discursos sobre inclusao

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    DISCURSOS SOBRE

    A INCLUSO

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    DISCURSOS SOBRE

    A INCLUSO

    Eliana Lucia Ferreira

    Eni P. Orlandi(organizadoras)

    Niteri

    Intertexto

    2014

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    2014 by Eliana Lucia Ferreira, Eni P. Orlani

    Direitos desta edio reservados Editora Intertexto.

    proibida a reproduo total ou parcial por quaisquer meios,sem autorizao expressa da editora.

    Capa: Andr Luiz da Fonseca JuniorProjeto grfico, diagramao e editorao: Camilla Pinheiro

    Os textos so de responsabilidade total de seus autores.

    Intertexto Editora e Consultoria LtdaTelefax: (21) 2613-3732e-mail: [email protected]

    Dados internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)

    D611 Discursos sobre a incluso / Eliana Lucia Ferreira, Eni P. Orlandi (organizadoras)Niteri : Intertexto, 2014.

    286 p. : il. ; 21 cm.

    Inclui bibliografias.ISBN 978-85-7964-046-9

    1. Educao especial. 2. Educao inclusiva.I. Ferreira, Eliana Lucia. II. Orlandi, Eni P.

    CDD 371.9

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    SUMRIO

    APRESENTAO...................................................9

    EQUVOCOS QUE CONSTITUEM

    O MACRODISCURSO POLTICO-EDUCACIONAL DA INCLUSO

    JULIANASANTANACAVALLARI............................................ 111 INTRODUO ...........................................................13

    2 SOBRE O EQUVOCO NA PRODUO DE

    SENTIDOS OUTROS.................................................17

    3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS..............204 ANLISE DOS REGISTROS ..................................... 23

    5 CONSIDERAES FINAIS ...................................... 39

    REFERNCIAS ........................................................... 47

    O DISCURSO DA INCLUSOPELA DIFERENA NA RELAOMDIA E SOCIEDADE

    CACIANESOUZADEMEDEIROS..........................................51

    1 INTRODUO .......................................................... 53

    2 UMA INCLUSO PARTIDA ..................................... 54

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    3 AS CONDIES DE PRODUO

    DA INCLUSO .......................................................... 624 OS SENTIDOS DA INCLUSO

    NEOLIBERAL: A CONSTRUO

    DO SUJEITO ENGAJADO........................................77

    5 POR UMA RETOMADA DA DISCUSSO

    SOBRE O CONCEITO DE INCLUSO.................. 82

    REFERNCIAS ........................................................... 87

    DISCURSIVIDADES DEINCLUSO E A MANUTENODA EXCLUSO

    GRECIELYCRISTINADACOSTA......................................... 89

    1 INTRODUO ...........................................................912 DISCURSO: SENTIDOS E SUJEITOS....................94

    3 A SOCIEDADE DA SEGREGAO ......................... 96

    4 SENTIDOS PARA A DIFERENA...........................101

    5 CONCLUSES .........................................................133

    REFERNCIAS..........................................................135

    FORMAO OU CAPACITAO?:DUAS FORMAS DE LIGARSOCIEDADE E CONHECIMENTO

    ENIPUCCINELLIORLANDI...............................................141

    1 INTRODUO........................................................ 143

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    2 SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E/OU

    SOCIEDADE DA INFORMAO?........................ 1483 EDUCAR FORMAR: A LNGUA

    ENTRA EM CENA.....................................................153

    4 O SUJEITO E O SENTIDO OUTRO:

    A FORMAO NA RELAO DA

    LINGUAGEM COM A SOCIEDADE.......................161

    5 HISTORICIDADE, ALTERIDADE.......................... 1706 CONSIDERAES CONCLUSIVAS......................178

    REFERNCIAS......................................................... 183

    ACESSIBILIDADE: SENTIDOSEM MOVIMENTO

    DBORAMASSMANN.......................................................191

    1 INTRODUO........................................................ 193

    2 DIVERSIDADE E ACESSIBILIDADE.......................197

    3 DO SENTIDO POSTO AO SENTIDO

    FLUIDO .....................................................................202

    4 SOBRE OS SENTIDOS DE

    ACESSIBILIDADE....................................................208

    REFERNCIAS..........................................................221

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    TRAO, CORPO, SENTIDO: SOBRE A

    ESCOLA, A CRIANA E A ESCRITA RENATACHRYSTINABIANCHIDEBARROS........................225

    1 INTRODUO........................................................ 227

    2 A ESCOLA DE EDUCAO INFANTIL

    CONTEMPORNEA: A PEDAGOGIZAO

    DO CORPO ..............................................................234

    3 DO CORPO BIOLGICO AOCORPOSENTIDO..................................................246

    4 O SUJEITO DA ESCOLA

    CONTEMPORNEA............................................... 255

    5 DO APRISIONAMENTO SUBVERSO:

    CONSIDERAES FINAIS....................................260

    REFERNCIAS .........................................................265

    EDUCAO FSICA:EM BUSCA DE UMA NOVAA RESIGNIFICAO

    ELIANALUCIAFERREIRA .................................................269

    1 INTRODUO .........................................................271

    2 CONSIDERAES FINAIS .................................... 281

    REFERNCIAS .........................................................285

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    APRESENTAOAtualmente, o processo de incluso escolar e

    social um movimento em movimento, com ra-

    mificaes em compromissos individuais em prol de

    compromissos coletivos, com a pretenso de resol-ver as insuficincias de um sistema social, se posi-

    cionando como um desejo de completude poltico/

    educacional.

    Portanto, os discursos sobre a incluso aqui

    apresentados inserem-se em um contexto de de-

    bates e posicionamentos trazidos pela legislao,

    pela educao e pela poltica na sua dimenso so-

    cial mais ampla.

    O que se percebe que h um jogo de diver-

    gncias e convergncias entre os movimentos so-

    ciais legitimados para se instaurarem na diversidade,

    mas h tambm uma resistncia silenciada. E nes-

    te contexto que o movimento da incluso recobre-

    -se de sentidos, agregando valorao simblica.

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    Portanto, as questes, aqui, no somente con-

    tribuem para a incluso social, mas tambm encon-tram ressonncia em prticas inclusivas voltadas

    para a educao de um modo geral.

    Sendo assim, esta obra marcada pela plura-

    lidade de discursos que recolocam a questo da

    incluso em um universo mais amplo de possibili-dades de compreenso das marcas histricas e dos

    sentidos das relaes sociais.

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    JULIANASANTANACAVALLARI**

    EQUVOCOS QUECONSTITUEM O

    MACRODISCURSO

    POLTICO-EDUCACIONAL

    DA INCLUSO*

    * Uma verso primeira deste trabalho foi publicada na Revista Brasileira de LingusticaAplicada (RBLA).

    ** Doutora e ps-doutora pela UNICAMP. Professora do Programa de Mestrado emCincias da Linguagem da Universidade do Vale do Sapuca (UNIVS).

    No h verdade que, ao passarpela ateno, no minta.

    LACAN

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    1 INTRODUO

    Na tentativa de promover a democratizao da

    escola e do ensino, uma srie de aes polticas foi

    adotada pelo governo, sobretudo a partir da dca-

    da de 1990 (VIZIM, 2003). Atravs da Declarao da

    Educao para Todos (1990), da Poltica Nacional de

    Educao Especial (1994), dentre outras propostas,buscou-se, por meio da adoo de prticas inclusi-

    vas, atender s necessidades dos excludos, isto ,

    daqueles que sofrem algum tipo de privao social,

    fsica ou cognitiva. Assim sendo, o macrodiscurso

    poltico-educacional, difundido no s por gover-

    nantes ou representantes legais, mas, em especial,

    por agentes educacionais1tende a reforar e a asse-

    gurar a aplicao de polticas inclusivas, o que, ima-

    ginariamente, possibilitaria um processo de ensino e

    aprendizagem mais justo e igualitrio.

    Recentemente, o Governo Federal anunciou

    um grande investimento na Educao Especial, com

    vistas efetivao de prticas inclusivas e oferta

    de educao de qualidade para todos. Vale desta-

    car que o enunciado educao para todos exerce

    o efeito de slogan ou propaganda do atual gover-

    1 Neste estudo,adotamos o termoagente educacionalno no sentidode agenciar ou deagenciadores, massim para designar os

    sujeitos que exercemfunes que incidemdiretamente noato educativo,como professores,diretores,coordenadores,supervisores etc.

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    no, alm de ser frequentemente empregado como

    promessa primordial de campanha de futuros go-vernantes, de modo geral. No por acaso que, ao

    longo deste texto, adotamos o termo macrodiscur-

    so poltico-educacional da incluso para nos re-

    ferirmos ao objeto de anlise deste texto, graas a

    aparente fuso, ou melhor, (con)fuso que parece

    afetar o discurso poltico e o discurso da educaoformal acerca da incluso, j que passam a funcionar

    quase que indistintamente, na tentativa de viabilizar

    a educao inclusiva e suas diretrizes j anunciadas

    e prescritas em documentos oficiais. Tomamos essa

    (con)fuso de discursividades que, por sua vez, nos

    remete a uma mesma formao discursiva acerca da

    incluso, como um macrodiscurso que se apresen-

    ta como verdadeiro e j legitimado e que, portanto,

    incide direta e indiretamente nos diversos mbitos

    sociais e, sobretudo, no contexto educacional.

    O objetivo especfico deste estudo desve-

    lar o modo como intra e interdiscursivamente2 o

    discurso da incluso que se materializa em pr-

    ticas inclusivas tidas como politica e moralmente

    corretas produz efeitos de sentido e de verda-

    de em nosso meio scio-histrico. Para tanto, nos

    2 De acordo com aAnlise de Discursode linha francesa,que fundamenta

    este estudo, ointradiscurso serefere aparentelinearidade dodizer, ao passo queo interdiscurso,que atravessa ofio discursivo revelia do sujeitode linguagem, nosremete ao conjuntode formulaesfeitas e j esquecidas(j-ditos) quedeterminam o quedizemos (ORLANDI,1999, p. 33).

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    pautamos nos seguintes questionamentos: como

    as noes de incluso e diferena (con)formam eengendram o dizer-fazer de agentes educacionais?

    Como educao e incluso se relacionam e afetam

    as prticas discursivo-pedaggicas? Partindo do

    pressuposto de que a prtica e poltica inclusivas

    evocam noes e representaes que significam

    em oposio e por meio de pares dicotmicos (in-cluso x excluso; igualdade x diferena) j natura-

    lizados no contexto escolar, levantamos a hiptese

    de que a educao inclusiva (EI) silencia e apaga

    a(s) diferena(s) e o diferente, j que incluir pro-

    duz o efeito de sentido de normalizar ou de tor-

    nar o outro meu semelhante.

    Como material de pesquisa foram utilizados

    alguns depoimentos proferidos por agentes edu-

    cacionais (professores, assistentes, coordenadores

    de cursos, diretores, pedagogos e psiclogos), por

    ocasio de algumas palestras e seminrios realiza-

    dos em um congresso nacional cujo tema era in-

    cluso e diversidade. Trata-se de um amplo even-

    to realizado anualmente, no estado de So Paulo,

    e que rene profissionais da educao de diversos

    campos do saber e de diversas reas de atuao.

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    Do ponto de vista terico, os pressupostos da

    Anlise de Discurso de linha francesa (ADF), quepostula a determinao inconsciente e ideolgica

    do sujeito e da linguagem, fundamentam a anlise

    dos registros e as consideraes aqui propostas.

    Em ltima instncia, o presente estudo sugere o

    acolhimento das diferenas e da ingovernabilidadeque, vez por outra, irrompem no contexto escolar,

    de modo que possamos atuar como agentes edu-

    cacionais, no sentido de no temermos ou ficarmos

    passivos diante do inesperado, mas de concebermos

    a diferena e o diferente como fatores produtivos

    que provocam transformaes em todos os partici-

    pantes do contexto escolar, independentemente da

    funo exercida, deslocando saberes pr-constru-

    dos ou j normalizados scio-historicamente.

    A seguir, abordamos o conceito de equvoco

    que se mostrou bastante produtivo para o desenvol-

    vimento da parte analtica deste estudo.

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    2 SOBRE O EQUVOCO NA

    PRODUO DE SENTIDOSOUTROS

    Tendo em vista a problemtica levantada neste

    estudo o equvoco no discurso da incluso, faz-

    -se necessrio adentrarmos o conceito de equvoco

    que viabilizou o recorte discursivo efetuado no ma-terial de anlise.

    De acordo com a perspectiva discursiva, o

    equvoco produz uma falha materializada na/pela

    lngua, revelia do sujeito enunciador. Essa falha no

    pode ser recoberta, levando produo de sentidos

    outros, por vezes indesejveis, e que denunciam a

    posio discursiva, portanto ideolgica, ocupada

    pelo sujeito de linguagem, bem como as formaes

    discursivas em que seu dizer se inscreve para pro-

    duzir efeitos de verdade e de evidncia enunciativa.

    Nesse prisma, no o sujeito que fala a lngua, mas

    sim a lngua que fala e (d)enuncia o posicionamento

    do sujeito enunciador, uma vez que aponta para as

    suas formaes ideolgicas e para os vrios discur-

    sos que legitimam seu dizer.

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    Convm ressaltar que o sujeito constitudo na/

    pela linguagem, tal como postula Pcheux, no causa nem origem dos sentidos que produz ao

    enunciar, pois surge como efeito do assujeitamento

    linguagem que, por sua vez, no pode ser tomada

    como mero instrumento de comunicao, dada sua

    opacidade e no transparncia. Estabelecendo um

    possvel dilogo entre as perspectivas que embasameste estudo, tanto para a AD como na Psicanlise, o

    dizer no transparente ao enunciador, pois o sen-

    tido lhe escapa, irrepresentvel, em sua determina-

    o pelo inconsciente e pelo interdiscurso.

    Essa duplicidade, que faz referir um discur-

    so a um discurso outro para que ele faa

    sentido, na psicanlise, envolve a questo

    do inconsciente. Na anlise de discurso,

    essa duplicidade, esse equvoco, trabalha-

    do como a questo ideolgica fundamen-

    tal, pensando a relao material do discurso

    lngua e a da ideologia ao inconsciente

    (ORLANDI, 1996, p. 81-82).

    A noo de equvoco ou de equivocidade que

    suporta o duplo, o heterogneo ou, ainda, tudo

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    aquilo que ultrapassa a vontade do sujeito enun-

    ciador, tambm se faz presente na psicanlise. Emambas as perspectivas tericas, a verdade no se

    apresenta na aparente unidade discursiva, mas se d

    a escutar atravs de formaes do inconsciente ou

    da equivocidade que prpria da linguagem. Nas

    palavras de Lacan (1986, p. 302), nossas palavras

    que tropeam so as palavras que confessam. Elasrevelam uma verdade de detrs.

    Com base nas consideraes arroladas pos-

    svel afirmar que, estruturalmente, todo e qualquer

    dizer tomado pelo equvoco ou pela possibilida-

    de de deriva de sentidos, uma vez que o sujeito de

    linguagem duplamente marcado: pela ideologia e

    pelo inconsciente. Ao encontro de tais afirmaes,

    Mariani (2006, p. 8) postula que o equvoco se ins-

    taura nos sentidos produzidos por um determinado

    acontecimento discursivo, revelia do sujeito enun-

    ciador, e faz falhar a vontade de unidade e trans-

    parncia da comunicao, pois incorpora o real emsuas anlises do simblico e do imaginrio. So

    justamente esses pontos de equvoco ou de deslize

    de sentidos que se do a escutar na materialidade

    posta, que buscamos resgatar e problematizar na

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    anlise dos acontecimentos discursivos, de modo a

    melhor compreender como a prtica inclusiva signi-fica no contexto escolar.

    3 PROCEDIMENTOSMETODOLGICOS

    Como j mencionado anteriormente, lana-

    mos um olhar discursivo ao corpus, para entend-

    -lo no como contedo ou testemunho de verda-

    de, mas para desvelar, nos enunciados analisados,

    a formao discursiva em que o sujeito de lingua-

    gem se inscreve, para que suas palavras tenham

    sentido (ORLANDI, 1996). Em suma, a abordagem

    discursiva ancora a anlise dos registros na ma-

    terialidade lingustica, desnudando os aspectos

    scio-histrico-ideolgicos que atuam na consti-

    tuio dos sentidos e que so esquecidos pelo

    sujeito que enuncia.

    Vale salientar, ainda, de que forma os pressu-

    postos da ADF e da psicanlise dialogam entre si,

    fornecendo as balizas terico-metodolgicas des-

    te estudo. Para a AD, o funcionamento discursivo

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    engendrado pela articulao entre a ideologia e as

    condies de produo do discurso, isto , o con-texto scio-histrico de sua enunciao e o lugar

    discursivo ocupado pelo falante. Na teoria psica-

    naltica, por sua vez, a determinao dos sujeitos e

    dos sentidos inconsciente e atemporal e s se faz

    acessvel por meio da linguagem que comporta fa-

    lhas ou buracos. Feitas essas colocaes, postula--se uma relao da ideologia com o inconsciente,

    por meio da linguagem, ou seja, a ideologia, assim

    como o inconsciente, embora oculta ao sujeito

    enunciador, se mostra no funcionamento do discur-

    so: da estrutura ao acontecimento. Pcheux (1997)

    reflete sobre a materialidade da linguagem como

    regio de equvoco em que se ligam materialmente

    o inconsciente e a ideologia. Dito de outro modo,

    o sujeito da estrutura afetado pela determinao

    inconsciente que faz com que as redes de memria

    e as formaes ideolgicas, s quais o discurso e o

    sujeito se filiam para produzir sentidos, escapem ao

    saber consciente do eu. Observa-se, portanto, que ofuncionamento da ideologia no constitui um saber

    consciente, embora seja condio de existncia do

    sujeito e do discurso, uma vez que governa e atribui

    sentidos ao fazer-dizer.

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    Nas anlises que se seguem, foram destacadas

    algumas regularidades que constituem equvocosde ordem ideolgica e que, em funo dos senti-

    dos que produzem, para alm do saber consciente

    do enunciador, apontam para a posio discursiva

    e ideolgica do sujeito de linguagem em relao

    proposta de educao inclusiva.

    Convm retomar que os excertos analisados

    foram coletados durante um congresso nacional,

    sediado em uma instituio particular de ensino su-

    perior do Estado de So Paulo, cuja proposta era dis-

    cutir questes acerca da incluso e da diversidade.

    Durante a realizao de algumas palestras e semi-

    nrios, agentes educacionais que exercem funes

    distintas no contexto escolar como: professores, re-

    presentantes do MEC, diretores, pedagogos, entre

    outros, formularam algumas consideraes sobre o

    referido tema. Algumas dessas formulaes foram

    transcritas e, posteriormente, selecionadas para este

    estudo, a fim de elucidarmos alguns questionamen-tos aqui propostos. A anlise empreendida no tem

    a pretenso de concordar ou discordar com o teor

    do que est sendo dito, tampouco de acusar ou cul-

    par os sujeitos de pesquisa pelos equvocos desta-

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    cados em suas formulaes, mas sim de compre-

    ender como essas formulaes produzem sentidos,ao evocarem outros domnios discursivos. Dito de

    outro modo, no se trata de individualizar ou res-

    ponsabilizar o sujeito de pesquisa por suas supostas

    falhas ou equvocos de ordem inconsciente, mas de

    compreendermos como as prticas discursivas fun-

    cionam e provocam efeitos de legitimidade.

    4 ANLISE DOS REGISTROS

    De modo a elucidar as perguntas de pesquisa que

    direcionam a anlise dos registros discursivos como

    os conceitos de incluso e diferena (con)formam e

    engendram o dizer-fazer de agentes educacionais?

    Como educao e incluso se relacionam e afetam

    prticas discursivo-pedaggicas? faz-se necessrio

    rastrearmos a presena do interdiscurso que interpela

    e legitima os depoimentos proferidos pelos sujeitos

    pesquisados. Passemos anlise do corpus.

    Por ocasio da palestra de abertura do referido

    congresso, o reitor da universidade onde o evento

    foi sediado proferiu:

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    [RD 1]3Incluir na pauta um congresso de in-

    cluso e diversidade visa a resolver melhoresta situao no Brasil. De mos dadas pre-

    tendemos caminhar neste tema com a par-

    ticipao efetiva da universidade. A incluso

    abrangente e parece imposta. Podemos

    dar uma contribuio social, ao propor o

    desmonte de mecanismos de excluso.

    Com base no excerto acima, observa-se que

    o sujeito de linguagem, ocupando o lugar de reitor

    de uma instituio de ensino superior, inicia sua fala

    reiterando a necessidade de promover a incluso

    com a participao efetiva da universidade. A ma-

    terialidade posta pe em evidncia a funo poltica

    e social que a escola e seus agentes devem exercer

    e que parece se sobrepor, ou at mesmo se impor,

    funo de ensinar e de transmitir saberes. Mais

    especificamente, a universidade e seus represen-

    tantes passaram a exercer a funo de hospedar o

    diferente sem, de fato, inclu-lo de modo significa-tivo, tendo em vista que para os normais e para os

    profissionais que tm seu saber cientifica e social-

    mente legitimado que dado o direito e o poder de

    construir saberes, julgamentos e verdades sobre os

    3 RD 1, 2, 3 osmbolo adotadopara representar osrecortes discursivosanalisados.

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    que so representados e marcados como anormais

    e excludos. Nesse sentido, o processo de constru-o do saber sobre o excludo acaba por exclui-lo

    dessa construo, pois este tomado como objeto

    do olhar e do saber do outro, cujo lugar enunciativo

    tem certo valor e reconhecimento social.

    Ferre (2001) salienta a contradio inerente ao

    saber produzido na/pela universidade, via prticas

    discursivo-pedaggicas. Nas palavras da autora

    (FERRE, 2001, p. 199),

    O que na Universidade se produz pode ser

    tudo ao contrrio: nenhuma reflexo sobre

    um sujeito prprio, nenhum saber ou sabor

    acerca de nossa intimidade e um acmulo

    de contedos sobre o outro que o define,

    o identifica e o encerra em um opaco en-

    voltrio tecnicista que faz dos demais os

    especiais, os descapacitados, os diferentes,

    os estranhos, os diversos e de ns os ob-

    viamente normais, os capacitados, os nati-

    vos, os iguais; e, por isso, dois so os tipos

    de identidade que a Universidade segue

    produzindo ao transmitir o conhecimento

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    acadmico, cientfico e tcnico que alude

    diferena e diversidade na educao: aidentidade normal e a identidade anormal;

    a esta segunda a que se passou a chamar de

    diferente, especial ou diversa.

    A repetio redundante do termo incluir, que no

    recorte acima pronunciado trs vezes, sem que haja

    qualquer questionamento do tipo: incluir o que, quem

    e como? sugere a naturalizao de verdades discur-

    sivamente construdas e que se materializam no/pelo

    macrodiscurso poltico-educacional, ao representar a

    proposta de educao inclusiva como um compromis-

    so de todos ou, segundo o enunciador, como um meio

    de dar uma contribuio social e de resolver melhor

    esta situao no Brasil. Na formulao em questo,

    o sujeito de linguagem deixa escapar que a incluso

    uma situao problemtica que ainda no se resolveu

    no Brasil, tendo em vista que o que j est resolvido

    no requer melhoras, nem necessita de compreenso.

    O vocbulo resolver, empregado na formulao in-

    cluir na pauta um congresso de incluso e diversida-

    de visa a resolver melhor esta situao no Brasil, nos

    remete a um problema a ser endereado, no caso: a

    incluso que parece imposta, segundo o enunciador.

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    Ao formular incluir na pauta, o enunciador atri-

    bui um efeito de formalidade e de certa superficia-lidade ao tema abordado no congresso: incluso e

    diversidade, tendo em vista que o vocbulo pauta

    costuma ser empregado para se referir aos assuntos

    a serem tratados em uma reunio de trabalho e que

    podem ser sanados ou pelo menos endereados at

    o seu trmino. Alm disso, a incluso ou educao

    inclusiva um assunto que est em pauta ou na or-

    dem do dia, em especial, no contexto escolar, em

    funo das ltimas diretrizes da poltica nacional da

    educao.

    O uso da primeira pessoa do plural, no trecho:

    de mos dadas pretendemos caminhar neste tema;

    podemos dar uma contribuio social, provoca um

    efeito de convocao e de participao de todos

    os agentes educacionais, de modo a viabilizar a in-

    cluso que ainda parece no ter sido alcanada, j

    que se trata, ainda, de um tema a ser discutido em

    um congresso da rea. Esse efeito de convocao produzido pelo discurso progressista e da unio so-

    cial que versa sobre a unio de todos (unidos ven-

    ceremos!) como forma de se atingir o progresso e

    a ordem.

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    Embora o enunciador proponha o desmon-

    te de mecanismos de excluso, deixando entrevercerta noo dos mecanismos de poder engendra-

    dos pela ideologia vigente, o enunciador parece no

    se dar conta de que a viabilizao da incluso no

    contexto escolar no depende nica e exclusiva-

    mente da boa vontade dos agentes educacionais

    ou de seu poder transformador, uma vez que os tais

    mecanismos de excluso, bem como o modelo de

    escola excludente que ainda predominante em

    nosso meio, foram legitimados ao longo de uma

    longa trajetria poltico-econmica que, por meio

    de prticas discursivas e de jogos de poder-saber,

    segundo uma viso foucaultiana, foram construindo

    verdades sobre os excludos e sobre a necessida-

    de de inclu-los. Nos ltimos anos, a insignificncia

    e a (in)fmia4daqueles que foram discursivamente

    marcados como excludos parece ganhar relevn-

    cia poltico-social, se tornando alvo das instituies

    normalizadoras que atuam como aparelho ideol-

    gico do estado, segundo Althusser (1992), uma vezque a excluso e os excludos passaram a represen-

    tar certa ameaa acomodao social e ao exerc-

    cio da cidadania.

    4 Segundo Foucault(1992, p. 90), os(in)fames noso apenas ospersonagens denossa histriaque cometem

    algum ato vil, mas,sobretudo, aquelescuja existnciafoi ao mesmotempo obscura edesafortunada.

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    Ainda em relao ao excerto anterior [RD1], ape-

    sar de tentar modalizar o seu dizer sobre a propostada incluso, ao formular a incluso abrangente e

    parece imposta, o equvoco que produz sentidos

    indesejados marca a posio ideolgica do sujeito

    em relao ao tema abordado. O carter impositivo

    da educao inclusiva se materializa nessa formula-

    o, apontado para o fato de que a incluso bas-

    tante complexa e no um procedimento natural,

    pois, se assim o fosse, no precisaria ser apresen-

    tada na forma de lei ou de proposta pedaggica a

    ser seguida e nem seria tomada, pelos educadores,

    como uma imposio. Nesse prisma, significativo

    ressaltar que a natureza humana mais seletiva do

    que inclusiva, uma vez que, segundo Skliar (2006),

    a diferena tende a ser vista negativamente, pois

    aponta para o intolervel ou para fora da normali-

    dade. Em outras palavras, mais fcil e natural ex-

    cluir do que tentar incluir. Ao encontro dessas ideias,

    Ferre (2001, p. 197) enfatiza que o mundo dos ditos

    normais um mundo onde a presena de seresdiferentes aos demais, diferentes a esses demais ca-

    racterizados pelo espelhismo da normalidade, vi-

    vida como uma grande perturbao.

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    A meno ao carter impositivo da educao

    que prega a incluso de todos, preferencialmenteem turmas de escolas regulares, a despeito da dife-

    rena e, por vezes, da deficincia fsica marcada no

    corpo, tambm foi observada no excerto a seguir,

    formulado por uma diretora de uma escola pblica

    de ensino fundamental:

    [RD 2] A incluso um susto, um espanto.

    Ela chegou de repente e a gente tem que

    saber o que fazer. Na verdade, ela est entre

    ns desde 71, com a lei 5.692/71.

    No recorte em questo, o enunciador deixa es-

    capar seu espanto diante da proposta da incluso,

    apesar de enunciar a partir do lugar de dirigente de

    uma instituio escolar que, em conformidade com

    as leis vigentes, deveria garantir a poltica de educa-

    o inclusiva. Ao se dar conta do equvoco de ordem

    ideolgica que seu dizer produziu, o enunciador faz

    aluso lei que garante a aplicao de prticas in-clusivas, por mais espantosas ou assustadoras que

    possam parecer. Assim sendo, apesar de toda in-

    segurana vivenciada pelos agentes educacionais

    diante do estranho e do diferente que, na maioria

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    das vezes, vira sinnimo de deficiente, a necessida-

    de de tudo saber e de fornecer respostas acertadaspara situaes inesperadas constitui a identidade do

    sujeito educador, alm de governar seu fazer peda-

    ggico, tal como sugere a formulao: a gente tem

    que saber o que fazer.

    A formulao posta acima parece dialogar com

    o prximo excerto, formulado por uma pedagoga

    que, no evento em questo, representava o MEC e

    suas propostas:

    [RD 3] A dona incluso no est s batendo

    na porta, ela est dentro da sala de aula. A

    postura do MEC essa: todos na sala de aula

    e a a gente vai caprichando na qualidade.

    A formulao a postura do MEC essa: todos

    na sala de aula e a a gente vai caprichando na qua-

    lidade reflete as polticas pblicas brasileiras que

    se caracterizam pelo improviso e despreparo dosprofissionais envolvidos em sua implementao, no

    caso: dos agentes educacionais que, mesmo sem a

    formao necessria para trabalhar com os alunos

    ditos especiais, devem acolh-los no espao de sala

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    de aula, ainda que isso implique na m qualidade da

    educao oferecida. Como j sugerido por Coraci-ni (2007, p. 107), o fato de partilhar do mesmo es-

    pao fsico no significa por si s e por fora da

    lei, ausncia de discriminao, in-cluso, in-sero

    social. A autora (CORACINI, 2007, p. 109) conclui

    que a vontade de igualar, de homogeneizar na me-

    lhor das intenes [...] que cava um abismo ainda

    maior entre uns e outros, ou seja, entre os alunos

    ditos normais e os representados como excludos

    ou especiais. Assim sendo, a prpria escola que se

    diz inclusiva acaba construindo muros que marcam

    e segregam a diferena, excluindo ainda mais.

    Partindo da premissa de que todos so iguais

    ou, ainda, de que a igualdade um ideal a ser al-

    canado, a educao inclusiva silencia as diferen-

    as que poderiam provocar transformaes produ-

    tivas e significativas no contexto escolar. Em nome

    de uma prtica pedaggica mais justa e igualitria,

    igualam-se, tambm, os sujeitos, suas demandas edesejos, confinando-os a um mesmo espao e pr-

    tica discursivo-pedaggica, em que o aluno s pa-

    rece ser considerado ou endereado como objeto

    do saber do outro (professor, coordenador, peda-

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    gogo etc.) que, por sua vez, deve sempre saber o

    que fazer diante do inesperado. Essa noo de quetodos so iguais ou de que devem ser iguais ganha

    sentidos a partir da ideologia religiosa e jurdica, se-

    gundo as quais os homens so iguais perante Deus

    e perante a Lei. Nesse prisma, a aplicabilidade da lei,

    neste caso, das premissas da educao inclusiva, as-

    segura os direitos de todos, ganhando estatuto de

    compromisso moral e social.

    No recorte anterior (RD 3), diversos efeitos de

    sentidos so produzidos, a partir da personificao

    da incluso, na seguinte formulao: a dona in-

    cluso no est s batendo na porta, ela est dentro

    da sala de aula. O sujeito de linguagem sugere quea incluso j est sendo contemplada pelo simples

    fato de permitir que o aluno diferente permanea no

    mesmo espao dos alunos tidos como normais.

    Em outras palavras, a incluso se personifica na fi-

    gura do aluno diferente, muitas vezes confundido

    e entendido como deficiente, e parece perder oseu carter de proposta transformadora que deve-

    ria incidir, de forma significativa, na prtica pedag-

    gica. Evocando a questo da hospitalidade, tratada

    por Derrida (2003), para adentrar a temtica levan-

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    tada neste estudo, possvel afirmar que aos agentes

    educacionais, em especial ao professor, dada a di-fcil tarefa de hospedar e ser hospitaleiro, isto , no

    hostil, com esse estranho que foi inserido mas no

    totalmente includo no espao de sala de aula da

    escola regular, na iluso de ser possvel se atingir e

    viabilizar uma hospitalidade universal: sem reservas,

    sem limites, sem fronteiras (CORACINI, 2007, p. 110).

    Propondo um alinhavo entre a leitura de Lacan

    (1992), a temtica aqui abordada e a materialidade

    destacada anteriormente, observa-se que a inclu-

    so do diferente metaforizada como uma visita

    inesperada ou como um hspede desconhecido que

    bate porta em momento inoportuno, adentrandoe ameaando a estabilidade de um mundo j norma-

    lizado, com fronteiras bem demarcadas. Nas palavras

    de Lacan (1992, p. 87), esse hspede o que j pas-

    sou para o hostil [hostile] [...]. No sentido corriqueiro,

    esse hspede no heimlich, no o habitante da

    casa, o hostil lisonjeado, apaziguado, aceito.

    justamente essa posio de hostil aceito e li-

    sonjeado que assumida pelo aluno diferente e/

    ou deficiente, na escola regular, tendo em vista que

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    tal aceitao est prevista em lei, alm de tornar os

    agentes educacionais mais tolerantes e generosos,em conformidade com a ideologia em funciona-

    mento no discurso religioso e que tambm atribui

    efeitos de sentido para as prticas inclusivas. Em um

    estudo anterior (CAVALLARI, 2011) enfatizei, com

    base no princpio responsabilidade proposto por

    Forbes (2010), que a criao de sadas singulares e

    criativas para cada situao de incluso que no

    passe pela compaixo, mas que parta do universal

    para o particular de cada caso, tratando diferente-

    mente as diferenas, ao invs de tentar igual-las

    que poder propiciar uma incluso menos nor-

    malizante e mais significativa.

    O ltimo excerto abordado foi formulado por

    uma professora de ensino fundamental e mdio da

    rede pblica, que trabalha com alunos especiais em

    turmas regulares. O equvoco que possibilita a deri-

    va de sentidos indesejados tambm se fez presente

    na materialidade posta. Vejamos:

    [RD 4] Temos que resgatar um erro. Trata-

    mos as pessoas diferente porque elas so

    diferente de ns. Ns que exclumos as

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    pessoas. Temos que deixar de fixar a ima-

    gem nos esteretipos.

    O esquecimento nmero dois5, da ordem da

    enunciao, segundo Pcheux (1988), provoca di-

    ferentes efeitos de sentido na referida formulao.

    Em outras palavras, ao empregar o verbo resgatar,

    ao invs de corrigir, o sujeito de linguagem nos

    permite entrever sua posio discursiva, portanto,

    ideolgica, segundo a qual o aluno diferente ou de-

    ficiente visto como um erro que deve ser resgata-

    do ou corrigido por ns, os normais, que temos o

    poder de construir um saber sobre o outro.

    Nos depoimentos dos agentes educacionais,de modo geral, as noes de diferente e de de-

    ficiente se confundem, justificando a necessidade

    da aplicao de prticas pedaggicas igualitrias e

    simplificadoras das diferenas. Lembrando que a in-

    cluso se faz necessria para alm das deficincias,

    podemos afirmar que um equvoco de ordem ide-olgica est em funcionamento nos depoimentos

    abordados, bem como na proposta de EI, conforme

    ratifica Vizim (2003, p. 52), na citao a seguir:

    5

    O esquecimentonmero dois,segundo Orlandi(1999, p. 35) fazo enunciadoracreditar que huma relao diretaentre pensamento,a linguagem e omundo, de modoque pensamos queo que dizemos spode ser dito comaquelas palavras eno outras.

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    O tema educao inclusiva, apontado na

    dcada de 1990, ficou restrito, por vezes,

    educao de pessoas com deficincias.

    Cabe ressaltar que esta uma situao la-

    mentvel diante da complexidade de se

    criar uma poltica pblica de educao para

    todos. No se trata nica e exclusivamente

    do segmento das pessoas com deficincia,

    no sentido de inclu-los nas escolas regu-

    lares, deve-se incluir tambm toda criana,

    jovem e adulto que vive a condio de anal-

    fabeto ou de analfabeto funcional, de dife-

    rena tnica, cultural, religiosa, de condio

    social, enfim, de marginalizao diante da

    hegemonia social.

    Em um trecho do recorte anterior: tratamos as

    pessoas diferente porque elas so diferente de ns

    [sic.], nota-se uma fala pouco significativa, circular

    e esvaziada de sentidos, uma vez que apenas evoca

    representaes e discursos j naturalizados em nos-so contexto scio-histrico. Esse esvaziamento de

    sentidos tambm foi abordado por Coracini (2007),

    partindo da anlise de depoimentos de professores.

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    Nas palavras da autora (CORACINI, 2007, p. 101-

    102), o que se percebe uma repetio redundante

    de termos que parecem esvaziados de sentidos ou

    to plenos de sentido naturalizados pela ideologia

    dominante que no precisam de explicitao [...].

    Nesse prisma, podemos afirmar que a naturalizao

    desastrosa e infrtil, j que no promove transfor-

    maes e/ou deslocamentos, pois acaba por sim-

    plificar e igualar as diferenas. Em larga medida, o

    equvoco de ordem ideolgica que irrompe nos de-

    poimentos acerca da EI, nos permite entrever que

    o foco das prticas inclusivas est no apagamento

    da diferena e na deficincia e no no acolhimento

    da diversidade como algo que pode ser produtivo

    no processo de ensino-aprendizagem, uma vez querequereria a (trans)formao no s do aluno dito

    especial, mas de todos os envolvidos no processo

    em questo.

    Ainda em relao ao excerto anterior, nota-se

    que o sujeito de linguagem convoca os agenteseducacionais para o seu dizer, quando emprega a

    primeira pessoa do plural (ns, temos que), atribuin-

    do a eles e a si mesmo a culpa pela excluso prati-

    cada no contexto escolar ns que exclumos as

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    pessoas. Na formulao destacada, engendra-se a

    individualizao e responsabilizao do sujeito por

    seus atos e escolhas. Dito de outro modo, o enun-

    ciador no se v afetado por outros discursos que

    circulam em nosso meio e que produzem verda-

    des ou efeito(s) de evidncia discursiva, mas como

    o nico agente capaz de fazer escolhas acertadas

    que possibilitem a incluso. Segundo Kehl (2001,

    p. 59), dentro da modalidade subjetiva contempo-

    rnea, o sujeito no se d conta de suas filiaes

    simblicas e passa a se considerar como um indiv-

    duo isolado. Da advm sentimentos diversos como

    culpa e angstia diante do insucesso da EI e da apa-

    rente inviabilidade de suas propostas.

    5 CONSIDERAES FINAIS

    Embora, primeira vista, tudo se baseie na di-

    versidade, no que tange Educao Inclusiva (EI) e/

    ou Especial e suas propostas, os recortes analisadosreforam a hiptese inicialmente levantada neste

    estudo de que a EI silencia a(s) diferena(s) e o dife-

    rente, j que incluir produz o efeito de sentido de

    normalizar ou de tornar o outro meu semelhante.

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    Em outras palavras, o modo como a diversidade

    significada no macrodiscurso poltico-educacional

    da incluso acaba por promover a diluio, apaga-

    mento e at mesmo o silenciamento da diferena

    e daquilo que o sujeito dito excludo apresenta de

    mais singular e distintivo.

    Em todas as formulaes analisadas o enfoque

    est na incluso enquanto proposta e no no su-

    jeito a ser includo ou nas especificidades de sua(s)

    diferena(s). Em suma, o sujeito dito especial parece

    ficar fora ou excludo da discusso sobre como in-

    clu-lo e, portanto, se objetifica, ao ocupar, ainda que

    revelia, a posio de objeto do olhar, das aes, do

    fazer e do suposto poder-saber do outro. Tal comosugere Balocco (2006, p. 83), s h referncia ao su-

    jeito, enquanto objeto de representaes discursi-

    vas, ou construes identitrias, lembrando que os

    discursos produzem sujeitos que no so nem esto

    na origem de sua enunciao. Trazendo as conside-

    raes arroladas para este estudo, podemos con-cluir que o sujeito da EI aparece como assujeitado

    ou como efeito do assujeitamento ao macrodiscurso

    poltico-educacional da incluso e s verdades que

    esse discurso parece evocar e disseminar.

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    Como j destacado anteriormente, as prticas

    e poltica inclusivas significam ao evocarem pares

    dicotmicos e imaginariamente excludentes como:

    diferena x igualdade; excluso x incluso. So essas

    noes extremamente simplificadoras e homoge-

    neizantes, geralmente pensadas em oposio, que

    incidem na constituio identitria do sujeito mar-

    cado e representado como excludo, uma vez que

    passam a constituir as imagens nas quais esse sujeito

    se reconhece e se identifica. Segundo Souza (1995),

    as prticas discursivo-pedaggicas, de modo geral,

    e os conceitos que as fundamentam so tratados de

    forma unvoca: sem equvocos, falhas ou enganos.

    As prticas discursivo-pedaggicas, desencadeadas

    pelo macrodiscurso poltico-educacional da inclu-so e tambm concebidas de forma unvoca, se pau-

    tam na busca de igualdade e tendem a criar identida-

    des narcsicas, isto , idnticas s daqueles que so

    tidos como normais e que tm o poder de construir

    um saber sobre o outro dito excludo ou especial.

    A materialidade posta nos recortes analisados

    tambm possibilitou a problematizao do modo

    como o macrodiscurso poltico-educacional da in-

    cluso e as prticas ditas inclusivas concebem a

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    diferena e a singularidade que so constitutivas da

    identidade de todo e qualquer sujeito de linguagem

    e no apenas daqueles que tm a diferena marca-

    da no corpo. Skliar (2006, p. 29) refora que aca-

    bamos reduzindo toda alteridade a uma alteridade

    prxima, a alguma coisa que tem de ser obrigato-

    riamente parecida a ns ou ao menos previsvel,

    pensvel, assimilvel. Em consonncia com as afir-

    maes anteriores salientei (CAVALLARI, 2008, p. 5)

    que a resistncia em acolher as diferenas se atrela

    ao fato de que tudo o que nos parece estranho ou

    no familiar expe o no saber ou o no contro-

    le, desestabilizando o lugar de suposto-saber que

    constitutivo da identidade de agentes educacionais,

    sobretudo de professores. Essa reduo do estra-nho em familiar, do diferente em normal, entretanto,

    inviabiliza uma prtica inclusiva que, de fato, con-

    temple a singularidade do sujeito-aluno e a diversi-

    dade inevitavelmente presente em todo e qualquer

    contexto escolar.

    Outro equvoco de ordem ideolgica, bastante

    recorrente nos excertos abordados, deriva da con-

    fluncia de sentidos entre diferente e deficiente,

    que parece resultar da igualao ou da fuso esta-

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    belecida entre educao regular e educao espe-

    cial, de acordo com a poltica de educao especial.

    No entanto, significativo problematizarmos de

    que modo educao e incluso de fato se rela-

    cionam e afetam as prticas discursivo-pedaggicas

    na contemporaneidade. A anlise dos depoimentos

    nos sugere que educao e incluso s se implicam

    mutuamente no macrodiscurso poltico-educacio-

    nal da incluso, mas no nas prticas discursivo-

    -pedaggicas em que parece haver uma hincia ou

    uma lacuna imaginariamente intransponvel entre

    a educao tradicionalmente concebida e ainda

    praticada e as premissas da EI. Resta-nos questio-

    nar, portanto, como tocar ou afetar esse sujeito que

    ocupa a posio de agente educacional para almdo imaginrio ou do politicamente correto acerca

    da incluso? Um primeiro passo seria promover uma

    reflexo sobre como as polticas pblicas de inclu-

    so so construdas e significadas.

    Recorrendo aos personagens (in)fames da his-tria e salientando a importncia de resistir e con-

    frontar o poder hegemnico, Foucault (1992, p.

    98) enfatiza a necessidade de transpor os limites,

    de passar para o outro lado, escutar e fazer ouvir a

    linguagem que vem de fora ou de baixo [...]. Estas

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    vidas, por que no ir escut-las l onde falam por si

    prprias? Trazendo essas indagaes para as pr-

    ticas inclusivas, conclui-se que os mecanismos de

    poder-saber, muitas vezes engendrados e sustenta-

    dos pelo discurso universitrio que, segundo Lacan

    (1992), formaliza e legitima o modo de se organi-

    zar as relaes interpessoias, devem ser descons-

    trudos ou, pelo menos, desnaturalizados, a fim de

    promover uma incluso que acolha as diferenas e

    as especificidades de todo e qualquer sujeito de lin-

    guagem e no apenas daqueles ditos ou represen-

    tados como anormais. Ao encontro de tais consi-

    deraes, Skliar (2003) prope uma pedagogia do

    acontecimento que acolha o estranho, o diferente

    e o inesperado sem tem-los ou silenci-lo.

    Em ltima instncia, sugerimos que as noes

    de incluso e diferena, j sedimentadas no macro-

    discurso poltico-educacional da incluso, sejam

    (re)pensadas e (re)significadas no interior de nos-

    sas experincias educacionais, para que provoquemtransformaes e desloquem o saber instituciona-

    lizado e historicamente determinado sobre o outro

    dito e marcado como especial. Vale destacar que

    se h algo de natural na incluso sua desarmonia.

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    45

    Desse modo, para que as prticas inclusivas sejam

    tomadas de forma menos romantizada ou menos

    afetada pelo imaginrio de compaixo e igualdade,

    precisamos nos lembrar de que o semelhante e o

    dessemelhante, a ordem e o conflitual se implicam

    mutuamente na desarmonia natural da EI e da Edu-

    cao que se pretende para Todos e que, graas a

    sua natureza universalizante, no de ningum, pois

    no leva em conta a singularidade que diferencia os

    sujeitos de linguagem.

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    uma mesma realidade. In: SILVA, S.; VIZIM, M. (Org.).

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    * Jornalista/professora do Programa de Ps-Graduao em Cincias da Linguagem daUniversidade do Vale do Sapuca (UNIVS). Doutora em LetrasEstudos Lingusticos naUniversidade Federal de Santa Maria (UFSM).

    CACIANESOUZADEMEDEIROS*

    Sem o antagonismo entre includos e excludos,poderemos nos encontrar em um

    mundo em que Bill Gates o principal humanista,lutando contra a pobreza e as

    doenas, e Rupert Murdoch o maior ambientalista,mobilizando milhes de pessoas

    por meio de seu imprio da mdia.SLAVOJZIZEK

    O DISCURSO DAINCLUSO PELADIFERENA NARELAO MDIA ESOCIEDADE

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    53

    1 INTRODUO

    A sociedade e seus modos de organizao, fun-

    cionamento, movimento de sentidos, sujeitos e suas

    prticas um lugar de interesse em meu percurso

    de estudo da relao mdia e sociedade. Dentro do

    espao social constitudo por seus antagonismos,

    regularidades, falhas e prticas sociais de (re)produ-

    o de sentidos destaco a mdia em uma posioinstituda (legitimada) onde questes sociais, que

    mobilizam sentidos na histria, so retomados para

    significar de outro jeito o que j est l, o que j faz

    sentido (ORLANDI, 1999).

    O objetivo deste trabalho discutir e dar visibi-lidade aos sentidos que constituem o conceito de

    incluso postos em circulao na/pela mdia, a partir

    de uma leitura discursiva de campanhas produzidas

    no Brasil sobre a questo da incluso social. Para isto

    me detenho em observar as condies de produo

    onde habitam os sentidos em torno do conceito deincluso que so (re)produzidos na mdia para pro-

    blematizar a ancoragem ideolgica que marca este

    discurso em nossa sociedade e que est edificado

    em um modo de estruturar o social sustentado em

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    54

    uma formao ideolgica neoliberal de ver, de fazer,

    de significar o mundo e os sujeitos.

    Parto do princpio de leitura de que a questo da

    incluso em seu espao de significao social tem,

    inevitavelmente, uma histria, um movimento de

    sentidos que vm sendo mobilizados e que busco

    problematizar neste captulo como possibilidade de

    compreender, guisa dos preceitos tericos de Fou-cault (2002, 2007, 2008), no tocante aos conceitos

    de sociedade, poder e de neoliberalismo; e da teoria

    discursiva de Pcheux (1990, 1993, 1998, 2009, ) e

    Orlandi (1993, 1999, 2001) a que me filio, a costura

    ideolgica e as condies de produo que consti-

    tuem o conceito de incluso e seus modos de signi-ficar deflagrados na/pela mdia. Tracei um caminho

    de leitura discursiva que prope, a partir da anlise

    terica que mobilizo, uma retomada do conceito de

    incluso e suas formas de significao na sociedade.

    2 UMA INCLUSO PARTIDA

    Um dos temas mais publicizados na mdia da

    atualidade , de fato, o da incluso social e neste

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    entorno de significao os sujeitos marcados pela

    diferena passam a figurar em posio destaca-

    da no projeto social que apregoa uma incluso de

    superfcie discursiva horizontalizada, sem deslizes,

    sem conflitos e arranjada em um imaginrio de boa

    vontade coletiva que ressoa um modo de discur-

    sivizar a incluso de sujeitos identificados pela di-

    ferena determinado por uma formao ideolgica

    neoliberal1 que retoma sentidos individualizantesque j esto naturalizados.

    A posio terica que me orienta nesta leitura e

    anlise determinante para que se compreenda que

    o discurso existe no social e na relao dos sujei-

    tos com a linguagem que os subjetiva. Parto da pre-missa terica elaborada por Michel Pcheux (2009),

    que define o discurso como sendo constitudo e

    constitutivo do social e dado materializao na lin-

    guagem. Esse conceito tem sido largamente citado

    e retomado no mbito dos estudos discursivos o

    amparo vital para um estudo que entende a neces-sidade de compreenso da linguagem para alm de

    sua materialidade pragmtica ou mesmo conteuds-

    tica de leitura e interpretao.

    1 A questo do

    neoliberalismo e suarelao discursivacom a questoda incluso nasociedade serexplicitada nasequncia da seo.

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    56

    Minha proposta de reflexo est, assim, com-

    prometida com uma leitura da sociedade atual em

    seus modos, discursos e prticas, que s se justifi-

    cam e se legitimam no bojo terico que entende o

    discurso como efeito de sentidos entre interlocu-

    tores (PCHEUX, 1993, p. 170). Esta noo de dis-

    curso representa, em sua materialidade simblica, o

    encontro entre linguagem, histria e ideologia. Em

    um mesmo movimento, o discurso materializa-seem mecanismo constitutivo de sujeito e de sentido,

    iluses e esquecimentos (ORLANDI, 1999), e este

    processo ganha corpo em diferentes formas, ou

    seja, na materialidade discursiva que se (re)produz

    na mdia. De acordo com o que Pcheux (1998, p.

    58) assevera, ao localizar a Anlise de Discurso (AD)como dispositivo de leitura, h um caminho de es-

    tudo determinado

    [...] pelo campo dos espaos discursivos

    no estabilizados logicamente, dependen-

    do dos domnios filosfico, scio-histrico,poltico ou esttico, e tambm, portanto,

    dos mltiplos registros do cotidiano no es-

    tabilizado (cf. a problemtica dos -universos

    de crena, a dos - mundos possveis, etc.).

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    Nesta perspectiva, a linguagem entendida

    como ao, transformao, como um trabalho sim-

    blico em que tomar a palavra um ato social com

    todas as suas implicaes, conflitos, reconhecimen-

    tos, relaes de poder, constituio de identidade

    etc. (ORLANDI, 1993, p. 17).

    Seguindo no percurso discursivo de produo

    de sentido proposto por Pcheux, saliento que o su-jeito atravessado tanto pela ideologia quanto pelo

    inconsciente, o que produz no mais um sujeito

    uno, mas um sujeito cindido, clivado, descentrado,

    (re)partido, no se constituindo na fonte e origem

    dos processos discursivos que enuncia, uma vez

    que estes so determinados pela formao discur-siva na qual o sujeito est inscrito e que determina

    o que pode e o que no pode ser dito (PCHEUX,

    2009). Mais que isso, a formao discursiva na qual

    o sujeito est identificado regida por uma rede de

    memria j instituda e acionada (posta em funcio-

    namento) no momento da formulao do dizer. Oconceito de memria postulado por Pcheux (2009)

    , doravante, uma memria do discurso, ou seja,

    uma memria interdiscursiva, onde habita um con-

    junto de j-ditos que sustenta todo dizer. De acordo

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    58

    com este conceito, os sujeitos esto filiados a um

    saber discursivo que no se aprende, mas que pro-

    duz seus efeitos atravs da ideologia e do incons-

    ciente. O interdiscurso est articulado ao complexo

    de formaes ideolgicas: algo j foi dito antes, em

    outro lugar, independentemente. Essa relao se d

    em continuidade histrica de produo discursiva.

    O interdiscurso , pois,

    [...] definido como aquilo que fala antes, em

    outro lugar, independentemente. Ou seja, o

    que chamamos de memria discursiva: o sa-

    ber discursivo que torna possvel todo dizer e

    que retoma, sob a forma do pr-construdo,

    o j-dito que est na base do dizvel, susten-tando cada tomada de palavra. O interdiscur-

    so disponibiliza dizeres que afetam o modo

    como o sujeito significa em uma situao

    discursiva dada (ORLANDI, 1999, p. 31).

    A determinao discursiva do sujeito em socie-dade um importante alce para minha observao

    acerca dos objetos de mdia e os sentidos da inclu-

    so que funcionam nesta discursividade, pois sina-

    liza traos da implicao ideolgica do discurso na

    i i bli d b i d d E

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    aparncia simblica da obviedade. Essas questes

    apontam para o fato de que, na constituio do su-

    jeito do discurso, intervm dois aspectos que no

    podem ser deixados de lado: primeiro, o sujeito

    social, interpelado pela ideologia, mas se acredita

    livre, individual; e, segundo, o sujeito dotado de

    inconsciente, contudo acredita estar o tempo todo

    consciente ou, pelo menos, dotado de uma cons-

    cincia social comum entre seus pares e dotada deinteno. Afetado por esses aspectos e assim cons-

    titudo, o sujeito (re)produz o seu discurso.

    Na mdia, o processo de formulao e circula-

    o discursivo est localizado em um lugar de (re)

    produo permanente. Em sua prtica de produ-o, a mdia tem, portanto, um lugar de seleo e de

    permanncia desse acervo de saberes sobre, bem

    como um lugar de circulao de sentidos, a partir

    das escolhas do que dito (e mostrado) e do que

    silenciado ou deixado de lado; de quem partici-

    pa efetivamente na definio desses saberes e de

    quem no est presente. De acordo com o que Or-

    landi (1999) teoriza, h um duplo jogo de memria

    quando a observamos em uma relao discursiva.

    Nas palavras da autora,

    [ ] b di f i

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    [...] saber como os discursos funcionam

    colocar-se na encruzilhada de um duplo

    jogo da memria: o da memria institucional

    que estabiliza, cristaliza, e, ao mesmo tempo,

    o da memria constituda pelo esquecimen-

    to, que o que torna possvel a diferena, a

    ruptura, o outro (ORLANDI, 1999, p. 10).

    A compreenso de como os lugares sociais e aideologia so estabelecidas nas relaes simblicas

    entre os sujeitos uma contribuio mpar, espe-

    cialmente no tocante questo em uma anlise dis-

    cursiva: a ideologia se materializa em discurso, que,

    por sua vez, d-se na materialidade textual. Sujeito e

    sentido constituem-se simultnea e historicamentenas relaes de fora e conflitos ideolgicos.

    Retomar o carter histrico do discurso e do

    sujeito, percebendo aquele como lugar de consti-

    tuio deste, permitir a compreenso das lutas so-

    ciais, visto que as composies biopsicolgicas so

    politicamente conformistas. permitir, por exem-

    plo, o entendimento do fato de que as assimetrias

    sociais e de poder so delineadoras das identidades

    subjetivas: questes de lugar, raa, nacionalidade,

    religio incluso/excluso ganham materialidade

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    religio... incluso/excluso, ganham materialidade

    a partir da heterogeneidade prpria s formaes

    discursivas e das posies-sujeito no acontecimen-to discursivo. Sem a intermediao do discurso, visto

    em sua heterogeneidade, no possvel compreen-

    der a constituio do ser-sujeito em sua pluralidade,

    como materializao na/pela histria.

    As ideologias s fazem sentido para o sujeito nasua relao de constituio com a sociedade, ca-

    bendo a este compreend-las e observar as pos-

    sveis posies que se coadunam em determinado

    contexto histrico. Assim sendo, entendo que a

    mdia atua no social a partir de uma formao ide-

    olgica e histrica determinada que delineia a (re)produo de sentidos mobilizada em suas prticas.

    O discurso , desse modo, efeito de sentido tam-

    bm do lugar da mdia no social e das relaes de

    poder a imbricadas que repercutem nas instituies

    sociais (como na escola, por exemplo) que regulam

    a prtica dos sujeitos em seu meio. Observar em que

    sociedade (com)vivemos ponto de partida e che-

    gada na compreenso discursiva dos sentidos. E

    sobre a sociedade e as condies de produo que

    encaminho a discusso sobre a incluso.

    3 AS CONDIES DE PRODUO

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    3 AS CONDIES DE PRODUODA INCLUSO

    A promoo e divulgao de sentidos materiali-

    zados como campanhas, propagandas e outras ma-

    terialidades dadas discursividade midiatizada tem

    ocupado um espao amplo em nossa sociedade

    marcada pela profuso de imagens. No caso espec-

    fico das materialidades discursivas deflagradas pelamdia a respeito da questo da incluso, o universo

    de possibilidades versadas para o consumo de-

    terminado por uma conjuntura scio-histrica que

    precisa ser considerada em sua base constitutiva:

    as condies de produo que situam os sentidos

    que significaro de um modo e no de outro. Con-sideradas num sentido mais amplo, as condies de

    produo incluem o contexto scio-histrico e o

    aspecto ideolgico de produo discursiva. A pro-

    posta de (re)definio de condies de produo

    entende que exista um alinhamento anlise hist-

    rica das contradies ideolgicas na materialidade

    dos discursos e uma articulao terica ao concei-

    to de formao discursiva que prprio da teoria

    discursiva que trago para sustentar um questiona-

    mento sobre a questo da incluso. A somatria dos

    valores ideolgicos constitui o imaginrio que de-

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    valores ideolgicos constitui o imaginrio que de

    signa o lugar que os sujeitos do discurso se atribuem

    mutuamente. Nas palavras de Pcheux (1990, p. 77),um discurso sempre pronunciado a partir de con-

    dies de produo dadas, portanto, importa no

    somente o que se diz, mas tambm o que no se diz

    sobre incluso. Neste ponto, importante salientar

    que no interessa aqui analisar especificamente o

    papel das mdias ao constituir um palco para viabili-zar uma pretensa conscientizao sobre a incluso.

    O objetivo trazer problematizao um aspecto

    que vejo como sendo emblemtico no tempo pre-

    sente: a relao de sentidos da incluso prtica

    de engajamento social que vem sendo mobilizada

    como modelo de vida em sociedade; as idas e vindasdo cenrio miditico montado para criar estas for-

    mas de engajamento enfatizando a diferena como

    caminho regular de uma possibilidade j instituda

    de promover uma espcie de conscincia prtica

    de incluso; as textualidades mobilizadas para tais

    prticas e seus efeitos na produo de modelos de

    conduta frente a sujeitos ditos especiais.

    Para adentrar nesta leitura das condies de

    produo, faz-se necessrio retomar a noo de in-

    cluso que mobilizo. Por incluso, entendo mais do

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    q ,

    que um paradigma educacional ou social; tomo in-

    cluso como um princpio de organizao da socie-dade, propulsionado pela lgica de uma formao

    ideolgica neoliberal tomada por sentidos pr-cons-

    trudos que se atualizam em novas formas de dizer/

    mostrar e simbolizar os sujeitos. Neste sentido, trago

    para o centro do debate as condies que ancoram

    o movimento discursivo da incluso, com o prop-sito de compreender seu funcionamento e discutir

    seus efeitos de legitimidade, entendendo que:

    [...] as palavras tm um sentido porque tm

    um sentido, e os sujeitos so sujeitos por-

    que so sujeitos: mas, sob essa evidncia, ho absurdo de um crculo pelo qual a gente

    parece subir aos ares se puxando pelos pr-

    prios cabelos (PCHEUX, 2009, p. 32).

    Para tanto, estou embasada na posio terico-

    -discursiva de Pcheux que entende que a ideologia

    constitutiva do sujeito, no h sujeito sem ideo-

    logia (PCHEUX, 2009), ou seja, no ocultao ,

    isso sim, produo de evidncias (ORLANDI, 2001,

    p. 104) e que a sociedade essencialmente cons-

    tituda por relaes de poder. Poder que se movi-

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    p p q

    menta no que eu prefiro chamar de sociedade da

    imagem por dispositivos de visibilidade elencados eagenciados ideologicamente.

    Considerar o carter da visibilidade em seu me-

    canismo histrico de organizao vem ao encontro

    da relao mdia e poder que constitutiva da nossa

    sociedade. A mdia tem papel determinante no pro-cesso de difuso de saberes e valores na sociedade

    contempornea. No caso da mdia, como lugar de

    circulao de sentidos, se o controle no ocorre pela

    via da vigilncia repressora da presena e da orde-

    nao do olhar de sujeitos em presena, se d na

    emergncia de modelos de realidade; no agencia-mento da conscincia, como promotora de gestos

    de interpretao, (re)produtora de fatos de lingua-

    gem, de posies-sujeito atuantes na esfera de or-

    ganizao social. Retomando Foucault (2007, p. 8),

    [...] se o poder fosse somente repressivo, se

    no fizesse outra coisa a no ser dizer no,

    voc acredita que seria obedecido? O que

    faz com que o poder se mantenha e que

    seja aceito simplesmente que ele no pesa

    s como uma fora que diz no, mas que

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    66

    de fato ele permeia, produz coisas, induz ao

    prazer, forma saber, produz discurso.

    A instituio miditica (recortada em nosso tra-

    balho como mdia dada divulgao de saberes e

    ideias em curso na sociedade brasileira se autoriza a

    mobilizar sob a gide de seu papel institudo como

    servio social, lugar institudo como instrumentodemocrtico, reconhecido na esfera da liberdade de

    expresso e de direito dos cidados seu lugar (po-

    ltico, econmico e comercial) atravs do discurso.

    Este um mote essencial para a compreenso des-

    te lugar miditico, pois entre os direitos declarados

    pela Constituio Federal Brasileira de 1988, em seuart. 5 (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coleti-

    vos), temos o direito comunicao, informao.

    O dado constitucional de direito em si mostra que

    esse lugar institucional coloca a comunicao em

    uma relao gregria e social que, ao incluir as ne-

    cessidades de autoexpresso e de troca de informa-

    es, sustenta um lugar de poder para esta mdia.

    A mdia, nesta posio de comunicao, no es-

    pao social de produo discursiva, investe espe-

    cialmente no que tange os aportes tecnolgicos e,

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    portanto ideolgicos , na manuteno e legitima-

    o de seu lugar social. Essa legitimidade no umainveno da mdia, como se ela configurasse uma

    entidade independente e manipuladora, tampouco

    ser abordada neste texto em uma relao simplista

    de influncia, j que o discurso da mdia parte do

    complexo sociopoltico do Estado democrtico que

    legitimado como sistema organizador em nossasociedade; ou seja, o social que determina a pro-

    duo de prticas e ideias mobilizadas nas esferas

    institucionais (entre as quais temos a mdia na sua

    posio informativa), e no o contrrio. No mesmo

    sentido e com maior especificidade, minha posi-

    o terica justifica-se pela prpria concepo delinguagem que adotamos, a saber, a da linguagem

    constituda por um aspecto material, a lngua (o que

    pode ser visto a olho nu) atravessada pela histria

    e pela ideologia, as quais caracterizam relaes es-

    senciais para compreendermos a manifestao do

    sentido e de seus efeitos na leitura e nas prticas so-

    ciais do sujeito.

    Compreender o que se diz sobre incluso, por

    exemplo, precede uma observao da mdia, ou seja,

    na posio discursiva que me atenho, a mdia ob-

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    servada em seu lugar singular de poder, no o poder

    que vigia ou ameaa, mas o poder que regulariza averso possvel j condicionada em uma prtica

    (tcnica e ideolgica) instituda, que tem lugar so-

    cial definido. Com esse pensamento, dispomo-nos

    a observar o leque que relaciona o discurso da m-

    dia e suas relaes sociais, entendendo que o poder

    no da mdia como detentora manifesta das ver-ses escolhidas ou dotada de um lugar de inteno

    lgico e claro, mas exercido e regulado por foras

    ideolgicas que so, antes, polticas, econmicas e

    sociais que otimizam a (re)produo de alguns sen-

    tidos em detrimento de outros.

    Para Foucault (2007), o processo de otimizao

    do poder, pela economia poltica, que implica em

    estratgias que tem como efeito o mximo controle

    pelo mnimo investimento de poder, seria uma ten-

    dncia. Nesta lgica, produzir condutas que relacio-

    nam o sujeito com os demais por meio de proce-

    dimentos que visam gerir a populao aliadas a

    prticas que o sujeito empreende com ele mesmo

    pela tica, por exemplo alm da amenizao do

    risco, permite a autogesto da sociedade. Mas, para

    que essa lgica seja eficiente, algumas tticas e tc-

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    nicas precisam ser inventadas/acionadas.

    Trazendo a teorizao disciplinar dos sculos

    XVIII e XIX para a atualidade, entendemos que nes-

    se regime que a incluso, como elemento de parti-

    cipao e acesso de todos, toma corpo. No basta

    ser parte da sociedade, preciso participar. Mais do

    que isso, preciso querer participar de certos espa-os e aes e incentivar que todos participem. As

    formas de publicizar este ideal relacionam modos

    de subjetivao j institudos e as ressonncias in-

    terdiscursivas dessa relao numa sociedade que se

    pretende inclusiva dentro de um projeto ideolgico

    legitimado em prticas de engajamento regulares.

    Para dar visibilidade ao entorno terico que venho

    propondo at aqui, recortei materialidades miditicas2

    que me chamaram a ateno para o modo como tex-

    tualizam a questo da incluso e, a partir delas, enfa-

    tizo a observao de sentidos filiados a uma determi-

    nada formao ideolgica e (re)tomada de sentidos

    (o parafraseamento discursivo) que propagandeiam a

    prtica de engajamento como soluo anunciada e

    simbolizada como garantia de avano social.

    2 As campanhasque versam sobre

    a incluso peladiferena serotomadas comoobjeto de leitura eanlise na sequnciada seo.

    Os recortes trazidos para discusso referem-se

    h 3 di l d l i i

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    a campanhas3 divulgadas nos ltimos cinco anos

    em diferentes formas miditicas de (re)produo eforam sequenciadas (em recortes) para dar visibili-

    dade a aspectos analticos em torno do conceito de

    incluso e sua relao significante com uma orde-

    nao social de divulgao. Observemos a sequn-

    cia discursivo-parafrstica de recortes:

    Recorte 1(R1) Campanha publicitria

    Fotografia 1 Imagem divulgada pelo Instituto MetaSocial

    cujo slogande campanha Ser diferente

    normal

    Ser diferente normal

    Fonte Disponvel em:

    3 Peas publicitrias(impressas eaudiovisuais)amplamentedivulgadas.

    Recorte 2 (R2)4 Campanha publicitria

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    Fotografia 2 Imagem referente ao filme da campanha

    do Instituto MetaSocial cujo slogan Ser

    diferente normal

    Ser diferente normal

    Fonte Disponvel em:

    4 A imagem do recorte refere-se sexta campanha desenvolvida para aONG MetaSocial fundada por Helena Werneck. No filme publicitrio,de 2011, com verses de 60 e 30 segundos, Paula Werneck, uma atrizque j protagonizou outras campanhas do MetaSocial, est em casa edeclara, em uma narrativa, ser uma menina diferente. A suposio levaa crer que essa diferena seria por outros motivos at que ela de-clara que por gostar de tocar bateria. A cena seguinte mostra Paulatocando bateria num parque gramado (as filmagens ocorreram noParque da Marinha do Brasil, em Porto Alegre) ao som de Kids of the

    Future, da banda inglesa Jonas Brothers. Aos poucos, outros jovensse aproximam e cantam com ela. Ao final, todos abraam a baterista eo enunciado Ser diferente normal entra em cena. Como recursosde acessibilidade, o filme conta com legendas e audiodescrio paraversar sobre questo da diferena. O vdeo pode ser visto no endere-o eletrnico: .

    Recorte 3 (R3)Campanha publicitria

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    Fotografia 3 Imagem da campanha Ser diferente normal

    E da que diferena faz?!

    Ser diferente normal

    Fonte Disponvel em:

    Recorte 4 (R4)Campanha publicitria

    Fotografia 4 Imagem de campanha divulgada em comemora-

    o ao dia internacional da Sndrome de down.

    Fonte:Disponvel em:

    No sou diferente,

    eu fao a diferena.

    Recorte 5 (R5)Campanha publicitria

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    Fotografia 5 Imagem de campanha da Federao das Aes

    do Estado do Rio de Janeiro

    O que nos faz especialso exatamente asnossas diferenas

    Fonte Disponvel em:

    Ao ler, ver e/ou ouvir, em diferentes mdias, em

    diferentes materialidades discursivas, o enunciado:

    Ser diferente normal, deparei-me tocada a pro-

    blematizar os sentidos no tempo presente: os sen-

    tidos de engajamento na causa inclusiva, a partir da

    espetacularizao da diferena/diversidade sua

    produo e seu consumo simblico na e pela lin-

    guagem miditica. Nesse registro, retomo questes

    pertinentes minha reflexo: Como os sentidos da

    chamada incluso social vem sendo movimentados

    na mdia?

    Se observarmos a sequncia de materialidades

    (os recortes) enunciativas nas campanhas supra-

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    (os recortes) enunciativas nas campanhas supra

    mostradas podemos explicitar o deslize de senti-dos constitutivo do parafraseamento5dos enuncia-

    dos instaurados em um antagonismo histrico que

    constitui a subjetividade dos que so e dos que no

    so considerados diferentes e sua possibilidade de

    incluso social pela diferena. O reforo enunciativo

    que deflagra que ser diferente normal s podeser dito e fazer sentido na relao com uma me-

    mria interdiscursiva num espao que nos lembra

    (traz atualidade) da segregao historicamente

    construda e discursivizada dos sujeitos (os deficien-

    tes, os especiais, os diferentes...) que ainda esto

    imersos na esteriotipia social da deficincia, da falta,

    da estagnao como sujeitos (desen)formados dos

    moldes sociais vigentes.

    Desta forma, a tentativa discursiva que a mdia

    (re)produz nas campanhas a de um (re)posiciona-

    mento direto, horizontal dos sentidos da diferena,

    inclusive pelo no-uso da designao deficincia

    que carrega, em sua histria e memria, sentidos

    ainda atuantes do esquecimento, da desvalia e do

    no-pertencimento social. Os enunciados parafrs-

    5 Tomo o conceitode parfrasena perspectivadiscursiva queentende queos processosparafrsticos soaqueles pelos quaisem todo dizer h

    sempre algo que semantm, isto , odizvel, a memria.A parfrase est dolado da estabilizao(ORLANDI, 1999).

    ticos recortados das campanhas (R1, R2, R3, R4 e R5)

    marcam esta memria discursiva histrica em que

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    a ca es a e a d scu s a s ca e que

    as diferentes prticas relacionadas ao cuidado compessoas com deficincia permitem problematizar o

    modo como cada perodo histrico, especialmente

    o de agora, atualiza a questo da diferena. Dife-

    rentes atores sociais em suas posies-sujeito esto

    envolvidos nessas prticas que vo da caridade e as-

    sistncia6

    at s prticas ditas integrativas e inclusi-vas que marcam a questo da deficincia na con-

    temporaneidade, mas que vem produzindo sentidos

    h muito tempo.

    Segundo Foucault (2002), desde o incio do s-

    culo XIX, os sujeitos com deficincia eram vistos a

    6 A prtica assistencial est diretamente relacionada ao surgimentodas instituies de confinamento. Nesse modelo e intervenoo atendimento aos carentes constitui objeto de prticasespecializadas. Assim surgem diferentes equipamentos sociais tais como hospitais, asilos, orfanatos, hospcios que ofereceroatendimento especializado a certas categorias da populao queoutrora eram assumidos, sem mediao, pelas comunidades.

    Vo surgindo estruturas cada vez mais complexas e sofisticadasde atendimento assistencial, esboo de uma profissionalizaofutura desse tipo de prtica. Foucault (2002) produz um trabalhodenso sobre a sociedade suas formas de regulao e pontuahistoricamente a mudana das prticas sociais de cuidado (paraele formas de ordenao) social.

    partir de suas deficincias: elas deveriam ser medi-

    das e classificadas e seus corpos tornados objetos

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    p j

    de controle, j que se opunham ordem social. Essadominao exercida pelas disciplinas, a partir dos

    sculos XVII e XVIII, se institui atravs deformas sutis

    por tcnicas minuciosas e ntimas. Atravs de uma

    poltica do detalhe, de ateno s mincias, esse

    corpo doente passa a ser estudado, analisado, co-

    nhecido, para ser recuperado e tratado... Este cen-rio discursivo movimentou-se e tem agregado no-

    vos sentidos para significar o sujeito diferente (e no

    s deficiente). Considerando o fracasso das institui-

    es em integrar o sujeito com deficincia socie-

    dade e ao mercado de trabalho produtivo a partir de

    um modelo social de normalidade, iniciou-se, em

    vrios setores sociais, e a mdia ocupa uma posio

    importante neste processo, um questionamento e

    presso para a desinstitucionalizao das pessoas

    com deficincia.

    No modelo da incluso discursivizado na atua-

    lidade, onde a diversidade proclamada como m-

    xima do ser/estar na orientao certa (quela jus-

    tificada e assentada nas formas de dizer e fazer do

    politicamente correto), materializa-se um movi-

    mento de sentidos que identifica e conclama inte-

    grao a sociedade e as pessoas com necessidades

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    especiais, isso como forma de minimizar os proble-mas encontrados por ambas no convvio social his-

    toricamente estruturado. So prticas distintas que

    ora colocam todo o peso sobre a pessoa com de-

    ficincia, ora procuram distribuir a responsabilidade

    pela incluso para todo o conjunto social propondo

    o engajamento como nica (melhor) opo.

    4 OS SENTIDOS DA INCLUSONEOLIBERAL: A CONSTRUO DOSUJEITO ENGAJADO

    Como parte da proposta de debate sobre a ma-

    terialidade discursiva e suas implicaes, considero

    importante apontar algumas condies histricas de

    produo dos discursos da incluso. Compreendo

    que h na sociedade um movimento que deflagra a

    incluso enquanto incentivo participao e aces-

    so de todos a determinados espaos sociais, como

    uma grande rede que se tece em torno de polticas e

    prticas conectadas aos interesses e convenincias

    do modo de vida neoliberal.

    Por neoliberalismo, a partir de Foucault (2008),

    compreendo a lgica que vem se empreendendo

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    desde meados da dcada de 1970, em que o mer-cado assume posio centralizadora na formulao

    de significados. Com isso, o papel do Estado na di-

    nmica social se reconfigura e h um incentivo

    autoconduo. Assim, se no liberalismo clssico o

    Estado gerenciava o mercado, no neoliberalismo,

    a relao inverte-se. O mercado cria e monitora ofuncionamento do Estado e das suas relaes com

    os sujeitos e destes com eles prprios (os sujeitos

    consigo mesmos e entre si), pois isso torna o pro-

    cesso mais produtivo e economicamente vivel.

    Dentro do neoliberalismo como forma de vida

    do tempo presente e na conjuntura em que vivemos

    certas normas so institudas no s com a finalidade

    de posicionar os sujeitos dentro de uma rede de sa-

    beres, como tambm de criar e conservar o interes-

    se em cada um em particular, para que se mantenha

    presente em redes sociais e de mercado. Estamos

    todos, de uma maneira ou de outra, sendo condu-

    zidos por determinadas prticas e regras implcitas

    que nos levam a entrar e permanecer no jogo eco-

    nmico do neoliberalismo. possvel apontar pelo

    menos duas grandes regras que operam nesse jogo

    do neoliberal. A primeira regra manter-se sempre

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    em atividade. No permitido que ningum pare oufique de fora, que ningum deixe de estar integrado

    nas malhas que do sustentao aos jogos de mer-

    cado e que garantem que todos, ou a maior quan-

    tidade de sujeitos, sejam beneficiados pelas aes de

    Estado e de mercado. Por sua vez, Estado e o mer-

    cado esto cada vez mais articulados e dependentesum do outro, na tarefa de educar a populao para

    que ela viva em condies de sustentabilidade, de

    empresariamento, de autocontrole etc.

    A segunda regra que todos devem estar inclu-

    dos, mas em diferentes nveis de participao, nas re-

    laes que se estabelecem entre o que da ordem Es-

    tado/populao, pblico/comunitrio e mercado. No

    se admite que algum perca tudo ou fique sem jogar.

    Para tanto, as condies principais de participao

    so trs: primeiro, ser educado em direo a entrar

    no jogo; segundo, permanecer no jogo (permanecer

    includo); terceiro, desejar permanecer no jogo.

    Foucault (2008), ao escrever sobre o neolibe-

    ralismo e ao colocar que o ponto comum existente

    entre o econmico e o social a regra da no-ex-

    cluso, possibilita a compreenso da incluso como

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    um imperativo neoliberal para a manuteno detodos (os sujeitos e suas instituies) nas redes do

    mercado. Mesmo considera