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VERALUCIA GUIMARÃES DE SOUZA
CONVERSAS COLABORATIVAS COM PROFESSORAS DE
INGLÊS DE ESCOLA PÚBLICA: VOZES EM MOVIMENTO
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT Instituto de Linguagens – IL
Cuiabá 2007
VERALÚCIA GUIMARÃES DE SOUZA
CONVERSAS COLABORATIVAS COM PROFESSORAS DE
INGLÊS DE ESCOLA PÚBLICA: VOZES EM MOVIMENTO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para obtenção do título de mestre em Estudos Lingüísticos do Instituto de Linguagens da Universidade Federal de Mato Grosso, sob a orientação da Profª. Doutora Solange Maria Barros Ibarra Papa.
Área de Concentração: Estudos Lingüísticos
Linha de Pesquisa: Linguagem, Participação Social e Pedagogia Crítica.
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT Instituto de Linguagens – IL
Cuiabá 2007
FICHA CATALOGRÁFICAFICHA CATALOGRÁFICAFICHA CATALOGRÁFICAFICHA CATALOGRÁFICA S729c Souza, Veralúcia Guimarães de Conversas colaborativas com professoras de inglês de
escola pública: vozes em movimento / Veralúcia Guimarães de Souza. – 2007.
xi, 117p. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de
Mato Grosso, Instituto de Linguagens, Pós-graduação em Estudos Lingüísticos, 2007.
“Orientação: Profª Drª Solange Maria Barros Ibarra Papa”.
CDU –371.3:811.111 Índice para Catálogo Sistemático 1. Língua inglesa – Ensino – Escola pública 2. Professor – Formação reflexivo-crítica 3. Língua inglesa – Professor – Formação 4. Lingüística aplicada 5. Professor – Inglês – Conversas colaborativas 6. Análise de discurso crítica
DEDICATÓRIA
A minha sogra (in memorian) que sempre
me incentivou a desvendar o sentido da
união das letras.
A minha mãe que, ao tecer os fios,
conseguiu inserir-me no mundo dos que
podem falar com os dedos e ouvir com os
olhos.
AGRADECIMENTOS
À Professora Doutora Solange Maria Ibarra Papa, minha orientadora, meus
agradecimentos. Compartilhou comigo seus saberes acadêmicos e amizade entre os
vários encontros para apresentação de trabalhos em eventos e orientações.
À Professora Doutora Rosane Pessoa, pela leitura cuidadosa do texto e pelas
valiosas contribuições, que muito enriqueceram este estudo.
À Professora Doutora Ana Antônia de Assis-Peterson, pela disponibilidade em
me ouvir, pelo incentivo à pesquisa e à discussão dos conceitos apresentados neste
trabalho.
Ao colega e amigo Danie Marcelo de Jesus que soube dispensar-me seu
conhecimento e sua experiência.
À amiga Nadir Bittencourt, pelas leituras e pelas valiosas contribuições.
Às duas participantes, colegas, pelos momentos de estudos, angústia, aflição
e crescimento profissional.
Às minhas irmãs, irmão, cunhados, cunhadas, tias, sobrinhos e sobrinhas,
pelos almoços maravilhosos e pelo incentivo, ensejando mais tempo para meus
estudos.
À Taísa, sobrinha e companheira, pela ajuda e companhia sempre presentes
na vida de Mateus e Bruna, quando estava ausente.
A meu pai, Manoel Caetano, pelo carinho, pelo modo de viver e perceber o
mundo. A minha mãe, Umbelina Guimarães, pelo exemplo de dedicação, trabalho e
garra.
A meu marido, Hamilton, por me entender e por desejar meu sucesso. A
meus filhos Bruna e Mateus, que sempre estiveram presentes em meu coração.
Eles, a razão porque me dedico aos estudos.
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 O INÍCIO ....................................................................................... 12
1.1 A organização da dissertação ................................................................. 15
CAPÍTULO 2 A FORMAÇÃO REFLEXIVO-CRÍTICA DO PROFESSOR ........... 17 2.1 Os principais conceitos em torno da formação reflexivo-crítica do
professor ............................................................................................... 17
2.2 A formação reflexivo-crítica do professor de língua estrangeira.............. 21 2.3 O ensino de inglês e as exigências da reforma educacional no
contexto da escola pública brasileira .................................................... 28
CAPÍTULO 3 O CAMINHO TRILHADO .............................................................. 33 3.1 A natureza da pesquisa colaborativa ...................................................... 33 3.2 A composição do cenário ........................................................................ 35
3.2.1 O cenário ........................................................................................ 35 3.2.2 As participantes............................................................................... 36 3.2.3 A escolha dos textos........................................................................ 38 3.2.4 A realização das conversas colaborativas....................................... 39 3.2.5 Os procedimentos de análise.......................................................... 40
CAPÍTULO 4 VOZES EM MOVIMENTO............................................................. 46 4.1 Duas professoras vs. outros: vozes em desarmonia............................... 46 4. 2 Vozes que circulam entre a teoria e a prática ........................................ 70
CAPÍTULO 5 O FINAL ........................................................................................
85
5.1 Discussão e implicações ......................................................................... 85 5.2 As limitações e as contribuições do estudo............................................. 91
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 94
APÊNDICE - AMOSTRA DE UMA CONVERSA COLABORATIVA.................... 101
VII
RESUMO
GUIMARÃES SOUZA, Veralúcia. Dissertação de Mestrado em Estudos Lingüísticos. Orientadora: Professora Dra. Solange Maria Barros Ibarra Papa. Cuiabá, MT. Universidade Federal de Mato Grosso, 2007.
Esta pesquisa qualitativa investiga a importância de conversas colaborativas
entre duas professoras de inglês de uma escola pública e esta pesquisadora, com o propósito de descrever e discutir os tópicos recorrentes nas conversas e como tais tópicos se relacionam com as outras vozes da escola – intertextualidade e interdiscursividade –, as modalidades discursivas que refletem o posicionamento das duas professoras de inglês perante os tópicos em discussão e a percepção das professoras sobre as conversas colaborativas para seu desenvolvimento profissional. Fundamentada em estudos que tratam da formação reflexivo-crítica do professor, esta pesquisa está situada na Lingüística Aplicada, conduzida com base nas gravações em áudio de reflexões que emergiram do estudo de dois textos (PERIN, 2005 e UR, 1999) e de três categorias analíticas da Análise de Discurso Crítica: modalidade, interdiscursividade e intertextualidade e do papel político dos pronomes (PENNYCOOK,1994). Os resultados evidenciaram três tópicos presentes no estudo do primeiro texto – “a importância de uma formação crítica por parte do professor”, “os problemas do ensino de língua inglesa na escola pública” e “a questão da formação continuada do professor” –, e três do segundo – “o ensino centrado no professor”, “as características de boa prática de sala de aula” e “a autonomia do aluno”. Esses tópicos revelam as percepções das professoras sobre o contexto atual de ensino de inglês em escola pública e a necessidade de uma formação docente crítica para propor um bom ensino, possibilitando questionar as teorias que sustentam o ensino de língua inglesa no Brasil. As conversas colaborativas são instrumentos importantes para a formação continuada de professores porque possibilitam que várias teorias e práticas sejam desveladas e discutidas.
Palavras-chaves: Conversas Colaborativas, Formação Reflexivo-Crítica, Análise de
Discurso Crítica.
VIII
ABSTRACT
This qualitative research investigates the importance of collaborative conversations between two teachers of English in a public school, with the purpose of describing and discussing the recurrent topics in conversations and how such topics relate to the other voices of the school – intertextuality and interdiscoursivity –, the discursive modalities that reflect the positioning of the two English teachers to the topics under discussion and the two teachers’ perception about the collaborative conversations for their professional development. Based on studies that deal with critical reflective training of the professor, this research is situated within Applied Linguistics, conducted by reflections, recorded in audio, that emerged from the study of two texts (PERIN, 2005 and UR, 1999), and by three analytic categories of Critical Discourse Analysis: modality, interdiscoursivity and intertextuality, and the political role of the pronouns (PENNYCOOK, 1994). The results showed three topics present during the study of the first text – "the importance of critical teacher training," "the problems of teaching English in public schools" and "the question of continued teacher training" and three related to the second text "teaching focused on the teacher," "the characteristics of good classroom practice" and "learner autonomy”. These topics reveal the teachers’ perceptions of the current context of teaching English in public schools and the need for critical teacher training as part of the proposition of a good education, as well as questioning the theories that support the teaching of English in Brazil. Collaborative conversations are an important tool for continued teacher training because they make it possible to reveal several theories and practices that are necessary to discuss.
Key words: collaborative conversations, critical reflective training, Critical Discourse
Analysis
IX
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: Modelo de análise baseado na ADC (FAIRCLOUGH,1992) .................41
X
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1: Textos selecionados para as conversas colaborativas................... 38
QUADRO 2: Tipos de modalidades de discurso e exemplos correspondentes.. 43
QUADRO 3: Resumo do sub-tópicos e percepções das professoras acerca do
Tópico 1: A importância de uma formação crítica por parte do
professor ..........................................................................................
52
QUADRO 4: Resumo dos sub-tópicos e percepções das professoras acerca
do Tópico 2: Os problemas do ensino de língua inglesa na escola
pública ................................................................................................................
64
QUADRO 5: Resumo dos sub-tópicos e percepções das professoras acerca
do Tópico 3: O perfil do professor de escola pública e a formação
continuada .......................................................................................
70
QUADRO 6: Resumo dos sub-tópicos e percepções das professoras acerca
do Tópico 4: O ensino centrado no professor...................................
75
QUADRO 7: Resumo dos sub-tópicos e percepções das professoras acerca
do Tópico 5: As características de boa prática de sala de aula.......
79
QUADRO 8: Resumo dos sub-tópicos e percepções das professoras acerca
do Tópico 6: A autonomia do aluno..................................................
84
XI
CONVENÇÕES UTILIZADAS NAS TRANSCRIÇÕES
Adaptação de Van Lier (1998, apud Pessoa, 2002: 106)
... pausa
(( )) ação não verbal
[ ] comentário da pesquisadora
((incomp.)) fala incompreensível
[...] trechos suprimidos
CAPÍTULO 1
O INÍCIO
Durante os anos de 2000 a 2003, na escola pública de ensino médio em
que trabalho, até a presente data, consegui, com dois outros professores de inglês,
trabalhar em equipe para, através de práticas pedagógicas comuns, alcançar
objetivos a que nos propúnhamos na nossa área de atuação. Até então, cada um
trabalhava isoladamente, ministrando suas aulas de acordo com suas crenças e
práticas. Começamos a perceber que os alunos não se sentiam satisfeitos com
nossas aulas, o que se comprovava pelos comentários ouvidos nos corredores das
escolas: “Vamos ter música?”, “Professora, por que você não dá aula de outra
disciplina, logo inglês, professora!”, “Ninguém merece, professora, estudar inglês”, “Á
noite, não estudamos isso”, “Suas avaliações são difíceis”, “O professor da tarde
passou um filme, não vamos assistir também?”, “Hoje não vai ter joguinho?”. Em
conversas informais, observamos que, enquanto um professor trabalhava conteúdos
gramaticais, outro preferia trabalhar com música e tradução. Enquanto um aplicava
testes mensalmente, o outro avaliava exercícios realizados em sala. Em geral, os
alunos não viam objetivo no ensino de inglês e percebiam o programa como um
conjunto de atividades “soltas”.
Em razão dessa aparente fragmentação de conteúdo, resolvemos trabalhar
em equipe, elaborando um programa com base em atividades comunicativas em que
o aluno pudesse usar a língua em contextos variados. As unidades comunicativas
foram organizadas de acordo com a série. Durante um período de três anos,
conseguimos nos reunir para discutir nosso trabalho, sempre buscando diversificar
as atividades de sala de aula e, ao mesmo tempo, mostrar a relação entre elas.
Nossa maior preocupação era partir do conhecimento prévio do aluno e evitar a
repetição de conteúdo tão comum nas escolas, o que o leva a não perceber o
desenvolvimento de sua aprendizagem.
Posteriormente, os dois colegas efetivos pediram remoção, rompendo a
seqüência de nosso trabalho. Desde então, vários outros professores já passaram
pela escola, em virtude dos critérios de atribuição de aula da rede pública estadual.
Nunca mais conseguimos criar um grupo que se mantivesse coeso em torno das
13
mesmas metas. Para muitos desses professores, o fator tempo para os encontros
era o principal empecilho. Voltou-se ao procedimento anterior em que cada
professor escolhia o conteúdo, a metodologia e o material de sua preferência, em
que cada um trabalhava isoladamente, (re)produzindo um ensino “solto”, “sem
seqüência” e “repetitivo”.
Ao iniciar o curso de mestrado, resolvi intensificar minhas leituras na área
de formação continuada de professores para que pudesse compreender de que
modo poderia melhorar minha prática e como poderia ajudar meus colegas. Pela
experiência anterior do trabalho em grupo, acreditava que não somente era preciso
ler textos acadêmicos em busca de atualização, mas também que a troca de idéias
entre colegas de trabalho era recurso imediato disponível de que podíamos lançar
mão, de modo sistemático, para refletir criticamente sobre nossa prática pedagógica.
Dois textos, graças à indicação da Profª. Ana Antônia, caíram em minhas
mãos e serviram de inspiração para esta pesquisa. São eles: “Teacher Study
Groups: Persistent Questions in a Promising Approach” de Clair (1998) e “Language
Teacher Educator Collaborative Conversations de Bailey, Hawkins, Irujo, Larsen-
Freeman, Pintell e Willet (1998). De acordo com esses autores, o estudo de grupo
entre professores, da mesma escola ou não, permite-lhes refletir sobre a própria
prática e encontrar maneiras para melhorá-la, bem como para instigar o
desenvolvimento profissional. Em outras palavras, a oportunidade de o professor
entabular conversas colaborativas com seus pares facilita sua reflexão porque, ao
negociar os sentidos com os outros, avaliamos e reconfiguramos nossa
compreensão a propósito de nossa teoria e prática. A parceria entre professores
ajuda-nos a entender os velhos modos de pensar ensino, aprendizagem e mudança
e a incorporá-los aos novos.
Esses dois artigos ajudaram-me a compor esta pesquisa, pois compreendi
que a formação de pequenos grupos de professores constituía uma alternativa aos
costumeiros cursos de especialização realizados pela universidade. O trabalho em
equipe e as conversas colaborativas na própria escola criam oportunidades para os
professores explorarem questões de ensino e aprendizagem em contextos
específicos. Aqui, conversas colaborativas são definidas como o momento em que
os professores se reúnem para partilhar sua ansiedade e discutir conhecimentos de
leitura e de sua prática pedagógica em busca de seu desenvolvimento profissional.
14
Esse diálogo colaborativo não significa apagar conflitos, mas problematizar,
renegociar sentidos.
Além desses, outros textos relevantes alertaram-me para as diversas
questões atinentes à formação reflexiva e crítica do professor de língua estrangeira
no Brasil. Todos salientam que os professores devem refletir criticamente sobre sua
prática e relatar suas experiências como meio de perceber as tensões e as
conseqüências de suas estratégias pedagógicas (WALLACE,1991; PENNYCOOK,
1998; COX e ASSIS-PETERSON, 1999, 2002; GIMENEZ, 2002; VIEIRA-ABRAHÃO,
2002; LIBERALI, 2002; MAGALHÃES, 2002; MOITA LOPES, 2005; PESSOA, 2005;
RAJAGOPALAN, 2005; PAPA, 2005). Contudo, não basta apenas perceber as
falhas que existem em uma prática pedagógica, sem transformá-la, pois, se assim
fosse, estaríamos contribuindo para manter as desigualdades e as injustiças sociais
que permeiam as sociedades modernas.
Neste estudo, alinho-me aos estudiosos que acreditam que os professores,
ao se informarem sobre as novas teorias da área de sua formação e ao
estabelecerem relação entre a sua prática e as teorias e entre as teorias e a prática,
podem compreender o que fazem e, se acharem necessário, empreender mudanças
em suas concepções teóricas e práticas.
As recentes reformas educacionais encetadas pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) e pelas Orientações Curriculares para o Ensino
Médio (OCEMs) requerem que professores re-signifiquem sua prática de sala de
aula e busquem novas maneiras de colaboração. O grupo de estudo de professores
é uma alternativa aos tradicionais e esporádicos cursos de atualização e (ou) de
especialização, às oficinas de poucas horas oferecidas durante um congresso e aos
cursos de extensão voltados para a metodologia, cursos que, em geral, não atentam
para as especificidades lingüísticas e culturais das escolas. As conversas
colaborativas podem juntar professores de uma mesma escola para discutir e
compreender a cultura complexa da escola e da comunidade, bem como as
especificidades do ensino e aprendizagem.
O objetivo desta pesquisa é a análise de conversas colaborativas entre duas
professoras de inglês de uma escola pública e esta pesquisadora – também
professora de inglês de escola pública –, com o propósito de descrever e discutir os
tópicos recorrentes nas conversas, e como tais tópicos se relacionam com as outras
vozes da escola – intertextualidade e interdiscursividade. Ademais, analiso, por
15
igual, as modalidades discursivas – materialidade lingüística – que refletem o
posicionamento das duas professoras de inglês perante os tópicos em discussão.
Alicerçada nesses objetivos, busco responder às seguintes perguntas de
pesquisa:
1. Quais os tópicos recorrentes nas conversas colaborativas de duas
professoras de inglês da escola pública?
2. Que modalidades estão presentes nas falas das professoras?
3. Como as professoras se posicionam em relação às vozes presentes na
escola pública?
Com base em Bailey et al. (1998), utilizo como procedimento teórico-
metodológico a formação de um grupo de leitura e discussão de textos acadêmicos
entre professores, com o intuito de promover conversas colaborativas para explorar,
avaliar e situar seus trabalhos dentro do contexto da escola pública. Os
procedimentos analíticos baseiam-se na Análise de Discurso Crítica – ADC
(FAIRCLOUGH, 1992). Quanto a ela, valho-me tão somente de três categorias para
a análise dos textos: a intertextualidade, a interdiscursividade e as modalidades.
1.1 A organização da dissertação
Este estudo está dividido em cinco capítulos. Neste primeiro, contextualizei
o problema, sinalizei a justificativa, os objetivos e as perguntas da pesquisa. A
seguir, apresento a organização da dissertação.
No segundo capítulo, descortino a revisão de literatura, situada no
arcabouço teórico que guiou este estudo. Abordo estudos sobre a formação reflexiva
e reflexivo-crítica do professor, fundada na área da Educação e da Lingüística
Aplicada. Mostro como as pesquisas na área de formação de professor contribuem
para o desenvolvimento das pesquisas na área da Lingüística Aplicada. Também
discuto o contexto do ensino de língua estrangeira na escola pública. Por último,
enceto uma discussão das leis que regulamentam o ensino de língua estrangeira e
os documentos oficiais que servem como norteadores para tal ensino.
No terceiro capítulo, exponho os princípios da pesquisa colaborativa que
guiaram este estudo, não sem descrever a composição do cenário, as participantes,
16
a escolha dos textos para leitura e discussão, a realização das conversas
colaborativas e os procedimentos de análise com base na Análise de Discurso
Crítica de Fairclough (1992).
O quarto capítulo é dedicado à análise de dados. Apresento os tópicos
discutidos durante duas conversas colaborativas. A primeira, mediada pelo texto de
Perin (2005), e a segunda, mediada pelo texto de Ur (1999). Patenteio a importância
do uso da modalidade para revelar o posicionamento das professoras perante os
diversos discursos e textos que estão presentes neste contexto de pesquisa.
No último capítulo, o quinto, aponto algumas discussões e implicações
deste estudo para a formação do professor e para o ensino de língua inglesa na
escola pública. Apresento as considerações finais, relatando as possíveis
contribuições desta pesquisa para a formação de professores de língua estrangeira.
Nesta introdução, expus as razões deste estudo e seus objetivos. Acentuei,
de igual parte, o contexto e a organização da dissertação. Pretendo contribuir com o
trabalho de outros pesquisadores que estudam questões relacionadas com a
formação continuada do professor de língua inglesa e com o ensino de língua
inglesa na escola pública. Exibo, em seguida, os pressupostos teóricos que norteiam
este trabalho.
17
CAPÍTULO 2
A FORMAÇÃO REFLEXIVO-CRÍTICA DO PROFESSOR
Este capítulo está dividido em três seções. Na primeira seção, é
apresentada a discussão teórica de alguns pesquisadores da área de educação
acerca dos conceitos relativos à formação reflexivo-crítica do professor. Na segunda,
discute-se a formação reflexivo-crítica do professor de língua estrangeira ancorada
nas pesquisas realizadas na área de Lingüística Aplicada. A terceira e última seção
faz uma análise do ensino de língua estrangeira na escola pública – com relato de
experiência da pesquisadora em vinte anos de magistério – e do que sugerem a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e as OCEMs sobre o ensino da língua
estrangeira.
2.1 Os principais conceitos em torno da formação reflexivo-crítica do professor
O discurso educacional, por muito tempo, apresentou o professor como
mero aplicador de técnicas e métodos de ensino. Raramente era mostrado como
profissional comprometido com a prática reflexiva – movimento reflexivo – e com as
mudanças sociais – a pedagogia crítica.
O termo reflexão, apesar de ter sido conhecido nas discussões teóricas das
pesquisas realizadas na área de formação de professores, principalmente a partir da
década de 90, foi introduzido na literatura de formação de professores na década de
30 por Dewey (1933 apud PESSOA, 2002). Dewey definiu reflexão como o exame
ativo, voluntário, persistente e rigoroso de nossas crenças e ações, à luz dos
fundamentos que a sustentam e das conseqüências a que conduzem. Ao definir
reflexão, Dewey aponta para uma posição de construção de conhecimento que, ao
mesmo tempo que depende da fundamentação teórica, está acoplada à vontade, à
atitude de questionamento e à pessoa.
Para Dewey (1933 apud PESSOA, 2002), há três atitudes fundamentais
para a ação reflexiva. De início, a abertura de espírito, que é o desejo ativo de dar
atenção às várias alternativas possíveis, de aceitar os pontos positivos e negativos
18
das perspectivas e de reconhecer a possibilidade de erro mesmo nas mais
arraigadas crenças. É seguida pela responsabilidade, ou seja, o exame cuidadoso
das conseqüências de uma ação, o que implica não apenas saber se o que o
professor faz funciona, mas como funciona, por que e para quem. O tripé se encerra
com a sinceridade: os professores sinceros regularmente examinam suas crenças e
os resultados de suas ações, tratando todas as situações com a atitude de quem
poderá aprender algo novo.
A partir de Dewey, alguns pesquisadores, como Freire (1987), Schön (1992,
2000), Nóvoa (1992), García (1992) e Perez Gómez (1992), ancoram-se nas
concepções teóricas do movimento reflexivo e da pedagogia crítica para expandir
seus estudos na formação de professores dentro de uma prática reflexiva,
denominada reflexivo-crítica. Essa teoria, além de direcionar para uma formação que
promova a liberdade dos oprimidos, aponta que esse caminho só é possível se
houver reflexão. Assim, acredita-se que só há transformação se houver reflexão.
Dentro dessa perspectiva, Schön (1992, 2000) discute o modelo de prática
reflexiva e apresenta quatro conceitos: conhecimento-na-ação, reflexão-na-ação,
reflexão-sobre-a-ação e reflexão sobre-a-reflexão-na-ação. Para ele, o
conhecimento-na-ação é o componente responsável pela orientação de toda a
atividade humana e se manifesta no saber-fazer. A reflexão-na-ação lida com os
problemas profissionais no momento em que ocorrem. A reflexão-sobre-a-ação e a
reflexão sobre-a-reflexão-na-ação correspondem a uma análise realizada a
posteriori pelo indivíduo sobre as características e os processos de sua própria
ação. A reflexão-sobre-a-ação é o processo do pensamento que ocorre de forma
retrospectiva sobre um problema ou uma dada situação. O professor tenta explicar
suas razões para suas ações e comportamento em sala de aula. A reflexão sobre-a-
reflexão-na-ação é o processo que leva o profissional a progredir em seu
conhecimento e a construir sua forma pessoal de conhecer. Neste momento, ocorre
a reflexão crítica, e o professor ou o investigador faz uma análise, a posteriori, das
características e dos processos de sua própria ação.
Nóvoa (1992: 25), por sua vez, acredita que a formação do professor se
constrói com base na reflexividade crítica sobre as práticas e na (re)construção
permanente de uma identidade pessoal. Defende a formação fundamentada no
desenvolvimento pessoal, porque, para ele, “é importante investir na pessoa e dar
um estatuto ao saber da experiência”. Espera que a formação de redes coletivas de
19
trabalho de (auto) formação participada ajude o professor a compreender a
globalidade do sujeito. O autor assume a formação como processo interativo e
dinâmico que constitui um fator decisivo de socialização profissional e de afirmação
de valores próprios da profissão docente. Para ele, o desafio na formação de
professores consiste em conceber a escola como um ambiente educativo, onde
trabalhar e formar não sejam atividades distintas.
García (1999) defende a formação de professor como um modelo de
desenvolvimento profissional e pessoal, evolutivo e continuado. Propõe a criação de
colaboração e de um trabalho em equipe entre os professores, contribuindo para
que professores gerem conhecimento prático, estratégico e para que sejam capazes
de aprender com sua experiência. Para o autor, os professores procuram
desenvolver a reflexão para promover o desenvolvimento e o aprimoramento de sua
prática pedagógica. Ele acredita em uma prática de formação que tome como
referência as dimensões coletivas e que contribua para a emancipação profissional
bem como para a consolidação de uma profissão autônoma na produção de seus
saberes e de seus valores.
Para Pérez Gómez (1992), o profissional competente atua refletindo na
ação, criando outra realidade, experimentando, corrigindo e inventando, por meio do
diálogo estabelecido com essa mesma realidade. Assim, o conhecimento que o novo
professor deve adquirir vai mais longe do que as regras, fatos, procedimentos e
teorias estabelecidas pela investigação científica. O autor sustenta ser a prática mais
um processo de investigação do que um contexto de aplicação, um processo de
investigação na ação, mediante o qual o professor procura compreender, de forma
crítica e vital, o mundo complexo da aula, questionando suas próprias crenças e
explicações, propondo e experimentando alternativas, participando na reconstrução
permanente da realidade escolar. Advoga o pensamento prático do professor e o
conceitua como complexa competência de caráter holístico, que não pode ser
ensinada, mas pode ser aprendida.
O termo crítico nasce da pedagogia libertária e, posteriormente, da
pedagogia crítica. De acordo com Silva (2004), o objetivo da pedagogia crítica é
evidenciar o que está por trás das estruturas sociais que compactuam com a
exploração dos mais pobres e oprimidos. Mediante o conhecimento crítico, acredita-
se que seja possível provocar mudanças na atitude das pessoas, levando-as a lutar
para que os mais pobres tenham seus direitos garantidos. Trata-se de concepção
20
crítica que apresenta o saber como algo legitimado por interesses inscritos nas
relações sociais amplas.
Conforme Silva (2004: 7), “conhecer se vincula a poder”. Nesse caso, o
poder é concebido de maneira dialética: ao mesmo tempo em que as relações
sociais da escola e da sociedade expressam dominação, também apresentam a
possibilidade de resistência e de ação contra-hegemônica. Ser professor é ser
político, é conhecer as ideologias que sustentam determinadas práticas, é conhecer
as relações de poder que entrecruzam os sujeitos em diferentes contextos sociais.
Para Oliveira (2006), o professor, como intelectual transformador, deve
refletir sobre os princípios ideológicos que influenciam sua prática e conectar essa
prática à teoria e às questões sociais mais amplas. Não importa mais ter só o
conhecimento específico, o professor deve assumir seu papel social e, dessa forma,
levar conhecimento histórico, político e social para seus alunos compreenderem as
ideologias que movem as questões sociais, as quais nos influenciam em nosso dia-
a-dia.
A pedagogia crítica é engajada nos problemas sociais, incorporando as
experiências de vida dos oprimidos, suas histórias e valores. Para ela, a escola não
é um espaço neutro em se que apenas transmitem conhecimentos imparciais,
capazes de instruir e elevar o nível cultural dos educandos. Mais que isso, é o local
em que se mostra a principal função do sistema de ensino instaurado no sistema
capitalista, o de reproduzir os fundamentos de uma sociedade desigual e injusta
(Silva, 2004). O principal objetivo da pedagogia crítica é, portanto, fortalecer as
pessoas sem poder e transformar as desigualdades e as injustiças sociais
existentes.
No Brasil, um grande colaborador dos estudos da pedagogia crítica é Paulo
Freire1, cuja ação se dirige para a emancipação e transformação dos sujeitos. Para
Freire (1997:78), “a escola é o lugar da política”, ou seja, professores e alunos
devem ter consciência crítica para que haja transformação da sociedade.
Desse modo, é possível o diálogo entre o modelo reflexivo e a teoria crítica
para a formação do professor. Enquanto o modelo reflexivo se preocupa com a
mudança e (ou) transformação da prática pedagógica em sala de aula, a teoria
crítica se preocupa com a formação política do professor, para levá-lo a
1 Ver Cox e Assis-Peterson (1999) para breve histórico do nascimento da pedagogia crítica no Brasil, com suas raízes no trabalho de Paulo Freire.
21
compreender as forças hegemônicas que procuram neutralizar as práticas
discursivas que contribuem com o aumento das desigualdades sociais.
2.2 A formação reflexivo-crítica do professor de língua estrangeira
Na área da Lingüística Aplicada, pouca atenção se tem dado à formação
reflexivo-crítica do professor de língua estrangeira. O que se tem presenciado nos
encontros de formação de professor, nas últimas décadas, são trabalhos
desenvolvidos por vários pesquisadores, cujos enfoques estão na formação
reflexiva. Vale dizer: a preocupação está em refletir para mudar a prática
pedagógica. Não se enfatiza o papel do professor como agente político, capaz de
levar seus alunos a uma reflexão sobre as ideologias de ensino e aprendizagem
comprometidas com a transformação social. Mesmo as pesquisas que se intitulam
reflexivo-críticas concebem crítica apenas no âmbito do fazer pedagógico, não
levando em conta a formação política do professor.
Pesquisas realizadas por professores de língua estrangeira (VIEIRA-
ABRAHÃO, 2002; GIMENEZ, 2002; MATEUS, 2002; MAGALHÃES, 2002; LIBERALI
e ZYNGIER, 2003; LIBERALI, MAGALHÃES e ROMERO, 2003; LIBERALI, 2004;
OLIVEIRA, 2006) apontam para uma formação que perpassa pela pesquisa
colaborativa dentro de uma formação contínua, fundada numa prática reflexiva.
Essas pesquisas enfeixam dois modelos de ver a formação de professores: a
construção consciente da prática com base no mapear, informar, contestar, avaliar e
agir (FREIRE,1987; BARTLETT,1990), somada ao modelo de Wallace (1991),que
apresenta a formação reflexiva de educação e o desenvolvimento profissional a
partir de dois estágios: o pré-treinamento, a formação pré-serviço, e o conhecimento
recebido – o conhecimento experiencial e o ciclo reflexivo.
O modelo de Wallace (1991) enfatiza o fato de as pessoas sempre trazerem
consigo um conhecimento prévio, principalmente quando o assunto é formação de
professor. Ao iniciarem um curso superior na área de magistério, a maioria dessas
pessoas já foi e ainda será exposta à prática da profissão, pois traz idéias,
conceitos, crenças, atitudes que moldam seu comportamento de diversas maneiras,
e não é fácil remover ou modificar tais crenças, uma vez que a carga horária ao
longo da vida estudantil é bem superior àquela que se tem para estudar as teorias
da área de formação. A prática reflexiva de educação e o desenvolvimento
22
profissional proposto por Wallace (1991) têm por meta desenvolver a competência
profissional do professor centrado em dois estágios.
O primeiro – o pré-treinamento – é o período em que se encontra o
estagiário ou o professor antes do início do processo de formação. Nesse estágio, o
aluno apreende os esquemas conceituais e os construtos mentais trazidos pelos
professores-formadores. O segundo – educação e desenvolvimento profissional -
abarca três elementos: o conhecimento recebido – teoria, fatos, dados –, o
conhecimento experiencial – ação profissional – e o ciclo reflexivo. O conhecimento
recebido e o conhecimento experiencial revelam relação próxima, porque o
conhecimento recebido deve contribuir com informações para o conhecimento
experiencial, dele recebendo informações.
O modelo de Bartlett (1990), baseado em Smyth (1987), apresenta uma
discussão do ensino reflexivo-crítico como forma de construir conscientemente uma
prática de ensino. O autor afirma ser o ensino reflexivo um processo difícil, não só
porque envolve mudanças no pensar e agir, mas também porque força o professor a
adotar uma postura reflexiva com relação a seu próprio desempenho, desafiando
suas próprias crenças. Para isso, ele relaciona as cinco fases do processo de
reflexão: mapear, informar, contestar, avaliar e agir. Essas fases não são lineares,
ou seqüenciais, e alguma fase pode até ser omitida.
Primeiramente, o professor deve mapear sua prática por meio de
observação e coleta de evidências. Na segunda fase – informar – o professor deve
retornar aos registros feitos anteriormente para explicar por que o ensino ocorreu da
forma como ocorreu, se os objetivos foram ou não alcançados e o que está por trás
das ações e dos comportamentos observados. Já a terceira fase – contestar – o
autor sugere seja realizada em grupo, com questionamento de idéias e de estruturas
que embasam a prática observada. A quarta fase – avaliar – refere-se à busca de
formas alternativas de ação. A quinta e última fase do processo – agir – significa
colocar em prática as novas idéias (BARTLETT, 1990).
Ambos os modelos, de Bartlett e Wallace, exigem uma pesquisa na qual o
pesquisador e os sujeitos se ajudam mutuamente com o objetivo de trocar
informações cruciais para o desenvolvimento do professor em serviço, pré-serviço e
do pesquisador.
O modelo de reflexão de Smyth (1987 apud BARTLETT, 1990), denominado
crítico, estaria voltado a uma compreensão das ações descritas em detalhes –
23
descrever – e explicadas à luz de teorias formais – informar – pelos agentes que
fazem uma avaliação dessas ações diante dos contextos particulares numa
perspectiva social, histórica e cultural – confrontar. A partir da avaliação de suas
ações, os sujeitos poderiam sugerir novos encaminhamentos – reconstruir – a serem
desenvolvidos em seus contextos de ação, levando em conta o valor ou o significado
dessas atividades para seus alunos.
Magalhães (2002, 2004), por sua vez, apresenta uma pesquisa cujo
arcabouço teórico tem como centro a discussão da dialogia bakhtiniana, da ação
comunicativa habermasiana e dos conceitos de ensino-aprendizagem e
desenvolvimento vygotskianos, que enfocam a linguagem como ação, prática
discursiva, porque é nas práticas sociais, e por meio delas, que o conhecimento é
construído. Define sessões reflexivas como um contexto no qual professores e
pesquisadores negociam a problematização das questões a serem discutidas, a
construção do conhecimento e os conhecimentos construídos durante as práticas
discursivas sobre a sala de aula. Propõe discutir a formação contínua com base em
um contexto de construção do conhecimento que permita aos participantes
constante investigação, reflexão e crítica das práticas discursivas da sala de aula e
de sua relação com contextos sociais amplos.
Nesse âmbito, a formação contínua deve fornecer contextos para a
formação de um profissional reflexivo e autônomo capaz de relacionar teoria e
prática, pesquisa e ensino. O professor deve conceber a si próprio como
pesquisador, conhecedor das teorias de ensino-aprendizagem, do contexto em que
atua e das necessidades de seus alunos, tomando decisões embasadas nesses
conhecimentos.
Imbuídos pelos resultados das pesquisas na área de formação de professor,
os pesquisadores da área de formação de professores de língua estrangeira têm
aderido ao movimento de formação reflexivo-crítica.
Esses pesquisadores (MAGALHÃES, 2002; LIBERALI, 2002; OLIVEIRA,
2006) acreditam que, nas sessões reflexivas, as práticas discursivas da sala de aula
são tematizadas, e o discurso em torno dessas práticas é problematizado,
entendendo aqui a problematização como o apontamento do que, de fato, ocorre na
sala de aula para que, juntos, professores e pesquisadores possam buscar novas
ações. Essas sessões procuram explicitar, problematizar e modificar as formas como
os professores compreendem suas práticas, seus alunos, a si mesmos e aos
24
colegas. Portanto, colaborar não significa apagar conflitos, mas explorá-los num
processo de diálogo, em que todos os participantes se tornem pesquisadores de sua
própria ação. Não é necessário que haja uma simetria de conhecimento, que eles
pensem do mesmo jeito, nem que tenham os mesmos valores.
Segundo os estudos apresentados por Magalhães (2002), Celani (2003) e
Papa (2005), entre outros, o professor de língua estrangeira deve ir além da reflexão
de suas ações, agindo de forma que transforme o contexto social em que está
inserido. Ele não pode entender sua atividade educacional como alijada das práticas
institucionais desiguais e de formas de consciência que denominam contextos fora
da escola: o modo como a produção, a distribuição e o consumo são reorganizados
e controlados. O professor deve saber a serviço de que interesse está, se está
contribuindo para a transformação ou para a manutenção de desigualdades e
preconceitos.
Cabe, portanto, ao professor refletir sobre sua prática docente e verificar se
o conteúdo trabalhado com seus alunos não é apenas a manutenção e a reprodução
das formas de poder e de desigualdades sociais existentes. Freitas (2002),
Magalhães (2002) e Cristovão (2002), também com base na teoria crítica, discutem
a formação do professor como profissional auto-reflexivo que se constitui na relação
com o outro, por meio da negociação, ora embasada na dialogia bakhtiniana e na
compreensão de ensino-aprendizagem de Vygotsky, ora no agir comunicativo de
Habermas2.
Os professores em formação continuada e universitária devem fazer uma
reflexão crítica de sua prática, porque ela permite identificar as áreas de ensino que
precisam de atenção e de desenvolvimento profissional. Assim, todo professor, ao
analisar sua prática pedagógica, será capaz de refletir e perceber os pontos
positivos e negativos e conseguir, portanto, uma alteração no que está sendo
encaminhado, buscando melhorar sua prática e, conseqüentemente, sua formação
profissional. É o que discute Bailey et al. (1998: 536), “a reflexão regular sobre as
suas próprias experiências de sala de aula possibilita aos professores identificar as
2 Segundo Habermas (1987 apud Cristóvão, 2002), o agir comunicativo é um tipo de mediação por meio de interações verbais e atividades que, além de constituir o psiquismo humano, é constitutivo do social, já que regula suas formas de organização e suas fomas de atividade.
25
áreas de sua prática que precisam de atenção e, assim, promover a sua formação
profissional contínua3”.
Outro aspecto importante para a formação contínua e reflexiva, segundo
Bailey et al. (1998), é a interação de um professor com outros nas conversas
colaborativas. A interação entre colegas facilita a reflexão, porque força os
professores a negociarem sentidos e, conseqüentemente, ampliarem e reformularem
as maneiras com que olham sua própria prática. A interação entre professores é
elemento crucial que possibilita a reflexão, pois, durante a interação, eles dão e
recebem opiniões sobre a prática pedagógica um do outro, o que contribui para
deixá-los mais conscientes do que estão fazendo e como estão fazendo.
No artigo, Language Teacher Educators Collaborative Conversations, Bailey
et al. (1998) relatam uma experiência de estudo de grupo realizada por 16
professores formadores, com o propósito de discutir suas crenças e práticas com
base nas conversas colaborativas e críticas. Esses educadores eram principalmente
professores de inglês como segunda língua, e alguns também trabalhavam como
professores de língua estrangeira ou com o ensino bilíngüe. Trabalhavam, em geral,
com alunos de mestrado, graduação ou doutorado e ministravam cursos de
metodologia, lingüística, aquisição de segunda língua e escrita. Todos faziam
pesquisa, particularmente de sala de aula. As discussões do grupo eram baseadas
em um texto escrito por um dos integrantes, enviado para todos que compunham o
grupo, alguns dias antes do encontro. As conversas dos encontros foram gravadas
em áudio, transcritas e editadas para que os participantes, envolvidos nas questões
em discussão, pudessem atribuir suas opiniões.
O artigo é o relato de seis dos formadores de professores e apresenta dois
objetivos: 1) identificar uma questão na formação de professores que seja
representativa no grupo e 2) partilhar um exemplo das discussões e o que elas
produzem. Estava assentado na discussão de um texto, escrito por Jerry Willett –
professor formador – à luz das respostas de um aluno-professor em formação – Tom
Nicoletti –, no tocante à questão da avaliação do próprio curso de formação de que
participava.
3 “Regular reflection on their classroom experiences allows teachers to identify areas in their teaching that they feel need attention and thus spurs their continuing professional development”. Todas as traduções apresentadas nesta pesquisa são de autoria da pesquisadora.
26
Os resultados assinalaram que a conversa colaborativa, tida como
estratégia para a formação de professores, ajudou os professores formadores a
perceber novos horizontes para além do território comum que costumavam vivenciar,
isto é, os lugares formais para a socialização de suas idéias: publicações e
participação em congressos.
De acordo com os autores, as conversas diferem das publicações e da
participação em congressos porque possibilitam a resposta imediata de um grupo
em torno de idéias, antes que sejam formadas e trabalhadas. A apresentação de
dilemas reais para os colegas permite ver os problemas por nova perspectiva. No
processo de discussão do problema apresentado pelo colega, os membros do grupo
imediatamente passam a discutir a questão de modo mais geral, para que todos
possam participar da discussão, limitando possíveis constrangimentos devido a sua
própria maneira de ver a situação. Percebe-se que os colegas do grupo já
enfrentaram problemas similares, e isso possibilita ganhar conhecimento assentado
na prática do outro.
As discussões possibilitam, portanto, trazer questões de sala de aula não
evidenciadas e partilhá-las com colegas que têm a mesma prática. A participação
em discussão também exige que, constantemente, os integrantes do grupo se
esforcem para compreender o objetivo da fala do outro, intentando fazer-se
compreendido. Além disso, o fato de os encontros se realizarem em ambiente
familiar propiciou a eles oportunidade para falarem de suas famílias e de outros
eventos associados ou não a questões profissionais.
No artigo, Teacher Study Groups: Persistent Questions in a Promising
Approach, Clair (1998: 465), professora formadora, em decorrência da reformulação
do sistema educacional americano para atender à demanda de imigração, constituiu
dois grupos de estudo de professor com o objetivo de “iluminar as complexidades de
trabalhar com professores de modo diferente, concernente à educação dos
aprendizes de língua inglesa.”4
Ela coletou os dados tendo como instrumento primário de pesquisa os
encontros com os professores, durante os quais, ela fez anotações de campo e os
professores escreveram diários. O objetivo dos diários dos alunos era refletir sobre
seu trabalho, sobre a educação dos aprendizes de língua inglesa e sobre os grupos
4 Illuminate the complexities of working with teachers in new ways.
27
de estudo como opção para o desenvolvimento profissional. De novembro a maio de
1994, os grupos de estudo realizaram encontros mensais de duas horas de duração.
Clair questiona a forma tradicional de formação do professor, focada na
realização de workshops e seminários, por considerá-la inadequada para orientar a
nova visão de sala de aula exigida pela reforma educacional americana, que
concebe um professor capaz de formatar seu próprio desenvolvimento profissional,
de ter responsabilidade por sua aprendizagem, de ter autonomia de pensamento e
experimentar suas próprias escolhas, porque o que ele faz tem impacto direto em
seu contexto diário de ensino.
Clair argumenta a favor da formação de grupo de estudo como alternativa
para o desenvolvimento profissional, uma vez que cria oportunidades para os
professores explorarem, juntos, questões e desafios que têm impacto direto na sua
vida e na vida de seus alunos. Ele serve como catalisador para acionar o poder
coletivo de professores quando questionam e resolvem problemas em grupo.
A análise de dados revelou cinco temas presentes nas discussões: tensões
sobre o conhecimento, alianças com as estruturas tradicionais de desenvolvimento
profissional, maneiras de trabalhar um com o outro, de compreender as
necessidades educacionais dos aprendizes de língua inglesa e a experiência da
autora como participante. Clair conclui afirmando que, apesar de os professores
terem pouco ou nenhum tempo para partilhar informações e idéias sobre ensino e
aprendizagem, a troca de informações pode ser o primeiro passo em direção a uma
colaboração significativa e à socialização de informação.
No Brasil, desde a reformulação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9.394,
de 1996, tem havido grande movimentação em torno da implementação de nova
reforma educacional, exigindo dos professores do ensino fundamental e médio
novos modos de pensar e de ensinar mediante os documentos PCNs (1998) e
OCEMs (2006). Na seção abaixo, são discutidas algumas questões referentes ao
repensar da prática de sala de aula e da formação do professor para confrontar os
desafios que os professores de língua estrangeira enfrentam ao tentarem incluir os
aprendizes de inglês na reforma.
28
2.4 O ensino de inglês e as exigências da reforma educacional no contexto da
escola pública brasileira
A LDB (1996), em seu art. 36, inciso III, sobre o currículo do Ensino Médio,
dispõe ser “incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória,
escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das
disponibilidades da instituição”. O que de fato vem ocorrendo nas escolas públicas
do Estado de Mato Grosso, nesta década, é a escolha de uma única língua
estrangeira, conforme o interesse de um pequeno grupo de professores que se
encontra nas unidades escolares. Dessa forma, é comum, em uma escola estadual,
haver a disciplina de língua inglesa e, em uma outra, a língua espanhola, ou, até
mesmo, em uma mesma escola, a língua inglesa no ensino fundamental e a língua
espanhola no ensino médio.
Além disso, a rede estadual de ensino adota um sistema de atribuição de
aulas conforme a matriz curricular de cada escola. Apesar de todas as escolas
serem estaduais, cada uma tem a autonomia de elaborar sua própria matriz
curricular para atender aos interesses de sua comunidade (Parecer CEB/CNE 03/98,
combinado com a Resolução nº 150/99-CEE/MT). Não existe uma mesma matriz em
duas escolas diferentes. Os componentes curriculares até podem ser os mesmos,
mas distribuídos com a carga horária semanal e em séries diferentes.
As matrizes curriculares são discutidas e reformuladas conforme a
necessidade da comunidade educativa, procurando equilibrar a distribuição da carga
horária das três áreas de conhecimento propostas pelas OCEMs: Linguagens
Códigos e suas Tecnologias, Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias
e Ciências Humanas e suas Tecnologias. A língua estrangeira moderna faz parte da
primeira área de conhecimento, ao lado da língua portuguesa e literatura, educação
física e arte.
Contudo, nesse grupo de disciplinas, arte e língua estrangeira moderna
ainda não adquiriram o status merecido. Continuam a receber tratamento de menor
importância pelos professores das outras disciplinas que, por serem em maior
número, conseguem impor sua decisão. O número de aulas de cada disciplina é
distribuído conforme o interesse do grupo mais forte, e é muito comum ouvirmos,
nas reuniões para elaboração da matriz curricular, comentários como: “Se diminuir a
aula de língua portuguesa, um professor vai sair da escola”; “Diminuir o número de
29
aula de educação física não pode, porque existe uma lei que ampara o número de
duas aulas semanais”; “Inglês está com duas aulas que não são necessárias, eles
não sabem nem português, quanto mais inglês!”. A partir de 2007, a maioria das
escolas estaduais passou a oferecer apenas uma aula de língua estrangeira
moderna, com duração de sessenta minutos.
Além da carga horária mínima que o professor de língua estrangeira dispõe,
vários outros fatores contribuem para a falta de credibilidade em relação ao ensino
de língua estrangeira: as salas numerosas, a necessidade de o professor trabalhar
em diferentes escolas para preencher a agenda de trabalho, jornada que não lhe
permite dedicar algumas horas ao estudo, a falta de material didático básico, a má
qualificação profissional, o currículo deficiente, a falta de motivação por parte dos
professores e dos alunos, o salário baixo etc.
Assim, hoje, no contexto da escola pública, infelizmente ainda vivenciamos
o ensino pautado pela leitura e pela tradução de textos e o ensino mecânico de
estruturas gramaticais, cujos resultados deixam a desejar. Essa metodologia expõe
ostensivamente a necessidade de atualização dos professores e do incentivo de
órgãos governamentais com vistas a criar e a oferecer condições para que o
professor possa estudar.
Muitos pesquisadores, como Félix (1999), Moita Lopes (2001), Freire e
Lessa (2003), Perin (2005), Gimenez (2005a), Basso (2005), Almeida Filho (2005),
Gasparini (2005), Santos (2005), Schmitz (2006), Ramos (2006), Coelho (2006),
Dias (2006), Dias e Assis-Peterson (2006), Assis-Peterson e Cox (2007), Cox e
Assis-Peterson (no prelo), têm discutido exuastivamente o problema do ensino de
inglês na escola pública e apresentado sugestões.
Embora os PCNs e as OCEMs, documentos que orientam a grande reforma
educacional brasileira, tenham se pautado pelas concepções de linguagem, de
ensino e aprendizagem mais recentes, perspectivas essas que abraçam a
heterogeneidade da linguagem, as especificidades locais situadas social e
historicamente não foram ainda incorporadas pelos professores das escolas
públicas. A meu ver, tais documentos só poderão ser incorporados à medida que
mecanismos de agenciamento possam ser encetados para que o professor possa
“aprender a aprender” esse novo modo de ensinar. Cursos de atualização
esporádicos já mostraram ser insuficientes. Torna-se cada vez mais evidente que os
professores de escola pública precisam buscar alternativas para entender as teorias
30
que embasam tais documentos oficiais – elaborados por professores da academia
que há muitos anos pesquisam sobre o assunto – para que possam efetivamente
relacioná-los com seu contexto de trabalho.
As OCEMs propõem o ensino de todas as habilidades comunicativas, “a
leitura, a comunicação oral e a prática escrita” de modo integrado (OCEMs,
2006:111). O objetivo do ensino de leitura, ancorado nas teorias sobre letramento,
deve vislumbrar um leitor que saiba ler o que está nas entrelinhas, um leitor que
entreveja os aspectos culturais que permeiam o uso da linguagem, uma vez que os
sentidos não estão prontos, mas são construídos com base no conhecimento de
cada indivíduo-leitor. Busca-se desenvolver uma leitura que promova a
transformação no pensar e no agir do aluno, de modo que ele assuma uma posição
diante do que lê e perceba que o texto é resultado de valores, ideologias, discursos
e visão de mundo. O trabalho de leitura prevê a formação de leitores independentes
e críticos, conforme diz o documento:
Além da compreensão geral, dos pontos principais e das informações detalhadas (fases da leitura amplamente divulgadas em orientações anteriores, como nos primeiros Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental), o exercício de leitura desse texto deve, segundo as teorias sobre letramento, desenvolver/voltar-se para a habilidade de construção de sentidos, inclusive a partir de informações que não constam no texto. Poderia, por exemplo, prever perguntas ou reflexões como: quais são os possíveis significados e leituras a serem construídos a partir desse texto? (OCEMs, 2006: 93)
Além da leitura, o ensino da comunicação oral tem destaque nas OCEMs,
sendo sugerido o uso do arcabouço teórico da abordagem comunicativa. Essa nova
habilidade vem ao encontro dos anseios dos alunos e de alguns professores da
escola pública que acreditam que a língua serve para estabelecer a comunicação
oral e escrita entre os povos. Vejamos o documento abaixo:
Seguindo uma linha do ensino comunicativo, tendo a preocupação de preparar os alunos para a comunicação em Línguas Estrangeiras em contextos significativos, achamos que se deva ter um inventário desses, pois pode haver mudanças segundo necessidades/relevâncias regionais. No entanto, sugerimos que seja seguido um raciocínio como o que parte de contextos de uso graduados em termos de sua complexidade de interação. Por exemplo, podem-se contemplar desde contextos simples, como a troca de informações e apresentações pessoais, até contextos mais complexos, como aqueles necessários para oferecer ajuda e/ou orientações a turistas nas regiões do país onde tal situação é relativamente comum. (OCEMs, 2006: 120)
31
Entretanto, para que o ensino da comunicação oral seja eficiente, é
necessário que os professores tenham domínio lingüístico-comunicativo. O
documento também apresenta essa preocupação:
Concordo que todas essas competências são importantes. No entanto, não podemos desconhecer que sem a competência lingüístico-comunicativa o professor fica sem seu principal instrumento de trabalho, pois é essa competência que ele tem a expectativa de adquirir para depois desenvolver em seus alunos e é essa mesma competência que os alunos esperam atingir. PAIVA (2005 apud OCEMs, 2006)
Além disso, a prática de escrita segue também o arcabouço teórico de
letramento, pautada na inclusão social, que prevê trabalhar a linguagem
desenvolvendo os modos culturais de ver, descrever, explicar. Assim, a escrita é
“uma série de práticas socioculturais” (OCEMs, 2006: 100) e está relacionada com a
atividade de leitura e com a comunicação oral, segundo as Orientações
Curriculares:
Seria mais semelhante a uma prática escrita conforme a concepção já apresentada de letramento, ou seja, de usos contextualizados da língua, que desenvolve escrever e responder mensagens e corresponder-se com outras pessoas pela Internet. Por exemplo, uma escrita que representa, muitas vezes, uma “conversa escrita”. O advento da computação e da Internet demonstra ter uma grande influência na expansão da atividade escrita. (OCEMs, 2006: 121)
Portanto, o documento, ao exigir nova maneira de conceber, de pensar, de
significar a linguagem, balizado por novos conhecimentos teóricos sobre letramento,
multiletramento, hipertexto e abordagem comunicativa, aponta para a necessidade
de pensar novos meios de envolver de forma conseqüente os professores na
reforma educacional. No entanto, como conciliar o que os documentos oficiais
propõem com as condições alarmantes de trabalho dos professores de escola
pública? Problemas reconhecidos, como grade horária insuficiente, professores de
outras disciplinas ministrando aulas de inglês, ausência de tempo e de material de
estudo para o professor se atualizar, devem sair das coxias e tomar o centro do
palco, com a criação de um plano estratégico de duração de cinco anos, por
exemplo, para que a reforma educacional possa de fato ocorrer.
Neste estudo, pretende-se investigar, mediante conversas colaborativas
entre duas professoras de inglês e uma pesquisadora iniciante, como as duas
32
professoras, com base em leitura prévia de textos, refletem acerca dos problemas
que as afligem em seu cotidiano e como expressam seus desejos em busca de um
ensino mais eficaz e conseqüente de língua inglesa nos níveis fundamental e médio.
No próximo capítulo, descrevo a natureza da pesquisa colaborativa e o
caminho trilhado com o objetivo de explicitar todas as etapas que orientaram o
estudo.
33
CAPÍTULO 3
O CAMINHO TRILHADO
Neste capítulo, dividido em duas seções, empreendo um passeio teórico
sobre a pesquisa colaborativa e defino o que são conversas colaborativas. Em
seguida, exponho o cenário, as participantes da pesquisa, os motivos que me
fizeram escolher duas das dez conversas colaborativas gravadas para a análise,
como e quando as conversas foram realizadas e os procedimentos utilizados para
analisar os tópicos emergentes dessas conversas.
3.1 A natureza da pesquisa colaborativa
A pesquisa colaborativa tem sido utilizada por vários pesquisadores, tais
como Bailey (2001), Liberali (2002), Gimenez (2002), Magalhães (2002), Vieira-
Abrahão (2002), Kfouri-Kaneoya (2004), Horikawa (2004) e Pessoa (2005), na área
de formação de professor de língua estrangeira.
O uso do termo colaboração (Zeichner 1993 apud PIMENTA, 2005), inserido
em alguns estudos, ocorre porque é um tipo de pesquisa em que sempre tem
alguém colaborando com o outro. Geralmente há um docente universitário ajudando
outros docentes das escolas a transformar sua prática institucional e suas ações em
sala de aula.
Nesta pesquisa, foi adotado o modelo da pesquisa colaborativa apresentado
por Pimenta (2005), que o denominou como pesquisa-ação crítico-colaborativa.
Nesse modelo, os sujeitos da pesquisa se reúnem com o objetivo de discutir sobre o
papel do professor, refletindo sobre ele e sobre sua prática em sala de aula, a fim de
partilhar conhecimento e a propor mudanças.
Esse modelo está ancorado na teoria crítica, que concebe a linguagem
como prática social imbricada de ideologia e poder. O papel do pesquisador é
colaborar com os outros, ajudá-los a se situar em um contexto teórico mais amplo e,
assim, possibilitar a ampliação da consciência dos envolvidos, com o objetivo de
planejar as formas de transformação das ações dos sujeitos e das práticas
institucionais.
34
Para Kincheloe (1997 apud PIMENTA, 2005: 15), “a pesquisa colaborativa
crítica não pretende apenas compreender ou descrever o mundo da prática, mas
transformá-lo; [...] é sempre concebida em relação à prática – ela existe para
melhorar a prática”. Os pesquisadores críticos tentam descobrir os aspectos da
ordem social que dominam as práticas sociais com objetivos emancipatórios.
Assim, a pesquisa colaborativa crítica apresenta uma metodologia que
ajuda os professores a reconfigurarem sua prática docente, alicerçada na percepção
dos pontos fracos do ensino que precisam melhorar, inserindo os aspectos sociais e
políticos que travam o desenvolvimento de alunos e professores como agentes
reflexivos e críticos.
Alinho-me à pesquisa colaborativa reflexivo-crítica porque acredito que a
colaboração, a reflexão e uma concepção crítica são instrumentos cruciais para o
desenvolvimento de professores em serviço e pré-serviço. Não adianta propor um
trabalho colaborativo sem a reflexão de “como estou fazendo e que mudanças eu
proponho”. Acredito, assim, que a concepção crítica na formação de professor é um
dos poucos meios que temos para propor, confrontando discursos que possibilitem a
emancipação e a transformação dos sujeitos em um contexto macro-social
dominado por relações de poder e lutas hegemônicas. Para isso, no entanto, é
preciso que os professores tenham tempo e espaço para se atualizar em relação às
novas concepções de linguagem, ensino e aprendizagem, avaliar, questionar e
contextualizar sua prática dentro do contexto das novas idéias propostas pela
reforma.
Uma das formas de criar, na escola, espaço para estudo é a formação de
grupo de estudos com o objetivo de promover conversas colaborativas.
Entendemos conversas colaborativas como momento reflexivo em que professores
podem partilhar suas ansiedades, suas experiências, suas crenças e conhecimentos
de prática mediante a leitura prévia de um texto relacionado com tópicos
educacionais, questões políticas, sociais e metodológicas concernentes ao ensino e
aprendizagem, bem como com as condições de trabalho nas escolas. É um
momento em que os participantes do grupo de estudos se ajudam mutuamente na
construção de sentidos mediante intensa (re)negociação para avaliar e reconfigurar
a compreensão acerca de suas teorias e práticas.
Conforme Oliveira (2006: 66), sessões colaborativas entre professor e
pesquisador constituem “espaço interacional dedicado ao debate colaborativo e
35
teoricamente informado de temas relevantes para a formação docente e para o
cotidiano escolar”. Da mesma forma, entendo que as conversas colaborativas são
encontros importantes porque nelas são realizadas conversas que permitem o
engajamento dos participantes da pesquisa na interação. Para que a interação se
concretize, é necessário o uso da linguagem que, segundo Bakhtin (2004), é uma
criação coletiva que tem a palavra como material essencial. A palavra se revela
como o local onde se confrontam valores sociais contraditórios, de forma que os
conflitos da língua refletem os conflitos de classe no próprio interior do sistema
social. A palavra está presente em todos os atos de compreensão e de interpretação
e será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais. Assim,
acreditamos que, nessas conversas, a palavra não é só uma palavra, mas o
conhecimento, a experiência, a angústia, a vontade de mudar e de partilhar. As
conversas colaborativas, portanto, permitem explicitar nossa vivência pessoal e
profissional, cheia de valores e crenças adquiridas ao longo de muitos anos de
prática.
Na pesquisa colaborativa, há a necessidade de cada um ter sua voz, e essa
voz contribuir com a voz do outro para um trabalho em conjunto, como diz Damon e
Phelps (1988 apud Bailey, 2001: 261): “A aprendizagem colaborativa está
organizada em torno dos aprendizes trabalhando juntos em situação de interação
face-a-face”5.
3.2 A composição do cenário
3.2.1 O cenário
A presente pesquisa foi realizada com duas professoras de inglês da Escola
Estadual Neves6, situada no centro de Cuiabá. Tal escolha se deveu ao fato de as
duas professoras estarem envolvidas na implementação de um projeto “Re-
significando a aprendizagem de língua estrangeira: um projeto de ensino das quatro
habilidades comunicativas”, criado e implantado na escola em 2000.
O projeto nasceu da inquietação de um grupo de professores que se viram
compelidos a propor uma mudança na abordagem de ensinar a língua estrangeira,
até então voltada para o estudo da gramática, sem se preocupar com o nível de
5.Collaborative learning is organized around learners working together through face-to-face interaction. 6.O nome da escola é fictício.
36
proficiência do aluno, com a progressão de conteúdo, sem afinidade com os
postulados dos novos PCNs.
Os professores se uniram para propor um ensino voltado para o
desenvolvimento das quatro habilidades comunicativas no ensino médio.
Preocuparam-se em criar duas salas adequadas ao ensino de língua inglesa para
que os alunos pudessem freqüentar, uma vez por semana, aulas de duas horas de
duração. Os alunos do horário vespertino assistem às aulas no horário matutino e
vice-versa. A escola oferece duas línguas, inglês ou espanhol, cuja escolha fica a
critério dos alunos. Assim que eles se matriculam na disciplina, são submetidos a um
teste de nivelamento e, conforme o desempenho, define-se a classe a que
pertencem. São oferecidas classes de nível 1, nível 2 e nível 3 e, a cada semestre,
os alunos são reagrupados por seu desempenho no processo de aprendizagem.
A sala de língua estrangeira é bem organizada e decorada com vários
quadros e figuras com textos em língua estrangeira e figuras. Há também avisos em
inglês, a exemplo deste: “Don’t use a mobile in the classroom”. Além disso, a sala
,climatizada, está equipada com um aparelho de som e um retroprojetor. Há
armários embutidos, onde os professores guardam o material que usam para as
aulas, como revistas, livros, fotocópias.
É interessante notar que a sala contém material que não está, na maioria
das vezes, presente em outras salas de língua inglesa. Todos esses recursos, nesse
ambiente de ensino e aprendizagem de língua estrangeira, propiciam o uso de
metodologias diversificadas, atendendo à necessidade de uma valorização e uma
prática de ensino que seja comprometida com o uso da língua.
3.2.2 As participantes
A decisão de ingressar no grupo de estudo com as duas professoras dessa
escola se assentou em meu desejo de conhecer a estrutura funcional do projeto
para tentar introduzi-lo na escola estadual em que trabalho. Tomei conhecimento do
projeto em um dos encontros da Associação de Professores de Língua Inglesa do
Estado de Mato Grosso (APLIEMT), durante o ano de 2005. Perguntei-lhes se eu
poderia participar desses encontros, pois já havia lido os artigos de Bailey et al.
(1998) e de Clair (1998) sobre a importância do estudo de grupo para formação de
professores. De imediato, elas aceitaram. Contudo, foi somente em agosto de 2006
37
que me juntei a elas para participar do grupo de estudo e, simultaneamente,
desenvolver esta pesquisa. Antes, por estar trabalhando e fazendo três disciplinas
no mestrado, não dispunha de tempo.
Em relação às participantes, as duas professoras e esta pesquisadora são
formadas em Letras (inglês-português) e especialistas em Lingüística Aplicada pela
Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT.
Uma das professoras, Fernanda7 , de longa data trabalha com língua inglesa
em escolas particulares e em cursos livres de idiomas, mas, na escola pública, está
há seis anos, diz-se muito satisfeita em atuar na rede pública de ensino, mostra-se
realista, faz aquilo que é possível e em que acredita. Acha que o ensino de inglês na
escola pública deve ir além do ensino de língua, ou seja, deve fazer as crianças
acreditarem que podem sonhar e criarem expectativas de um futuro melhor. Acredita
que a língua inglesa, hoje, não pertence a ninguém, está em todo lugar e procura
mostrar isso a seus alunos.
A professora Lúcia – a segunda participante – já trabalhou em várias
escolas particulares com língua portuguesa e inglesa. Atualmente só trabalha com
língua inglesa na Escola Estadual Neves. Ela mora em um bairro bem distante da
escola, mas não pede remoção para seu bairro porque gosta de trabalhar com o
projeto. Sonha que, um dia, os alunos falarão inglês, diz fazer o possível para que
eles tenham competência comunicativa oral para utilizar em pequenas interações,
quando necessário. Diz gostar de trabalhar na escola pública em razão da
autonomia que possui quanto ao conteúdo. Mostra-se bem envolvida nos trabalhos
em grupo e é preocupada com a eficiência de sua prática pedagógica.
A terceira participante é esta pesquisadora, professora da rede pública do
Estado de Mato Grosso desde maio de 1986. Já trabalhei em cursos livres de
idiomas de 1991 a 2003, quando participei de vários cursos de metodologia do
ensino de língua estrangeira. Atualmente sou professora da rede particular e pública
de ensino, ministrando aulas de língua inglesa para o ensino médio. Gosto de atuar
na rede pública pela liberdade de poder escolher a abordagem de ensino e o
conteúdo, porém sinto falta da formação de uma equipe que queira desenvolver um
projeto para a rede pública que preze o ensino para o uso da língua estrangeira.
7 O nome das participantes da pesquisa é fictício.
38
3.2.4 A escolha dos textos
Os textos estudados durante a realização da pesquisa foram escolhidos
pelas duas professoras, alicerçados nos textos que lhes apresentei. Em relação aos
tópicos, Fernanda sugeriu textos sobre a formação, pautada pela teoria crítica e pelo
ensino de inglês na escola pública. Lúcia, por sua vez, mostrou interesse sobre a
prática de sala de aula e como desenvolver atividades significativas, dado que o
projeto da escola exigia o conhecimento da Abordagem Comunicativa.
Assim, para não interferir diretamente na escolha dos textos, sugeri dividi-
los em dois grupos, de acordo com dois tópicos: “textos sobre o ensino de língua
estrangeira na escola pública” e “estudo de textos sobre metodologia do ensino de
língua inglesa”, apresentados no QUADRO 1.
QUADRO 1: Textos selecionados para as conversas colaborativas N° de encontros
Textos Estudados
1 (PERIN, 2005) – Ensino-aprendizagem de língua inglesa em escolas públicas: o real e o ideal.
2 (FONTANA e LIMA, 2003) – A negociação de sentido e a interação na aquisição de LE.
3 (RAJAGOPALAN, 2003) – A identidade lingüística em um mundo globalizado.
4 (UR, 1999) – Module 2: The function of practice & characteristics of a good practice activity. p. 19-23.
5 (UR, 1999) – Module 2: Practice technique & sequence and progression in practice. p. 24-31.
6 (GOWER e WALTERS, 1994) – Chapter 6: Presenting and practicing language, p.126-130.
7 (GOWER e WALTERS, 1994) – Chapter 6: Presenting and practicing language, p.131-136.
8 (GOWER e WALTERS, 1994) – Chapter 6: Presenting and practicing language, p.137-141.
9 (CARDOSO, 2003) – The communicative approach to foreign language teaching: a short introduction – managing theory and practice in the classroom – for teacher’s development.
No total, realizamos nove encontros, durante os quais estudamos e
discutimos nove textos, sendo três pautados pelo ensino crítico de língua estrangeira
(textos 1, 2 e 3) e seis que apresentavam as concepções teóricas de metodologia do
ensino de língua estrangeira (textos 4, 5, 6, 7, 8 e 9).
39
Desse universo de nove textos, escolhi as conversas colaborativas de um
texto de cada um dos grupos para a realização da análise (texto 1: Perin (2005)
“Ensino aprendizagem de língua inglesa em escolas públicas: o real e o ideal” e o
texto 4: Ur (1999: 19-23) “Practice activities: The function of practice”. Os dois textos
escolhidos para a análise foram aqueles que fomentaram alto grau de discussão
entre as professoras. O texto de Perin evidenciou que o cenário e os problemas da
escola pública do Estado do Paraná são bastante semelhantes aos de Mato Grosso.
O texto de Ur produziu reflexão acirrada acerca da comparação ensejada pelo
modelo proposto por Ur para a prática pedagógica, confrontando com a prática das
professoras. Além disso, a seleção do corpus para a ADC não depende da
quantidade de informação, mas de uma amostra pequena.
3.2.4 A realização das conversas colaborativas
Os encontros foram realizados semanalmente. O primeiro aconteceu no dia
21 de agosto de 2006 com o objetivo não só de conhecer uma das professoras,
porque a outra já era conhecida do meio acadêmico, mas também de definir os
próximos encontros. Primeiramente, expliquei meu interesse pela pesquisa:
conhecer como estava ocorrendo a execução do projeto “Re-significando a
aprendizagem de língua estrangeira: um projeto de ensino das quatro habilidades
comunicativas” e organizar um grupo de estudo na escola, para que eu pudesse
também, ancorada nessa experiência, registrar dados que me auxiliassem na
dissertação de mestrado que realizava. Uma cópia do projeto da pesquisa foi
entregue às duas professoras para que elas conhecessem os procedimentos da
pesquisa e os motivos que me levaram a desenvolvê-la com a sua colaboração.
Em seguida, conversamos sobre o grupo de estudo e discutimos acerca das
temáticas que eram de nosso interesse para estabelecermos objetivos comuns em
nosso trabalho. Após muita discussão, decidimos estudar textos que abordassem o
ensino e a aprendizagem de língua estrangeira na escola pública e combinamos que
poderíamos mudar a temática do texto conforme a necessidade do grupo. Uma das
professoras sugeriu que poderíamos, em vez de gravarmos em áudio, “escrever um
relatório” (fala da professora) apresentando nossas ansiedades e angústias à luz do
referencial teórico dos textos estudados, sugestão aceita por todas. Em encontro
posterior, expliquei novamente a importância do registro de nossas conversas e da
40
dificuldade que teria, em razão da escassez de tempo, para transcrever o texto
imediatamente após as conversas. Fernanda sugeriu que gravássemos e que
escrevêssemos um diário após os encontros, mas sem que isso fosse obrigatório, e
assim fizemos. Apenas quatro diários foram elaborados por professora. Não os
utilizei como dados primários, mas como suporte para esclarecer pontos pertinentes
à análise das conversas colaborativas.
Os nove encontros, com duração de uma hora e meia a duas horas, eram
geralmente realizados na escola em que as duas atuavam, a partir das 18 horas,
quando dispunham de tempo.
3.2.5 Os procedimentos de análise
A Análise de Discurso Crítica (ADC), cujo objeto de estudo é a linguagem
oral e escrita para o estudo da língua em uso, foi a base para analisar os dados
orais coletados durante as conversas colaborativas. O principal foco foi a análise do
discurso inferido das falas das três professoras envolvidas.
O Modelo Tridimensional apresentado por Fairclough (1992) propõe uma
análise de texto a partir da definição de discurso, entendido como prática social8
historicamente situada. Fairclough (1992) apresenta três dimensões de análise no
Modelo Tridimensional: a textual, a prática discursiva e a prática social.
A primeira dimensão, a textual, compreende o estudo das partes formais do
texto, como vocabulário, gramática, coesão e estrutura textual, sem desvincular
forma e conteúdo. A segunda dimensão, a prática discursiva, enfeixa o processo de
produção, distribuição e consumo dos textos. O texto é visto como produto do
processo de produção e interpretação mediado pela interação, que sofre influência
de um contexto social macro. Dessa forma, analiso o contexto, a coerência e a
intertextualidade. A última dimensão se refere à prática social, compreendida como
condições sociais de produção e de interpretação do discurso, influenciadas pela
ideologia – sentidos, pressuposições, metáforas – e pela hegemonia – orientações
econômicas, políticas, culturais, ideológicas –, que moldam e constituem o discurso
8 Práticas sociais são compreendidas como “maneiras habituais, em tempos e espaços particulares, pelas quais pessoas aplicam recursos – materiais ou simbólicos – para agirem juntas no mundo”. (RESENDE e RAMALHO 2006 apud CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1992: 21)
41
e as identidades numa relação dialética. Portanto, todo texto é resultado de uma
prática discursiva e de uma prática social.
A ADC propõe um modelo de análise que leva em consideração os
aspectos sociais amplos que influenciam as diversas práticas sociais. Assim,
Resende e Ramalho (2006) afirmam que o objetivo da ADC é refletir sobre a
mudança social contemporânea, sobre mudanças globais de larga escala e sobre a
possibilidade de prática emancipatória em estruturas cristalizadas na vida social.
Desse modo, este trabalho procura propor uma análise que abranja as três
categorias do modelo tridimensional (FIGURA 1): a prática social, a prática
discursiva e o texto. Da prática social, analiso a intertextualidade; da prática
discursiva, a interdiscursividade; do texto, a modalidade para compreender as vozes
que ecoam no dia-a-dia do contexto escolar.
A FIGURA 1 resume o modelo Tridimensional de Fairclough (1992), no qual
me baseei para a análise do corpus deste estudo.
A intertextualidade (FAIRCLOUGH, 2003) é a constituição de um texto por
elementos de outros textos, como os textos podem transformar textos anteriores e
reestruturar as convenções existentes (gêneros, discursos) para gerar outros textos.
Questão importante para o estudo da intertextualidade em um texto é a verificação
de quais vozes são incluídas e quais são excluídas, que ausência significativa pode
ser observada e que presença é interessante examinar em relação às vozes
42
articuladas, se são harmônicas, de cooperação, ou se são de tensão, entre o texto
que relata e o texto relatado.
A interdiscursividade representa os vários discursos que permeiam uma
interação. Segundo Fairclough (2003), diferentes discursos são diferentes
perspectivas do mundo, associadas a diferentes relações que as pessoas
estabelecem com o mundo e que dependem de suas posições no mundo e das
relações que estabelecem com outras pessoas. Assim, em relações sociais, os
discursos podem complementar-se ou pode competir um com o outro.
A modalidade, para Fairclough (2003), é um ponto de intersecção no
discurso, entre a significação da realidade e a representação das relações. Pode ser
vista como a questão de quanto as pessoas se comprometem quando fazem
afirmações, perguntas, demandas ou ofertas. Afirmações e perguntas aludem à
troca de conhecimento, modalidade epistêmica, que revela o comprometimento com
a “verdade”. As demandas e as ofertas referem-se à troca de atividade, modalidade
deôntica, que revela o comprometimento com a obrigatoriedade/necessidade.
Fairclough apresenta, também, o conceito de modalidade categórica para incluir os
pólos positivo e negativo, além de acrescentar uma reflexão acerca das distinções
dos tempos verbais, como as distinções entre pode/poderia e deve/ deveria, que
coincidem com a distinção entre hipotético e não hipotético. Fairclough acrescenta
outra distinção entre modalidade objetiva e subjetiva. Na modalidade objetiva, o
julgamento do falante está implícito, pode não estar claro qual ponto de vista é
representado, se “o falante projeta seu ponto de vista como universal ou age como
veículo para o ponto de vista de um outro indivíduo ou grupo” (FAIRCLOUGH, 2001:
20). Na modalidade subjetiva, o grau de afinidade do próprio falante com a
proposição está expresso.
A análise da modalidade nas conversas colaborativas permitirá que seja
desvelado quanto as professoras se comprometem quando fazem afirmações,
perguntas, demandas e ofertas para com suas proposições, revelando, assim, seu
compromisso com a escola pública. O grau de afinidade que elas têm para com suas
proposições, revelando-se ora como professoras da escola pública, ora como
veículos mantenedores do ponto de vista de outras pessoas, reforçam assim a
relação de poder e a força hegemônica que procura naturalizar as práticas
discursivas. Desse modo, Hodge e Kress (1988: 123 apud FAIRCLOUGH, 2001:
43
199) asseveram que, em qualquer enunciado proposicional, o produtor deve indicar
um grau de afinidade e de comprometimento com a proposição.
A seguir, apresento um quadro com o resumo das modalidades analisadas
neste trabalho com seus respectivos exemplos.
QUADRO 2 – Tipos de modalidades de discurso e exemplos correspondentes Modalidade categórica
Não hipotética – expressa alto grau de comprometimento.
Excerto 3 P1: Aqui, nessa escola, pelo número, por causa do que ela é em termos de tamanho [...].
Hipotética – expressa baixo grau de comprometimento.
Excerto 4 (linhas 5 e 6) P2: Ela já veio com a idéia e com a autoridade sendo que poderia ser feita uma outra interpretação da lei [...].
Modalidade subjetiva
Expressa o grau de afinidade do próprio falante com a proposição.
Excerto 16 (linha 23) P3: eu acho que o conhecimento de inglês é muito importante, [...].
Modalidade objetiva
Não expressa o grau de afinidade do falante com a proposição. Assim, o falante pode estar agindo como um veículo para o ponto de vista de um outro indivíduo ou grupo.
Excerto 11 (linha 15) P3: [...] ele [o aluno] sabe que é bom.
Modalidade deôntica
As demandas e as ofertas se referem à troca de bens, ao comprometimento com a obrigatoriedade/necessidade.
Excerto 1 (linhas 12 e 13) P1: Entendeu? Ele [o aluno] não percebe que ele tem que ter autonomia.
Modalidade epistêmica
As afirmações e as perguntas se referem à troca de conhecimento, comprometimento com a “verdade”.
Excerto 21 (linhas 6 e 7) [...] práticas de vocabulário que também podem ser validadas.
Essas relações da linguagem são realizadas por meio do discurso, repleto
de valores e crenças. Assim, buscamos as orientações da ADC porque Fairclough
(1992) compreende discurso como a linguagem em uso e, conforme Resende e
Ramalho (2006: 11), a ADC é:
Uma abordagem teórico-metodológica para o estudo da linguagem aberto ao tratamento de diversas práticas na vida social, capaz de mapear relações entre os recursos lingüísticos utilizados por atores sociais e grupos de atores sociais em que a interação discursiva se insere.
A ADC percebe o discurso como o momento em que várias vozes se
entrecruzam. A linguagem é concebida como espaço de luta hegemônica, uma vez
que viabiliza a análise de contradições sociais e lutas pelo poder que levam o sujeito
a selecionar determinadas estruturas lingüísticas ou determinadas vozes (RESENDE
e RAMALHO, 2006: 18). Desse modo, o poder e a ideologia podem contribuir na
definição das condições psicológicas que determinam o que dizer e como dizer.
44
Fairclough (1997 e 2001 apud RESENDE e RAMALHO, 2006: 49)
caracteriza hegemonia como o “domínio exercido pelo poder de um grupo sobre os
demais, baseado mais no consenso que no uso da força”. Durante as interações
verbais, hegemonias são produzidas, reproduzidas, contestadas e transformadas.
Dessa forma, os indivíduos inseridos em práticas sociais e discursivas são
responsáveis pela manutenção e pela transformação das estruturas sociais. Elas
consideram ser a ideologia, por natureza, hegemônica, no sentido de que “ela
necessariamente serve para estabelecer e sustentar relações de dominação e, por
isso, serve para reproduzir a ordem social que fornece indivíduos e grupos
dominantes”.
Em consonância com a ADC, Pennycook (1994) apresenta um estudo sobre
a representação política dos pronomes no discurso. Os pronomes não se revestem
de papel passivo de apenas substituir o nome, eles sempre implicam relação de
poder. Muitas vezes, utilizamos he (ele) porque há um discurso político presente na
sociedade disponível para os homens que os autoriza a usar o pronome he (ele)
para representá-los como pessoas e humanidade9 . O pronome we (nós) é sempre
um pronome que retrata inclusão e solidariedade10 . Ele autoriza a falar em nome de
outras pessoas quando se está representando um grupo social11 e também confere
diferença de poder entre determinados falantes12. Já os pronomes you (você) e they
(eles) indicam exclusão. O pronome they (eles) é uma máscara, pois camufla a
autoridade, a opinião de alguém. Essa máscara se estende ao uso dos pronomes it
(ela ou ela) e one (alguém, um). O pronome I (eu), embora seja o mais inocente,
empregado muitas vezes como auto-referencial, apresenta diferentes posições em
diferentes discursos. O eu que conversa com um filho não é o mesmo eu que
ministra uma aula. O pronome eu pode, também, operar como metade de uma
construção do outro: ele pode ficar em oposição a qualquer você ou eles13.
Para Pennycook, nós não usamos o pronome we (nós) para nos referirmos
aos grupos de excluídos, como homossexuais, classe média, etc. Nesse caso, ele
9 Neste caso, o uso do he não é apenas para esconder o gênero. 10 We humans, referindo-se a todos os humanos (PENNYCOOK, 1994: 175). 11 “What we need”, referindo-se a um grupo de professores (PENNYCOOK, 1994: 176). 12 O médico para o paciente. “Como nós estamos nos sentido hoje?” (PENNYCOOK, 1994: 176). 13 “I can also operate as one half of a construction of the other: it can stand in opposition to any you or they“ (PENNYCOOK, 1994: 177).
45
diz que usamos they no sentido de other (outro) e nunca we (nós)14. A escolha do
pronome que utilizamos no discurso depende do significado interpessoal que
desejamos expressar. No entanto, Papa (2005) ressalta que, quando usamos we
(nós), podemos expressar inclusividade (falante + destinatário + outros) ou
exclusividade (falantes + outros). Nesta pesquisa, o pronome nós pode revelar as
atitudes dos sujeitos apresentando sua inclusividade ou exclusividade. Assim, a
teoria da ADC e o estudo de pronomes de Pennycook ajudaram-me a compreender
o discurso das falantes durante as conversas colaborativas.
O próximo capítulo é dedicado à análise e à discussão das vozes em
movimento.
14 Neste caso, os americanos falando: “nós não temos pobreza como o Terceiro Mundo” (PENNYCOOK, 1994: 176).
46
CAPÍTULO 4
VOZES EM MOVIMENTO
O objetivo deste capítulo é desfilar a análise das conversas colaborativas
estabelecidas em torno de dois textos lidos previamente pelas professoras
participantes da pesquisa. Na primeira seção, a partir da descrição dos tópicos e
sub-tópicos do Texto 1 (PERIN, 2005) escolhido, analiso os tipos de modalidade
discursiva que determinam o posicionamento das professoras. Na segunda, valho-
me dos mesmos procedimentos para vincar a análise do Texto 4 (UR, 1999).
4.2 Duas professoras vs. outros: vozes em desarmonia
O texto de PERIN (2005) evidencia os resultados de uma pesquisa de
mestrado sobre os problemas que os professores de língua inglesa do Estado de
Paraná enfrentam em seu dia-a-dia. Reclamam do desinteresse e desprezo dos
alunos em relação a essa disciplina. Os alunos não crêem na possibilidade de
aprender inglês na escola pública e passam a menosprezar o professor e as
atividades dadas nas aulas, pois percebem que o professor não tem um programa
global, contínuo e progressivo e, portanto, não exigem dos alunos os conteúdos.
Como a escola não pode interferir na contratação de professores, não se sente
responsável pela má atuação de alguns deles Um outro problema enfrentado é a
rotatividade dos professores que decepa o desenvolvimento de um programa
contínuo.
As professoras Lúcia e Fernanda, de imediato, identificaram-se com os
tópicos descritos pelos professores e alunos do Estado de Paraná. Três tópicos
centrais permearam as conversas colaborativas: “a importância de uma formação
crítica por parte do professor”, “os problemas do ensino de língua inglesa na escola
pública” e “o perfil do professor de escola pública e a formação continuada”.
Em seu texto, Perin (2005: 145), mencionando Kosumen (1994), afirma que
“os professores muitas vezes entendem novas diretrizes curriculares como uma
série de instruções ou uma estrutura na qual, as autoridades os obrigam a planejar o
ensino, (...)”. Esse trecho levou Lúcia e Fernanda a entabular conversas
47
colaborativas em torno da necessidade de uma formação crítica para que o
professor possa refletir sobre documentos oficiais como os PCNs e o Projeto Político
Pedagógico (PPP) e relacionando-os com a realidade em que atua.
Tópico 1 - A importância de uma formação crítica por parte do professor
As professoras questionam a imposição de leis que vêm de cima para
baixo e lastimam que muitos professores as seguem sem sequer fazer uma análise
crítica da situação:
Excerto 115 (1) F16: [...] Aí, o que eu grifei vem logo depois da referência ao Kosumen (2) (1994) “os professores muitas vezes entendem novas Diretrizes (3) Curriculares como uma série de instruções ou uma estrutura na qual, as (4) autoridades os obrigam a planejar o ensino, o que os leva a se (5) estabelecer no sistema curricular”. (6) V: Por que você grifou isso? (7) F: Eu coloquei isso porque eu vejo muita coisa assim, da pessoa achar (8) assim que está escrito e é isso, que tem que cumprir, assim. (9) L: Parâmetros Curriculares Nacionais. (10) F: Entendeu? Ele não percebe que ele tem que ter autonomia para (11) aquela situação. (12) L: Para perceber o que é necessário para aquela situação. (13) F: Não é porque alguém escreveu uma lei que você tem que cumprir. (14) E o professor, não se sente, é... Assim como uma autoridade de (15) poder mudar. Não, está aqui, tem que fazer assim...
(Grupo de Estudos, em 28/08/2006).
Fernanda, ao dizer “eu coloquei isso porque eu vejo muita coisa assim, da
pessoa achar assim que está escrito e é isso, que tem que cumprir, assim” (linhas 7
e 8), assegura, em consonância com Kosumem (1994), que os professores
entendem os documentos oficiais como normas que devem ser seguidas, mas, nem
sempre o que é determinado pelos órgãos superiores é o ideal para aquele contexto
de ensino e aprendizagem. Para ela, o professor tem dificuldade em refletir de forma
mais crítica sobre o contexto social mais amplo, pois não consegue perceber que
esses documentos são sugestões que podem ajudar a definir o que ensinar e como
ensinar a língua. Ela usa a modalidade deôntica, o verbo “ter que”, no presente do
indicativo, seguido dos verbos “cumprir”, “fazer” e “ter”, para indicar que o professor
pensa ter a obrigatoriedade de cumprir o que determinam tais documentos oficiais.
15 As transcrições foram adequadas à norma padrão sem alterar o sentido das proposições. 16 Utilizo F para Fernanda, L para Lúcia e V para Vera.
48
Na visão de Fernanda, contudo, o professor “tem que ter” autonomia para perceber
o que é adequado no contexto em que atua.
Ao optar pelo uso do pronome “ele” (linha 10), em vez de “nós” ou “a gente”,
Fernanda se coloca como agente fora do processo como professora, para sinalizar
que ela não segue tudo que é imposto. O termo “pessoa” (linha 7), apresentado de
maneira impessoal, é atribuído ao professor que não tem uma postura crítica quanto
ao contexto social no qual está inserido.
Na fala de Fernanda (linhas 14 e 15), “E o professor não se sente, é...
Assim como uma autoridade de poder mudar”, percebe-se que a voz do professor
não é ouvida na escola, porque os diretores e coordenadores têm os documentos
oficiais como uma cartilha a ser seguida. Isso denuncia a relação de poder nas
instituições, que faz com que algumas vozes sejam superiores a outras,
sustentando e estabelecendo relações de dominação.
Ao discutirmos a elaboração do PPP da escola, bem como a importância
de os professores conhecerem a legislação vigente sobre ensino, Fernanda revela
as relações de poder que atravessam a escola e a sala de aula, argumentando
sobre sua luta, a de Lúcia e a de outros colegas:
Excerto 2 (1) F: Está porque o PPP, o particular, porque esse negócio de você (2) desentender, não adianta nada gritar no corredor, eu falo muito para (3) os professores, eles têm que conhecer a lei para saber como fazer, a (4) gente tem que conhecer as pessoas para saber como chegar até elas (5) e tem que ter influências, infelizmente, a gente vive num país de (6) influência, o Brasil, a gente sempre fala, vamos lá, vamos mudar (7) vamos estudar porque daí eu quero ver alguém ir lá e dizer, é ilegal, eu (8) quero ver alguém falar contra!
(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)
Nesse excerto, Fernanda mostra o desconhecimento dos colegas acerca de
seus direitos na escola. É interessante destacar em seu discurso o uso do pronome
“eu”, indicando inclusão – eu conheço a lei, e o pronome “eles” (linha 3) indicando
exclusão – há professores que não conhecem a lei. O pronome “eles” aparece,
então, para se referir aos professores que não são comprometidos, que não se
envolvem e nem conhecem seus direitos como professores. O pronome “a gente”
(linha 4), por sua vez, é usado para se referir a ela (Fernanda) e às duas outras
participantes da conversa – professora Lúcia e a pesquisadora Vera – de modo
inclusivo. Fernanda, ao dizer, “a gente tem que conhecer as pessoas para saber
49
como chegar até elas e tem que ter influências, infelizmente, a gente vive num país
de influência” (linhas 4 a 6), sinaliza que a consciência de seus direitos fortalece sua
influência.
Ainda discutindo a elaboração do PPP, as professoras deixam claro que a
única maneira que encontraram para defender a continuidade do projeto na escola
foi incluí-lo no PPP. Fernanda mostra-se indignada com o fato de a maioria dos
professores não terem interesse nesse tipo de atividade, vista por ela como
importante na escola:
Excerto 3 (1) F: Aqui, nessa escola, pelo número, por causa do que ela é em termo (2) de tamanho, aqui nada disso tem, para você ter uma idéia, agora (3) que está montando o PPP da escola, isso porque tem uma equipe, eu, (4) Lúcia, Rosa, Mirian, que pegou o boi pelo chifre e estamos fazendo, se (5) não, não saía não. (6) V: E dentro do PPP, então, vocês amarraram o projeto. (7) T: (risos). (8) L: ((incomp.)). (9) F: Então é por isso que nós estamos ((incomp.)). (10) L: Às vezes, não é por acaso, foi intencional.
(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)
Fernanda e Lúcia mostram consonância em relação à necessidade de
estarem engajadas nas atividades escolares para garantir o trabalho que estão
desenvolvendo há mais de cinco anos. Aponta o corporativismo e as relações de
poder que perpassam as instituições, nesse caso, a escola. Dessa forma, se elas
não se engajam e não inserem o desenvolvimento do projeto no PPP, a SEDUC
pode inviabilizar sua execução. Assim, quando Fernanda usa o pronome “nós”
(linha 9), está se referindo a si mesma e a Lúcia, retratando inclusão e
solidariedade. Ela se inclui no evento discursivo e partilha das mesmas angústias
de Lúcia, ao tentarem, juntas, manter o projeto na escola.
No excerto 3, as professoras apresentam as relações de poder presentes
no discurso do PPP, que dita as normas. Assim, o que está escrito deve ser
seguido, tanto pela SEDUC, o órgão que o aprova, quanto pela escola, que o
elabora e executa.
No excerto 4, Lúcia e Fernanda discutem a visita de uma técnica da
SEDUC/MT à escola para questionar o horário de funcionamento das aulas de
língua estrangeira no projeto em desacordo com a portaria:
50
Excerto 4 (1) L: A mulher chegou com a interpretação da lei e foi embora ((incomp.)) (2) F: Ela veio com a idéia para ser implantado para nós ((incomp.)). (3) L: Ela já veio com a idéia e com a autoridade sendo que poderia ser (4) feita uma outra interpretação da lei e, justamente, eu gostaria de (5) colocar para ela que tem outras interpretações, não só aquela.
(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)
Lúcia, ao dizer “poderia” (linha 3), usa a modalidade categórica hipotética
para expressar baixo grau de obrigação. Nesse contexto, o verbo de baixo grau de
obrigação coloca o falante em uma posição de menor poder que o ouvinte. Ela está
se referindo a uma representante da SEDUC/MT que foi à escola discutir uma
portaria que não permitia que as aulas de língua inglesa fossem ministradas em
horário extra. Lúcia critica o fato de essa representante não aceitar outra leitura
possível da referida portaria, mas somente a de que as escolas devem respeitar as
portarias e que as aulas de língua estrangeira, fora do turno regular, aumentam os
custos. Lúcia disse que tentou mostrar a importância desse projeto para a escola,
pois os alunos têm a oportunidade de ter duas aulas fora do horário regular, em vez
de apenas uma no horário normal, as línguas estrangeiras passaram a adquirir
status que não tinham, e o ensino passou a ter objetivo, o conteúdo, a ser
progressivo e contínuo. A representante, a princípio hesitante, acabou por aceitar a
argumentação de Lúcia, evitando a interrupção do desenvolvimento do projeto de
língua estrangeira da escola.
No discurso de Fernanda e de Lúcia, percebe-se a necessidade de uma
formação crítico-reflexiva pautada no conhecimento para a transformação dos
sujeitos, não somente relacionada com a prática pedagógica, mas também com as
atitudes que moldam o que ensinar, para que ensinar e, principalmente, como
questionar quando as coisas são impostas pela SEDUC. Assim, quando o professor
sabe de seu papel social, dentro de um microcontexto social – a escola –, ele
compreende as condições (sociais, culturais, políticas) de produção e de
interpretação do discurso e será capaz de questionar e aceitar as decisões com
mais responsabilidade.
Nesses excertos, percebe-se a interdiscursividade e o jogo de poder das
instituições: SEDUC vs. escola. A relação entre SEDUC e escola não é uma relação
trivial. A representante da secretaria tenta construir uma cadeia de raciocínio que
objetiva defender a instituição social que ela representa, ou seja, a SEDUC. As
51
professoras de língua estrangeira, por outro lado, lutam para manter o projeto que
consideram essencial para o bom funcionamento do ensino da língua inglesa. Em
geral, nas instituições, há uma hierarquia que deve ser obedecida. No caso da
escola, a hierarquia é MEC, SEDUC e escola (PPP). Assim, o PPP é construído com
base nos pareceres, resoluções e (ou) portarias da SEDUC, que,
conseqüentemente, representa o MEC.
Conforme Fairclough (2001), a intertextualidade está relacionada com a
distribuição do texto e, dentro de uma instituição, ela é vista como “cadeias
intertextuais” em que vários textos são relacionados uns aos outros. Dessa forma,
evidencia-se a necessidade de professores terem uma visão mais crítica de ensino,
educação e órgãos públicos para se articularem, de modo que suas vozes sejam
ouvidas pelo governo e possam provocar cadeias de (re)negociação.
As duas professoras demonstram, em suas falas, estar conscientes dessa
relação e da força do poder institucional. Por essa razão, lutam com intensidade
para manter as práticas de aula em que acreditam. Em consonância com Papa
(2005), compreendem que as mudanças nas práticas sociais só ocorrerão por meio
da luta que marca as relações de poder existentes na escola e na sala de aula.
Apresentei, acima, alguns dos eventos que moldam o contexto escolar em
que esta pesquisa foi realizada. Utilizo a definição de eventos de Chouliaraki e
Fairclough (1999, apud RESENDE e RAMALHO, 2006), como acontecimentos
imediatos individuais ou ocasiões da vida social. O enfoque nas práticas sociais
permite-nos perceber não apenas o efeito de eventos individuais, mas de séries de
eventos conjunturalmente relacionados com sua sustentação e com a transformação
de estruturas, uma vez que a prática social é entendida como ponto de conexão
entre estruturas e eventos.
Fairclough (1989) discute o papel da ADC como abordagem teórico-crítica
que, por um lado, mostra conexões e causas ocultas. De outro, intervém
socialmente para produzir mudanças que favoreçam aqueles que possam se
encontrar em situação de desvantagem. Assim, Fernanda e Lúcia, ao participarem
do projeto “Re-significando a aprendizagem de língua estrangeira: um projeto de
ensino das quatro habilidades comunicativas” está colaborando para modificar a
estrutura vigente do ensino de língua estrangeira na escola pública, que não atende
aos anseios das transformações da sociedade contemporânea.
52
Mediante o QUADRO 3, apresento um resumo dos sub-tópicos e
percepções das professoras acerca do Tópico17 1: A importância de uma formação
crítica por parte do professor.
QUADRO 3 – Sub-tópicos e percepções do Tópico 1 TÓPICO 1 SUB-TÓPICOS PERCEPÇÕES DAS PROFESSORAS
A importância
de uma formação crítica por parte do professor
Discussão dos PCNs
Professores devem fazer uma leitura crítica dos documentos oficiais. Documentos oficiais devem ser adequados ao contexto real das escolas.
Discussão do PPP
Professores não se comprometem com a elaboração do PPP. Projetos veiculados ao PPP da escola têm garantia de execução.
Reunião com a representante da
Secretaria de Educação
Professores precisam conhecer os documentos oficiais. Representante da SEDUC exige o retorno das aulas de inglês para o horário normal. Imposição de portaria da SEDUC – não há preocupação com o que é adequado para a comunidade escolar.
Tópico 2 - Os problemas do ensino de língua inglesa na escola pública
No momento em que discutíamos o papel da disciplina língua inglesa,
Fernanda relatou a participação de uma ex-diretora da escola que lhe pediu para
elaborar um trabalho para um aluno que não tinha freqüentado as aulas e estava
sem notas:
Excerto 5 (1) F: Isso aqui, eu vi, aqui, como diz, eu vi e ouvi aqui na própria escola, (2) em algumas situações [...]. (3) L: E você percebe que a escola tem isso, tem alunos que nos procuram, (4) professora, e diz: professora, não tem como fazer um trabalho? (5) Porque não vem no 1º bimestre. Não vem no 2º e quer que nós (6) resolvemos a situação dele com trabalhos, não, nosso projeto não, (7) não tem trabalho. (8) F: E a própria escola, não é o caso, do nosso diretor, o atual diretor, pelo (9) menos para mim é nota 10, mas a outra, se você não dá um trabalho, (10) ela vem não tem como dar um trabalho, bem, em vez de mostrar (11) para o aluno, não, é a pr imeira a v i r junto com o aluno, a (12) pedir....
(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)
17 Os vocábulos, “tópico” e “percepção”, são utilizados com base em Harvey Sacks (1968 apud FAIRCLOGH, 2001: 195).
53
Ao dizer: “se você não dá um trabalho, ela [diretora] vem não tem como dar
um trabalho” (linhas 9 e 10), Fernanda encena o papel da diretora, dona de certo
poder determinado pela hierarquia escolar, que se vê no direito de interferir na ação
da professora, solicitando ajuda para o aluno que não fez os trabalhos na época
oportuna.Tal ação materializa uma ação paternalista muito comum no ensino
brasileiro, retratando as relações de poder dentro da escola. A voz da direção se
sobrepõe à voz do professor, visto como desprovido de força no jogo das relações
de poder.
A diretora apenas reforça o autoritarismo governamental. Há um movimento
na escola pública advindo dos órgãos superiores (MEC, SEDUC) quanto à não-
desistência e à não-reprovação. Tal movimento, defendido por uma direção,
pretende manter o número de alunos para que a escola continue recebendo a
mesma verba18 do PDE. Assim, quando uma diretora adota essa atitude, interfere na
gestão de sala de aula em favor da manutenção dos recursos financeiros que a
escola recebe do PDE.
Para Lúcia, o professor tem que se impor para dizer “não” a determinadas
exigências do contexto escolar. Por exemplo, “dar um jeitinho” para que não haja
número elevado de repetência e evasão escolar, por meio de aplicação de trabalhos
para alunos faltosos, como pediu a diretora, pode afetar a reputação da escola.
Nesse contexto, mais eficiente seria a necessidade de o profissional mostrar para a
comunidade que seu trabalho é de qualidade. O aluno deve perceber que, de fato,
está aprendendo a língua estrangeira e que ela está contribuindo para sua formação
integral.
Nesse excerto, Lúcia usa o pronome “você” (linha 3), referindo-se a todos
que estão no contexto da escola pública e conhecem a realidade. Ao personificar a
escola, dizendo “E você percebe que a escola tem isso”, indica que a escola possui
uma prática que não é a mais adequada.
No excerto 6, ao discutirmos o PDE, Fernanda aponta o que ela entende por
material didático:
18 As escolas públicas do Estado de Mato Grosso recebem trimestralmente determinada quantia para custear gastos com compra de material permanente e consumo, por fazer parte do Plano de Desenvolvimento Escolar (PDE). Esse valor varia conforme a quantidade de alunos que a escola possui.
54
Excerto 6 (1) F: [...] gostaria de entender melhor o que ele chama de material didático (2) básico, e eu não consigo ver a pessoa dizer que não tem esse material (3) na escola, se a escola recebe dinheiro para isso, então falta, aqui, para (4) mim, o professor conhecer a lei para ele poder ir buscar, porque se eu (5) sei que o PDE tem dinheiro para isso, desde o dia que eu fiquei sabendo (6) que tem dinheiro, eu peço para minha escola, nunca me negaram [...]. (7) L: Esse ano, conseguimos até um som. (8) F: [...] eu questiono a pessoa falar que não tem material, agora, assim, (9) dizer que o aluno não compra o livro, é diferente, mas dizer que é falta (10) de material, não sei o que entendem como falta de material didático, (11) [...], mas isso aí, eu não acho que é problema, a falta de material.
(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)
As professoras chamam a atenção para um fator importante no ensino de
língua inglesa, ou seja, o uso de material didático. Elas discordam de professores
que dizem não ter material didático, tendo em vista que toda escola recebe dinheiro
do PDE. Para elas, cabe ao professor solicitar do diretor que coloque no plano de
ação da escola a aquisição de material para as aulas.
Mais uma vez, elas chamam a atenção para o conhecimento daquilo que é
de direito dos professores. Quanto ao dinheiro do PDE, sabe-se que uma parte é
destinada para a aquisição de material, portanto não há como não ter o mínimo para
trabalhar em sala de aula. A professora Lúcia afirma que, finalmente, elas
conseguiram um aparelho de som para as aulas de inglês. Para Fernanda, o
professor deve saber quais são seus direitos dentro da escola e quais são as leis
que regem a Educação. No exemplo ilustrado, elas informam sobre o material
didático da ação do PDE. Lúcia, ao dizer, “conseguimos até um som” (linha 7),
evidencia que adquirir um som não é tão fácil, mas elas conseguiram. Portanto,
algum material escolar básico, como papel, cola e tesoura é mais fácil de ser
adquirido com a verba do PDE do que livros para todos os alunos.
Fernanda usa várias vezes o pronome “eu” auto-referencial e a modalidade
subjetiva “eu não acho que é problema” (linha 11) para mostrar seu posicionamento
diante do tópico em discussão. O conflito entre o discurso dos outros professores de
inglês que diz não ter material para o ensino de inglês é (re)vozeado com o discurso
das duas professoras que contra-argumentam, demonstrando estar cientes da
existência da verba do PDE.
As professoras discutem que o professor de língua estrangeira não tem
incentivo para desenvolver bom trabalho por força da constante troca de professores
55
na escola e até mesmo por desconhecer as turmas que lhe serão atribuídas no ano
seguinte:
Excerto 7 (1)F: Como que muda, você vê assim, as atitudes, no dia-a-dia, no (2) comprometimento. (3) L: Uma coisa que ela [a autora] coloca aqui, que até que a gente (4) discutiu no outro encontro, essa questão, não, do professor de língua (5) estrangeira não ter incentivo, ela fala isso aí, entendeu? Ele chega, (6) começa uma turma, daí no outro ano, é outra, tem gente diferente no (7) meio, ele não consegue caminhar com o conteúdo, fica sempre na (8) mesma coisa ((incomp.)) os alunos percebem, eles falam em (9) depoimentos ((incomp.)) todo ano a mesma coisa.
(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)
No Excerto 7, as professoras frisam os principais problemas que
desmotivam os alunos quanto à aprendizagem da língua estrangeira na escola
pública, dentre eles a observação do não-cumprimento de um plano de ensino
gradativo, que a cada ano se repete. Contudo, há outros fatores que contribuem
para o discurso de que se aprende sempre o mesmo conteúdo: a flutuação do
professor e a não-organicidade do programa.
Ao utilizar o pronome “ele” (linhas 5 e 7), Lúcia não se refere a um
professor específico. O pronome “ele” representa todos os professores que entram
em sala de aula e não têm compromisso com o que ensinam. Ela menciona a forma
pronominal “a gente” (linha 3), com o sentido de “nós”, incluindo ela própria, a
pesquisadora e a outra colega do grupo de estudo, que demonstram ser
professoras comprometidas, preocupadas com o programa de ensino que
desenvolvem.
Ao dizer “ele chega, começa uma turma, daí no outro ano é outra, tem
gente diferente no meio”, Lúcia aponta para um dos problemas principais que
afetam a continuidade de determinado programa de ensino. O professor da rede
estadual está à mercê dos resultados da contagem de pontos, em virtude do
processo de atribuição de aulas. Somente no início do ano letivo ele sabe em que
escola atuará, com que turmas e em que turno. O professor com mais tempo de
serviço no Estado e na escola e com mais pontos em certificados tem o direito de
escolher suas turmas e o turno de trabalho. Dessa forma, nem sempre o professor
pode continuar com suas turmas anteriores. Às vezes, ele precisa mudar de escola
ou trabalhar em duas escolas para completar sua carga horária.
56
Vera aponta o baixo status da disciplina língua inglesa durante a atribuição
de aulas, pois qualquer professor da área de linguagem (Educação Física, Artes e
Língua Portuguesa) pode completar sua carga horária com língua inglesa :
Excerto 8 (1)V: Quando ela fala aqui, da valorização da disciplina (barulho tocou o (2) sino, o valor da disciplina no contexto de inglês, aquela atribuição de (3) aula, qualquer um pega, lá na escola, é uma briga quando alguém (4) vai pegar você vai pegar inglês, você dá conta do inglês, você me (5) desculpa professor, mas você vai pegar, mas não pega, não mata (6) minha disciplina, por favor! Eu falo, eu não vou dar aula, professora, de (7) Filosofia, Sociologia, eu não sou pedagoga, e olha que é muito mais (8) fácil eu dar aula de Filosofia e Psicologia do que você dar aula de (9) inglês [...].
(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)
Vera usa o pronome “você” (linha 4, 5 e 8) referindo-se aos professores
que se vêem obrigados a ministrar disciplinas para as quais não estão habilitados
nem foram concursados. O momento da atribuição de aula é bastante conflituoso
porque alguns professores de inglês se posicionam contrariamente a esse sistema
de atribuição de aulas imposto pela SEDUC. Vera argumenta que ela não se dispõe
a dar outras disciplinas para as quais não se considera habilitada – uso do pronome
“eu” auto-referencial. Por igual, critica os professores que fazem da disciplina de
língua inglesa um curinga a completar a colcha em que se transforma a carga
horária de outros professores da área de linguagens, códigos e suas tecnologias.
No excerto 9, as professoras discutem o desinteresse dos alunos nas escolas públicas:
Excerto 9 (1)F: [...] os alunos se mostram cientes de que o professor, por não (2) desenvolver o programa global, contínuo, progressivo [...]. (3) V: Mas eu acho que para o nosso ensino ((incomp.)), eu, no Alberto, (4) (nome de escola) nós temos um programa, eu procuro seguir esse (5) programa, então 1º ano não é o mesmo do 2º, que não é o mesmo do (6) 3º, né? Como vocês. (7) F: Nós, também, estamos batalhando para fazer isso, nível 1, nível 2 e (8) procurar ((incomp.)), né, e a gente vê assim, que os desinteresses (9) que os alunos têm são os mesmos apresentados aqui, né. (10) V: E a sala deles? (11) F: A sala deles, uma fotocópia, né?
(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)
As professoras dizem ter um programa de ensino diferente para cada série.
Não são como aqueles professores retratados nos relatos da pesquisa de Perin
(2005) que parecem apresentar, em suas aulas, um conteúdo fragmentado e os
alunos não percebem como e o que estão aprendendo. Contudo, elas reconhecem
57
que, como no Estado do Paraná, em Mato Grosso, os alunos em geral não
apresentam interesse pela língua inglesa.
Nesse excerto, Vera começa sua fala utilizando o pronome “eu” (linha 3),
auto-referencial, com o objetivo de demonstrar que usa o programa de ensino da
escola onde trabalha. Em seguida usa o pronome “nós” (linha 4), “nós temos um
programa, eu procuro seguir esse programa”, para se referir não somente à
inclusão de suas interlocutoras, mas também inclui os professores com quem
trabalha em sua escola. Contudo, ao retomar o pronome “eu”, demonstra dúvida
quanto à prática pedagógica de seus colegas.
As professoras, no excerto 10, apresentam uma discussão acerca do
ensino de língua estrangeira dando ênfase ao papel do professor descomprometido
que contribui para o mito de que o aluno não aprende inglês.
Excerto 10 (1) V: Aqui uma coisa que ela colocou para gente poder pensar um (2) pouquinho, quando ela fala dessa falta de programa, que o professor (3) não sente a vontade de cobrar dos alunos o conteúdo de forma mais (4) efetiva, por estar consciente de uma provável catástrofe dos mesmos. (5) F: Dos mesmos. (6) V: Então, você vê que é aquela velha história, eu não dou, eu não (7) cobro, eu f injo que ensino, ele f inge que aprende ((incomp.)) (8) L: Aí o professor fica dando ponto em caderninho. (9) V: Ah! Ela fala aqui, você viu? (10) F: Dá ponto no caderninho e fica nisso [...]. (11) V: Olha outro depoimento da aluna, [...] quando a gente acostuma com (12) o estilo do professor de inglês, aí já muda, ((incomp.)) acaba (13) aprendendo quase nada, a mesmice de sempre que desmotiva [...]. (14) L: Então o que acontece conosco, cria-se um mito que o aluno na (15) escola pública não aprende o inglês, e a gente tem de reverter (16) isso [...].
(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)
As discussões giram em torno do professor que não se preocupa em
ensinar e, conseqüentemente, não cobra. Alguns nem mesmo avaliam, só olham o
caderno e dão visto. São ações que, do ponto de vista das três professoras,
contribuem para o descrédito da disciplina na comunidade educativa e para a
alimentação do mito de que não se aprende inglês na escola pública. Apesar de ser
uma discussão pautada por um texto que aborda esse problema, a realidade no
Estado de Mato Grosso não é diferente; portanto, as professoras argumentam que
mudar a visão do que se ensina e do que se aprende na escola pública é
necessário para inverter o cenário atual de descrédito.
58
Ao usar o pronome “conosco” (linha 14), Lúcia se posta como uma
professora que também tem um rótulo de quem não ensina. Já com o enunciado “a
gente tem de reverter isso” (linha 15), ela usa o pronome “a gente” (linha 15) para
nomear todos os professores de inglês, incluindo-a, que, de certa forma, deve se
preocupar com esse rótulo e que sentem a necessidade de alterar essa leitura feita
pela maioria das pessoas que passa pelas aulas de língua inglesa. O uso da
modalidade deôntica, “tem de” (linha 15), indica a obrigatoriedade e a urgência de
todos os professores atuarem para mudar esse cenário.
No excerto 11, Fernanda relata uma experiência de uma conversa que teve
com seus alunos por não apresentarem um bom desempenho em suas aulas.
Excerto 11 (1)F: eu não estou vendo progredindo em nada, gente, eu já não sei mais (2) o que faço, eu posso parar a aula hoje para a gente conversar, eu (3) quero sugestão de vocês, porque, eu, sinceramente, eu estou (4) arrasada, né, assim já falei com eles que, para que serve o inglês, não (5) teve um que não disse que quer aprender a falar ((incomp.)) . Aí, (6) falei assim, gente, [...], agora eu quero sugestão para poder dar aula (7) porque eu não sei mais dar aulas para vocês, [...] assim esculachei, (8) né, aí uma menina falou assim, professora, será que cantar uma (9) música a gente não aprende a falar, eu falei, você acredita nisso? Ela (10) disse: Ah, eu acho [...] A gente tem que decidir, porque eu sou uma (11) só, você vê, assim... mais eu achei interessante, eles quererem falar, (12) [...] e cada um fez um comentário, diferente, você vê ((incomp.)) a (13) minha escola só tradução, só tradução, assim eles dizem o que (14) querem, mas não sabem, nem, nem como estudar, [...],aí falaram de (15) vocabulário, aí fiz uma aula do jeito que eles queriam, eu falei, vou (16) separar tudo do jeito que eles querem, nós vamos fazer semana que (17) vem, exatamente isso, vamos ver se vão mudar, vamos ver o que vai (18) dar.
(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)
Ela utiliza várias vezes o pronome “eu” auto-referencial para chamar a
atenção de seus alunos que não participam de suas aulas como ela desejava.
Convida-os para discutir a questão e espera que eles apresentem sugestões de
atividades. Nesse caso ela usa a modalidade epistêmica no pólo positivo para
mostrar comprometimento e verdade nas informações (linhas 2 e 3) “eu posso parar
a aula hoje para a gente conversar, eu quero sugestão de vocês, porque eu,
sinceramente, eu estou arrasada”.
Nesse excerto, há duas vozes que estão em conflito. De um lado, a
professora se mostra indignada ao perceber que seus alunos demonstram
desinteresse mesmo diante de um ensino comunicativo voltado para a modalidade
59
oral, objetivo do projeto da escola. Indignada, questiona o comportamento de seus
alunos que, em sua opinião, vivem dizendo que querem “falar a língua”, que não
querem tradução nem ensino de vocabulário. Assim, para resolver esse problema, a
professora propõe um diálogo aberto pedindo-lhes que se manifestem a respeito.
Ao fazer essa solicitação, percebem-se duas coisas. Primeiro, a
preocupação da professora com a qualidade das aulas exigida no projeto. Segundo,
a preocupação da professora em agradar os alunos que parecem desmotivados.
Quando uma das alunas propõe o ensino de música para aprender a falar, a
professora parece não acreditar nessa idéia. Hoje, há um discurso naturalizado de
que as aulas de inglês devem ser prazerosas, lúdicas, com uso de música e jogos.
Essa é uma prática presente no discurso pedagógico das instituições particulares de
ensino que está invadindo as instituições públicas, pois o professor mais se
preocupa em subir no “ibope”, agradando aos alunos, do que fazer o que de fato
deve fazer: ensinar e exigir um ensino de qualidade. O professor parece perdido
nesse contexto, sem saber ao certo até que ponto deve agradar e até que ponto
deve exigir dos alunos, pois, ao que exige é atribuído o rótulo de péssimo, por parte
do aluno. É como se o discurso hedonista e de consumo permeasse a sala de aula,
pois ensinar se transformou em entreter e lucrar, sem, no entanto, produzir
conhecimento.
Ao dizer “a gente tem que decidir” (linha 10), Fernanda parece se incluir
entre os alunos, mas, na realidade, ela queria, sobretudo, ouvi-los, deixá-los tomar
uma decisão. Para não dizer ”vocês decidem”, ela usa “a gente”. Ao mesmo tempo,
usa a modalidade deôntica “tem que” (linha 10), indicando sua indignação diante da
obrigatoriedade de uma decisão que leve a resultados.
No excerto 12, Fernanda relata o fato de o interesse dos alunos terem
mudado nas aulas de inglês em virtude do programa “Jovens Embaixadores”19 da
Embaixada Americana.
Excerto 12 (1) F: agora, assim acho interessante, às vezes algumas situações que, eu (2) não sei se vocês tão sabendo daquele programa Jovem Embaixador [...].
19 O Programa Jovens Embaixadores seleciona jovens brasileiros de classe social menos favorecida, que desempenham uma consciência cidadã com trabalhos voluntários, para passarem catorze dias nos EUA, assistindo às aulas em escolas norte-americanas de ensino médio e fazendo apresentações sobre o Brasil, tudo pago pela Embaixada Americana.
60
(3) L: Pois então, aí, agora ela está fazendo as etapas e tudo né, então, eu (4) passei em todas as minhas turmas esse programa, e você vê como os (5) interesses mudam ((incomp.)), por exemplo, um dos itens da 1ª (6) classificação, é você fazer parte de um sistema de voluntariado, agora (7) o que tem de aluno atrás de mim para eu dar endereço de programa de (8) voluntariado, entendeu? Está assim... aluno que estava sumido, você (9) não vê fora de uma aula de inglês, você vê como que muda o (10) interesse, agora sim ((incomp.)), ele vê incentivo em algo que (...). (11) V: Em algo que vai mudar a vida dele, então ele está sentindo no (12) inglês a necessidade de aprender a língua porque ele pode se (13) transformar em um embaixador mirim e ele sabe que é bom.
(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)
Assim que lançaram o programa Jovens Embaixadores na escola, uma
aluna foi selecionada, e isso provocou mudança de atitude dos colegas quanto ao
interesse pelo inglês e pelo trabalho voluntário. O aluno que não aparecia nas aulas
de inglês retornou e pedia informação sobre o trabalho voluntário, um dos requisitos
para se transformar em Embaixador Mirim. Nesse momento, eles viram um objetivo
no ensino de inglês: teriam oportunidade de usá-lo em contexto real.
O pronome “você”, quando é utilizado por Lúcia pela primeira vez, ”você vê”
(linha 4) refere-se à pesquisadora Vera. Já o segundo “você” (linha 6), utilizado por
Lúcia, refere-se a qualquer aluno que queira ser candidato a uma vaga de
embaixador mirim e precisa fazer parte de um programa de voluntariado. Vera, ao
dizer “ele pode” (linha 12), usa a modalidade categórica não hipotética para
expressar a possibilidade de o aluno conseguir ser um embaixador mirim. Ela
também recorre ao sistema de modalidade objetiva “ele sabe que é bom” (linha 13)
usando o verbo “ser” no presente do indicativo “é”, seguido do adjetivo “bom” para
dar o ponto de vista do aluno. Nesse momento, ela vê o projeto Embaixador Mirim
como algo positivo porque o aluno se torna motivado para aprender inglês.
Vera e Lúcia discutem a tarefa do professor de língua estrangeira quando se
propõe a ensinar dentro da abordagem comunicativa, que exige uma preparação
detalhada da aula com atividades diversificadas e adequadas ao nível dos alunos.
Excerto 13 (1)V: [...] você acredita que você pode ensinar o aluno, que você tem (2) (2) condição de ensinar a língua, você não cai no comodismo ((incomp.)), (3) não cai no comodismo quando os alunos não querem continuar (4) estudando a língua ((incomp.)) dentro da abordagem comunicativa, que (5) exige uma certa fluência ((incomp.)), o nível de língua, não é mais fácil (6) que o estruturalismo, gramática é gramática, não tem que preparar, (7) não tem que cortar figurinha, não tem que procurar atividades, não (8) tem que por o aluno em situação de desafio.
61
(9) L: As atividades, você tem de olhar em vários livros, até achar (10) aquela ideal ((incomp.))
(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)
As professoras chamam a atenção para o fato de que ensinar língua
inglesa envolve a busca constante de atividades motivadoras e relevantes para a
sala de aula, atividades que promovam interação e que sejam adequadas ao nível
lingüístico-comunicativo do aluno. Isso, de certa forma, significa perda de tempo
para quem pensa em quanto ganha e em quanto tempo pode ficar disponível para
preparar as aulas.
Quando Lúcia diz “as atividades, você tem de olhar em vários livros, até
achar aquela ideal” (linhas 9 e 10), evidencia que não é qualquer atividade que o
professor pode utilizar em sala de aula. Isso também requer conhecimento
metodológico: saber se a atividade proposta desenvolve a habilidade necessária
para atingir determinada competência, já que um plano de ensino não é um
amontoado de técnicas e jogos, ou seja, tem um ritual: início, meio e fim para
atender a um objetivo específico.
No Excerto 13, fica evidente que as professoras do grupo de estudo têm
certa crença quanto ao método de ensino da gramática e tradução, que é muito
mais fácil, pois não implica trabalho extra. Talvez esteja aí o problema do ensino de
língua inglesa: a falta de tempo suficiente para o professor estudar e preparar suas
aulas, pois ele precisa prever o vocabulário que pode aparecer no momento em que
o aluno esteja desenvolvendo determinada atividade, como procurar figuras,
recortá-las e montar jogos para envolvê-lo no fazer. O modo de ensinar está
mudando, e o professor não encontra receitas ou respostas prontas, mas deve ele
mesmo, com seus alunos, buscar os meios adequados para desencadear o
processo de aprendizagem.
As professoras sabem ser possível ensinar inglês na escola pública apesar
de todos os desafios que existem. Elas deixam claro que, quando percebem que
seus alunos não estão correspondendo às atividades propostas (Excerto 11),
param a aula e conversam, procuram manter uma sintonia com eles para que não
fiquem desmotivados. O que, na realidade, não é uma desmotivação (Excerto 13),
mas uma reação contra as atividades propostas pelo professor que não estão
agradando.
62
Vera, ao usar a modalidade deôntica, verbo “ter” no presente do indicativo,
pólo negativo, “não tem que preparar, não tem que cortar figurinha, não tem que
procurar atividades, não tem que pôr o aluno em situação de desafio” (linhas 6 a 8),
atribui um sentido oposto. Em vez de indicar alto grau de obrigação, confere uma
não-necessidade, um valor menor ao preparo de uma aula baseada no Método de
Gramática e Tradução, cujo principal enfoque é o ensino da metalinguagem. Esse
fazer, ao longo de muitos anos, já estabeleceu certa rotina e certo grau de conforto
ao professor. Nesse sentido, Vera postula que não é preciso de nada, além da
memorização das regras da norma padrão da língua, uma vez que o aluno nunca
será exposto a situações de desafios quanto ao uso da língua alvo. Ela usa
exageradamente o “não”, indicando que, quando o professor deseja fazer uma
abordagem que exija o uso da língua, não pode mais ser o mesmo, mas deverá
quebrar sua rotina, deslocar-se de seu conforto. Nesse excerto, há um (re)vozear
do conflito entre a visão tradicional de ensino, centrado na tradução e gramática, e a
abordagem comunicativa.
No excerto 14, as professoras argumentam que o número de alunos em
sala de aula interfere na aprendizagem.
Excerto 14
(1) F: E isso bate de cara, porque eu acredito que já estou ((incomp.)) como (2) realmente e com certeza, a gente não atinge 100%, isso não existe, eu (3) não acredito, mas nós estaremos bem mais avançados. (4) V: Com certeza é o número de alunos. (5) F: O número de alunos influencia, não tem jeito, gente ((incomp.)).
(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)
De acordo com uma portaria da SEDUC/MT, uma classe de ensino médio
não pode ter mais que trinta e cinco alunos. Para Fernanda, esse número é elevado
e é um outro fator que interfere no ensino-aprendizagem da língua estrangeira. De
acordo com o projeto da escola, a turma deve ter, no máximo, vinte alunos para o
ensino comunicativo da oralidade. Para Fairclough (2001:117), as ideologias
embutidas nas práticas discursivas são muito eficazes quando se tornam
naturalizadas e atingem o status de “senso comum”. Assim, quando os alunos da
escola pública não aprendem a língua estrangeira, é muito comum apontar como
empecilho o número excessivo de alunos. Essa prática naturalizada pode ocultar,
entretanto, outros fatores que interferem na aprendizagem.
63
Nos excertos vertentes, há vários discursos presentes nas falas das
professoras: discurso da diretora que defende os recursos financeiros para
administração da escola; discurso do PDE, que representa o governo determinando
onde e como gastar o dinheiro destinado às escolas, sempre a favor de um maior
número de alunos para uma maior verba financeira; discurso de pesquisadores da
área de língua estrangeira que pontuam, em suas pesquisas, o discurso recorrente
de alunos e professores de que a escola pública não ensina a língua estrangeira
como deveria; discurso em torno da ludicidade do ensino de língua estrangeira vs.
ensino rotineiro e discurso entre a abordagem comunicativa e o ensino da gramática
e tradução.
As conversas colaborativas permitiram que cada participante tivesse sua
voz ouvida e questionada para produzir o contra-discurso. Assim, para Fairclough
(2001: 83), “os sujeitos sociais constituídos não são meramente posicionados de
modo passivo, mas capazes de agir como agentes e, entre outras coisas, de
negociar seu relacionamento com os tipos variados de discurso a que eles
recorrem”.
No QUADRO 4, apresento um resumo dos sub-tópicos e percepções das
professoras acerca do Tópico 2: Os problemas do ensino de língua inglesa na
escola pública.
64
QUADRO 4 – Sub-tópicos e percepções do Tópico 2 TÓPICO 2 SUB-TÓPICOS PERCEPÇÕES DAS PROFESSORAS
Os problemas
do ensino de língua
inglesa na escola pública
A relação
institucional
Diretora da escola interfere no trabalho de sala de aula do professor. Movimento de não reprovar o aluno e de evitar sua desistência por causa da verba do PDE.
A desmotivação dos alunos
Falta de um programa de conteúdo gradativo. Material didático não desperta o interesse dos alunos. Alunos não sabem a importância de aprender uma língua estrangeira. Professores são descomprometidos com a escola pública. Professores não conhecem os documentos oficiais para conseguir material de apoio. Ausência de tempo para busca constante de atividades motivadoras. Falta de atividades adequadas ao nível lingüístico-comunicativo dos alunos. Um ensino pautado pela tradução de textos. Professores sem conhecimento metodológico. Ausência de tempo para o professor estudar e preparar as aulas.
O status menor
da língua inglesa na escola
Inglês serve para complementar a carga horária de professores de outras disciplinas. Professores ministram aulas de inglês sem conhecimento suficiente dessa língua. Ausência de uma política de atribuição de aula que coíba profissionais de outra área ministrarem aulas de língua estrangeira.
Tópico 3 – O perfil do professor de escola pública e a formação continuada
No excerto 15, as professoras falam que, em 2005, pensaram em montar
um grupo de estudo para trocar idéias sobre prática de sala de aula.
Excerto 15 (1) L: E naquela época ((incomp.)), a intenção era fazer um workshop, (2) trazendo atividades diferenciadas e está trazendo as idéias. (3) F: É, nós pensamos nisso, fazer um estudo e além do estudo, as (4) atividades, cada semana, uma apresentaria uma atividade. (5) V: É bom né, cresce. (6) F: Cresce ((incomp.)) cresce demais [...]. (7) L: Eu sinto falta disso.
(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)
65
No Excerto 15, vislumbra a formação de um estudo de grupo na escola para
ajudar no desenvolvimento profissional. Elas acham importante a troca de idéias e
de atividades pedagógicas e a aprendizagem compartilhada. De fato, para Bailey et
al (1998: 537), é a interação em grupo de estudo que “força os professores a
negociar o sentido e, ao negociarem sentido, eles ampliam e reformulam a maneira
pela qual olham a sua própria prática”.
A presença da modalidade categórica hipotética, verbo ser no pretérito
imperfeito, “a intenção era fazer um workshop” (linha 1), na fala de Lúcia, indica a
não-realização do que haviam planejado, deixando-a saudosa. Fernanda usa o
pronome “nós” (linha 3), indicando que a idéia da formação não era só dela, mas de
Lúcia também, pois ambas compartilham da idéia de que o grupo de estudo é
importante. Fernanda e Vera usam o verbo “ser” no presente do indicativo “é” para
validar as proposições anteriores: “o estudo de grupo é bom” e “pensar em um grupo
de estudo”.
As professoras falam sobre a qualificação de alguns professores que
ministram aulas de inglês, mas não têm o domínio lingüístico-comunicativo do
idioma.
Excerto 16 (1) V: As vagas não vão para assessoria, como aqui também, e aí, tem (2) aquele amigo do diretor, como agora tem um lá, aí, você tem certeza (3) que o cara vem dar aula aqui, não sabe nada. (4) L: Mas, aqui, eu nem sei. (5) F: Mas aqui... a gente tem batido com isso também. (6) V: Eu também bato lá ((incomp.)) isso tem que acabar. (7) F: Nossa! já por duas vezes, ((incomp.)) já duas vezes que veio (8) trabalhar conosco, nós não deixamos, e agora nós colocamos mais (9) uma regra, aí, quando forem contratar as pessoas, a primeira coisa (10) é fazer uma entrevista conosco no idioma, se não sabe, ele não (11) fica aqui. (12) F: [...] aí, veja só, não queria dar aula e, ah! Mas, [...] não fala gato (13) em inglês, que que é isso... de jeito nenhum. (14) V: Eu acho que o conhecimento de língua é muito importante, o aluno (15) tem que ser motivado em saber que você sabe e que você pode (16) contribuir que ele possa crescer (truncamento).
(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)
Há uma grande preocupação das professoras quanto à formação dos
profissionais que atualmente estão na escola pública, pois, por vários motivos, não
dominam bem o conteúdo e não conseguem desenvolver uma boa prática de
ensino. Alguns são contratados porque fazem parte do círculo de amizades dos
diretores, conforme podemos verificar na fala de Vera (Excerto 16) “e aí tem aquele
66
amigo do diretor, como agora tem um lá, aí, você tem certeza que o cara vem dar
aula aqui, não sabe nada” (linhas 1, 2 e 3). As professoras se mostram indignadas
com essa situação, mas nada podem fazer, além de questionar a direção por tal
atitude. Outros conseguem aulas mediante contagem de pontos na Assessoria
Pedagógica de cada município, atribuídas com base na habilitação profissional,
mesmo que não tenham o mínimo de conhecimento necessário para tal função.
Diante dessa realidade, esse professor ministra suas aulas traduzindo
textos e ensinando gramática. Isso fica evidente na fala das professoras ( Excerto
16), que, preocupadas em manter o projeto, procuram interferir na contratação de
tais profissionais, o que não é comum na rede estadual de ensino. Fernanda, ao
dizer: “duas vezes que veio trabalhar conosco, nós não deixamos e agora, nós
colocamos mais uma regra, aí quando forem contratar as pessoas, a primeira coisa
é fazer uma entrevista conosco no idioma, se não sabe, ele não fica aqui” (linhas 7 a
11), usa o pronome “nós” e “conosco”, incluindo Lúcia em seu discurso, o que indica
que ambas compartilham tais maneiras de pensar.
Vera usa a modalidade subjetiva “eu acho que o conhecimento de língua é
muito importante” (linha 14) para expressar a sua afinidade com a proposição. Usa a
modalidade deôntica “tem que” (linha 15) para indicar a necessidade de os alunos se
sentirem motivados ao perceberem que o professor consegue fazer uso da língua
estrangeira. Seu discurso continua sendo crivado de modalidade epistêmica, “você
pode contribuir, que ele possa crescer” (linhas 15 e 16), ou seja, pelo uso de
afirmações para se referir à troca de conhecimento e comprometimento com a
verdade.
No excerto 17, as professoras dizem que a formação é importante e que ela
possibilita a mudança da prática.
Excerto 17 (1) V: Eu sempre falo para os meus alunos do Univag, [...], verbo To Be, I’m (2) a student, negativo, I’m not a student, interrogativa, Am I student, eu até (3) ensinei assim, mas nesse período, eu não tinha noção da sala [...], (4) mas, depois de toda a minha formação, depois que saí da (5) universidade, essa prática de ensino não dá para conceber mais. (6) F: Claro! (7) V: Por que nós vamos matar a língua? (8) F: Tem que fazer mudança, se não, não adianta, não vai mudar. (9) L: Que nem máquina, tem professor que tenta, tenta, e não consegue (10) a transformação. (11) F: Acho que tem que pensar o seguinte, será que ele quer. (12) L: [...] o que leva a mudança, você ler, estudar, estudar, e isso (13) está acontecendo na minha prática.
(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)
67
Vera ressalta que a formação pré-serviço contribui para a formação do
professor de língua estrangeira. Ela, até então, usara uma prática voltada para o
ensino da língua inglesa ancorada na metalinguagem, que era o paradigma de
ensino aceito, porque não conhecia ainda outra prática. Contudo, conforme diz,
“depois de toda a minha formação, depois que saí da universidade, essa prática de
ensino não dá pra conceber mais” (linhas 4 e 5).
Lúcia, por sua vez, aponta para o desejo de mudança do professor, mas
admite que ele, por si só, não provoca transformação. Contra-argumenta dizendo
que talvez o professor, no fundo, não queira mudança, o seu interior ainda não
aceita. De fato, conforme, Bhaskar (2002 apud PAPA, 2005), a verdadeira
emancipação nasce no interior de cada indivíduo. Para Lúcia, a mudança está
condicionada a vários fatores, notadamente à leitura e ao estudo. Refere-se ao
estudo de grupo como um agenciador de mudança.
Fernanda utiliza a modalidade deôntica “tem que fazer mudança” (linha 8)
para expressar a obrigação e uma atitude até impositiva quanto à mudança para
melhorar o ensino de língua inglesa. Lúcia usa a modalidade categórica no pólo
positivo “isso está acontecendo na minha prática” (linha 13) para indicar que está em
pleno processo de mudança em sua prática.
Por outro lado, as professoras não concordam com alguns colegas que
acham ser da responsabilidade do governo a formação continuada.
Excerto 18 (1) F: Ah, uma coisa que eu coloquei a falta de interesse do pessoal [...], a (2) escola tem a idéia de que o Estado é que tem que dar formação, gente, (3) e eu como professora, será que eu também não quero melhorar, (4) entendeu? Eu não quero me formar, eu não quero melhorar eu mesmo, (5) é preciso a gente vê isso aqui, ah, vamos fazer o IELTS, ah não vou (6) porque [...] vai ter que por alguém no meu lugar pra pagar do meu (7) bolso, mas você vai ganhar com isso, não é? Eu já vi, vários, já ouvi, (8) você é louca, pagar alguém pra dar aula e você não vai ganhar nada (9) com isso, um amigo já me falou isso, eu falei assim, essas coisas nem (10) se discute, mas me dá raiva, ((incomp.)) porque, gente, é uma forma (11)de amadurecimento ((incomp.)), tem que fazer por mim mesmo. (12) L: ((incomp.)) não tem nenhuma formação principalmente em (13) língua inglesa, mas eles querem esperar coisas do governo.
(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)
Quanto à formação do professor, as professoras participantes desta
pesquisa chegam à conclusão de que o professor não deveria esperar pelo Estado
no que se refere à sua capacitação, pois o próprio professor deveria ter consciência
68
de que a formação é parte de sua vida profissional. Desse modo, deveria sentir a
necessidade de querer melhorar, mesmo quando os dirigentes da escola não o
apóiam, cobrando um professor substituto para quando estiver ausente da escola
em cursos de formação.
A formação do professor de língua estrangeira, já mencionada no Capítulo 2
deste trabalho, é deficiente no Estado de Mato Grosso. Podemos perceber isso na
fala de Lúcia: “não tem nenhuma formação, principalmente, em língua inglesa, mas
eles querem esperar coisas do governo” (linhas 12 e 13).
Nesse excerto, as participantes usam a modalidade deôntica, verbo ter no
presente do indicativo, “tem que dar formação” (linha 2), para expressar a
obrigatoriedade do Estado quanto à formação de professores, “vai ter que pôr
alguém no meu lugar pra pagar do meu bolso” (linhas 6), expressando a cobrança
dos gestores da escola quanto à obrigatoriedade de o professor deixar um
substituto quando estiver ausente para se qualificar; “tem que fazer por mim
mesmo” (linha 11), ressaltando a obrigatoriedade de o professor perceber que, se
ele não faz para ele, se ele não se qualificar, ninguém o fará em seu lugar.
O uso predominante da modalidade categórica no discurso de Fernanda
evidencia alto grau de comprometimento dela com suas proposições. Ela usa o
verbo ser no presente do indicativo, pólo positivo “é”, para expressar grau positivo,
quanto à responsabilidade do governo de oferecer cursos de qualificação (linhas 2),
ao expor a necessidade que sente em estar sempre em cursos de formação (linha
4).
Fernanda usa o pronome “eu”, auto-referencial, várias vezes, com o
objetivo de se colocar como professora da escola estadual que quer estudar e fazer
os cursos de qualificação profissional, opondo-se às concepções de outros
professores que acham que o Estado é o responsável por isso. Nessa última
abordagem, Pennycook (1994: 177) enfatiza que o pronome “eu” pode também
operar como metade de uma construção do outro: ele pode ficar em oposição a
qualquer “você” ou “eles”. Foi o que sucedeu com Fernanda, que se opôs a seus
colegas.
Há, também, a ideologia que perpassa a instituição, escola pública, onde o
responsável por tudo é o governo. Ele é responsável pela qualidade do ensino, pela
qualidade da formação de seus professores, por salas e material adequado.
69
Quando esses instrumentos não estão disponíveis, simplesmente é culpa do
governo.
Nesse primeiro estudo de grupo, queremos enfatizar que a ADC não se
preocupa somente com a materialidade lingüística, mas também como essa
materialidade funciona na representação de eventos, na construção de relações
sociais, na estrutura, na reafirmação e na contestação de hegemonia no discurso
(RESENDE e RAMALHO, 2006). Portanto, analisar discurso não é meramente
utilizar a materialidade lingüística para apontar as intenções dos sujeitos, mas
perceber que os sujeitos produzem um discurso que está imbricado pela ideologia e
pela hegemonia que dominam o mundo moderno e, nessa prática social, eles podem
contestar e transformar as estruturas sociais. Quanto ao uso de modalidade,
Fairclough (2003) profere que ela pode ser vista como a questão de quanto e de
como as pessoas se comprometem quando fazem afirmações, perguntas,
demandas ou ofertas.
Na seção 4.1, pudemos perceber que a modalidade que se destaca na fala
das professoras é a modalidade deôntica, revelando, assim, alto grau de
comprometimento com a obrigatoriedade e (ou) necessidade que as professoras
possuem com suas proposições no contexto atual do ensino de língua inglesa na
rede pública.
No QUADRO 5, apresento um resumo dos sub-tópicos e percepções das
professoras acerca do Tópico 3: O perfil do professor de escola pública e a formação
continuada.
70
QUADRO 5 – Sub-tópicos e percepções do Tópico 3 TÓPICO 3 SUBTÓPICOS PERCEPÇÕES DAS PROFESSORAS
O perfil do professor de escola
pública e a formação
continuada
A importância do estudo de
grupo
A formação continuada muda a prática do professor. A formação continuada possibilita a troca de experiências. O estudo de grupo ajuda no desenvolvimento profissional. Há uma aprendizagem compartilhada.
Os professores que estão na
escola pública
Alguns professores são contratados com base em amizades. Alguns professores desenvolvem uma prática pautada na tradução e no uso da metalinguagem. Os professores são contratados sem conhecimento lingüístico-comunicativo. Não há teste de proficiência para a contratação de professores.
A formação continuada
Falta uma política de formação para professores de língua inglesa no Estado de Mato Grosso. As pessoas que estão na gestão escolar não dão apoio para que o professor se atualize. Comodismo de certos professores que não percebem a necessidade de se atualizar.
4. 2 Vozes que circulam entre a teoria e a prática
O texto de Ur (1999: 19) descortina uma discussão sobre a função da
prática definida pela autora como “o ensaio de certos comportamentos com o
objetivo de consolidar a aprendizagem [de línguas] e melhorar o desempenho [do
aluno]” 20. Embasada na “teoria da habilidade aplicada à aprendizagem das línguas”
de Johnson (1995 apud Ur, 1999: 20), Ur concebe o ensino de língua inglesa em
três etapas metodológicas: verbalização, automatização e autonomia. Na primeira
etapa, verbalização, segundo a autora, o professor pode explicar o sentido de uma
palavra ou de regras sobre a estrutura gramatical, para que os alunos possam usá-
las em um contexto. Essa etapa corresponde à apresentação. Na segunda,
automatização, é o momento em que os alunos começam a usar/praticar a língua à
luz das atividades propostas pelos professores. No início dessa etapa, os alunos
podem cometer erros, que diminuem à medida que o professor os monitora até o
momento em que conseguem produzir a informação corretamente sem pensar. Na
terceira e última etapa, compreendida como produção, os alunos se apropriam de
um conjunto de comportamentos que eles concretizam e começam a melhorar seu 20 “Practice can be roughly defined as the rehearsal of certain behaviours with the objectives of consolidating learning and improving performance”.
71
próprio desempenho lingüístico. Eles começam a ter mais velocidade, perceber ou
criar novas combinações para produzir o que querem e, desse modo, segundo Ur
(1999), os alunos se tornam autônomos. A autora afirma que as características de
uma prática de língua efetiva envolvem validade, pré-aprendizagem, volume,
orientação de sucesso, heterogeneidade, assistência do professor e interesse. Bem
explícita no texto está a exigência de atividades que tenham valores significativos
relacionados com fatos reais. Por exemplo, em uma atividade para usar números,
não adianta apenas decorá-los, é preciso entender por que e para que conhecê-los.
As professoras Lúcia e Fernanda questionam alguns pontos da teoria
apresentada por Ur (1999). O texto serviu como inspiração para uma reflexão do
fazer pedagógico de cada uma delas. Cada ponto discutido no texto era comparado
ao contexto em que as professoras atuam. Três tópicos surgiram em meio às
conversas. O primeiro foi “o ensino centrado no professor”; o segundo, “As
características de uma prática de sala de aula”; o terceiro, “a autonomia do aluno”.
Tópico 4 - O ensino centrado no professor
As professoras discutem o controle do professor durante a realização de uma
atividade.
Excerto 19 (1) V: [...] o papel do professor no período de automação é apenas de (2) monitorar. (3) L: O que não acontece, né, às vezes, é aquilo que eu falei, eu ainda (4) tenho esse problema de estar controlando, você lembra que eu (5) passei para você aquele dia,eu estava fazendo uma atividade que eu (6) não tinha confiança que eles iam fazer, sabe, eu fui lá e coloquei eles (7) para fazer. (8) V: Controlando. (9) L: Controlando ((incomp.)) (10) F: Deixar eles falando lá, jogar a responsabilidade nele e mostrar que (11) ele é responsável pelo ato dele, deixar que ele faça. (12) L: Acho que é isso é o que está faltando.
(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)
Lúcia usa o pronome “eu”, auto-referencial (linhas 3, 5 e 6), para revelar sua
insegurança quanto a seu papel em sala de aula, pois, para ela, o professor ainda é
aquele a quem cabe controlar as ações de seus alunos. Após a fala de Fernanda e
de Vera, em conflito com a sua, ela percebe que deve mudar sua prática para
reduzir seu controle sobre o processo de aprendizagem dos alunos “eu acho que é
72
isso que está faltando” (linha 12). Concorda, assim, com o discurso da autora do
texto e com o discurso das colegas do estudo de grupo: defendem a autonomia dos
alunos durante a realização das atividades.
Percebe-se que a mudança que permeia a prática do professor está
relacionada com o posicionamento discursivo dos outros membros do grupo.
Quando há uma tensão discursiva, as vozes se desencontram com opiniões
diversas sobre a prática e a teoria, levando os membros do grupo a refletir e a
querer mudar sua prática.
Ainda discutindo sobre o controle em sala de aula, Lúcia argumenta ser a
prática pedagógica influenciada pela maneira como aprendemos.
Excerto 20 (1) L: A questão de a gente ensinar como a gente aprendeu, alguém (2) controlando, e a gente acaba transferindo isso, é um erro, a gente tem (3) que começar a refletir sobre isso e começar a mudar, e quando, eu (4) coloco a questão da automatização, que é aquilo que você falou, de (5) estar monitorando, eu me imagino nessa situação, que na realidade, na (6) maior ia das vezes, eu estou é controlando e , é isso que (7) eu tenho que começar a refletir para tentar fazer a mudança, né.
(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)
Ao usar o pronome “a gente” (linha 2), ela inclui todos os professores que
têm uma prática influenciada pelas pessoas que já contribuíram com nossa
formação acadêmica. Para ela, quando usamos um modelo que não se enquadra
dentro de novo paradigma de ensino-aprendizagem, estamos transferindo
comportamentos aprendidos em experiências que não passaram/passam por
reformulação diante de fatos novos. Assim, propõe uma reflexão e uma mudança de
postura de modo enfático – uso da modalidade deôntica “tem que” (linha 2) e “tenho
que” (linha 7) – para evidenciar seu comprometimento com a vontade de mudar sua
prática.
É notável que todas as vezes que as professoras usam a modalidade
deôntica, representada pelo verbo ter, “ter que” e “ter de”, elas encetam movimentos
reflexivos em torno de sua prática que consideram inadequada, que precisa ser
melhorada, mostrando, assim, que têm a necessidade e a obrigatoriedade de
propor algo novo.
No excerto 21, a discussão é sobre o papel do professor em sala. Durante a
discussão, fica evidente que, na realidade, o professor procura controlar os alunos
73
porque tem medo de que eles não executem a atividade do jeito que ele gostaria.
Fernanda menciona que o professor trabalha com a hipótese zero de ser enganado
por seus alunos, mas, na verdade, isso é o que mais acontece em sala de aula, e o
professor só conseguirá mudar essa situação se lhes atribuir responsabilidade e
descentralizar o ensino.
Excerto 21 (1) F: Mas ele só vai criar, eu penso, ele só vai criar se ((imcomp.)) (2) L: Eu sei, mas eu ainda tenho dificuldades de dar, de lidar com (3) essa situação. (4) V: Do que você tem medo? Assim... você tem medo do que ? O que o (5) seu interior te diz? (6) F: O aluno te enganar. (7) L: Exatamente. (8) F: Mas por que, que você não pode ser enganada? Por que você é (9) professora (10) L: Eu não aceito (risos) (11) F: Ah... está vendo, porque esse é o problema, não é dela, é do (12) professor, da pessoa. O professor que não aceita a hipótese de ser (13) enganado, e ele é. Esse que eu acho o grande item, o professor (14) pensa que ele não é enganado, ele trabalha com isso e ele é (15) enganado a todo momento.Ele tem que ter essa consciência e o (16) papel se inverte quando a gente faz ao contrário e aí eles [os (17) alunos] têm medo de te enganar porque eles sabem que você está (18) jogando, jogando tudo para eles, eles pensam assim, para eles (19) fazerem alguma coisa, eles vão pensar mais e o problema é isso, (20) não aceitar ser enganado
(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)
Ainda nesse excerto, o uso da polaridade positiva e negativa, “é” e “não é”
(linhas 8, 11, 13, 14 e 19), por Fernanda, quanto ao seu papel de professora,
reafirma que a falta de confiança de Lúcia não é apenas dela, e sim, de todos os
professores. Isso justifica a atitude do professor que procura controlar o ensino
durante a execução das atividades.
Fernanda usa os pronomes “ele” (linhas 13 a 15) para se referir a todos os
professores que assumem um papel social dentro de uma relação assimétrica de
sala de aula, como autoridade não pode ser enganado. Logo em seguida (linha 16),
usa o pronome “a gente” incluindo-se como uma professora que também passa por
esse mesmo problema.
No excerto 22, Lúcia e Fernanda discutem a prática do professor, modelada
em experiências anteriores, inclusive da própria família, e a dificuldade que ele tem
em admitir que sua prática está inadequada e que precisa de mudança.
74
Excerto 22 (1) L: Isso, uma questão de educação e aquilo que a gente falou essa (2) mudança do professor, por que ele foi criado num sistema (3) tradicional, [...] professor ali, aluno lá, então para você fazer essa (4) mudança... as vezes... as vezes, não é fácil, você está enraizado e (5) essa postura vem da gente também, da nossa casa também, não é (6) só de educação, vem do dentro de casa, eu percebo muito que eu (7) sou assim vamos dizer, autoritária, não sei se essa é bem a palavra, (8) em função da minha família, da minha mãe que é assim, que (9) sempre foi, que sempre jogou muito aberto, que sempre falou (10) claramente, então isso influencia. Outra coisa difícil que ela falou, (11) para o professor é difícil admitir, admitir que eu sou assim e (12) acho que preciso mudança, isso que é ... (13) F: É mais difícil porque tem etapas, como tem essas etapas aqui, (14) tem as de lá também, eu acho que a primeira etapa é você saber (15) que você é assim. Isso já é um grande passo, quando eu (16) reconheço que é um longo processo, quando você reconhece aquilo (17) se fala assim ah resolvi o problema, que nada, agora que vai (18) resolver, porque eu sou assim, como é que eu vou fazer para (19) mudar, aí mostrar isso para os outros, o quê você tinha e o quê (20) você precisa de mudar, você sempre teve um perfil. Isso agora (21) vai mudar para aquilo de uma hora para outra, é muito difícil (22) porque mexe com tudo, né?
(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)
Fernanda usa a modalidade subjetiva “eu acho” (linha 14) e a modalidade
categórica não hipotética no pólo positivo “é” (linhas14, 15, 16, e 18) para abordar a
importância da pessoa se conhecer, conhecer a sua prática, propor mudança e
reconhecer que essa mudança é um processo longo porque desestabiliza as
crenças. Lúcia usa a modalidade categórica no pólo negativo, “não é” (linha 4 e 5),
para expressar a dificuldade que sente quando uma prática sua exige mudança e
quando percebe que isso não é um problema só da educação, mas decorrente
também de experiências familiares cotidianas.
Nesse excerto, as professoras voltam a refletir sobre a formação do
professor, do quanto é difícil mudar uma prática repleta de outros valores e crenças.
Principalmente, quando há uma diferença muito grande quanto aos diferentes papéis
sociais que ambos têm que assumir em uma sala de aula. No modelo mais
tradicional, o aluno é aquele que não tem voz, apenas recebe ordens e as executa.
O professor é aquele que detém o conhecimento e ensina, mas muitas vezes, essa
prática não é eficiente e o professor precisa mudar, o que, segundo as professoras,
não é fácil. Primeiro é preciso identificar e reconhecer as falhas para depois corrigi-
las.
QUADRO 6 mostra um resumo dos sub-tópicos e das percepções das
professoras acerca do Tópico 4: O ensino centrado no professor.
75
QUADRO 6 – Sub-tópicos e percepções do Tópico 4 TÓPICO 4 SUBTÓPICOS PERCEPÇÕES DAS PROFESSORAS
O ensino centrado
no professor
O controle do professor vs
autonomia do aluno
Ensino centrado no professor: pouco espaço para o aluno desenvolver sua autonomia Ensino centrado no aluno: maior possibilidade de os alunos serem responsáveis por seu processo de aprendizagem.
A influência do conhecimento
anterior
Ensino com base nos modelos de ensino que tivemos como alunos.
A importância da
reflexão
Reflexão ajuda a mudar a prática. Professor e alunos são co-responsáveis no processo ensino-aprendizagem.
Tópico 5 - As características de boa prática de sala de aula
Vera e Fernanda discutem a prática de língua efetiva dentro do modelo
desenhado por UR (1999), concordando com as idéias da autora.
Excerto 23 (1) V: Aí, ela fala das características de uma prática de língua, efetiva, que (2) ela dá validade, as atividades deveriam ativar primeiramente as (3) habilidades, [...] e aí, ela vem chamando atenção para aquilo que ela (4) chama de validade, não é necessariamente que a língua deveria ser (5) usada em algum tipo de replicação da comunicação da vida real, aí (6) ela fala da pronúncia que deve ser trabalhada com drills ou práticas de (7) vocabulário que também podem ser validadas se de fato servem, (8) primeiramente, para melhorar os itens que estão sendo praticados, (9) [...] (10) F: Que cada um deveria ter uma compreensão preliminar do que ele (11) queira na prática [de língua]. (12) V: Isso, ela quer dizer, que eu não posso colocar o aluno para (13) sentar com o colega fazendo planos futuros, se ele não aprendeu (14) antes, [...] praticar como funciona essa estrutura, que vocabulário (15) utilizar, então,defesa que ela faz, é bem isso mesmo, é claro que isso é (16) importante [...].
(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)
Vera usa a modalidade categórica hipotética, verbo “dever” no futuro do
pretérito “deveriam” (linha 2) e “deveria” (linha 4), para indicar baixo grau de
comprometimento com as proposições, uma vez que está parafraseando Ur. Ao usar
a modalidade deôntica, verbo “dever” no presente do indicativo “deve ser”, ela passa
a concordar com o discurso de Ur, que vê a obrigatoriedade do ensino de pronúncia
mediante a prática de drills. Em seguida, Vera muda seu posicionamento
novamente, usando a modalidade categórica não hipotética, verbo “poder” no
76
presente do indicativo “podem ser” linha (linha 7), para expressar a possibilidade da
validação da atividade de prática de vocabulário e de pronúncia somente quando
essas contribuem para ajudar no desenvolvimento da prática de língua.
Fernanda, por sua vez, usa a modalidade hipotética, verbo “dever” no
futuro do pretérito “deveria ter” (linha 10), para indicar que os professores de língua
muitas vezes não sabem o objetivo de uma atividade de prática de língua antes de
propô-la para seus alunos.
As professoras também corroboram o discurso de Ur no sentido de que não
se pode colocar o aluno na etapa da produção sem ele ter passado pela
verbalização e pela automatização. Em contrapartida, elas se distanciam daqueles
professores que desenvolvem várias atividades de prática de língua sem pensar
nos objetivos dessas atividades.
A definição de “contexto real” apresentado por Ur (1999) gera um conflito
entre as professoras.
Excerto 24 (1) V: Características de uma boa prática [de sala de aula], quando ela fala (2) de qualidade quando ela joga a questão do mundo real, o que vocês (3) vêem nisso, aí? (4) F: Que a gente tem que pegar o livro e jogar fora. (5) V: Que comunicação é essa? (6) F: Né? Começa por aí. (7) V: Obriga a gente a pensar o seguinte, nós estamos [...] aprendendo (8) inglês num contexto de língua estrangeira, como que a prática vai (9) ser real? Que significa isso? (10) L: Se ele for lá para o pantanal numa pousada X, onde tem (11) estrangeiro, [...] conversando com aquelas pessoas, ele está fazendo (12) uma prática real. (13) V: Por que ele está utilizando a língua para (incompreensível). (14) L: É uma prática real, [...]. (15) V: Qualquer um curso de idioma, entro no instituto para dar aula, é (16) tudo forjado, os contextos são todos forçados, você pensa em (17) contextualizar o máximo, mas você nunca tem um contexto real.
(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)
Neste excerto, há um conflito entre as vozes das professoras com a voz da
autora do texto. Ur provavelmente faz referência a contexto real, aludindo-se a
situações de uso da língua fora da sala de aula em contextos de aprendizagem de
segunda língua em que o aluno tem a oportunidade de interagir continuamente com
falantes nativos. No caso do Brasil, o contexto real fora da sala de aula é o da
língua portuguesa. A interação com estrangeiros que possibilitaria uma
oportunidade para falar inglês é rara. Para as professoras, não existe um contexto
77
real nesse sentido. O que existem são situações simuladas, forjadas dentro da sala
de aula para representar situações semelhantes ao contexto real.
Percebe-se, por trás dessas vozes, um discurso que permeia vozes da
área da Lingüística Aplicada: o constante dilema de professores que se vêem
divididos entre o ensino de “forma e conteúdo”, conforme bem disse Assis-Peterson
e Oliveira (2004: 145):
Professores de Língua Estrangeira (L2) encontram-se frequentemente envolvidos em situações de dupla-pressão: implementar atividades visando ao desenvolvimento da competência comunicativa, em que os alunos e professores possam interagir socialmente e produzir sentidos na L2, ou promover atividades voltadas para a metalinguagem que enfoquem a estrutura da língua a ser aprendida.
Lúcia e Vera falam sobre a importância do conhecimento de mundo dos
alunos como uma necessidade primária para o desenvolvimento de uma prática de
língua em sala de aula.
Excerto 25 (1) L: Que leitura eles têm de mundo, então, como que você vai pedir a (2) eles praticarem, né, alguma coisa sobre determinado assunto, se (3) eles não têm isso enquanto leitura de mundo, você vai falar sobre (4) obras de arte... (5) [...] a gente vê exemplos muito práticos disso, profissões, aí você (6) trabalha profissões, dá o vocabulário, médico, engenheiro, sei lá o que, (7) [...] aí põe figuras de pessoas estrangeiras, aí alguns passam para o (8) brasileiro, aí não funciona, porque ou você mostra uma imagem, por (9) exemplo, de uma Daiane dos Santos, ele não sabe quem é, (10) [...],então seus exercícios, sua prática vai por água abaixo. (11) V: E esses livros importados, as personalidades são todas (12) internacionais, na maioria das vezes. (13) L: E quando trazem [...], as personagens brasileiras que não fazem (14) parte do conhecimento de mundo dos alunos.
(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)
Lúcia usa o pronome “você” (linhas 1 e 3) referindo-se a todos os
professores de inglês que propõem uma atividade em sala e se preocupam com o
conhecimento prévio – conhecimento de mundo – dos alunos. Nesse momento, ela
se exclui na qualidade de falante, mas o uso do pronome “a gente” (eu + vocês,
linha 5) revela que ela também percebe que, quando os alunos não conhecem o
assunto ou as personagens presentes no texto, eles não conseguem se envolver de
modo significativo e executar a atividade.
78
As professoras sabem que o conhecimento de mundo do aluno é importante
para o desenvolvimento de determinadas atividades porque, quando ele não
conhece uma imagem ou uma figura, fica impossibilitado de descrevê-la ou de
argumentar sobre o assunto utilizando a língua estrangeira. Nesse excerto, há a
predominância do uso da modalidade epistêmica – proposições são afirmativas
enfatizando o comprometimento com a verdade –, representada nas ações das
professoras ao discorrerem sobre seu trabalho em sala de aula, sobre suas crenças
e sobre uma boa atividade de prática de língua desenvolvida em sala de aula.
O excerto apresenta o conflito entre a voz do livro didático e a voz das
professoras. O livro didático é produzido para um mercado internacional sem se
levar em conta as especificidades culturais de cada país. Para as professoras,
conscientes desse problema, o livro didático deveria levar em conta essas
diferenças culturais. Perpassa essa discussão a ideologia de que as classes sociais
mais baixas possuem um conhecimento cultural inferior.
No excerto 26, Fernanda apresenta um dos principais problemas que os
professores enfrentam quando propõem atividades de prática de língua que
envolvem a interação aluno-aluno
Excerto 26 (1) F: Não tem... aquela atividade, que eu deixei na transparência, tinha (2) um formulário e eu passei para minha turma então ele vai fazer a (3) pergunta e preencher o formulário para o colega e o colega vai fazer o (4) mesmo, eu [...] eu percebi que chegaram e fizeram em português (5) mesmo e eu estava olhando, fiquei olhando e não falei nada então (6) eu percebi que uns praticaram, outros não
(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)
Nesse excerto, Fernanda, várias vezes, usa o pronome “eu” auto-referencial
e a modalidade subjetiva “eu percebi” (linha 4) para indicar a sua indignação com o
fato de ter presenciado os alunos usarem a língua portuguesa para desenvolver uma
atividade durante a aula de inglês.
Para professores de língua estrangeira, é importante que os alunos
interajam na língua estrangeira para que possam desenvolver seu nível lingüístico-
comunicativo. Nas salas de aula de escola pública, em que há grande número de
alunos, o professor precisa circular entre os grupos monitorando a execução da
atividade, orientando, anotando e observando o tempo todo.
79
Ainda nesse excerto, percebe-se que a professora valeu-se de seu silêncio,
acentuando a relação de poder que existe entre professor e alunos. Ela poderia
chamar-lhes a atenção, mas ficou em silêncio, observando a atitude inadequada, ao
se valerem da língua portuguesa. Percebe-se, também, mais uma das constantes
preocupações de professores e pesquisadores: a dosagem ideal do uso da língua
materna e da estrangeira em sala de aula.
O QUADRO 7 mostra um resumo dos subtópicos e as percepções das
professoras acerca do Tópico 5: As características de boa prática de sala de aula.
QUADRO 7 – Sub-tópicos e percepções do Tópico 5 TÓPICO 5 SUBTÓPICOS PERCEPÇÕES DAS PROFESSORAS
As características de boa prática
de sala de aula
O contexto de ensino aprendizagem de língua estrangeira
Contextos utilizados para o ensino de língua inglesa são forjados, imitação da realidade. Material de ensino não apresenta o contexto sócio-cultural do aluno. Livro didático não explora conhecimento de mundo dos alunos. Conteúdo deve seguir as três etapas propostas por Ur.
O papel do professor
Professor deve organizar a seqüência das atividades. Professor deve promover atividades e exercícios para consolidação da aprendizagem. Professor não pode cobrar produção sem ter trabalhado o conteúdo. Língua-alvo deve ser utilizada durante a realização das atividades. Uso da língua deve ocorrer em contexto real.
O papel do aluno
Conhecimento de mundo é crucial para o desenvolvimento de determinadas atividades práticas.
Tópico 6 – A autonomia do aluno
Fernanda relata o episódio de um aluno ter colado durante uma avaliação
de inglês, quando ela não estava presente, e sua atitude perante tal fato.
Excerto 27 (1) F: Hoje, entreguei uma prova que eu sei que ele colou, não comigo, com (2) o outro, ah, 4, professora, eu falei assim, 4 colado Wellington, [...] aí ele (3) falou assim ,você nem deu a prova, e como você sabe que (4) eu (4) colei? Eu falei assim, sabe por que Wellington, você está comigo desde (5) o começo do ano, [...], você acha que tem como eu acreditar que você
80
(6) tirou 4 nessa prova? Seja sincero, você acreditaria, ele olhou pra mim (7) e disse, você é foda, hein! Então, eu vou tirar seus 4, não vou, a sua (8) nota é 4, sabe por que isso, é pela sua consciência, você tirou 4, você (9) colou, você aprendeu, porque eu não preciso aprender, isso aí, eu já (10) aprendi, agora eu aprendi uma coisa sobre você, não é sempre que (11) eu posso confiar em você porque você colou na minha ausência, (12) amanhã pode ser na sua vida, você pode tirar alguma coisa de (13) alguém, alguém vê, te prende, isso é o que você vai construindo, essa (14) nota é a nota que você tirou, [...]só pra você confirmar pra mim uma (15) coisa, aí ele falou, depois dessa professora, eu não quero nem mais (16) ver minha prova, entendeu, agora é essa relação dia-a-dia, de você, (17) você ser clara com ele, você tem, eu acho que é uma questão de (18) maturidade, de maldade, você tem que ter um pouco de maldade com (19) os jovens, não acreditar, deixar de ser mãe [...] tem que ser (20) profissional, e enquanto profissional, você tem que tomar certas (21) atitudes, sérias, bruscas, brutas, tem que ter, e o professor não é (22) assim, ele tem medo de Secretaria de Educação, entendeu, ele tem (23) medo de processo, tem medo de não sei o quê.
(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)
Ao apresentar o ocorrido com um aluno que colou na prova, Fernanda deixa
claro que o fez enxergar que não foi uma postura adequada. Ela usa a modalidade
categórica, advérbio “sempre” seguido do advérbio “não” (linha 10), para indicar que
nem sempre ela pode acreditar em seu aluno. Fernanda também usa “pode ser”
(linha 12), modalidade objetiva, evidenciando a relação de poder entre ela
(professora) e o aluno para dizer-lhe que ela tem experiência e que a atitude dele
poderá trazer-lhe complicações futuras, porque indicam falta de seriedade,
honestidade, valores cruciais para a formação do bom cidadão.
O uso da modalidade categórica não hipotética “posso” (linha 11) e “pode
tirar” (linha 12), indica possibilidade de acreditar de novo no aluno, dar-lhe outra
chance e a possibilidade de ele ser punido mais severamente fora do contexto de
escola quando cometer alguma infração. Ela chama sua atenção para atitudes que,
hoje em dia, estão quase naturalizadas, isto é, aparentemente, são consideradas
“normais” no contexto de escola, mas, em outros contextos, poderiam lhe causar
problemas.
O uso do pronome “você” para indicar o aluno (linhas 4, 5, 9, 11, 12, 13,14
e 15), aponta o distanciamento de Fernanda, o eu-professor se distanciando e
evidenciando as atitudes do aluno, as quais ela não aprovou. Há, também, a
mudança de discurso indireto para direto quando ela narra os fatos como se fosse o
aluno e diz: “ele olhou pra mim e disse: você é foda, hein!” (linha 7). Neste
momento, a voz do aluno é materializada em seu próprio discurso.
81
A instituição escola é um local em que as relações de poder são muito
acentuadas. São várias vozes sendo silenciadas por outras vozes. Professores
acabam sendo coniventes com muitas ações inadequadas de seus alunos por medo
de processos administrativos movidos por alunos ou pais de alunos. Dirigir-se ao
aluno para cobrar um comportamento ético nem sempre é uma ação corriqueira. Ela
pode ser interpretada como agressão, humilhação e pode até mesmo gerar
processos. Quando Fernanda diz “professor não é assim, ele tem medo de
secretaria de educação, entendeu, ele tem medo de processo, tem medo de não sei
o quê” (linhas 22 a 24), ela chama a atenção para a voz do professor que é
silenciada nas escolas por força da hierarquia presente no contexto da educação.
Hoje, o professor é um ser amedrontado por processos administrativos. Há uma
relação de poder entre o professor e a SEDUC, e qualquer atitude que não esteja
conforme os parâmetros da secretaria é passível de punição.
Fernanda comenta o comportamento de seus alunos quando ela solicitou
que eles corrigissem algumas avaliações.
Excerto 28 (1) F: Eu dou a prova e depois eu dou para ele de novo, não é que eu (2) corrigi, para ele, ele corrigir, vai, a gente vai corrigindo junto, ele dá a (3) nota, ele soma, ele dá nota e, aí, aí, eu tirei três, eu tirei dois, seja a (4) nota que for, ele fala, professora, você é a única que deixa a gente (5) corrigir nossa prova, eu acho, nesse trabalho de corrigir, de uma certa (6) forma, por mais que ele seja ainda uma criança ((incomp.)) dele, e você (7) vê casos assim, um falou, oh fulano, aumenta minha nota, aí, eu já ouvi (8) ele falando, mais fingi que não ouvi, eu fiquei assim... O outro falou, (9) você acha que eu vou fazer uma coisa dessas? Engraçadinho, isso não (10) é certo não, então tem fazer.
(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)
Nesse excerto, Fernanda usa o pronome “ele” (linhas 1, 2 e 3), indicando
aos alunos presentes que eles têm uma obrigação a cumprir: corrigir sua própria
prova. Ela também faz uso do pronome “a gente”, “a gente vai corrigindo” (linha 2),
para indicar que a correção será feita por ela e por eles em conjunto. Um dos
alunos também usa o pronome “a gente” para indicar “nós-alunos” corrigimos a
prova, “você é a única que deixa a gente corrigir” (linha 4). Essa atitude de
Fernanda representa quebra de hierarquia entre professora e aluno. Ele, ao corrigir
e atribuir nota para a prova do colega, torna-se co-responsável no processo de
ensino-aprendizagem. Contudo, Fernanda salienta que, se por um lado há quem
82
percebe a importância dessa ação, por outro lado há aqueles alunos que procuram
se beneficiar com a situação, pedindo que o colega aumente sua nota.
Ainda no excerto 28, Fernanda mostra que conhece bem seus alunos, sabe
que eles têm responsabilidade e que seu papel em sala de aula vai além de ensinar
um conteúdo gramatical, aplicar uma avaliação e corrigi-la. Seu dever é ensiná-los a
ter responsabilidade e a ser honestos. Ela se mostra bem tranqüila quanto a seu
papel, pois sabe da possibilidade de ser enganada por alguns, mas isso é normal,
uma vez que os alunos estão em processo de formação acadêmica e de formação
como pessoas. Já para Lúcia, é inaceitável ser enganada por seus alunos.
Leila e Fernanda questionam o conceito de autonomia apresentado por Ur
(1999), relatando exemplos de alunos que aprendem fora do contexto da escola.
Excerto 29 (1) L: Autonomia, ela já fala quando o aluno já está, aquilo que foi ensinado, (2) praticado, ele já tem que, já começar a usar de uma forma mais (3) autônoma. (4) F: Eu até questiono um pouco em relação a isso, quando ela fala (5) que autonomia é quando ele põe em prática aquilo que ele (6) aprendeu ,1º assim tem que vê o caso, o que ele aprendeu, eu vejo o (7) caso assim de aluno de inglês, o nosso caso aluno de inglês, tem aluno (8) ((incomp.)) ele quer falar com a professora, ai ele fala, hi professora, (9) the book on the table [...] isso gente, é interação [...]. (10) L: E onde ela faz isso, na sala de aula? (11) F: Não nos corredores, aí quem não entende vai falar, assim, ela está (12) falando em inglês, quem entende, deve pensar que ela é louca, quem (13) não entende, fala nossa! Como ela fala inglês! Quer dizer, ela enquanto (14) adolescente, ela se sobressai no meio dela, porque ela está (15) falando uma língua e comunicando com a professora.
(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)
Lúcia usa a modalidade deôntica “tem que” (linha 2) indicando que, ao
aprender determinado assunto ou conteúdo em inglês, o aluno tem a obrigação de
transferir o conhecimento adquirido para outros contextos. O discurso, nesse caso,
não é amenizado, soa como imposição.
Como nos excertos anteriores, a reflexão sempre emerge de um tema
apresentado pelo autor, com o qual as professoras não concordam. Percebe-se um
conflito entre a voz de Lúcia, que concorda com Ur (1999) – o aluno tem autonomia
quando ele aprende e transfere para outros contextos – e a voz de Fernanda – o
aluno pode aprender fora da sala de aula e trazer esse conhecimento para a escola.
Fernanda cita o exemplo de uma aluna que, quando se encontra com ela fora da
83
escola, fala qualquer coisa com ela em inglês por falar, não se importando com o
que as pessoas a seu redor vão pensar.
Esse uso do inglês fora da sala de aula, apresentado como um sinal de
autonomia na aprendizagem, pode indicar um sinal de “distinção” entre grupos de
adolescentes. A fala de Fernanda reforça o que alguns autores (PHILLIPSON,1992;
PENNYCOOK,1998; RAJAGOPALAN, 2001, 2003) vêm discutindo sobre o ensino
de língua inglesa no mundo. As pessoas se dedicam à tarefa de aprender línguas
estrangeiras porque isso sempre representou prestígio. A pessoa que fala uma
língua estrangeira é admirada e considerado culta e distinta. Há uma escala de
valores que apresenta a língua inglesa com fortes conotações ideológicas.
Phillipson (1992:47apud RAJAGOPALAN, 2003), por exemplo, apresenta o termo
“lingüicismo”, referindo-se “às ideologias, estruturas e práticas que são mobilizadas
para legitimar, efetuar e reproduzir uma divisão desigual de poder e recursos – tanto
material como não material – entre grupos desmarcados com base lingüística”.
Desse modo, a língua inglesa e sua cultura sempre são consideradas superiores
por boa parte dos professores.
A palavra autonomia, nos discursos dos professores desta pesquisa, é
conceituada com o intuito de levar os alunos a traçar seu próprio caminho como
aprendizes. Para Ur (1999: 20), autonomia é o momento do desenvolvimento da
aprendizagem em que os aprendizes são capazes de usar a língua estrangeira em
qualquer contexto interacional, são capazes de construir o que querem dizer e de
compreender o que é dito. Em suas palavras, “os aprendizes continuam a usar sua
habilidade sozinha, tornando-se mais proficientes e criativos”.
Oliveira e Paiva (2005), por sua vez, apresenta duas idéias predominantes
na literatura de ensino-aprendizagem de língua estrangeira sobre autonomia.
Quanto à primeira, trata-se do conceito linear de autonomia, ao considerar que o
sucesso do aprendiz está ligado à responsabilidade sobre a própria aprendizagem.
A outra questão recorrente é a de que o professor é o responsável pela construção
da autonomia e a ele compete proporcionar ambientes favoráveis de aprendizagem.
Nos excertos aqui apresentados, o conceito de autonomia do aluno
discutido pelas professoras abarca as definições de Ur (1998) e Oliveira e Paiva
(2005).
O QUADRO 8 apresenta um resumo dos sub-tópicos e as percepções das
professoras acerca do Tópico 6: A autonomia do aluno.
84
QUADRO 8 – Sub–tópicos e percepções do Tópico 6
TÓPICO 6 SUBTÓPICOS PERCEPÇÕES DAS PROFESSORAS
A autonomia do aluno
O modelo PPP (UR,
1999)
A aula nem sempre deve seguir a seqüência apresentada pela teoria P.P.P. A abordagem comunicativa propõe um ensino pautado pela confiança entre professor e alunos. O professor tem dificuldade para diagnosticar o que está errado em sua prática de sala de aula. O aluno deve ser exposto a situações para negociar sentido durante a interação.
A autonomia do aluno
O aluno precisa deve saber usar a língua fora da sala de aula. O aluno deve ser responsável pela sua aprendizagem.
85
CAPÍTULO 5
O FINAL
Neste capítulo conclusivo, entreabro uma síntese interpretativa dos resultados
descritos nas duas seções anteriores, procurando responder às perguntas de
pesquisa apresentadas na introdução deste trabalho. Em seguida, revelo as
limitações e as contribuições do estudo.
5.1 Discussão e implicações
Nesta seção, discuto os resultados apresentados na análise mediante a
retomada das quatro perguntas de pesquisa que motivaram este estudo, delineando
algumas implicações para a formação continuada de professores de língua inglesa
da escola pública.
Como já foi citado no Capítulo 1, este trabalho foi motivado pela inquietação
em buscar instrumentos que possibilitem o desenvolvimento profissional de
professores de língua inglesa de escola pública, alicerçados nas conversas
colaborativas teoricamente informadas para propiciar momentos de estudo e
reflexão sobre as práticas pedagógicas e sobre a formação crítico-reflexiva.
Pergunta de pesquisa 1 – Quais os tópicos recorrentes nas conversas colaborativas de duas professoras de inglês da escola pública?
Foram seis os tópicos recorrentes com relação às conversas em torno dos
dois textos escolhidos para a análise: “a importância de uma formação crítica por
parte do professor”, “os problemas do ensino de língua inglesa na escola pública”, “o
perfil do professor de escola pública e a formação continuada”, “o ensino centrado
no professor”, “as características de boa prática de sala de aula” e “a autonomia do
aluno”. A definição e organização dos dados por meio de tópicos e sub-tópicos
forneceram a base para vislumbrar as percepções das duas professoras em meio às
conversas colaborativas.
86
Em relação ao tópico “a importância de uma formação crítica por parte do
professor”, é relevante destacar a ênfase com que as professoras defenderam a
necessidade de os professores de escola pública desenvolverem senso crítico em
relação ao seu fazer pedagógico e aos diversos discursos que permeiam as práticas
sociais. Eles entendem que sua formação crítica – conhecimento de teorias de
ensino, de documentos oficiais – e consciência de seus direitos tornaram-nas mais
confiantes e assertivas, garantindo-lhes a elaboração de contra-discursos às forças
institucionais antagônicas ao trabalho que desenvolvem na escola.
Essa formação crítica, defendida por Pennycook (1998), Rajagopalan
(2003), Cox e Assis-Peterson (2005) e Assis-Peterson e Cox (2007), está embasada
nos princípios da pedagogia crítica. Esses autores acreditam que os professores
devem se significar na linguagem e fazer uso dela para se fazerem ouvidos por meio
da elaboração de contra-discursos. As autoras Magalhães (2002), Liberalli (2002) e
Papa (2005) também são favoráveis a uma formação reflexivo-crítica. Elas acreditam
que os sujeitos devem se preocupar em transformar o contexto nos quais estão
inseridos por meio de contra-discursos, desvelando as conexões ocultas que
permeiam a escola e a sala de aula, trazendo à tona os efeitos ideológicos do poder
e da dominação. Essa formação contribui para que alunos e professores aprendam
e ensinem a língua estrangeira, principalmente o inglês, de maneira não alienada,
sem sobrepor a cultura dos países colonizadores à dos colonizados.
No tocante aos tópicos, “os problemas do ensino de língua inglesa na
escola pública” e “o perfil do professor de escola pública e a formação continuada”,
os resultados da análise apontam vários problemas do ensino de língua estrangeira
na escola pública. As professoras, por exemplo, retomam um discurso recorrente na
literatura, em que o ensino de inglês é uma peça encenada por maus atores, ao se
referirem aos professores não habilitados, ou com pouco preparo – professores
descomprometidos. Conforme resultados da pesquisa de Cox e Assis-Peterson
(2002), há professores de língua inglesa que “são” professores e outros que “estão”
professores, isto é, não são habilitados ou pouco ou quase nada sabem a respeito
das abordagens de ensinar/aprender o idioma inglês.
Essa situação agrava o status desprestigiado do inglês na escola pública,
segundo Fernanda e Lúcia, que assinalam a ausência de apoio institucional e
governamental para que o professor se atualize. Tal constatação também foi
apontada no estudo realizado por Santos (2005): “o ensino de língua inglesa na
87
escola pública do Estado de Mato Grosso não funciona porque os contextos
institucionais e governamentais não oferecem condições para que o
ensino/aprendizagem aconteça de forma satisfatória”. Conforme Santos, os
professores de sua pesquisa declararam que “se sentem abandonados”.
Vale dizer, entretanto, que as duas professoras que fizeram parte deste
estudo “são” professoras e estão em busca de aprimorar a abordagem de ensinar e
aprender inglês na escola pública. Para isso, estão dispostas a lutar contra aqueles
que queiram interromper o desenvolvimento do projeto em que estão engajadas:
“Re-significando a Aprendizagem de Língua Estrangeira: um projeto de ensino das
quatro habilidades comunicativas”. Observam, com atenção, se o professor a ser
contratado pela escola possui o nível de proficiência lingüística necessário para
participar do projeto, chegando a interferir na contratação de professores quando
esse quesito não é atendido. Muitos dos formadores de professores de língua
estrangeira defendem a necessidade de uma formação lingüístico-comunicativa
eficiente por parte do professor de língua inglesa (OLIVEIRA E PAIVA, 2003a,
2003b; GIMENEZ, 2005a, 2005b e 2005c). Gimenez assevera que a baixa
proficiência lingüística do professor é uma das principais vilãs da qualidade de
ensino oferecida nas escolas de ensino regular – públicas e particulares –, em razão
da fragilidade da formação durante a graduação de cursos com dupla habilitação.
Gimenez e Paiva concordam que a quantidade de horas para a língua inglesa dos
cursos de graduação é irrisória – aproximadamente 360h, sem incluir as literaturas –
para atender ao novo perfil de aluno ingressante nos cursos de Letras – nível básico.
Daí a necessidade da criação de cursos de Letras de habilitação única.
Em relação aos tópicos, “o ensino centrado no professor”, “as
características de boa prática de sala de aula” e “a autonomia do aluno”, as
professoras se posicionaram fortemente a favor de uma prática pedagógica centrada
no aluno. Quer dizer, é preciso que as atividades sejam direcionadas ao universo
sociocultural a que o aluno pertença e que o seu conhecimento prévio de mundo
seja levado em conta. É preciso que aluno seja envolvido no próprio processo de
aprendizagem, trabalhando em conjunto com o professor. O conhecimento passa a
ser visto como movimentos de co-construção e não de transmissão do professor
para o aluno.
Os dados nos evidenciam que as professoras estão lutando contra a visão
do sistema de ensino tecnicista. Elas têm uma visão sintonizada com os lingüistas
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aplicados, que pregam com veemência não ser a visão tecnicista de formação
suficiente para preparar o professor para a complexidade e diversidade dos
contextos escolares atuais. O professor hoje, segundo Moita Lopes (2001) e
Magalhães (2002), não pode ficar atado a uma visão dogmática que envolve apenas
treinamento no uso de técnicas de ensino, sem levar em consideração a diversidade
cultural dos sujeitos que estão no contexto escolar, criando-se a impressão de que
aquilo que é oferecido é o melhor e que deve, portanto, ser repassado como
verdade universal, passível de ser aplicado em qualquer contexto, como se os
sujeitos fossem todos idênticos.
Pergunta de pesquisa 2 – Que modalidades estão presentes nas falas das professoras?
Os discursos das professoras, modelados pelas modalidades categóricas
não hipotéticas no pólo positivo, modalidade deôntica e epistêmica, revelaram um
alto grau de comprometimento e engajamento em relação a seu fazer pedagógico, à
elaboração do PPP, a seu compromisso para manter o projeto e o ensino de
qualidade, à necessidade de seu desenvolvimento profissional. As reflexões
nascidas das conversas colaborativas foram pautadas pelas percepções das
professoras entre o que consideram como adequado ou inadequado no contexto
atual de ensino. Elas atentaram para a necessidade de elaboração de novas
metodologias, posturas, evidenciando a obrigatoriedade e o compromisso que estão
centrados no papel social da profissão no empenho com o ensino. Também
revelaram entusiasmo, “garra”, força, coragem para continuar lutando por um ensino
de qualidade na escola pública.
A modalidade subjetiva (eu auto-referencial e os modalizadores) foi bastante
freqüente para explicitar o grau de conhecimento do falante para com seu ponto de
vista. A modalidade subjetiva, com o uso dos pronomes (eu, nós, a gente), modelou
o grau de aproximação (inclusão) ou distanciamento (exclusão) das professoras em
relação a seu papel político. O uso do pronome “nós”, “a gente”, por diversas vezes,
reforçou o compartilhamento de uma mesma ansiedade, angústia, embate e lutas
vividas pelas duas professoras em seu ambiente de trabalho.
A modalidade deôntica – ter de ou ter que – foi a mais recorrente nas falas
das professoras em virtude de elas serem muito responsáveis com seu fazer
89
pedagógico e ao perceberem algo inadequado, à luz de teorias ou de experiência de
colegas, refletiam e propunham a mudança como uma obrigatoriedade a ser
realizada.
Pergunta de pesquisa 3 – Como as professoras se posicionam em relação às
vozes presentes na escola pública?
O projeto desenvolvido no contexto desta pesquisa é emblemático pelas
fissuras que causam no sistema. Primeiro porque ele representa a luta das duas
professoras na escola para desenvolver um trabalho de qualidade para que a
disciplina língua estrangeira (no caso, o inglês) possa alcançar o valor que merece
dentro do currículo. Segundo, ele desloca a língua inglesa do horário regular, uma
vez que é ministrada em turno extra, com duas horas aula. Além disso, a ênfase na
comunicação oral com o objetivo de atender à demanda dos alunos que anseiam por
falar a língua é também resposta ao já esgotado modo de ensinar por meio de
exercícios gramaticais e tradução.
Se, por um lado, alguns professores ousam implementar mudanças no
currículo, movidos por orientações do novo paradigma de ensino e aprendizagem de
línguas – presentes nos PCNs e OCEMs – documentos oficiais –, por outro, eles
encaram dificuldades do sistema burocrático que tenta manter o status quo. Por
exemplo, quaisquer mudanças que acarretam gastos tendem a ser repelidas sob a
rubrica de contenção de despesas. Implementar a reforma educacional proposta
pelos PCNs e OCEMs não exige apenas mudanças na postura do professor em sala
de aula, nem investimentos em sua formação, hoje problemática, exige,
principalmente, disposição política por parte de órgãos administrativos (SEDUC), da
direção da escola e da participação dos pais no sentido de criação de um colegiado
profissional e de liderança educacional em torno de um mesmo objetivo.
Se a legislação diz que o inglês é importante para a formação do cidadão,
se os professores dizem que turmas numerosas não permitem a qualidade de
ensino de língua inglesa porque não podem dar a atenção que o aluno merece e se
o Estado continua a ignorar as solicitações dos professores, fica claro, então, que há
dois discursos em profundo embate: o discurso institucional, de caráter burocrático,
e o discurso educacional, de caráter progressista.
90
Embora os documentos oficiais exibam um discurso progressista, na prática
o próprio Estado não apresenta mecanismos de sustentação e apoio para pôr em
prática novos objetivos educacionais traçados pelos PCNs e OCEMs. Os discursos
das duas professoras deixam entrever essa tensão entre o institucional e o fazer
cotidiano. Assim, para manter o projeto na escola, Fernanda e Lúcia mantêm
vigilância e negociação contínua com representantes da SEDUC. Esse embate, no
entanto, só é possível em decorrência do conhecimento que elas possuem acerca
de seus direitos. São professoras informadas, questionadoras e lutam por aquilo em
que acreditam.
Além disso, as vozes de Fernanda e Lúcia ecoam um outro embate
centrado entre o ensino progressista e o ensino convencional. Elas se esforçam para
abandonar o modelo de transmissão de conhecimento altamente naturalizado, para
ultrapassar o discurso de que não se pode fazer nada na escola pública por falta de
material didático-pedagógico – para elas há professores comprometidos e
professores descomprometidos; combatem o discurso naturalizado – de professores
de outras disciplinas e de alunos – acerca da pouca importância da língua inglesa na
escola. Quer dizer, as duas professoras demonstram se alinhar com os professores
que “são” professores.
Se levarmos em conta a afirmação de Foucault (1996 apud HORNICK,
2006: 93) sobre a vontade de verdade:
(...) cada sociedade tem seu regime de verdade, sua ‘política geral’ de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para obtenção da verdade; o estatuto daquele que tem o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro.
podemos ressaltar que as vozes das professoras não só revelam, mas lutam contra
uma voz autorizada institucional a sustentar um discurso contraditório em que o
inglês, no discurso da democratização, é para todos; contudo, no discurso
burocrático, serve para preencher horário de qualquer professor. Assim, o discurso
institucional tido como verdadeiro é contraditório, pois a legislação diz uma coisa e
na realidade pratica-se outra.
91
5.2 As limitações e as contribuições do estudo
A formação reflexivo-crítica do professor no campo da Lingüística Aplicada
tem apontado veementemente para a necessidade de os professores renovarem sua
prática para atender às demandas de reformas educacionais recentes.
Nesta pesquisa, escolhi investigar o discurso de duas professoras por meio
de gravação em áudio durante realizações de conversas colaborativas em estudo de
grupo realizado na escola pública. O objetivo do grupo era explorar questões de
ensino e aprendizagem vivenciadas por elas em seu dia-a-dia. A pesquisa foi
conduzida dentro do arcabouço teórico da formação crítico-reflexiva do professor,
com a utilização de alguns princípios de categorias de análise da ADC –
modalidade, interdiscursividade e intertextualidade – para o estudo da materialidade
lingüística e a compreensão dos dados orais.
Os resultados do estudo evidenciaram a tensão entre as vozes das
professoras e as da instituição (escola e SEDUC). Em busca de um espaço eficaz
para o ensino e aprendizagem da língua estrangeira, as vozes denunciam as lutas
por elas vividas para a realização do Projeto elaborado por elas. Lutas por um
ensino que não se enquadra nos padrões “normais” do ensino de escola pública,
lutas contra discursos naturalizados que atravancam a produção lingüística dos
alunos, lutas contra ações institucionais que contrariam as ações pedagógicas das
professoras. Além disso, percebemos que, mediante as conversas colaborativas, as
professoras trocaram idéias não só sobre seu fazer pedagógico, mas discutiram
também acerca das especificidades culturais, sociais e políticas atinentes ao cenário
do trabalho em escola pública.
Os resultados desta pesquisa me permitem apontar algumas de suas
limitações e algumas contribuições para a prática de ensino dos cursos de Letras e
formação de professores.
Em relação às limitações do estudo, notei que meu papel, como
interlocutora nas conversas, foi muito restrito. Talvez, preocupada em querer ouvir
as vozes das professoras e não querer impor meu ponto de vista, ou talvez por ser
ainda uma pesquisadora inexperiente, pergunto-me se isso influenciou a qualidade
dos momentos de reflexão das professoras durante as conversas colaborativas.
Conforme a definição de Dewey (1993 apud Stanley, 1998: 584), a reflexão
“é aquilo que envolve a consideração cuidadosa, persistente e ativa de qualquer
92
crença ou prática à luz das razões que a embasam e de suas conseqüências
posteriores21”. Para mim, foi mais fácil perceber as paixões, emoções e intuições das
professoras, relacionadas com sua vivência na escola pública, do que os processos
de pensamento lógico. Neste estudo, talvez as professoras ainda estejam no estágio
inicial da reflexão, em que refletir é simplesmente pensar em relação a uma situação
de sala de aula e descrever o que ocorreu e como se sentiram em relação a ela.
Além disso, outra limitação, a meu ver, refere-se à qualidade da análise.
Acredito que se tivesse analisado as características de controle interacional –
tomada de turno, estruturas de troca, controle de tópicos – teria, certamente,
contribuído para uma análise mais densa das relações sociais, abrangendo o
contexto micro e macro.
No tocante às contribuições, gostaria de ressaltar dois aspectos. Primeiro,
na área de formação continuada de professores, o incentivo à formação de
pequenos grupos de estudo como espaço alternativo para o engajamento do
professor com a reflexão é um bom começo. Contudo, é preciso que o tempo e a
prática, ou um par mais experiente, auxiliem os professores a usar a reflexão como
instrumento. Outras formas de reflexão podem ocorrer além de discutir um texto
previamente lido, como escrever diários, trocar e-mails, recorrer a outros textos etc.
Aprender a refletir engloba várias fases, como engajamento com a reflexão,
pensar reflexivamente, usar a reflexão, manter e praticar a reflexão (STANLEY,
1998: 585). Assim, inicialmente, seria aconselhável que professores experientes nos
processos de reflexão se juntassem àqueles com menor experiência para salientar
pontos cruciais na reflexão, tendente a produzir a internalização da prática de
reflexão.
Segundo, em particular no Estado de Mato Grosso, é urgente a aplicação de
uma medida prática tendo em vista os resultados desta pesquisa. O órgão
CEFAPRO (Centro de Formação e Apoio aos Profissionais da Educação) da SEDUC
nunca ofereceu um curso de formação para os professores de língua inglesa.
Contudo, desde 2004, em parceria com a Embaixada da Espanha, a SEDUC vem
oferecendo cursos de formação para professores de língua espanhola. Essa atitude
é bem-vinda e deveria ser estendida aos professores de língua inglesa. Observo que
há cursos também para outras disciplinas, apenas a língua inglesa continua a ser
21 “Reflexion is that which involves active, persistent, and careful consideration of any belief or practice in light of the reasons that support and the further consequences”.
93
negligenciada, e os professores lançados às próprias iniciativas. Este estudo
demonstrou que a formação reflexivo-crítica, hoje, é essencial para a renovação
profissional do professor e que princípios colaborativos de parceria entre professores
de escola pública, mais do que nunca, precisam da parceria entre universidade,
SEDUC e escola pública.
Como vimos neste trabalho, conhecer a natureza e a realidade das práticas
desencadeou nas duas professoras, Fernanda e Lúcia, momentos reflexivos
mediante conversas colaborativas em torno das razões sociais e políticas no tocante
às suas práticas no âmbito escolar. Professores de escola pública precisam ser
ouvidos porque são eles que mais conhecem o cenário e a realidade diária de seu
trabalho.
Para finalizar, gostaria de dizer que, a meu ver, o maior desafio que a
educação brasileira enfrenta hoje é a formação continuada do professor. Em
concordância com Torres (1996 apud ZEICHNER, 2003), digo que a reforma
educacional só ocorre quando o governo entender que investimentos em compras
de livro e tecnologia só funcionam se ele também investir nas pessoas. Os
professores são os atores principais para criar, interpretar e implementar reformas e
devem ser tratados como seres pensantes e atuantes.
94
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101
APÊNDICE
AMOSTRA DE UMA CONVERSA COLABORATIVA
Gravação dia 28/08/2006 Vera: [...] Então, vamos lá? Bom, o tempo da ((incomp.)), tem alguma coisa que
vocês querem pontuar?
Fernanda: Bom, eu anotei... eu grifei... umas coisas no texto...
Vera: Para a gente discutir? Eu também separei algumas coisas que eu achei
importante para a gente discutir.
Fernanda: Eu não estou com os comentários aqui.
Vera: Vocês viram, assim, que, por exemplo, a questão da formação dos
professores como ocorreu no estado de São Paulo, Paraná que era para acontecer
aqui no Mato Grosso, que por falta de grana, crise da soja, foi cortado. Que até hoje
o Conselho Britânico, espera voltar esse trabalho, vocês duas participaram disso?
Fernanda: Lógico, daqui eu levei todo mundo.
Vera: Vocês viram como é bom, vocês viram como eles desenvolveram o projeto
((incomp.)), projeto muito bom. Tá, eu acho que é bom à gente ir direto para a
importância de aprender a língua inglesa, aí vocês querem falar da metodologia, dos
resultados.
Lúcia: A importância também... ah, do relato do professor com relação...
Fernanda: Eu anotei desde lá de trás, gente.
Vera: Pois é, na página 149?
Fernanda: Não, lá da página 135.
Vera: Pois é, onde você começou?
Fernanda: Eu pus um item muito interessante, na página (145), começa no segundo
parágrafo, lá, Tílio está. Aí o que eu grifei vem logo depois da referência ao
Kosumen “os professores muitas vezes entendem novas Diretrizes Curriculares
como uma série de instruções ou uma estrutura na qual, as autoridades os obrigam
a planejar o ensino, o que os leva a se estabelecer no sistema curricular”.
Vera: Por que você grifou isso?
Fernanda: Eu coloquei isso porque eu vejo muita coisa assim, da pessoa achar
assim que está escrito e é isso que ela tem que cumprir, assim.
Lúcia: Parâmetros Curriculares Nacionais.
102
Fernanda: Entendeu? Ele não percebe que ele tem que ter autonomia para aquela
situação.
Lúcia: Para perceber o que é necessário para aquela situação.
Fernanda: Não é porque alguém escreveu uma lei que você tem que cumprir. E o
professor não se sente, é... assim... como uma autoridade de poder mudar. Não,
está aqui, tem que fazer assim...
Vera: Mas, aí que está você tem essa consciência, a Leila têm, eu tenho. ((incomp.))
os parâmetros estão aqui, Vera tem que ser seguido e, em 98 que foi o estudo, e a
primeira vez que ele chegou à escola foi em 99, nós tivemos todos que remodelar o
plano de ensino das escolas tendo aquele ((incomp.)) vocês foram obrigados a fazer
isso nessa escola?
Fernanda: Aqui, nessa escola, pelo número, por causa do que ela é em termo de
tamanho, aqui nada disso tem, para você ter uma idéia, agora que está montando o
PPP da escola, isso porque tem uma equipe, eu, Leila, Rosana, Mirian, que pegou o
boi pelo chifre e estamos fazendo, se não, não saía não.
Vera: E dentro do PPP, então, vocês amarraram o projeto.
Todos: (risos)
Lúcia: ((incomp.))
Fernanda: Então é por isso que nós estamos ((incomp.)).
Lúcia: Às vezes não é por acaso, foi intencional.
Vera: Eu quis amarrar o projeto lá, eles não deixaram.
Fernanda: Está, porque o PPP, o particular, porque esse negócio de você
desentender, não adianta nada gritar no corredor, eu falo muito para os professores,
eles têm que conhecer a lei para saber como fazer, a gente tem que conhecer as
pessoas para saber como chegar até elas e tem que ter influências, infelizmente, a
gente vive num país de influência, o Brasil, a gente sempre fala, vamos lá, vamos
mudar, vamos estudar porque daí eu quero ver alguém ir lá e dizer é ilegal, eu quero
ver alguém falar contra!
Lúcia: ((incomp.)). A mulher chegou com a interpretação da lei e foi embora
((incomp.))
Fernanda: Ela veio com a idéia para ser implantado para nós ((incomp.)).
Lúcia: Ela já veio com a idéia e com a autoridade sendo que poderia ser feito uma
outra interpretação da lei e justamente, eu gostaria de colocar para ela que tem
outras interpretações, não só aquela.
103
Vera: Ah, vamos lá para o Adalberto trabalhar comigo!
Lúcia: Somos tão amadas que você não sabe o tanto...
Fernanda: Tem gente aqui que ama a gente.
Lúcia: Você nem sabe o como.
Fernanda: ((incomp.)) Eu quis dizer isso porque tem essa coisa, né, não é o nosso
caso aqui, mas eu percebi muito, inclusive lá no curso de letras, lá da Univag, com
os alunos trabalhando com a escola ciclada, o problema da escola ciclada aqui, foi
exatamente isso, veio uma coisa de fora, e eles entenderam que escola ciclada é
para não reprovar aluno, e não reprova mais ninguém, né, então é isso aqui oh...
entender a coisa como tem que ser feito aquilo e aquilo é igualzinho aquele boizinho,
né, aquela carreira de boi, né.
Vera: Um atrás do outro e...
Fernanda: Um atrás do outro e não solta mais.
Lúcia: Eu grifei muito nisso entendeu.
Vera: ((incomp.))
Fernanda: Isso aqui eu concordo, na página, na página 139, que as atitudes do
professor são facilmente moldadas pela ((incomp.)) história e sistema educacional e
o ambiente do qual foi formado, bem como pelo local onde trabalha. É lógico que
isso não existe, não tem como.
Vera: É aquela velha história a gente carrega uma prática que não é nossa, que é a
prática...
Fernanda: Perfeito! E mesmo se você tem consciência disso, entendeu, eu acho
assim que o professor não tem consciência disso, isso não é o perfeito, ele sabe
disso, mas que ninguém tira...((incomp.))
Vera: Fica cravado em nós.
Fernanda: Eu encaro isso como valores, se você aprendeu que não pode roubar,
que não pode, são valores, você não vai perder isso nunca, é a mesma coisa, são
coisas que não têm como ninguém falar, não, você tem que abandonar, e vai
interferir, eu acho que interfere na ((incomp.)), contribui de forma positiva para a
coisa, foi assim esses dois pontos que eu grifei nesta página. Logo na outra, eu
também grifei, vocês colocaram alguma coisa? Só eu que estou grifando?
Lúcia: ((incomp.))
104
Vera: Como eu já sei que essas partes introdutórias falavam do projeto ((incomp.))
do Conselho Britânico, então eu achei mais em nível de informação para chegar no
eixo da pesquisa onde eu me identifiquei muito, mas fala o que você colocou?
Fernanda: Em 1989, indicava a habilidade oral, na página 146, 3º parágrafo, aí vem
lá ((incomp.)) em 1989 indicava a habilidade oral, como sendo a maior necessidade
de aprimoramento do profissional, eu vejo uma coisa que o professor ((incomp.)).
Vera: Que o problema do ensino do Inglês é falta do profissional...
Fernanda: Ah, eu não sei fazer o que você faz, porque o seu inglês é muito melhor
do que o meu, eu não tenho inglês para isso, e depois ele fala, ele comprova que
não é isso, né, não é o inglês ainda, claro que ele vai dar confiança, mas não é isso,
depende de cada pessoa, você pode ter um nível de inglês razoável, se você tiver
uma firmeza naquilo que você acredita, você faz a mesma coisa ((incomp.)).
Vera: E eu já coloquei mais embaixo que o professor...
Fernanda: Eu também, eu continuei.
Lúcia: ... Que um professor com proficiência lingüística não é a única condição para
a aprendizagem da língua inglesa no contexto da escola pública.
Fernanda: Então. Ok, começa mais embaixo, eu coloquei que isso completa essa
reciprocidade, ((incomp.)), enquanto você coloca um nativo e a aula dele é
maravilhosa, e a gente sabe que não é.
Vera: Que o aluno aprende muito bem sem ele.
Fernanda: Igualmente, ele sabe que isso não acontece, ao contrário vira um caos, é
uma coisa interessante que a gente percebe que não é isso que vai fazer você ser,
você trabalha, esse não é o foco para você ter certeza que há uma aprendizagem
tem algo muito a mais, aí depois realmente, eu fui ((incomp.)).
Vera: Aqui eu já ((incomp.)) página 149 quando ele constata a opinião do gestor, dos
professores, dos alunos.
Fernanda: Exatamente
Vera: Né, que coloca assim fator gerador dos interesses de aprender língua
estrangeira na escola pública, já que muitos ((incomp.)) então aqui é um dos
problemas, mas na ((incomp.)) falando do fator.
Fernanda: Dele lá.
Vera: Da escola que ((incomp.)) de classe média.
Fernanda: Exatamente.
105
Vera: Que ((incomp.)) que foge ao próprio padrão das escolas estaduais do Paraná,
então, quer dizer, é uma situação que acontece lá no contexto do Adalberto, período
matutino, porque você sabe que no período noturno não é o mesmo.
Fernanda: Não é.
Vera: Né, como vocês aqui matutino, vespertino e noturno, a clientela vai mudando.
Lúcia: É diferenciada
Fernanda: Como que muda, você vê assim as atitudes, no dia-dia no
comprometimento.
Lúcia: Uma coisa que ela [a autora] coloca aqui, que até que a gente discutiu no
outro encontro, essa questão, não, do professor da língua estrangeira não ter
incentivo, ela fala isso aí, entendeu? Ele chega começa uma turma, daí no outro
ano, é outra, tem gente diferente no meio, ele não consegue caminhar com o
conteúdo, fica sempre na mesma coisa ((incomp.)) os alunos percebem, eles falam
em depoimentos ((incomp.)) todo ano a mesma coisa.
Fernanda: Bem na página 150, aí, o resultado final está sendo prejudicado, porque
seu trabalho ((incomp.)) o aluno não crê no que aprende, demonstrando a
indisciplina e nos textos ((incomp)) por outro lado, os alunos se mostram cientes de
que o professor, por não desenvolver o programa global, contínuo, e progressivo
((incomp)).
Vera: Mas eu acho que para o nosso ensino ((incomp.)) eu, no Adalberto, nós temos
um programa, eu procuro seguir esse programa, então no 1º ano não é o mesmo do
2º, que não é o mesmo do 3º, né? Como vocês.
Fernanda: Nós, também estamos batalhando para fazer isso, nível 1, nível 2 e
procurar ((incomp.)), né, e a gente vê assim, que os desinteresses que os alunos
têm são os mesmos apresentados aqui, né.
Vera: E a sala deles?
Fernanda: A sala deles, uma fotocópia, né? Agora, assim acho interessante, às
vezes algumas situações que, eu não sei se vocês tão sabendo daquele programa
Jovem Embaixador.
Vera: Sim, da Embaixada Americana.
Lúcia: Da Embaixada Americana.
Vera: ((incomp.))
106
Fernanda: Aqui, a SEDUC mandou um ofício ((incomp.)) não sei como chegou aqui
não, só sei que nós selecionamos a menina aqui da escola, a única selecionada até
agora de todo estado de MT.
Vera: Ah... é daqui?
Lúcia: É daqui.
Vera: ((incomp.)) a Melvie, conversei com a Melvie dia 07.
Lúcia: Pois então, aí, agora ela está fazendo as etapas e tudo né, então, eu passei
em todas as minhas turmas esse programa, e você vê como os interesses mudam
((incomp.)), por exemplo, um dos itens da 1ª classificação, é você fazer parte de um
sistema de voluntariado, agora o que tem de aluno atrás de mim para eu dar
endereço de programa de voluntariado, entendeu? Está assim... aluno que estava
sumido, você não vê fora de uma aula de Inglês, você vê como que muda o
interesse, agora sim ((incomp.)), ele vê incentivo em algo que ele quer.
Vera: Em algo que vai mudar a vida dele, então ele está sentindo no inglês, a
necessidade de aprender a língua porque ele pode se transformar em um
embaixador mirim e ele sabe que é bom.
Fernanda: Bom para ele, e assim você chegou, não sei se você cumprimentou o
menino que estava ali.
Vera: Aquele, da aula passada
Fernanda: Então ali ele virou e falou pra mim, professora, é aquela sua amiga que
veio aqui falando inglês? Ah, é a Vera, ela está para chegar, ele virou e falou assim,
então é ela mesma que está aí, está ali com a professora Leila, naquela sala ali, eu
falei assim e aí você já conversou, ela lembra de mim? Eu falei assim, o que
((incomp.)) conversar com ela, então na hora que ela vier, eu vou puxar o assunto, e
ele ((incomp.))
Vera: Ah! Eu disse: how are you doing?
Fernanda: Aí ele pegou e falou assim, professora é ((incomp.)) o que você vai fazer,
ele teve interesse ali, ele teve perspectiva porque até as outras matérias dele ele
responde em inglês, o professor ((incomp.)) o que está escrito aqui, e ele mata todas
as aulas, não faz a atividade, mas a de inglês, ele não perde uma.
Lúcia: (muito truncado) tem alguma que influencia nisso querer
Vera: Aqui, uma coisa que ela colocou para a gente poder pensar um pouquinho,
quando ela fala dessa falta de programa, que o professor não sente a vontade de
107
cobrar dos alunos o conteúdo de forma mais efetiva, por estar consciente de uma
provável catástrofe dos mesmos.
Fernanda: Dos mesmos.
Vera: Então, você vê que é aquela velha história, eu não dou, eu não cobro, eu finjo
que ensino, ele finge que aprende ((incomp.))
Lúcia: Aí professor fica dando ponto em caderninho.
Vera: Ah! Ela fala aqui, você viu?
Fernanda: Dá ponto no caderninho e fica nisso.
Vera: Oh... o depoimento dele aqui((incomp.))
Fernanda: Isso aqui, eu vi, aqui, como diz, eu vi e ouvi aqui na própria escola, em
algumas situações.
Lúcia: E você percebe que a escola tem isso, tem alunos que nos procuram
professora, e diz: professora tem como fazer um trabalho? Porque não vem no 1º
bimestre. Não vem no 2º e quer que nós resolvemos à situação dele com trabalhos,
não, nosso projeto não, não tem trabalho.
Fernanda: E a própria escola, não é o caso, do nosso diretor, o atual diretor, pelo
menos pra mim é nota 10, mas a outra, se você não dá um trabalho, ela vem não
tem como dar um trabalho, bem, em vez de mostrar para o aluno, não, é a primeira a
vir junto com o aluno, a pedir...
Vera: Essa disciplina ((incomp.)) no Adalberto, que aqui eu acho que mais na frente
ela vai discutir quando você leva o trabalho a sério, quando você mostra a
comunidade que tem uma produtividade, que o aluno perceba que tem uma
utilidade.
Fernanda: Aí muda.
Vera: Nos valores que investem aí você consegue né, através disso, uma boa
comunidade educativa, é porque eu acho uma ((incomp.)) porque é uma, e dois é
você levar as coisas e é chão para estudar, e eles vão.
Fernanda: ((incomp.)) aqui a gente tem sorte, porque a gente está bem, eu e a Leila
e assim.
Lúcia: Não só no projeto no ensino fundamental, mas no ensino da ((incomp.))
sempre procura, você tem alguma atividade interessante aí para estar passando, aí
mostra ela ((incomp.)) aí tem interações.
Fernanda: Eu vejo assim, pessoal de espanhol ((incomp.)) são mesmo diferentes,
((incomp.)) sabe aquela coisa mesmo de troca, troca de experiência porque é claro
108
que espanhol tem menos material, olha esse aqui, oh, achei esse texto e acaba
assim, eu achei esse em espanhol, vê se serve para você.
Lúcia: E naquela época ((incomp.)), a intenção era fazer um workshop, trazendo
atividades diferenciadas e está trazendo as idéias.
Fernanda: É nós pensamos nisso, fazer um estudo e além do estudo, as atividades,
cada semana, uma apresentaria uma atividade.
Vera: É bom né, cresce.
Fernanda: Cresce ((incomp.)) cresce demais.
Vera: Será que o povo do Instituto Língua Inglesa ((incomp.)) toda sexta feira eles
estudam, gente que você conhece profissionalmente.
Lúcia: Eu sinto a falta disso.
Vera: E daí ela passa a discutir o estatus da disciplina na escola, é... ah... está aqui,
não pode interferir na contratação ((incomp.)) para atuar na área de língua
estrangeira, não ((incomp.)) pela atuação de alguns ((incomp.)), então é aquela
estória de ((incomp.) lá no Adalberto as vagas de quem está fora da sala, as vagas
não vão para assessoria, como aqui também, e aí, tem aquele amigo do diretor,
como agora tem um lá, aí, você tem certeza que o cara vem dar aula aqui, não sabe
nada.
Lúcia: Mas, aqui, eu nem sei.
Fernanda: Mas aqui... a gente tem batido com isso também.
Vera: Eu também bato lá ((incomp.)) isso tem que acabar.
Lúcia: Nossa! já por duas vezes, ((incomp.)) já duas vezes que veio trabalhar
conosco, nós não deixamos, e agora nós colocamos mais uma regra, aí, quando
forem contratar as pessoas, a primeira coisa é fazer uma entrevista conosco no
idioma, se não sabe, ele não fica aqui.
Vera: E como né.
Fernanda: só que assim, a gente tem uma sorte de ter uma técnica administrativa
né, que também apóia o projeto, tem as orientações então assim é bom, mas nós já
barramos duas pessoas aqui.
Vera: ((incomp.)) agora com o diretor do ano passado ((incomp.)) inclusive eu que
indicava porque eu fui em cima.
Lúcia: É isso que acontece conosco aqui ((incomp.)).
Fernanda: Agora até no momento de ((incomp.)), nós deixamos ficar porque saiu da
Secretaria de Educação e entrou num programa de mestrado aí na universidade, né
109
((incomp.)) outra coisa né, e pronto, aí veja só, não queria dar aula e, ah! mas, [...]
não teve mesmo ((incomp.)) não fala gato em inglês, que que é isso... de jeito
nenhum.
Vera: Eu acho que o conhecimento de língua é muito importante, o aluno tem que
ser motivado em saber que você sabe e que você pode contribuir para que ele
possa crescer ((incomp.)).
Fernanda: ((incomp.)) tem aluno que saiu daqui a gente estava falando, falando,
conversando comigo aí eu falei ((incomp.)) não eu tenho catálogo em casa, bom
assim para as atividades, disse assim como é que é brue, the bus is brue, ah... mais
ela saiu de uma porta, eu de outra, pode mandar embora, que aqui não fica, como é
que eu vou pôr uma professora falando isso, não que meu inglês seja da ((incomp.))
mas ((incomp.)) the bus is brue ((incomp.)) quer dizer, como é que ela vai dar aula,
não sei, essa aqui não fica, aqui ela não vai ficar.
Vera: Olha outro depoimento da aluna, interessante ((incomp.)) quando ela fala na
definição (( )) aí o aluno fala quando a gente acostuma com o estilo do professor de
inglês, aí já muda, ((incomp.)) acaba aprendendo quase nada, a mesmice de
sempre, que desmotiva, por isso que eu falo ((incomp)).
Fernanda: Tem um pai que ((incomp.))
Lúcia: Então o que acontece conosco, cria-se um mito que o aluno na escola
pública não aprende o inglês, e a gente tem de reverter isso, convivendo com esse
desinteresse, e eu acho que é o maior desafio nosso...
Vera: Não sei como vocês estão lidando aqui, mas eu, por exemplo, meu Deus,
como eu vou fazer meus alunos terem paixão pelo inglês e quererem aprender o
inglês para falar o inglês ((incomp.))
Lúcia: ((incomp)) tem uma menina, a única disciplina que ela teve nota 10 foi língua
estrangeira, a menina parou ((incomp.)) que bom para ela ((incomp.))
Vera: Talvez se nós tivéssemos mais tempo de aula, é lógico tem que colocar mais
tempo ((incomp.)).
Fernanda: ((incomp)) é o que eles querem gente, semana passada eu fiquei um
tempão ((incomp.)), assim, eu falei eu estou tão, assim, tão chateada com a turma
porque eu não vejo, sabe aquela coisa assim, eu não estou vendo progredindo em
nada, gente, eu já não sei mais o que faço, eu posso parar a aula hoje para a gente
conversar, eu quero sugestão de vocês, porque, eu sinceramente, eu estou
110
arrasada, né, assim já falei com eles para que serve o inglês, não teve um que não
disse que quer aprender a falar ((incomp.)), então você vê que eles querem, não é?
Vera: Justamente porque eles estão acabando com...
Fernanda: ((incomp.)) eles não têm vocabulário prévio, aí não tem, não lembra de
nada também, aí você vê que não está rendendo, aí você vê, gente! Ai, falei assim,
gente, aí fui colocar aí como vocês querem aprender falar uma língua, aí fiquei
ouvindo, agora eu quero sugestão para poder dar aula porque eu não sei mais dar
aulas para vocês, assim esculachei né, aí uma menina falou assim, professora, será
que cantar uma música a gente não aprende a falar, eu falei, você acredita nisso?
Ela disse: ah... eu acho ((incomp.)) aí, ela falou assim, ah... não, aí o outro falou
assim, a senhora fala só inglês na sala, o outro pelo amor de Deus professora, a
gente tem que decidir, porque eu sou uma só, você vê, assim... mais eu achei
interessante, eles quererem falar, mais eles não sabem como isso vai acontecer,
eles estão começando o inglês, agora há essa diversidade, é cada um fez um
comentário diferente, você vê ((incomp.)) a minha escola só tradução, só tradução,
assim eles dizem o que querem, mas não sabem, nem, nem como estudar, e não
sabem nem como estudar, porque também não tem material nenhum, aí tive que
conversar, aí não sei o que, aí falaram de vocabulário, aí fiz uma aula do jeito que
eles queriam, eu falei, vou separar tudo do jeito que eles querem, nós vamos fazer
semana que vem, exatamente isso, vamos ver se vão mudar, vamos ver o que vai
dar.
Lúcia: Eu faço a prova ((incomp.))
Fernanda: Quero ver quem que vai dar.
Vera: È, mas eles ((incomp.)) diferentes né, e você viu o que ela coloca a questão
aqui, condições reais e condições ideais, eu lembrei de vocês ((incomp.)), a
condição ideal do projeto é a condição real que vocês têm vivido ((incomp.)).
Fernanda: E isso bate de cara, porque eu acredito que já estou, ((incomp.)) como
realmente é, com certeza, lógico, que a gente não atinge 100%, isso não existe, eu
não acredito, mas nós estaremos bem mais avançados.
Vera: Com certeza é o número de alunos
Fernanda: O número de alunos influencia, não tem jeito gente ((incomp.)).
Lúcia: ((incomp.)) Eu acho que abrir mais uma turma de lá para trabalhar
((incomp.)), na quarta-feira ter que acordar cedo (incompreensível) no horário
trabalhador, eu não tenho esse problema de manhã porque os alunos da tarde, são
111
em menor quantidade, agora, diferente dela, que os alunos da manhã são em maior
quantidade, então são os alunos da manhã, aí eles vão deixando de participar da
aula dela e vão ((incomp.)) quando começam a trabalhar.
Fernanda: E o segundo ((incomp.)) é uma coisa incrível.
Vera: Quando ela fala aqui, da valorização da disciplina ((barulho tocou o sino )), o
valor da disciplina no contexto de inglês, aquela atribuição de aula, qualquer um
pega, lá na escola, é uma briga quando alguém vai pegar, você vai pegar inglês,
você dá conta do inglês, você me desculpa professor, mas você vai pegar, mas não
pega, não mata minha disciplina, por favor!
Lúcia: Você fala?
Vera: Eu falo, eu não vou dar aula, professora, de filosofia, sociologia, eu não sou
pedagoga, e olha que é muito mais fácil, eu dar aula de filosofia e sociologia do que
você dar aula de inglês, não mata minha disciplina, vai para outra escola... ah! Elas
ficam muito bravas, recentemente ((incomp.)) tem mais acontecido.
Lúcia: sabe o que acontece ((incomp.))?
Vera: Lá eu sou a única efetiva, então eu sou a 1ª a pegar ((incomp.)), eu falo assim
((incomp.)) e quem é de português e nunca trabalhou com o inglês ((incomp.)).
Fernanda: ((incomp.)) Pegou inglês porque, porque nunca tinha o suficiente de
português.
Lúcia: Entendi agora.
Vera: Aí eu imploro para eles, não vai fazer isso não, não vai matar minha disciplina
Lúcia: ((incomp.)) Então é um problema muito grande nessa área.
Vera: Tem.
Fernanda: E é porque aqui é o que ele fala, porque aqui a deficiência é muito
grande, ((incomp.)) quem realmente tem vai viver só do ((incomp.)).
Vera: É.
Fernanda: Vou procurar outra coisa pra fazer ((incomp.)), aí você arruma outro
trabalho para fazer porque você não dá conta, porque realmente, dependendo da
situação, não vale a pena você trabalhar lá no estado, o negócio é você trabalhar em
outro lugar e ganhar mais, tem professor, tem, mais não querem a escola pública,
((incomp.)), não querem.
Vera: Agora vai entrar uma boa, porque ((incomp.)) Mônica que trabalhou no
Instituto da Língua Inglesa ((incomp.)) e você vai para minha escola ((incomp.)),
dinâmicas.
112
Fernanda: Não pode cair no comodismo
Vera: Não, cai, todos, vocês têm sua vontade de mudanças, que você acredita que
você pode ensinar o aluno, que você tem condição de ensinar a língua, você não cai
no comodismo ((incomp.)), não cai no comodismo quando os alunos não querem
continuar estudando a língua ((incomp.)), dentro da abordagem comunicativa que
exige uma certa fluência ((incomp.)), o nível de língua, não é mais fácil que o
estruturalismo, gramática é gramática, não tem que preparar, não tem que cortar
figurinha, não tem que procurar atividades, não tem que por o aluno em situação de
desafio
Lúcia: As atividades, você tem de olhar vários livros, até achar aquela ideal
((incomp.)).
Vera: E quando ela fala, por exemplo, das séries de alunos em sala, com a questão
((incomp.)), que eu não estou acostumada ((incomp.)), 48 alunos, muito, num
espaço menor, que é menor que isso aqui, a sala de aula ((incomp.)), eu ia fazer
uma denúncia.
Fernanda: Não, aqui a gente, mas aqui, já tentaram ((incomp.)), eles não aceitam e
o que está na legislação.
Vera: Pois é.
Lúcia: Isso aí não é língua estrangeira.
Fernanda: Isso mesmo, não aceita não.
Vera: O diretor, lá, não tem ((incomp.)), aqui ele vem falando sobre os Parâmetros
Curriculares na prática da leitura e busca desenvolver a prática oral.
Fernanda: Que é uma seqüência, cai lá naquele, lá do início, não é porque é
Parâmetros Curriculares que você tem que fazer ((incomp.)) ele fala de leitura,
depois ele quer que os alunos saíam com proficiência na língua ((incomp.))
contraditório ele.
Vera: Ela fala do lado interativo do ensino aprendizagem, mas que o aluno saiba
usar a língua num contexto real de uso.
Fernanda: Então ele.
Vera: Completamente louco.
Fernanda: No meu texto, bem relacionado com isso que as pessoas e os
professores aceitam.
113
Vera: ((incomp.)) vem construindo sobre o nível de língua na redoma, a maioria dos
professores não tem nível de língua ((incomp.)) por isso que o ensino de língua na
escola chegou aonde chegou.
Lúcia: É, não tem, e isso não é só na escola publica, eu já dei aula na escola
particular, você tem alunos fortes e aqueles que não têm ((incomp.)) e daí é muito
mais complicado, então essa questão de nivelamento ((incomp.)).
Vera: Semana passada, teve uma coisa que eu achei interessante observar que nós
sabemos o caminho né ((incomp.)), não sabemos onde o aluno está caminhando, e
quando você não tem um plano, você não ((incomp.)).
Lúcia: Ele tem que sentir resultados.
Fernanda: Eu tenho alunos de nível 2 que são muitos grandes, nível 3, eu peguei
semana passada e falei para os alunos, estava fazendo atividades com eles, eu
olhei uma aluna garrada e não conseguia fazer, fui ver estava escrevendo os
pronomes, tudo, tudo errado, sabia que ela colocava ((incomp.)) no texto, falei, gente
espere aí, a mais não tive ((incomp.)), você não pode ((incomp.)), ela mesma disse
não estou conseguindo acompanhar, não foi, ela vai voltar, você vê, ele mesmo por
que, porque viu os outros na mesma hora, ela falou ((incomp.)).
Vera: E a gente sente, eu lembro esse ano quando eu fiquei um mês ((incomp.))
com meus alunos que vieram das outras escolas, perdidos, perdidos, perdidos,
Fernanda: É o que acontece com o nosso nível 1, não é, te falei né, o que,
principalmente, nível 1, questão disso você tem muito aluno de fora, que quando ele
((incomp.)), eu estou com oitava séries, ela está com mais uma ((incomp.)) vai fazer
o que, tem que ter uma base , para mais ou menos, tem uma forma de trabalho ,
como é que faz trabalho em dupla, porque, se não, os outros não conseguem muita
bagunça ((incomp.)).
Lúcia: A questão da pronúncia ((incomp.)).
Vera: Eu nunca ouvi exercícios de ouvido, prova oral, porque eles não sabem,
acham que não precisam.
Lúcia: E a gente já começa na oitava.
Fernanda: Vamos pegar oitava, que eles têm já uma idéia, até para escolher já se
quer falar ou ler, para também não chegar aqui, ah... não era isso que eu queria, oh
((incomp.)).
Vera: Que bom!
Fernanda: Por que é que cai nisso aí?
114
Lúcia: Pega só com os alunos da escola, de oitava série que ía para o projeto.
Vera: Não tem projeto não, se não eu fico doida ((incomp.)) dá para você puxar mais
((incomp.)) o nível de input tem alguma coisa que vocês ((incomp.)).
Fernanda: Eu vi ((incomp.)), uma fala no final que ele diz que ((incomp.)) (( )) é a
ponta né, limitações no contexto institucional, onde nada ou muito pouco espaço
para mudar, uma séries de fatores que podem ser motivos de frustrações do
professor, salas numerosas, né, poucas aulas de línguas estrangeiras por semana, a
necessidade de se trabalhar em diferentes lugares para preencher a agenda de
trabalho, a falta de material didáticos, eu questiono muito isso.
Vera: Por que Fernanda?
Fernanda: Porque, por exemplo, veja que essa questão de material didático,
primeiro, eu gostaria de saber o que ele fez com o material didático básico?
Vera: O livro didático, não sei porque, porque quando ele fala, uma criança falando...
Fernanda: Entendeu, o material didático básico e eu vejo, na nossa escola, esse
diretor ele me dá um cheque para você comprar e não tem aquele, em todas as
escolas públicas fazem isso, não tem o dinheiro lá do PDE, porque ele não pede
esse material.
Vera: Bom, eu já pedi ((incomp.)) deu até mais do que você ((incomp.)).
Fernanda: Você acha que não, estou com um rolo de 500 metros portáteis ali,
agora, então assim, porque essa forma ((incomp.)) gostaria de entender melhor o
que ele chama de material didático básico, e eu não consigo ver a pessoa dizer que
não tem esse material na escola, se a escola recebe dinheiro para isso, então falta
aqui, para mim, o professor conhecer a lei para ele poder ir buscar, porque se eu sei
que o PDE tem dinheiro para isso, desde o dia em que eu fiquei sabendo que tem
dinheiro, eu peço para minha escola, nunca me negaram.
Lúcia: Esse ano, conseguimos até um som
Fernanda: Tem escola só com sala, capacete de giz, então, assim, é uma coisa que
até ((incomp.)) mas, porque eu questiono, a pessoa falar que não tem material,
agora, sim, dizer que o aluno não compra o livro, é diferente, mas dizer que é falta
de material, não sei o que entendem como falta de material didático, eu não, me
chama a atenção ((incomp.)), mas isso aí, eu não acho que é problema, a falta de
material ((incomp.)).
Vera: Não da para faltar ((incomp.)), aluno A copiava, apagava, agora aluno B
copiava.
115
Fernanda: Exatamente, eu não consigo essa falta de material por mais pobre que a
escola seja, o papel ela tem, aquele papel pardo ((incomp.)).
Lúcia: Compromisso, outro detalhe né, falta de compromisso do professor.
Vera: Aqui eu pontuei a fala da Gimenes, quer dizer, eu gosto muito dela né, sou
suspeita né.
Fernanda: Também acho...
Vera: Quando ela fala assim, que os programas, aqui, onde está, de baixo para cima
no 3º parágrafo, depois do ponto, programas que incentivam a educação na prática
como sugere Gimenez, requer influências dos seus envolvidos no horário regido
pela escola sobre a disciplina que ensina, sobre práticas pedagógicas
desenvolvidas.
Fernanda: Onde está isso?
Lúcia: 155
Vera: Então, eu acho o que ela coloca aqui sobre esse programa de formação
Lúcia: Aqui está.
Vera: Quando você como profissional consegue o comprometimento ((incomp.)).
Fernanda: Claro
Vera: Eu sempre falo para os meus alunos do Univag, eu ((incomp.)) dei aula de
inglês, verbo To Be, I’m a Student, negativo, I’m not student, interrogativa, Am I
student, eu até ensinei assim, mas nesse período, eu não tinha noção da sala, eu
trabalhava ((incomp.)), mas depois de toda a minha formação, depois que saí da
universidade, essa prática de ensino não dá para conceber mais.
Fernanda: Claro.
Vera: Por que nós vamos matar a língua?
Fernanda: Tem que fazer mudança, se não, não adianta, não vai muda.
Lúcia: Que nem máquina, tem professor que tenta, tenta e não consegue a
transformação.
Fernanda: Acho que tem que pensar o seguinte, será que ele quer...
Lúcia: ((incomp.)) também, o que leva a mudança, você ler, estudar, estudar, e isso
está acontecendo na minha prática.
Vera: Tem textos que eu me pico por dentro, falei gente lá no Paraná, a mesma
coisa ((incomp.)) gente é impressionante, e a angústia da gente, não é só nossa.
Fernanda: E lá do Paraná, sul do país ((incomp.)) a elite brasileira.
Lúcia: Exatamente
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Fernanda: Uma formação européia, não sei o que.
Vera: E está aí ((incomp.)).
Fernanda: Ah... uma coisa que eu coloquei, a falta de interesse do pessoal mesmo
((incomp.)), a escola tem a idéia de que o estado é que tem que dar formação,
gente, e eu como professora, será que eu também não quero melhorar, entendeu?
Eu não quero me formar, eu não quero melhorar eu mesmo, é preciso, a gente vê
isso aqui, ah... vamos fazer o IELTS, ah, não vou porque a escola não pode, vai ter
que por alguém no meu lugar para pagar do meu bolso, mas você vai ganhar com
isso, não é? Eu já vi, vários, já ouvi, você é louca, pagar alguém para dar aula e
você não ganhar nada com isso, um amigo já me falou isso, eu falei assim, essas
coisas nem se discute, mas me dá raiva, ((incomp.)) porque, gente, é uma forma de
amadurecimento ((incomp.)), tem que fazer por mim mesmo.
Lúcia: ((incomp.)) não tem nenhuma formação, principalmente, em língua inglesa,
mas eles querem esperar coisas do governo.
Fernanda: ((incomp.)) a SEDUC não paga nem para ela, quanto mais para o meu.
Lúcia: ((incomp.)).
Vera: Não fazem não.
Fernanda: Tanta coisa né, e o controle pedagógico ((incomp.)), eu percebo a
diferença, a escola pública permite uma liberdade muito grande que não tem na
privada.
Vera: Pois é, eu não entendo porque tem essa liberdade tão grande, todo início de
ano, todos têm que fazer um planejamento global, os indivíduos vêm para a escola,
eles fogem completamente do planejamento global e os pedagogos que estão na
coordenação...
Fernanda: Não fazem nada...
Vera: Fingem que está tudo bem ((incomp.)).
Fernanda: Mas esse controle pedagógico é o ponto fraco da escola pública, porque
infelizmente, não que eu seja contra o pedagogo, mas assim ((incomp.)) os
coordenadores, eles, também, primeiro que não tem uma formação para serem
coordenadores, você vê que é raro, um coordenador ser coordenador mesmo.
Lúcia: Ele está esperando fim de carreira ((incomp.)).
Fernanda: ((incomp.)) a gente paga por alguém nunca ter assistido uma aula sua
((incomp.)) quem tem a capacidade, eu coloquei isso, ninguém aqui tem a
capacidade ((incomp.)) falei na frente da equipe inteira, você nunca viu uma aula ,
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vice nunca viu uma prova minha, você, você, você Dona Adma, sabe que eu dou
aula, Adma sabe meu material, a Adma pega o material comigo, a Adma sempre vê
minhas provas, a gente sempre discute, telefona para eventos, ela é a única aqui
que tem capacidade, é a única que eu vou ouvir, o resto não serve para nada, me
queriam linchar, aí pegaram minha ficha e acalmaram ((incomp.)) bocuda, mas
como você pode me avaliar?
Vera: Mas é aí que falta ((incomp.)).
Fernanda: Quem é que falou alguma coisa ((incomp.))
Vera: Lógico ninguém falou nada, vamos encerrar...