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47 Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 DA LEI DO COURO À LEI DO RIFLE: A VIOLÊNCIA DO CANGAÇO NO IMAGINÁRIO DO SERTANEJO NORDESTINO (1922 - 1938) Danilo D´Silva Duarte Orientadora: Profª. Ms. Viviane Zeni INTRODUÇÃO O alvorecer do dia 28 de julho de 1938 ficou marcado pela incessante cantoria dos pássaros ecoando na Grota de Angicos, nas margens sergipanas do Rio São Francisco. Este seria mais um dia na vida dos cangaceiros que ali estavam acampados formando um grupo razoavelmente numeroso, composto por 35 bandoleiros, sob a liderança do temível “rei do cangaço”, Virgulino Ferreira, o Lampião. Parecia mais um dia calmo a se revelar no horizonte e por isso, nenhum cangaceiro percebeu quando as primeiras rajadas de metralhadora rasgaram as barracas e atingiram em cheio vários componentes do grupo. O cerco policial comandado pelo Tenente João Bezerra mostrou- se extremamente eficiente, dificultando de todas as formas, a fuga dos desorientados bandoleiros que, acuados, tentavam escapar do incessante tiroteio. O resultado do feroz ataque que contabilizou 11 mortos, incluindo Lampião e sua companheira, Maria Bonita, legitimou o sucesso da missão atribuída a João Bezerra. Finalizado o confronto, os mortos foram degolados e suas cabeças colocadas em latas de querosene com água e sal com o objetivo de comprovar a veracidade de um feito tão espetacular. Por onde passou, o espetáculo macabro da exposição das cabeças, causou as mais diversas reações, como: alívio, espanto, curiosidade, medo, tristeza... Após a morte de Lampião, o cangaceirismo agonizou por mais dois anos, personificado na atuação de Corisco, o famigerado “Diabo Loiro”. Corisco também encontrou um fim igualmente trágico, quando em meados de 1940, foi morto por forças policiais na localidade de Barro Alto, na Bahia. Na ocasião, o cangaceiro estava muito ferido e sequer demonstrou resistência ao cerco policial. Após sua morte, foi enterrado em Jeremoabo (BA), porém dias depois, a sua sepultura foi violada e seu corpo enviado para o Instituto Nina Rodrigues, onde permaneceu ao lado das cabeças de Lampião e Maria Bonita por cerca de 30 anos. As circunstâncias em torno das mortes destes célebres bandoleiros revelam a existência de um meio social propício a adoção de práticas violentas que se manifestaram no sertão nordestino desde o período de ocupação da região, entre fins FIGURA 1 – O Cangaceiro José Pedro.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 47Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

DA LEI DO COURO À LEI DO RIFLE: A VIOLÊNCIA DO CANGAÇO NO IMAGINÁRIO DO SERTANEJO NORDESTINO (1922 - 1938)

Danilo D´Silva Duarte

Orientadora: Profª. Ms. Viviane Zeni

INTRODUÇÃO

O alvorecer do dia 28 de julho de 1938 ficou marcado pela

incessante cantoria dos pássaros ecoando na Grota de Angicos, nas

margens sergipanas do Rio São Francisco. Este seria mais um dia na

vida dos cangaceiros que ali estavam acampados formando um grupo

razoavelmente numeroso, composto por 35 bandoleiros, sob a liderança

do temível “rei do cangaço”, Virgulino Ferreira, o Lampião. Parecia mais

um dia calmo a se revelar no horizonte e por isso, nenhum cangaceiro

percebeu quando as primeiras rajadas de metralhadora rasgaram as

barracas e atingiram em cheio vários componentes do grupo.

O cerco policial comandado pelo Tenente João Bezerra mostrou-

se extremamente eficiente, dificultando de todas as formas, a fuga

dos desorientados bandoleiros que, acuados, tentavam escapar do

incessante tiroteio. O resultado do feroz ataque que contabilizou 11

mortos, incluindo Lampião e sua companheira, Maria Bonita, legitimou

o sucesso da missão atribuída a João Bezerra. Finalizado o confronto,

os mortos foram degolados e suas cabeças colocadas em latas de

querosene com água e sal com o objetivo de comprovar a veracidade

de um feito tão espetacular. Por onde passou, o espetáculo macabro da

exposição das cabeças, causou as mais diversas reações, como: alívio,

espanto, curiosidade, medo, tristeza...

Após a morte de Lampião, o cangaceirismo agonizou por mais

dois anos, personificado na atuação de Corisco, o famigerado “Diabo

Loiro”. Corisco também encontrou um fim igualmente trágico, quando

em meados de 1940, foi morto por forças policiais na localidade de

Barro Alto, na Bahia. Na ocasião,

o cangaceiro estava muito ferido

e sequer demonstrou resistência

ao cerco policial. Após sua morte,

foi enterrado em Jeremoabo (BA),

porém dias depois, a sua sepultura

foi violada e seu corpo enviado

para o Instituto Nina Rodrigues,

onde permaneceu ao lado das

cabeças de Lampião e Maria Bonita

por cerca de 30 anos.

As circunstâncias em torno das

mortes destes célebres bandoleiros

revelam a existência de um meio

social propício a adoção de práticas

violentas que se manifestaram no

sertão nordestino desde o período

de ocupação da região, entre fins

FIGURA 1 – O Cangaceiro José Pedro.

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48Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

do século XVII e início do século XVIII1. A sobrevivência em uma região

dotada de inúmeras dificuldades naturais e distante do alcance do

poder central contribuiu para a formação de uma sociedade marcada

pela tolerância e pela valorização da violência como atributo de

destaque social. Isto porque a violência possuía grande força simbólica

no conjunto de normas e valores que organizaram a estrutura social do

sertão nordestino, consolidando-se como um importante instrumento

de referência para a construção da identidade dos seus habitantes.

A importância simbólica da violência também contribuiu para

a elaboração de códigos de conduta, discursos e estereótipos, que

referenciaram a formação das estruturas dominantes naquela região,

materializadas, sobretudo, na atuação dos cangaceiros, considerados

símbolos proeminentes de liderança social, juntamente com os

grandes proprietários locais. Nesse sentido, alguns questionamentos se

mostraram pertinentes para a elaboração deste estudo monográfico.

Em primeiro plano, a problemática proposta consistiu em averiguar

até que ponto, os sertanejos nordestinos legitimaram a violência dos

cangaceiros, tornando-a um símbolo de obediência e também de

referência para a ascensão social. Já em segundo plano, analisou-se em

que medida, o contexto sócio-econômico o meio ambiente interferiram

neste processo de legitimação.

Discutir e trabalhar estas problemáticas se tornou viável a partir de

uma série de leituras que foram iniciadas com a obra “Guerreiros do sol –

violência e banditismo no Nordeste do Brasil”, do pesquisador Frederico

Pernambucano de Mello. Este estudioso analisou o cangaceirismo a

partir da formação cultural do homem sertanejo, reservando especial

destaque para o estudo da violência como símbolo de consolidação

1 MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004. p.42.

dessa formação. A partir desta constatação, Pernambucano de Mello

discutiu o cangaceirismo de modo abrangente, abordando as influências

socioeconômicas, mesológicas e culturais que contribuíram para o seu

surgimento e legitimação.

Posteriormente, as leituras foram conduzidas de modo a compreender

o banditismo rural no sertão nordestino em suas abrangentes causas,

características e motivações. Entre as produções consultadas para a

realização desta análise, destacaram-se as obras “Aspectos do fenômeno

do cangaço no Nordeste brasileiro”, da historiadora Maria Christina Russi

da Matta Machado e “Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no

Brasil rural”, do pesquisador estadunidense Gregg Narber.

Além desta leitura, este estudo apresentou como suporte teórico-

metodológico o conceito de imaginário social de Bronislaw Baczko,

utilizado na análise dos discursos e valores que orientaram a construção

do imaginário dos sertanejos nordestinos. Este processo conferiu atenção

especial ao estudo da violência e do misticismo, considerados valores

importantes, tanto para a formação da sua visão de mundo quanto para

a legitimação do exercício do poder no âmbito das relações sociais,

políticas e econômicas. Ainda que o misticismo não represente o objeto

de estudos deste trabalho monográfico, considerou-se necessária a sua

inserção no campo de discussões pertinentes, pois representou a outra

face do imaginário dos habitantes do sertão, forjando uma percepção

da realidade marcada pelo sincretismo religioso e pela elaboração de

comportamentos e símbolos, que legitimaram a autoridade social e

religiosa de beatos e sacerdotes, em especial o Padre Cícero, divinizado

por toda a população sertaneja, incluindo os também os cangaceiros.

A análise do cangaceirismo, sob a perspectiva do banditismo, assim

considerado pelo poder de direito, foi possível, mediante a apropriação

do conceito de “banditismo social”, do historiador britânico Eric. J.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 49Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

Hobsbawm. Este analisou o processo de transformação de determinados

bandidos em símbolos de libertação social e contestação da ordem

dominante em um contexto marcado pelo lento avanço do capitalismo

agrário e desintegração de antigas estruturas sócio-familiares, como

os clãs e as parentelas. A partir do “banditismo social”, foi possível

compreender como os sertanejos nordestinos ressignificaram a atuação

dos cangaceiros, transformando-os ao mesmo tempo, em um símbolo

de valorização do imaginário local e também, um modelo de ascensão

social e econômica.

O processo de escolha do tipo de fonte utilizada para orientar as

discussões referentes ao imaginário e ao banditismo, embora árduo,

devido a quantidade e a profusão metafórica dos materiais analisados,

mostrou-se prazeroso, pois a literatura de cordel se constitui em uma

rica fonte de estudos sobre o imaginário dos sertanejos nordestinos,

refletindo seus valores, atitudes e normas de conduta.

A literatura de cordel possui origens que remontam ao período

medieval e chegou ao Brasil por intermédio de colonos portugueses,

em meados do início do século XIX. Graças a sua linguagem simples,

o cordel encontrou na população da região Nordeste, sobretudo a

sertaneja, um público que se deleitou com temáticas que abordam o

folclore, o misticismo e as mais diversas aventuras, representando assim,

um importante instrumento de reconhecimento do imaginário popular.

O termo “cordel” deve-se ao fato de que em Portugal, os livretos

eram vendidos pendurados em varais, característica que permaneceu

por muito tempo, também nos mercados e feiras do Nordeste.

Os livretos utilizados neste trabalho monográfico infelizmente não

foram adquiridos em tais feiras, no entanto, foi possível encontrar muitos

títulos no endereço eletrônico da fundação “Casa de Rui Barbosa”,

um importante centro de pesquisa e difusão da cultura nordestina.

Após a aquisição de um considerável número de materiais, iniciou-

se então a seleção dos cordéis que seriam utilizados nesta pesquisa.

Isto foi possível, mediante a criação de uma metodologia orientada

pelos seguintes passos: em primeiro lugar, a leitura e o fichamento de

21 cordéis que abordam as temáticas do cangaço, da valentia e do

misticismo. Em segundo, a elaboração de 73 “palavras-chave” que

serviram de “filtro” para a escolha dos cordéis utilizados, tanto como

fontes quanto epígrafes. Para isto, elaborou-se uma planilha (ver anexo

II) na qual foram correlacionados os cordéis e as “palavras-chave”,

facilitando esse processo de escolha.

Entre os cordéis selecionados como fontes deste trabalho

monográfico, merecem destaque as obras: “Estória do valente sertanejo

Zé Garcia”, de João Melquíades Ferreira da Silva, o qual narrou as

aventuras de Zé Garcia, um vaqueiro honrado e corajoso que não

se dobrou perante a difamação da filha de um vil cangaceiro; e “O

negrão do Paraná e o Seringueiro do Norte” de Francisco Sales Areda,

que apresentou um combate épico entre João Balduíno, um migrante

cearense e Negrão do Paraná, um sádico valentão, em uma violenta

luta que envolveu punhais, socos e uma boa dose de misticismo.

Outros cordéis utilizados foram “Milagre na Cidade Santa”,

de Gonçalo Ferreira, o qual reforçou o apelo simbólico da atuação

do Padre Cícero no imaginário religioso da população do sertão

nordestino; “O Coronelismo” de Honorato Ribeiro, que apresentou uma

visão fortemente crítica em seus versos sobre a origem e o modo de

atuação dos coronéis do sertão nordestino; e “Cabras de Lampião”,

de Manoel D´Almeida Filho, que em uma robusta narrativa de quase

cinquenta páginas, revisou a vida do mais afamado cangaceiro, desde

a sua infância e mocidade como Virgulino, até a sua transformação e

morte, como o temível Lampião.

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50Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

O recorte temporal desta pesquisa compreendeu os anos entre 1922

e 1938, período notabilizado respectivamente, pela transformação de

Lampião em chefe de bando e pela sua morte, juntamente com outros

dez cangaceiros, durante o ataque policial a Angicos. Optou-se ainda

pela realização da regressão de alguns momentos históricos para

melhor analisar o processo de formação do imaginário dos sertanejos

nordestinos, que conduziu a análise ao período inicial de ocupação da

região entre os séculos XVII e XVIII.

Com base na leitura e análise dos referenciais e fontes acima

citados, este estudo monográfico foi dividido em dois capítulos: no

primeiro, foi analisado o processo de ocupação do sertão nordestino,

destacando a importância da propriedade rural e das condições naturais

da região para a organização das relações sociais e do imaginário

dessa população. Além disso, discutiu-se também a manifestação de

dois importantes símbolos deste imaginário: a violência e o misticismo.

Já no segundo capítulo, trabalhou-se o contexto histórico formador

da ordem econômica, política e social do sertão nordestino, representado

pela autoridade dos coronéis, assim como, o papel do fenômeno climático

da seca para a desestruturação desta autoridade. Abordou-se também,

as condições que favoreceram a manifestação do cangaceirismo e

as características que o tornaram um poder paralelo, inserido em um

contexto social marcado pelo abandono do poder público e existência de

práticas e valores que legitimaram o uso da violência.

O principal desafio para o estudo do imaginário da violência no

sertão nordestino, residiu não apenas no distanciamento histórico em

relação ao tema, mas principalmente nas particularidades que forjaram

sociedades tão distintas como a litorânea e a sertaneja.

A análise de um contexto social marcado pelo uso legítimo da

violência, sob a ótica de outro, no qual o Estado a muito tempo já

consolidou a sua proeminência no ordenamento das relações sociais,

representou um importante exercício de reflexão sobre a importância

do imaginário, tanto na produção quanto na veiculação de valores

e normas de conduta, capazes de naturalizar uma visão de mundo

marcada pelo imperativo moral da “palavra empenhada” e valorização

da violência como importantes símbolos de fundamentação desse imaginário.

Os cangaceiros e os sertanejos representaram faces opostas, porém não antagônicas, de uma cosmovisão marcada por símbolos e discursos que valorizaram características muito peculiares do seu imaginário como a honra, o misticismo e a valentia. Não por acaso, é na riqueza da literatura de cordel, que se encontra um interessante mapa de reconhecimento e compreensão das complexas relações que orientaram a vida no sertão nordestino e que forjaram corações e mentes, marcados pelo orgulho de fazerem parte da civilização do couro...

1FORMAÇÃO DO IMAGINÁRIO DO SERTANEJO NORDESTINO

1.1 Desbravando o Desconhecido: a Ocupação do Sertão Nordestino

É na apartação / que vemos os valores / dos vaquejadores / que há no sertão / quando um barbatão / espirrar ligeiro / grita-lhe o vaqueiro: trate de correr / havemos de ver / quem cansa primeiro.2

Região hostil e símbolo da ferocidade da natureza, o sertão

nordestino3 foi ocupado pelos primeiros desbravadores litorâneos, entre

2 ATHAYDE. João Martins de. Suspiros de um sertanejo. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 15 out. 2012. p.18.3 A região Nordeste compreende os atuais estados de Maranhão, Piauí, Ceará,

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 51Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

os séculos XVII e XVIII. Resultante da expansão da monocultura da cana-

de-açúcar na região da Zona da Mata, a posse das primeiras terras em

território sertanejo, seguiu o direcionamento de cursos de rios ou minas

d´água, condição essencial para o estabelecimento das primeiras

fazendas de criação de gado ou para a prática da agricultura.

A monocultura açucareira e posteriormente, a exploração aurífera,

tornaram providencial o estabelecimento de uma economia de suporte,

consolidada gradativamente na criação de animais de tração e na

produção de derivados bovinos, ambos destinados ao consumo dos

latifúndios da Zona da Mata ou em Minas Gerais.4 A presença de

escassas áreas férteis resultou em um povoamento irregular do sertão

nordestino, limitando não apenas a expansão demográfica, mas

também o potencial produtivo da agricultura, centrada principalmente

no cultivo de milho, feijão e mandioca, que se tornou à tríade da dieta

nordestina. A fartura, porém, era condicionada a regularidade na

estação das chuvas, geralmente iniciada em março.5

Segundo MACHADO, dois fatores ajudaram este processo de

ocupação. Em primeiro lugar, a possibilidade de emancipação da

influência e do predomínio dos senhores de engenho, os quais

tolhiam a possibilidade de ascensão econômica, tanto de aventureiros

Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Esta região apresenta uma subdivisão baseada em suas condições naturais, que por sua vez condicionam as atividades econômicas e formações sociais existentes. A subdivisão compreende a Zona da Mata, o Agreste, o Sertão e o Meio-Norte. O sertão é entre todos o mais extenso, ocupando cerca de 49% do território do Nordeste. Em termos populacionais, porém é o menos denso. MATTOS, Hamilton Monteiro de. Crise agrária e luta de classes. 1. ed. Brasília: Horizonte, 1981.p. 35.4 DÓRIA, Carlos Alberto. O Cangaço. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. (Coleção Tudo é História). p.18.5 VEIRANDO. ap. MATTOS, Hamilton Monteiro de. Crise agrária e luta de classes. 1. ed. Brasília: Horizonte, 1981. p. 37.

portugueses quanto de mestiços6. Em segundo lugar, a existência de

vastas porções de terra, capazes de prover os ímpetos de formação

de uma propriedade.7 Já, OLIVEIRA contempla estes dois fatores,

incorporando ainda a necessidade de proteção de áreas fronteiriças à

região litorânea, sobretudo contra populações indígenas.8

Um ponto essencial sobre a ocupação do sertão nordestino consiste

na constatação de que tal empreendimento foi realizado, por meio do

trabalho de homens livres, diferentemente da economia açucareira,

embasada no trabalho escravo. Mesmo assim, existiram distinções

quanto ao tipo de colono alçado a este intento. Os homens brancos

eram geralmente comerciantes ou proprietários de fazendas que não

conseguiram prosperar na região litorânea. O grupo de trabalhadores

dos engenhos de açúcar era formado por mestiços, mulatos e escravos

alforriados ou fugitivos. No entanto, coube aos homens brancos, o

êxito na constituição dos latifúndios sertanejos, célula fundamental na

organização política, social e econômica da região.9

Via de regra, a ocupação de uma área do sertão, tanto para a

formação de uma fazenda quanto de um povoado, obedecia ao seguinte

processo: após conseguir a sesmaria, o proprietário (majoritariamente

6 Os senhores de engenho exerciam forte influência econômica e social perante seus agregados e empregados, dificultando a ascensão financeira destes. Além disto, o pagamento era em muitas ocasiões, realizado em cabeças de gado, os quais acabaram constituindo o patrimônio dos primeiros posseiros das terras sertanejas. MACHADO, Maria Christina Russi da Matta. Aspectos do fenômeno do cangaço no Nordeste Brasileiro. 1. ed. São Paulo, 1974. (Revista de História). p. 8.7 id. ibid., p. 7.8 OLIVEIRA, Bismarck Martins de. O Cangaceirismo no Nordeste. 2. ed. Paraíba, 2002. p. 27.9 O autor corrobora sua afirmação, indicando que havia preferência na concessão de sesmarias aos pretendentes dotados de posses e com núcleos familiares e agregados, já constituídos. NASCIMENTO, José Anderson do. Cangaceiros, Coiteiros e Volantes. 1. ed. São Paulo: Ícone, 1998. p. 11.

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52Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

branco) efetivava a ocupação, reunindo parentes e agregados no

território a ele concedido. No entorno da construção principal, eram

erigidas as instalações da parentela e dos agregados, estabelecendo

assim, uma relação de “clãs” que se constituiria no “micro cosmo” das

relações sociais do sertão. Neste sentido, o isolamento a que estavam

relegados tais agrupamentos, favorecia a união entre membros de

uma mesma família.10 O casamento, sobretudo entre as populações

mais pobres, nem sempre era a opção escolhida, pois predominava

o que o ex-professor de Medicina Legal da Universidade Federal

da Bahia e pesquisador do Cangaço, Estácio de Lima, chamou de

“ajuntamento”, ou seja, a união livre entre os casais, relação não

menos séria do que a cerimônia formal no sertão nordestino.11

No mesmo patamar de importância das relações de

consanguinidade, encontrava-se outro tipo de relação, igualmente

sólida: o compadrio. Este tipo de aliança era estabelecido, tanto entre

pessoas de estratos sociais iguais, quanto diferentes e “[...] praticamente

encobriam e mascaravam as relações de classe”.12 Uma importante

característica desta forma de afinidade consistia no estabelecimento

de deveres, de parte a parte. Os afilhados ganhavam segundos pais

(os padrinhos), e o sentimento comunitário se manifestava em casos

de doenças, dificuldades econômicas e principalmente, nas situações

de conflitos.

Uma figura de extrema importância na organização das fazendas

era o vaqueiro, que possuía uma função essencial para a manutenção

das criações. Em suas pesquisas sobre o cangaço, José Hilário fez

10 OLIVEIRA, op. cit., p. 28.11 LIMA, Estácio de. O mundo estranho dos cangaceiros – ensaio bio-sociológico. 2. ed. Salvador: Assembléia Legislativa da Bahia, 2006. p. 39.12 DÓRIA, Carlos Alberto. O Cangaço. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. (Coleção Tudo é História). p.19.

uma descrição interessante e explicitamente romântica desta figura,

tão característica da rusticidade da vida sertaneja. Para o autor:

O vaqueiro é um homem de resistência incomum, com seu chapéu de couro batido, montado a cavalo, desvendando os segredos do sertão. Sentimental, transmite à distância a poesia sertaneja recheada de lirismo. Acorda antes das 4 da manhã e deita-se antes das 8 da noite. O ar puro e seco da caatinga, a alimentação constituída de leite de cabra, rapadura, coalhada, carne de bode e farinha, dão-lhe reservas energéticas para transpor o trabalho duro em meio a pedras, cobras, espinhos, grotas e serras.13

Como vários símbolos da vida sertaneja, o vaqueiro foi também

objeto de inúmeras narrativas da literatura de cordel, gênero popular e

de fácil comercialização em feiras e mercados populares do Nordeste,

principalmente no começo do século XX. A linguagem coloquial e

ritmada, característica do cordelismo, propiciou a ampla divulgação

de aventuras como as vividas pelo vaqueiro Zé Garcia, personagem

criada pelo cordelista João Melquíades Ferreira14, no folheto “Estória

do valente sertanejo Zé Garcia”. Após ser caluniado pela filha de um

cruel cangaceiro, Zé Garcia se viu obrigado a buscar refúgio no Piauí,

na fazenda de um conhecido do seu pai, chamado Miguel Feitosa.

Vaqueiro experiente, logo nos primeiros dias, Zé Garcia se deixou levar

13 HILÁRIO, José. Do cangaço ao congresso – cem anos de crimes, sem fim.1 ed. s.i: Ideal, 1993. p.5-6.14 João Melquiades Ferreira nasceu em Bananeiras, Paraíba, no ano de 1869. Em 1888, ingressou no exército, chegando a participar da campanha de Canudos. Em 1904, deu baixa no serviço militar, fixando-se em João Pessoa, casando-se e tornando-se pai de quatro filhos. Passou a escrever versos de cordel e a atuar como repentista. Produziu cerca de 36 folheto, ao longo da sua vida, utilizando como fonte de inspiração a sua região de origem, a Serra da Borborema e os usos e costumes dos seus habitantes. O folheto “Estória do valente sertanejo Zé Garcia” é um interessante exemplo dessa construção cultural do sertão nordestino. O poeta faleceu na capital paraibana, no ano de 1933.GASPAR, Lúcia. João Melquiades Ferreira. Fundação Joaquim Nabuco. Disponível em: http://www.fundaj.gov.br. Acesso em: 19 out. 2012.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 53Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

pela saudade da sua terra no Seridó potiguar (Rio Grande do Norte) e, principalmente, do trabalho com o gado. Certo dia, ao observar a partida de Feitosa e seus vaqueiros para a lida diária, deixou aflorar toda a sua angústia, dirigindo-se ao curral tristonho e pensativo. A esposa de Feitosa, observando o estado do rapaz, decidiu contar ao marido a situação, o qual questionou o vaqueiro a respeito da sua tristeza. Zé Garcia respondeu com profunda angústia, que a origem do seu desalento era a privação na lida com o gado. Feitosa então, permitiu que o jovem acompanhasse seus vaqueiros. E na manhã seguinte, sem conter sua alegria, Garcia:

Abriu suas malasonde estava guardadoo vestimento de courobom guarda-peito arreadoporque o vaqueiro lordefaz de couro de veado.15

O vaqueiro, devidamente trajado, logo se colocou a arrebanhar o

gado de Feitosa e demonstrando toda a sua habilidade e experiência:

Chegou no campocorrendo atrás do gadoprecipitava o cavalodentro do mato fechadodeu muita queda em garrotecomo rapaz traquejado.16

Nem todos os vaqueiros pertenciam a famílias de posses como

Zé Garcia. Por isso, muitos almejavam tornarem-se proprietários com

o objetivo de formar sua própria parentela. Uma forma possível de

15 SILVA, João Melquíades Ferreira da. Estória do valente sertanejo Zé Garcia. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Aceso em: 16 set. 2011. p.6.16 SILVA, João Melquíades Ferreira da. Estória do valente sertanejo Zé Garcia. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Aceso em: 16 set. 2011. p.7.

conseguir organizar sua própria criação era a “quinta”, um tipo de

pagamento estabelecido no sertão. Nesse sistema, a cada cinco

bezerros arrebanhados, um era fornecido ao vaqueiro. A “quinta” era

uma das várias atividades que aconteciam durante a festa da apartação,

ocasião em que vaqueiros como Zé Garcia, exibiam suas habilidades

em torneios que celebravam o destemor e a resistência do sertanejo.

Durante a festa na fazenda de Feitosa, Zé Garcia foi desafiado a

capturar saia-branca, o touro mais bravio do fazendeiro e cuja fama o

tornava “[...] o fantasma dos vaqueiros e o orgulho do sertão”.17

FIGURA 2 - VAQUEIROS DO SERTÃO PERNAMBUCANO. FOTO DE 1926.

O desejo de se tornar afamado em uma região distante da sua casa,

fez Zé Garcia aceitar prontamente o desafio. Devidamente paramentado,

o vaqueiro iniciou a perseguição ao temido touro. O animal partiu em

disparada, mas logo Zé Garcia alcançou-o, e em seu encalço:

17 SILVA, João Melquíades Ferreira da. Estória do valente sertanejo Zé Garcia. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Aceso em: 16 set. 2011 p.7.

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54Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

Subiram em uma serrajá iam descendo em toda carreiradesceram em uma furnapassaram em uma pedreirao touro saltou um riachode cima da cachoeira.

Saltou também o cavalocausando admiraçãoos sapatos do Garciadeixaram os rastos [sic] no chãoo cavalo saiu mordendoa anca do barbatão.

Garcia pegou o tourona mão a cauda enrolouatirou de serra abaixodeu um soco e derruboua fama do barbatãonesse dia terminou.18

O vaqueiro lorde Zé Garcia mostrou que o homem do Seridó era

capaz de fazer bonito no Piauí. Sua proeza causou grande admiração,

não apenas em Feitosa, mas também em outro fazendeiro da região,

chamado Cincinato. Garcia conseguiu fama e se transformou em tema

para as animadas disputas dos violeiros, que enalteciam os feitos do

vaqueiro potiguar.

No universo social do sertão nordestino, a coragem - que será

analisada posteriormente - adquiriu uma proporção capaz de trazer

notoriedade e destaque social aos sertanejos. No entanto, outro

valor adquiriu dimensão igualmente importante na sustentação dessa

sociedade; tratava-se da honestidade, valor de suma importância,

sobretudo porque, antes de se caracterizar como um valor subjetivo,

18 SILVA, João Melquíades Ferreira da. Estória do valente sertanejo Zé Garcia. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Aceso em: 16 set. 2011 p.15.

representou a necessidade imperativa de estabelecimento de laços de

confiança, entre empregados e patrões.19. A confiança por sua vez,

foi o resultado da vivência em organizações sociais limitadas, como

os núcleos familiares e o estabelecimento de relações de compadrio,

situação que consolidou valores morais inflexíveis e contraditórios

aos olhos das sociedades litorâneas. Uma relevante consequência do

estabelecimento de laços de confiança entre os sertanejos encontrava-

se no modo como os negócios eram selados. Como indicou Frederico

Pernambucano de Mello, os acordos firmados entre os sertanejos,

aconteciam mediante a aquiescência oral e prevaleciam,

[...] ao longo das vidas dos implicados, sob o império imaterial da oralidade, da palavra empenhada, do compromisso de honra somente compreensível em etapas menos complexas da vida social, quando o fio do bigode valia por promissória escrita.20

Estas relações sólidas, tanto de consanguinidade quanto de compadrio, eram de suma importância para a manutenção e coesão do núcleo social nos primórdios da ocupação do sertão nordestino. Isto porque, o processo normal de expansão populacional, associado a inexistência de cercas que delimitassem as propriedades21 mobilizava constantemente os membros de uma mesma parentela, em defesa dos interesses da “grande fazenda”. Defendia-se o gado roubado pelo vizinho, o avanço de uma propriedade sob território alheio ou a ofensa a honra de um membro de determinada parentela. Em um território

19 MACHADO, Maria Christina Russi da Matta. Aspectos do fenômeno do cangaço no Nordeste Brasileiro. 1. ed. São Paulo, 1974. (Revista de História). p. 132.20 MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004. p.50.21 Em muitos estudos sobre as características históricas da Região Nordeste, comprovou-se que a prática da pecuária extensiva e a exigüidade de nutrientes no solo, associado à manifestação periódica das secas, obrigavam a mobilização constante do gado para novas pastagens. DÓRIA, Carlos Alberto. O Cangaço. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. (Coleção Tudo é História). p.20.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 55Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

agressivo, onde a menor incidência de estiagem trazia prejuízos severos ao minguado patrimônio do sertanejo, a união e a violência caminharam unidas na consolidação da “civilização do couro”.22

A medida em que a posse de terras passou a demonstrar também o domínio econômico, a estratificação social começou a se manifestar de maneira sintomática na sociedade sertaneja. Aqueles com mais posses passaram a exercer o poder social e político nas regiões em que viviam, iniciando um quadro crônico de instabilidade de forças que controlavam os sertões do Nordeste. Quem estabelecia uma grande propriedade - seja por aquisição inicial ou pela expansão da já existente - geralmente sobre a terra vizinha - adquiria também considerável prestígio político. Com isso, o exercício do poder tornou-se o centro de ásperas disputas, pois garantia não apenas a dominação econômica e política, como também uma dominação simbólica por meio do monopólio do uso da violência, possível graças a arregimentação de verdadeiros exércitos particulares compostos por cabras, jagunços e capangas23.

A personagem Sabino de França, apresentada no folheto de

cordel “O valentão do Norte”, de autoria de Francisco Sales Areda24,

22 id. ibid., p.18.23 Segundo tipificação elaborada por MELLO, cabra é o indivíduo que exerce o ofício das armas, estando em estreita ligação com seu patrão. Se neste ofício, sua atuação centra-se na guarda pessoal do chefe, ele recebe o nome de capanga. Em ambos os casos, as características em comum são o vínculo direto com o empregador e o exercício de outras funções em “tempos de paz”. O jagunço por sua vez, é o sujeito que optou pelo ofício das armas como meio de sobrevivência. Além disso, ele não possui vínculos duradouros com seus empregadores. Sua atuação termina, quando os termos do seu contrato são consumados. MELLO, op. cit., p.68-69.24 Francisco Sales Areda nasceu em Campina Grande, na Paraíba, em 1916. Em 1927, mudou-se para Caruaru, em Pernambuco, onde passou a atuar como cantador de viola, fotógrafo de feira e vendedor de folhetos. No ano de 1946, publicou o seu primeiro folheto “O casamento e herança de Chica Pançuda com Bernardo Pelado”. Na década de 1960 (provavelmente) lançou “O homem da vaca e o poder da fortuna”, adaptado para o teatro por Ariano Suassuna. Possuia

sintetiza como um legítimo cabra era vislumbrado entre os sertanejos. Sujeito valentão e afeito a desafrontas, Sabino, como muitos cabras, foi “recrutado” após um teste imposto pelo seu empregador. Neste teste,

O coronel mandou eleNa volta do cipó BrancoResolver uma questãoCom o negro Chico FrancoSabino foi pr´a [sic] mostrarQue era cabra do arranco

A questão era de um marcoQue Chico Franco arrancouNa terra do CoronelSabino disse eu vou- faço ele plantar o marcono lugar onde ele arrancou.25

[...]No mesmo dia ele foiE agarrou Chico FrancoFez ele plantar o marcoNa divisa cipó BrancoCortou-lhe uma orelha e disse- E´ p´ra [sic] fazer um tamanco26

Após interpelar Chico Franco e cortar-lhe uma orelha, para dela

fazer um tamanco, Sabino tornou-se o cabra executor das ações do como temáticas recorrentes o misticismo, a aventura e o estereótipo da valentia. Este último inclusive, esta presente nas obras “O valentão do Norte” e “O negrão do Paraná e o seringueiro do Norte”, utilizados na elaboração deste trabalho monográfico. Dotado de exuberante criatividade, legou uma extensa obra que ultrapassa os cem títulos de cordel. Francisco Sales Areda faleceu em dezembro de 2005, em Caruaru, Pernambuco. PINTO, Maria do Rosário. Biografia de Francisco Sales Areda. Disponível em: http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/FranciscoSales/franciscoSalesAreda_biografia.html. Acesso em: 19 out. 2012.25 AREDA, Francisco Sales. O Valentão do Norte. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 16 set. 2011. p.5.26 AREDA, Francisco Sales. O Valentão do Norte. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 16 set. 2011. p.6.

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56Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

poderoso Coronel Baltazar, impondo a lei do mais forte mediada pelo uso da violência. A principal prerrogativa do poder exercido pelo coronel Baltazar era econômica e por isso, suas posses lhe conferiam grande status perante a população local.

O sentido de posse, no entanto, era um valor que unia tanto ricos quanto humildes proprietários, pois a dificuldade para a acumulação de patrimônio, associada às fronteiras voláteis entre propriedades, tornaram a conservação das posses, uma necessidade mais relevante do que o resguardo da vida humana. No imaginário do sertanejo, a vida humana exposta ao constante encontro com a morte, era menos valorizada que o patrimônio arregimentado durante anos de áspera labuta. Desta maneira, as posses simbolizavam o resultado do esforço desbravador e pioneiro e em igual medida, a preponderância dos desbravadores sobre o meio. À luz da organização social e jurídica do sertão, o crime de posse era execrável e, sequer recebia julgamento, pois a sua punição era a morte.27 Tal afirmação pode ser corroborada pelo folclorista Gustavo Barros, que indicou a existência de uma relativa tolerância em relação aos casos de homicídios, escasseando por outro lado, a incidência de latrocínios na região durante os séculos XVIII e início do XX.28

Neste sentido, pode-se inferir que a colonização do sertão nordestino fomentou uma séria de características que se tornaram intrínsecas a todo o sistema social e cultural da região. Se por um lado, a consolidação da monocultura da cana-de-açúcar no litoral, motivou uma relação de estabilidade entre o homem e o meio ambiente, sugerindo como outra medida o sedentarismo, por outro lado, no sertão, a inserção do homem no semi-árido acarretou em uma inversão quase total nesta

ordem uma vez que:

27 RAMOS, ap. MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004. p.43.28 BARROSO ap. NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.22.

A pecuária nascente, bem ao contrário, sugere o nomadismo, o que se revela facilmente compreensível se atentarmos para a pobreza do pasto nas regiões semi-áridas, a exigir, por força de rápido exaurimento, a abertura de áreas sempre novas para o gado.29

As dificuldades do ambiente sertanejo não estavam centradas apenas nas intempéries do meio físico, mas também em outro elemento imbuído de notável resistência e que em muito, resistiu à fixação de desbravadores na região. Trata-se das povoações indígenas que ali habitavam30 e que travaram intensa luta contra a ocupação de suas terras, pois para eles, a idéia de propriedade abrangia um espírito “[...] comunitário primitivo, que os levava a abater os gados dos colonizadores e dos sertanistas, ou a pilhar os frutos de suas plantações [...]”31. Este clima de constante instabilidade e risco iminente originou um tipo de combate até então desconhecido pelos desbravadores: a guerra de guerrilha. Ao contrário de lutas compactas solidamente consolidadas em batalhões, o que se apresentou como custo a ser pago pelo empreendimento colonizador foi o combate contra forças quase “invisíveis” caracterizadas por táticas de dissimulação de fugas, desorientações e a elaboração de armadilhas.

Outro “inimigo” que nos primórdios da ocupação do sertão, também minava a base econômica das propriedades era representado pela onça.32 Contra esta, a guerra demandava principalmente coragem e improvisação, pois a defesa de um rebanho obrigava um vaqueiro a se

tornar também um exímio caçador e um tenaz rastreador.33 O matador

29 MELLO, op. cit.,. p. 43.30 Entre os grupos indígenas que habitavam o sertão nordestino, destacavam-se: os paiacus, os janduís, os panatis, os pegas, os caicós e os coremas. CASCUDO. ap. MELLO, op. cit., p. 78.31 FACÓ, Rui. Cangaceiros e Fanáticos – gêneses e lutas. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988. p. 61.32 MELLO, op. cit.,. p. 49-50.33 FERNANDO ap. MELLO op.cit., p. 50.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 57Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

de onças tornou-se um dos símbolos da virilidade e coragem sertaneja,

atributos amplamente celebrados pelo imaginário coletivo e que foram

registrados entusiasticamente nos versos da literatura de cordel:

Seu Chico era um senhor,Que adorava caçar,Muito ágil e destemido,Também gostava de pescarDava cascudo em onça,Como se fosse no preá.34

A estrofe acima explicita o perfil do tipo de homem que se transferiu

da região litorânea para o sertão: ágil na lida com o gado, conhecedor

da fauna e da flora da região e principalmente, corajoso no combate

aos inimigos naturais que minavam a sustentação econômica das

propriedades. Estes valores reforçam a importância do imaginário

social, que designa a identidade de uma determinada coletividade,

elabora a representação dos indivíduos perante si e os outros, distribui

atribuições e papéis e impõe crenças comuns.35 Em outras palavras, o

imaginário social estabelece o entendimento da realidade, mediante a

incorporação de símbolos, valores e crenças que organizam a vida em

sociedade.

A peleja constante na lida com o gado e o provimento mínimo

fornecido pelos produtos da terra, ajustaram o sertanejo a um tipo de

organização sócio-fisiológica pautada, sobretudo, na resistência física

e psicológica. Na obra “Parceiros do Rio Bonito”, o sociólogo Antônio

Cândido analisou a adaptação do caipira paulista ao meio físico que o

cercava, discorrendo que:

34 POETA, Dorgival. O caçador de onças. Disponível em: http://66.228.120.252/cordel/2366106. Acesso em: 08. ago. 2010.35 BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: Enciclopédia Einaudi, v. 5 (Antrópos–Homem). Lisboa: Imprensa Nacional. Casa da Moeda, 1985, p. 307.

A sociedade caipira tradicional elaborou técnicas que permitiram estabilizar as relações de grupo com o meio (embora em nível que reputaríamos hoje precário), mediante o conhecimento satisfatório dos recursos naturais, a sua exploração sistemática e o estabelecimento de uma dieta compatível com o mínimo vital – tudo relacionado a uma vida social de tipo fechado, com base na economia de subsistência.36

O processo de adaptação do sertanejo à caatinga, assim como

do caipira aos rincões do interior paulista, perpassou a formação de

sistemas de organização social altamente interligados a um meio físico

rude. As técnicas desenvolvidas por ambos dedicaram-se em suprir

a necessidade mais básica de sobrevivência: a alimentação. A dieta

estabelecida nos dois casos era similar e dependia de técnicas de cultivo

agrícola, consideradas precárias, mas compensadas pelo conhecimento

do meio físico, o que permitia se não a abundância em sua produção ao

menos a aquisição de meios complementares de subsistência, quando

em períodos de crise.

O sistema fechado de organização social, apontado por Antônio

Cândido, se aproxima do termo criado por Frederico Pernambucano

de Mello. Para este, a organização social no sertão gerou um “efeito

estufa”, que se formou a partir da mescla de elementos culturais

entre portugueses e nativos, associada ao isolamento secular e que

envolveu o sertanejo em uma estrutura social, política, econômica e

religiosa altamente retrógrada. Desta maneira, as transformações

que acometeram o devir social no sertão, conservaram elementos

culturais herdados do período inicial da colonização portuguesa, e que

corresponde também à entrada dos primeiros povoadores na região37.

36 CÂNDIDO, Antônio. Parceiros do Rio Bonito – estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. Rio de Janeiro: José Olympio, 1964. (Coleção Documentos Brasileiros). p. 19. 37 MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004. p. 47.

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58Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

Por este motivo, pode-se inferir que, nos sertões as mudanças

apresentaram-se de forma mais lenta, gerando uma clara distinção

entre a organização social do sertão e a do litoral, conforme atestou

Câmara Cascudo em suas viagens ao sertão do Nordeste. Para o

folclorista:

Enquistado durante séculos, distanciado do litoral onde se processava a mistura das culturas e a formação mental de cada geração, o sertanejo pôde conservar o fácies imperturbável, a sensibilidade própria, o indumento típico, o vocabulário teimoso, como usavam seus maiores.”38

Se entre os sertanejos, o “efeito estufa” permitiu-lhes preservar uma

sensibilidade própria, na sociedade caipira, o processo decorreu de

modo semelhante. Para Antonio Cândido, o resultado de elementos

mesclados que apresentava de um lado, os desbravadores bandeirantes,

e de outro, algumas povoações nômades foi significativo, uma vez

que:

[...] a combinação dos traços culturais indígenas e portugueses obedeceu ao ritmo nômade do bandeirante e do povoador, conservando as características de uma economia, largamente permeada pelas práticas de presa e coleta, cuja estrutura instável dependia da mobilidade dos indivíduos e dos grupos. Por isso, na habitação, na dieta, no caráter do caipira, gravou-se para sempre o provisório da aventura.39

Pode-se perceber que em ambas as sociedades - a caipira e a

sertaneja - a necessidade de estabelecer relações de solidariedade,

foi essencial para a manutenção do equilíbrio social, no âmbito da

organização coletiva.

38 CASCUDO. ap. MELLO, op. cit., p. 46.39 CÂNDIDO, Antônio. Parceiros do Rio Bonito – estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. Rio de Janeiro: José Olympio, 1964. (Coleção Documentos Brasileiros). p. 20.

Por outro lado, outros fatores aproximaram caipiras e sertanejos

como a irascividade, a valentia e a desconfiança, distanciando-os

de seus pares da região litorânea. Tais fatores foram fruto de uma

convivência cercada de privações e que demandou a constante defesa

de interesses que envolviam desde a manutenção de territórios, até o

desagravo a uma ofensa cometida.

Pessoas estranhas, violentas e retrógradas. Eram assim, vistos

caipiras e sertanejos, quando observados por grupos externos a sua

organização. Porém, o estranhamento tornou-se mais evidente em

relação ao sertanejo que, no decorrer da sua fixação no interior, acabou

mesclando em sua bagagem genética elementos negros, indígenas e

brancos, tornando-se assim, um tipo de brasileiro estigmatizado racial

e culturalmente. Cabe lembrar que esta convivência ficou marcada no

decorrer da ocupação do sertão pelo predomínio de um importante

fator: a autonomia. Inicialmente livres na consecução de seus ímpetos

por posses, adentraram o sertão e expandiram suas propriedades até

o limite a que lhes era possível. Quando na zona litorânea espalhou-se

a notícia de que naquela região, a pecuária extensiva poderia gerar

riqueza, centenas de famílias abandonaram tudo e se embrenharam

pelo interior.40 Este momento localiza-se historicamente, na metade do

século XVIII, coincidindo com o período inicial de decadência do cultivo

da cana-de-açúcar.

A inexistência de um poder público centralizador foi a característica

mais notória da formação da sociedade sertaneja. Esquecida pela Coroa

portuguesa, esta se desenvolveu através do isolamento, propiciando em

seu decorrer, o estabelecimento de um poder privado em detrimento a

ineficácia do poder central.

40 OLIVEIRA, Bismarck Martins de. O Cangaceirismo no Nordeste. 2. ed. Paraíba, 2002. p. 33.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 59Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

1.2 Aos valentes, a glória: a violência

O seu nome era Vilela / do sertão paraibano / e ele desde pequeno / que tinha gênio tirano / com dez anos de idade / Vilela mata o seu mano.41

O ambiente em que se forjou a sociedade sertaneja não apresentou,

desde o início, tendência à prosperidade, pois a formação do patrimônio

estava limitada sobretudo, a possibilidade de arregimentação de algumas

cabeças de gado.42 Os pioneiros que conseguiram se fixar à caatinga

lutaram contra adversidades poderosas: o solo árido, dotado de escassas

manchas de fertilidade acirradamente disputadas; o clima agressivo e

constantemente assolado por secas; a fauna mortal; as povoações

indígenas e os litígios motivados pela demarcação de fronteiras.

Em um cenário agressivo, a organização da vida coletiva seguiu

o propósito mais elementar da existência humana: a sobrevivência. E

foi por meio desta, que se estabeleceu um modo de vida com padrões

e valores sociais próprios, sedimentados por um imaginário que os

legitimou e ao mesmo tempo os orientou, pois como indica BACZKO

[...] os mais estáveis dos símbolos estão ancorados em necessidades

profundas e acabam por se tornar uma razão de existir e agir para os

indivíduos e para os grupos sociais [...]”43. Ancorado na valorização

da coragem, no respeito ao misticismo e na defesa da propriedade,

este imaginário tornou-se a base de sustentação da organização social

no sertão nordestino. Isto porque os imaginários sociais estabelecem

estereótipos, modelam comportamentos, interpretam a realidade e

41 ATHAYDE, João Martins de. História do valente Vilela. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 15 out. 2012.p.2.42 MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004. p. 43.43 BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: Enciclopédia Einaudi, v. 5 (Antrópos–Homem). Lisboa: Imprensa Nacional. Casa da Moeda, 1985, p. 311.

conduzem a ação comum. O isolamento secular e as particularidades na constituição da vida em sociedade consolidaram entre os sertanejos, uma visão de mundo pautada pelo respeito as ações individuais e que destacavam as qualidades (bravura, honra, crueldade) inerentes ao arcabouço valorativo dessa sociedade.

Nesse sentido, ao voltar o olhar para a sociedade sertaneja, pode-se perceber que um imaginário construído estabeleceu a identidade dos diversos grupos, suas regras de conduta, as punições impostas e também os caminhos possíveis para se atingir o destaque social. Afinal, é justamente pela capacidade de organização e orientação das práticas e representações sociais, que o imaginário se caracteriza como uma das forças reguladoras da vida coletiva44.

Importa aqui destacar que este imaginário se consolidou em uma sociedade marcada pelo uso da violência como instrumento não apenas de defesa, mas também de afirmação da posição do indivíduo perante o coletivo. Por esta razão, até mesmo os atos de crueldade, encontravam justificativas e objetivos45. De acordo com MELLO, a violência deve ser encarada principalmente como um símbolo inerente à organização social do sertão, doutrinada pela pecuária e o aventureirismo característico deste tipo de economia. Por um longo período em que se conceberam essas características, afirma o autor que:

[...] o sertanejo não conheceu feitor que lhe orientasse o serviço, nem fiscal que lhe exigisse o cumprimento estrito de tarefas; não conheceu cerca que lhe barrasse o caminhar solto e espontâneo; não sofreu o disciplinamento da proximidade de patrão e muito menos a ação coercitiva do poder público. Não soa estranho, portanto, que o arrojo pessoal, o aventureirismo e um acentuado gosto pelas soluções violentas aflorassem num homem sob tais condicionamentos.46

44 id. ibid., p. 309.45 LIMA, Estácio de. O mundo estranho dos cangaceiros – ensaio bio sociológico. 2. ed. Salvador: Assembléia Legislativa da Bahia, 2006. p.31.46 MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo

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60Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

Antes, porém, de assumir uma condição depreciativa e de indicação de completa anomia, a violência era aceita, pois se encontrava inerente ao arcabouço de valores e normas impostas pela sociedade sertaneja. Por este motivo, no sertão, matar não consistia em um crime de grande porte, como na cidade47, sobretudo porque naquela região, durante muito tempo, o poder privado se consolidou como a única força de imposição da lei, mesmo que de maneira parcial e arbitrária.48

No folheto “O Negrão do Paraná e o Seringueiro do Norte”, de autoria de Francisco de Sales Areda, o Negrão do Paraná transparece como uma personagem que a exemplo de muitos sertanejos, se apropriou do uso simbólico da violência enquanto instrumento de afirmação social. Ao escrever o seu livreto, o cordelista construiu uma narrativa em paralelo, na qual destacou o antagonismo de seus dois protagonistas: João Balduíno, o honrado Seringueiro do Norte e o seu rival, o feroz Negrão do Paraná. Os caminhos de ambos se cruzaram quando Balduíno, um migrante egresso dos seringais rondonienses, se viu obrigado a afrontar o Negrão ao se deparar com uma cena de extrema crueldade cometida pelo facínora. Antes, porém, de ser revelado o inevitável confronto, pode-se perceber que a construção da personagem “Negrão” evidencia o apelo ao fantástico e a um tipo de representação característica das populações nativas do Nordeste. Tal representação associava as qualidades humanas a animais bravios, símbolos de força, inteligência e agilidade:

[...] valente como à Panterabruto, covarde e orgulhosocontava 110 mortescomo um leão furioso.

no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004. p. 44.47 BARROSO. ap. NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.31.48 MELLO, op. cit., p. 65.

Media 1 metro e 80 a altura do negrãotinha as muquecas de onçae os braços como um pilãoera monstro na grossuramas ligeiro como um cão.49

O número de 110 mortes e a ferocidade dos atos cometidos pelo

leão furioso tornaram-se indicativos suficientes para destacar Negrão,

perante o meio em que vivia. Não por acaso, onde se fazia presente,

ele causava,

[...] medo e afrontaqualquer um que ele pegassea cova já estava pronta.Não havia quem topasseCom ele na batucadaBrigava bem na rasteiraMuito mais na cabeçada.50

Outro cordel acima mencionado destacou a valentia não

apenas como símbolo de distinção individual, como foi o caso

do “Negrão” mas expandiu a sua manifestação, no âmbito das

relações sociais em uma determinada região. O já citado Sabino

de França, mais conhecido como “Valentão do Norte” tomou para

si o uso simbólico da violência, atuando como juiz e delegado,

afrontando e vingando, mas sem cometer assassinatos ou

crueldades desmedidas. O “Valentão do Norte” assumiu a condição

de um reacionário, defendendo códigos de conduta valorizados

49 AREDA, Francisco Sales. O Negrão do Paraná e o seringueiro do Norte. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 08 set. 2011. p.1.50 AREDA, Francisco Sales. O Negrão do Paraná e o seringueiro do Norte. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 08 set. 2011. p.1.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 61Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

pela sociedade em que vivia. Por este motivo, Sabino, o Valentão

do Norte se impunha:

Fazendo casar a pulsoE dando surra em bandidoNunca meteu-se num casoP´ra [sic] não deixar resolvido.51

Aonde havia questãoEle ia resolverMas não matava ninguémSeu instinto era prenderDava somente um ensinoPara o cara conhecer.52

Ao agir dessa forma, a personagem se aproxima do arquétipo

que caracteriza o valentão como um homem que com suas armas

justiceiras, atendia ao apelo de um “[...] amigo, parente ou mesmo um

estranho que tivesse sofrido algum constrangimento ou humilhação.”53

Ao apropriar-se da representação de coragem e justiça, o valentão se

arvorava no “direito” de vingar injúrias próprias e dos amigos, não

permitindo que houvessem conflitos, sem que ele estivesse presente.

Nesse sentido, o código de valores de Sabino se encontrava envolto em

uma superfície pretensamente justiceira. Isto, porém, não o livrava de

situações em que seu poder era contestado, e um dia quando,

[...] chegou um negroDo lado do PiauíEmbuanceiro e perversoBrabo que só um siri

51 AREDA, Francisco Sales. O Negrão do Paraná e o seringueiro do Norte. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 08 set. 2011. p.8. 52 AREDA, Francisco Sales. O Valentão do Norte. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 16 set. 2011. p.10.53 KOSTER ap. MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004. p. 65 – 66.

Valentão do Norte fez Da barba dele um jiqui.54

Em um ambiente afeito a situações violentas, como foi o Nordeste dos séculos XIX e meados do XX, o acesso ao exercício da autoridade era restrito e objeto de acirradas disputas. Seu maior símbolo, a violência, estava presente no imaginário da sociedade sertaneja, todavia utilizá-la, significava iniciar um verdadeiro ciclo em que vinganças, contendas e agressões, tornavam-se acontecimentos corriqueiros e seus desfechos, poderiam se arrastar por anos e até mesmo décadas. Sabino e Negrão, alcançaram a hegemonia no uso moderado – ou não – da violência. No entanto, o Negrão se destacava como aquele que exercia o poder de modo completamente arbitrário e sem temer as penalidades do sistema judiciário local. Tal constatação torna-se evidente durante os confrontos com a força policial, nos quais, o valentão se destacava pela perversidade com a qual tratava os homens da lei:

Uma vez foram 10 praçase um valente oficialpara dar fim ao negrãoque estava feito um chacalacabando até os santosda fazenda Maraial

Mas assim que foram entrandona cancela da fazendao negro pressentiu eles e emburacou na contendae esmagou tanta gentecomo cana na moenda

Pegou logo o oficialpara começar a brigaDeu-lhe um acocho tão grandeQue estourou-lhe a barriga

54 AREDA, Francisco Sales. O Valentão do Norte. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 16 set. 2011. p. 8.

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62Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

[...] Matou mais 5 soldadosde 3 quebrou a perna e o braço[...] o negro ficou sozinhovirando o resto em bagaço55

A representação que simbolizou a valentia do Negrão perpassou a indumentária, incluindo suas armas e também a maneira como agia, pois:

Só andava bem armadode punhal e cartucheiraum rifle papo amarelocom bonita bandoleirachapéu de couro e a roupade mescla azul verdadeira

Tinha os olhos encarnadosnariz grosso de tabocaandava todo banzeirocomo um tigre na loca.56

Simbolicamente, a representação construída para o Negrão, reforçava o caráter dominador daqueles indivíduos que se apropriaram da violência como símbolo de poder. Logo, a simples menção do nome ou das proezas cometidas pelo facínora, reforçavam o terror e a crueldade, estremecendo inclusive, populações oriundas de outras regiões. Não por acaso,

[...] quem vinha de outro estadotinha logo informaçãodo tal negro desordeiroe tomava direçãopor estradas diferentespara se livrar do negrão.57

55 AREDA, Francisco Sales. O Negrão do Paraná e o seringueiro do Norte. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 08 set. 2011. p.3.56 AREDA, Francisco Sales. O Negrão do Paraná e o seringueiro do Norte. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 08 set. 2011. p. 2-3.57 AREDA, Francisco Sales. O Negrão do Paraná e o seringueiro do Norte.

Desta forma, pode-se perceber que o poder não era resultado

apenas das ações efetivas, mas também da representação simbólica

que sertanejos como o Negrão, desempenhavam sobre a população.

Cabe aqui salientar que, todo o conjunto simbólico que permitiu àquela

população pensar, ter sua realidade social e agir de uma determinada

maneira, constituía uma linguagem coletiva, um imaginário, pois como

aponta BACZKO:

Exercer um poder simbólico não consiste meramente em acrescentar o ilusório a uma potência “real”, mas sim em duplicar e reforçar a dominação efetiva pela apropriação dos símbolos e garantir a obediência pela conjugação das relações de sentido e poderio [...]”58

O resultado das ações efetivas e da representação construída em

torno da fama do valentão, o tornaram uma figura onipresente, que

atuava a seu bel prazer. Essas representações atribuídas a personagens

como o terrível Negrão ou o reacionário Sabino institucionalizaram o uso

da violência, de acordo com normas e valores criados e considerados

por eles, como ditames da vida em sociedade.59 Em outras palavras,

eles “roubaram” o papel do Estado e consolidaram sua valentia como

símbolo maior de um tipo de “justiça” deturpada e completamente

arbitrária.

A amplitude das ações do Negrão, aliada a fragilidade de um

quase inexistente poder estatal, levaram ao completo abandono das

forças de repressão contra o celerado, uma vez que:

Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 08 set. 2011. p.2.58 BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: Enciclopédia Einaudi, v. 5 (Antrópos–Homem). Lisboa: Imprensa Nacional. Casa da Moeda, 1985, p. 31059 SILVA, Celina Nonata da. Banditismo Rural: paradigmas conceituais e novas tendências historiográficas. Disponível em: http://www.fundaj.gov.br/notitia/. Acesso em: 07 set. 2011.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 63Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

O governo do Estadojá estava sem assuntode mandar tanto soldadoe só ver chegar defundo [sic]deixou de o perseguirse não ia perder muito.60

O precário sistema judiciário deu lugar a um poder desmedido,

embasado na crueldade e no medo. Os comportamentos foram

modelados pela capacidade normativa exercida pelos atos do Negrão,

pois como alerta BACZKO “[...] as representações que legitimam um

poder informam acerca da sua realidade e comprovam-no. Do mesmo

passo, constituem apelos imperativos ao respeito e a obediência [...]”61.

Diante de tal legitimação,

[...] ninguém queria mais irnuma festa ou na feirae qualquer pae [sic] de famíliaque tinha filha solteiraconservava ela trancadapara não ver bagaceira.62

No entanto, a hegemonia do Negrão acabou contestada de modo incidental pelo seringueiro João Balduíno, que após alguns anos trabalhando nos seringais rondonienses, decidiu retornar à sua terra natal: o Ceará e durante o seu regresso, presenciou uma nova atrocidade cometida pelo facínora. Neste momento, o cordel traça outra perspectiva simbólica da violência no imaginário dos sertanejos do Nordeste. Se o Negrão era afamado por sua extrema crueldade, João

60 AREDA, Francisco Sales. O Negrão do Paraná e o seringueiro do Norte. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 08 set. 2011. p.6.61 BACZKO, op. cit., p. 312.62 AREDA, Francisco Sales. O Negrão do Paraná e o seringueiro do Norte. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 08 set. 2011.p.7.

Balduíno atingiu igual patamar ao utilizar a violência como instrumento

de desafio e castigo aos crimes cometidos pelo valentão. É a partir do

confrontamento direto entre os dois personagens, que o cordelista traçou

aquilo que BACZKO chamou de “série de oposições”, um verdadeiro

conflito de símbolos que trabalham a sua maneira, na reconstrução

do imaginário.63 Trata-se do encontro entre o honrado Balduíno e o

perverso Negrão. Entretanto, ao considerar as indicações propostas

por BACZKO, pode-se constatar a existência de uma articulação entre

tais símbolos, os quais representam exposições diferenciadas para um

elemento em comum: a violência.

O corajoso João Balduíno atentou contra a ordem estabelecida.

Deve-se ressaltar, porém, que a coragem para o sertanejo possui dupla

conceituação. Ao mesmo tempo em que é um sentimento dotado de

nobreza e audácia, é também um instrumento de mediação e disputa

de forças. Além disto, via de regra, um sujeito corajoso é também

um “cabra-macho”64 e mesmo em um ambiente em que se vivia

pressionado de um lado, pelo poder do coronelismo e de outro, pelo

cangaço, havia espaço para a apropriação do uso efetivo e simbólico

da coragem, sustentado pela prática de atos violentos. Sua atuação não

abrangia aspectos econômicos, como no caso dos coronéis e tampouco

extrapolava os limites territoriais estaduais, como no caso dos bandos

de cangaceiros, mas ainda assim, dentro de um universo de atuação

limitado, impunha seu poder e fazia valer a sua coragem.

João Balduíno desconhecia a fama do Negrão e por este motivo,

63 BACZKO, op. cit., p. 312.64 O machismo nesse estudo segue as tendências morais idealizadas (criadas) no sertão nordestino, logo é vislumbrado não como uma exteriorização superficial de valentia e sim, quanto solidez de caráter, fruto da formação rígida e cruenta da sociedade sertaneja. MACHADO, Maria Christina Russi da Matta. Aspectos do fenômeno do cangaço no Nordeste Brasileiro. 1. ed. São Paulo, 1974. (Revista de História). p. 101.

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64Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

não hesitou em defrontar o valentão ao se deparar com mais um ato de

crueldade cometido pelo “crápula”:

O negrão chegou um diaPeior [sic] que febre amarelapegou logo o fazendeiroamarrou numa cancelapendurou a mulher delee foi atraz [sic] da donzela.

Acertou logo no quartoque ela estava trancadadeu na porta prá [sic] quebrarmas nessa hora assustadao seringueiro do norte vinha tomando chegada

Avistou logo um homem numa cancela amarradae a mulher penduradaficou todo horrorizadonisto ouviu gritar lá dentronão me mate condenado.65

Neste momento, entra em cena outro componente valorado no

imaginário dos sertanejos nordestinos: a habilidade na luta corpo a

corpo. Como grande parte dos símbolos valorizados por esta sociedade,

sua origem remonta ao processo de formação e consolidação do “ciclo

do gado”66 momento em que se desenvolveram homens dotados de

grande tenacidade e capacidade de improvisação.67 João Balduíno

e o Negrão iniciaram um combate que colocou em jogo não apenas

a vida de ambos, mas a continuação de um imaginário construído e

estabelecido. O confronto entre eles foi extremamente violento e sob os

65 AREDA, Francisco Sales. O Negrão do Paraná e o seringueiro do Norte. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 08 set. 2011.p.11.66 MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004. p. 65.67 id. ibid., p. 49.

olhos aterrorizados da filha do fazendeiro assaltado,

[...] os 2 travaram no ferro branco alvejadocomo 2 leões na jaulaum como outro agarradoe o negro viu que o moço também era batizado68

No sertão nordestino, os conflitos pela honra eram comuns, sendo

inclusive festejados e enaltecidos pela coletividade. Era porém uma

vingança cega, pois em muitas situações, os ofensores mais poderosos

sequer eram “tocados”. No entanto, bastava um ato violento contra

um desafeto do mesmo grupo social e o sertanejo conquistava irrestrito

respeito, “[...] passando da ignomínia a uma existência gloriosa, de

grandes feitos de coragem [...]” 69.

O Negrão se viu defrontado e difamado por João Balduíno.

Desta forma era imperativo, conservar não apenas a sua honra, mas,

sobretudo, o poder exercido por ele, perante a comunidade. Esta

necessidade de manutenção da autoridade representa um importante

elemento na organização do imaginário social, uma vez que os bens

simbólicos que qualquer sociedade fabrica não existem em quantidade

ilimitada e tornam-se objetos de intensa disputa pelo seu domínio.70

O uso da violência, antes monopolizado pelo Negrão, foi apropriado

por João Balduíno que utilizou práticas igualmente brutais no desafio a

hegemonia desfrutada pelo valentão. Em uma sociedade gestada pelo

uso da violência, foi necessário a chegada de um indivíduo externo à

comunidade, para que se colocasse a prova, a legitimidade do poder

68 AREDA, Francisco Sales. O Negrão do Paraná e o seringueiro do Norte. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 08 set. 2011.p.12.69 CHIAVENATO, op. cit., p.29.70 BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: Enciclopédia Einaudi, v. 5 (Antrópos–Homem). Lisboa: Imprensa Nacional. Casa da Moeda, 1985, p. 299.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 65Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

então existente. Mesmo antes do encontro entre o seringueiro e o

valentão, a narrativa já apontava para o desfecho da contenda, pois de

acordo com o cordelista,

[...] quem é justo nada sofreo castigo é pra quem pecaa vida é como a florque vem o sol e ressecae todo brabo no mundoencontra outro na beca.71

Nos versos acima, é possível constatar o tom maniqueísta adotado

na construção do referido cordel, pois o autor destaca claramente a

oposição entre o bem – o justo Balduíno – e o mal – o pecador Negrão

– revelando ainda que o poder exercido pelo uso arbitrário da força,

sempre seria objeto de confrontamento. A violência imposta pelo Negrão

acabou voltando-se contra ele próprio e por isso, a brutalidade com a qual

foi morto, revela a tolerância para com práticas violentas, consideradas

inerentes àquilo que MELLO chamou de “moral sertaneja”:72

Deu-lhe 30 punhaladasdesde os pés ao cabelouroo negro caiu por terraespixado como um touroo rapaz disse: Eu agora já que matei tiro o couro.73

A violência dos golpes desferidos contra o Negrão foi seguida por

um ato igualmente brutal: o esfolamento. Esta prática possuía suas 71 AREDA, Francisco Sales. O Negrão do Paraná e o seringueiro do Norte. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 08 set. 2011. p.8.72 MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004. p. 63.73AREDA, Francisco Sales. O Negrão do Paraná e o seringueiro do Norte. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 08 set. 2011. p.14.

origens na própria lida com o gado, quando se retirava o couro para

a confecção de vestimentas, entre outros objetos. Nos conflitos contra

alguém afamado, havia a necessidade de “comprovar” a vitória e por

isso, partes do corpo do derrotado eram extirpadas e muitas vezes

expostas como troféus representando assim, verdadeiros símbolos da

força daqueles que derrotaram inimigos quase “invencíveis”. O desfecho

brutal para o igualmente brutal Negrão não parou em seu esfolamento.

Havia a necessidade de “enterrar” qualquer reminiscência do outrora

“reinado” do valentão. Neste momento, a filha do proprietário da

fazenda que assistia ao sangrento combate, foi chamada pelo seringueiro,

o qual transbordando em adrenalina, solicitou-lhe urgente auxílio:

Corra em casa vá me veruma foice ou um facãopara um serviço eu fazer

Ela foi e trouxe logoum facão muito afiadoo rapaz esquartejouo triste negro malvadoprá [sic] ele não bulir maiscom quem estava descansado.74

A extensão de uma cena tão aterradora apresenta um relevante

fator sobre a violência no imaginário do sertanejo nordestino. Esta

possui um caráter simbólico que remonta as dificuldades de penetração

e vitória sobre o meio físico, condição que forjou a sociedade sertaneja

e esteve presente nas lutas contra os grupos indígenas, contra os

animais bravios e em ações defensivas e ofensivas na manutenção

e expansão territorial. De acordo com MELLO, a violência se fez um

74 AREDA, Francisco Sales. O Negrão do Paraná e o seringueiro do Norte. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 08 set. 2011. p.14.

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66Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

tributo necessário ao sucesso do empreendimento de ocupação do sertão nordestino.75 Por esta razão, afirma o autor que a utilização prolongada da violência para a superação das dificuldades externas, acabou gerando a continuidade de sua manifestação por uma longa duração, condição facilitada pela inexistência de um poder estatal forte. Assim sendo, a violência tornou-se ao mesmo tempo, uma prática comum, porém simbolicamente limitada àqueles capazes de canalizá-la para a ordenação das práticas sociais.

1.3 O Sofrimento Precede a Salvação: o Misticismo

“Josué desde criança / amava a santa doutrina / não despresava [sic] os mistérios / da providência divina / abraçava os mandamentos / que a santa igreja ensina.”76

O feroz ataque do seringueiro Balduíno contra o destemido Negrão foi selado após o ritual de retalhamento do corpo do oponente. Desta forma, a vitória estava consolidada e qualquer lembrança do leão feroz, possivelmente estaria relegada aos folhetos de cordel ou a animadas conversas entre amigos. No entanto, apenas a agilidade no manejo de armas brancas não explica o triunfo do seringueiro contra o celerado. Em um determinado momento da luta, Balduíno suplicou a intervenção divina, tal qual um fervoroso religioso em estreita obediência aos desígnios do sobrenatural. Em uma atitude de reverência e súplica, o seringueiro orou,

[...] Pae [sic] é Deussenhor Martire do BomfimCristo redentor dos mártiresvinde socorrer a mim.

75 MELLO, op. cit.,p. 64.76 ATHAYDE, João Martins de. O valente Josué. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 21. out. 2012.p.3.

Nestas frases deu um puloe alcançou o negrãodeu-lhe uma punhaladano lado do coraçãonão furou mas tomou deleum embrulho de cordão.

Todas as orações do negroestavam naquele embrulhoai o negro afracoue o rapaz com orgulhocomeçou furando o negrocomo um pau que dá gurgulho.77

Na análise do cordel, pôde-se perceber que no primeiro verso, explicitamente Balduíno lançou mão de uma espécie de oração, que o tornou provido de uma força maior do que aquela manifestada até então. Suas habilidades aumentaram e com muita destreza, iniciou um feroz ataque contra o Negrão, conseguindo destituí-lo de sua maior fonte de força e “invencibilidade”, um cordão pendurado no pescoço, contendo diversas orações embrulhadas. O resultado foi devastador e o valentão literalmente enfraqueceu, tornando-se alvo fácil para as investidas do seringueiro. Ele perdeu não apenas a sua fonte de força e destemor, mas também o patuá que mantinha o seu “corpo fechado”.

A profunda religiosidade dos sertanejos nordestinos representa o contraponto a violência, na condição de elemento formador do seu imaginário. A prática de carregar orações ou proferi-las em momentos de tensão ou suplício espiritual, faz parte do conjunto de práticas e crenças da religiosidade sertaneja. Emblemas de fé e também de força, as orações e os amuletos possuem uma intensa carga simbólica e uma vez bem guardados, são capazes de produzir o efeito desejado pelo seu portador. De acordo com CAVA, estes objetos caracterizaram a presença de um forte misticismo no imaginário religioso do sertão, resultado do sincretismo que mesclou liturgias populares,

77 AREDA, Francisco Sales . O Negrão do Paraná e o seringueiro do Norte. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 08 set. 2011. p.13 -14.

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crendices e superstições nativas, produzindo assim, um catolicismo diferente da religião oficial.78 Desta maneira, a religiosidade representou a única forma de entendimento do mundo exterior, alicerçando a consciência dos sertanejos e concedendo-lhes amparo e esperança.

Em um ambiente de crenças e superstições, uma figura pode ser considerada proeminente e objeto de profunda devoção. Adorado até os dias atuais pelo povo nordestino, Cícero Romão Baptista79, o “padim 78 CAVA ap. HERMAN, Jacqueline. Religião e política no alvorecer da República: os movimentos de Juazeiro, Canudos e Contestado. In: FERREIRA, Jorge (org). O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.p.130 - 13179 Cícero Romão Batista nasceu em Crato, Ceará, em 1844. Filho de Joaquim Romão Batista e Joaquina Vicência Roa, em 1870 foi ordenado sacerdote. Entre os anos de 1872 e 1889 exerceu a função de capelão do município de Juazeiro, também no Ceará, onde desempenhou importante papel social e litúrgico. Em 1889, o pretenso milagre da hóstia rendeu ao Padre Cícero a fama de milagreiro, mesmo que o próprio negasse a autoria do acontecimento. Em 1892, o desenrolar desta situação gerou conflitos com a Igreja Católica, que suspendeu temporariamente o religioso de suas ordens. Após 2 anos, Roma condenou o milagre, gerando entre os seguidores do padre Cícero, uma verdadeira mobilização a favor do reconhecimento do fato. O religioso viajou para Roma com o objetivo de interceder pessoalmente, junto ao papa Leão XIII e retornou apenas com a autorização para celebrar missas. O seu prestígio junto à população carente aumentou ainda mais e Juazeiro transformou-se em local de peregrinação para fiéis em busca de intercessões e conforto espiritual. A partir do início do século XX, o padre Cícero se aproximou do cenário político cearense, quando as disputas entre dois coronéis da região de Crato tornaram a situação de Juazeiro extremamente frágil e Cícero, extremamente habilidoso, defendeu a população, o que o conduziu a prefeitura de Juazeiro em 1911. Durante o seu mandato, Cícero se viu em um conflito político contra o governador do Ceará, Franco Rabelo, seu opositor político. Hábil articulador, não apenas saiu-se vitorioso do conflito armado, como também conseguiu a destituição de Rabelo do cargo no governo estadual. O desfecho deste acontecimento garantiu prestígio político ao padre, também na capital federal. Em 1916, porém, a Igreja Católica considerou inaceitável a aproximação do religioso com os assuntos políticos, excomungando-o. Dez anos depois, Cícero se viu novamente envolvido em um acontecimento de grande vulto no cenário político estadual. Por influência de Floro Bartolomeu, o religioso realizou um antológico encontro com o afamado Cangaceiro Lampião, solicitando sua ajuda na luta contra os revolucionários da Coluna Prestes. Ele concedeu ao cangaceiro, o posto de “capitão” do Batalhão Patriótico, situação que, no entanto, não consolidou o embate entre Lampião e Luis Carlos Prestes. Pouco depois, seu aliado Floro Bartolomeu faleceu, declinando a atuação política do religioso, que também veio a falecer em Juazeiro,

ciço” traz consigo uma simbologia que em muitas situações “[...] beirava o fanatismo religioso [...]”80. A profunda devoção ao padre, foi resultado de um carisma impressionante, associado a capacidade de realizar pregações e trabalhos de assistência, junto às populações mais carentes. Paralelo a isto, algumas manifestações de caráter místico, aumentaram o prestígio do religioso perante as comunidades sertanejas do Nordeste. O episódio mais conhecido ocorreu no ano de 1889, em Juazeiro, no Ceará, quando durante a quaresma, a hóstia que ele dera a beata Maria de Araújo, transformou-se em sangue, supostamente de Jesus Cristo.

No folheto “Milagre na Cidade Santa”, o cordelista Gonçalo Ferreira da Silva81 narrou este acontecimento, acentuando os efeitos imediatos

na população que presenciou o ocorrido:

Foi em mil e oitocentose oitenta e nove, e erana quaresma, quando o povo

no ano de 1934. Disponível em: NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.77-78-79-80.80 OLIVEIRA ap. JUNIOR, Mario Gouveia & LUCENA, Renata Valéria de. Entre o rosário e o punhal: cangaço, religiosidade e misticismo nos tempos de Lampião. Disponível em: http://artigos.netsaber.com.br/resumo_artigo_5146. Acesso em: 11 set. 2011. [s.i].81 O contista, poeta e ensaísta, Gonçalo Ferreira, nasceu em Ipu, no Ceará, em 1937. Aos quatorze anos de idade, mudou-se para o Rio de Janeiro, local no qual terminou os estudos secundários e graduou-se em Letras, pela Pontifícia Universidade Católica. No ano de 1963, publicou o seu primeiro livro “Um resto de razão” e em 1978, iniciou a produção de versos de cordel, cujo acervo já ultrapassou 200 títulos. As suas obras apresentam uma ampla temática, que aborda fatos históricos e políticos e principalmente, o típico regionalismo do sertão nordestino. O folheto “Milagre na cidade Santa” retrata exatamente uma das principais características desse regionalismo: a profunda fé do povo nordestino e o seu respeito incontestável a autoridade religiosa do Padre Cícero. Gonçalo Ferreira foi um dos responsáveis pela criação da Academia Brasileira de Literatura de Cordel em 1988, instituição na qual foi presidente até 1996. Atualmente, Gonçalo Ferreira continua produzindo versos, poemas e contos, consolidando-se como um dos mais importantes poetas populares do Brasil. BIOGRAFIA de Gonçalo Ferreira da Silva. Disponível em: http://www.itaucultural.org.br. Acesso em 19 out.2012.

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68Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

de alma pura e sincerao sagrado coraçãode Jesus Cristo venera.

Santa Maria de Araújodevota de coraçãoquando recebeu a hóstiainconsciente atirou-serepentinamente ao chão

Acudida prontamentedepois que foi levantadana forma de um coração estava a hóstia sagradacom o Sangue de Jesus Cristointeiramente banhada

Quando a hóstia foi mostradana forma de um coraçãogritos de triunfo ouviu-seda imensa multidãorepetindo: é um milagredo padre Cícero Romão82

As repetições e consequentes repercussões sobre o “milagre” não

tardaram em se manifestar e durante os dois anos seguintes a sua

ocorrência, uma verdadeira romaria de clérigos, além de médicos e um

farmacêutico, atestaram a sua veracidade, gerando forte oposição da

Igreja católica que, em 1892, suspendeu temporariamente o padre de

suas funções.83 Sem dar-se por vencido, Cícero seguiu para Roma em

1898, e em encontro com o papa Leão XIII, conseguiu autorização para

retomar a celebração de missas sem, no entanto, reaver o título sacerdotal.

A partir de então, suas rusgas com a Igreja se intensificaram, sobretudo 82 FERREIRA, Gonçalo. Milagre na cidade Santa. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 10 set. 2011. p. 4 – 5.83 MONTENEGRO ap. NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.77.

em virtude de sua crescente participação no cenário político cearense. O

desdobramento destas divergências culminou na excomunhão do padre

pela Igreja Católica, em 1916. Nada disto porém, diminuiu o prestígio

do religioso perante a população mais pobre dos sertões. Uma das

possíveis explicações para o crescente prestígio de Cícero é dada por

CAVA, que aponta entre uma das principais consequências do episódio

da hóstia “[...] o surgimento, crescimento e consolidação de irmandades

leigas que passaram a prestar obediência diretamente ao Padre Cícero,

mesmo depois deste ser impedido de atuar como padre.”84

Para os sertanejos do Nordeste, questões como as censuras impostas

ao “padim ciço” e a sua excomunhão foram ineficazes no objetivo de

obscurecer a importância do religioso como uma figura santa e capaz

de promover o bem comum, pois se não era canonizado na “galeria

pomposa dos santos da Santa Sé” era considerado “um santo nos

corações dos irmãos nordestinos”.85

Diferentemente dos demais sacerdotes católicos, Padre Cícero, não

cobrava numerários pelos serviços religiosos, oferecendo em muitas ocasiões,

simples conselhos de higiene ou medicamentos caseiros feitos com ervas.

Percebe-se que para os sertanejos, o efeito positivo destas exortações era

resultante da inspiração quase sobrenatural de um indivíduo iluminado: 86

De coração veneramos o padre Cícero Romãoum santo conhecedordos problemas do sertão

84 CAVA. ap. HERMAN, Jacqueline. Religião e política no alvorecer da República: os movimentos de Juazeiro, Canudos e Contestado. In: FERREIRA, Jorge (org). O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.p 124. 85FERREIRA, Gonçalo. Milagre na cidade Santa. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 10 set. 2011. p.1.86 FACÓ Rui. Cangaceiros e Fanáticos – gênese e lutas. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988. p.139.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 69Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

das dores dos camponesesda fome da região.87

Assim sendo, misticismo e fé se intercalaram no imaginário dos

sertanejos do Nordeste, um grupo social que se organizou praticamente

isolado do poder estatal e que forjou um sistema cultural próprio,

mesclando elementos do pioneirismo desbravador a comportamentos e

valores da população nativa.

O distanciamento entre o catolicismo oficial e aquele praticado no

sertão nordestino, remonta aos primórdios da exploração da cana-de-

açúcar no Brasil, quando era comum existirem capelões instalados nos

engenhos e que se encontravam muito mais ligados aos senhores da

“casa grande”, do que as orientações da Igreja em Roma. Segundo

BASTIDE, face a grande extensão do território nacional, estes capelões

representaram um frágil, porém importante princípio de doutrinação

religiosa nas regiões mais afastadas88. Embora o objetivo deste estudo monográfico não se concentre

na análise da posição da Igreja Católica, frente ao processo de

evangelização que ocorreu nas terras brasileiras, torna-se relevante

neste momento destacar que em 1860, esta instituição iniciou um

movimento reformador conhecido como “romanização” objetivando

“[...] reforçar a estrutura hierárquica da Igreja, revigorar o trabalho

missionário, moralizar o clero e diminuir o poder das irmandades

leigas”.89 Para BASTIDE tais mudanças visavam ao mesmo tempo,

87 FERREIRA, Gonçalo. Milagre na cidade Santa. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 10 set. 2011. p.8.88 BASTIDE ap. NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.29.89 HERMAN, Jacqueline. Religião e política no alvorecer da República: os movimentos de Juazeiro, Canudos e Contestado. In: FERREIRA, Jorge (org). O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.p 124.

recolocar o clero brasileiro, sob o controle de Roma e também aproximar

a Igreja dos fiéis que habitavam as áreas mais isoladas, através de uma

reestruturação da instituição clerical, como a construção de igrejas,

cemitérios, arquidioceses e seminários.90 Já HERMANN pondera tais

considerações, afirmando que a reestruturação da Igreja Católica,

finalizada em 1891, trouxe duas consequências: o fortalecimento do

seu corpo institucional e o surgimento de movimentos populares de

caráter religioso que questionavam a perda de poder político da igreja,

ao mesmo tempo em que defendiam seus princípios.91

Este cenário turbulento fez surgir outra manifestação típica

da religiosidade popular: os beatos, fanáticos e conselheiros, que

especificamente neste último tipo, era formado por homens que

vagavam pela aridez da caatinga, oferecendo conselhos e conforto

espiritual, construindo igrejas e cemitérios e arregimentando seguidores

por onde passavam. A incidência desses religiosos foi favorecida pela

organização de um tipo de catolicismo considerado “puro”, por se

encontrar isento da hierarquização católica oficial.92

Diante deste contexto foi que o Padre Cícero encontrou um campo

fértil para os seus ensinamentos e conselhos práticos, tornando-se peça-

chave na consolidação de uma religiosidade caracterizada pela “[...]

pluralidade na devoção dos santos e uma obediência ao profetismo

nômade, combinados com o sincretismo entre o animismo indígena, o

fetichismo africano e a superstição portuguesa.”93 A fé, resultante desta

combinação, transformou-se em importante símbolo do imaginário

90 BASTIDE ap. NARBER. op.cit., p.29.91 HERMAN, op.cit., p.125.92 QUEIROZ ap. JUNIOR, Mario Gouveia & LUCENA, Renata Valéria de. Entre o rosário e o punhal: cangaço, religiosidade e misticismo nos tempos de Lampião. Disponível em: http://artigos.netsaber.com.br/resumo_artigo_5146. Acesso em: 11 set. 2011. [s.i]. 93 SOUZA ap. JUNIOR, Mario Gouveia & LUCENA, Renata Valéria de. op. cit., [s.i].

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70Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

social no sertão e foi capaz de promover tanto a passividade de um

indivíduo que aguardava lentamente a morte quanto o irrompimento

de episódios de fanatismo, muitas vezes envoltos em atos extremos

ou até mesmo violentos. Apropriando-se do conceito de fato social

utilizado por Emile Durkheim, BACZKO explica a relação deste com

o imaginário social, junção que torna possível compreender melhor a

força agregadora da religiosidade mística para as sociedades do sertão

nordestino. De acordo com o autor, para que uma sociedade exista e se

mantenha, torna-se imperativo que:

[...] os agentes sociais acreditem na superioridade do facto social sobre o facto individual, que se dotem ao imaginário na produção do sentido que os actores sociais atribuem necessariamente as suas ações [...]. Um dos caracteres fundamentais do facto social é precisamente, o seu aspecto simbólico.94

A sextilha a seguir, demonstra claramente a proeminência de Cícero

entre os sertanejos, revelando que sua importância transcende a mera

formalidade do processo de santificação. Desta forma, o cordelista

Gonçalo Ferreira adverte os críticos do religioso, afirmando que este;

não é santo por enquanto porque o papa de Roma não o cobriu com seu manto para o povo do nordeste [sic]é muito mais do que um santo.95

O distanciamento para com as práticas oficiais da Igreja transformou

o Padre Cícero em uma figura adorada por seus seguidores, não

importando as censuras ou limitações impostas à atuação do religioso.

Não por acaso, o falecimento do Padre Cícero em 1934, gerou uma

94 BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: Enciclopédia Einaudi, v. 5 (Antrópos–Homem). Lisboa: Imprensa Nacional. Casa da Moeda, 1985, p. 306.95 FERREIRA, Gonçalo. Milagre na cidade Santa. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net/. Acesso em: 10 set. 2011. p.7.

profunda comoção no povo sertanejo que o considerava não apenas um

líder religioso ou político, mas, sobretudo, um porta-voz do sofrimento

que pairava sobre a região e seus habitantes.

FIGURA 3 - UMA VERDADEIRA MULTIDÃO ACOMPANHA A PASSAGEM DO CAIXÃO DO PADRE CÍCERO. JUAZEIRO DO NORTE (CE), 1934.

FONTE: NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.22.

A religiosidade sertaneja encontra uma de suas bases na lenda que

cerca as circunstâncias do desaparecimento do jovem rei de Portugal,

Dom Sebastião I. O ano era 1578 e durante a Batalha dos Três Reis,

em Alcácer-Quibir, atual Marrocos, o jovem monarca acabou morto

em uma enigmática situação, como atestou o cordel de Aidner Mendez

Nevez: [...] o mistério cobre o cercoDo povo de AllahO rei Dom Sebastião desapareceu por láNão se encontrou o corpoDele vivo ou dele morto.96

96 NEVEZ. Aidner Mendez. O sebastianismo no sertão. Disponível em: http://

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 71Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

As circunstâncias em torno do desaparecimento de D. Sebastião

geraram um tipo de resignação coletiva entre os portugueses e um

sentimento de culpa pela morte do seu soberano. Era como se “[...]

o Todo-Poderoso desejasse puni-los por seus pecados”97. Além disso,

as circunstâncias do desaparecimento se aliaram ao processo de

decadência em que o reino vivia, criando o desejo de manter Dom

Sebastião vivo na memória dos portugueses. Tal desejo produziu na

mentalidade daquele povo a crença no retorno do seu rei, dando

origem ao sebastianismo, o qual chegou ao Brasil no início do

século XIX.98 Em terras brasileiras ganhou força, principalmente por

representar a perspectiva de estabelecimento de uma sociedade mais

justa, articulando fé e princípios de equidade social. Esta condição seria

possível, graças ao amparo de uma liderança capaz de remediar a

situação de extrema pobreza em que se encontrava as populações do

sertão nordestino. Não por acaso, o cordelista Aidner Mendez Neves

afirma que o sertanejo do século XIX,

[...] esperava o retornoDe um líder com grandezaPois pra [sic] um povo sofrer tantoDeve haver em algum cantoAlguém que os proteja.99

versosdoluar.blogspot.com. Acesso em: 13 set. 2011. [s.i]. 97 SOARÉZ. ap. NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.22.98 A pesquisadora Lúcia Gaspar define o sebastianismo como um movimento secular manifestado em Portugal, entre os séculos XVI e XVII. Ela também indica uma certa abrangência nesta definição, a qual também pode referir-se a uma seita ou símbolo de crendice popular. GASPAR, Lúcia. Sebastianismo no Nordeste brasileiro. Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: http://www.fundaj.gov.br. Acesso em: 16 set. 201199 NEVEZ. Aidner Mendez. O sebastianismo no sertão. Disponível em: http://

O desejo de manifestação de uma liderança, capaz de modificar

um quadro crônico de miséria e injustiça, ganhou força e propiciou o

aparecimento de movimentos chamados messiânicos.100 Esta crença se

manifestou de modo relevante no imaginário dos sertanejos, justamente

porque uma das funções do próprio imaginário reside “[...] na produção

de visões futuras, designadamente na projeção de [...] esperanças e

sonhos coletivos sobre o futuro.”101 Outro fator que explica o êxito desta

crença é a proeminência dos ensinamentos religiosos, em detrimento

a instrução laica, condição fortalecida pelo caráter irremovível dos

princípios e crenças defendidos pelo sertanejo nordestino.102 Logo

não se torna aleatório que as explicações místicas suplantassem o

racionalismo, como pode-se perceber no verso abaixo citado:

Para nós estudiososdas santas leis naturaisacontecimentos tidos como sobrenaturaissão explicados à luzdas leis espirituais.103

versosdoluar.blogspot.com. Acesso em: 13 set. 2011. [s.i].100 Segundo Maria Isaura Pereira de Queiroz, para que um movimento possa ser caracterizado como messiânico, deve anunciar a chegada de um [...] filho de Deus, [...] um mensageiro divino, ou [...] um “Messias” [...] responsável por dirigir um novo mundo dotado de harmonia, justiça e fé. É nesta condição que reside a principal diferença entre movimentos messiânicos e milenaristas, os quais também predizem uma era de felicidade, mas aceitam a liderança de pessoas eleitas entre os fiéis ou entre as pessoas mais idosas. QUEIROZ, ap. NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.19.101 BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: Enciclopédia Einaudi, v. 5 (Antrópos–Homem). Lisboa: Imprensa Nacional. Casa da Moeda, 1985, p. 312.102 CHIAVENATO apud. JUNIOR, Mario Gouveia & LUCENA, Renata Valéria de. Entre o rosário e o punhal: cangaço, religiosidade e misticismo nos tempos de Lampião. Disponível em: http://artigos.netsaber.com.br/resumo_artigo_5146. Acesso em: 11 set. 2011. [s.i].103 FERREIRA, Gonçalo. Milagre na cidade Santa. Disponível em: http://docvirt.

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72Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

Esta inflexibilidade gerou algumas características comuns à religiosidade do sertanejo nordestino. Em primeiro lugar, percebe-se a crença de que adversidades como doenças, desastres climáticos ou perdas na lavoura, eram resultantes da punição divina manifestada em casos de blasfêmias ou transgressões. Nos versos “A Triste Partida”, o cordelista Pedro Francisco Bandeira, estampou o trágico painel do sertão nordestino que buscava se reorganizar, após os devastadores efeitos da terrível seca de 1877-1879. O cordelista afirmou em tom profético, que a desordem social era o resultado de ações políticas, adotadas em favorecimento de uma pequena parcela da população. Não por acaso, os versos abaixo apontam de maneira generalizada a corrupção, como o motivador da cólera divina, que em seu poder,

[...] envia o castigo pra toda população devido a tanta anarquia haja crise e carestia fome e seca no sertão [...]”.104

Nesse sentido, as secas representavam um claro exemplo da força punitiva do Onipresente, pois caracterizava em toda a sua extensão devastadora junto ao imaginário do sertanejo, um fator que transcendia o entendimento racional das suas causas, fossem elas climáticas ou

sociais. Uma explicação plausível reside no tipo de instrução relegada à imensa maioria da população, que mesclou ensinamentos religiosos a crendices e misticismos. Em seus estudos sobre as secas do Nordeste, a pesquisadora Sandra Pessar narrou uma situação em que se observa o reverso dos efeitos da estiagem, mas que guarda o mesmo princípio vingativo da ira divina. Durante várias entrevistas que abordaram os efeitos da estiagem na economia e sociedade do sertão do Nordeste, a

com/docreader.net/. Acesso em: 10 set. 2011. p.6.104 BANDEIRA, Pedro Francisco. Triste partida. Disponível em: www.camarabrasileira.com/cordel1.htm. Acesso em: 13 set. 2011.

autora constatou de modo peculiar, que inúmeras pessoas apontaram um determinado mês, no qual a quantidade de chuvas excedeu a normalidade para o período. Os entrevistados afirmaram que:

“[...] durante um mês de chuvas incomuns, no qual muitos agricultores perderam a totalidade de sua colheita [...] muitos fazendeiros [...] contaram que a chuva fora causada por “um homem lá na estrada”, que tinha amaldiçoado Deus por negar-se a mandar chuva”.105

É interessante observar que o homem supostamente causador da ira divina pode ser alguém externo a comunidade atingida pelo infortúnio. Isto porque, alguém pertencente a ela e doutrinado nos preceitos místicos e religiosos, jamais pronunciaria blasfêmias ou transgressões contra o Onipresente. Pelo contrário, se apropriaria de rezas, cânticos ou outros meios que procurassem estabelecer uma aproximação simbólica com o poder divino, considerado a força reguladora da vida e morte para os sertanejos nordestinos.

A segunda característica da religiosidade dessas pessoas consiste no conformismo em relação as punições recebidas. Aqui vale ressaltar que a resignação se intercalou também as práticas sociais, pois os ensinamentos religiosos defendiam a pobreza como um símbolo de aproximação entre os seres humanos e Deus. Por esta razão, ao aceitar a condição de extrema pobreza e subserviência, reforçava-se também a estratificação presente na sociedade sertaneja ao conceber que,

[...] um indivíduo ou uma comunidade pudessem ser punidos porque alguém repudiava sua situação de vida divinamente definida, ou porque expressava ressentimento pelo sofrimento associado a uma “posição social subordinada”. 106

105 PESSAR. ap. NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.24.106 id.ibid., p.26.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 73Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

A estratificação social nos sertões do Nordeste era reforçada pelo receio de se romper com uma “colocação” social previamente definida por forças superiores e cuja natureza de dominação era desconhecida. Outro fator que corroborava a manutenção dessa estratificação era o conjunto de práticas religiosas ligadas a caridade, em especial, a doação. O medo da ira divina impelia as pessoas, sobretudo as mais pobres, a dividir suas poucas posses. Era uma forma de demonstrar obediência aos preceitos divinos ao mesmo tempo em que servia para manter a continuidade do estado de miséria entre as populações dos sertões do Nordeste.107

A estratificação social também perpassou a relação entre os devotos e os santos, principalmente no tocante ao paternalismo que orientava a dependência das pessoas em relação aos poderes superiores. Em troca de uma possível cura, ofertavam ex-votos108, acendiam velas e realizavam peregrinações, caracterizando aquilo que LEVINE chamou de “[...] transação pessoal entre o suplicante e o santo”109. Para o autor:

A tradição ajudava a forjar a natureza singular do catolicismo como é praticado pelos pobres do campo. As promessas com o escopo de atender a um desejo específico eram feitas, diretamente a Jesus ou a um santo [...]. Como resultado, a fé dos humildes sertanejos frequentemente tinha um toque de temor [...].110

As divindades exerciam um poder simbólico extremamente forte

sobre os sertanejos e a fragilidade dos meios legais e políticos –

responsáveis por estabelecer mudanças significativas na estrutura

das sociedades isoladas –fomentou um terreno fértil para a crença

praticamente inabalável no poder intervencionista das santidades. A

107 id.ibid.,p.26.108 Representações em madeira ou cera de partes do corpo feridos ou deformados. 109 LEVINE. ap. NARBER, op. cit., p.28.110 id. ibid., p.27.

Virgem da Conceição é um exemplo claro da relação de dependência entre indivíduos e santos, pois “ [...] quem tiver fé em seu nome não passa sede nem fome não sofre peste nem guerra”.111

O caráter paternalista na relação mediada entre sertanejos e santos perpassou também o poder da cura pela fé, considerada por muitos, como a única fonte de tratamento para doenças que acometiam uma sociedade desprovida de instrumentos sanitários ou educacionais.

O sofrimento dos sertanejos frente as doenças que os acometiam e as curas milagrosas, eram apresentados nos cordéis que circulavam entre os grupos, reforçando o caráter místico das santidades. Entre tais cordéis, destaca-se o folheto “Os milagres da Virgem Conceição” de José Soares 112 que assim narrou o infortúnio de um sertanejo fictício:

Manoel Apolinário [que] sofria de tuberculoseUm mal extraordinárioDo médico desenganadoDa família abandonadoSua vida era um carvário [sic]113

111 SOARES, José. Os Milagres da virgem Conceição. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net/ Acesso em: 13 set. 2011.p.1.112 O cordelista José Soares, nasceu em Alagoa Grande, Paraíba, em 1914. Fascinado pela poesia popular, escreveu seu primeiro folheto “descrevendo o Brasil através dos seus estados” aos 14 anos de idade. Em 1934, mudou-se para o Rio de Janeiro, trabalhando como pedreiro, mas sem deixar de publicar seus folhetos. Seis anos depois, voltou para o Nordeste, instalando-se em Recife, quando passou a vender pessoalmente suas obras e também de outros poetas, em uma banca montada no Mercado de São José. Entre as décadas de 1960 a 1980, tornou-se proprietário de algumas gráficas, atuando principalmente como editor. O folheto “A morte do bispo de Garanhuns, Dom Expedito” foi o seu trabalho mais notório, vendendo mais de 100 mil exemplares apenas em Pernambuco. Já a obra “Milagres da Virgem Conceição” utilizada neste trabalho monográfico, apropriou-se da temática religiosa para demonstrar a importância da fé na busca pela cura de doenças e outras moléstias que acometiam os sertanejos nordestinos. José Soares faleceu em Timbaúba, Pernambuco, no ano de 1981. CAMPELO, Clovis. José Soares, o poeta repórter. Disponível em: http://santacruzdorecife.blogspot.com.br/. Acesso em: 19 out. 2012.113 SOARES, José. Os Milagres da virgem Conceição. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net/ Acesso em: 13 set. 2011.p.3.

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74Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

Como apresenta o verso, a tuberculose consumia Manoel Apolinário, porém existia uma possibilidade de cura: a intervenção do sobrenatural. Quem indicou o novo caminho a ser seguido, foi um conhecido de Manoel, que o instruiu a respeito do modo pelo qual seria solicitada a intervenção. De acordo com o conselheiro, o tuberculoso deveria realizar uma promessa, a qual;

[...] serveria [sic] de espelhoCom a Virgem Nossa SenhoraQue se tivesse melhoraSubia o Morro de joelho.

[...] Foi melhorando aos pouco [sic]Se tratando com cuidadoMesmo sem tomar remédioObtendo resultadoDe alegria choravaCom uma semana estavaRadicalmente curado.114

Manoel encontrou a cura, entretanto havia a necessidade de cumprir o “pacto” estabelecido junto a Virgem Nossa Senhora. O pagamento da graça recebida foi efetuado e em sinal de profunda devoção, Manoel subiu de joelhos o morro, local em que se encontrava a imagem da santa. Para os sertanejos, o princípio paternalista que simbolizava a sua relação com o sobrenatural, versava também sobre

a obrigatoriedade de se cumprir normas de reciprocidade, sendo o

pagamento de promessas ou oferta de ex-votos, os meios mais comuns

para se atender a tal princípio.

Entre essas pessoas a proteção dos santos era também carregada

de um caráter punitivo, ou seja, tal qual um “patrão”, eles poderiam

castigar aqueles que não cumprissem as normas de reciprocidade,

114 SOARES, José. Os Milagres da virgem Conceição. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net/ Acesso em: 13 set. 2011.p.4.

em especial, o pagamento pelas graças concedidas. A punição era o

infortúnio – doenças, males ou desastres agrícolas e ambientais. Além

disso, o princípio do conformismo tornava os fiéis submissos aquilo que

consideravam “desígnios” divinos. Em outras palavras, se o infortúnio

lhes acometesse, existia sempre uma razão “plausível” que poderia ser

a heresia ou a predestinado para tal situação.

Todavia importa aqui salientar que, os sertanejos não devem ser

encarados como uma massa completamente resignada aos ditames

sobrenaturais ou ao status quo social. Prova disto, foram às migrações

do final do século XIX, os movimentos religiosos - de contestação social

e política - e em casos extremos, a proliferação do banditismo. Até

mesmo o paternalismo possuía limites e as normas de reciprocidade

que uniam patrões e empregados, previam uma série de obrigações aos

primeiros, como a proteção dos agregados e o seu sustento em casos

de secas. Quando, porém, aqueles que exerciam o poder e detinham

riquezas não prestavam a devida assistência, sobretudo em situações

de caos climático ou social, criava-se então, um ressentimento que

poderia encorajar atos coletivos de agressão, revestidos em um manto

de “punição” contra a imoralidade cometida por esse grupo social.115 Esta relação entre religiosidade e manutenção da “ordem” nas

relações sociais, norteia-se pela percepção de que a vida social produz

bens simbólicos, que se constituem em marcos de referência, traduzidos

por meio da linguagem e que oferecem às pessoas, relevantes

informações sobre a realidade social em que vivem. É a partir desses

marcos de referência que as práticas sociais adquirem sentido, criando

representações, estabelecendo identidades e abrindo possibilidades,

como a obediência as normas estabelecidas ou a subversão das

115 PESSAR. ap. NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.28.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 75Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

relações sociais.116 É importante salientar também que, a vida social

não está limitada apenas a produção de componentes materiais, pois

foi por meio dos ensinamentos e práticas religiosas, que os sertanejos

encontraram a única forma de compreensão para a realidade que os

cercava sem, contudo, representar o distanciamento ou alheamento

desta mesma realidade. Esta condição é de suma importância, pois

como afirmou BACZKO em seu estudo sobre os imaginários sociais:

[É] no sistema de representações produzido por cada época e no qual esta encontra a sua unidade, [que] o verdadeiro e o ilusório não estão isolados um do outro, mas pelo contrário unidos num todo, por meio de um complexo jogo dialético. É nas ilusões que uma época alimenta a respeito de si própria que ela manifesta [...] o lugar que lhe cabe na “lógica da história”.117

No sertão nordestino do século XIX e primeira metade do XX

preponderou um cenário no qual o poder econômico e político era

exercido por grandes proprietários que governavam suas regiões, sob

as graças do poder central. Nem mesmo a instauração da República,

a partir de 1889, conseguiu destituí-los da sua condição privilegiada,

situação que iria mudar apenas a partir da década de 1930. Nesse

contexto, coube a religião oferecer noções de justiça e igualdade,

direitos negligenciados pelo Estado durante muito tempo. O resultado

desta negligência evidenciou-se nos movimentos de cunho político,

social e religioso, como por exemplo, a Revolta de Canudos, na

qual ocorreu a articulação dos ensinamentos religiosos ao desejo de

instauração de uma sociedade mais igualitária, reforçando assim, o

papel da religiosidade no entendimento e até mesmo, na transformação

da realidade social.

116 BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: Enciclopédia Einaudi, v. 5 (Antrópos–Homem). Lisboa: Imprensa Nacional. Casa da Moeda, 1985, p. 307.117 id.ibid., p.303.

No conjunto de valores existentes na sociedade sertaneja, violência,

fé, misticismo e coragem, se complementaram para a formação e

reprodução de um imaginário social. Um valentão ou um cangaceiro

jamais precediam de uma boa oração ou amuleto, antes de iniciar uma

contenda. De igual forma, um líder religioso era capaz de arregimentar

uma verdadeira multidão e lutar contra a ordem estabelecida. Os valores

formadores do imaginário sertanejo impeliram ações, estabeleceram

uma visão de mundo, organizaram as representações que os indivíduos

possuíam de seu grupo perante a sociedade e desta, em relação a

eles. As leis criadas no sertão não seguiram os ditames das sociedades

litorâneas, pois foram impostas pelas duras condições de sobrevivência

e ofereciam poucos recursos a sua desobediência.

2 DO CANGAÇO ENDÊMICO AO EPIDÊMICO: UMA NOVA DIMENSÃO PARA A VIOLÊNCIA

NO SERTÃO

2.1Coronelismo, Secas e Decadência Econômica: Surgem Novos Comandantes no

Sertão Nordestino

O coronel Vasconcelos com habilidade e tato / contratou o Matador / dando-lhe humano trato / daí pra frente é que o povo / viu insulto e desacato.118

No universo das relações estabelecidas no sertão nordestino, a

terra representou o alicerce básico para a organização das estruturas,

políticas, econômicas e culturais, contribuindo para a estratificação

social que manteve de um lado, os donos de grandes propriedades

e de outro, os proprietários de sítios e fazendolas. A presença de

118 SILVA, Gonçalo Ferreira da. Duelo de machos. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 15 out.2012.p.6.

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trabalhadores rurais contratados, agregados e um reduzido número de escravos, representou o [desigual] equilíbrio desta balança, sempre favorável aos grandes proprietários.119

A origem desta situação é explicada por Rui Facó a partir das particularidades que nortearam a colonização do território brasileiro e que foi caracterizada, sobretudo, pela divisão em Capitanias Hereditárias e pela concessão de sesmarias.120 Tais condições engendraram o caráter monopolista no acesso as propriedades, favorecendo os desbravadores que se beneficiaram daquele tipo de colonização e que posteriormente se transformaram segundo FACÓ, em chefes de verdadeiros clãs feudais e parentais.121. Além disso, esta forma de organização social estabeleceu um modelo de crescimento familiar marcado pela anexação de novas terras em continuidade para que se pudesse concentrar a parentela em torno do núcleo senhorial. Não por acaso, muitas vezes, o crescimento de um vilarejo, povoado ou município, representou também a expansão da área de influência de uma família senhorial.122

No início da ocupação do sertão nordestino, era por meio desta organização familiar extensa – com agregados, compadres e familiares – que os grandes proprietários arregimentavam a defesa dos seus interesses ou dos seus dependentes, fator que no universo cultural daquela região, poderia representar a defesa do patrimônio, a demarcação de fronteiras ou a afirmação da honra e do direito de

qualquer um dos membros parentais.123 Esta relação de solidariedade

119 MATTOS, Hamilton Monteiro de. Crise agrária e luta de classes. 1.ed. Brasília: Horizonte, 1981.p.37.120 FACÓ, Rui. Cangaceiros e Fanáticos – gêneses e lutas. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988. p. 16.121 MATTOS, op.cit., p.89.122 OLIVEIRA, Bismarck Martins de. O Cangaceirismo no Nordeste. 2. ed. Paraíba, 2002. p. 28.123 DÓRIA, Carlos Alberto. O Cangaço. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. (Coleção Tudo é História). p.20.

apresentou-se como essencial para a consolidação da ocupação do

sertão nordestino, estabelecendo ainda, a predominância do núcleo

senhorial, representado pelo coronel.124

Ao versar sobre este fenômeno social, o cordelista Honorato

Ribeiro125 realizou uma extensa narrativa, contemplando desde a sua

origem histórica até as prerrogativas que tornaram o coronelismo em

símbolo de liderança social e política, sobretudo no sertão nordestino.

O autor, no entanto, não economizou críticas ao excessivo poder

concedido aos primeiros empreendedores que desbravaram os rincões

do interior do Brasil, afirmando que;

124 Em 1831 foi criada pelo governo imperial a Guarda Nacional, com o objetivo de assegurar a estabilidade política e social do país. Organizada como uma milícia, apresentava nos postos mais elevados pessoas que já possuíam reconhecida dominação política sobre um determinado local e que recebiam os títulos de “coronel”, “major”, “capitão”, etc. Esta apropriação de patentes militares ampliou a distinção simbólica e reforçou a dominação econômica e política dos grandes proprietários sertanejos, corroborando a sua autoridade e garantindo para si, a profunda reverência por parte daqueles que viviam sob a sua dependência e/ou proteção. No imaginário da população mais pobre, o poder real dos grandes proprietários - embasado na posse de terras e gado – foi intensificado pela força simbólica exercida pelas patentes militares. NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003. p.33- 34.125 Honorato Ribeiro, ou melhor, Zé de Patrício (como ele mesmo gosta de ser chamado) nasceu em 1934, no interior baiano, as margens do Rio São Francisco. Desde pequeno, demonstrou múltiplos talentos, ao aprender a tocar cavaquinho, clarinete, banjo e sax. Foi regente de coral, cantor e compositor musical. Trabalhou como pintor, carpinteiro e padeiro. Seu ingresso no mundo do cordel ocorreu em 1977, quando publicou sua primeira obra “O Barulho de João Duque”. Entre suas temáticas, destaque para a apresentação do Rio São Francisco e a sua importância na organização das relações sociais, como ficou evidenciado na obra “O Coronelismo”, que utiliza o rio como pano de fundo na análise do processo de formação e consolidação do fenômeno social do coronelismo Seu acervo ultrapassa centenas de títulos e atualmente, o poeta colabora com o website “Recanto das Letras” e o blog “Lírio Urbano”. KAMERAL, Jota. Biografia de Honorato Ribeiro dos Santos (Zé de Patrício). Disponível em: http://www.recantodasletras.com.br. Acesso em: 19 out.2012.

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[...] Coronel foi bandeiranteAutoritário valente.Pobres índios dessa terra[...] ficaram todos doentes.Transmitiram tais doençasNos pobres índios indefesosMuitos deles suicidaramAo ser escravo dos mesmosOs coronéis judiaram[...] E todos ficaram ilesos.126

O autoritarismo e a violência praticada pelos bandeirantes

tornaram-se prerrogativas que ressaltaram o poder dos coronéis do

sertão nordestino, naturalizando a sua dominação, graças aos preceitos

morais e culturais da região.127 Em consequência, o poder exercido

pelos coronéis, impôs-se de modo intransigente, uma vez que;

Diálogo não existeSua palavra é autoritáriaÉ de rei não volta atrásE acaba em gritaria[...] É duro de coração E diz que tem maioria.128

A incomplacência no modo de agir dos coronéis, conforme indica

CHIAVENATO, tornou-se um símbolo que orientou a obediência

e o respeito, no âmbito das relações entre os grandes proprietários

e o restante da população, conferindo aos primeiros uma liderança

basicamente fundamentada em aspectos econômicos.129 Já a

126 RIBEIRO, Honorato. O Coronelismo. Disponível em: http://www.recantodasletras.com.br/. Acesso em: 13 jan. 2012. [s.i].127 CHIAVENATO, Júlio J. Cangaço: a força do coronel. São Paulo: Brasiliense, 1990. p.39.128 RIBEIRO, Honorato. O Coronelismo. Disponível em: http://www.recantodasletras.com.br. Acesso em: 13 jan. 2012. [s.i].129 CHIAVENATO, op.cit., p.39.

Pesquisadora Maria Christina Machado elaborou uma análise

complementar enfatizando que foi por meio da condição econômica,

que os coronéis ressaltaram seu poder de fato, atuando sob a postura

omissa do governo central.130

Tal situação está relacionada diretamente a formação do Estado

Nacional brasileiro, após 1822, quando a organização da classe

dirigente favoreceu as lideranças que já possuíam influência política

em suas regiões de origem.131 Este processo, contudo, gerou conflitos

dentro do coronelismo, levando a mobilização constante de verdadeiros

exércitos particulares compostos por familiares, cabras, jagunços ou

até mesmo pistoleiros, acirrando assim, a situação de permanente

instabilidade social e política do sertão nordestino.132

130 MACHADO, Maria Christina Russi da Matta. Aspectos do fenômeno do cangaço no Nordeste Brasileiro. 1. ed. São Paulo, 1974. (Revista de História). p. 44.131 CHIAVENATO, op.cit., p.23.132 De acordo com a terminologia de Frederico Pernambucano de Mello, existem distinções na forma de atuação dos cabras, jagunços e pistoleiros. Os primeiros possuíam forte vínculo com os seus chefes e em períodos de disputas políticas ou quaisquer outras desavenças, pegavam em armas e atuavam em ações ofensivas ou defensivas. Nesse sentido, outra distinção também é apontada pelo autor, pois quando o cabra exercia a função de guarda-costas, era também chamado de capanga. De qualquer maneira, o cabra era aquele sertanejo que se mantinha sempre alerta e em períodos de paz, exercia outras atividades como a agricultura ou a pecuária. O jagunço por sua vez, era aquela pessoa contratada pelo próprio fazendeiro ou por algum chefe político, atuando apenas em situações de conflito declarado. Findada a contenda, recebia o seu acerto e oferecia seus serviços para outro contratador. Já o pistoleiro, diferentemente dos tipos anteriores, era geralmente contratado por um intermediário e muitas vezes não possuia contato direto com o seu contratador, apresentando inclusive, menor incidência no sertão nordestino durante os séculos XVIII e primeiro decênio do XX. Após este período, MELLO afirma que o pistoleiro foi entre os três tipos analisados, aquele que melhor se adaptou as mudanças na estrutura política e econômica do país, sendo o mais utilizado nas disputas ocorridas no Nordeste a partir de então. MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004. p. 68-73-75.

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FIGURA 4 - TÍPICO JAGUNÇO DO INÍCIO DO SÉCULO XX. PERNAMBUCO, 1901.

FONTE: MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004. [s.i].

A aproximação entre Estado e coronéis, evidenciou sobremaneira, a noção distorcida que estes possuíam em relação à concepção de público e privado, pois agiam ao mesmo tempo como chefes políticos, mediadores de conflitos e patriarcas, impondo a obediência aos costumes morais e religiosos e portando-se como dignos e valentes sertanejos. Esta apropriação de papéis destaca, sobretudo, o autoritarismo característico dos coronéis que possuíam claramente,

[Um] poder bem absolutoNa média e no poderUm poder cruel e bruto.Pois é sempre [...] um déspota e um vingadorE o povo se veste de luto.133

133 RIBEIRO, Honorato. O Coronelismo. Disponível em: http://www.

Os versos acima revelam a existência de um forte senso de

onipotência na atuação dos coronéis do sertão nordestino, pois estes

se consideravam legítimos e implacáveis “vingadores” ou “déspotas”

de acordo com suas pretensões. Para Hamilton Monteiro de Mattos

estas características demonstram também que eles não admitiam em

suas áreas de dominação, quaisquer fatos que escapassem ao seu

conhecimento, inclusive os oriundos da esfera governamental. Por

este motivo, não se destituíam do direito de interferir na conduta ou

nas decisões de autoridades públicas, caso fossem incompatíveis com

os seus interesses, como se pode perceber nos versos a seguir, que

expressam de modo inequívoco a onipotência dos coronéis do sertão

nordestino, asseverando que ninguém escapava a sua influência e,

portanto:

No Médio São FranciscoTem coronel ditadorDá ordem para todo mundoSeja autoridade quem forQuem não quiser atenderVai ter que se arrependerE sua vida complicou.134

A excessiva influência dos coronéis indica a existência de uma

relação desigual entre o Estado e os chefes locais e regionais, no

decorrer do Império e da Primeira República, pois conforme esclareceu

MATTOS:

Por mais que quisesse parecer acima do poder privado, o Estado acabava por ceder ante o formidável poder dos grandes proprietários. O Estado só conseguia fazer-se atuante, assim mesmo relativamente quando em determinada região o poder privado encontrava-se dividido

recantodasletras.com.br. Acesso em: 13 jan. 2012. [s.i].134 RIBEIRO, Honorato. O Coronelismo. Disponível em: http://www.recantodasletras.com.br. Acesso em: 13 jan. 2012. [s.i].

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pelas rivalidades entre facções poderosas, mas tendo que aderir a um dos lados acabava por entregar os principais cargos a representantes indicados por aquela facção.135

Dessa forma, pode-se perceber que as rivalidades que mobilizavam

as lideranças regionais eram observadas de longe pelo Estado, que

se omitia em relação aos conflitos deflagrados entre as oligarquias,

conflitos que inclusive poderiam estender-se por anos ou décadas. No

sertão nordestino, como já citado, a violência e a honra tornaram-

se símbolos que legitimaram a atuação dos grandes proprietários,

contribuindo para a criação de uma representação sobre a sua

liderança honrada e digna, justificando assim, as mortes de seus

desafetos como uma resposta a uma ofensa moral sofrida. Ressalva-

se neste momento que, o uso da violência somente era considerado

legítimo se fosse praticado ou ordenado pelos líderes das parentelas,

não se admitindo assassinatos ou desforras, sem o seu consentimento.

Segundo DÓRIA, este uso “moderado” da violência, demonstra que

até mesmo a utilização de práticas truculentas, deveria obedecer aos

ditames das autoridades de fato, cabendo inclusive a estas, o direito de

punir aqueles que desobedecessem as suas ordens.136

Os coronéis mandavam, porque os recursos que possuíam

possibilitavam a arregimentação de verdadeiras milícias, representando

desta forma, lideranças que exerciam a autoridade e aplicavam a

justiça, de modo igualmente deturpado. Desta forma, a prerrogativa

econômica reforçava o poder político e a autoridade dos coronéis,

afinal nos sertões do Nordeste:

135 MATTOS, Hamilton Monteiro de. Crise agrária e luta de classes. 1.ed. Brasília: Horizonte, 1981.p.102.136 DÓRIA, Carlos Alberto. O Cangaço. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. (Coleção Tudo é História). p.25.

[O] Coronel é endeusadoPor causa do seu dinheiroFaz fila à sua portaComo se fossem obreirosSão todos já controlados.137

Logo, devido a prerrogativa econômica os coronéis manifestaram

o seu poder político e social, presentificando em nome do Estado, um

aparelho burocrático clientelista que concedeu aos grandes proprietários,

a liberdade para dispor dos recursos e benefícios governamentais.

Esta relação tendenciosa e corrupta segundo MATTOS, era marcada

pela falsa percepção de que o Estado governava acima dos interesses

dos grandes proprietários, os quais apenas aparentemente foram

obrigados:

[...] a adotar uma postura dentro de certas normas para não desmoralizar o próprio Estado que criaram e fazê-lo aparecer como entidade universal, isto é, como entidade acima dos diferentes grupos sociais. Por outro lado, o Estado foi obrigado a contemporizar com ações nada legais, a ceder ante as exigências do oligarca e a existir cheio de vícios e erros cuja origem não estava nele, mas no próprio fundamento de sua existência, isto é, nos grandes proprietários.138

Com o advento da República e principalmente, a partir do

mandato presidencial de Campos Salles, esta contradição tornou-

se mais evidente, reforçando a dependência do governo central em

relação ao apoio político e econômico das elites agrárias. Tal situação

foi gerada porque nesse período, o país enfrentou uma grave crise

econômica e de acordo com a política de atuação de Campos Salles,

seria necessário intensificar a exportação de gêneros agrícolas com o

137 RIBEIRO, Honorato. O Coronelismo. Disponível em: http://www.recantodasletras.com.br. Acesso em: 13 jan. 2012. [s.i].138 MATTOS, op.cit., p.93.

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objetivo de garantir o aumento das receitas. Por esta razão, formulou-se

um esquema de relacionamento com os governos estaduais, que lhes

conferiu autonomia nas decisões políticas regionais, em contrapartida

ao apoio às medidas econômicas propostas pelo governo federal.

Este acordo conhecido como “Política dos Governadores” concedeu às

elites regionais mais poderosas, a tarefa de administrar seus Estados,

atuando livremente na resolução dos problemas diversos, incluindo

conflitos com oligarquias oposicionistas.139

A base de sustentação desta relação corrompida era a atuação dos coronéis, que exerciam grande influência na escolha de dirigentes políticos, agindo como prepostos das oligarquias regionais e estaduais. Com a introdução do voto direto, após 1889, o prestígio do coronelismo foi legitimado também pela sua capacidade de reunir eleitores constantemente arrebanhados entre parentes, agregados e camponeses graças a coercitiva prática do voto de cabresto.140 Além disso, era comum os casos em que os coronéis ordenavam a sabotagem na circulação de eleitores de candidatos rivais, a destruição de documentos eleitorais e não raramente, a interrupção “a bala” de processos de contagem de votos. E corroborando a proliferação destas práticas imorais pelo sertão nordestino, sentenciou Honorato Ribeiro ao afirmar que;

O coronelismo é praxeAqui em nosso sertãoFerra gente como gadoEm tempo de eleição.141

139 MACHADO, Maria Christina Russi da Matta. Aspectos do fenômeno do cangaço no Nordeste Brasileiro. 1. ed. São Paulo, 1974. (Revista de História). p. 12.140 A pressão dos coronéis se estendia também a escolha dos candidatos, os quais eram selecionados, tanto para postos eletivos municipais, quanto estaduais, não excluindo ainda, o Poder Legislativo federal. Comumente os candidatos eram os próprios coronéis, principalmente para o Poder Legislativo estadual. id.ibid.,p.37-38.141 RIBEIRO, Honorato. O Coronelismo. Disponível em: http://www.recantodasletras.com.br. Acesso em: 13 jan. 2012. [s.i].

O comportamento inadequado dos coronéis frente à estrutura

política regional obtinha o apoio dos próprios governadores nordestinos,

que garantiam os votos necessários para manter a oligarquia

dominante no cenário político estadual. Não raramente, o processo

de consolidação desta oligarquia acontecia mediante a subjugação

de coronéis considerados “mais fracos”, os quais eram obrigados

a seguir dois caminhos: a aceitação da derrota ou a formação de

novas alianças com outros coronéis, também “enfraquecidos”. Esta

situação conflitante mantinha as milícias particulares em prontidão e

em uma terra culturalmente afeita a soluções violentas e marcada pela

extrema pobreza, não faltaram candidatos para integrar estes exércitos

privados.142

O contexto de iminentes desavenças reforçava a dominação simbólica dos coronéis no Nordeste, pois impunha a capacidade de se fazer respeitar, tanto pela coerção quanto pela virilidade. Por esta razão, a dominação efetiva embasada na riqueza e nas posses, era reforçada pelo apelo simbólico que sua figura possuía diante da sociedade em que vivia. O status da sua patente militar incorporava-se aos valores tradicionais defendidos e aceitos pelos sertanejos nordestinos. Desta forma, o caráter simbólico direcionava a obediência aos ditames e interesses dos coronéis, demonstrando sob o âmbito do imaginário social que:

[...] exercer um poder simbólico não consiste meramente em acrescentar o ilusório a uma potência “real”, mas sim em duplicar e reforçar a dominação efetiva pela apropriação de símbolos e garantir a obediência pela conjugação das relações de sentido e poderio.143

142 Segundo Bismarck Martins de Oliveira, no auge das disputas políticas deflagradas em 1915 no Ceará, as quais levaram a deposição do então governador Franco Rabelo, o salário pago a um jagunço era de aproximadamente quatro mil réis enquanto que a um vaqueiro, pagava-se o equivalente a três mil réis. OLIVEIRA, Bismarck Martins de. O Cangaceirismo no Nordeste. 2. ed. Paraíba, 2002. p. 46.143 BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: Enciclopédia Einaudi, v. 5 (Antrópos–Homem). Lisboa: Imprensa Nacional. Casa da Moeda, 1985, p. 299.

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Um dos símbolos desta dominação era a violência utilizada

pelos coronéis como um triunfo que garantia a sua autoridade. No

entanto, eles próprios reconheciam que a prática indiscriminada

da violência deteriorava o seu prestígio e por isso, buscavam adotar

um comportamento paternal e honrado perante os seus familiares e

subalternos, protegendo-os de quaisquer inimigos, incluindo o Estado.

Em razão disso, comumente mandavam soltar criminosos e valentões

das cadeias, integrando-os em suas milícias e mantendo-os em suas

propriedades, consideradas por eles como sagradas e invioláveis.144

As estórias de valentia, misticismo e moralidade que norteavam

a fama dos coronéis e ecoavam no imaginário dos sertanejos do

Nordeste, revelam, no entanto, uma percepção diferente do tipo de

poder exercido por valentões e cangaceiros, pois raramente os coronéis

batiam ou assassinavam. Eles impunham suas ordens, mandando

matar ou surrar, apoiados em suas posses, que também lhes permitiam

realizar alianças políticas e manipular resultados jurídicos e eleitorais,

de acordo com os seus interesses.

Os coronéis mandavam porque exerciam o poder “de fato”,

influenciando decisões eleitorais e jurídicas e interligando os confins do

sertão a capital estadual. Para os sertanejos mais humildes, esses homens

representavam o verdadeiro poder instituído e por isso, obedeciam as

suas ordens pois reconheciam na sua liderança, as representações mais

valorizadas no conjunto de normas e valores existentes na região, como

o machismo, a valentia, o misticismo, a honra, entre ouros.

144 Até 1888 vigorou no Brasil o “direito de couto”, uma prerrogativa conferida aos proprietários rurais mais ricos que lhes permitia conceder asilo inviolável a quem quer que fosse. Além de reforçar as fronteiras culturais dos grandes proprietários, a palavra “Couto” também serviu de raiz para os termos “couteiro” ou “coiteiro” denominação concedida àquela pessoa que fornecia abrigo e proteção aos cangaceiros. NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.34.

Havia, no entanto, um acontecimento capaz de romper ainda que

momentaneamente, os laços de fidelidade que atrelavam os destinos

dos mais humildes aos intentos dos grandes proprietários. Tratava-

se da incidência dos ciclos da seca, que já eram relatados desde os

primórdios da ocupação da região litorânea no Nordeste, como pode-

se perceber no trecho da obra “Tratados da terra e gente do Brasil”.

Nesta, foram apontados os efeitos da estiagem que abateu a Capitania

de Pernambuco, gerando efeitos que se prolongaram nos três anos

seguintes, pois em 1580:

Houve tão grande seca e esterilidade nesta província – cousa a que é desacostumada, porque é terra de contínuas chuvas – que os engenhos d´água não moeram muito tempo. As fazendas de canaviais e mandioca muitas se secaram, por onde houve grande fome, principalmente no sertão de Pernambuco, pelo que desceram do sertão apertados pela fome, socorrendo-se aos brancos, quatro ou cinco mil índios.145

No relato acima, o Padre Fernão Cardim destacou o impacto

negativo da seca para a produção de alimentos na fértil região da Zona

da Mata, não deixando de expor a tragédia que abateu os nativos da

região do sertão nordestino. E seria esta, a principal área atingida pela

força devastadora da estiagem, considerada por BISMARCK como um

“[...] flagelo terrível que marca o homem e fere fundo na sua alma”.146

No imaginário do sertanejo nordestino, cada ciclo de estiagem

representava um novo castigo desferido pela ira divina contra os

pecados da humanidade e dentre todas as secas que atingiram o sertão

nordestino, nenhuma causou mais destruição e desespero do que a

terrível estiagem que atingiu a região, entre os anos de 1877 e 1879 e

145 CARDIM. ap. MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004. p. 55.146 OLIVEIRA, Bismarck Martins de. O Cangaceirismo no Nordeste. 2. ed. Paraíba, 2002. p. 14.

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que ficou conhecida como seca dos “dois sete”. Não por acaso neste

período de calamidade, as atividades criminosas recrudesceram e

o cangaceirismo assumiu características de banditismo organizado,

tornando-se “epidêmico” em todo o sertão do Nordeste.147

A extensão da tragédia provocada pelas constantes estiagens

na estabilidade social do sertão foi contada em diversos livretos

de cordel, demonstrando mais uma vez, a importância desta

manifestação cultural para o reconhecimento do imaginário social do

sertanejo nordestino. E foi justamente a grave seca dos “dois sete”,

o mote para os versos dos poetas populares Nicandro Nunes do

Nascimento e Bernardo Nogueira148, que narraram a triste e fictícia

epopéia de um habitante anônimo do sertão paraibano durante a

incidência daquela estiagem. Sob a condição de narrador do seu

próprio calvário e atuando como uma testemunha proeminente dos

fatos que se seguiram a longa estiagem, o sertanejo anônimo deu

início a história, versando que;

É – me preciso mudarDa terra que amo e moro,Terra que muito adoro,A minha pátria natal.Magino [sic] na beira mar,

147 MELLO, op.cit., p. 97. Além de Mello, os demais autores consultados também apontam a importância dos efeitos da seca dos “dois sete” para a eclosão de surtos de banditismo organizado no sertão nordestino, entre os anos de 1877 e 1940. 148 Não foram encontrados registros biográficos a respeito da vida destes dois poetas populares. As poucas informações disponíveis indicam que ambos nasceram durante a primeira metade do século XIX e vivenciaram de perto, a tragédia provocada pela estiagem prolongada de 1877/1879, relatando de modo angustiante e sem adornos estilísticos, todo o sofrimento passado pelas pessoas afetadas pelo desastre climático daqueles anos. MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004. p.70.

Me entristece o coraçãoLagadiço, lameirão,Pois a fome não é pêca [sic]Nesta tão terrível sêcca [sic],Foge, povo do sertão!149

A terra foi retratada por Nascimento e Nogueira de modo genérico,

representando tanto a propriedade quanto à região em que morava

o retirante, denotando a importância do sentido de pertencimento

para a mentalidade sertaneja. Por esta razão, a terra atuou como

núcleo agregador das relações sociais, servindo de parâmetro para

as experiências e manifestações tanto coletivas quanto individuais.

Simbolicamente, a terra direcionou as ações, as aspirações e as

motivações dos sertanejos, forjando a sua identidade em estreito vínculo

com a região em que viviam e por isso, o narrador mostrou-se desolado

com a necessidade de se deslocar para beira mar e romper assim, com

os laços que o vinculavam à sua pátria natal.

A seca dos dois “sete” atingiu principalmente os sertões do

Ceará, Pernambuco e Paraíba, provocando um grande deslocamento

populacional, estimado, segundo SMITH, em quatrocentos mil

retirantes150 que se dirigiram sobretudo para os seringais da Região

Norte do país. Este movimento populacional se fez mais intenso no

sertão cearense, considerada a região mais afetada pela estiagem

prolongada.151

149 NASCIMENTO, Nicandro Nunes do & NOGUEIRA, Bernardo. SEM TÍTULO. Disponível em: OLIVEIRA, Bismarck Martins de. O Cangaceirismo no Nordeste. 2. ed. Paraíba, 2002. p. 22.150 SMITH. ap. NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.179.151 As estimativas sobre o deslocamento da população cearense em direção a Região Norte do país, variam entre 55 mil habitantes, segundo FACÓ, 60 mil, segundo DÓRIA e 120 mil, de acordo com CHIAVENATTO e MATTOS.

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FIGURA 5 - OS ROSTOS TRISTES EVIDENCIAM A EXTENSÃO DA TRAGÉDIA PROVOCADA PELAS SECAS NO SERTÃO NORDESTINO.

FONTE: NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.152.

A migração para regiões distantes das áreas afetadas pela

estiagem representou uma opção dolorosa, porém capaz de garantir

a sobrevivência dos sertanejos, sobretudo porque as áreas atingidas

pela seca não apresentavam condições que favorecessem a superação

do flagelo. E foi justamente um cenário de desolação que o narrador

angustiado revelou, ao afirmar que na sua terra:

Não se vê, não se acha pão,Não há mais no duro chãoRaiz de pau ou semente,Morre, se acaba a gente!Foge, povo do sertão!152

152 NASCIMENTO, Nicandro Nunes do & NOGUEIRA, Bernardo. SEM TÍTULO.

A extrema depauperação mostrada nos versos acima, apresentava

um quadro de angústia generalizada que se abatia sobre a população

sertaneja durante as secas, contribuindo para a organização de

verdadeiros cortejos que se dirigiam para as vilas e cidades em busca

de proteção ou conforto espiritual, como o notório exemplo de Juazeiro,

no Ceará, que anos mais tarde, foi transformado em centro político

e religioso do Padre Cícero. De acordo com DÓRIA, o considerável

aumento populacional em algumas cidades e povoados, provocava

prejuízos à estrutura econômica local, pois tornava mais difícil o

fornecimento de alimentos ao grande número de retirantes que ali se

instalavam, além de comprometer a reserva de sementes, consumidas

pela população faminta.153 O resultado desta demanda gerou a fome generalizada,

sentenciando as pessoas mais pobres a uma morte lenta e agonizante e

acrescentando outro problema a este quadro desolador: as epidemias de

tifo e cólera. Novamente, o retirante anônimo atuou como testemunha

ocular da tragédia, narrando que:

Os que para o brejo vãoMorrem de epidemia;Sofrem fome todo diaOs que ficam no sertão,Neste pego [sic] de aflição.Vae [sic] o sertão ficar vago!A memória tudo em tragoRepassado de tristeza.Ó Deus, que és pae [sic] da pobreza,Daí-nos pão, daí-nos afago!.154

Disponível em: OLIVEIRA, Bismarck Martins de. O Cangaceirismo no Nordeste. 2. ed. Paraíba, 2002. p. 22.153 DÓRIA, Carlos Alberto. O Cangaço. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. (Coleção Tudo é História). p.31.154 NASCIMENTO, Nicandro Nunes do & NOGUEIRA, Bernardo. SEM TÍTULO.

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Ao final desta décima, o narrador realizou uma súplica em

amparo aos atingidos pela seca, revelando a dualidade que cercava

a natureza divina no imaginário dos sertanejos nordestinos, pois ao

mesmo tempo em que Deus era conclamado a interceder pelos mais

pobres, também era o agente de terríveis punições contra a população

pecadora, fazendo-a padecer os efeitos da estiagem. Por esta razão,

nos versos seguintes ele demonstrou o conformismo de uma população

influenciada pelo catolicismo fatalista e punitivo, e angustiado, continuou

a sua súplica, reconhecendo que:

[...] grande é o pecadoDeste povo que é teu,Morto à fome, como eu,Magro nu e acabado!155

A resignação demonstrada pelo anônimo retirante refletia uma

característica muito presente na religiosidade do sertanejo nordestino: o

conformismo diante da punição divina. É o que afirmou a pesquisadora

Patrícia Pessar ao expor que “[...] os brasileiros do meio rural frequentemente

atribuem as doenças, perdas na lavoura e outros infortúnios à punição

divina”.156 A própria estiagem fez parte desta série de desventuras enviada aos pecadores, que por sua vez a aceitavam resignadamente, tal qual versou o triste narrador, referindo-se aos efeitos da seca principalmente para a manutenção dos laços de solidariedade, pois:

A quem se pede nega,Não há ceifa, não há rega

Disponível em: OLIVEIRA, Bismarck Martins de. O Cangaceirismo no Nordeste. 2. ed. Paraíba, 2002. p. 22.155 NASCIMENTO, Nicandro Nunes do & NOGUEIRA, Bernardo. SEM TÍTULO. Disponível em: OLIVEIRA, Bismarck Martins de. O Cangaceirismo no Nordeste. 2. ed. Paraíba, 2002. p. 22.156 PESSAR. ap. NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.24.

[..] Uma galinha não há.Como o povo viveráNesta terra? E os animaes [sic]?Mas, se Deus sabe o que faz,Deus o remédio dará!157

Se os sertanejos mantinham esta grande resignação diante dos

castigos enviados por Deus, o mesmo não se pode afirmar em relação

a manutenção dos laços de solidariedade. Isto porque os períodos

de seca prolongada desorganizavam completamente as estruturas

econômicas e sociais dos povoados e cidades da região, transformando

a sobrevivência em uma necessidade mais importante do que qualquer

outro imperativo social e moral. Não por acaso, entre os anos de 1878

e 1879, multiplicaram-se os saques cometidos por grupos de retirantes

a armazéns e fazendas dos sertões de Pernambuco e do Ceará.158

Situação semelhante ocorreu como efeito de outra estiagem prolongada

durante o ano de 1915 no sertão cearense, quando:

“Grandes levas de famintos, invadindo várias cidades sertanejas, assaltavam casas de commércio [sic] ou investiam, inospitamente, contra os feirantes, estabelecendo uma atmosphera [sic] de pânico em todo o Nordeste”.159

No entanto, entre tantas estiagens nenhuma se comparou a seca dos

“dois sete” que provocou não apenas saques e assaltos, mas também

157 NASCIMENTO, Nicandro Nunes do & NOGUEIRA, Bernardo. SEM TÍTULO. Disponível em: OLIVEIRA, Bismarck Martins de. O Cangaceirismo no Nordeste. 2. ed. Paraíba, 2002. p. 23.158 Os jornais, defendendo interesses dos grandes proprietários, exigiam medidas enérgicas contra os saques cometidos pelos grupos de refugiados. O jornal “O Cearense” inclusive, destacou que em tempos de seca e desordem, era “[...] perigoso ser rico”. DÓRIA, Carlos Alberto. O Cangaço. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. (Coleção Tudo é História). p.32.159 MACHADO, Maria Christina Russi da Matta. Aspectos do fenômeno do cangaço no Nordeste Brasileiro. 1. ed. São Paulo, 1974. (Revista de História). p. 26.

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casos envolvendo pais que leiloaram a virgindade das suas filhas, em

troca de um prato de comida160. Contudo, o caso mais chocante e

inesperado foi divulgado pelo jornal paraibano “O Publicador”, na

edição de 24 de abril de 1878 ao relatar um macabro crime cometido

por duas mulheres161. A inusitada história policial pode ser resumida nos

versos de Nicanor e Nogueira, por meio do seu fictício narrador, o qual

revelou em tom de denúncia que:

A fome foi tão caninaQue, se mais saber tu queres.No Pombal duas mulheresComeram uma menina.162

Ainda que o ciclo das estiagens afetasse principalmente as pessoas

mais pobres do sertão nordestino e gerasse casos extremos como

os acima relatados, seus efeitos também se estendiam aos grandes

fazendeiros, que sofriam maiores ou menores prejuízos com a perda de

parte dos seus rebanhos e culturas agrícolas.163 Para estes, no entanto, a

possibilidade de sobrevivência era muito maior, pois sempre poderiam

contar com o auxílio econômico de aliados políticos da zona urbana,

garantindo inclusive, a manutenção do clientelismo que organizava as

relações políticas entre o interior e o litoral dos estados nordestinos.

O governo central por sua vez atuou pouco no combate aos

efeitos das estiagens que atingiram o Nordeste ao longo do Império

e da Primeira República. Durante a seca dos “dois sete”, por exemplo,

160 DÓRIA, Carlos Alberto. O Cangaço. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. (Coleção Tudo é História). p.31.161 O PUBLICADOR, ap. OLIVEIRA, Bismarck Martins de. O Cangaceirismo no Nordeste. 2. ed. Paraíba, 2002. p. 22.162 NASCIMENTO, Nicandro Nunes do & NOGUEIRA, Bernardo. SEM TÍTULO. Disponível em: OLIVEIRA, Bismarck Martins de. O Cangaceirismo no Nordeste. 2. ed. Paraíba, 2002. p. 22.163 MACHADO, op.cit., p. 22.

os esforços governamentais se limitaram a criação de “Comissões

de Socorro” organizadas pelos governos provinciais – entregues a

própria sorte - e formados por funcionários públicos e comerciantes

locais. O seu objetivo era distribuir alimentos às regiões sertanejas mais

afetadas pela seca, porém, as Comissões tornaram-se um instrumento

de enriquecimento ilícito para alguns dos seus organizadores que

distribuíam apenas uma parcela dos alimentos, enquanto o restante

era comercializado no mercado paralelo. Além disso, muitos comboios

eram assaltados por grupos de cangaceiros ou saqueados por grupos

de retirantes.164

A seca atingia a todos os sertanejos mesmo que em diferentes

graus de sofrimento e carestia. Seria, no entanto, contraproducente

responsabilizar apenas as estiagens pela profunda miséria que se

abateu progressivamente na região, sobretudo, entre os anos de 1877

e 1930 respectivamente, períodos de impulso e auge do cangaceirismo

independente. Os efeitos da carestia de chuvas, apenas intensificaram a dificuldade natural para garantir abundância e riqueza em um solo árido, escassamente interrompido por áreas férteis localizadas em regiões serranas. Via de regra, a exploração econômica da região Nordeste era norteada pela presença de latifúndios açucareiros e algodoeiros nas regiões próximas ao litoral e por fazendas de pecuária extensiva no sertão. Havia, porém, uma relação de dependência que interligava a economia sertaneja a litorânea.

O pesquisador Hamilton de Mattos Monteiro ao realizar uma profunda análise sobre o processo de decadência econômica da região Nordeste, ao longo de todo o século XIX, afirmou que a característica básica desta economia - predominantemente voltada para a exportação - era a baixa técnica utilizada compensada apenas pela abundância

164 DÓRIA, op.cit., p.31.

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e fertilidade das terras existentes na região.165 Além disso, a exportação do açúcar e do algodão - principais produtos da região, durante o século XIX - sofreu com a oscilação de preços no mercado internacional166. Em paralelo, assistiu-se a ascensão do café como o grande símbolo da economia brasileira e sobretudo, como o reorganizador do cenário político nacional, responsável por deslocar o centro das decisões políticas nacionais para a região Sudeste.

A região Nordeste transformou-se assim, em um problema para o governo central, concorrendo para isto os ciclos de estiagem, a venda de mão de obra escrava para a região Sudeste167, a corrente migratória para os seringais do Norte e o esgotamento do solo nas regiões da Zona da Mata e do Agreste. Este quadro de progressiva decadência tornou as forças políticas do Nordeste dependentes da elite política nacional – a política das elites cafeeiras.168

As primeiras décadas do século XX representaram o aprofundamento dessa decadência, apresentando reflexos diretamente no sertão nordestino, pois a região foi afetada por cinco ciclos de estiagem, entre as décadas de 1900 e 1930 além de servir

165 MATTOS, Hamilton Monteiro de. Crise agrária e luta de classes. 1.ed. Brasília: Horizonte, 1981.p.39.166 O algodão, por exemplo, foi um produto que passou por uma fase de grande valorização durante a Guerra Civil dos Estados Unidos (1861 – 1865). No entanto, o esgotamento do solo, a sucessão das estiagens ao longo das décadas de 1860 e 1880 e o fim daquele conflito, levaram ao declínio da venda do algodão nordestino no mercado externo. id. ibid., p.43.167 Desde a interrupção do tráfico negreiro, em 1850, grande parte da mão de obra utilizada nos cafezais passou a ser comprada dos latifúndios nordestinos. Por esta razão, como afirma Queiróz, quando a questão da Abolição tornou-se palavra de ordem nos círculos políticos, haviam poucos escravos na região Nordeste se comparada a região Sul. NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.40168 DÓRIA, Carlos Alberto. O Cangaço. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. (Coleção Tudo é História). p.31

como cenário para disputas políticas armadas entre oligarquias

rivais, que desejavam reorientar o cenário político estadual.169

Logo, não foi aleatório ser este período, representante do auge

da atuação dos grupos cangaceiros, sobretudo, de Lampião e seu

bando, como será discutido ao longo deste estudo monográfico.

O que importa neste momento destacar, é que as questões

estruturais analisadas no decorrer deste subcapítulo favoreceram

a difusão do cangaceirismo como uma forma de banditismo

organizado, que atuou principalmente no sertão nordestino, entre

os anos de 1877 e 1940.170 No entanto, tão importante quanto

os fatores estruturais foram os valores culturais que organizaram

o imaginário dos sertanejos nordestinos e que influenciaram a

atuação dos cangaceiros. A honra, a valentia, a macheza e o

aventureirismo, eram considerados símbolos de destaque social

e se manifestaram de modo mais evidente nos cangaceiros.

Além disso, como afirmou MELLO, houve durante o período

de manifestação do cangaço organizado (ou independente)

uma convivência relativamente tolerante entre sertanejos e

cangaceiros.171 Isto porque estes representavam a manifestação

de atributos valorizados pelo universo cultural da sociedade

local e também a possibilidade de vislumbramento de ascensão

econômica e destaque social.

169 MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004.p.55.170 De acordo com Dória, o cangaceirismo atuou essencialmente na região do Polígono das Secas, uma área constantemente atingida por estiagens e que apresentava um coronelismo decadente e enfraquecido. Já as regiões próximas ao litoral, não favoreceram as ações dos grupos cangaceiros, pois ali havia a presença de coronéis ricos capazes de manter em prontidão verdadeiras milícias, compostas por cabras e jagunços. DÓRIA, op.cit., p.46.171 MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004.p.117.

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2.2 A LEI NA PONTA DO RIFLE: O CANGAÇO E A CULTURA DA VIOLÊNCIA

No bacamarte eu achei / Leis que decidem a questão / Que fazem melhor processo / Do que qualquer escrivão / As balas eram soldados / Com que eu fazia a prisão.172

A criminalidade possui em sua essência, a capacidade de afetar o lugar em que se estabelece, reorientando o comportamento individual e coletivo e estabelecendo assim, um novo padrão de conduta para a comunidade, sobretudo nas regiões em que a atuação do poder central é precária.

A criminalidade no sertão nordestino, durante os séculos XIX e XX, está intimamente relacionada ao tipo de ocupação realizada em seu território, que ocorreu de modo lento e sem a efetiva intervenção do poder central, contribuindo por outro lado, para a organização de um poder privado convergido nas mãos dos mais bem-sucedidos desbravadores. Posteriormente, surgiram conflitos pela posse das melhores terras e que favoreceram a exteriorização da violência, tanto para a defesa do direito de posse, quanto para o desagravo a uma ofensa recebida.

Desta forma, a noção de crimes praticados no sertão nordestino, seguiu preceitos jurídicos consuetudinários que conceberam grande valor a defesa da honra e da propriedade. Neste sentido, matar por vingança tornou-se aceitável, ainda que sob os rígidos limites dos grupos sociais. 173 Por outro lado, o furto representou o tipo de crime mais desprezado e odiado pelos homens do Nordeste, pois como afirmou Graciliano Ramos:

[...] sendo a riqueza do sertanejo “principalmente constituída por animais, o maior crime que lá se conhece é o furto de gado. A vida humana, “exposta

172 Sextilha que trata da inserção de Antonio Silvino no cangaço. BATISTA, Francisco das Chagas. Antonio Silvino – vida crimes e julgamento. Disponível em: http:// http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 20 set. 2012. p.4173 DÓRIA, op. cit., p. 31.

à seca, à fome, à cobra e à tropa volante”, tinha valor reduzido – e por isso “o júri absolve regularmente o assassino”. O ladrão de cavalos é que não acha perdão. Em regra, não o submetem a julgamento: matam-no”.174

Este contexto de valorização da vingança e da manifestação da violência apresentou um terreno fértil para o surgimento do cangaceirismo175 que, por sua vez tornou-se um modelo criminal típico do sertão nordestino, transformando-se em símbolo de identificação regional, a partir da formação de um imaginário marcado pela seca, pelo atraso social e pela própria cultura da violência.176

A grande contribuição para a produção deste imaginário veio principalmente da literatura de cordel, um importante veículo de expressão da cultura popular que transformou o cangaço em uma inesgotável fonte de aventuras e tropelias, tendo como cenário o vasto sertão nordestino. A razão deste fascínio pode ser resumida nas palavras de Câmara Cascudo, ao afirmar que “[...] no cordel, o cangaceiro é o herói por excelência, misto de bandido, criminoso e lutador pela justiça no sertão nordestino”.177

174 MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004.p.63.175 A origem desta palavra está relacionada a união da palavra “canga” – que significa a reunião de uma grande quantidade de pequenos objetos e utensílios – ao sufixo de grandeza “aço”. Etimologicamente, a palavra cangaço foi incorporada a cultura do sertão nordestino, referindo-se a grande quantidade de instrumentos e objetos carregados pelos bandoleiros. CARNEIRO, Gabriel de Campos. No rastro dos cangaceiros – em busca de novas trilhas para a apreensão de um movimento social. 110 f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Humanas, Universidade de Brasilia, Brasília, 2010. CARNEIRO, Gabriel de Campos. No rastro dos cangaceiros – em busca de novas trilhas para a apreensão de um movimento social. 110 f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Humanas, Universidade de Brasilia, Brasília, 2010. Disponível em: http://repositorio.bce.unb.br. Acesso em: 12 set. 2012. p.09.176 SANTOS, Caroline Lima. A disputa do imaginário: as representações do cangaço no cinema nacional (1950). In: ENCONTRO ESTADUAL DE ESTUDO DA IMAGEM, II, 2009. Londrina. UEL, 2009. p. 1114 – 1123. p. 1118.177 CASCUDO. ap. NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.24.

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A ambiguidade que norteou a relação entre a produção dos versos de cordel e a manifestação do cangaceirismo como modalidade criminal no sertão nordestino, remonta a própria tradição cultural da região, que propiciou a formação desse banditismo em um contexto marcado pela valorização da violência para a efetivação de crimes de honra e vingança. E foi justamente embasado nesta

tradição, que o cordelista Manoel D´Almeida Filho178 realizou uma

extensa narrativa da vida de crimes do afamado e contraditório

Lampião179 destacando logo no início dos seus versos que:

178 Manoel D´Almeida Filho nasceu no município de Alagoa Grande, Paraíba, no ano de 1914. Desde muito jovem, demonstrou talento para a literatura popular, no entanto, o seu primeiro folheto foi publicado apenas em 1936, quando já trabalhava como operário, na capital paraibana. Na década de 1940, mudou-se para Aracaju, em Sergipe, tornando-se na década seguinte, um dos mais respeitados autores do gênero. O cordelista escreveu mais de duzentos títulos, abordando temáticas que retrataram aventuras, romances, folclore, contos de encantamento e também, biografias de cangaceiro. Dentro desta última temática, destaca-se folheto “Cabras de Lampião”, uma extensa narrativa que abordou a curta, porém intensa vida de Virgulino Ferreira da Silva, da sua infância e parte da juventude trabalhando como vaqueiro e almocreve até o seu ingresso no cangaço e ascensão ao posto do mais temível e fascinante cangaceiro do Nordeste. Manoel D´Almeida Filho faleceu em Aracaju, aos oitenta anos de idade, em 1995. QUINTELA, Vilma Mota. Biografia de Manoel D´Almeida Filho. Disponível em: http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/ManuelDalmeida/. Acesso em: 19 out. 2012.179 Virgulino Ferreira da Silva nasceu em Serra Talhada (PE), em 07 de julho de 1898. Era o terceiro de nove filhos do casal de pequenos proprietários rurais, José Ferreira da Silva e Maria Selena da Purificação. Aprendeu a ler e a escrever muito jovem, porém, viu-se na necessidade de ajudar a família no pastoreio do gado. Por questão de conflitos com a família Saturnino, seu pai decidiu mudar para o município de Água Branca em Alagoas. Ali, se envolveu em novos conflitos com a família Nogueira, aliada política dos Saturnino. Em 1920 entrou para o bando de Sinhô Pereira, sendo apelidado de Lampião e quando Sinhô abandonou o cangaço em 1922, ele foi promovido ao posto de comandante do bando. Ainda neste período, seu pai foi assassinado pelo delegado de polícia, Amarílio Batista e pelo Tenente José Lucena, aliados da família Nogueira. Em 1930 conheceu Maria Déa - vulgo Maria Bonita, sua companheira de aventuras e mãe de sua única filha – Expedita. Lampião atuou por dezoito anos no cangaço e foi procurado nos estados de Pernambuco, Paraíba, Sergipe, Bahia, Alagoas e Ceará. DÓRIA, Carlos Alberto. O Cangaço. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. (Coleção Tudo é

Há muitos anos passados O cangaço era normalPelos sertões do Nordeste,Parecendo até legal,Para quem via no crimeA lei do seu tribunal180

Esta cultura de violência não apenas consolidou valores defendidos

pelos códigos morais do sertão nordestino, como também conferiu

ao cangaço uma posição privilegiada no âmbito dos estudos sobre a

criminalidade na América Latina, principalmente após a publicação

da obra “Bandidos” do historiador Eric J. Hobsbawm181. Nesta obra, o

autor realizou uma profunda análise do banditismo rural em diversas

sociedades, demonstrando que haviam nelas algumas características

favoráveis ao surgimento de pessoas ou grupos que romperam os

ditames estabelecidos pela elite local e se transformaram em símbolos

de rebeldia e liberdade.

O banditismo social - conceito criado por Hobsbawm - seria

então um fenômeno social que se manifestou geograficamente em

diversas sociedades camponesas espalhadas pelo mundo, marcadas

principalmente pelo processo de substituição do modelo de organização

sociopolítico tribal e familiar, pelo capitalismo industrial e agrário e

em paralelo, pela inserção do Estado Nacional nestas sociedades.182

Historicamente estas transformações ocorreram entre os séculos XVIII e XX,

de acordo com o tempo que levaram e o modo como transcorreram.183

História). p.65 a 78; NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.129 a 140.180 FILHO, Manoel D´Almeida. Os cabras de Lampião. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net.Acesso em: 20 set. 2012. p.3.181 HOBSBAWM, Eric J. Bandidos. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010.182 id.ibid., p.37.183 id.ibid., p.44.

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Outra característica importante do bandido social consiste na sua

estreita ligação com os valores e a cosmovisão do campesinato. Por

este motivo, suas ações, ainda que violentas, eram percebidas pelos

camponeses como um símbolo de rebeldia e libertação perante a

sociedade rural. Esta condição é de suma importância, pois o diferenciou

do ladrão profissional que não considerava as leis e os valores morais

da sociedade camponesa como um impedimento para a pilhagem e o

roubo, enxergando inclusive no mais humilde camponês, uma vítima

em potencial. Graças a esta distinção, o bandido social tornou-se um

proscrito aos olhos dos senhores e do Estado, mas não para a sociedade

camponesa, que o percebia como:

[...] um homem pobre que se recusa[va] a aceitar os papéis normais da pobreza, e que firma[va] sua liberdade através dos únicos recursos ao alcance dos pobres – a força, a bravura, a astúcia e a determinação. Isto o aproxima[va] do pobre: ele [era] um deles também.184

A visão de mundo e os valores que aproximavam camponeses

e bandidos sociais, também ligavam os sertanejos nordestinos e os

cangaceiros, conferindo a estes, grande destaque social em um contexto

histórico marcado pelo abandono do poder público e o predomínio

de forças políticas privadas. Nesse sentido, os cangaceiros tornaram-

se símbolos de liberdade e justiça, ainda que muitas de suas ações

representassem justamente o contrário. Tal ambiguidade mostrou-se

evidente, sobretudo, em relação aos comportamentos de Lampião

ao longo da sua carreira criminosa, os quais influenciaram e foram

influenciados pelo imaginário do sertão nordestino, permitindo que

“[...] suas ações sangrentas [fossem] quase esquecidas e o matador

feroz [transformado] em vítima de uma sociedade injusta”185. A visão

184 id.ibid., p.107-108.185 CURRAN. ap. NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.167.

fatalista se fez presente, sobretudo nos versos de cordel procurando

justificar a luz de fatores extrínsecos, as condições que lançaram muitos

sertanejos à trajetória do cangaceirismo.

O banditismo social manifestou-se em sociedades que conviveram

com a escassez, crises naturais e instabilidade de forças políticas e

sociais, permitindo que as suas ações criminosas transcorressem de

modo endêmico, ou seja, tolerável aos olhos do sistema judiciário local.

Estas condições também se fizeram presentes no sertão nordestino, ao

longo de quase todo o século XIX, contribuindo para isto também, a

existência de uma tradição marcada pela violência e o aventureirismo,

materializados na atuação dos cangaceiros. Novamente o cordel apresentou-se como um espelho para os

homens e mulheres do Nordeste, refletindo nos versos de Francisco das Chagas Batista186, as qualidades mais celebradas no ambiente sertanejo, um local que durante muito tempo apreciou:

Um cantador, um vaqueiroUm amansador de poldro[...] Um homem que mata onçaOu então um cangaceiro.187

186 O cordelista Francisco das Chagas Batista nasceu em 1882, na Vila do Teixeira, na Paraíba. Publicou seu primeiro folheto aos vinte anos de idade e em 1929, lançou o livro “Cantadores e poetas populares”, uma inestimável fonte de pesquisa sobre as origens e a estrutura da literatura de cordel. Ele se tornou um dos principais poetas populares atuando inclusive, como editor para outros cordelistas. Não existem fontes precisas a respeito da totalidade do seu acerco, porém, foram identificados 45 folhetos de sua autoria, dentre os quais “Antonio Silvino – vida, crimes e julgamento”, um extenso apanhado da vida do afamado “Governador do Sertão”, considerado o primeiro cangaceiro a ser popularizado pela literatura de cordel. Francisco das Chagas Batista faleceu no início de 1930, porém o seu legado o tornou uma importante referência no estudo da cultura popular nordestina. SILVA, José Fernando de Souza. Biografia de Francisco das Chagas Batista. Disponível em: http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/FranciscoChagas/.html. Acesso em: 19 out. 2012.187 BATISTA, Francisco das Chagas. Antonio Silvino – vida, crimes e julgamento.

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As circunstâncias que mantiveram o cangaceirismo sob condições endêmicas, ou seja, consideradas controladas pelo poder político local, estão intimamente imbricadas ao processo de consolidação das estruturas de dominação no sertão nordestino, durante os séculos XVIII e XIX, quando a região tornou-se o palco de sangrentas disputas entre e intra-famílias, afinal;

Ainda que sendo entre irmãos,Morriam dez, quinze vinte,De velhos até pagãos,Porque cada um queriaVingança com as próprias mãos.E os que matavam maisFicavam logo afamados,Pelos chefes poderososEram até condecorados.188

As disputas contribuíram para a criação de bandos mantidos pelas

parentelas. Estes promoviam o bloqueio de estradas, saques e pilhagens,

o esvaziamento de açudes, a queima de fazendas e o assassinato de

desafetos dos seus mantenedores. No entanto, eram comuns os casos

nos quais tais bandos aproveitaram os ataques a povoados inimigos

para praticar vinganças e saques em benefício próprio. Para Maria Isaura

Pereira de Queiroz esta aproximação entre bandoleiros e proprietários

pode ser considerada a primeira fase de manifestação do fenômeno do

cangaceirismo, conhecido como “cangaço dependente”.189

Além disso, a própria estrutura cultural e social do sertão contribuiu

para o enaltecimento de práticas violentas que representaram não apenas

a predominância dos sertanejos sobre o meio físico, mas também, a

Disponível em: http:// http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 20 set. 2012. p.4.188 FILHO, Manoel D´Almeida. Os cabras de Lampião. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 20 set. 2012. p.3.189 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Historia do Cangaço. 1. ed. São Paulo: Global, 1982. (Historia Popular, 11). p.23.

sua posição de destaque perante o meio social. Neste sentido, Frederico

Pernambucano de Mello fez uma pertinente observação a respeito da

importância da violência para aquela sociedade, destacando que:

Como elemento presente na caracterização do ciclo do gado nem sempre assume aspecto de desvalor [...] chegando em muitos casos a merecer louvores entusiásticos na gesta própria do ciclo. È o que se passa, por exemplo, com a violência empregada na satisfação de um ideal de vingança, em que o gesto de desafronta é visto como um direito e até mesmo um dever do afrontado, de suas família e de seus amigos mais chegados.190

Os cangaceiros partilhavam dos mesmos valores que os camponeses,

ressalvando apenas o fato de que conseguiram impor sua vontade, por

meio das armas, em uma sociedade favorável a isto. Havia, no entanto,

o oposto da admiração, pois as ações de rapinagem não raro eram

marcadas também por cenas de extrema crueldade como estupros,

emasculações, agressões e humilhações, uma vez que:

[...] quando os cangaceiros caiam sobre suas vítimas quase sempre as submetiam a tratamentos com vistas a desumaniza-las, violentando-as na condição de pessoa. As vítimas eram “castradas como porco”, marcadas a ferro “como gado”, marcadas a faca nas orelhas “como bode”. [...] Ao remeter as vítimas [...] ao mundo animal, ainda que simbolicamente, os cangaceiros pretendiam evidenciar que tais pessoas eram indignas de continuarem vivendo, além de realizarem uma afronta extensiva a toda a sua família.191

Durante muito tempo os estudos relacionados ao cangaço,

procuraram explicar a crueldade a luz de concepções sociológicas e

antropológicas que atuavam em consonância com a valorização das

sociedades urbanas em detrimento ao meio rural.

190 MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004.p.63.191 DÓRIA, Carlos Alberto. O Cangaço. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. (Coleção Tudo é História). p.87.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 91Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

A primeira corrente explicativa possui suas origens nos relatos de

Euclides da Cunha a respeito do conflito de Canudos. A partir destes

escritos, revelou-se a existência de um Brasil que a região litorânea

há muito imaginava já estar superado influenciando obras posteriores,

dedicadas a reafirmar as diferenças entre o litoral e o sertão, a partir do

ambiente geográfico e o processo de formação social de ambos. Desta

forma, o sertanejo foi representado como um simples resultado do meio

em que se encontrava, existindo nesta relação:

“[...] uma preponderância deste sobre o indivíduo, desconsiderando-se a individualidade e autonomia racional da população sertaneja em suas atitudes particulares. Dessa forma, o cangaceiro é caracterizado como aquele a quem a sociedade não amparou de modo correto e que, crescido em meio ao cenário atroz da violência perpetrada, não teve outra opção que não adotar a vida do crime.”192

A segunda corrente explicativa surgiu a partir da criação da

Antropologia criminal no final do século XIX, pelo médico italiano Césare

Lombroso, que se preocupou em estudar a criminalidade por meio da

associação entre as características físicas de um sujeito e sua índole. No

Brasil, estes estudos ganharam difusão com o médico maranhense Nina

Rodrigues que atuou na Bahia, durante o final do século XIX e início do

XX, e se dedicou a analisar principalmente, a criminologia do cangaço.

Entre as técnicas utilizadas nestes estudos, destacou-se a craniometria,

ou seja, a medição e análise das dimensões da caixa craniana e que

supostamente indicava o grau de psicopatia do bandoleiro, técnica

192 CARNEIRO, Gabriel de Campos. No rastro dos cangaceiros – em busca de novas trilhas para a apreensão de um movimento social. 110 f. 2010. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Humanas, Universidade de Brasilia, Brasília, 2010. CARNEIRO, Gabriel de Campos. No rastro dos cangaceiros – em busca de novas trilhas para a apreensão de um movimento social. 110 f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Humanas, Universidade de Brasilia, Brasília, 2010. Disponível em: http://repositorio.bce.unb.br. Acesso em: 12 set. 2012. p. 48.

que difundiu o hábito de cortar a cabeça dos cangaceiros para estudos

posteriores.193

No cerne do campo de estudos da Antropologia criminal, estava

a concepção que considerava o cangaceiro como detentor de uma

patologia que o tornava afeito a violência e a crueldade extrema. Em

consequência, os defensores deste campo de pesquisa acreditavam que

tal anomalia “[...] era intrínseca à população sertaneja como um todo,

que possuía uma constituição física propícia a sofrer tais males.”194

Ambas as vertentes explicativas negaram completamente a

vontade dos sujeitos perante a sociedade e o meio em que viviam,

transformando-os em seres semi-bárbaros e incapazes de atingir o

mesmo grau “evolutivo” encontrado nas sociedades litorâneas. Além

disso, o meio hostil e a anomia forjaram sertanejos moralmente

irresponsáveis e naturalmente violentos, tornando-os, portanto, um

repositório constante de criminalidade e crueldade. Tais concepções

negaram a responsabilidade moral dos sertanejos, o que em realidade

não corresponde ao contexto histórico e social de surgimento do

cangaço, afinal a imensa maioria dos sertanejos nasceu, cresceu e

morreu sem, contudo, transformar a simbologia da violência em um

modelo de manifestação de imposição de autoridade. Há que se convir

ainda que, em uma sociedade organizada sem a presença efetiva do

Estado, coube aos sertanejos fazer valer aquilo que consideravam seus

direitos.

193 Não existem referências que indiquem o início exato desta prática. Sabe-se, porém que ela foi utilizada tanto por cangaceiros quanto por volantes, pois enquanto os primeiros cortavam as cabeças de volantes ou outros inimigos para desafiar ou impor a sua autoridade, os segundos cortavam as cabeças de bandoleiros e exibiam em povoados e cidades como uma forma de intimidação contra a criminalidade. Posteriormente, elas eram enviadas ao Instituto Nina Rodrigues para a realização de estudos de craniometria. id. ibid., p. 54.194 id. ibid., p. 55.

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92Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

A manifestação do cangaceirismo em uma sociedade afeita a soluções violentas e dotada de um poder privado altamente instável, aproximou-o ainda mais do conceito de banditismo social, pois de acordo com Hobsbawm ”[...] num mundo de muitos senhores e de rivalidades entre famílias, em geral [...] todo mundo tinha direito de matar o proscrito, porque nenhuma autoridade estava em condições de aplicar-lhe a lei”.195 Desta maneira, pode-se inferir que o cangaço - como qualquer forma de banditismo social - atuou como uma força política que se impôs pelo uso das armas em uma sociedade marcada pela instabilidade social e política.

Historicamente a fase conhecida como cangaceirismo dependente, foi interrompida pela ocorrência da fatídica seca de 1877/1879, quando a miséria e o desespero se abateram no sertão nordestino oferecendo poucas oportunidades para a sobrevivência, pois enquanto os fazendeiros mais abastados pediam auxílio a seus aliados do litoral, os pequenos proprietários e os camponeses de modo geral, assistiam indefesos a ruína de suas plantações e criações.196. Desta forma para muitos, o caminho da sobrevivência estava nos seringais do Norte enquanto para outros, restava apenas caminhar sem rumo pelas estradas em um tipo de procissão na qual:

A população mais pobre punha-se a caminho a pé, na poeira das longas jornadas, os adultos carregando as crianças pequenas, puxando a vaca ou as cabras que restavam, o cachorro de estimação fechando a marcha. Os bandos, quando se arranchavam nas vizinhanças de um povoado, eram em geral perseguidos e expulsos pelos habitantes, temerosos de vê-los esgotar os “olhos d´água” e as fontes que ainda por ali existiam, amedrontados com a possibilidade de estes retirantes se entregarem ao saque, na

195 HOBSBAWM, Eric J. Bandidos. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010.p. 28.196 Esta situação de desespero foi também um campo fértil para a atuação de pregadores e fanáticos religiosos. NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1. ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p. 23.

ânsia de obter alimentos para saciar a fome – o que geralmente acontecia.197

Havia também o caminho da criminalidade que se apresentava como

uma via de sobrevivência mais fácil, graças aos saques promovidos em

vilas, fazendas e comboios de socorro aos atingidos pelas estiagens. O

aumento das ações criminosas no biênio de 1877 a 1879 contribuiu

para a transformação do cangaço em um banditismo “epidêmico”,

ameaçando inclusive uma das mais importantes prerrogativas do poder

dos coronéis: a grande propriedade.198 Assim sendo, o cangaceirismo

impôs uma nova apropriação simbólica da violência, reordenando-a no imaginário sertanejo a partir da reafirmação de valores como a coragem e a audácia, ao mesmo tempo em que indicou uma nova possibilidade para a ascensão econômica e social.199

E foi neste período que atuou o cangaceiro mais célebre do século XIX: Jesuíno Brilhante200, um membro da respeitada família potiguar

197 OLIVEIRA, Bismarck Martins de. O Cangaceirismo no Nordeste. 2. ed. Paraíba, 2002. p. 23.198 id. ibid., p.63.199 DÓRIA, Carlos Alberto. O Cangaço. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. (Coleção Tudo é História). p.35200 Jesuíno Alves de Melo Calado ou Jesuíno Brilhante, nasceu no município de Patu, Rio Grande do Norte, em 1844. Oriundo de uma família abastada e politicamente prestigiada acabou ingressando no cangaço por questões de rivalidade política com a família Limão, a qual era protegida por lideranças rurais do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Seu primeiro crime ocorreu em 1871, quando após uma briga acabou matando Honorato Limão, o que transformou a rivalidade entre os Calado e os Limão em uma sucessão de assassinatos de ambos os lados. Sem poder retornar a vida normal, Jesuíno se tornou cangaceiro, sendo reconhecido por seu primoroso código de conduta. De fato, não precisava roubar pois era sustentado pelos recursos da família Calado. Durante a trágica seca de 1877/1879, costumava assaltar os comboios das Comissões de Socorro, redistribuindo os alimentos entre os pobres. Como bandoleiro, dedicou-se ao propósito de consumir sua vingança contra os Limão, porém acabou morto por uma tropa policial liderada por um membro dessa família em dezembro de 1879, na Paraíba. NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 93Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

Alves Calado que, na condição de bandoleiro praticou assaltos a comboios do governo distribuindo os alimentos entre os mais pobres. Ele justificava suas ações como uma resposta a incompetência e a insensibilidade do governo estadual, incapaz de tratar corretamente a situação de miséria que se instaurou no sertão.201

Jesuíno Brilhante possuía um código de conduta extremamente severo, afirmando constantemente aos seus companheiros que desprezava duas personagens: o ladrão e o arruaceiro. Segundo o próprio cangaceiro, tanto o roubo quanto a arruaça eram crimes abomináveis e indicava aos seus seguidores que evitassem “[...]

cometê-los porque para eles não há perdão [...]”.202 No imaginário da

população sertaneja, Jesuíno era um justiceiro que não admitia ofensas

a sua pessoa ou a qualquer um que julgasse indefeso, conforme pode-

se perceber no relato a seguir:

Certa vez, o filho de um fazendeiro deflorou uma jovem, filha de um vaqueiro, supondo que por sua posição e fortuna escaparia à justiça do Brilhante. Jesuíno, a par do ocorrido mandou um emissário informar ao ofensor que teria três dias de prazo para se casar. O rapaz tratou mal o emissário e fugiu. Jesuíno foi alcançá-lo após percorrer 50 léguas, arrastando-o à presença do vigário para que se casasse com a ofendida.203

O reinado de Jesuíno acabou juntamente com a seca dos “dois sete”,

pois a reorganização policial, a mando das forças políticas regionais,

deflagrou uma perseguição implacável aos bandos que atuavam no

sertão. Supõe-se que Brilhante foi assassinado no final de 1879 por

forças policiais paraibanas em um desfecho acentuado pelo típico

Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.122 – 123.201 DÓRIA, op.cit., p.40.202 DÓRIA, op.cit., p.39.203 DÓRIA, op.cit., p. 40.

pendor épico do cordelismo, que nos versos do poeta Gil Hollanda204

ganhou uma aura trágica, pois Brilhante se viu cercado;

Pela tropa da políciaE com destino marcado[...] teve aliSeu cangaço sepultado.205

Para a população sertaneja, as circunstâncias da morte do

bandoleiro, revelavam acima de tudo, a valorização da honra e da

valentia na construção da fama do cangaceiro justiceiro. Por esta razão,

a notícia da morte do cangaceiro “ecoou pelo sertão”206 avisando a

todos que;

“Já mataram Jesuíno!Acabou-se o valentão!Morreu no campo de honraSem se entregar à prisão.207

A morte de Jesuíno Brilhante representou apenas a interrupção de

um processo que fortaleceu a atuação de bandos independentes, os

204 O poeta e cordelista Gil Hollanda nasceu em João Pessoa, na Paraíba e já participou de diversos concursos literários, em âmbito regional e nacional. É um entusiasta das raízes culturais do sertão nordestino, em especial, o cangaceirismo. Entre suas publicações, destaca-se o folheto “Encontro do cangaceiro Jesuíno Brilhante com o cabo Preto Limão”, no qual o autor apresenta um embate narrativo entre Brilhante e o seu maior inimigo, o Preto Limão, revelando nesta construção, o antagonismo entre honra e covardia, além da explícita manifestação de racismo no discurso de Brilhante. Artista multimídia lança mais um cordel. Disponível em:http://polapinto.blogspot.com.br.Acesso em: 20 out. 2012205 HOLLANDA, Gil . Encontro do cangaceiro Jesuíno Brilhante com o cabo Preto Limão”. Disponível em: http://utopiaeducacional.blogspot.com.br. Acesso em 23 ago. 2012.206 HOLLANDA, Gil . Encontro do cangaceiro Jesuíno Brilhante com o cabo Preto Limão”. Disponível em: http://utopiaeducacional.blogspot.com.br. Acesso em 23 ago. 2012.207 HOLLANDA, Gil. Encontro do cangaceiro Jesuíno Brilhante com o cabo Preto Limão”. Disponível em: http://utopiaeducacional.blogspot.com.br. Acesso em 23 ago. 2012.

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94Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

quais passaram a agir de acordo com interesses e motivações distintos,

porém intercambiáveis.

A partir do estudo destas distinções que marcaram a existência

do chamado “cangaço independente”, o pesquisador Frederico

Pernambucano de Mello elaborou uma tipificação apontando a

existência de três tipos de cangaço: o cangaço-meio-de-vida; o

cangaço de vingança e o cangaço-refúgio. Esta tipificação contemplou

respectivamente, a busca da ascensão econômica e social, a consecução

de um ideal de vingança e o refúgio junto aos bandos.208

Como o objetivo deste estudo monográfico consiste em analisar o

impacto do cangaceirismo para a formação do imaginário da violência

no sertão, considerou-se de suma importância, centrar tal análise no

cangaço meio-de-vida, pois entende-se que este refletiu de modo

mais intenso a importância simbólica da violência no imaginário da

população sertaneja.

Ao elaborar esta tipificação, MELLO destacou a importância do

ideal de vingança para a inserção dos sertanejos no cangaço, por

considerar tal ideal um valor muito apreciado pela cultura sertaneja.

Neste sentido, a vingança representou a materialização do imperativo

do “dever ser”, manifestando tanto uma necessidade concreta, produto

de uma afronta sofrida, quanto a auto valorização mental de um

comportamento apreciado pela sociedade sertaneja, como a honra.

Este jogo de apropriação simbólica do ideal de vingança foi definido

por MELLO como um escudo ético e possuía como finalidade, legitimar

as ações perpetradas pelos bandoleiros no conjunto de valores que

integravam o cotidiano nordestino, revelando que neste jogo de

apropriação simbólica:

208 MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004.p.89.

A necessidade de justificar-se aos próprios olhos e aos terceiros, levava o cangaceiro a assoalhar o seu desejo de vingança, a sua missão pretensamente ética, a verdadeira obrigação de fazer correr o sangue dos seus ofensores.209

Esta necessidade de afirmação dos valores enaltecidos pela moral

sertaneja foi reforçada pela análise do pesquisador e ensaísta Greg

Narber, que apontou a existência de uma motivação padrão para o

ingresso de muitos sertanejos no cangaceirismo, afirmando que “ [...]

todos os bandidos que falaram alguma coisa sobre sua entrada no

cangaço fizeram um esforço para justificá-la em termos de injustiças

contra eles ou contra o seu povo”.210

Um dos mais afamados cangaceiros independentes, Antonio

Silvino211, costumava atribuir a sua vida de crimes ao ímpeto de vingança

209 id. ibid., p.127.210 NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.167.211 Manuel Baptista de Morais nasceu em 1875 no município de Afogados de Ingazeira, Pernambuco. Sua família era relativamente próspera, dedicando-se ao plantio da cana-de-açúcar e a criação de gado. Além disso, era ligada aos dois principais clãs em disputa na região: os Dantas e os Baptista. No ano de 1897, seu pai Francisco Batista de Morais, foi assassinado por um primo inimigo da família Dantas e seu cúmplice de nome Jose Ramos. Manoel jurou vingança e no mesmo ano entrou para o bando de Silvino Ayres de Cavalcanti e Albuquerque, seu tio materno, adotando em homenagem a este, o nome de Antonio Silvino. Conseguiu matar o cunhado de um dos assassinos, porém jamais consumou a vingança contra os reais homicidas do seu pai. Ainda assim, viu-se obrigado a viver fora da lei. Como cangaceiro, passou a praticar roubos e extorsões, considerando as autoridades locais, regionais e estaduais, seus verdadeiros inimigos. Entre 1910 e 1912, sua vida deu uma guinada, pois conheceu Juventina Maria da Conceição e também passou a fazer parte do cenário político de alguns municípios do Rio Grande do Norte. Por tais razões, pensou em desistir do cangaço, pedindo inclusive que o governo estadual lhe perdoasse por seus crimes. Ante a negativa, decidiu retornar ao banditismo, mais audacioso e com um desprezo ainda maior pelas autoridades, chegando a se auto-proclamar “governador do sertão”. Em 1914, um ex-comerciante pernambucano chamado José Alvino Corrêa de Queiroz, arruinado por Silvino, jurou vingar-se do cangaceiro, tornando-se

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contra os assassinos do seu pai, Né Batista, ainda que em seus anos

de bandoleirismo não tenha efetivado tal ímpeto. Todavia, o escudo

ético se fez presente nos discursos de Silvino, que assumindo a fictícia

função de narrador de sua própria epopéia criminosa, relembrou as

circunstâncias do assassinato do seu pai, relatando que:

No ano de noventa [1896]Meu pai foi assassinadoPela família dos Ramos;Já sendo nosso intrigadoUm deles o José RamosQue era subdelegado.[...]Eu chamei pela justiçaMostrar-se fora á parte,Murmurei com meus botões;Também hei-de arrrumar-te!Não quero código melhorDo que seja o bacamarte.[...]No bacamarte eu acheiLeis que decidem a questãoQue fazem melhor processoDo que qualquer escrivãoAs balas eram soldadosCom que eu fazia a prisão.212

policial. Nesse mesmo ano, conseguiu ferir e capturar o bandoleiro na Fazenda Lagoa de Lajes, em Taquaritinga, Pernambuco. Antonio Silvino sobreviveu e ficou encarcerado até 1937, quando foi libertado pelo indulto concedido por Getúlio Vargas. O ex-cangaceiro viveu pobre até a sua morte em 1944, na cidade de Campina Grande, Paraíba. DÓRIA, Carlos Alberto. O Cangaço. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. (Coleção Tudo é História). p.47 a 58; NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1. ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.123 a 126.212 BATISTA, Francisco das Chagas. Antonio Silvino – vida crimes e julgamento. Disponível em: http:// http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 20 set. 2012. p.4.

Explicitamente, os versos evidenciam que Silvino passou a agir

como um justiceiro que impôs a [sua] lei à bala, sem, contudo, trazer

maior equidade social para a região. No entanto, implicitamente

pode-se perceber que ao encontrar no seu bacamarte, as leis que

decidiam a questão, não percebeu Silvino o potencial revolucionário

das suas ações (mesmo que violentas) para a mudança efetiva

do contexto político e social que o cercava. Desta forma, Silvino,

enquanto um bandido social, atuou como um reformador e partilhou

de um objetivo modesto, permitindo que os ricos continuassem a

explorar os pobres “ [...] mas não além daquilo que tradicionalmente

se aceita como “justo [...]” e que se encontra “[...] dentro dos limites

do aceitável”.213

FIGURA 6 - OS CHEFES DE BANDO E TAMBÉM PRIMOS, ANTÃO GODÊ (ESQUERDA) E ANTONIO SILVINO (DIREITA). 1920.

FONTE: MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004. [s.i].

213 HOBSBAWM, Eric J. Bandidos. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010.p.47.

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96Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

Cabe lembrar que esta condição que tornou o banditismo social

um mantenedor do status quo, também se manifestou no cangaceirismo

independente refletindo a ordem patriarcal da sociedade sertaneja e

conferindo ao líder cangaceiro, uma autoridade incontestável perante

seus homens, afinal “[...] o chefe agia como verdadeiro líder ao qual todos

deviam obediência irrestrita – da mesma forma que é devida obediência

ao coronel por parte de seus seguidores e agregados”.214 Nesse sentido,

o cangaceirismo se apropriou da violência utilizando-a como um símbolo

de poder, fortalecido sobremaneira pela repercussão dos atos cometidos

pelos bandoleiros que foram internalizados pelos sertanejos nordestinos,

sob a condição simbólica de práticas e condutas culturalmente valorizadas

pelo imaginário local, como a honra, a macheza e a coragem.

2.3 Virgulino Ferreira: ascensão e queda de um coronel da caatinga

Qual o homem mais famoso? / Da nossa grande nação? / Vargas não nos é estranho / Porém sem comparação / Internacionalmente / É sem dúvida o Lampião.215

Nenhum outro cangaceiro representou de forma tão marcante

a liderança incontestável de um legítimo coronel da caatinga como

214 DÓRIA, Carlos Alberto. O Cangaço. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. (Coleção Tudo é História). p.35 Outro fator que também aproximava o cangaceirismo independente da estrutura de dominação social do sertão era a origem de muitos cangaceiros, entre os quais muitos provinham de famílias dotadas de algumas posses, como era o caso de Jesuíno Brilhante, Antonio Silvino e Lampião, portanto mais facilmente identificadas com as famílias proprietárias e não com o campesinato. CHANDLER, ap. NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.167.215 SILVA, Gonçalo Ferreira. Lampião – o capitão do cangaço. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 15 out. 2012.p.4.

Virgulino Ferreira, o Lampião. Considerado um bandoleiro capaz de

cometer em igual proporção as maiores atrocidades e os gestos da

mais pura benevolência, como nos versos abaixo:

Lampião é um bandidoDe muita perversidadeNo lugar onde ele passaVai deixando orfandadeE não pode ter conceitoOs crimes que ele tem feitoFora e dentro da cidade.

É ladrão e assassinoE também defloradorFez do rifle um seu amigoConsagrando grande amor [...].216

Lampião tornou-se notório justamente pela ambiguidade de suas

ações, pois ora agia com extrema atrocidade e ora com incontestável

benevolência, construindo a sua fama de cangaceiro destemido, desde

os primeiros combates, ainda na condição de cabra dos chefes de

bando, Luis Padre e Sinhô Pereira217, no início da década de 1920.

216 ATHAYDE, João Martins de. Novas proezas de Lampião. In: NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.137.217 Sebastião Pereira da Silva ou Sinhô Pereira nasceu em Serra Talhada, Pernambuco, no ano de 1896. Ingressou no cangaço para vingar a morte do seu tio, Manoel Pereira da Silva Jacobina e do seu irmão mais velho, Manuel Pereira da Silva Filho. A morte de ambos inscreveu-se na longa disputa travada com a família Carvalho e cujo devir, levou ao assassinato de vários membros dessas duas famílias. Em 1920, aceitou em seu grupo os irmãos Virgulino, Antonio e Livino Ferreira, tornando-se grande referência para todos, principalmente para Virgulino. Em 1922, a trajetória de vingança promovida por Sinhô Pereira foi consumada e este se retirou do cangaço, deixando a liderança do bando a Virgulino, já conhecido como Lampião. O ex-cangaceiro decidiu se mudar para o município de São José do Duro em Goiás, tornando-se um pacífico fazendeiro, vindo a falecer com cerca de setenta anos de idade. NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome,

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Foi justamente a partir da atuação de Lampião e principalmente, da

projeção dos atos violentos para a construção da sua própria imagem

de bandidos sociais que Eric Hobsbawm tipificou os cangaceiros como

“bandidos vingadores” afirmando que como tal;

[...] praticam o terror e a crueldade numa medida que não pode ser explicada como simples retaliação, mas cujo terror na verdade faz parte de sua imagem pública. São heróis não apesar do medo e horror que inspiram suas ações, mas de certa forma, por causa delas.218

Uma condição importante para a formação do bandido vingador

é a sua inserção no mundo do crime motivada pelo imperativo da

vingança em um contexto de intensas disputas familiares. É o que

se passou com Lampião em relação a sua inserção no cangaço,

quando durante a seca de 1915, algumas reses da sua família foram

roubadas por um empregado da vizinha família Saturnino. A este

fato, seguiram-se alguns tiroteios, até que o patriarca José Saturnino,

apoiado por lideranças locais, tornou-se prefeito da cidade de Serra

Talhada, em Pernambuco obrigando o patriarca dos Ferreira a

deslocar-se com a sua família para a localidade de Mata Grande,

em Alagoas. Ali porém, os aliados da família Saturnino estavam em

processo de consolidação do poder político e decidiram confrontar os

Ferreira. O desfecho não poderia ser outro e conforme versou Manoel

D´Almeida Filho:

2003.p.126 a 128.218 Hobsbawm estabeleceu uma classificação que define três tipos de bandido social: o vingador, o bandido nobre e os haiduks. Enquanto o vingador promove o terror e a crueldade, tornando-os símbolos de sua imagem, o bandido nobre corrige desigualdades roubando dos ricos e distribuindo aos pobres, promovendo ainda a justiça em sua comunidade. Já os haiduks representam os grupos de camponeses da Hungria e Bálcãs do Norte, expropriados de suas terras e que se tornaram guerrilheiros organizados. Segundo Hobsbawm, estes últimos representam uma forma primitiva de organização camponesa. HOBSBAWM, Eric J. Bandidos. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010.p.87.

No ataque de surpresa

Foi morto o Velho Ferreira

E preso seu filho João

Os outros tinham ido a feira

Por um milagre escaparam

Da matança carniceira

A mulher vendo o marido

Morto, estirado no chão.

Fulminada por um choque

Atacando o coração

Abraçada com o cadáver

Morreu nessa ocasião.219

O impacto do ocorrido selou para sempre o destino de

Virgulino e mais três irmãos – Antonio, Ezequiel e Livino, pois

todos optaram pelo cangaço e posteriormente foram mortos em

combate. O imperativo da vingança se transformou no escudo

ético para os irmãos Ferreira conduzindo-os a ingressar no

bando;

Do Velho Senho [sic] PereiraQue unido a Luis PadreMantinha uma cabroeiraLutando contra os CarvalhosSem se arredar da trincheira.220

219 FILHO, Manoel D´Almeida. Os cabras de Lampião. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 20 set. 2012. p.04.220 FILHO, Manoel D´Almeida. Os cabras de Lampião. Disponível em: http://docvirt.com/docreader. Acesso em: 20 set. 2012. p.05.

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A saga criminosa de Lampião como um “bandido vingador” ficou

marcada pela exteriorização de uma violência que não possuía um

direcionamento específico, pois como indica HOBSBAWM em suas

análises, na maioria das vezes, o ofensor que influenciou a formação

do bandido social, atuava em uma esfera de riqueza e superioridade

social que impedia a consecução da vingança221. São conhecidos no

entanto, três casos envolvendo cangaceiros que atuaram à margem

da lei, com o exclusivo propósito de consumar atos de vingança.

Trata-se de Sinhô Pereira, Luis Padre e Jesuíno Brilhante.

FIGURA 7 - OS CHEFES DE BANDO, SINHÔ PEREIRA (SENTADO) E LUIS PADRE. AMBOS ERAM MUITO RESPEITADOS POR LAMPIÃO.

FONTE: Mello, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do Sol – Violência e Banditismo no Nordeste do Brasil. 2. Ed. São Paulo: Massangana, 2004. [s.i].

Para a imensa maioria dos cangaceiros que não conseguiram

realizar a desforra perante a ofensa sofrida, cabia ainda o recurso

221 HOBSBAWM, Eric J. Bandidos. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010.p.87.

do escudo ético para a manutenção da legitimidade das suas ações,

transformando a vingança em um pretexto para a permanência no

cangaceirismo e portanto;

[...] invocavam ofensas sofridas, dando ênfase à consequente necessidade de vingá-las, num imperativo que o sertanejo sempre se mostrava sensível e compreensivo. Antonio Silvino costumava, em conversa, apontar Desidério Ramos, um dos matadores do seu pai [...] como o responsável pela sua vida de cangaceiro. Lampião, alegando velhas questões sobre propriedade de reses e o assassínio de seu pai, citava respectivamente José Saturnino e José Lucena de Albuquerque Maranhão, como igualmente responsáveis pelo seu destino de guerra.222

Havia uma estreita correlação entre o “bandido vingador” de

HOBSBAWM e o “cangaço meio-de-vida” ou “cangaço profissional” de

MELLO, sobretudo no tocante as ações e características que norteavam

as suas vidas de crimes. Em ambos, não havia qualquer finalidade

política ou ideológica e o ingresso no banditismo era considerado uma

perspectiva vantajosa para a ascensão econômica e a exteriorização de

valores enaltecidos pelo imaginário local, como a valentia e a honra.

Os “cangaceiros profissionais” ainda que proscritos aos olhos

da lei, eram integrantes da sociedade local e precisavam do apoio

de alguns de seus setores para garantir sua existência. Desta forma,

a historiografia atual tende a perceber, sobretudo entre cangaceiros

e coronéis, uma relação de conveniência que desmonta o mito do

cangaceiro como um agente de contestação social pré-política. Isto

porque os cangaceiros independentes não mais se subordinavam as

parentelas ou chefes políticos regionais, tornando-se em verdade, uma

força política independente, na qual as lideranças locais deveriam

estabelecer boas relações.223 222 MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004.p.127.223 HOBSBAWM, op. cit., p. 87.

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Esta capacidade do cangaço se impor como uma força política e social autônoma, apresentou o seu ápice em 1926, quando as autoridades regionais estavam alarmadas com o avanço da Coluna Prestes pelo interior do país. Por solicitação de lideranças locais, Padre Cìcero enviou um comunicado a Lampião, pedindo que comparecesse com urgência a Juazeiro, no Ceará, garantindo-lhe salvo conduto pelo trajeto. O religioso alarmado pediu que Virgulino levasse todos os seus cabras a fim de formar “[...] um batalhão forte para salvar a cidade e o seu pessoal da morte”.224

Sem pestanejar, o temível cangaceiro acatou o pedido do seu “Padim Ciço” e junto com seus asseclas, seguiu em direção a Juazeiro. No dia 04 de março, ao chegar no local, o bandoleiro foi recepcionado com tamanha aclamação que “[...] os sinos foram dobrados [e] foguetórios, gritos, vivas, vinham de todos os lados”.225

FIGURA 8 - CHEGADA DO BANDO DE LAMPIÃO (AO LADO ESQUERDO) A CIDADE DE JUAZEIRO NO CEARÁ EM 1926.

FONTE: MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004. [s.i].

224 FILHO, Manoel D´Almeida. Os cabras de Lampião. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 20 set. 2012. p.17.225 FILHO, Manoel D´Almeida. Os cabras de Lampião. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 20 set. 2012. p.17.

A consternação da elite política regional transformou o celerado em

esperança, concedendo-lhe benefícios que, posteriormente favoreceriam

não apenas o aumento do banditismo, mas também a mitificação do

próprio Lampião. O bandoleiro ganhou armas novas, uniformes do

exército, farta munição e a promessa de que seria perdoado por seus

crimes. Além disso, foi “promovido” ao posto de Capitão do “Batalhão

Patriótico”, em meio a uma controversa, para não dizer cômica,

cerimônia de nomeação, realizada por um agrônomo chamado Pedro

Albuquerque Uchoa, um funcionário federal que representava ninguém

menos que o então presidente brasileiro, Artur Bernardes. Para o

cangaceiro, a assinatura de Uchoa garantia acima de tudo, o perdão

por seus anos no bandoleirismo. E assim, como um legítimo “patriota”,

Lampião seguiu de encontro aos rebeldes municiado com as armas mais

modernas e a frente de cerca de trezentos homens, entre cangaceiros,

jagunços e beatos. No meio do caminho porém, foi alertado por um

fazendeiro amigo que a sua patente de capitão não era válida, assim

como a anistia a ele concedida. Mesmo enganado pelos chefes políticos

regionais, incluindo o Padre Cícero, Lampião não se deixou abater e

aproveitou a desorganização política e social existente na região para

intensificar suas ações de rapina contribuindo para transformar o ano

de 1926 no apogeu absoluto do cangaceirismo.226

A farta distribuição de armas feita para o combate a Coluna Prestes

forneceu ao cangaceirismo um poder jamais visto, influenciando Lampião

a organizar o seu mais audacioso plano de ataque, orquestrando uma

invasão a cidade de Mossoró no Rio Grande do Norte227. Portanto, não 226 Segundo o autor, no período que compreende os anos de 1919 e 1927, foi registrada a atuação de quarenta e quatro grupos cangaceiros em atividade no sertão nordestino. MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004.p.190.227 Em 1927, Mossoró era a segunda cidade mais importante do Rio Grande do

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foi por acaso que a partir da segunda metade da década de 1920,

as proezas de Lampião ecoaram por todo o Nordeste, conquistando

algumas manchetes de jornais:

“O esfaimado corvo dos sertões nordestinos, ameaça Joazeiro e Petrolina”; (Jornal Correio de Aracaju – 24 de novembro de 1926).[...]“O banditismo ameaçador. Azulão em Mundo Novo e Lampeão em Barro Vermelho. Forças em perseguição”; (Jornal A Tarde – Bahia – 09 de outubro de 1933).[...]“Lampeão ameaça a Bahia” (Jornal Correio de Aracaju – 27 de novembro de 1926).228

A exceção do sensacionalismo que norteava a veiculação destas e

outras notícias, é possível perceber, segundo MACHADO, a construção

de uma imagem do cangaço que refletia, sobretudo, o desconhecimento

por parte da população urbana em relação ao sertão nordestino. Isto

acontecia porque nos meios urbanos, o poder jurídico do Estado já

havia monopolizado há muito tempo o uso da violência e a aplicação

da justiça, tornando assim, de difícil compreensão as notícias que

envolviam os casos de vingança ou a atuação de bandos criminosos Norte, estado em que Lampião não possuia amigos ou inimigos. Para esta ação criminosa, ele organizou um bando com cinquenta e três cangaceiros. A previsão era atacar a cidade no dia 13 de junho daquele ano, contudo, dias antes, o cangaceiro enviou uma carta ao prefeito da cidade, Rodolfo Fernandes exigindo a exorbitante quantia de quatrocentos réis, para não atacá-la. Para evitar a invasão dos cangaceiros, foi organizada uma resistência formada por cento e cinquenta homens, entre soldados da polícia e civis e que travaram uma verdadeira guerra de trincheiras contra os bandoleiros. Ao final da investida frustrada, Lampião foi obrigado a retroceder, perdendo vários asseclas, em especial, o valente cangaceiro Jararaca. OLIVEIRA, Bismarck Martins de. O Cangaceirismo no Nordeste. 2. ed. Paraíba, 2002. p. 155-158.228 MACHADO, Maria Christina Russi da Matta. Aspectos do fenômeno do cangaço no Nordeste Brasileiro. 1. ed. São Paulo, 1974. (Revista de História). p. 86-87.

que assolavam povoados e ao mesmo tempo eram enaltecidos pela cultura popular.229

De modo geral, a figura do cangaceiro gerava na população urbana, um misto de curiosidade, respeito e acima de tudo, medo. Este último sentimento era inclusive divulgado pelos jornais, que por sua vez, contribuiram para a consolidação de um imaginário sobre a violência do cangaço. Em 1929, o jornal baiano A Tarde, por exemplo, por meio da manchete “Eu mato tudo é na Pracata”, apresentou Lampião como um homem impiedoso e frio que eliminava qualquer um sem utilizar armas de fogo, apenas a sua “pracata”, ou seja, as suas sandálias!230

O temor era um sentimento que unia citadinos e sertanejos nordestinos. No entanto, os sertanejos apresentavam uma grande contradição, pois o medo convivia com uma admiração mal-disfarçada, que inclusive contribuía para a proteção dos cangaceiros. No âmago desta incongruência havia uma questão cultural extremamente relevante: a violência como símbolo de consolidação dos valores da sua sociedade.

Escusado citar que no sertão nordestino, a violência norteou procedimentos como a vingança pessoal, a defesa da honra, a imposição da força social e a valorização da coragem e da valentia. Trata-se de uma sociedade em que a influência do poder central se fez presente apenas, a partir de meados da década de 1930, mantendo, portanto, vários aspectos culturais e sociais característicos do seu processo de formação. Logo havia a preferência de que os heróis vivessem e as leis morressem, pois o que realmente importava a estas pessoas era:

“[...] aquela norma paralela, consuetudinária e viscosa, transmissível de pai a filho, que consiste na imaterial codificação de um “dever” ser autenticamente rural, fruto do que consideramos uma cultura da violência honrada e épica.231

229 id.ibid., p.81.230 id.ibid., p.95.231 MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e

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Na sociedade que se formou nos sertões do Nordeste pecuário,

o cangaceirismo ganhou notoriedade, materializando com extrema

liberdade os valores enaltecidos pelo povo sertanejo, sobretudo entre

os mais jovens, comumente seduzidos pela aventura, possibilidade

de ascensão econômica ou pelo destaque social que o bandoleirismo

representava.

FIGURA 9 – LAMPIÃO EM DOIS MOMENTOS: A ESQUERDA, EM FOTO DE 1926 E A DIREITA, EM RETRATO FEITO DEZ ANOS DEPOIS: CABELOS COMPRIDOS, CEGUEIRA QUASE TOTAL DO OLHO DIREITO E O REINADO CONSOLIDADO.

FONTE: Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004. [s.i].

Logo, não foi um episódio aleatório, quando em 1924, Lampião ao visitar o município de Princesa, recebeu manifestações entusiasmadas de muitos jovens que animados cantavam:

Para alegar o sertão:“Minha mãe me dê dinheiro”.

banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004.p.190.

Preu [sic] compra um cinturãoPra vive de cartucheraNo bando de Lampião”.232

E não eram apenas os jovens que enalteciam o cangaço. Muitos sertanejos adultos e idosos idealizavam na vida errante do banditismo a liberdade que não possuíam em suas vidas, porque o cotidiano no ambiente rural, tornava-os profundamente ligados a terra e ao sistema de dominação política e social local.

O cangaceirismo para muitas dessas pessoas simbolizava a materialização de uma liberdade que a maioria não possuia. Esta é mais uma característica que relacionou o cangaço ao banditismo social e novamente, compartilhando das indicações de HOBSBAWM, pode-se perceber que os bandidos:

[...] são menos rebeldes políticos e sociais, e menos ainda revolucionários, do que camponeses que se recusam à submissão, e que ao fazê-lo se destacam entre seus companheiros, ou são ainda mais simplesmente, homens que se vêem excluídos da trajetória habitual que lhes é oferecida, e que, por conseguinte, são forçados à marginalidade e ao crime”.233

A intensificação do cangaceirismo está correlacionada as disputas políticas entre as oligarquias nordestinas ao longo da década de 1920, o que contribuiu em grande medida para a constante fragilização da estabilidade sociopolítica da região. Em consequência, as autoridades estaduais e regionais iniciaram a sistemática perseguição aos seguidores do cangaço objetivando eliminá-los por completo. Devido a isto, as ações das volantes234 foram intensificadas e em sua conduta, não faltaram 232 FILHO, Manoel D´Almeida. Os cabras de Lampião. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 20 set. 2012. p.17.233 HOBSBAWM, Eric J. Bandidos. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010.p.45.234 As volantes eram forças policiais especiais responsáveis por perseguir cangaceiros. Eram formadas por policiais e também soldados temporários recrutados entre a população sertaneja. As volantes eram extremamente odiadas pela população em geral, recebendo os apelidos mais depreciativos como

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episódios de violência e crueldade, como atestado no depoimento de um fazendeiro do sertão nordestino em meados da década de 1930:

“Quero mais ante me ver neste oco de mundo, às volta com bandido que com soldado de “poliça” [sic]. Me creia que os mata-cachorro, quando sai da capital, vem com o pensamento fixe [sic] em que todo matuto protege cangaceiro. Querem por fina força, que a gente descubra o roteiro dos criminosos. Se o freguês diz que ignora, apanha para descobrir; se descobre, também apanha [...] E os bandoleiros? – Abem [sic], esses estão no seu pape. Assim mesmo, tem vez que a questão é se saber tirar eles com jeito. A não ser um ou outro cabra desalmado, eles só fazem mal a nós quando andam aperreados pela poliça [sic].235

Pode-se perceber neste depoimento, o modo como atuavam as

volantes e sobretudo, como elas tratavam os paisanos (sertanejos que

não eram nem cangaceiros, nem policiais) o que reforçava a ideia de

que a atuação das forças de repressão ao banditismo, em nada devia

aos ataques dos grupos cangaceiros, afinal como afirmou Gustavo

Barroso:

[...] Muitas vezes as volantes foram mais bandidas, mas sanguinárias, mais terroristas do que os próprios grupos do cangaço. Saquearam vilas, incendiaram fazendas, espancaram e mataram com a ferocidade e os propósitos de requintes bandoleiros [...] Sob o pretexto de perseguir cangaceiros, inomináveis crimes comuns foram praticados, desde os sertões do Ceará até os confins do estado da Bahia [...]”.236

A atuação das volantes integrou o plano de combate ao banditismo

levado a cabo pelos governos estaduais, desde pelo menos 1835,

“caximbo”, “pitéo”, “mata-cachorro” e o popularmente difundido “macaco”. BARROSO, ap. NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.146-147.235 MOTA, ap. HOBSBAWM, Eric J. Bandidos. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010.p.119.236 BARROSO, ap. NARBER, op.cit., p.146.

quando já se alertava para a necessidade da união de forças entre os

governos provinciais.237

FIGURA 10 - A ESQUERDA, UM INTEGRANTE DE VOLANTE E A DIREITA, UM CANGACEIRO: DUAS FACES DE UMA MESMA REALIDADE SOCIAL.1936.

FONTE: NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.150.

Durante a atuação de Lampião, os esforços entre os governos estaduais aumentaram gradativamente, conduzindo a assinatura de três acordos interestaduais, firmados em 1922, 1926 e 1935. Paralelamente a isto, os chefes políticos de dezesseis municípios da região do Cariri no Ceará – incluindo o Padre Cícero – assinaram em 1911, um acordo conhecido como “Pacto dos Coronéis”, que entre vários artigos, solicitava o fim das disputas políticas e principalmente, a cessão da proteção ao cangaceirismo.238 Ironicamente, seria justamente ao mais temível cangaceiro que muitos desses chefes políticos – incluindo novamente 237 MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004.p.260.238 BARROSO, ap. NARBER, op.cit., p.154.

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o Padre Cícero – iriam solicitar apoio contra as tropas de Luis Carlos Prestes, quinze anos depois.

A semelhança entre os três acordos acima citados -1922, 1926 e 1935 - reside no fato de que os governos signatários autorizavam a

transposição das suas respectivas fronteiras pela forças policiais vizinhas

quando em perseguição aos grupos de cangaceiros.

O primeiro acordo assinado em 1922, contou com representantes

dos governos da Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte e Pernambuco,

porém a sua eficácia foi logo contestada, pois as medidas repressivas

adotadas contra os fornecedores e protetores dos cangaceiros, também

conhecidos como coiteiros contemplaram apenas os camponeses e os

pequenos proprietários.239 Já os grandes fazendeiros, considerados os

maiores fornecedores do cangaceirismo, foram mantidos incólumes.

O novo acordo assinado em 1926, ratificava a presença dos estados

signatários em 1922 e contava com a inclusão do governo baiano.

Desta vez, o governo pernambucano decidiu intensificar o combate ao

cangaceirismo, centrando sua atuação nos pequenos e médios coiteiros,

sem excluir da sua pauta futura, os grandes fazendeiros.240 Como

resultado, em 1928, 40 cangaceiros morreram em combates contra

forças volantes e cerca de 189 foram presos241. Com isso, o governo

pernambucano comemorou o fim do cangaceirismo em seu Estado,

obrigando o mais importante de todos os cangaceiros, Lampião, a fugir

com um grupo de apenas cinco homens para a Bahia.

A efetivação deste novo acordo obrigou o célebre cangaceiro a adotar

uma nova estratégia de combate, que consistiu na divisão do seu bando

em subgrupos que atuaram em vários Estados nordestinos. Isto manteve as

239 MELLO. op.cit., p.266.240 NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1. ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.154.241 MELLO, op.cit., p.267.

forças policiais em constante mobilização pelo sertão, evidenciando também

a preocupação de alguém que estava com seu destino selado, pois:

Já escreveram a sentençaQue decide a minha sorte,Com tanta perseguição,Se eu não tomar precauçãoEntro na foice da morte.242

Embora originária de uma livre apropriação dos pensamentos do cangaceiro pelo cordelista, a estrofe acima citada revelou o insuspeito temor de um cangaceiro cada vez mais perseguido pelas forças públicas.

No entanto se o acordo de 1926 dificultou as ações de rapinagem de Lampião, nada se comparou ao que o ano de 1930 e seus desdobramentos, representariam para o cangaço. A partir desse, teve início um processo que enfraqueceu duas importantes prerrogativas do poder dos coronéis: a autonomia dos Estados e a grande propriedade. Esse processo levou a crescente centralização política, reorientando o monopólio exclusivo no uso da violência, sob a responsabilidade do governo federal. Nesse sentido foi criada a Campanha de Desarmamento do Sertão, responsável por desmilitarizar principalmente os coronéis sertanejos. Em 1932, sob a liderança do interventor da Bahia Juraci Magalhães, foi lançada a Campanha de Combate ao Banditismo, que intensificou a luta contra os principais cangaceiros e ao mesmo tempo, concedeu o perdão aos bandoleiros menos afamados. Contudo, em relação a Virgulino:

Pelo Estado da BahiaFoi um prêmio oferecidoA qualquer pessoa queLhe entregasse o bandido[...] com vida ou mortoPara que fosse punido243

242 FILHO, Manoel D´Almeida. Os cabras de Lampião. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net Acesso em: 20 set. 2012. p.32243 FILHO, Manoel D´Almeida. Os cabras de Lampião. Disponível em: http://

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As volantes atuaram intensamente nesta fase, utilizando seus mais eficientes instrumentos de trabalho: tortura e coerção. E foi por meio destes instrumentos que elas;

Penetraram no desertoGuiadas pelo coiteirosQue conheciam as estradasOs vales e os taboleirosAs serras e as cavernasQue viviam os cangaceiros.244

A intensa repressão enfraqueceu o mais importante esconderijo dos cangaceiros, uma região semidesértica conhecida como Raso da Catarina245 acentuando a perseguição ao banditismo no sertão nordestino.

Em 1935, um novo acordo interestadual foi celebrado ratificando as ações de repressão ao banditismo implantadas pelos Estados da Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia e o recém integrado, governo de Sergipe.

Algumas novidades foram incorporadas neste acordo como a distribuição de armamentos para civis de confiança e a adoção da submetralhadora.246 O “rei do cangaço” percebeu que o aumento da repressão tolhia a cada dia que passava, a sua permanência no

docvirt.com/docreader.net Acesso em: 20 set. 2012. p.32.244 FILHO, Manoel D´Almeida. Os cabras de Lampião. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 20 set. 2012. p.32.245 O Raso da Catarina é a área mais inóspita do sertão nordestino e está localizado na Bahia, entre os municípios de Paulo Afonso, Jeremoabo, Canudos e Macururé. Em seu ecossistema predomina a caatinga, formada basicamente por árvores e plantas espinhentas, as quais fornecem uma importante reserva nutricional, graças a acumulação de líquidos em suas folhas e caule. O seu clima é marcado pela baixa umidade, a escassa incidência de chuvas e a variação na temperatura, que pode chegar a 40 °C durante o dia e 10°C durante a noite. Durante muitos anos, se tornou um importante refúgio para Lampião e seu bando, que conheciam muito bem a geografia e as difíceis condições de sobrevivência do local. LIMA, Jurandir. Raso da Catarina – O terreiro de Lampião. Disponível em: http://www.webventure.com.br. Acesso em: 30 set. 2012.246 MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004.p.280.

banditismo. Por esta razão, decidiu dividir seu bando em três grupos comandados por Corisco247, Moderno, e ele próprio.

FIGURA 11 - CORISCO E DADÁ. ALAGOAS, 1936.

FONTE: MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004. [s.i].

247 Cristino Gomes da Silva Cleto nasceu no município de Matinha de Água Branca, em Alagoas, no ano de 1907. Grande parte das passagens da sua infância e adolescência, ainda é desconhecida, no entanto, sabe-se que aos quinze anos de idade, fugiu de casa após levar uma violenta surra de sua mãe, Firmina Cleto. Anos depois, ingressou no Exército desertando em 1924, após um levante ocorrido em seu batalhão. Certo dia envolveu-se em uma briga e acabou cometendo o seu primeiro assassinato. Por esse motivo, não restaram muitas opções para Cristino, que acabou ingressando no bando de Lampião, em 1926. Logo, obteve o respeito do líder, graças a sua valentia e crueldade conquistando os apelidos que o acompanhariam até o final da vida: Corisco e Diabo Loiro. Dois anos depois, apaixonou-se por uma jovem de 13 anos, chamada Sérgia Maria Ribeiro, raptando-a e consumando a única união do cangaço sacramentada pela Igreja. Dadá - como era conhecida - teve sete filhos com Corisco, dos quais três sobreviveram – um menino e duas meninas. A partir de 1932, ele passou a comandar um subgrupo que atuava principalmente, nos sertões sergipano e alagoano, reunindo-se com Lampião ao final de cada ação para a divisão dos espólios. Em 1937, não se sabe exatamente porque – se por desavenças na partilha dos saques ou por ter cometido o assassinato de um fazendeiro amigo de Lampião – foi decretado o afastamento de Corisco do bando principal. Ele passou então a agir por conta própria, promovendo o terror nos sertões de Alagoas e Pernambuco e fazendo jus a alcunha de Diabo Loiro. QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. História do Cangaço. 1. ed. São Paulo: Global, 1982. (História Popular – Brasil 11). p.56-57; NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.144-145.

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A tática era simples, porém de extrema eficiência, pois os grupos

espalhados em diversos locais permitiriam ações simultâneas que

confundiam as tropas volantes. Graças a esta estratégia, Lampião

diminuiu seus ataques, vivendo um período de relativo ostracismo entre

os anos de 1935 e 1936248 ao lado de Maria Bonita.249

O exílio voluntário foi provocado em parte, pela tristeza causada

pela morte de Ezequiel, o seu último irmão cangaceiro e também porque

a sua saúde se deteriorava a cada dia250. Além disso, um pensamento

pairava em sua mente e Virgulino;

248 id. ibid., p.282.249 Maria Gomes de Oliveira nasceu em 1910 ou 1911, no município de Glória, na Bahia. Era a segunda de um total de onze filhos e filhas do casal Gomes de Oliveira. Casou-se muito jovem com um primo, o sapateiro José Miguel da Silva sem, no entanto, esconder a grande admiração que sentia por Lampião. Em fins de 1929, por intermédio de sua mãe, foi apresentada ao cangaceiro que se apaixonou pela jovem baiana integrando-a na vida errante do bandoleirismo. A sua atitude rompeu com uma regra duradoura do cangaço: a proibição de mulheres nos bandos. Apelidada de Maria Bonita, em face de sua beleza, ela se tornou a precursora de uma série de mulheres cangaceiras, como Dadá, Lídia, Inacinha, entre outras. A inserção das mulheres no banditismo, de acordo com DÓRIA, representava não apenas o resultado da atração que elas sentiam pela figura dos cangaceiros, mas também a possibilidade de libertação das duras tarefas que envolviam o trabalho no campo. Além disso, conforme a perseguição ao cangaceirismo aumentava, a crueldade das volantes também atingia a população, obrigando muitas mulheres a encarar o banditismo como um refúgio contra estupros ou outras humilhações causadas pela polícia. Era uma vida perigosa marcada por assaltos, ataques de volantes e a impossibilidade de retorno a vida sedentária. O nomadismo em que viviam, oferecia mínimas condições para a criação de uma família, sempre limitada aos cônjuges, pois os filhos que sobreviviam, eram dados a parentes ou pessoas de confiança. Maria Bonita, por exemplo, teve três filhos: Expedita (dada a conhecidos) e os gêmeos Arlindo e Ananias (mortos ainda bebês) além de ter sofrido pelo menos dois abortos. De modo geral, a inserção das mulheres no cangaço contribuiu para o relativo arrefecimento dos ímpetos violentos dos bandoleiros, pois era a elas, que os sertanejos e sertanejas, dirigiam seus pedidos de clemência. DÓRIA, Carlos Alberto. O Cangaço. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. (Coleção Tudo é História). p.88-89-90.250 Para Frederico Pernambucano de Mello, o estilo de vida marcado pela alimentação irregular, o sono de péssima qualidade e os hábitos da bebida e do fumo, contribuíram para diminuir os reflexos e a capacidade de luta do cangaceiro ao longo dos anos. Id. ibid., p.324.

Pensou deixar o cangaçoPara não correr mais riscoEntregou a direçãoDe todo o bando a CoriscoE tentou viver em pazNas ribas do São Francisco.251

Enquanto isso Corisco, o seu homem de confiança, mantinha viva

a tradição de violência do cangaceirismo, realizando atrocidades como

a narrada a seguir:

No lugar Alto do Couro[...]Abriu um homem de facaPara ver o coraçãoComo devolvia o sangueFazendo a sua função.252

A violência que durante muito tempo ecoou no imaginário

da população sertaneja como um símbolo de força e admiração,

agora contribuía para corroer as bases de sustentação do próprio

cangaço, pois os atos cruéis promovidos pelos bandoleiros, atingiam

indiscriminadamente os sertanejos nordestinos, sinalizando para a

tentativa de sobrevivência de uma modalidade criminal que enfraquecia

diante do robustecimento do poder central. Enquanto isso, os sertanejos

viviam sob o constante medo da violência cometida por ambas as

partes, afinal;

Dum lado estava a políciaVigiando noite e diaPrendendo e interrogando

251 FILHO, Manoel D´Almeida. Os cabras de Lampião. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 20 set. 2012. p.35.252 FILHO, Manoel D´Almeida. Os cabras de Lampião. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 20 set. 2012. p.35.

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106Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

Da maneira que queriaDo outro lado os bandidosOu dava tudo ou morria253

O sertão se transformava, e tais mudanças desagradavam

profundamente Lampião. Com o “Golpe de 1930” e mais tarde, a

instauração do Estado Novo, a repressão ao banditismo ganhou força,

graças a construção de estradas, instalação de pontos de transmissão

de rádio e como já citado, a utilização de armamentos novos e

mais eficientes, configurando aquilo que MELLO chamou de “morte

tecnológica” do cangaço.254 Além disso, o projeto de construção de um

novo país, intensificado em 1937, não admitia a existência de um símbolo

arcaico, característico de uma República que já nascera envelhecida e

que conservava, sobretudo no sertão nordestino, elementos culturais da

época em que o Brasil crescia pela aventura e improvisação. Portanto,

a determinação era expressa e saiu diretamente;

Do presidente de entãoO doutor Getúlio VargasQue governava a naçãoE não queria ver maisCangaceiro no sertão.255

Em junho de 1938, o trabalho incessante das volantes levou a prisão

de Pedro Cândido, um comerciante alagoano suspeito de atuar como

fornecedor do bando de Lampião. Após ser torturado, o comerciante

acabou entregando detalhes importantes do refúgio do cangaceiro,

253 FILHO, Manoel D´Almeida. Os cabras de Lampião. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 20 set. 2012. p.36.254 MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004.p. 267.255 FILHO, Manoel D´Almeida. Os cabras de Lampião. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 20 set. 2012. p.43.

na fazenda Angicos, em Sergipe. Com base nas informações, foi

arquitetado um plano de ataque e sob o comando do Tenente João

Bezerra256 uma tropa composta por oitenta homens;

[...] foi divididaEm três grupos para queNão houvesse uma saídaPara escapar cangaceiroE atacar em seguida.257

Graças aos preciosos detalhes fornecidos por Pedro Cândido,

os grupos conseguiram chegar muito próximo ao acampamento

dos bandoleiros, conseguindo inclusive, ouvir as suas conversas. Os

soldados permaneceram de tocaia até o alvorecer, estabelecendo um

cerco que espremia os cangaceiros entre a sua linha de ataque e a gruta

em que estavam abrigados. O sinal para o ataque era o aparecimento

de Lampião e tão logo ele despontou na saída de sua tenda...

256 João Bezerra da Silva nasceu no dia 24 de junho de 1898, no município de Afogados de Ingazeira, Pernambuco. Era filho do casal Henriques Bezerra da Silva e Marcolina Maria Bezerra e possuia outros seis irmãos. Era também primo em segundo grau do célebre cangaceiro Antonio Silvino, com quem aprendeu a atirar. Aos oito anos, passou a auxiliar os pais na lida com o gado e a lavoura. Aos quatorze fugiu de casa, após levar uma surra do pai retornando um ano depois. Aos quinze, conheceu um soldado da polícia de Recife e participou da sua primeira diligência, capturando um desordeiro chamado João Côco. Neste mesmo período, residiu com os tios, economizando doze contos de reis, utilizados para comprar uma propriedade próxima da sua localidade de nascimento. Por razões desconhecidas, foi obrigado a mudar para a Paraíba, encontrando trabalho junto ao coronel José Pereira, na cidade de Princesa. Ingressou na Polícia Militar de Alagoas e atuou como policial contratado para integrar as “volantes” permanecendo na função por mais de 35 anos. Travou 11 combates com grupos cangaceiros, sendo o mais importante de todos, o cerco a fazenda de Angicos, em 1938. MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004.p.304-305-306.257 FILHO, Manoel D´Almeida. Os cabras de Lampião. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 20 set. 2012. p.43.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 107Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

[...] a ordem veioDo comando da políciaComeçou o tiroteio“Cantou” a metralhadoraAcertando o alvo em cheio.[...]Os cabras desprevinidosQuando se viram alvejadosCorreram pegando as armasQuase todos baleados,Enfrentaram recebendoBalas por todos os lados.258[...]Maria Bonita estavaCom Lampião abraçadaE cada soldado tinhaA sua arma apontadaPara eles e atiraram Todos numa só rajada.259

O derradeiro fim chegou para Lampião e Maria Bonita. Ambos

acabaram mortos em circunstâncias típicas do cenário violento que

gestou o cangaço. Ao todo, onze bandoleiros sucumbiram frente ao

poder destruidor das submetralhadoras utilizadas pela volante que, para

comprovar sua vitória sobre os bandoleiros, cortaram as suas cabeças,

colocando-as em seguida em latas de querosene que continham água

e sal, levando-as como troféus.260

Tal qual um espetáculo macabro, as cabeças seguiram para várias

localidades de Alagoas e, posteriormente para Salvador na Bahia,

sendo encaminhadas ao Museu Nina Rodrigues para estudos de

258 FILHO, Manoel D´Almeida. Os cabras de Lampião. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 20 set. 2012. p.45.259 FILHO, Manoel D´Almeida. Os cabras de Lampião. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net.Acesso em: 20 set. 2012. p.45.260 FILHO, Manoel D´Almeida. Os cabras de Lampião. Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 20 set. 2012. p.46.

craniometria. Muitos sertanejos custaram a acreditar que a cabeça

apresentada a eles era do “rei do sertão”, considerado até então,

invencível.

FIGURA 12 - O MACABRO TROFÉU DE ANGICOS FICOU EXPOSTO NA ESCADARIA DA PREFEITURA DE PIRANHAS EM ALAGOAS. 1938.

FONTE: NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.138.

A realidade, porém, demonstrou que o poder do Estado finalmente

prevaleceu sobre a vontade do último grande bandoleiro sertanejo.

Corisco ainda tentou manter vivo o cangaceirismo em um último ato

de barbárie, decidiu vingar-se de um parente de Pedro Cândido, o

vaqueiro José Ventura. O cangaceiro degolou o vaqueiro e cinco

componentes da sua família, enviando suas cabeças ao prefeito da

cidade de Piranhas, em Alagoas.

O medo tomou conta da população, mas o cerco estava fechado

para o cangaceirismo. Corisco e sua companheira Dadá conseguiram

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108Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

fugir por quase dois anos, porém sucumbiram a um cerco policial

efetuado no sertão baiano, em 1940. O cangaceiro morreu enquanto

sua mulher foi ferida na perna.

E assim, o cangaço dava o seu último e derradeiro suspiro. Acabava

o fenômeno social e perpetuava-se o símbolo...

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Passados vários anos da morte de Lampião e de Corisco, a ex-

cangaceira Dadá concedeu a sua versão para a morte do “rei do

cangaço”, revelando que o próprio Virgulino se mostrava cada vez mais

displicente em relação a segurança do bando. Para Dadá, a escolha de

Angicos como refúgio foi uma demonstração clara da apatia do grande

cangaceiro, que não demonstrou preocupação quanto ao fato de que o

local apresentava poucas rotas de fuga, o que tornava o grupo um alvo

fácil em caso de emboscadas.

O depoimento de Dadá revelou muito mais do que a tentativa de

responsabilizar Lampião pela morte de onze cangaceiros, em 1938.

Ele evidenciou com profunda melancolia, a decadência gradativa do

banditismo sertanejo ao longo da década de 1930, pois conforme o

cerco foi intensificado, o apoio ao cangaceirismo tornou-se cada vez

mais frágil, dificultando a realização de ataques impetuosos, como

aqueles realizados, nos áureos anos da década anterior. Concorreu

a isto, o fato de que os coiteiros mais humildes ao serem presos e

torturados, revelaram a existência de outros coiteiros, além de detalhes

importantes sobre os esconderijos e a logística de fornecimento de

alimentos e armas aos bandos. As deserções não tardaram a acontecer

e o governo federal soube aproveitar esta situação, prometendo o

perdão aos cangaceiros menos afamados em troca da cooperação e

da delação de outros bandoleiros. Para Virgulino Ferreira, no entanto,

a ordem era apenas uma: a morte!

As volantes então, caíram implacavelmente sobre a população

sertaneja e com uma força avassaladora, torturaram, mataram e

humilharam, revelando uma irônica semelhança com o modo de

atuação de muitos cangaceiros. Em poucos anos, Lampião sucumbiu a

superioridade numérica e bélica do poder governamental, tornando-se

vítima da mesma violência com a qual construiu o seu reinado marcado

pelo terror e pela admiração.

A partir desta situação contraditória, foi possível estabelecer a análise

da manifestação da violência, a partir de dois importantes fatores: de

um lado, a dificuldade de prosperidade em um ambiente marcado pela

escassez de recursos naturais e de outro, a predominância do poder

privado, em detrimento a quase inexistente presença do poder público,

em significativo espaço de tempo que permaneceu entre o século XVIII

e primeiro decênio do XX. Por esta razão, percebeu-se que a formação

da estrutura sociocultural do sertão nordestino, foi marcada pelo

isolamento em relação a sociedade litorânea, o que em outra medida,

contribuiu para a manifestação de atos violentos, sob a égide de valores

que fortaleceram a importância da honra e da defesa da propriedade.

Como resultado desses fatores, a incidência de assassinatos motivados

por vingança foi constituída por componentes comuns desta estrutura

sociocultural. Concorreu para tal configuração, o fato de que no sertão

nordestino, o valor dado à propriedade (terras e animais) representou

um imperativo muito maior do que a valorização da vida, ao revelar

que um assassinato motivado por rivalidades, gerava um impacto muito

menor entre a população, se comparado a incidência do roubo ou do

latrocínio.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 109Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

A própria formação do imaginário dos sertanejos do Nordeste,

ocorreu a partir de um processo no qual, a ocupação da região

manifestou a tendência ao uso de práticas violentas, inicialmente

utilizadas para a dominação, tanto do meio físico, quanto dos agentes

que a ele integravam, como a fauna e as populações nativas. Nesse

sentido, a formação da sociedade sertaneja gravitou em torno do

acesso a terra, transformada no núcleo organizador das estruturas

familiares e, sobretudo, das relações sociais e de dominação. Por esse

motivo, o uso da violência tornou-se um símbolo legitimador da defesa

do direito de posse ou de honra e em igual medida, da exteriorização

das normas consuetudinárias que organizaram as relações sociais no

sertão nordestino.

A violência apresentou uma considerável importância simbólica

para a formação desse imaginário, pois contribuiu para a definição

da identidade dos sertanejos nordestinos, representando um importante

papel regulador nas relações sociais, além de se converter em um

símbolo privilegiado de poder.

Nas análises sobre esta temática, constatou-se também que, no

período posterior a ocupação da região, a violência passou a ser

utilizada como instrumento de imposição do poder social e político

dos proprietários mais abastados, os quais embasados na prerrogativa

econômica da posse de terras, arregimentaram verdadeiras milícias

compostas por cabras, jagunços e cangaceiros mansos, que se tornaram

responsáveis por materializar a capacidade de mando dos seus

contratadores, incluindo nesse jogo de forças centrífugas, assassinatos,

casamentos forçados e a defesa da posse ou da honra de membros da

sua parentela. Assim sendo, as referências a respeito do cangaceirismo,

durante o período colonial e grande parte do Império, mencionavam a

existência de bandos armados que atuavam sob o comando de grandes

proprietários e eram compostos sobretudo, por camponeses sem terra

ou jagunços que agiam por contrato.

Com a seca de 1877 e a consequente desorganização da estrutura

socioeconômica do sertão nordestino, percebeu-se uma mudança

na forma de atuação dos bandos armados, que passaram a agir

de modo cada vez mais independente, afastando-se da relação de

subordinação que os ligava aos grandes proprietários tornando-se

dessa forma, autoridades autônomas. A partir disso, teve inicío uma

relação de concorrência entre a atuação dos bandos cangaceiros

independentes e a autoridade dos coronéis, sem, contudo, indicar um

antagonismo nesta correlação. Até porque, a sobrevivência dos grupos,

só foi possível em parte, graças ao fornecimento de armas, alimentos

e abrigos, viabilizados pelos coiteiros, sendo muitos deles, prósperos

e influentes coronéis dos sertões. Nesse sentido, a permanência do

cangaceirismo no sertão nordestino durante as primeiras três décadas

do século XX, foi possível, graças a relativa conivência das autoridades

locais, evidenciando uma situação presente em diversas regiões

afetadas pelo banditismo social, uma vez que as autoridades locais,

ansiosas no exercer a sua função de forma tranquila e sem quaisquer

problemas, mantiveram-se em contato e em termos razoáveis com os

cangaceiros. Fato que em outras palavras, representou a elaboração de

acordos tácitos que garantiam principalmente, a liberdade de atuação

dos bandidos e o controle dos níveis de criminalidade.

Sob a perspectiva do banditismo social, verificou-se que a violência

praticada pelos cangaceiros se configurou na principal prerrogativa da

sua autoridade, pois em uma sociedade marcada pela proliferação de

forças particulares, havia espaço para a imposição da autoridade por

meio do uso da coerção e da força física. Outros fatores importantes

percebidos e considerados a respeito do cangaceirismo, consistiram na

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110Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

liberdade de atuação e na ausência de fundamentação ideológica em

suas ações, tornando-o uma alternativa de ascensão socioeconômica e

não um instrumento revolucionário de mudança social.

Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, foi entre todos os cangaceiros,

aquele que melhor representou a materialização do imaginário

existente no sertão nordestino, pois exteriorizou de modo intenso, os

valores presentes neste imaginário. Dessa forma, quando matava

um inimigo estava demonstrando sua valentia; quando mandava

emascular um homem ou ferrar o rosto de uma mulher, cumpria os

ditames da boa moral sertaneja. Por esta razão, constatou-se que as

suas atitudes refletiam os estereótipos comportamentais inerentes àquele

imaginário, constituindo-se em modelos de conduta e obediência

diante dos sertanejos nordestinos. Tanto sertanejos quanto cangaceiros

compartilhavam os mesmos valores que integravam o imaginário do

sertão nordestino, porém sobejou aos segundos, a prerrogativa no uso

de práticas violentas para a consolidação do seu destaque social, uma

vez que a ausência de vínculos com os fazendeiros da região dotou-os

de um poder paralelo, capaz de impor a seu modo, a sua autoridade.

Durante o período de sua existência, o cangaceirismo independente

representou uma importante manifestação dos valores que integraram

o imaginário do sertão nordestino como o destemor, a audácia, a honra

e a capacidade de afirmação mediante o uso da violência. Por este

motivo, os cangaceiros se tornaram verdadeiros ícones de masculinidade

e valentia, cooptando muitos sertanejos do Nordeste (sobretudo os

mais pobres) a partir da sua atuação livre de laços de submissão e

a sua capacidade de se fazer respeitar, mediante o uso da violência.

Portanto, a esfera de apoio em torno dos cangaceiros, era resultante

não apenas da admiração que se manifestava, principalmente entre

os mais jovens, mas também devido a manutenção de uma verdadeira

rede de fazendeiros humildes e agregados pagos para atuar como

coiteiros. Além disso, o medo figurou como um importante instrumento

de manutenção do poder dos cangaceiros e qualquer caso de delação

ou traição era tratado com extrema crueldade pelos bandoleiros.

Esta situação foi evidentemente modificada a partir de 1930,

quando o poder central adentrou o sertão nordestino, desarmando os

coronéis e promovendo a intensa perseguição ao cangaceirismo, por

meio das famigeradas volantes. A política de repressão ao banditismo

promoveu a reorientação da estrutura de dominação política na região,

monopolizando o uso da violência nas mãos do Estado e desarticulando

as redes de apoio ao cangaceirismo, graças a prisão de vários coiteiros.

Além disso, concedeu o perdão aos cangaceiros menos afamados que

se entregassem espontaneamente.

A análise da violência como um símbolo de orientação para o

imaginário do povo sertanejo, tornou-se uma tarefa árdua e exigiu uma

constante relativização, afinal tratou-se de uma sociedade gestada pela

violência e que a utilizou como instrumento de regulação das relações

sociais e políticas. Deve-se, portanto, refletir a respeito da violência, sem

contudo, imaginá-la em um contexto de completa anomia, afinal os códigos

e valores sertanejos sempre foram muito bem definidos e respeitados

pela maioria, o que se revela ainda mais complexo, pois aconteceu em

uma sociedade que se fez valer pela lei da “palavra empenhada” e do

“dever ser”, condições que nas sociedades litorâneas, se mostraram mais

frágeis e dependentes da intermediação do Estado. Nesse sentido, a

compreensão a respeito da violência do cangaço, passou pela análise

do modo como os fundamentos básicos da sociedade sertaneja foram

inseridos no imaginário dessa população, orientando suas ações, criando

valores e fazendo-a reconhecer no uso destes fundamentos, um modo de

imposição de sua vontade perante o meio.

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Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013 111Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

O cangaço chegou ao fim em 1940, mas apenas em sua existência

concreta à margem da lei, pois no imaginário da população nordestina,

a sua tradição de violência e aventuras foi perpetuada, principalmente

pela literatura de cordel. Ao longo dos anos, os versos narraram tropelias

e crimes cometidos por homens audaciosos que souberam viver como

ninguém, o sofrimento e o prazer de uma vida marcada pela violência

e pela liberdade, relembrando constantemente aos sertanejos, que um

dia a lei do couro, se tornou também, a lei do rifle...

FONTES

AREDA, Francisco Sales. O Negrão do Paraná e o seringueiro do Norte.

Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net. Acesso em: 08 set.

2011. 42 p.

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114Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2013

ANEXOS I

CAPAS DE ALGUNS DOS CORDÉIS UTILIZADOS NESTE TRABALHO MONOGRÁFICO.

FONTE: www.http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel. Acesso em: 26 out. 2012.

CITADINOS AGUARDANDO A CHEGADA DO BANDO DE LAM-PIÃO A MOSSORÓ (RN). 1927.

FONTE: MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004. [s.i]

O EX - SOLDADO DO EXÉRCITO, JARARACA, TAMBÉM FOI TEMA PARA A LITERATURA DE CORDEL.

FONTE: MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004. [s.i]

O MESMO JARARACA, EM FOTOGRAFIA FEITA NA DELEGACIA DE MOSSORÓ EM 1927 (DIAS DEPOIS, ELE SERIA EXECUTADO).

FONTE: Cordel disponível em: www.http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel. Acesso em: 26 out. 2012.

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RETRATO DA FAMÍLIA FERREIRA: LAMPIÃO ESTÁ AO LADO DIREITO (SENTADO). JUAZEIRO DO NORTE, 1926.

VIRGULINO E O SEU IRMÃO, ANTÔNIO FERREIRA. JUAZEIRO DO NORTE, 1926.

FONTE: MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004.[s.i]

PARTE DO GRUPO DE LAMPIÃO COM MARIA BONITA AO CENTRO. 1936.

FONTE: NARBER, Greg. Entre a cruz e a espada: violência e misticismo no Brasil rural. 1.ed. São Paulo: Terceiro Nome, 2003.p.118.

DA ESQUERDA PARA A DIREITA, TRÊS IMPORTANTES CHEFES DE SUBGRUPO DE LAMPIÃO: JOSÉ BAIANO, MANOEL MORENO E JOSÉ SERENO. SERGIPE, 1935.

FONTE: MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004.[s.i]

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GROTA DE ANGICOS EM POÇO REDONDO (SE), LOCAL EM QUE LAMPIÃO E OUTROS DEZ CANGACEIROS FORAM MORTOS PELA VOLANTE LIDERADA POR JOSÉ BEZERRA. ATUALMENTE, FAZ PARTE DE UM CIRCUITO TURÍSTICO E CULTURAL VOLTADO PARA A MANUTENÇÃO DA MEMÓRIA DO CANGACEIRISMO.

FIGURA disponível em: http://www.saofranciscovivo.com.br/node/200. Aceso em: 25 out. 2012.

A VOLANTE QUE DERROTOU O CANGAÇO. EM DESTAQUE, OS TRÊS LÍDERES QUE ORGANIZARAM O ATAQUE: (1) TENENTE BEZERRA; (2) ASPIRANTE FRANCISCO FERREIRA; (3) SARGENTO ANICETO RODRIGUES. 1938.

FONTE: MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol – violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 2. ed. São Paulo: Massangana, 2004.[s.i].

ANEXOS II

TABELA DE ANÁLISE DOS CORDÉIS