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JUCLIA LINHARES GRANEMANN
EDUCAO INCLUSIVA: ANLISE DE TRAJETRIAS E
PRTICAS PEDAGGICAS
UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO
Campo Grande - MS 2005
JUCLIA LINHARES GRANEMANN
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EDUCAO INCLUSIVA: ANLISE DE TRAJETRIAS E PRTICAS
PEDAGGICAS
Dissertao apresentada ao Mestrado em Educao da Universidade Catlica Dom Bosco, como exigncia final para obteno do ttulo de Mestre, elaborada sob orientao da Prof Dr Josefa Aparecida Gonalves Grigoli.
UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO Campo Grande - MS
2005
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Dissertao intitulada: EDUCAO INCLUSIVA: ANLISE DE TRAJETRIAS E
PRTICAS PEDAGGICAS apresentada por JUCLIA LINHARES GRANEMANN,
como exigncia parcial para obteno do grau de Mestre em Educao a banca examinadora
da UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO, Campo Grande MS.
BANCA EXAMINADORA
_________________________
Prof Dr Alexandra Ayach Anache
UFMS - Campo Grande, MS
__________________________
Prof Dr Maria Amlia Almeida
UFSCar - So Carlos, SP
_________________________
Prof Dr Josefa Aparecida Gonalves Grigoli (Orientadora)
UCDB - Campo Grande, MS
Campo Grande/MS, maio de 2005.
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AGRADECIMENTOS
professora Dr Josefa Aparecida Gonalves Grigoli, minha orientadora, pelo carinho, pelo auxlio, pelo direcionamento, pelo empenho e pelo estmulo dado no decorrer do trabalho. Suas sugestes foram extremamente valiosas e imprescindveis ao andamento da pesquisa.
professora Dr Maria Amlia Almeida, pelo carinho, pela ateno e pelo aceite em participar da banca, contribuindo com seu conhecimento e sua competncia na rea, para a melhoria e o desenvolvimento do trabalho.
professora Dr Alexandra Ayach Anache, pelo carinho e pelo apoio em todas as situaes necessrias. Suas orientaes e informaes aprofundadas e atuais possibilitaram o bom direcionamento do trabalho.
professora Maria Cristina Marquezine, minha orientadora da Especializao em Educao Especial da Universidade Estadual de Londrina (UEL), pelo carinho, pela ateno, pela disponibilidade e pelo conhecimento que muito me proporcionou e ainda continua a oferecer-me.
s professoras Dr Helena Faria de Barros e Dr Leny Rodrigues Martins Teixeira, bem como aos demais professores do Mestrado em Educao da Universidade Catlica Dom Bosco, pelos ensinamentos, pelo apoio e pelo carinho dispensados.
Aos meus familiares, pelo auxlio e pela compreenso nesta trajetria.
Aos participantes da pesquisa que solicitamente colaboraram com o desenvolvimento e os resultados deste trabalho. A ateno e a vontade de me prestarem ajuda estiveram sempre presentes nessa fase.
s colegas de trabalho, especialmente Coordenadora da Educao Especial da Secretaria de Estado de Educao, Vilma Judite Vitoratto, pelo apoio ao prosseguimento desta pesquisa.
Aos secretrios do Programa de Mestrado em Educao, Maycon e Snia, pela ateno e pelo auxlio sempre fornecidos.
A todos, muito obrigada...
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... Sonhar no construir um mundo para os diferentes e sim construir um mundo em que cada um possa viver as suas diferenas.
(Moacir Alves Carneiro)
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GRANEMANN, Juclia L. Educao Inclusiva: anlise de trajetrias e prticas pedaggicas. 2005. Dissertao (Mestrado em Educao) - Programa de Ps-graduao em Educao, Universidade Catlica Dom Bosco, Campo Grande-MS
RESUMO
Nesta investigao, que se insere na linha de pesquisa Prticas pedaggicas e suas relaes com a formao docente, so analisados depoimentos de profissionais de cinco escolas estaduais de Campo Grande, MS, consideradas bem-sucedidas no processo de promover a incluso de alunos com deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais no ensino regular. As fontes tericas do estudo foram buscadas em autores da rea: Bueno (1993; 1999), Silva (2003), Carvalho (1991; 2004), Ferreira (1993; 1995; 1998), Almeida, Marquezine e Tanaka (2003); Anache (2003), entre outros. Os dados foram coletados em 2004, mediante anlise de documentos, observaes do ambiente escolar em seus vrios espaos e entrevistas com quarenta profissionais (diretores, coordenadores pedaggicos, professores do ensino regular e especial das escolas, alm dos coordenadores e tcnicos da rea) e dez pais. As questes norteadoras do estudo focalizaram as concepes dos entrevistados sobre educao inclusiva, os fatores que favorecem (e os que dificultam) a sua implementao, as necessidades de formao que esto sendo ou no contempladas nos programas de formao de professores na perspectiva da educao inclusiva; as adaptaes, recursos e apoios necessrios melhoria da escola inclusiva. As entrevistas foram transcritas na ntegra e analisadas, visando a descrever como vem se dando o processo de implementao da educao inclusiva nas escolas e os fatores que contribuem para que elas se destaquem como bem-sucedidas. Em linhas gerais, nessas escolas cultiva-se a convico de que para efetivamente, se procure implantar tal processo, deve-se investir na qualidade e na realizao de programas que trabalhem com a formao, prtica pedaggica e com a melhoria e/ou com o oferecimento de servios de apoio especializados da rea. A utilizao de recursos, materiais, metodologias, relaes interpessoais (professor/aluno/colegas), bem como a participao interligada com as famlias, tambm foram muito citadas e aspiradas neste estudo.
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GRANEMANN, Juclia L. Inclusive education: analyzis of ways and pedagogical practices. 2005. Dissertation (Master in Education). Program of Post-Graduation Education, Universidade Catlica Dom Bosco, Campo Grande-MS
ABSTRACT The present investigation is within the research Pedagogical practices and their relations with teacher formation. Statements of professionals of five state schools of Campo Grande City, MS considered successful in the process of promoting the inclusion of students with disability and / or special educational needs in the regular teaching were analyzed. The theoretical sources of the study were obtained from authors of the area: Bueno (1993; 1994; 1999), Silva (2003), Carvalho (1991; 2004), Ferreira (1993; 1995; 1998), Almeida, Marquezine e Tanaka (2003); Anache (2003) among others. The data were collected in 2004 by analyzing documents, observing the school environment in its many spaces and interviews with forty professionals (directors, pedagogical coordinators, teachers of regular and special teaching of the schools, as well as coordinators and technicians of the area) and ten parents. The questions which guided the study focused the conceptions of the people who were interviewed about inclusive education, the factors which are favourable to its implementation (and the ones which make it more difficult), the needs of formation which have been fulfilled or not in the programs of formation of teachers in the perspective of inclusive education; the necessary adaptations, resources and support to the improvement of inclusive school. The interviews were entirely transcribed and analyzed aiming to describe how the process of inclusive education implementation has been occurring in such schools and the factors which contribute for them to be considered successful. Generally, in these schools it is cultivated the certainty that effectively, it looks for, to implant such process, must be invested in the quality and the accomplishment of programs that works with the formation, pedagogical practice and with the improvement and/or offering specialized services on the area. The use of resources, materials, methodologies, interpersonal rela tions (educator/student/colleagues), as well as the linked participation with the families, had been also cited and inhaled in this study.
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Alunos includos no ensino regular com apoio pedaggico especializado - rede
estadual/MS-2004...............................................................................................96
Quadro 2 Alunos includos no ensino regular sem atendimento e/ou apoio pedaggico
especializado- rede estadual/2004.......................................................................97
Quadro 3 Quadro geral das entrevistas realizadas............................................................119
Quadro 4 Caracterizao geral apresentada pelos professores do ensino regular
entrevistados.....................................................................................................130
Quadro 5 Caracterizao geral apresentada pelos professores dos servios de apoio da
educao especial entrevistados........................................................................131
Quadro 6 Caracterizao geral apresentada pelos coordenadores - Unidade de Incluso e
Secretaria de Estado de Educao de MS entrevistados...................................132
Quadro 7 Caracterizao geral apresentada pelos tcnicos da Unidade de Incluso
entrevistados.....................................................................................................133
Quadro 8 Caracterizao geral apresentada pelos diretores entrevistados.......................134
Quadro 9 Caracterizao geral apresentada pelos coordenadores pedaggicos
entrevistados.....................................................................................................134
Quadro 10 Caracterizao geral apresentada pelos pais entrevistados...............................135
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Compreenso expressa pelos diferentes profissionais entrevistados sobre o
conceito de incluso dos alunos com deficincias e/ou com necessidades
educacionais especiais......................................................................................136
Tabela 2 Posies dos entrevistados sobre a importncia e a viabilidade da escola
inclusiva............................................................................................................142
Tabela 3 Fatores que favorecem a prtica da educao inclusiva dos alunos com
deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais, segundo os
professores entrevistados..................................................................................148
Tabela 4 Fatores que dificultam a prtica da educao inclusiva dos alunos com
deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais, segundo os
professores entrevistados..................................................................................153
Tabela 5 Fatores que favorecem a prtica da educao inclusiva de alunos com
deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais, segundo pais e/ou
responsveis......................................................................................................161
Tabela 6 Fatores que dificultam a prtica da educao inclusiva de alunos com
deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais, segundo pais e/ou
responsveis......................................................................................................173
Tabela 7 Fatores que favorecem a prtica da educao inclusiva de alunos com
deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais, segundo diretores,
coordenadores pedaggicos, tcnicos da educao especial - Unidade de
Incluso e Secretaria de Estado de Educao (SED)........................................181
Tabela 8 Fatores que dificultam a prtica da educao inclusiva de alunos com
deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais, segundo diretores,
coordenadores pedaggicos, tcnicos da educao especial - Unidade de
Incluso e Secretaria de Estado de Educao (SED)........................................193
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SUMRIO
INTRODUO.......................................................................................................................12
1 EVOLUES E PERSPECTIVAS ACERCA DO ATENDIMENTO E DA
ESCOLARIZAO DAS PESSOAS COM DEFICINCIAS E/OU COM
NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS ..........................................................18
1.1 Criao e implementao de servios, atendimentos e estudos relacionados educao
especial .................................................................................................................................25
1.2 Repercusso dessas mudanas e evoluo da educao especial no Brasil....................27
1.3 A contribuio do movimento dos direitos das pessoas portadoras de deficincia ....34
1.4 A educao especial na escola regular: um avano da legislao ..................................36
1.5 Da integrao incluso: um longo caminho a percorrer ............................................451
1.6 Movimento inclusivo: uma nova proposta em ascenso ................................................49
1.7 Integrao e incluso: ambigidades, controvrsias e convergncias ............................54
2 O LUGAR DO ESPECIAL NA EDUCAO..............................................................58
2.1 Situando a educao especial nesse contexto .................................................................65
2.2 Os desafios da educao inclusiva e a ousadia de tentar ................................................68
2.3 A formao de professores para fazer face ao desafio da educao inclusiva ...............73
3 COMO EST SENDO CONSTRUDA ESSA NOVA ESCOLA: NO BRASIL E EM
MATO GROSSO DO SUL ....................................................................................................82
3.1 A implementao da escola inclusiva em Mato Grosso do Sul......................................83
3.2. A educao especial em Mato Grosso do Sul: caminhos trilhados rumo incluso.....85
3.3 Criao do Centro Sul-Matogrossense de Educao Especial (CEDESP) .....................87
3.4 Unidades Interdisciplinares de Apoio Psicopedaggico (UIAPs) ..................................88
3.5 Centro Integrado de Educao Especial (CIEEsp) .........................................................91
3.6. Unidade de Apoio Incluso do Portador de Necessidades Especiais .........................92
3.7. E hoje, como funciona? .................................................................................................94
3.8 Outros rgos Colaboradores: .......................................................................................95
4 UM ESTUDO EXPLORATRIO SOBRE EXPERINCIAS BEM -SUCEDIDAS NA
EDUCAO INCLUSIVA DE ALUNOS COM DEFICINCIAS E/OU
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NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS EM CAMPO GRANDE: O
CAMINHO DA PESQUISA ................................................................................................100
4.1 A escolha das unidades escolares e dos participantes a serem entrevistados ...............102
4.1.1 Escola 1..................................................................................................................104
4.1.2 Escola 2..................................................................................................................105
4.1.3 Escola 3..................................................................................................................106
4.1.4 Escola 4..................................................................................................................107
4.1.5 Escola 5..................................................................................................................108
4.2 A construo do instrumento e a realizao das entrevistas .........................................109
5 UM RETRATO SEM RETOQUES DAS ESCOLAS BEM -SUCEDIDAS NA
INCLUSO DE ALUNOS COM DEFICINCIAS E/OU COM NECESSIDADES
EDUCACIONAIS ESPECIAIS ...........................................................................................113
5.1 Os profissionais que trabalham com a educao inclusiva nas escolas estudadas .......113
5.2 A compreenso expressa pelos diferentes profissionais sobre o conceito de incluso e a
posio por eles assumida em relao escola inclusiva ...................................................119
5.3 Fatores que favorecem e que dificultam a prtica da educao inclusiva ....................128
CONSIDERAES FINAIS ...............................................................................................176
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................................214 ANEXOS................................................................................................................................225
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INTRODUO
A incluso de alunos com deficincias e/ou com necessidades educacionais
especiais no ensino regular uma proposta em ascenso ainda no totalmente consolidada,
sendo defendida e apoiada por muitos, mas criticada por outros tantos que a vem com poucas
chances de concretizao. Para tentar viabilizar a utopia da educao inclusiva, a instituio
escolar desafiada a mudar, adequando-se a essa nova realidade, mediante transformaes de
ordem fsica, relacional e pedaggica na sua estrutura e no seu funcionamento. O acesso e a
permanncia de tal alunado na rede regular de ensino alteraram e diversificaram todas as
dinmicas e relaes existentes na escola, cobrando mudanas significativas na formao e na
prtica do professor em sala, bem como de todos os demais agentes educativos envolvidos no
processo.
Esse movimento representa o desdobramento, ao nvel das instituies escolares,
de um processo mais amplo, de abrangncia mundial e que, na dcada de 90 do sculo
passado, alcanou o Brasil, por influncia de movimentos de defesa das pessoas com
deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais. Trata-se de um outro modo de
sociedade e a escola se posicionarem em relao a esses alunos, entendendo que a incluso
no significa somente seu acesso e sua permanncia no ensino regular, mas tambm a
igualdade de direito participao, bem como ao desenvolvimento das potencialidades de
cada um, respeitados seus limites e condies.
Incluir significa que esse aluno deve conviver, estudar e ser atendido em suas
necessidades especiais, sem distines em relao aos demais na escola. O trabalho coletivo,
juntamente com os alunos ditos normais, sempre prioritrio e indispensvel nessa
proposta. Ele vantajoso para todos, uma vez que proporciona a renovao e o
enriquecimento do sistema escolar e das pessoas envolvidas, mediante a experincia de
contactar e trabalhar com a diversidade, contribuindo para a formao educacional, social e
poltica do coletivo da escola.
A proposta de incluso trouxe, ento, rea educacional muitas discusses,
controvrsias e estudos, pois implica uma nova forma de ensinar e de se relacionar frente
realidades e/ou dificuldades existentes. o cumprimento integral do preceito do direito
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existncia de diferenas, mediante modificaes e/ou criao de estruturas auxiliares,
necessrias melhoria da qualidade de vida e educao desses alunos. Garante-se, assim, o
ingresso, nas vrias etapas e sries escolares, de uma clientela heterognea e diferenciada que,
at ento, vivia margem desse processo devido ao desconhecimento de suas potencialidades
e s baixas expectativas em relao s suas possibilidades de evoluo.
Cabe destacar que tais educandos, a princpio, foram excludos do ambiente
escolar e relegados a um atendimento domiciliar e/ou institucional especializado. O descrdito
em relao s suas capacidades e habilidades, associado ao no- investimento num ensino que,
supostamente, pouco retorno d ao sistema, alimentaram, ao longo dos tempos, as vises
preconceituosas e discriminatrias que, ainda hoje, continuam a emperrar a implementao e
a consolidao plena da proposta.
preciso, portanto, superar todas as representaes, historicamente, estabelecidas
de que os alunos com deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais so
incapazes e improdutivos por estarem fora dos padres de normalidade ditados pela
sociedade. fundamental que a deficincia deixe de ser vista de forma impeditiva e
incapacitante, inspirando atos de caridade, proteo e filantropia.
Essa postura, porm, vem mudando progressivamente, nos ltimos anos, como
resultado de um aumento expressivo de estudos e pesquisas na rea e da aprovao de uma
legislao que visa a assegurar direitos e disciplinar o atendimento a essa clientela. Em
conseqncia disso, o aluno com deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais
est sendo mais facilmente aceito nas escolas e comea a ser concebido como pessoa que
apresenta ritmos, caractersticas, aprendizagens e emoes, s vezes, diferenciadas,
requerendo do professor novas posturas, recursos apropriados e aes mais atentas e eficazes.
Se, hoje, os resultados das pesquisas evidenciam que esses alunos podem produzir
satisfatoriamente, quando devidamente atendidos e encaminhados, fica evidente, tambm, a
premncia de um empenho continuado no sentido de promover ajustes e adequaes
metodolgicas, instrucionais e atitudinais, respeitando as limitaes. Atender s necessidades
especiais desses alunos implica mudar o olhar da escola, preconizando no a adaptao do
aluno a ela, mas a adaptao do contexto escolar a este. Isso significa, tornar o meio escolar
um ambiente mltiplo, rico em experincias, parcerias, trocas e possibilidades, aberto a uma
convivncia variada, sem barreiras humanas e arquitetnicas, conferindo novos sentidos
aprendizagem e ao relacionamento humano.
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A incluso, segundo esse entendimento, dever partir de aes planejadas e
coordenadas, atravs de um trabalho interdisciplinar e coletivo, envolvendo todos os membros
da escola. Esses devero, tambm, esclarecer e informar a sociedade acerca da importncia da
educao inclusiva para que ela tambm possa colaborar, como parceira.
J a educao especial deve deixar de ser encarada como uma espcie de contorno para onde so
encaminhados os educandos que, na viso da escola regular, so ineptos ou pouco capazes de aprender, passando
a ser marginalizados pela sociedade. A Educao Especial precisa, sim, ser um meio de possibilitar que o aluno
com deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais alcance patamares de desenvolvimento que
justifiquem a sua incluso na escola, mais especificamente no ensino regular, lugar onde todos os educandos
devem estar, quando garantidos os meios e os recursos para isso.
A escola inclusiva assentar-se-, portanto, no pressuposto de que o direito de estar
junto com os demais membros da sociedade e de participar ativamente do processo de
construo e de reflexo sobre o conhecimento condio necessria para que o sujeito se
perceba como pessoa, membro da sociedade e construtor da sua histria, cidado capaz e
auto-suficiente em suas aes, em benefcio prprio e da sua comunidade. Assim, impulsiona-
se o desenvolvimento da cidadania, o reconhecimento de sujeitos de direito, pois suas
especificidades no so fatores geradores de desigualdades, discriminaes ou excluses, mas
de aes norteadoras de polticas e de contextos sociais mais inclusivos. Nesse sentido, as
relaes entre os indivduos caracterizam-se por atitudes de respeito mtuo, pela valorizao
da pessoa em sua singularidade, ou seja, pelas caractersticas que a constituem.
Cabe ressaltar que essa proposta, apesar das condies adversas e/ou
posicionamentos contrrios, vem sendo desenvolvida em algumas instituies escolares nas
esferas municipal, estadual, federal e, em nmero reduzido, em instituies particulares.
Profissionais da rea tm conhecimento de que algumas escolas, pelo compromisso social e
educacional que as orienta e pelo trabalho pedaggico diferenciado, entre outros fatores
facilitadores, vm realizando um trabalho que, de certa forma, pode ser considerado bem-
sucedido no campo da educao inclusiva de alunos com deficincias e/ou com necessidades
educacionais especiais.
Algumas experincias, nesse sentido, so desenvolvidas por escolas, tidas como
exemplo, que esto buscando ser inclusivas, acessveis e respeitadoras de todos,
independentemente das suas limitaes, dificuldades e/ou deficincias apresentadas. Nessas
experincias, tambm, se valoriza a escola como espao privilegiado de formao de
professores, de construo dos saberes docentes e das competncias que possibilitam a
organizao do ensino a partir das reais possibilidades de aprendizagem do aluno, que o
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centro do processo. Trata-se de experincias ainda incipientes, no consolidadas, que
enfrentam dificuldades e vivem conflitos e contradies diante das mudanas que precisam
ser operadas.
No so raras, as prticas causadoras de experincias traumticas e mal-sucedidas
de incluso, que acabam deixando o aluno entregue prpria sorte no ambiente escolar,
gerando efeitos seletivos e excludentes, opostos ao que se pretendia. Diante de tal fato,
necessrio verificar as condies e as formas de encaminhamento desses educandos ao ensino
regular. Por outro lado, preciso que experincias bem-sucedidas, surgidas da persis tncia do
aluno e/ou da famlia, aliadas ao profissionalismo e dedicao dos agentes educativos, sejam
registradas, a fim de nortear e de estimular novas prticas inclusivas.
Novas caractersticas, necessidades, turmas e ritmos diferenciados impem-se aos
que trabalham com alunos que apresentam deficincias e/ou necessidades educacionais
especiais na perspectiva da incluso. A disposio para rever as prticas, inventar novas
formas de relacionamentos, buscar sadas, modificar os espaos e reinventar direcionamentos
metodolgicos na escola, cuidar da formao dos agentes educativos um fator essencial
nesse processo de implementao da proposta inclusiva. So esses caminhos que, em meio a
avanos e recuos, vm sendo percorridos por algumas escolas que esto enfrentando, com
algum sucesso, o desafio de mudar.
Nesta pesquisa, pretendo caracterizar as trajetrias e as prticas escolares
consideradas relativamente bem-sucedidas com vistas incluso de alunos com deficincias
e/ou com necessidades educacionais especiais em cinco unidades escolares da rede estadual
de Campo Grande/MS, indicadas pelo rgo responsvel pelo andamento da Educao
Especial no municpio. Busco, tambm, identificar, a partir da anlise dessas trajetrias, de
relatos sobre formaes e prticas, os elementos que esto na base dessas experincias tidas
como bem-sucedidas no campo da educao inclusiva.
Em linhas gerais, o estudo foi orientado pelas seguintes questes: O que se
entende por Educao Inclusiva de qualidade? Que fatores favorecem (e quais dificultam) o
desenvolvimento de experincias de educao inclusiva? Quais so as convices que os
professores e demais profissionais envolvidos com experincias bem-sucedidas de educao
inclusiva expressam em relao ao tema? Que necessidades de formao esto sendo
contempladas (e quais no esto) nos programas voltados para a formao de professores na
perspectiva da educao inclusiva? Que adaptaes, recursos e apoios so necessrios para
melhorar a qualidade das aes da escola inclusiva?
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De modo geral, houve interesse e empenho das equipes das escolas em
disponibilizar documentos e relatar com detalhes as suas experincias, o que foi tambm
facilitado pela minha experincia como professora e, atualmente, como tcnica da rea, na
Secretaria de Estado de Educao. Nessa condio, trabalho com a rede de ensino,
desenvolvendo projetos, capacitando e acompanhando as Unidades de Incluso, visando a
implementar a educao inclusiva nas escolas estaduais do estado de Mato Grosso do Sul, e
convivo, diariamente, com as angstias, acertos e dvidas dos professores e dos demais
agentes escolares sobre a questo.
Tais indagaes acerca das razes que levam uma ou outra escola a ser
considerada como bem-sucedida na referida temtica foi pano de fundo desta pesquisa, que se
baseou em anlise documental e entrevistas com os diferentes membros das escolas e demais
profissionais de apoio que atuam nessa rea. As entrevistas realizadas foram ancoradas em
seis roteiros, construdos com o propsito de levantar, por meio das falas dos profissionais e
pais selecionados para o estudo, dados e informaes acerca do andamento, concepes,
sucessos e entraves existentes nesse processo.
A produo de um retrato autntico das trajetrias e dos aspectos que direcionam
tais escolas rumo a uma educao inclusiva de qualidade foi permanentemente seguida, visto
que a compreenso desses fatores contribui para novas experincias e prticas favorecedoras
dessa proposta que, por ser ainda muito recente (e tambm levando em considerao sua
amplitude), suscita questionamentos de diferentes ordens.
No decorrer deste estudo, alm da descrio mais aprofundada do contexto das
escolas selecionadas para o estudo, foram examinadas as dificuldades e as facilidades com
que se deparam todos os envolvidos, os avanos, os retrocessos e os impasses frente
proposta, bem como os resultados dessas experincias consideradas bem-sucedidas em
relao educao inclusiva.
A dissertao est organizada em cinco captulos.
O Captulo I - Evolues e perspectivas acerca do atendimento e da escolarizao das pessoas
com deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais - trata das conceituaes, do histrico, das
trajetrias, dos movimentos e das legislaes formuladas, alm das atribuies dessa modalidade de educao
com base na contribuio de diferentes autores da rea.
O Capitulo II - O lugar do especial na educao - trata das caractersticas, dos objetivos, das
metas, das dificuldades e dos avanos tericos e prticos registrados no campo da educao inclusiva. Tambm
so examinadas as questes relacionadas formao e prtica dos professores, os recursos utilizados e as
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formas avaliativas encontradas por eles e pelos demais componentes da escola, com vistas a um atendimento
educacional, o mais inclusivo possvel a essa clientela.
O Captulo III Como est sendo construda essa escola no Brasil e em Mato Grosso do Sul
apresenta um breve percurso, retratando os processos e caminhos vividos at hoje, pela rea da educao
especial no pas e no estado.
O Captulo IV - Um estudo exploratrio sobre experincias bem-sucedidas na
educao inclusiva de alunos com deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais,
em Campo Grande: o caminho da pesquisa - trata da pesquisa propriamente dita, com
demonstrativos quantitativos e anlises qualitativas das falas obtidas nas entrevistas,
mapeando o processo inclusivo ocorrido dentro das escolas tidas como mais bem-sucedidas e
encaminhadas (e/ou que buscam implantar) no processo inclusivo.
O Captulo V - Um retrato sem retoques das escolas bem-sucedidas na incluso
de alunos com deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais - faz a anlise de
falas, relatrios e observaes das prticas dos envolvidos no processo de incluso. Nas
Consideraes Finais, comenta-se os resultados da pesquisa, destacando tanto as facilidades
como as dificuldades enfrentadas pelas escolas analisadas rumo ao processo inclusivo,
formulando apontamentos e sugestes que podero ajudar na formao dos profissionais
envolvidos, bem como na sua prtica que visa a atingir (efetivar), a incluso.
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1 EVOLUES E PERSPECTIVAS ACERCA DO ATENDIMENTO E
DA ESCOLARIZAO DAS PESSOAS COM DEFICINCIAS E/OU
COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS
Desde os primrdios da humanidade at os dias atuais, as pessoas que apresentam
quaisquer deficincias e/ou necessidades educacionais especiais sempre foram percebidas
como sendo diferentes e sujeitas a vrios estigmas ou rtulos. Tais representaes
socialmente construdas so estabelecidas e alteradas medida que as sociedades evoluem,
sofrendo modificaes decorrentes principalmente do progresso cientfico e tecnolgico
(MARTINS, 1996, p. 27). Influenciadas por essa dinmica, atitudes, atendimentos e
expectativas frente a esses indivduos tambm so modificados. Ao longo da histria, podem
ser identificados, em vrias pocas e por diferentes povos, procedimentos e aes bem
diversificadas que vo do extermnio ou marginalizao, passando pelo assistencialismo
piedoso e, mais recentemente, at a educao e a reabilitao voltadas para a incluso social
e/ou educacional de tal clientela.
Esse percurso da educao voltado para tal clientela amplamente retratado na
literatura da rea, em que se destacam autores como Amiralian (1986), Fonseca (1987), Silva
(1987), Carmo (1991), Carvalho (1991), Jannuzzi (1992), Bueno (1994), Pessotti (1994),
Aranha (1994), Lancilotti (2000), Anache (2003), Mendes (2003), Gaio; Meneghetti (2004).
Esses autores acompanham, registram e analisam essa trajetria, com uma produo bastante
significativa para se entender o quadro atual do atendimento educacional e escolar dessas
pessoas.
A primeira fase, segundo tais pesquisadores, pode ser caracterizada como sendo
de ausncia de qualquer atendimento sistemtico a esses indivduos, que eram totalmente
marginalizados por serem julgados inteis e improdutivos ou, ainda, como manifestaes do
mal. Tais concepes, de acordo com Amiralian (1986), compem-se de noes pr-
cientficas, nas quais prevalecem valores culturais e ticos, sem uma explicao comprovada,
estudada e/ou testada acerca dos fatos. A trepanao (abertura de orifcio no crnio), praticada
pelo homem na Antigidade, principalmente pelos egpcios, um dos exemplos dessa
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mentalidade mencionados pela autora. Por meio dessa tcnica, buscava-se retirar os espritos
malignos do corpo da pessoa, procurando uma soluo ou explicao para o problema.
Ainda dentro dessa concepo, consta da literatura que os espartanos, um povo
guerreiro que necessitava de homens fortes e saudveis, eliminava os malformados e
deficientes, pois estes no poderiam exercer suas funes na sociedade. J em Atenas, eram
abandonados em ambientes agrestes e perigosos e, entregues prpria sorte, morriam por
inanio ou por ataque de animais selvagens. Entre os romanos, um povo mais tolerante, os
deficientes eram exibidos em festividades e comemoraes numa forma de infantilizao e de
diminuio de seu valor histrico e humano.
Foi, no entanto, com o advento da Idade Mdia que a crena e as tentativas de
explicar a deficincia mediante o sobrenatural se intensificaram. A prtica da magia e as
relaes com o demnio fortaleceram-se como dogmas, e o homem passou a ser considerado
um ser submetido a poderes invisveis, tanto para o bem como para o mal. Em conseqncia
disso, havia interpretaes diferentes para os indivduos considerados anormais,
dependendo do tipo de deficincia apresentada. Os psicticos e epilpticos eram considerados
possudos pelo demnio, alguns estados de transe eram aceitos como possesso divina e os
cegos eram reverenciados como videntes, profetas e adivinhos (ibid. p.2).
Nesse mesmo perodo, alguns eram segregados, exorcizados, esconjurados,
apedrejados e mortos nas fogueiras da Inquisio por conta de tais concepes. Entretanto,
com o estabelecimento do Cristianismo, os deficientes comearam a ser vistos como
possuidores de alma e, portanto, filhos de Deus, no devendo mais, por isso serem
exterminados. O direito vida lhes foi preservado e o descumprimento desse preceito era
considerado um grande pecado.
Assim, essas pessoas no eram mais abandonadas, mas acolhidas por instituies
de caridade, ou seja, comearam a ser tiradas do isolamento total para serem alojadas em
asilos e em instituies especia lizadas. Passaram a ser assistidas, mas continuavam segregadas
em termos fsicos, sociais e educacionais; passaram a ter direito vida, numa atitude de
proteo, de filantropia, no sendo mais exterminadas. Ao mesmo tempo em que vigorava
esse ideal cristo, contraditoriamente, deficientes tambm eram considerados produtos da
unio entre a mulher e o demnio, o que justificava a queima de ambos, me e criana
(SCHWARTZMANN, 1999).
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Durante a Idade Mdia, segundo registros encontrados, no havia obrigaes nem
moral nem social para com as crianas anormais, que eram tratadas com indiferena e a
morte de um elevado nmero de crianas, inclusive das ditas normais, era encarada com
naturalidade. Os deficientes eram alvo de diferentes e por vezes brutais formas de tratamento
discriminatrio e, seja na infncia ou na vida adulta, sobreviviam, perambulando pelos
campos e pelas cidades em busca de alimentos e de abrigo, mesmo que temporrio. Com o
passar do tempo, o assassinato, antes praticado, foi substitudo pela segregao. Os deficientes
passaram a ser confinados em casas, pores ou vales e, at mesmo, embarcados em pores de
navios (GAIO; MENEGHETTI, 2004, p. 152-3).
Apesar de ser encontrado, com a propagao e a consolidao do cristianismo, um
outro posicionamento em relao ao ser humano, mais justo e mais atencioso, no qual os
valores da caridade, da fraternidade, da compaixo e do amor ao prximo elevaram a vida ao
posto de direito adquirido de todo ser humano, normal ou anormal, dando final aos tempos de
infanticdios e extermnio de deficientes, no se pode afirmar que houve uma mudana radical
e efetiva no conjunto da sociedade. O que predominou verdadeiramente, ao longo de todos
esses anos, foi o desprezo, a negligncia ou, quando muito, atitudes de tolerncia aos
deficientes (ibid. p. 154). Nos evangelhos, os deficientes so fortemente relacionados a
castigos ou a penitncias para expiao de faltas ou pecados. Havia a crena arraigada no
povo de que esses males eram conseqncias da interferncia de maus espritos ou de castigo
por pecados antigos.
Alm disso, prticas, como punies, torturas e diversos tipos de maus-tratos,
eram usadas no lidar com essas pessoas (ARANHA, 1994). No contexto da Reforma, quando
se passou a questionar e rejeitar os dogmas, as aes e o predomnio da igreja catlica, pde-
se observar que seus representantes Lutero e Calvino tambm se referiam a essas pessoas
como tendo possesses demonacas, sem qualquer merecimento de ateno e de apoio.
Cabe ressaltar que tais crenas e as prticas delas derivadas eram aceitas nessa
poca, pois carecia-se de um conhecimento cientfico que explicasse o diferente. Enfim, at os
sculos XVI e XVII, a mitologia, o espiritismo e a bruxaria dominaram e afetaram a viso que
se tinha da deficincia e do deficiente, dando origem a julgamentos morais, perseguies,
encarceramentos, bem como informaes distorcidas acerca da questo.
Em todo esse primeiro perodo, quando as atitudes em relao aos deficientes
eram de discriminao, rejeio, neglignc ia ou, na melhor das hipteses, tolerncia, nem
sequer se cogitava a idia de que eles pudessem ser ensinados.
-
Conforme Silva (1987, p. 221), essa longa e obscura etapa comeou a ser
superada com o Renascimento, poca do aparecimento das primeiras reivindicaes dos
direitos dos homens postos margem da sociedade, dos passos decisivos da Medicina na rea
da cirurgia ortopdica, do estabelecimento de uma filosofia humanista mais voltada para o
homem e, tambm, da consolidao de uma abordagem mais cientfica das questes
relacionadas com o ser humano em geral. Alm disso, a partir dessa fase, com a evoluo e o
advento da cincia, iniciaram-se estudos, em graus e intensidades variadas, nos diferentes
ramos do saber, em todas as partes do mundo. No Renascimento, tentou-se entender o
diferente atravs da pesquisa e, por isso, a cincia foi legitimada como via de explicao
desses fenmenos que, at ento, eram geralmente entendidos como manifestao do
sobrenatural.
Em meados do sculo XVII, houve um novo perodo em que as atitudes
filosficas e antropolgicas se conjugaram promovendo uma perspectiva mais humanista da
deficincia (FONSECA, 1987). Gaio; Meneghetti (2004) assinalam que, a partir de ento, o
conceito de deficiente e/ou diferente foi sendo construdo lentamente na perspectiva de se
atender aos interesses daqueles que eram apresentados como eficientes.
Com o desenvolvimento da Medicina, comeou-se a levantar objees aos maus-tratos de que
eram vtimas os possessos, que passaram a ser considerados doentes. A deficincia passou a ser vista como
uma doena e suas manifestaes fsicas e comportamentos constituam seus sintomas, levando a um
diagnstico, em que o tratamento mdico era o nico procedimento a ser realizado. Tal ponto de vista prevaleceu
por muito tempo e, at hoje, ainda percebem algumas heranas dessa cultura, quando o deficiente encarado
como um doente e o mdico, o elemento principal da equipe que o atende (AMILARIAN, op. cit., p. 3).
Nesse perodo, j se pde identificar o embrio da educao especial, dado o surgimento de
algumas teorias e pesquisas, mais especificamente, as relativas sade e educao. Os trabalhos de Rousseau
(1712-1778) foram fundamentais para a mudana de paradigma no campo da educao, em geral, mas tambm
para se poder encaminhar estudos sobre a educao especial, ao enfatizar a necessidade de se compreender a
criana em suas especificidades (ANACHE, 2003).
Bueno (apud LANCILOTTI, 2000) assinala que a educao especial, nas sociedades industriais no
sculo XVIII, emergiu como parte pouco significativa de um conjunto de reivindicaes de acesso riqueza
produzida (material e cultural) e que desembocou na construo da democracia republicana representativa, cujo
modelo expressivo foi implantado na Frana, pela revoluo de 1789:
[...] o acesso escolarizao dos deficientes foi sendo conquistado ao mesmo tempo em que se conquistava este mesmo acesso para as crianas em geral. Em outras palavras, a histria nos mostra que a educao especial no nasceu para dar oportunidade a crianas que, por anormalidades especficas, apresentavam dificuldades na escola regular. educao especial nasceu voltada para a
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oferta de escolarizao de crianas cujas anormalidades foram aprioristicamente determinadas como prejudicais ou impeditivas para sua insero em processos regulares de ensino. E esta no uma mera diferena de nfase na anlise do percurso histrico da educao especial, mas uma diferena de fundo, demonstrativa do carter de segregao do indivduo anormal e dos processos exigidos pelas novas formas de organizao social (id., 1994, p.37).
, porm, no sculo IX, que se expandem os estudos cientficos da deficincia,
principalmente, a mental. Neste perodo, deve-se destacar, pelo seu interesse global, os
trabalhos de Esquirol, Sguin, Itard, Wundt, Ireland, Ducan e Millard, Morel, Lombroso,
Down, Galton, Tuke, Rush e Dix, entre outros (FONSECA, 1987, p. 10). Os estudos
cientficos permitiram que, no plano prtico, mecanismos passassem a ser amplamente
utilizados para triar quem deveria ou no se beneficiar da escolaridade regular (MENDES,
2003, p. 26).
O trabalho educativo com tal clientela exige a mudana das atitudes para,
posteriormente, mudarem-se as aes. Nesse sentido, os trabalhos de Binet e Simon (a criao
do conceito de idade mental), por um lado, e de Freud (o nascimento da psicanlise como
tcnica teraputica), por outro, possibilitaram dar uma nova viso problemtica com aportes
importantes para a compreenso e a educao da criana deficiente. Os perodos de ps-
guerra (Primeira e Segunda Grandes Guerras) lanaram luz sobre o problema das deficincias,
a partir do desenvolvimento de estudos da neurologia e da patologia do crebro (FONSECA,
op.cit., p. 10).
Com a evoluo das reas do conhecimento que estudam o homem, como a
Educao, a Sociologia, a Psicologia e a Antropologia, uma nova viso comeou a surgir, isto
, comeou-se de fato a estudar e analisar o comportamento das pessoas consideradas
deficientes, os princpios que regem a aquisio de seus comportamentos e as influncias
sociais nessas aquisies. Conseqentemente, surgiram programas, tcnicas e formas de
relacionamento capazes de promover o desenvolvimento dessas pessoas.
No sculo XX, apareceram escolas especializadas, sobretudo em pases
industrializados e, depois, nos demais. A existncia de pessoas com deficincias e/ou com
necessidades educacionais especiais exigiu a melhoria da ao educativa, o que levou
elaborao de programas, de mtodos e de servios diferenciados para cada especificidade de
alunado, e com isso, criao de um sistema educativo paralelo. Paulatinamente, dentro da
instituio especializada, as classificaes ou as avaliaes vo ocorrendo em torno do dficit
de cada aluno. Ao longo do sculo XX, as cincias contriburam para uma nova compreenso
da ao humana, do corpo, do trabalho, do lazer e do processo de aprendizagem. Buscou-se,
-
tambm, o entendimento do ser humano considerado como deficiente na perspectiva da
superao do estigma da deficincia e da sua reconceituao (GAIO; MENEGHETTI, 2004).
Quanto s propostas pedaggicas destinadas a essa clientela, verifica-se que no
estavam desvinculadas da educao geral, at o sculo XX, quando Decroly apresentou sua
proposta, considerada inovadora para a poca, pois baseou-se nos princpios da Gestalt,
propondo o mtodo de globalizao que introduziu a idia dos centros de interesse
(ANACHE, 2003). A partir de ento, foi formulada uma nova maneira de conduzir o ensino,
levando o professor a considerar os ritmos e interesses diferenciados dos seus alunos.
Esse breve recorte da evoluo histrica ajuda no entendimento dos fatores que
favorecem e dos que dificultam a implementao da proposta inclusiva na escola e que
constituem o objeto desta pesquisa.
At a dcada de 60 do sculo passado, os mtodos educacionais utilizados para
atender aos alunos com deficincias e/ou necessidades educacionais especiais eram voltados
para crianas e jovens impedidos de acessar a escola comum do ensino regular ou para
aqueles retirados das classes comuns por no avanarem no processo educacional. Essa
segregao era realizada sob o argumento de que tais alunos seriam melhor atendidos se
fossem encaminhados para classes ou escolas especiais. A educao especial foi, ento, se
constituindo num sistema paralelo ao geral, at que, por motivos morais, lgicos, cientficos,
polticos, econmicos e legais, surgiram as bases para reivindicar e fundamentar as prticas de
integrao na escola regular (MENDES, op.cit., p. 26).
O contexto histrico da dcada de 60 apontava para um avano cientfico
representado tanto pela comprovao das potencialidades educacionais dos educandos com
deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais, quanto pelo criticismo
direcionado aos servios educacionais segregados existentes. Paralelamente, ocorria a
exploso da demanda pelo ensino especial, ocasionada pela incorporao da clientela que,
cada vez mais, era excluda do ensino regular, ocasionando a consolidao da rea e, tambm,
promovendo a organizao de grupos polticos (de pais, de profissionais e de pessoas com
deficincia) que passaram a exigir mudanas (ibid. p. 27).
Esses interesses foram atendidos em diferentes pases com o estabelecimento de
bases legais que instituram, gradualmente, a obrigatoriedade do poder pblico quanto oferta
de oportunidades educacionais a tais indivduos, mediante a instituio da matrcula
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compulsria nas escolas regulares e de diretrizes para a colocao desses alunos em servios
educacionais com o mnimo possvel de segregao.
Dessa forma, estavam estabelecidas as bases para o surgimento da filosofia da
normalizao e da integrao escolar, que se tornou ideologia dominante para a prestao de
servios educacionais, basicamente, a partir da dcada de 70. Escolas comuns passaram,
ento, a aceitar crianas ou adolescentes deficientes em classes comuns, ou, pelo menos, em
classes especiais ou de recursos. A integrao escolar era concebida como um processo com
vrios nveis, atravs do qual o sistema educacional proveria os meios mais adequados para
atender s necessidades dos alunos. O nvel mais apropriado seria aquele que melhor
favorecesse o desenvolvimento de determinado aluno, em determinado contexto e momento
(ibid., p. 27).
As polticas oficiais de integrao escolar resultaram, na maioria das vezes, em
prticas quase que permanentes de segregao total ou parcial, o que acabou gerando reaes
mais intensas no sentido de buscar novas formas de assegurar a presena e a participao na
comunidade, a promoo de habilidades, da imagem social, da autonomia e da
autodeterminao das pessoas com deficincias e/ou necessidades educacionais especiais
(ibid., p. 28).
Na dcada de 90 do sculo passado, percebe-se uma intensificao do debate
acerca da integrao, com novos questionamentos sobre o papel da escola frente diferena,
dando nfase necessidade de fuso dos sistemas especiais e regulares. Foi, assim, substituda
a idia de educao visando homogeneidade para a de educao voltada diversidade, e no
ensino especial, houve a mudana no foco da educao como categorial para a nfase no
conjunto de recursos/apoios/suportes a serem oferecidos aos alunos com deficincias e/ou
com necessidades educacionais especiais.
Para Gaio e Meneghetti (2004), a idia de eficiente, no final do sculo XX e
incio do XXI, est muito mais vinculada resposta que os seres humanos inteiros ou
comprometidos do s solicitaes da vida, aos conflitos e aos problemas sociais do que aos
padres corporais estabelecidos externamente pelos interesses subjacentes s instituies
sociais. O conceito de deficincia deve, no incio deste sculo, instalar um novo modo de
entend- lo, mais ampliado e mais abrangente na perspectiva de considerar o ser humano
algum capaz, e, dentro de suas possibilidades, atuar, organizar-se e, nesse movimento,
organizar os espaos sociais ao seu redor.
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1.1 CRIAO E IMPLEMENTAO DE SERVIOS, ATENDIMENTOS E
ESTUDOS RELACIONADOS EDUCAO ESPECIAL
Estruturas e atendimentos foram criados e implementados no campo da educao especial, com
diversos tipos de modalidades e de sistemas que se tornaram essenciais e vitais para o aprimoramento e o
desenvolvimento da rea. Observou-se o surgimento dos primeiros trabalhos na Europa, mais precisamente na
Frana, no ano de 16201
No final do sculo XVII, surgiu, na Alemanha, um mtodo revolucionrio que
pretendia facilitar a aprendizagem de surdos-mudos, buscando ensinar-lhes a ler e a
escrever. Na cidade de Paris, em 1770, foi criado o primeiro Instituto Especializado para
Educao de Surdos-Mudos e o primeiro Instituto Nacional dos Jovens Cegos (CADERNOS
CEDES, 1985).
Em Londres (Liverpool), foi implementada, em 1799, uma escola com um
trabalho especificamente voltado para o ensino de pessoas com qualquer tipo de deficincia.
J em 1832, surge a primeira obra destinada ao atendimento de deficientes fsicos, que, na
poca, eram designados coxos, manetas ou paralticos. Na primeira metade do sculo XIX,
surgiu o 1 Internato Pblico para retardados mentais, por iniciativa do Dr. Jean Marc Itard
e levado frente pelos seus seguidores. Nessa instituio, buscava-se ensinar, mediante
materiais didticos especiais, aproveitamento de cores, formas, espaos e msica para motivar
e alegrar as crianas.
Alm de Comnio, que em sua obra, a Didtica Magna (1657) dedicou uma
parte educao de indivduos considerados idiotas, outros educadores tambm se
propuseram a realizar estudos sobre a educao especial, como Pestalozzi (1746-1827) e
Froebel (1782-1852). Deu-se um enfoque especial ao jogo como recurso didtico empregado
para educar os sentidos dos estudantes. Alm desses, foi Charles-Michel de l'Epe (1712-
1789) quem criou a primeira escola pblica de Paris e introduziu o Mtodo Oral (ANACHE,
2003). 1 Em 1620, Pablo Bonet publicou o livro Reeducao de letras e artes para ensinar a falar os surdos (ANACHE, 2003 - transparncias apresentadas no mini-curso Quem o sujeito da Educao Especial na 26 Reunio da ANPED, Poos de Caldas, 2003.
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Nos Estados Unidos, escolas para cegos, surdos e retardados mentais
comearam a proliferar entre 1817 e 1850. Os programas para crianas com defeitos fsicos
surgiram posteriormente. Entre 1850 e 1870 houve um efetivo crescimento de escolas
residenciais, nesse pas, sob influncia do modelo europeu. Essas escolas comearam a ser
concebidas como instituies tutelares para crianas e adultos sem esperana de vida
independente e sem possibilidade educacional. A partir da, os programas de externato foram
iniciados. A primeira classe especial diria para retardados mentais, em perodo integral foi
aberta em 1896, em Previdence, Rhode Island. A primeira classe para cegos e a primeira para
crianas aleijadas, em uma escola pblica, foram abertas em Chicago, em 1900, quando
houve grande incremento de classes especiais para crianas com deficincia fsica, sensorial e
mental em todos os continentes.
Em 1819, na Frana, Charles Barbier, oficial do exrcito desse pas, criou um
sistema baseado no processo de escrita codificada e expressa por pontos salientes,
representando os 36 sons bsicos da lngua francesa utilizada para a transmisso noturna de
mensagens nos campos de batalha. Em 1829, o jovem cego Louis Braille adaptou o cdigo
militar s necessidades dos cegos, transformando-o no conhecido sistema que recebeu seu
nome (ESCOLA PLURAL, 2000).
Edmund Seguin (1812-1880) desenvolveu, na Frana e, mais tarde, nos Estados
Unidos, o mtodo fisiolgico de tratamento e o treino sensrio-motor que se tornaram
mtodos clssicos de interveno em muitas escolas e instituies de deficientes mentais, s
continuados, posteriormente, no sculo XX, pela escola sensorial de Montessori (FONSECA,
1987, p. 69).
Em 1940, nos Estados Unidos, surgiu a primeira associao organizada por pais de crianas com
paralisia cerebral, visando a angariar fundos para centros de tratamento, pesquisas e treinamento profissional.
Em 1950, os pais das crianas com deficincia mental organizaram-se em defesa dos interesses e das
necessidades de seus filhos, criando a National Association For Retarded Children (NARC), que exerceu grande
influncia em vrios pases, inclusive no Brasil, onde inspirou a criao da Associao de Pais e Amigos dos
Excepcionais (APAE).
Os deficientes, vistos como no desejados e nada atraentes fisicamente,
viveram encerrados, durante quase todo o sculo XIX, em instituies como priso,
autnticos guetos, depsitos e reservas de segregados. De 1900 dcada de 70, o
movimento da escola pblica criou as denominadas classes de anormais, fase que se iniciou
com a categorizao e a classificao dos deficientes mentais mediante a aplicao da famosa
Escala Mtrica de Inteligncia, criada por Binet e Simon em 1905 (ibid. p. 69). Nessa fase,
-
expandiram-se alternativas pedaggicas que objetivavam reduzir a segregao, tais como o
atendimento em classes denominadas especiais dentro de escolas do sistema regular de ensino
(PESSOTTI, 1994; JANNUZZI, 1992; CARVALHO, 1991).
A fase atual caracteriza-se por modificaes profundas, expressas nas polticas
que regem o atendimento s pessoas com deficincias e/ou com necessidades educacionais
especiais, no sentido de superar as noes preconcebidas e estigmas existentes, bem como de
intensificar a participao delas na escola e na sociedade em geral. Segundo essa nova
perspectiva, incluir no significa tornar o indivduo normal, concepo que persistiu durante
algum tempo, mas consiste em proporcionar a tais pessoas as condies de vida similares s
das outras e possibilidades de uma vida to normal quanto possvel, assegurando- lhes o
acesso aos bens sociais (educao, sade, trabalho, lazer), polticos, culturais e econmicos.
Com o passar dos anos, a sociedade de modo geral tomou conscincia do papel
das pessoas com deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais, de suas
condies de acesso a todo e qualquer lugar, de sua representao consciente e cidad,
possuidoras de direitos e deveres, como indivduos pertencentes a uma sociedade democrtica
(BRASIL, 2002, p. 31).
Cabe, no entanto, ressaltar que tais atitudes, prticas e concepes acerca de tal
clientela foram gradativamente sendo construdas. Apresenta-se, hoje como pode-se observar
alguns resqucios e influncias desses modelos e/ou perspectivas. Por isso, no rara a
existncia de posturas, informaes e denominaes contraditrias e pouco claras frente
temtica e a tal clientela, dada a toda essa ambivalncia e confuso histrica. Essa a razo
do tratamento da questo nesta parte da pesquisa, pois, ainda, observam-se concepes e
atendimentos equivocados em escolas e em instituies especializadas que trabalham com os
referidos alunos. Mais adiante, tais situaes sero melhor explicitadas, atravs de relatos e
dados coletados no decorrer deste trabalho.
1.2 REPERCUSSO DESSAS MUDANAS E EVOLUO DA
EDUCAO ESPECIAL NO BRASIL
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O Brasil um pas em franco desenvolvimento que apresenta, na maioria das
vezes, trajetrias educacionais similares s vividas e/ou produzidas em outras localidades e/ou
em determinadas civilizaes. Estudando-se mais detalhadamente, pode-se apurar que alguns
dos estgios, das concepes, das atitudes e das influncias que marcaram a educao especial
em outros pases influenciaram e ainda determinam sua evoluo no Brasil. H, no entanto,
algumas dificuldades e/ou diferenciaes especficas, tendo em vista nossa realidade scio-
econmica e cultural.
Segundo Carmo (1991, p. 27), no incio da colonizao, entre os ndios no existia
nenhuma preocupao e/ou tratamento com relao s deficincias. Era rarssimo encontrar,
entre eles, indivduos deficientes. As poucas anomalias verificadas eram mais de causa fsica,
no de caracterstica congnita ou como conseqncia de doenas incapacitantes. Em casos
congnitos, as crianas eram sacrificadas pelos pais, aps o nascimento. As doenas mais
comuns, responsveis por deficincias, relacionavam-se cegueira noturna, o raquitismo,
beribri e outras. Alm disso, o significativo contingente de escravos invlidos, registrados
no perodo da escravatura era constitudo de vtimas de maus tratos, de castigos fsicos ou de
acidentes de trabalho nos engenhos ou nas lavouras de caf.
Gaio e Meneghetti (2004, p. 21) verificam que, mais frente na histria brasileira,
a primeira Constituio Federal, promulgada em 1824, registrou o compromisso com a
gratuidade da instruo primria a todos os cidados e com a criao dos colgios e das
universidades onde seriam ensinados os elementos das cincias, belas-artes e artes. No
entanto, a expresso todos os cidados no se referia massa de trabalhadores que, em sua
maioria, era composta de escravos, nem s pessoas com deficincias e/ou necessidades
educacionais especiais.
A precariedade ou inexistncia de estudos e a forma de se encarar a deficincia, na
poca, resultaram na ausncia de atendimento ou estrutura que proporcionasse a essas pessoas
alguma forma de melhoria e desenvolvimento. No campo da assistncia ou da reabilitao das
pessoas com deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais no se encontra
registro de nenhuma obra ou ao do Estado, at por volta de 1850.
Somente em 1854 D. Pedro II ordenou a criao do Real Instituto para Educao
dos Meninos Cegos no Brasil, hoje denominado Instituto Benjamim Constant (IBC) e do
Instituto Nacional dos Meninos Surdos, hoje, Instituto Nacional de Surdos (INES), ambos
localizados no Rio de Janeiro (KRYNKI, 1983; JANNUZZI, 1992; MAZZOTTA, 1993;
1986). O primeiro, foi criado pela influncia do cego Jos lvares de Azevedo, que havia
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estudado no Instituto de Paris e que, atravs de sua amizade com o mdico do Pao, Dr.
Xavier Sigaud, que possua uma filha cega, conseguiu convencer o imperador a cri- lo, o que
foi feito pelo Decreto Imperial n 1.428, de 12 de setembro de 1854.
O segundo, instalado em 26 de setembro de 1857, pertencia ao professor Eduard
Huet, recomendado pelo Ministro da Instruo Pblica da Frana Corte Imperial Brasileira,
atravs da intermediao do Marques de Abrantes que foi nomeado pelo Imperador,
Presidente da Comisso Organizadora desse Instituto.
Quanto ao atendimento especial para os deficientes mentais, h registros de
atendimento pedaggico ou mdico-pedaggico (1874) no Hospital Juliano Moreira, em
Salvador (BA) e na Escola Mxico, no Rio de Janeiro, mediante uma classe especial
(JANNUZZI, 1992; MAZZOTTA, 1995).
Posteriormente foram criados o Pavilho Bournville, anexo ao Hospcio de
Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, e o pavilho para crianas junto ao Hospital do
Juqueri, em So Paulo, onde eram atendidas crianas muito comprometidas e que viviam
segregadas como os loucos. Esses pavilhes, anexos aos hospitais psiquitricos, criados com
preocupao mdico-pedaggica j demonstravam a percepo da Medicina em relao
importncia da educao no tratamento das crianas com deficincia mental (JANNUZZI,
1992, p. 34).
Esse vnculo da educao com o campo mdico passou a aparecer, tambm, na
produo terica, j que os primeiros trabalhos cientficos foram produzidos por mdicos,
como, por exemplo, o trabalho Da Educao e Tratamento Mdico-Pedaggico dos Idiotas,
de autoria do Dr. Carlos Eiras, apresentado no 4 Congresso Brasileiro de Medicina e
Cirurgia, realizado no Rio de Janeiro, em 1909 (JANNUZZI, 1992; MAZZOTTA, 1995).
Um produto dessa ligao mdico-pedaggica foi o Servio de Higiene e Sade
Pblica que, no estado de So Paulo, deu origem Inspeo Mdico-Escolar e, em 1911, foi
responsvel pela criao de classes especiais e formao de pessoal para trabalhar com essa
clientela (JANNUZZI, 1992).
Assim, segundo Azevedo (1958), a Liga Brasileira de Higiene Mental foi quem
disseminou as idias que relacionavam a deficincia mental aos problemas de Profilaxia,
contando, para isso, com o apoio do Dr. Juliano Moreira. Em 1925, em Minas Gerais, no
municpio de Belo Horizonte, destaca-se a criao da Escola Estadual So Rafael,
especializada na educao de alunos com deficincia visual.
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Diante das poucas aes estatais em relao educao especial, inicia-se a
implantao de instituies privadas, especializadas no atendimento s pessoas com
deficincias. Registros do Ministrio da Educao apontam o Instituto Pestalozzi, criado em
1926, no Rio Grande do Sul, como a primeira instituio particular especializada brasileira.
(GAIO; MENEGHETTI, 2004, p. 22). Segundo Mazzotta (1996, p. 42), essa instituio
introduziu no Brasil a concepo de ortopedia das escolas auxiliares europias. Tal conceito
decorre da incorporao dos conhecimentos das cincias naturais pelas cincias humanas e da
viso estritamente organicista da deficincia mental.
A outra vertente ligada educao do deficiente mental, que se desenvolveu, entre
1920 e 1935, a psicopedaggica que no independente do ramo mdico, mas d mais
nfase aos princpios psicolgicos que marcaram a educao dessa poca, mediante estudos
em laboratrios de Psicologia Experimental, nas escolas de aperfeioamento de professores
primrios. Foi o perodo em que os testes de Quociente de Inteligncia (QI) comearam a
ganhar espao no Brasil, impulsionados pelos trabalhos desenvolvidos nos laboratrios de
Psicologia Experimental da Escola de Aperfeioamento de Minas Gerais, dirigido por
Helena Antipoff. Nessa poca, somente essa instituio se preocupava com a educao de
deficientes mentais, j que, em outros estados, a educao dessa clientela estava ligada ao
servio de Higiene Escolar (JANNUZZI, 1992).
A grande preocupao da vertente psicopedaggica era o diagnstico, a
classificao da deficincia mental e o estabelecimento da ao do professor, munido dos
referenciais fornecidos pela Psicologia. No entanto, a determinao do diagnstico continuou
recebendo apoio da rea mdica e, provavelmente, em 1929, Ulisses Pernambuco organizou a
primeira Equipe Multidisciplinar do Brasil para trabalhar com crianas com deficincia
mental, envolvendo psiquiatras, pedagogos e psiclogos (ESCOLA PLURAL, 2000).
Da mesma forma, Souza Pinto, por volta de 1935, tambm defendeu que o
diagnstico da deficincia mental deveria ser feito pelo trabalho desses trs profissionais.
Nesse perodo, j havia, no Brasil, vinte e duas instituies que se dedicavam ao atendimento
do deficiente mental em classes comuns de ensino, em classes especiais na rede regular e em
instituies pblicas e privadas (JANNUZZI, 1992).
A preocupao de Helena Antipoff com as crianas institucionalizadas,
desamparadas e com deficincia, levou-a a criar, em 1932, a Sociedade Pestalozzi de Minas
Gerais e, em 1935, o Instituto Pestalozzi de Belo Horizonte. O princpio geral que norteava tal
empreendimento era o de assistir a criana e o adolescente classificados acima ou abaixo da
-
norma de seu grupo, visto serem portadores de caractersticas mentais, fsicas ou sociais que
faziam de sua educao um problema especial. Interessada em proporcionar a essas crianas
algum tipo de treinamento profissional e, ao mesmo tempo, adequar os mtodos de tratamento
a um ambiente propcio, a Sociedade Pestalozzi adquiriu, em 1939, uma rea rural, onde se
instalou a Fazenda do Rosrio, uma unidade de reeducao de menores carentes com
deficincias.
O projeto pedaggico da fazenda-escola seguiu os princpios da Escola Ativa,
partindo principalmente das orientaes dos pesquisadores de Genebra, entre eles, Piaget e
incluindo sugestes de trabalho de equipe. Criou-se, tambm, na fazenda, o Laboratrio de
Psicologia Edouard Claparde. E, em 1948, instalou-se a Escola Normal Rural Oficial, onde
se realizavam os cursos de aperfeioamento para professores, preparando-os para seu
exerccio profissional dirio na escola e para a melhoria de seu entendimento acerca de
questes escolares e de aprendizagem de seus educandos (VASCONCELLOS, 1996, p. 95).
Aps esse perodo, essas instituies iam sendo introduzidas pelo pas afora, e, em 197, elas
se uniram formando a Federao Nacional das Sociedades Pestalozzi do Brasil (BUENO,
1999, p. 94).
A Sociedade Pestalozzi do Brasil, no Rio de Janeiro, foi fundada em 1945, e em
Niteri, em 1948. Alm dessas, foram criadas a Fundao Dona Paulina de Souza Queiroz
(So Paulo), em 1936, a Escola Especial Ulisses Pernambuco (Recife), em 1941, a Escola
Alfredo Freire (Recife), em 1942, a Instituio Beneficente Nosso Lar (So Paulo), em 1946,
a Escolinha de Arte do Brasil (Rio de Janeiro), em 1948 e a Escola Professor Alfredo Duarte
(Pelotas), em 1949. Na rea de deficincia visual, foram criados os Institutos de Cegos do
Recife , em 1935, e da Bahia, em 1936, So Rafael (Taubat/SP), em 1940, Santa Luzia
(Porto Alegre/RS), em 1941, do Cear (Fortaleza), em 1943, da Paraba (Joo Pessoa), em
1944, do Paran (Curitiba), em 1944, do Brasil Central (Uberaba/MG), em 1948 e de Lins/SP,
em 1948. Alm desses institutos, surgiram a Associao Pr-Biblioteca e Alfabetizao dos
Cegos (So Paulo), em 1942 e a Unio Auxiliadora dos Cegos do Brasil (Rio de Janeiro), em
1943 (ibid., p. 90).
Na rea da deficincia auditiva, foi criado o Instituto Santa Ins (Belo Horizonte),
em 1947, enquanto que apareceram entidades voltadas para o deficiente fsico, com a criao
do Pavilho Fernandinho Simonsen, na Santa Casa de Misericrdia (So Paulo), em 1931, do
Lar Escola So Francisco (So Paulo), em 1943 e da Escola Nossa Senhora de Lourdes
(Santos), em 1949.
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Em 1930, nessa atmosfera, foram criadas as Classes Especiais pblicas pautadas
na necessidade cientfica da separao dos alunos normais e dos anormais e na
pretenso da organizao de salas de aulas homogneas sob a superviso de organismos de
inspeo sanitria (GAIO; MENEGHETTI, 2004, p. 22).
Em 1940, um grupo de pais criou uma Associao de apoio a Portadores de Paralisia Cerebral. Em
1950, outro grupo de pais criou a Associao para Crianas Retardadas Mentais, que foi semente para a criao,
em 1954, da Associao de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), no Rio de Janeiro. Tal iniciativa foi
liderada pela senhora Beatrice Be mis, membro do corpo diplomtico americano e me de uma criana com
sndrome de Down, juntamente com outras famlias que viviam o drama de no encontrarem escolas para
colocarem seus filhos. Em 1955, no Rio de Janeiro, com apoio da Sociedade Pestalozzi do Brasil, comeou a
funcionar a primeira escola da APAE para crianas com deficincia (APAE, 2001, p. 19).
A partir de 1950, o nmero de estabelecimentos de ensino regular mantidos pelo
poder pblico (um federal e os outros estaduais), que prestavam algum tipo de atendimento
escolar aos deficientes mentais, aumentou. Alunos com outras deficincias eram atendidos em
quatorze estabelecimentos de ensino regular (um federal, nove estaduais e quatro
particulares). Nesse mesmo perodo, j havia onze instituies especializadas no atendimento
exclusivo a deficientes, sendo quatro delas para deficientes mentais e sete para outros tipos de
deficincia (MAZZOTTA, 1995).
Assim, a Educao Especial no Brasil desenvolveu-se, a princpio, segundo um
modelo mdico-patolgico no qual o aluno era classificado de acordo com o grau de
deficincia e percebido como tendo limitaes que o faziam necessitar de ajuda especial, em
separado dos demais. De acordo com essa viso, a educao especial era considerada um
servio parte, isolado do sistema educacional geral e destinado s pessoas que, por
possurem peculiaridades ou limitaes especficas, no conseguiam se beneficiar das
situaes comuns de ensino (MARTINS, 1996, p. 27).
Novas entidades de atendimento ao deficiente fsico, de cunho filantrpico, foram
criadas, inicialmente voltadas para crianas com seqelas de poliomielite e que, pouco a
pouco, com a reduo desses quadros em virtude da vacinao, foram se especializando no
atendimento de crianas com distrbios neuromotores, como a Associao de Assistncia
Criana Defeituosa (AACD), em So Paulo, fundada em 1950 e a Associao Brasileira
Beneficente de Reabilitao (ABBR), no Rio de Janeiro, em 1954. Na rea de deficincia
auditiva surgiram novas entidades, como a Escola Epheta (Curitiba), em 1950, o Instituto
Domingos Svio (Recife), em 1952, a Escola Santa Ceclia (Rio de Janeiro), em 1957, o
Instituto Educacional So Paulo (So Paulo), em 1958, o Instituto Nossa Senhora de Lourdes
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(Rio de Janeiro), em 1959, o Instituto Dona Conceio (So Paulo), em 1960, o Instituto
Cearense de Educao de Surdos (Fortaleza), em 1968 e a Escola Santa Maria (Salvador), em
1970 (BUENO, 1994, p. 95).
Mas, foi aps a Segunda Guerra Mundial que a educao especial no Brasil se
expandiu, quer pela criao de um grande nmero de entidades privadas, quer pelo
surgimento dos primeiros servios de educao especial, nas Secretarias Estaduais de
Educao e das campanhas nacionais de educao de deficientes, ligadas ao Ministrio da
Educao e Cultura.
Na dcada de 70 do sculo passado, o crescimento da rede privada de ensino
especial foi acompanhado pelas redes pblicas, com a criao de classes e escolas especiais
em todo o territrio nacional. At meados dessa mesma dcada, a questo da deficincia no
Brasil sempre foi encaminhada pelos tcnicos ou responsveis, considerados especialistas na
rea. A tnica central de todas as reivindicaes em torno do tema era o paternalismo, o
assistencialismo e a tutela, defendendo a institucionalizao (BRASIL, 1990, p. 40). De certa
forma, a ampliao do conceito de excepcionalidade, incorporando novas categorias de
anormais, ao lado dos altos ndices de evaso e de repetncia nas redes pblicas,
contriburam significativamente para essa expanso, uma vez que alunos com dificuldades de
aprendizagem e histrico de repetncias passavam a ser encaminhados indiscriminadamente
para as salas especiais.
Em nvel poltico e administrativo, ainda em 1971, o Ministrio da Educao e
Cultura (MEC) criou um grupo- tarefa, atravs da Portaria n 86, de 17 de junho, para realizar
uma completa avaliao da educao especial no Brasil. Esse grupo-tarefa apresentou um
relatrio, em dezembro do mesmo ano, com sugestes, diretrizes e propostas para a criao de
um rgo especia lizado, destinado a lidar exclusivamente com a Educao Especial. Esta
centralizao foi justificada, porque, at ento, as decises em torno da Educao Especial,
alm de assistemticas, permaneciam apenas no mbito dos conselhos estaduais de educao.
A inteno de estabelecer e garantir o atendimento integral e pedaggico na
Educao Especial materializou-se em 1972, quando, por ocasio da formulao do I Plano
Setorial de Educao, o Governo elegeu a educao especial como rea prioritria. Em
decorrnc ia desse plano, foi criado o Centro Nacional de Educao Especial (CENESP). Esse
fato reveste-se da maior importncia, em qualquer anlise histrica que se faa a respeito, por
marcar o incio das aes sistematizadas, visando expanso e melhoria do atendimento
educacional prestado no Brasil na rea da educao especial (PADIAL, 1996, p. 15).
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1.3 A CONTRIBUIO DO MOVIMENTO DOS DIREITOS DAS
PESSOAS PORTADORAS DE DEFICINCIA
No Brasil, um dos movimentos pioneiros voltados para o atendimento dos direitos
das pessoas com deficincias e o respeito s condies e s possibilidades desse alunado foi,
inicialmente, denominado integrao. Essa corrente teve atuao bem marcante entre os
anos de 1970 e 1980, contribuindo para o estabelecimento de normas expressas em termos,
como: sempre que possvel, desde que capazes de se integrar e assim por diante. Essa
postura, de certa forma restritiva e limitadora, no atende amplamente aos direitos bsicos de
ir e vir, de sade, de trabalho, de educao, de lazer, da forma como so postos hoje, pois,
para que tais direitos sejam respeitados, a sociedade precisa mudar para acolher a todas as
pessoas.
No que diz respeito escola, so integrados somente os indivduos que
apresentam as condies e requisitos para adaptao em sala regular, classe especial ou
instituies especializadas. A integrao escolar , portanto, um processo educativo-escolar,
realizado no mesmo grupo de educandos, com e sem deficincias e/ou com necessidades
educacionais especiais, durante parte ou totalidade do tempo de sua permanncia na escola.
Cabe lembrar que, no sistema integrativo, tais educandos estudam junto aos demais, mas no
realizam as mesmas atividades e continuam sendo segregados, caso no acompanhem os
demais.
importante destacar que todas essas mudanas refletem o incio de um processo
de conscientizao social, conseqncia clara da atuao do Movimento de Defesa dos
Direitos das Pessoas Portadoras de Deficincia, que ganhou impulso nos anos 80, a partir do
Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD), incentivado pela Organizao das Naes
Unidas (ONU) (BRASIL, 1990, p. 33). Portanto, a busca pela consolidao do processo
inclusivo das pessoas com deficincias e/ou com necessidades educacionais especiais na
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escola e na sociedade em geral no uma proposta surgida aleatoriamente. fruto de muitas
discusses, estudos e da militncia por membros de organizaes e simpatizantes da causa.
No mbito dos governos estaduais e municipais, criaram-se rgos de apoio s
pessoas com deficincia, com a participao ativa dos representantes do movimento.
Paralelamente, durante os anos 80, tambm se deu a expanso do movimento em nvel
internacional, passando a Organizao Nacional de Entidades de Deficientes Fsicos
(ONEDEF), fundada em 1984, a representar o Brasil junto Disabled People Internacional,
por meio de seu Conselho Latino Americano. Os cegos filiaram-se Unio Mundial de
Cegos (UMC) e Unio Latino Americana de Cegos (ULAC), e os surdos, Federao
Nacional de Educao e Integrao de Surdos (FENEIS), esto ligados ao World Federation
of Deaf (ibid. p. 32).
Assim, o ano de 1984 foi decisivo do ponto de vista da estruturao do
Movimento dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficincia, pois foram fundadas a
Federao Brasileira de Entidades de Cegos (FEBEC), a ONEDEF, a FENEIS e o
Movimento de Reintegrao dos Hansenianos (MORHAN). Em dezembro desse mesmo
ano, essas quatro entidades passaram a integrar o Conselho Brasileiro de Entidades de
Pessoas Deficientes.
Em 1987, foi criada, por decreto, a Coordenadoria Nacional para a Integrao
das Pessoas Portadoras de Deficincias (CORDE) que, em outubro de 1989, foi sancionada
pelo Congresso, atravs da Lei n 7853 (id.). A partir dessa data, a Presidncia da Repblica
passou a designar rgos e/ou pessoas para coordenar os assuntos interministeriais que dizem
respeito aos deficientes por meio da CORDE. Essa lei no s incumbe o Ministrio Pblico da
Defesa dos interesses do deficiente, como define como crime sua discriminao.
O trabalho dessas lideranas foi decisivo para uma das principais etapas dessa luta
pela mudana de postura em relao pessoas com deficincia. O paternalismo teria que dar
lugar equiparao de oportunidades e a tutela plena cidadania. esse o esprito da nova
Constituio Brasileira, promulgada em outubro de 1988. Uma das mais avanadas do mundo,
nessa rea, a atual Constituio traz, em todos os captulos que tratam dos direitos do cidado
e dos deveres do estado, artigos especficos em relao aos deficientes. No aspecto
educacional, destaca-se a igualdade de condies de acesso e de permanncia na escola. Passa
a ser dever do Estado garantir o atendimento educacional especializado ao deficiente, de
preferncia na rede regular de ensino, o que representa uma conquista fundamental para o
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desenvolvimento educacional, psquico e social dessa clientela e para a afirmao da sua
cidadania.
Logo aps a promulgao da Constituio Federal, iniciou-se um processo
semelhante nos estados e, em seguida, nos municpios, de forma que, atualmente, essas novas
posturas em relao deficincia e ao deficiente esto expressas em todos os rgos e em
todos os nveis da administrao, por todo o territrio nacional. Leis e decretos foram
aprovados, rgos e servios foram criados, programas em diferentes nveis foram elaborados
e implementados, buscando viabilizar, especialmente na rea da educao escolar, as
propostas defendidas pelo movimento.
1.4 A EDUCAO ESPECIAL NA ESCOLA REGULAR: UM AVANO DA
LEGISLAO
Inmeras leis e decretos foram formulados e aprovados no Brasil e, assim,
gradativamente, as questes mais especficas relacionadas educao especial passaram a ser
mais contempladas. Nas Leis n 4.024/61 e n 5692/71, por exemplo, no se dava muita
importncia a essa modalidade educacional (FERREIRA, 1998). Apenas um ou dois artigos
conceituavam-na como tratamento especial, demonstrando, mesmo de modo inicial sua
previso na estrutura educacional. Sua existncia no conseguiu desconsiderar, algumas
brechas que permitiam certos esvaziamentos e/ou poucos direcionamentos rea.
Essa lei, ao mesmo tempo que propunha o atendimento integrado na rede
regular de ensino, delegava s instituies sob administrao particular a responsabilidade de
parte do atendimento atravs da garantia de apoio financeiro. Dessa forma, a distribuio dos
servios que j ocorria anteriormente dcada de 1960, com a criao da Sociedade
Pestalozzi e das Apaes, que se responsabilizavam pelo atendimento clientela mais
comprometida, foi normatizada em 1961. A educao especial, ento, no era assumida
diretamente pelo Estado, ou seja, ela no era oferecida, em sua maioria na escola pblica, mas
em instituies especializadas de carter assistencial. Reforava-se assim, a existncia dos
atendimentos segregados da rea.
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At essa data, eram organizadas campanhas, como: Campanha para Educao do Surdo Brasileiro
(CESB), em 1957; Campanha Nacional de Educao e Reabilitao dos Deficientes Visuais (NERDV), em 1958
e a Campanha Nacional do Deficiente Mental (CADEME), em 1960. Elas estavam diretamente subordinadas ao
Ministrio da Educao e Cultura (MEC) e tinham como funes a promoo, em todo o territrio nacional, de
treinamento, reabilitao e assistncia educacional s pessoas com deficincia, a cooperao tcnica e financeira
com entidades pblicas e privadas e o incentivo para organizao de cursos e entidades nessa rea.
Em 1961, quando, a legislao brasileira explicitou o compromisso com a Educao Especial, na
Lei n 4.024/61, j existia no pas uma organizao considervel no atendimento, tanto em instituies
particulares de carter assistencial quanto em algumas classes especiais pblicas. Um aumento significativo das
classes especiais, principalmente para deficientes mentais, ocorreu somente a partir da dcada de 70 (GAIO;
MENEGHETTI, 2004, p. 28). Tais movimentos sinalizam toda uma caracterstica segregativa, que a educao
especial apresentava nessa poca, preponderando o atendimento ao deficiente mental sob forma de reabilitao.
Na Lei n 5692/71, pode-se notar um cuidado na caracterizao da clientela da
educao especial que estabelecida como: alunos que apresentam deficincias fsicas ou
mentais, os que se encontrem em atraso considervel quanto idade regular de matrcula e os
superdotados. Nesse momento, v-se a identificao da educao especial com os problemas
de aprendizagem, evidenciados com a expanso da rede pblica nos anos 60. Esse
atendimento foi respaldado pelo discurso das potencialidades inatas, pela implementao e
pela utilizao de tcnicas especializadas. Nesse perodo, segundo Jannuzzi (1996), havia a
convivncia ambgua dos setores pblicos e privados, caracterizando uma parcial simbiose
que permitia ao setor privado exercer influncia na determinao das polticas pblicas.
Como exemplo, o autor menciona a criao do Centro Nacional de Educao
Especial (CENESP), em 1973, que se deu por influncia das entidades privadas da educao
especial, indicando a preocupao do Brasil com o atendimento desse alunado na rede, seja na
escola e/ou na instituio. Esse ltimo atendimento era muito valorizado nesse perodo, pois
era visto como o meio e/ou recurso mais adequado e vivel a todos que apresentassem
deficincias e/ou necessidades educacionais especiais. Sentindo as conseqncias desse
sistema, bem como a influncia de movimentos que comeavam lentamente a despontar em
nvel internacional, o Brasil passou a repensar sua forma de atuao e de concepes em
relao educao especial.
Os anos 90 do sculo passado foram marcados por profundas mudanas nas
questes pertinentes educao especial, no Brasil. Nunca se falou tanto em pessoas com
necessidades especiais, educao especial, integrao, incluso e direitos dos
deficientes como nos ltimos anos.
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A Conferncia Mundial de Educao para Todos (1990)2, um dos fatos
importantes ocorridos nessa dcada, reconhece o direito de toda pessoa educao, direito
esse estabelecido h exatamente 50 anos na Declarao Universal dos Direitos Humanos. Em
1994, no Brasil, foi elaborada a Poltica Nacional de Educao Especial, cujo objetivo
fundamentar e orientar o processo de educao das pessoas com deficincias, condutas tpicas
e altas habilidades.
No mesmo ano, a Declarao de Salamanca3, inspirada no princpio de integrao
e na necessidade de aes para que a escola para todos torne-se de fato a instituio que
inclua a todos, d orientaes para o reconhecimento das diferenas, para a promoo da
aprendizagem e para o atendimento das necessidades de cada estudante. Tal evento ocorreu
num momento em que os lderes mundiais e o sistema das Naes Unidas, como um todo,
estavam procurando tornar realidade a universalizao da educao.
Uma iniciativa anterior fora concretizada como Projeto Principal de Educao,
elaborado a pedido dos Ministros de Educao, do Planejamento e da Economia dos pases da
Amrica Latina e Caribe, reunidos no Mxico, em 1979 e aprovado na 21 reunio da
Conferncia Geral da Unesco, em 1981. O Projeto Principal de Educao foi resultado do
consenso quanto necessidade de realizar esforos intensos e sustentveis para serem
atendidas as carncias e as necessidades educacionais de inmeros alunos privados do direito
de acesso, ingresso e permanncia com sucesso na escola bsica. As idias e ideais do Projeto
Principal de Educao foram retomadas em dimenso mundial e ratificadas, em 1990, em
Jomtien-Tailndia.
O encontro em Salamanca ocorreu para alertar e para assegurar que os aprendizes
com necessidades educacionais especiais fossem includos nos planos locais e nacionais de
educao, assegurando- lhes a abertura de todas as escolas, que deveram se transformar em
centros prazerosos de ensino-aprendizagem. Assim, na Conferncia de Salamanca, foi
2 A Conferncia Mundial de Educao para Todos foi elaborada em 1990, em Jomtien, Tailndia. Reuniram-se cerca de 1500 participantes de 155 pases, incluindo autoridades nacionais, especialistas em educao, representando aproximadamente 20 organismos intergovernamentais e 150 organizaes no-governamentais. Tanto a Declarao como o Plano de Ao para Satisfazer as Necessidades Bsicas de Aprendizagem so o resultado desse longo processo iniciado em outubro de 1990. Tal Declarao tem, como imperativo maior, a erradicao do analfabetismo, incluindo a preocupao com a integrao escola de crianas e jovens com deficincia e, quando necessrio, o apoio iniciativa de atendimento especializado. 3 Foi elaborada em Salamanca, na Espanha, em 1994. Na ocasio, reuniram-se mais de 300 representantes de 92 governos e 25 organizaes internacionais com o objetivo de promover a educao para todos, analisando as necessrias e fundamentais mudanas de polticas para favorecer a educao inclusiva. Segundo esse documento, as escolas devem se preparar p