no espaço e o conjunto das representações sociais utilizadas naquele instante
para a finalidade desejada. Ainda que não existam dados explícitos sobre
essas características de composição do ethos, isso não impede que uma
imagem física se componha na mente do auditório, porque os indivíduos estão
sempre intertextualizando as informações que recebem com seus
conhecimentos de mundo, com sua representação mental. (VAN DIJK, 1998: p. 32).
Assim, é possível afirmar que o ethos da Mineração tem existência
porque há vários outros textos, explícitos ou implícitos, que o sustentam.
Naturalmente esses outros precisam fazer parte do conhecimento
186
enciclopédico do leitor, conhecimento prévio veiculado no texto, para que a
construção desse ethos pretendido pelo discurso não fique prejudicada.
Quando se diz devido à elevada quantidade de chuva, há uma
intertextualização com o senso comum, que considera que muita chuva pode
provocar enchentes e catástrofes; ao enfatizar que o material vazado é apenas
terra de barranco, apela-se ao conhecimento prévio do leitor: todos sabem que
terra de barranco não é elemento perigoso à saúde; a referência a estado de
calamidade pública intertextualiza com eventos anteriores e conhecidos.
Outros textos são chamados mais diretamente a fortalecer o ethos da
Mineração. Termo de Ajuste, por exemplo: embora o teor do documento não
seja do conhecimento do leitor, a autoridade instituída funciona como avalista.
A convocação interdiscursiva de órgãos ambientais dos Estados de Minas
Gerais e Rio de Janeiro e Ministério Público têm a mesma função de reforçar o
ethos. Nesse caso, trata-se de apelo ao argumento da autoridade, que confere
subjetivamente confiabilidade ao texto da Mineração
Conforme explicado no capítulo anterior, Meyer considera o ethos
projetivo e real e Maingueneau os nomeia respectivamente como prévio e
efetivo. Assim, o ethos projetivo ou prévio da Mineração Cataguases é o de
empresa não muito confiável, pois o acidente de que trata a nota é o segundo
no espaço de um ano.
Maingueneau diferencia ainda entre ethos prediscursivo, discurso
mostrado e ethos dito. O ethos de um discurso resulta da interação desses
fatores. O primeiro está associado à expectativa criada, o segundo refere-se ao
que a empresa mostra e pode ser observado e o terceiro refere-se a
fragmentos do texto que evocam a própria enunciação.
No caso da nota da Mineração e em referência ao primeiro fator, é
esperado que o leitor compreenda que ela é idônea e, de parte do leitor, é
esperado que a empresa cumpra suas promessas; o segundo fator refere-se
ao que o leitor percebe por meio da própria enunciação, do que efetivamente
está no discurso; e o terceiro refere-se ao que o texto deixa passar em
fragmentos do seu texto: é esperado que o auditório/leitor compreenda o que a
nota quis dizer, ou seja, que a empresa é idônea, fez o que a lei determinou,
187
passou por vistorias e está em dia com suas obrigações jurídicas e ambientais.
O ethos dito, no caso da nota da Mineração é efetivado indiretamente, por meio
de alusões a outras instâncias de fala. A distinção entre dito e mostrado se
inscreve nos extremos de uma linha contínua, pois em termos de discurso não
existe uma fronteira nítida entre o dito, o sugerido e o mostrado.
Como se observa, o entendimento de ethos em Maingueneau auxilia na
compreensão da retórica do discurso organizacional porque responde a
questões efetivas que têm como particularidade ser mais ou menos co-
extensivas ao próprio ser, relativas a uma área pouco explorada da relação
desse discurso com a linguagem,
Após análise fica evidenciado o caráter argumentativo desse texto.
Dessa forma e como complemento aos teóricos comentados, buscou-se em
Meyer compreender a argumentação como concepção problematológica.
O texto da Mineração procura responder a questões problematológicas
(MEYER, 1991: 203) suscitadas no leitor: há culpa da empresa pelo
rompimento da barragem? É justificável que o excesso de chuvas tenha
causado tal rompimento ou havia insuficiência na capacidade da barragem?
Esse acidente está, de fato, desvinculado do anterior? Se há vínculo, porque
não aconteceram as correções necessárias? Atender a exigências burocráticas
é suficiente? A fiscalização efetuada por órgãos governamentais foi (ou é)
eficiente? A empresa tem como indenizar os prejudicados?
Meyer enfatiza que textos argumentativos são aqueles que suscitam
questões. Como se percebe, o texto da Mineração levanta várias questões.
Algumas estão respondidas, outras o são parcialmente e há aquelas que
permanecem sem resposta. Assim, conforme verificado, a nota apresenta
problematicidade máxima, pois são abundantes as questões duvidosas, sem
critério de resolução. Nesse sentido, aproxima-se do discurso jurídico, porque
precisa se defender de possíveis culpas e do discurso deliberativo, pois é útil à
empresa que esse discurso seja aceito pelo auditório.
Dessa forma, a partir dos implícitos analisados, é possível traçar o
percurso argumentativo do logos por meio de uma razão que transcende o
cientificismo YER, 1999: p. 252). Esse logos considera o auditório e leva
188
em conta os efeitos de sentido. Dessa forma, o logos percebido no discurso da
nota não está ligado ao demonstrável, mas apresenta maior grau de
complexidade.
O ethos da Mineração Cataguases, que em Meyer não se limita ao
enunciador ou ao autor, mas leva em conta o processo discursivo e se trata de
um domínio, um nível e se traduz pelo ponto final ao questionamento, após
análise acurada pode se mostrar enfraquecido porque suscita mais questões
do que as responde, embora a intenção seja construir imagem forte. Trata-se
de um ethos construído a partir do logos conforme concebido por Meyer.
Nesse caso, o discurso da Mineração apresenta dois ethé: 1) o que a
empresa pretende mostrar: verdade, seriedade, preocupação com o meio
ambiente e idoneidade; 2) o que ela de fato demonstra: preocupação com sua
sobrevivência, minimização de possíveis falhas e enfraquecimento de suas
responsabilidades.
5.2 AS NOTAS DA AIR FRANCE O ETHOS CONSTITUÍDO
Três notas da Air France sobre o acidente com a aeronave que efetuava
o voo AF 447 entre Brasil e França em 1º de junho de 2009 foram emitidas
durante um intervalo de quatro horas e quarenta minutos.
Outras notas foram enunciadas por parte da França e do Brasil: governo
francês, governo brasileiro, órgão regulador do espaço aéreo brasileiro, Força
Aérea Brasileira e outros, porém o trabalho analisará as que veiculam a voz da
empresa Air France. Evidentemente as comunicações dos governos e dos
outros órgãos comprovam a força argumentativa do discurso organizacional.
Órgãos governamentais também são organizações e, como tal, constroem,
reconstroem, mantém e procuram melhorar sua imagem.
A empresa emitiu três notas: a primeira às nove horas e sete minutos do
dia primeiro de junho de 2009; a segunda às onze horas e doze minutos e a
terceira às treze horas e quarenta e nove minutos. Essa preocupação com a
emissão de notas oficiais já se configura como intenção em manter uma
imagem.
189
Conforme efetuado com o texto da Mineração Cataguases, é
desenvolvida a seguir uma análise dos mecanismos retóricos evidenciados nas
notas da Air France. A primeira delas será analisada em maior profundidade; a
segunda e a terceira passarão por uma análise mais superficial para evitar
repetições em demasia.
Primeira Nota da Air France sobre acidente: (01/06/09 - 09h07)
"Air France lamenta informar que se encontra sem notícias do voo AF 447 que efetuava a ligação entre Rio de Janeiro e Paris Charles de Gaulle, com chegada prevista às 11h15 da manhã (hora local).
O vôo decolou do Rio no dia 31 de maio às 19 horas locais.
216 passageiros estão a bordo.
A tripulação é composta de 12 pessoas: 3 tripulantes técnicos e 9 comissários.
Um toll free está disponível :
0800 881 2020 para o Brasil
0800 800 812 para a França,
e + 33 1 57 02 10 55 para outros países
A Air France divide a emoção e a inquietação das famílias envolvidas. Os
familiares serão recebidos num local especialmente reservado no aeroporto
O texto da nota parece objetivo em uma primeira leitura. É claro, conciso
e tem a pretensão da objetividade que se comprovada por meio de marcadores
discursivos de tempo e lugar, além da utilização de numerais para reforçar o
caráter de isenção:
[...] o vôo AF 447 que efetuava a ligação entre Rio de Janeiro e Paris [...] às 11h15 (hora local). O voo decolou do Rio no dia 31 de maio às 19h locais. 216 passageiros estão a bordo. A tripulação é composta de 12 pessoas: 3 tripulantes técnicos e 9 comissários.
A escolha lexical evidenciada na exatidão dos horários, na colocação do
número de passageiros e na descrição numérica dos tripulantes constitui
marcas de que não pretende esconder informações. Os marcadores conferem
um caráter veridictório a esse discurso: a imagem de seriedade parece real e
190
precisa ser comprovada retoricamente, para que não haja perda de
credibilidade.
Tal escolha, no entanto, a partir de leitura mais cuidadosa conduz a
aspectos subjetivos, assim, a utilização de adjetivos e a presença de alguns
substantivos, advérbios e até mesmo verbos reforçam a subjetividade.
No primeiro parágrafo o texto pretende uma proximidade com o auditório
por meio de apelo ao pathos A Air France lamenta informar que se encontra
sem notícias [...].
Embora escrito em terceira pessoa para demonstrar distanciamento, há
uma personificação da empresa. À Air France são atribuídas características
próprias do indivíduo lamentar não é atributo de pessoa jurídica.
É intenção construir e preservar o ethos de empresa séria, íntegra,
sólida em seus propósitos.
Se os substantivos reforçam o sentido de verdade (notícias, voo,
tripulação, passageiros), alguns substantivos afetivos aí presentes são sempre
derivados de verbos ou adjetivos e emitem juízos apreciativos com a finalidade
de passar proximidade, por isso demonstram subjetividade.
Outros substantivos subjetivos, também associados à afetividade, são
encontrados em três grandes parágrafos da nota. Aliás, a nota se constitui de
dois parágrafos de uma frase (aparentemente mais objetivos) e três com várias
frases cada (mais subjetivos).
Ênfase deve ser dada aos substantivos família e familiares, que indicam
a forte presença do pathos desse discurso.
Texto de poucos adjetivos, os que aparecem estão impregnados de
subjetividade que, no entanto diferem dos adjetivos estudados na nota da
Mineração, de cunho jurídico porque pretende afastar possível culpa pelo
acidente. Os que aparecem na nota da Air France estão ligados ao aspecto
reservado e telefone de emergência
conferem o tom de seriedade e respeito ao cliente que o momento requer. O
adjetivo técnico (em tripulantes técnicos) é específico para demonstrar que não
é intenção omitir qualquer fato. Assim o ethos é, mais uma vez, reforçado.
191
Os verbos, reveladores da subjetividade inerente ao enunciador, são
abundantes em comparação ao tamanho do texto. Os verbos informar,
encontrar se encontra sem notícias, efetuava a ligação entre Rio e Paris, estão a bordo, quem estiver na França pretendem ser indicativos objetivos, mas mesmo esses reforçam,
subjetivamente, o ethos de confiabilidade. Marcam, por outro lado, a posição
da empresa: embora ainda não saiba o que ocorreu, avisa seu público dessa
aparente fragilidade.
Por outro lado, os verbos lamentar em a Air France lamenta informar, dividir
em divide a emoção e inquietação, disponibilizar telefones para informações e a forma nominal famílias envolvidas, são efetivamente subjetivos e apelam ao pathos do auditório.
Nesse sentido, auxilia na construção de um caráter de empresa preocupada
com os clientes, constitutivo do ethos da organização.
Utilizados preferencialmente na ordem direta, os verbos demonstram
disposição para a ação: lamenta, se encontra, decolou, estão, disponibilizou,
divide.
Mesmo a utilização da voz passiva nas poucas ocorrências, fortalece a
intenção de ação do enunciador: serão recebidos indica disposição; é
composta tem finalidade didática.
É interessante notar a presença do presente do indicativo na oração 216
estão a bordo, seguida de a tripulação é composta de 12 pessoas [...], que transmite,
retoricamente, a vontade, a crença, de que todos estejam vivos.
O único advérbio presente no texto especialmente reservado refere-se
também à preocupação com o cliente e é altamente subjetivo ao demonstrar o
ethos de empresa solidária com os sentimentos das famílias seus clientes
potenciais.
Ao declarar A Air France lamenta informar que se encontra sem notícias,
o texto procura amenizar possível incapacidade. O enunciado apresenta um
enunciador em situação de impossibilidade e atenua o efeito de incapacidade.
O ethos é, mais uma vez, fortalecido: ao evitar a utilização de advérbios de
negação associados a qualquer característica negativa da empresa, transmite
uma atitude de proatividade, de tomada de iniciativa.
192
Em síntese, há uma personificação da empresa com a utilização de
verbos característicos de indivíduos no primeiro parágrafo. Na prática, não
cabe a uma pessoa jurídica lamentar. Pode-se dizer que o discurso dos
gestores da Air France se vale da sinestesia, figura retórica, para dar início à
criação de uma imagem positiva. Forte apelo ao pathos, em atitude de buscar a
adesão pela emoção.
A determinação de local, data e hora em que o vôo decolou demonstra
preocupação com o caráter exato da informação. A afirmação o avião decolou
apresenta fato irrefutável. O caráter veridictório é atestado O que veio depois,
não se sabe ainda. A informação sobre número de passageiros e tripulação
216 passageiros estão a bordo; a tripulação é composta de 12 pessoas nos parágrafos 2 e 3
também pretende uma captação do auditório pelo logos, pela suposta verdade,
pelo conhecimento, características típicas do discurso organizacional de cunho
jornalístico.
É de se pensar, por outro lado, que a comunicação da presença da
tripulação permite à empresa o estabelecimento de vínculo emocional que
conduz a possível isenção de culpa pelo acidente. Neste caso, trata-se de
argumento quase-lógico.
Restabelece-se o tom intimista no quarto parágrafo, em esforço de
solidariedade. Trata-se da busca por adesão pelo pathos. A nota constrói uma
personificação da empresa nas orações A Air France divide a emoção e a
inquietação. Empresas não são portadoras de sentimentos, mas são invisíveis,
intangíveis, são criações artificiais.
Assim, os termos emoção e inquietação que aparecem no quarto
parágrafo, próprios de indivíduos, são associados à Air France com finalidade
de construir um ethos solidário com os sentimentos de seus clientes.
No quinto parágrafo a empresa se coloca à disposição dos que tenham
sido afetadas pelo acidente ao criar um local especialmente reservado aos
familiares, àqueles que se encontram aflitos, ansiosos. O tom intimista, marca
da presença de pathos, persiste até o final da nota: números de telefones são
disponibilizados especialmente para atender não só aos dois países mais
envolvidos (Brasil e França), como outros que estejam interessados.
193
Embora não se fale em acidente e a empresa deixe isso claro no
primeiro parágrafo, todo o resto do texto é construído nessa direção. Os verbos
são claros nesse sentido: lamenta, divide (emoção e inquietação). Não existe
um enunciado há
uma afirmação contrária. Embora não exista certeza de tragédia, tal
possibilidade está implícita nos termos escolhidos, na construção discursiva e
no próprio conhecimento de mundo do auditório e da própria empresa.
O ethos é progressivamente construído com a finalidade de minimizar
possíveis marcas negativas na imagem da empresa.
Aparentemente claro e supostamente objetivo, o texto se caracteriza
pela subjetividade, que constrói um ethos de empresa séria, idônea, com
gestores preocupados com seus clientes. Em princípio com base no logos, no
aspecto factual da ocorrência, esse discurso está construído com elementos
típicos do pathos em sua maior parte. Mesmo as duas orações mais objetivas
são construções retóricas: O
mesmo grupo, com as mesmas preocupações e Assim, o grupo
social familiar se expande.
É preciso lembrar o que Meyer sustenta a respeito do logos. Não se
trata apenas do dizer lógico-científico, mas a linguagem reportada no discurso
da Air France permite ler afirmações (explícitas), interrogações (implícitas) e
ausência de respostas.
As afirmações explícitas estão distribuídas nos parágrafos e referem-se
ao que existe de literal: número de pessoas, passageiros, número do voo, local,
data, providências. As interrogações implícitas suscitadas são: o que ocorreu
com a aeronave? É possível que não tenha ocorrido algo de muito grave?
Quando haverá notícias concretas? A aeronave estava em boas condições? Os
tripulantes estavam capacitados? Há algo que a empresa saiba que não possa
ser revelado? Se tiver ocorrido um acidente, é possível haver sobreviventes?
Há algo que possa ser feito? Não há respostas no texto, o que o torna de
problematicidade máxima.
194
Mesmo assim a empresa pretende transmitir um ethos de sinceridade
ligado ao não-saber e não-poder.
Conforme verificado na análise da nota da Mineração Cataguases, a
sociedade, em postura pragmática, forma suas opiniões a partir das ações das
organizações em situações avaliadas e interpretadas.
No texto da Air France é possível identificar um discurso humanizado.
Posturas são identificadas e papéis são assumidos a partir do pragmatismo da
situação e da reconstrução de processos. Não há ainda uma identificação com
o discurso jurídico, que se defende de fatos passados; nem com o epidítico,
que versa sobre as qualidades ou defeitos de um sujeito. Resta, então,
identificá-lo com o discurso deliberativo ou demonstrativo. Nesse sentido, com
base na classificação de Meyer mostrada na tabela 6, trata-se do gênero
deliberativo, de problematicidade máxima, em que domina o caráter de
utilidade e as questões são de natureza duvidosa, sem critério de resolução.
De acordo com o interacionismo simbólico, pessoas atuam com
referência umas às outras, em termos dos símbolos desenvolvidos por meio da
interação simbólica. Esse processo dinâmico é mostrado socialmente na nota
da Air France por meio da preocupação com os familiares, afinal a sociedade
não existe sem o homem e este não existe sem a sociedade. O papel social da
Air France, no momento do suposto acidente (suposto porque, segundo a
primeira nota, apenas não se tem notícia), é o de acalmar as famílias e
solidarizar-se com o sentimento de aflição.
O processamento verbal escrito refletido em toda a nota ressalta a
importância do papel social da empresa, de seu comportamento:
[...] lamenta informar que se encontra sem notícias; [...] o vôo decolou no dia [...] a tripulação é composta de [...]; a Air France divide a emoção e a inquietação das famílias [...]; local especialmente reservado [...]
O texto da Air France, ao contrário do da Mineração Caraguases, que
procurava se defender de possível culpa por acidente, não se desculpa. Antes,
coloca-se à disposição dos familiares em franca atitude de interação social em
195
momento de inquietação. Faz o possível para minimizar a aflição do grupo
social familiar.
Evidentemente a ação retórica se faz sentir nesse discurso. Fortemente
associada ao pathos, procura construir na mente do leitor o sentimento de
solidariedade e empatia e amplia, assim, o reconhecimento de uma realidade
criada a partir do discurso. Por força retórica, busca despertar no auditório um
sentimento de conforto.
O discurso da Air France, por meio de símbolos e por ser social,
desenvolve representações internas e externas no auditório com intenção de
movê-lo, de convencê-lo ou persuadi-lo de que se solidariza. Nesse sentido a
construção textual, através da qual a comunicação se efetiva, vai além do
simples reconhecer de símbolos e considera os elementos externos à língua
que os influenciam diretamente.
Por privilegiar aspectos cognitivos e sociointeracionais do discurso, o
processamento das informações articula o sistema linguístico com o sistema
cognitivo do indivíduo, de forma a produzir proposições. A nota da Air France
vale-se das especificidades textuais e age na representação de mundo de seu
auditório.
Consciente ou inconscientemente, os locutores provocam experiências
diversas no auditório. As representações mentais sociais ou individuais são a
maneira de os indivíduos experienciarem o mundo, por isso, no texto mostrado,
os sentidos são construídos na mesma medida em que as representações
mentais. Em outras palavras, é possível dizer que o auditório constrói o sentido
ético da empresa com base nas suas próprias convicções, em seu
conhecimento de mundo, em seu acervo cultural e específico. Tudo é criado
para incutir na mente do auditório, a partir também das representações
possíveis e com esperanças de encontrar, nele, receptividade para as suas
crenças.
Nesse sentido, é interessante notar que o discurso da Air France,
embora procure informar dados enunciadores de fatos (números, local, hora)
deixa transparecer crenças e não verdades.
196
No instante em que se fala em crenças e não verdades, pois a nota
veicula sentimentos além das informações, é de se supor que a intenção do
discurso seja passar o verossímil, a opinião e o provável. Por meio da sugestão
e de inferências, institui um sentido novo ao que diz: supõe-se que seu papel
social seja mesmo o de solidarizar-se, em atitude ética. A empresa não mente,
age sobre as representações sociais, mesmo que em favor de sua causa.
Pretende a interação. Não lhe cabe, no momento, outro papel.
Assim, a nota evidencia-se como social porque dirigida a um grupo
(especialmente o familiar); cognitiva porque apela aos conhecimentos de
mundo dos leitores; simbólica porque construída com palavras; interacional
porque engloba complexidade e interação entre vários setores.
Neste caso, o ethos é construído a partir de um movimento solidário (a
tripulação também está na aeronave), de demonstração de sinceridade (a
empresa está sem notícias), de fornecimento de informações reais (hora de
partida, número de pessoas, tipo de aeronave). Existe ainda um aspecto ligado
ao pathos, que perpassa toda a nota e culmina no último parágrafo, com
reforço de empresa idônea: disponibilização de espaço reservado à família dos
passageiros e de linhas telefônicas para informações.
Segunda Nota da Air France sobre acidente: (01/06/2009 11h12)
A Air France lamenta informar o desaparecimento do voo AF 447 que efetuava a ligação entre Rio de Janeiro e Paris-Charles de Gaulle, chegada prevista às 11h10 (hora local), acaba de anunciar o Diretor Geral da Air France, Pierre-Henri Gourgeon. A aeronave, do tipo Airbus A330-200, matrícula F-GZCP, deixou o Rio dia 31 de maio às 19h03 (hora local).
A aeronave atravessou uma zona de tempestade com fortes turbulências às 2 horas da manhã (horário TU) 23 horas horário do Brasil. Uma mensagem automática foi recebida às 2h14 da manhã (horário TU = 23h14 horário do Brasil) indicando uma pane do circuito elétrico numa zona afastada da costa. O conjunto dos controles aéreos civis brasileiro, africano, espanhol e francês tentaram em vão estabelecer contato com o voo AF 447. O controle aéreo militar francês tentou detectar o avião, sem sucesso.
216 passageiros estão a bordo: 126 homens, 82 mulheres, 7 crianças e um bebê. A tripulação é composta por 12 pessoas: 3 tripulantes técnicos e 9 comissários. O comandante tem 11 mil horas de voo e já tinha efetuado 1.700 horas no Airbus A330/A340. Os dois co-pilotos possuem: um 3.000 horas de voo, sendo 800 horas em Airbus A330/A340 e o outro 6.600, sendo 2.600 em Airbus A330/A340.
A aeronave é equipada de motores General Electric CF6-80E. O avião tem um total de 18.870 horas de voo e começou a operar em 18 de abril de 2005. A última visita de manutenção em hangar foi feita em 16 de abril de 2009. A Air France divide a emoção e a inquietação das famílias envolvidas.
197
Os familiares serão recebidos num local especialmente reservado no aeroporto de Paris Charles de Gaulle, assim como no Salão Nobre do Aeroporto Internacional do Galeão, localizado no 1º do prédio da administração.
Números toll free estão disponíveis:
Para todo o Brasil: 0800 881 2020;
Para a França: 0800 800 812;
Para outros países: + 33 1 57 02 10 55
A segunda nota apresenta partes da primeira e acrescenta outros dados.
O primeiro parágrafo da segunda nota da Air France, emitida duas horas
após a primeira, mantém o estilo anterior e admite que a aeronave está
desaparecida. Repete quase os mesmos termos do texto anterior, porém
instaura um porta-voz efetivo. O anúncio feito pela pessoa do Diretor Geral e a
identificação de seu nome atestam compromisso com o aspecto factual e
amplia, dessa forma, a credibilidade. Como na nota anterior, ainda é a voz da
empresa, porém aqui há um comprometimento maior com os públicos, por isso
foi acrescentado o nome do diretor geral, autoridade máxima da empresa.
A Air France lamenta informar o desaparecimento do voo AF 447 que efetuava a ligação entre Rio de Janeiro e Paris-Charles de Gaulle, chegada prevista às 11h10 (hora local), acaba de anunciar o Diretor Geral da Air France, Pierre-Henri Gourgeon. A aeronave, do tipo Airbus A330-200, matrícula F-GZCP, deixou o Rio dia 31 de maio às 19h03 (hora local).
Referências sobre a aeronave são acrescentadas e, no segundo
parágrafo, há um relato minucioso do itinerário do voo até o seu
desaparecimento.
A aeronave atravessou uma zona de tempestade com fortes turbulências às 2 horas da manhã (horário TU) 23 horas horário do Brasil. Uma mensagem automática foi recebida às 2h14 da manhã (horário TU = 23h14 horário do Brasil) indicando uma pane do circuito elétrico numa zona afastada da costa. O conjunto dos controles aéreos civis brasileiro, africano, espanhol e francês tentaram em vão estabelecer contato com o voo AF 447. O controle aéreo militar francês tentou detectar o avião, sem sucesso.
198
A utilização de números enfatiza o caráter veridictório, ou seja, o
enunciador pretende demonstrar exatamente o que sabe, fala sobre o que tem
certeza. Aqui já é possível considerar a probabilidade de um discurso jurídico
de defesa.
As informações sobre tempo [2 horas, 23 horas, 2h14, 23h14] são
precisas. Em uma mensagem automática foi recebida às 2h14, há exatidão até
no número de minutos. Conforme comentado, Perelman declara que o par
aparência-realidade nasceu de certas incompatibilidades entre aparências,
uma vez que estas não podem ser todas consideradas expressão da realidade.
Enquanto às aparências é facultado se oporem, o real é coerente, ou seja, seu
efeito é dissociar, entre as aparências, as que são enganosas das que
correspondem ao real. Esse ponto torna o discurso argumentativo: se o real é o
coerente, o não enganoso, a aparência seria o ilusório. De qualquer forma, o
texto da empresa precisa sustentar-se, ao menos em parte, em fatos, na
realidade.
Nesse sentido, o discurso da Air France apresenta-se com forte
componente de realidade, ou seja, busca sustentar-se em argumentos com
base no real.
No entanto, não consegue desvencilhar-se da subjetividade, elemento
constitutivo do discurso, conforme concepção de Benveniste, anteriormente
comentada. O estudo dos subjetivemas elaborados por Orecchioni auxiliam
novamente a observar a constituição subjetiva do ethos da Air France.
Os substantivos tempestade, turbulências e pane, presentes no texto
da nota, embora pareçam objetivos porque representam fatos, são constituintes
de subjetividade. É possível enquadrá-los em avaliativos não axiológicos,
conforme classificação proposta por Orecchioni, ou seja, não correspondem a
uma posição clara. Percebe-se que a intenção na escolha desses substantivos
é fortalecer a isenção da empresa: talvez tenha havido o acidente por culpa da
tempestade, das turbulências que eram fortes, da pane no circuito elétrico.
Aliás, a colocação desses substantivos antes do acidente, conduzem o leitor a
tecer uma possível causa com base no r- . O auditório é levado a
199
construir um quadro de acidente devido aos fatos colocados. A aeronave é
inserida em um ambiente propício a acidente ou a um dano.
O substantivo desaparecimento, derivado do verbo desaparecer, tem
função subjetiva de suavizar um possível impacto
provocaria no leitor. Embora evitado em todo o texto, esse termo está implícito.
216 passageiros estão a bordo: 126 homens, 82 mulheres, 7 crianças e um bebê. A tripulação é composta por 12 pessoas: 3 tripulantes técnicos e 9 comissários. O comandante tem 11 mil horas de voo e já tinha efetuado 1.700 horas no Airbus A330/A340. Os dois co-pilotos possuem: um 3.000 horas de voo, sendo 800 horas em Airbus A330/A340 e o outro 6.600, sendo 2.600 em Airbus A330/A340.
A aeronave é equipada de motores General Electric CF6-80E. O avião tem um total de 18 870 horas de voo e começou a operar em 18 de abril de 2005. A última visita de manutenção em hangar foi feita em 16 de abril de 2009. A Air France divide a emoção e a inquietação das famílias envolvidas.
O terceiro e o quarto parágrafos reforçam o caráter veridictório com mais
informações numéricas. O texto procura despertar na mente do leitor, pelo
logos, a certeza de que a empresa é idônea, séria. Assim, justifica sua
seriedade com informações pertinentes sobre a capacidade funcional da
tripulação e a qualidade da aeronave. Os argumentos utilizados nesses dois
parágrafos são o da quantidade e da qualidade. Os argumentos da qualidade
são decorrentes dos da quantidade, ou seja, um piloto com onze mil horas de
voo certamente é experiente e sabe o que fazer em situações emergenciais. O
mesmo ocorre com os outros membros da tripulação. Da mesma forma, a
qualidade da aeronave é atestada pela marca que carrega. A qualidade é
inferida também pelo cuidado com a manutenção.
Quantidade: 216 passageiros: 126 homens, 82 mulheres, 7 3 tripulantes
1.700 horas no Airbus A330/A340. Os dois co-pilotos: um 3.000 horas
18 870 horas
Qualidade: A aeronave é equipada de motores General Electric CF6-80E começou a última manutenção em hangar em 16 de abril de 2009.
200
O último parágrafo da nota é a repetição do que havia sido veiculado na
primeira nota, já analisada.
Como se vê, a aparente objetividade dos números demonstra
subjetivamente a construção da defesa prévia de uma possível culpa.
Os poucos adjetivos presentes na nota reforçam subjetivamente a
ausência de culpa da empresa. Assim, as turbulências eram fortes, ou seja,
não há o que fazer nesses casos. Até pilotos experientes não conseguem
evitar as consequências desse fenômeno. Mesmo de posse do comunicado
automático enviado pela aeronave que indicava pane, não havia o que fazer,
pois se encontrava em zona afastada. Esses adjetivos funcionam como
justificativa antecipada do suposto acidente.
Os verbos que demonstram subjetividade aparecem ligados a
advérbios. Assim, na oração tentaram em vão estabelecer contato, o verbo
tentar, que poderia demonstrar um ethos enfraquecido porque está ligado não
a uma ação, é reforçado pela locução adverbial em vão e ganha o significado
de haver esgotado as possibilidades, de luta. Dessa forma, é construído um
ethos de empresa empenhada em resolver a questão. O verbo tentar aparece
novamente em O controle aéreo militar francês tentou detectar o avião, sem
sucesso. Aí também associado a uma locução com significado de
impossibilidade, reforça o argumento da inocência e enfatiza o sentido de
busca por solução.
O argumento é mais uma vez reforçado pela presença de autoridades
constituídas como sujeito da ação: o conjunto de controles aéreos de vários
países tentou em vão e o controle aéreo militar francês tentou sem sucesso.
Assim, as inúmeras tentativas feitas por vários atores produzem um
sentido de seriedade e esforço conjunto, e reforçam o ethos de empresa
empenhada na solução e, ao mesmo tempo procura minimizar possíveis
marcas na imagem da empresa.
No texto da segunda nota o discurso se volta para o caráter mais prático
e os papéis assumidos são os instituídos. Apresenta-se o diretor da empresa
como porta-voz. Ao assumir a voz da empresa e dar-lhe uma assinatura,
201
evidencia-se um compromisso discursivo mais concreto. O papel social do
diretor, naquele momento, é o de fortalecer o ethos de seriedade da empresa,
que deixa de ser abstrato e se concretiza por meio do papel que lhe é atribuído
juridicamente.
Há um reforço retórico em direção ao discurso jurídico, como busca de
defesa antecipada de fatos que ainda não são conhecidos, mas que já se
delineiam como passíveis de defesa por parte da empresa.
Tal antecipação é uma das formas de construção do ethos: o enunciador
da segunda nota elabora seu texto, desde o início, em bases factuais,
fortemente associadas ao logos. Busca argumentos na inevitabilidade dos
fenômenos meteorológicos tempestade, turbulência; na espacialização
representada pela distância entre aeronave e aeroporto e na utilização da
autoridade constituída para fortalecer seu ethos.
Dessa maneira, na segunda nota a força retórica está em estabelecer
confiabilidade no auditório pelo logos. Os aspectos ligados ao pathos estão
presentes no primeiro e último parágrafos, já analisados na nota anterior, pois
aparecem repetidos.
Se o discurso da primeira nota procura desenvolver representações
internas e externas de solidariedade, o da segunda busca demonstrar o
convencimento a partir da ênfase nos esforços que estão sendo feitos.
Enquanto a primeira nota tem um auditório definido: o grupo social
familiar, a segunda se dirige a um grupo mais abrangente: todos os
interessados familiares naturalmente, países interessados, sociedade em
geral, concorrentes e a própria empresa. Esse discurso está dirigido a um
auditório mais universal, ou seja, a Air France fala sobre sua competência a
todos que quiserem saber: mão-de-obra atestadamente qualificada por muitas
horas de trabalho e treinamento e máquinas vistoriadas e conferidas.
Conforme verificado em Meyer, o percurso argumentativo do logos a
partir do estabelecimento da razão passa pelos conceitos de implícito e
explícito, considera a existência do outro na figura do auditório e leva em conta
os efeitos de sentido.
202
Observa-se que a argumentação utilizada na segunda nota da Air
France tem forte ligação com o logos. Assim como comentado no primeiro
texto, não se trata de lógica formal, porém há uma quantidade de informações
que levam o auditório/leitor a inferir pela autenticidade das informações a partir
de fatos e dados: a aeronave tem 18870 horas de voo, é equipada de motores
GE CF6- .
Esses números poderiam conduzir à literalidade textual e, nesse caso, a
problematicidade seria baixa ou nula. Talvez seja esse o propósito da nota. No
entanto, ao gerar questões incertas, transforma o discurso em jurídico, ou seja,
de grande problematicidade. Ao gerar questões duvidosas, o transforma em
gênero deliberativo, de problematicidade máxima.
Os pontos de proximidade com o discurso jurídico transmitem um ethos
de autoproteção. Em outras palavras, a nota deixa transparecer uma defesa
prévia de futuras acusações contra a falta de manutenção da aeronave, por
exemplo, e de questionamentos sobre a competência da tripulação.
Os pontos que o aproximam do discurso deliberativo imprimem um ethos
utilitarista, que pretende resolver questões práticas.
A terceira nota foi emitida duas horas após a segunda e retoma o tom
intimista da primeira.
Terceira Nota da Air France sobre acidente: (01/06/09 - 13h49)
"Air France dirige suas sinceras condolências às famílias e amigos dos passageiros e membros da tripulação que se encontravam a bordo do voo AF 447 do dia 31 de maio, desaparecido entre o Rio de Janeiro e Paris Charles de Gaulle.
A Air France está concentrando todos os seus esforços em dar suporte às famílias e parentes: uma assistência psicológica foi instalada no aeroporto de Paris Charles de Gaulle 2 e no Salão Nobre do Aeroporto do Rio de Janeiro, localizado no 1º andar do prédio da administração. Ela é composta de médicos e psicólogos, assim como voluntários da empresa, especialmente treinados para estas situações.
A empresa também colocou à disposição um número de telefone toll free especial de atendimento às famílias dos passageiros. Ela informa, conforme solicitação, de uma eventual presença a bordo de um familiar.
Números de telefone reservados às famílias
0800 881 20 20 para o Brasil,
0800 800 812 para a França,
e 33 1 57 02 10 55 para outros países
Air France comunicará outras informações assim que elas estiverem disponíveis."
203
Enquanto nas duas primeiras notas, a referência aos passageiros a
bordo se faz sempre com verbos no presente: 216 passageiros estão a bordo, na
terceira, o verbo apresenta-se no passado. Trata-se de uma colocação
subjetiva de que passageiros e tripulação estão desaparecidos e, por meio de
raciocínio lógico-dedutivo conduz o leitor e o prepara para notícia pior.
Ainda que não diga diretamente que passageiros e tripulação morreram,
constrói retoricamente essa possibilidade, pois o substantivo condolência é
sempre utilizado em situações de morte, embora sua origem signifique
solidariedade na dor (cum dolere).
O grupo social familiar a que se dirigia a primeira nota é ampliado.
Nessa terceira, o discurso se dirige aos familiares, parentes e amigos. Aliás,
esses substantivos, além de delimitarem o auditório, retomam o tom de
intimidade que se estabelece entre enunciador (Air France) e auditório (seus
públicos).
Os esforços da empresa são ampliados e incluem também familiares e
amigos, uma vez que esse é seu auditório no momento: A Air France está
concentrando todos os seus esforços em dar suporte às famílias e parentes:
uma assistência psicológica foi instalada no aeroporto. O advérbio todos
pretende marcar o empenho, a intensidade com que a empresa se esforça por
atender bem àqueles que dela necessitam.
Embora dirigido a um auditório universal (PERELMAN, 1999: p. 36),
porque a principal função das notas sobre acidentes é informar a versão da
empresa ao maior número de pessoas, percebe-se que há uma
particularização do auditório nessa terceira nota, a quem procura agradar ou de
quem busca angariar simpatia: familiares, amigos, parentes. Nesse sentido, a
empresa colocou psicólogos, médicos e pessoal especialmente treinado para
atender a esse público particular.
Enfatize-se ainda que, ao disponibilizar esses profissionais
especializados, a empresa apela retoricamente para o lugar da qualidade.
Assim, argumentos da quantidade (representada pelo público além da
empresa: familiares, amigos...) e da qualidade (da aeronave, da tripulação e da
própria empresa) são mostrados no discurso da Air France.
204
O adjetivo sinceras condolências reforça o sentimento partilhado e também
pretende despertar a simpatia do auditório. O termo promove uma aproximação
pelo pathos, ou seja, trata-se de um apelo argumentativo a partir da emoção. É
de se questionar, nesse aspecto, se haveria condolências não sinceras...
O curto intervalo entre as três notas leva a pensar na possibilidade de a
empresa estar preparando seu público para uma notícia ruim. Na primeira nota,
o esforço está em lamentar o desaparecimento e colocar-se à disposição; na
segunda, o foco é a confiabilidade da aeronave, da equipe e, retoricamente, da
Air France; na terceira, o foco é o próprio auditório. Esse triplo movimento no
tempo conduz à crença de que se trata de empresa séria, idônea, preocupada
com a veracidade dos fatos e com o bem estar dos seus públicos (familiares,
parentes e amigos).
É possível observar nas três notas da Air France a existência dos pares
filosóficos dicotômicos comentados no Capítulo III: ser x parecer, objetividade x
subjetividade e suas categorias verdade x segredo. A empresa busca parecer
séria e sincera. Por meio da exatidão, de números e da autoridade de seu
diretor geral, estabelece um nível de veracidade que não deve ser contestada.
Outro indicador dessa veracidade é a rapidez das informações: tão logo
surgem novas notícias, a empresa disponibiliza informações ao público.
5.3 A ÉTICA NAS NOTAS SOBRE ACIDENTE
Após a análise dos textos, é preciso comentar a questão ética envolvida
nesses acidentes sob a ótica retórica e em quê influi na composição do ethos.
5.3.1 MINERAÇÃO CATAGUASES
Os enunciadores da nota da Mineração Cataguases buscaram escudar-
se em fenômenos climáticos, em figuras retóricas hiperbólicas. Percebe-se
uma fuga implícita de responsabilidade, que se configura na inclusão de
corresponsáveis: Ministério Público das Minas Gerais, órgãos ambientais dos
Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Há ainda a afirmação de que o
205
acidente de 2007 não tem relação com o de 2006, o que se configura como
duvidosa.
Embora a nota informe que não se furtará às suas responsabilidades,
em uma única frase no final do texto, a postura da empresa não parece refletir
um caráter ético no sentido socrático, segundo o qual a ética sustenta que o
poder libertador do verdadeiro conhecimento é que se atinge o Bem. Como a
nota demonstra muito mais preocupação em isentar-se de culpa do que dar a
conhecer o que de fato ocorreu, o texto não demonstra efeito transformador
para com a sociedade. Trata-se mais de uma postura individual do que social.
Nesse sentido, se aproxima mais do conceito de ética de Platão, para quem o
prazer está ligado à virtude e esta ao bom uso da razão: a mineração busca
uma justificativa racional e de forma independente das normas estabelecidas.
Se por um lado o texto da Mineração utiliza a ética de Platão, para quem
a Lei deve moldar o real, por outro vai contra a ética de Aristóteles, para quem
a virtude está em trilhar o caminho do meio. Não se percebe caminho do meio
na nota oficial: ela se constrói sobre a certeza de que a empresa é infalível,
pois havia cumprido todas as normas e diretivas de autoridades governamentis
e de meio ambiente. O texto não exercita o caminho entre o excesso (assumir
a responsabilidade pelo acidente provocaria uma perda que poderia
comprometer as finanças da empresa) e a ausência (esquivar-se da culpa). A
escolha sensata seria um meio termo, difícil de encontrar. Porque decisões não
são fáceis nem simples, a empresa optou pelo mais plausível: o da ausência.
Assim, a culpa recai sobre o fenômeno climático.
É possível identificar o conceito de ética de Kant na nota da Mineração,
para quem os campos da moral movem- - , dos valores
que só têm existência na consciência dos sujeitos, pois é justamente a questão
da consciência do sujeito que, nesse caso, é individual. Evidentemente, nesse
caso, as obrigações da empresa seguem o imperativo hipotético (que existe
apenas em certas condições) e não o categórico (dizer a verdade, cumprir a
palavra dada, não ferir inocentes...).
De certa forma, é possível que o texto também se aproxime da ética
conforme Hegel, que não se prende ao indivíduo, como em Kant, mas amplia
206
sua extensão ao social. Há uma preocupação não em ser ético, mas em
demonstrar um comportamento ético: a empresa cumpriu todas as obrigações
para com os órgãos do estado e do meio ambiente. Além do mais, não se
furtará às suas responsabilidades, caso fiquem comprovadas.
Da mesma forma, algumas colocações de Foucault sobre ética podem
ser depreendidas do texto da Mineração. Um aspecto está ligado à
identificação do sujeito (empresa) com a verdade. Nesse sentido, não é a
natureza do sujeito que está em jogo, mas sua segunda natureza; não o que é
posto (pretensa culpa), mas a possibilidade (não-culpa). Outro aspecto está
ligado ao modo de subjetivação: não se pode aplicar indiscriminadamente um
modo de ser, por isso a comunicação da Mineração reflete mais uma
preocupação com a imagem da empresa do que com a verdade. Ligado à
questão da verdade, embora devam estar na base das comunicações
organizacionais para consolidar a imagem que pretendem evidenciar, percebe-
se grande preocupação da Mineração em não se comprometer, por isso
enfatizam os fenômenos climáticos como responsáveis pelo acidente.
É possível ainda observar nesta nota, sinais da ética capitalista de
Weber, que prevê uma concepção utilitarista: como somar ou ganhar dinheiro é
a finalidade última, a defesa da Mineração não vai contra os princípios
utilitários de tal ética.
Por último, a nota vale-se dos pares antitéticos elaborados por Perelman
(Platão e Spinoza também os haviam comentado). A ética da Mineração,
assim, é elaborada a partir dos pares aparência (de correção) x realidade (não
se sabe), meio x fim, real x ideal, certo x errado.
5.3.2 AIR FRANCE
As notas da Air France buscam transmitir, ao menos em um primeiro
momento, preocupação ética com a verdade: são emitidas três notas em
intervalos curtos de aproximadamente duas horas. Nesse sentido, é possível
identificar alguns traços da ética dos pré-socráticos, que já se preocupavam
com as noções de erro e reparação. A empresa evita errar, pois os reparos
nem sempre serão satisfatórios no que se refere à construção da imagem.
207
Há aproximação do conceito de ética segundo Sócrates, para quem a
ação justa deriva do exato saber. Nesse sentido, a Air France parece optar pela
busca dos fatos, além de exercitar a noção de bem, ou seja, ligada ao ideal do
A empresa parece adotar também a noção de ética conforme Platão, no
que se refere ao mais duradouro, estável, essencial e racional. Ao comunicar o
que está acontecendo e disponibilizar espaço e tempo aos familiares, amigos e
parentes, de certa forma demonstra a práxis da virtude e o bom uso da razão.
Observada a ética conforme Aristóteles, talvez seja possível afirmar que
a nota peca pelo excesso de certo tipo de informações: detalhes numéricos de
horas de voo da aeronave e tripulação, número de passageiros, idade da
aeronave e outras consideradas como relevantes. A empresa procura, com tal
nível de detalhes, construir o ethos de séria, responsável. De qualquer forma e
neste caso, antes pecar pelo excesso do que pela falta, afinal, trata-se de
preocupação legítima com o bem público, outro aspecto da ética aristotélica.
Assim, é mais provável que se trate de sensatez do que de excesso. Nesse
caso, é também virtuosa.
O texto da Air France não parece refletir o pensamento ético conforme
Kant, para quem a ética está ligada a regras absolutas. Em acidentes desse
tipo fatores de abrandamento: contingências, imprevistos e probabilidades. Não
O texto deixa transparecer muito mais
possibilidade do que realidade. Não se concebe o fato morte, embora esteja
implícito: as notas são tecidas de forma gradativa, porém nada de
substancialmente novo é acrescentado.
É possível ainda estabelecer aproximação com a ética de Hegel, para
quem os valores dos indivíduos não existem senão em grupo. A nota não é
dirigida a um sujeito determinado, mas a um grupo com traços e interesses
comuns: todos querem saber o que aconteceu à aeronave e principalmente aos
passageiros.
Perpassa o texto da Air France o que Foucault entende por ética, ou
seja, a possibilidade da existência de um sujeito como agente das práticas
sociais. Percebe-se a intenção da empresa em agenciar aspectos que denotem
208
preocupação social e não individual. As três notas demonstram que a Air
France está disponível ao público interessado. O filósofo elabora quatro
elementos de cunho ético, dos quais podem ser observados três nesses
comunicados: a busca pela identificação com a verdade, o trabalho ético ligado
ao saber e a prática de dizer a verdade.
Não se percebe nessas notas o conceito ético conforme Weber, pois
não há indícios de preocupação com a condução das finanças. Como seu
conceito não se limita a esse aspecto, a nota utiliza o forte apelo emocional
característico da ética capitalista desse filósofo.
A ética de Perelman está calcada em questionamentos sobre a justiça e
os pares filosóficos. O autor comenta que seria preciso não ocorrer qualquer
ligação emotiva para que houvesse ética, o que é quase impossível. Nesse
sentido, pode-se afirmar que as notas se afastam do pensamento de Perelman
porque contêm forte apelo emocional. Por outro lado, o texto da Air France está
calcado nos pares filosóficos do ser-parecer (não se sabe o que houve, o texto
veicula o não-ser), verdade-mentira (não se conhece a verdade sobre o vôo, o
texto informa detalhes periféricos), real-ideal (morte x desaparecimento).
Em síntese, ainda que as duas empresas, de formas diversas, tenham
buscado uma postura ética, percebe-se que as notas da Air France transmitem
essa preocupação mais enfaticamente. A da Mineração Cataguases, por outro
lado, mostra-se mais voltada à defesa de possível culpa.
As organizações, em sentido genérico trabalham com valores numéricos
embora possam estar muito subjetivos no seu discurso. De qualquer forma,
não devem negligenciar as questões ligadas à ética.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
pós estudo da composição do ethos da organização por meio da
comunicação organizacional, mais especificamente da análise de
notas de acidente, uma das evidências é a grande complexidade do
discurso organizacional. Não se trata apenas da complexidade inerente a todos
os discursos, que já é suficiente para discussões aprofundadas, mas de outras
questões que o envolvem, por exemplo, a quantidade de gêneros que veiculam
os fatos da organização, a diversidade de formas de comunicação, a
dificuldade em relação aos papéis sociais ali praticados.
Embora o trabalho não tenha pretendido esgotar o assunto, o que seria
ingênuo, ou mesmo fornecer uma visão global do que seja a matéria,
considerada sua abrangência, acreditamos ter conseguido situar o objeto em
meio a panorama tão amplo e justificar a escolha do corpus.
[Repetimos que a pesquisa investigou o discurso da organização, assim,
não é intenção apontar problemas ou propor soluções, mas analisá-lo sob o
ponto de vista da sua eficácia. Para inteireza do texto, o capítulo I inclui
algumas diretrizes pragmáticas baseadas em autores acadêmicos com
experiência em gerenciamento de crise.]
Os postulados de Benveniste evidenciam que existe uma subjetividade
inerente ao sujeito sempre que o sujeito faz uso da palavra (verbal ou
escrita), seu discurso já é subjetivo , porém a busca pela objetividade ocorre
em inúmeras situações.
Alguns gêneros do discurso organizacional, embora possam parecer
objetivos em uma primeira leitura, acabam por se mostrar bastante subjetivos.
É o que ocorre com notas oficiais sobre acidentes. Imagina-se (e espera-se)
que deva existir uma preocupação em transmitir os fatos, a realidade. A leitura
de notas dessa natureza conduz a esse raciocínio. Dessa forma, o leitor já é
conduzido a acreditar no texto.
A
210
Genericamente, o leitor busca nas notícias o conhecimento dos fatos, as
ocorrências, seus desdobramentos. Diante de um acidente, o primeiro impulso
é acreditar na veracidade textual e isso acontece porque a intenção do texto
jornalístico é mostrar fatos. Tal veracidade, no entanto, é construída
discursivamente e o enunciador se esforça por mostrá-la na sua inteireza.
Uma nota de acidente não deixa de ser uma notícia, assim, é esperado
que veicule o fato. Por parte da empresa, no entanto, é possível que haja
outras intenções. Daí a necessidade de verificar, por meio de aspectos
subjetivos, quais seriam essas intenções.
Nesse sentido, o estudo dos subjetivemas conforme elaborado por
Orecchioni mostrou que a escolha dos verbos, substantivos, adjetivos e
advérbios contribui para a construção de uma imagem da organização. Assim,
a nota da Mineração Cataguases utilizou subjetivemas que afastassem a
empresa de possível culpa pelo acidente. As notas da Air France optaram por
termos ligados ao aspecto emocional, provavelmente com a mesma intenção.
Assim, as duas organizações tiveram outros objetivos além de apenas informar
sobre a ocorrência.
Evidentemente toda escolha lexical já é subjetiva por ser inerente ao
sujeito, porém não se trata aqui desse aspecto da subjetividade, mas daquele
que se relaciona ao que existe inserido no dizer, o não-explícito.
Analisar os aspectos das classes gramaticais conforme Orecchioni
resolve dois problemas: 1) evidencia que existem palavras essencialmente
objetivas, apesar da subjetividade inerente ao sujeito e 2) mostra diferentes
níveis de subjetividade nos próprios lexemas. Assim, algumas palavras são
subjetivas por natureza e outras, objetivas.
Outra contribuição dos estudos da subjetividade relaciona-se aos
critérios retóricos que permitem interpretar as notas oficiais de acidente como
formadoras do ethos da organização. É de se lembrar, por exemplo, a tabela
elaborada por Coombs a respeito de estratégias para gerenciamento de crises
que, se analisadas criteriosamente, evidenciarão o caráter subjetivo e
constituinte do ethos da organização.
211
A retórica observada sob qualquer ângulo é essencialmente subjetiva.
Os teóricos que dela se ocupam são unânimes em afirmar que o demonstrável
não faz parte do escopo retórico.
Nesse sentido, sabe-se que aquele discurso laudatório praticado
inicialmente pela comunicação organizacional cedeu lugar às competências
comunicativas e o conceito de comunicação organizacional passou a ser
reconhecidamente do âmbito da retórica, da mesma forma como retórica é a
relação de poder na empresa, pois, conforme Torquato, essa relação também
se efetiva em decorrência do ato comunicativo.
Os critérios retóricos elaborados a partir de Aristóteles, Perelman e
Meyer permitem interpretar as notas oficiais de acidente como formadoras do
ethos da organização. Tais critérios fundamentam-se nas três provas retóricas
(Aristóteles) já comentadas: pathos, logos e o próprio ethos.
As notas da Mineração Cataguases e da Air France argumentam pelo
logos conforme concepção de Meyer porque contém afirmações, suscitam
interrogações, possuem informações implícitas e explícitas, repousam sobre a
figura do auditório nas questões por ele denominadas como problematológicas
e levam em conta os efeitos de sentido.
As reações do auditório representam o pathos, ou seja, os sentimentos,
as emoções, os desejos nele despertados. Embora a nota da Mineração
Cataguases não pareça determinada a despertar emoção, certamente provoca
resposta favorável ou desfavorável por parte do auditório, que se traduz ao final
pela aceitação ou recusa das informações veiculadas. A análise das notas da
Air France explora o pathos, pois trata da possível morte de pessoas, assunto
eminentemente emocional.
Um ethos de inocência é elaborado no discurso da Mineração. A
minimização ou ausência de culpa é construída retoricamente por meio de
reforços do logos (fenômeno climático de grandes proporções) e pela utilização
do argumento de autoridade (ministérios, órgãos ambientais) que desperta a
confiança no auditório, ou seja, a presença do pathos. Tal ethos tem força para
criar uma boa imagem da organização, melhorá-la, caso não seja positiva, ou
mantê-la, se for boa. Embora no caso das notas da Air France haja uma
212
predominância do pathos, e o logos componha aspectos que provocam
questionamento esse discurso é mais problematológico ou mais retórico do
que o da Mineração, uma vez que suscita mais questões no auditório o ethos
construído é o de empresa idônea e preocupada com seus públicos internos e
externos.
Os conceitos de Aristóteles e Perelman referentes à argumentação
certamente contribuíram para a análise retórica das notas oficiais. Embora o
foco do trabalho não tenha sido a análise de argumentos, alguns deles foram
identificados (classificação de Perelman). É novamente a Meyer que
recorremos para comentar sobre a argumentação como mecanismo retórico.
Ao estabelecer três concepções para argumentação, este autor coloca o
questionamento do auditório também em três articulações que se aproximam
do conceito de gênero retórico conforme Aristóteles. Assim, se o primeiro tipo
de argumentação está associado à dialética (Aristóteles a Toulmin), a pergunta
à factualização. O segundo tipo
é de cunho pragmático e linguístico e a pergunta se associa à qualificação. O
terceiro tipo liga-se à comunicação e à teoria do acordo entre os sujeitos, ou
seja, estabelece a legitimidade.
Os argumentos encontrados nas notas da Mineração e da Air France
são do primeiro tipo (o quê aconteceu) e do terceiro (por quê, qual a
legitimidade). No primeiro caso as empresas solicitam e esperam aprovação do
leitor e no terceiro desejam o reconhecimento das razões que a levaram a
produzir tal discurso.
Esclarecidos os cr tríptico
é possível afirmar que o entendimento dos
mecanismos retóricos permite uma melhor compreensão da construção
retórico-argumentativa das notas de acidente.
Embora as notas de acidente sejam construídas retoricamente porque
se trata de texto argumentativo, com elementos ligados ao pathos, logos e
ethos, é preciso que exista um nexo com a realidade. De qualquer maneira, as
organizações esperam que o auditório perceba sua versão como real.
213
Retomando Perelman, como o sentido de real é aquele que o auditório
entende ou crê ser real, o real também é construído retoricamente. A nota da
Mineração estabeleceu seu discurso sobre dados reais, os quais se incumbem
de legitim
e são conhecidas como causadoras de catástrofes. Fazem parte do real, do
conhecimento de um auditório universal, portanto. A causa do rompimento da
barragem é construída retoricamente com base em fatos e conhecimento
prévio. Não é possível saber, no momento do acidente, qual a verdadeira
causa, assim o enunciador enuncia retoricamente e constrói seu ethos com
base no que é mais conveniente. Se o auditório aceitar como real, como
verdade, a questão é resolvida. Caso contrário, permanece uma questão de
problematicidade máxima. De qualquer modo o enunciador se empenha por
criar um ethos confiável e o reforça com argumentos de autoridade.
O mesmo acontece com as notas da Air France, que recorre ao
demonstrável e, dessa forma, obtém a adesão do auditório. Número de
passageiros, horas de voo da aeronave e da tripulação são elementos que
podem ser constatados pelo público, assim, argumentos de qualidade e
quantidade se mesclam na constituição retórica do ethos da empresa. O apelo
ao pathos adiciona um caráter emocional oportuno ao momento que, aliado à
interação simbólica, reforça a imagem de empresa sólida e humanizada que
cumpre seu papel social.
A organização espera por meio de suas notas de comunicação de
acidente que o auditório perceba sua versão como real. É possível que os fatos
tenham sido distorcidos, mas o auditório reagirá conforme sua percepção.
Vinculado a esse papel social, encontra-se a ética da organização.
Embora vários pensadores tenham se ocupado do estudo do assunto e alguns
estabeleçam que a ética é um conceito mais universal, pré-determinado e
deriva de uma construção antropológica enquanto a moral pode ser construída
retoricamente, para efeito desse trabalho entende-se que não existem limites
rígidos entre ética e moral. Não há uma linha que define o que é específico da
ética e o que é da moral, mas pontos de sobreposição, de contato. Como esses
limites não são claros, utiliza-se a palavra ética. O papel da ética, dessa forma,
é fornecer diretrizes para a elaboração de um discurso com base em valores
214
(quadro de Aristóteles). As notas das duas empresas procuram mostrar
preocupação com a ética.
Uma vez respondidas as perguntas propostas no início deste trabalho,
confirma-se, assim, que os estudos de retórica utilizados como recursos de
análise do discurso contribuem para comprovar não apenas a constituição do
ethos das organizações, mas o reflexo desse ethos nas suas práticas. Em
outras palavras, a imagem da empresa é construída também por meio das
notas oficiais sobre acidentes.
A hipótese de que existe um discurso fortemente marcado por
argumentos em função da problematicidade e dimensão do acidente é, então,
confirmada. Os textos das notas de acidente são criados e se interpõem
profundamente ao discurso consolidado para minimizar eventuais pontos
negativos e evidenciar a força da instituição.
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