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VERALUCIA GUIMARÃES DE SOUZA CONVERSAS COLABORATIVAS COM PROFESSORAS DE INGLÊS DE ESCOLA PÚBLICA: VOZES EM MOVIMENTO Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT Instituto de Linguagens – IL Cuiabá 2007

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VERALUCIA GUIMARÃES DE SOUZA

CONVERSAS COLABORATIVAS COM PROFESSORAS DE

INGLÊS DE ESCOLA PÚBLICA: VOZES EM MOVIMENTO

Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT Instituto de Linguagens – IL

Cuiabá 2007

VERALÚCIA GUIMARÃES DE SOUZA

CONVERSAS COLABORATIVAS COM PROFESSORAS DE

INGLÊS DE ESCOLA PÚBLICA: VOZES EM MOVIMENTO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para obtenção do título de mestre em Estudos Lingüísticos do Instituto de Linguagens da Universidade Federal de Mato Grosso, sob a orientação da Profª. Doutora Solange Maria Barros Ibarra Papa.

Área de Concentração: Estudos Lingüísticos

Linha de Pesquisa: Linguagem, Participação Social e Pedagogia Crítica.

Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT Instituto de Linguagens – IL

Cuiabá 2007

FICHA CATALOGRÁFICAFICHA CATALOGRÁFICAFICHA CATALOGRÁFICAFICHA CATALOGRÁFICA S729c Souza, Veralúcia Guimarães de Conversas colaborativas com professoras de inglês de

escola pública: vozes em movimento / Veralúcia Guimarães de Souza. – 2007.

xi, 117p. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de

Mato Grosso, Instituto de Linguagens, Pós-graduação em Estudos Lingüísticos, 2007.

“Orientação: Profª Drª Solange Maria Barros Ibarra Papa”.

CDU –371.3:811.111 Índice para Catálogo Sistemático 1. Língua inglesa – Ensino – Escola pública 2. Professor – Formação reflexivo-crítica 3. Língua inglesa – Professor – Formação 4. Lingüística aplicada 5. Professor – Inglês – Conversas colaborativas 6. Análise de discurso crítica

DEDICATÓRIA

A minha sogra (in memorian) que sempre

me incentivou a desvendar o sentido da

união das letras.

A minha mãe que, ao tecer os fios,

conseguiu inserir-me no mundo dos que

podem falar com os dedos e ouvir com os

olhos.

AGRADECIMENTOS

À Professora Doutora Solange Maria Ibarra Papa, minha orientadora, meus

agradecimentos. Compartilhou comigo seus saberes acadêmicos e amizade entre os

vários encontros para apresentação de trabalhos em eventos e orientações.

À Professora Doutora Rosane Pessoa, pela leitura cuidadosa do texto e pelas

valiosas contribuições, que muito enriqueceram este estudo.

À Professora Doutora Ana Antônia de Assis-Peterson, pela disponibilidade em

me ouvir, pelo incentivo à pesquisa e à discussão dos conceitos apresentados neste

trabalho.

Ao colega e amigo Danie Marcelo de Jesus que soube dispensar-me seu

conhecimento e sua experiência.

À amiga Nadir Bittencourt, pelas leituras e pelas valiosas contribuições.

Às duas participantes, colegas, pelos momentos de estudos, angústia, aflição

e crescimento profissional.

Às minhas irmãs, irmão, cunhados, cunhadas, tias, sobrinhos e sobrinhas,

pelos almoços maravilhosos e pelo incentivo, ensejando mais tempo para meus

estudos.

À Taísa, sobrinha e companheira, pela ajuda e companhia sempre presentes

na vida de Mateus e Bruna, quando estava ausente.

A meu pai, Manoel Caetano, pelo carinho, pelo modo de viver e perceber o

mundo. A minha mãe, Umbelina Guimarães, pelo exemplo de dedicação, trabalho e

garra.

A meu marido, Hamilton, por me entender e por desejar meu sucesso. A

meus filhos Bruna e Mateus, que sempre estiveram presentes em meu coração.

Eles, a razão porque me dedico aos estudos.

SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 O INÍCIO ....................................................................................... 12

1.1 A organização da dissertação ................................................................. 15

CAPÍTULO 2 A FORMAÇÃO REFLEXIVO-CRÍTICA DO PROFESSOR ........... 17 2.1 Os principais conceitos em torno da formação reflexivo-crítica do

professor ............................................................................................... 17

2.2 A formação reflexivo-crítica do professor de língua estrangeira.............. 21 2.3 O ensino de inglês e as exigências da reforma educacional no

contexto da escola pública brasileira .................................................... 28

CAPÍTULO 3 O CAMINHO TRILHADO .............................................................. 33 3.1 A natureza da pesquisa colaborativa ...................................................... 33 3.2 A composição do cenário ........................................................................ 35

3.2.1 O cenário ........................................................................................ 35 3.2.2 As participantes............................................................................... 36 3.2.3 A escolha dos textos........................................................................ 38 3.2.4 A realização das conversas colaborativas....................................... 39 3.2.5 Os procedimentos de análise.......................................................... 40

CAPÍTULO 4 VOZES EM MOVIMENTO............................................................. 46 4.1 Duas professoras vs. outros: vozes em desarmonia............................... 46 4. 2 Vozes que circulam entre a teoria e a prática ........................................ 70

CAPÍTULO 5 O FINAL ........................................................................................

85

5.1 Discussão e implicações ......................................................................... 85 5.2 As limitações e as contribuições do estudo............................................. 91

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 94

APÊNDICE - AMOSTRA DE UMA CONVERSA COLABORATIVA.................... 101

VII

RESUMO

GUIMARÃES SOUZA, Veralúcia. Dissertação de Mestrado em Estudos Lingüísticos. Orientadora: Professora Dra. Solange Maria Barros Ibarra Papa. Cuiabá, MT. Universidade Federal de Mato Grosso, 2007.

Esta pesquisa qualitativa investiga a importância de conversas colaborativas

entre duas professoras de inglês de uma escola pública e esta pesquisadora, com o propósito de descrever e discutir os tópicos recorrentes nas conversas e como tais tópicos se relacionam com as outras vozes da escola – intertextualidade e interdiscursividade –, as modalidades discursivas que refletem o posicionamento das duas professoras de inglês perante os tópicos em discussão e a percepção das professoras sobre as conversas colaborativas para seu desenvolvimento profissional. Fundamentada em estudos que tratam da formação reflexivo-crítica do professor, esta pesquisa está situada na Lingüística Aplicada, conduzida com base nas gravações em áudio de reflexões que emergiram do estudo de dois textos (PERIN, 2005 e UR, 1999) e de três categorias analíticas da Análise de Discurso Crítica: modalidade, interdiscursividade e intertextualidade e do papel político dos pronomes (PENNYCOOK,1994). Os resultados evidenciaram três tópicos presentes no estudo do primeiro texto – “a importância de uma formação crítica por parte do professor”, “os problemas do ensino de língua inglesa na escola pública” e “a questão da formação continuada do professor” –, e três do segundo – “o ensino centrado no professor”, “as características de boa prática de sala de aula” e “a autonomia do aluno”. Esses tópicos revelam as percepções das professoras sobre o contexto atual de ensino de inglês em escola pública e a necessidade de uma formação docente crítica para propor um bom ensino, possibilitando questionar as teorias que sustentam o ensino de língua inglesa no Brasil. As conversas colaborativas são instrumentos importantes para a formação continuada de professores porque possibilitam que várias teorias e práticas sejam desveladas e discutidas.

Palavras-chaves: Conversas Colaborativas, Formação Reflexivo-Crítica, Análise de

Discurso Crítica.

VIII

ABSTRACT

This qualitative research investigates the importance of collaborative conversations between two teachers of English in a public school, with the purpose of describing and discussing the recurrent topics in conversations and how such topics relate to the other voices of the school – intertextuality and interdiscoursivity –, the discursive modalities that reflect the positioning of the two English teachers to the topics under discussion and the two teachers’ perception about the collaborative conversations for their professional development. Based on studies that deal with critical reflective training of the professor, this research is situated within Applied Linguistics, conducted by reflections, recorded in audio, that emerged from the study of two texts (PERIN, 2005 and UR, 1999), and by three analytic categories of Critical Discourse Analysis: modality, interdiscoursivity and intertextuality, and the political role of the pronouns (PENNYCOOK, 1994). The results showed three topics present during the study of the first text – "the importance of critical teacher training," "the problems of teaching English in public schools" and "the question of continued teacher training" and three related to the second text "teaching focused on the teacher," "the characteristics of good classroom practice" and "learner autonomy”. These topics reveal the teachers’ perceptions of the current context of teaching English in public schools and the need for critical teacher training as part of the proposition of a good education, as well as questioning the theories that support the teaching of English in Brazil. Collaborative conversations are an important tool for continued teacher training because they make it possible to reveal several theories and practices that are necessary to discuss.

Key words: collaborative conversations, critical reflective training, Critical Discourse

Analysis

IX

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: Modelo de análise baseado na ADC (FAIRCLOUGH,1992) .................41

X

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1: Textos selecionados para as conversas colaborativas................... 38

QUADRO 2: Tipos de modalidades de discurso e exemplos correspondentes.. 43

QUADRO 3: Resumo do sub-tópicos e percepções das professoras acerca do

Tópico 1: A importância de uma formação crítica por parte do

professor ..........................................................................................

52

QUADRO 4: Resumo dos sub-tópicos e percepções das professoras acerca

do Tópico 2: Os problemas do ensino de língua inglesa na escola

pública ................................................................................................................

64

QUADRO 5: Resumo dos sub-tópicos e percepções das professoras acerca

do Tópico 3: O perfil do professor de escola pública e a formação

continuada .......................................................................................

70

QUADRO 6: Resumo dos sub-tópicos e percepções das professoras acerca

do Tópico 4: O ensino centrado no professor...................................

75

QUADRO 7: Resumo dos sub-tópicos e percepções das professoras acerca

do Tópico 5: As características de boa prática de sala de aula.......

79

QUADRO 8: Resumo dos sub-tópicos e percepções das professoras acerca

do Tópico 6: A autonomia do aluno..................................................

84

XI

CONVENÇÕES UTILIZADAS NAS TRANSCRIÇÕES

Adaptação de Van Lier (1998, apud Pessoa, 2002: 106)

... pausa

(( )) ação não verbal

[ ] comentário da pesquisadora

((incomp.)) fala incompreensível

[...] trechos suprimidos

CAPÍTULO 1

O INÍCIO

Durante os anos de 2000 a 2003, na escola pública de ensino médio em

que trabalho, até a presente data, consegui, com dois outros professores de inglês,

trabalhar em equipe para, através de práticas pedagógicas comuns, alcançar

objetivos a que nos propúnhamos na nossa área de atuação. Até então, cada um

trabalhava isoladamente, ministrando suas aulas de acordo com suas crenças e

práticas. Começamos a perceber que os alunos não se sentiam satisfeitos com

nossas aulas, o que se comprovava pelos comentários ouvidos nos corredores das

escolas: “Vamos ter música?”, “Professora, por que você não dá aula de outra

disciplina, logo inglês, professora!”, “Ninguém merece, professora, estudar inglês”, “Á

noite, não estudamos isso”, “Suas avaliações são difíceis”, “O professor da tarde

passou um filme, não vamos assistir também?”, “Hoje não vai ter joguinho?”. Em

conversas informais, observamos que, enquanto um professor trabalhava conteúdos

gramaticais, outro preferia trabalhar com música e tradução. Enquanto um aplicava

testes mensalmente, o outro avaliava exercícios realizados em sala. Em geral, os

alunos não viam objetivo no ensino de inglês e percebiam o programa como um

conjunto de atividades “soltas”.

Em razão dessa aparente fragmentação de conteúdo, resolvemos trabalhar

em equipe, elaborando um programa com base em atividades comunicativas em que

o aluno pudesse usar a língua em contextos variados. As unidades comunicativas

foram organizadas de acordo com a série. Durante um período de três anos,

conseguimos nos reunir para discutir nosso trabalho, sempre buscando diversificar

as atividades de sala de aula e, ao mesmo tempo, mostrar a relação entre elas.

Nossa maior preocupação era partir do conhecimento prévio do aluno e evitar a

repetição de conteúdo tão comum nas escolas, o que o leva a não perceber o

desenvolvimento de sua aprendizagem.

Posteriormente, os dois colegas efetivos pediram remoção, rompendo a

seqüência de nosso trabalho. Desde então, vários outros professores já passaram

pela escola, em virtude dos critérios de atribuição de aula da rede pública estadual.

Nunca mais conseguimos criar um grupo que se mantivesse coeso em torno das

13

mesmas metas. Para muitos desses professores, o fator tempo para os encontros

era o principal empecilho. Voltou-se ao procedimento anterior em que cada

professor escolhia o conteúdo, a metodologia e o material de sua preferência, em

que cada um trabalhava isoladamente, (re)produzindo um ensino “solto”, “sem

seqüência” e “repetitivo”.

Ao iniciar o curso de mestrado, resolvi intensificar minhas leituras na área

de formação continuada de professores para que pudesse compreender de que

modo poderia melhorar minha prática e como poderia ajudar meus colegas. Pela

experiência anterior do trabalho em grupo, acreditava que não somente era preciso

ler textos acadêmicos em busca de atualização, mas também que a troca de idéias

entre colegas de trabalho era recurso imediato disponível de que podíamos lançar

mão, de modo sistemático, para refletir criticamente sobre nossa prática pedagógica.

Dois textos, graças à indicação da Profª. Ana Antônia, caíram em minhas

mãos e serviram de inspiração para esta pesquisa. São eles: “Teacher Study

Groups: Persistent Questions in a Promising Approach” de Clair (1998) e “Language

Teacher Educator Collaborative Conversations de Bailey, Hawkins, Irujo, Larsen-

Freeman, Pintell e Willet (1998). De acordo com esses autores, o estudo de grupo

entre professores, da mesma escola ou não, permite-lhes refletir sobre a própria

prática e encontrar maneiras para melhorá-la, bem como para instigar o

desenvolvimento profissional. Em outras palavras, a oportunidade de o professor

entabular conversas colaborativas com seus pares facilita sua reflexão porque, ao

negociar os sentidos com os outros, avaliamos e reconfiguramos nossa

compreensão a propósito de nossa teoria e prática. A parceria entre professores

ajuda-nos a entender os velhos modos de pensar ensino, aprendizagem e mudança

e a incorporá-los aos novos.

Esses dois artigos ajudaram-me a compor esta pesquisa, pois compreendi

que a formação de pequenos grupos de professores constituía uma alternativa aos

costumeiros cursos de especialização realizados pela universidade. O trabalho em

equipe e as conversas colaborativas na própria escola criam oportunidades para os

professores explorarem questões de ensino e aprendizagem em contextos

específicos. Aqui, conversas colaborativas são definidas como o momento em que

os professores se reúnem para partilhar sua ansiedade e discutir conhecimentos de

leitura e de sua prática pedagógica em busca de seu desenvolvimento profissional.

14

Esse diálogo colaborativo não significa apagar conflitos, mas problematizar,

renegociar sentidos.

Além desses, outros textos relevantes alertaram-me para as diversas

questões atinentes à formação reflexiva e crítica do professor de língua estrangeira

no Brasil. Todos salientam que os professores devem refletir criticamente sobre sua

prática e relatar suas experiências como meio de perceber as tensões e as

conseqüências de suas estratégias pedagógicas (WALLACE,1991; PENNYCOOK,

1998; COX e ASSIS-PETERSON, 1999, 2002; GIMENEZ, 2002; VIEIRA-ABRAHÃO,

2002; LIBERALI, 2002; MAGALHÃES, 2002; MOITA LOPES, 2005; PESSOA, 2005;

RAJAGOPALAN, 2005; PAPA, 2005). Contudo, não basta apenas perceber as

falhas que existem em uma prática pedagógica, sem transformá-la, pois, se assim

fosse, estaríamos contribuindo para manter as desigualdades e as injustiças sociais

que permeiam as sociedades modernas.

Neste estudo, alinho-me aos estudiosos que acreditam que os professores,

ao se informarem sobre as novas teorias da área de sua formação e ao

estabelecerem relação entre a sua prática e as teorias e entre as teorias e a prática,

podem compreender o que fazem e, se acharem necessário, empreender mudanças

em suas concepções teóricas e práticas.

As recentes reformas educacionais encetadas pelos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs) e pelas Orientações Curriculares para o Ensino

Médio (OCEMs) requerem que professores re-signifiquem sua prática de sala de

aula e busquem novas maneiras de colaboração. O grupo de estudo de professores

é uma alternativa aos tradicionais e esporádicos cursos de atualização e (ou) de

especialização, às oficinas de poucas horas oferecidas durante um congresso e aos

cursos de extensão voltados para a metodologia, cursos que, em geral, não atentam

para as especificidades lingüísticas e culturais das escolas. As conversas

colaborativas podem juntar professores de uma mesma escola para discutir e

compreender a cultura complexa da escola e da comunidade, bem como as

especificidades do ensino e aprendizagem.

O objetivo desta pesquisa é a análise de conversas colaborativas entre duas

professoras de inglês de uma escola pública e esta pesquisadora – também

professora de inglês de escola pública –, com o propósito de descrever e discutir os

tópicos recorrentes nas conversas, e como tais tópicos se relacionam com as outras

vozes da escola – intertextualidade e interdiscursividade. Ademais, analiso, por

15

igual, as modalidades discursivas – materialidade lingüística – que refletem o

posicionamento das duas professoras de inglês perante os tópicos em discussão.

Alicerçada nesses objetivos, busco responder às seguintes perguntas de

pesquisa:

1. Quais os tópicos recorrentes nas conversas colaborativas de duas

professoras de inglês da escola pública?

2. Que modalidades estão presentes nas falas das professoras?

3. Como as professoras se posicionam em relação às vozes presentes na

escola pública?

Com base em Bailey et al. (1998), utilizo como procedimento teórico-

metodológico a formação de um grupo de leitura e discussão de textos acadêmicos

entre professores, com o intuito de promover conversas colaborativas para explorar,

avaliar e situar seus trabalhos dentro do contexto da escola pública. Os

procedimentos analíticos baseiam-se na Análise de Discurso Crítica – ADC

(FAIRCLOUGH, 1992). Quanto a ela, valho-me tão somente de três categorias para

a análise dos textos: a intertextualidade, a interdiscursividade e as modalidades.

1.1 A organização da dissertação

Este estudo está dividido em cinco capítulos. Neste primeiro, contextualizei

o problema, sinalizei a justificativa, os objetivos e as perguntas da pesquisa. A

seguir, apresento a organização da dissertação.

No segundo capítulo, descortino a revisão de literatura, situada no

arcabouço teórico que guiou este estudo. Abordo estudos sobre a formação reflexiva

e reflexivo-crítica do professor, fundada na área da Educação e da Lingüística

Aplicada. Mostro como as pesquisas na área de formação de professor contribuem

para o desenvolvimento das pesquisas na área da Lingüística Aplicada. Também

discuto o contexto do ensino de língua estrangeira na escola pública. Por último,

enceto uma discussão das leis que regulamentam o ensino de língua estrangeira e

os documentos oficiais que servem como norteadores para tal ensino.

No terceiro capítulo, exponho os princípios da pesquisa colaborativa que

guiaram este estudo, não sem descrever a composição do cenário, as participantes,

16

a escolha dos textos para leitura e discussão, a realização das conversas

colaborativas e os procedimentos de análise com base na Análise de Discurso

Crítica de Fairclough (1992).

O quarto capítulo é dedicado à análise de dados. Apresento os tópicos

discutidos durante duas conversas colaborativas. A primeira, mediada pelo texto de

Perin (2005), e a segunda, mediada pelo texto de Ur (1999). Patenteio a importância

do uso da modalidade para revelar o posicionamento das professoras perante os

diversos discursos e textos que estão presentes neste contexto de pesquisa.

No último capítulo, o quinto, aponto algumas discussões e implicações

deste estudo para a formação do professor e para o ensino de língua inglesa na

escola pública. Apresento as considerações finais, relatando as possíveis

contribuições desta pesquisa para a formação de professores de língua estrangeira.

Nesta introdução, expus as razões deste estudo e seus objetivos. Acentuei,

de igual parte, o contexto e a organização da dissertação. Pretendo contribuir com o

trabalho de outros pesquisadores que estudam questões relacionadas com a

formação continuada do professor de língua inglesa e com o ensino de língua

inglesa na escola pública. Exibo, em seguida, os pressupostos teóricos que norteiam

este trabalho.

17

CAPÍTULO 2

A FORMAÇÃO REFLEXIVO-CRÍTICA DO PROFESSOR

Este capítulo está dividido em três seções. Na primeira seção, é

apresentada a discussão teórica de alguns pesquisadores da área de educação

acerca dos conceitos relativos à formação reflexivo-crítica do professor. Na segunda,

discute-se a formação reflexivo-crítica do professor de língua estrangeira ancorada

nas pesquisas realizadas na área de Lingüística Aplicada. A terceira e última seção

faz uma análise do ensino de língua estrangeira na escola pública – com relato de

experiência da pesquisadora em vinte anos de magistério – e do que sugerem a Lei

de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e as OCEMs sobre o ensino da língua

estrangeira.

2.1 Os principais conceitos em torno da formação reflexivo-crítica do professor

O discurso educacional, por muito tempo, apresentou o professor como

mero aplicador de técnicas e métodos de ensino. Raramente era mostrado como

profissional comprometido com a prática reflexiva – movimento reflexivo – e com as

mudanças sociais – a pedagogia crítica.

O termo reflexão, apesar de ter sido conhecido nas discussões teóricas das

pesquisas realizadas na área de formação de professores, principalmente a partir da

década de 90, foi introduzido na literatura de formação de professores na década de

30 por Dewey (1933 apud PESSOA, 2002). Dewey definiu reflexão como o exame

ativo, voluntário, persistente e rigoroso de nossas crenças e ações, à luz dos

fundamentos que a sustentam e das conseqüências a que conduzem. Ao definir

reflexão, Dewey aponta para uma posição de construção de conhecimento que, ao

mesmo tempo que depende da fundamentação teórica, está acoplada à vontade, à

atitude de questionamento e à pessoa.

Para Dewey (1933 apud PESSOA, 2002), há três atitudes fundamentais

para a ação reflexiva. De início, a abertura de espírito, que é o desejo ativo de dar

atenção às várias alternativas possíveis, de aceitar os pontos positivos e negativos

18

das perspectivas e de reconhecer a possibilidade de erro mesmo nas mais

arraigadas crenças. É seguida pela responsabilidade, ou seja, o exame cuidadoso

das conseqüências de uma ação, o que implica não apenas saber se o que o

professor faz funciona, mas como funciona, por que e para quem. O tripé se encerra

com a sinceridade: os professores sinceros regularmente examinam suas crenças e

os resultados de suas ações, tratando todas as situações com a atitude de quem

poderá aprender algo novo.

A partir de Dewey, alguns pesquisadores, como Freire (1987), Schön (1992,

2000), Nóvoa (1992), García (1992) e Perez Gómez (1992), ancoram-se nas

concepções teóricas do movimento reflexivo e da pedagogia crítica para expandir

seus estudos na formação de professores dentro de uma prática reflexiva,

denominada reflexivo-crítica. Essa teoria, além de direcionar para uma formação que

promova a liberdade dos oprimidos, aponta que esse caminho só é possível se

houver reflexão. Assim, acredita-se que só há transformação se houver reflexão.

Dentro dessa perspectiva, Schön (1992, 2000) discute o modelo de prática

reflexiva e apresenta quatro conceitos: conhecimento-na-ação, reflexão-na-ação,

reflexão-sobre-a-ação e reflexão sobre-a-reflexão-na-ação. Para ele, o

conhecimento-na-ação é o componente responsável pela orientação de toda a

atividade humana e se manifesta no saber-fazer. A reflexão-na-ação lida com os

problemas profissionais no momento em que ocorrem. A reflexão-sobre-a-ação e a

reflexão sobre-a-reflexão-na-ação correspondem a uma análise realizada a

posteriori pelo indivíduo sobre as características e os processos de sua própria

ação. A reflexão-sobre-a-ação é o processo do pensamento que ocorre de forma

retrospectiva sobre um problema ou uma dada situação. O professor tenta explicar

suas razões para suas ações e comportamento em sala de aula. A reflexão sobre-a-

reflexão-na-ação é o processo que leva o profissional a progredir em seu

conhecimento e a construir sua forma pessoal de conhecer. Neste momento, ocorre

a reflexão crítica, e o professor ou o investigador faz uma análise, a posteriori, das

características e dos processos de sua própria ação.

Nóvoa (1992: 25), por sua vez, acredita que a formação do professor se

constrói com base na reflexividade crítica sobre as práticas e na (re)construção

permanente de uma identidade pessoal. Defende a formação fundamentada no

desenvolvimento pessoal, porque, para ele, “é importante investir na pessoa e dar

um estatuto ao saber da experiência”. Espera que a formação de redes coletivas de

19

trabalho de (auto) formação participada ajude o professor a compreender a

globalidade do sujeito. O autor assume a formação como processo interativo e

dinâmico que constitui um fator decisivo de socialização profissional e de afirmação

de valores próprios da profissão docente. Para ele, o desafio na formação de

professores consiste em conceber a escola como um ambiente educativo, onde

trabalhar e formar não sejam atividades distintas.

García (1999) defende a formação de professor como um modelo de

desenvolvimento profissional e pessoal, evolutivo e continuado. Propõe a criação de

colaboração e de um trabalho em equipe entre os professores, contribuindo para

que professores gerem conhecimento prático, estratégico e para que sejam capazes

de aprender com sua experiência. Para o autor, os professores procuram

desenvolver a reflexão para promover o desenvolvimento e o aprimoramento de sua

prática pedagógica. Ele acredita em uma prática de formação que tome como

referência as dimensões coletivas e que contribua para a emancipação profissional

bem como para a consolidação de uma profissão autônoma na produção de seus

saberes e de seus valores.

Para Pérez Gómez (1992), o profissional competente atua refletindo na

ação, criando outra realidade, experimentando, corrigindo e inventando, por meio do

diálogo estabelecido com essa mesma realidade. Assim, o conhecimento que o novo

professor deve adquirir vai mais longe do que as regras, fatos, procedimentos e

teorias estabelecidas pela investigação científica. O autor sustenta ser a prática mais

um processo de investigação do que um contexto de aplicação, um processo de

investigação na ação, mediante o qual o professor procura compreender, de forma

crítica e vital, o mundo complexo da aula, questionando suas próprias crenças e

explicações, propondo e experimentando alternativas, participando na reconstrução

permanente da realidade escolar. Advoga o pensamento prático do professor e o

conceitua como complexa competência de caráter holístico, que não pode ser

ensinada, mas pode ser aprendida.

O termo crítico nasce da pedagogia libertária e, posteriormente, da

pedagogia crítica. De acordo com Silva (2004), o objetivo da pedagogia crítica é

evidenciar o que está por trás das estruturas sociais que compactuam com a

exploração dos mais pobres e oprimidos. Mediante o conhecimento crítico, acredita-

se que seja possível provocar mudanças na atitude das pessoas, levando-as a lutar

para que os mais pobres tenham seus direitos garantidos. Trata-se de concepção

20

crítica que apresenta o saber como algo legitimado por interesses inscritos nas

relações sociais amplas.

Conforme Silva (2004: 7), “conhecer se vincula a poder”. Nesse caso, o

poder é concebido de maneira dialética: ao mesmo tempo em que as relações

sociais da escola e da sociedade expressam dominação, também apresentam a

possibilidade de resistência e de ação contra-hegemônica. Ser professor é ser

político, é conhecer as ideologias que sustentam determinadas práticas, é conhecer

as relações de poder que entrecruzam os sujeitos em diferentes contextos sociais.

Para Oliveira (2006), o professor, como intelectual transformador, deve

refletir sobre os princípios ideológicos que influenciam sua prática e conectar essa

prática à teoria e às questões sociais mais amplas. Não importa mais ter só o

conhecimento específico, o professor deve assumir seu papel social e, dessa forma,

levar conhecimento histórico, político e social para seus alunos compreenderem as

ideologias que movem as questões sociais, as quais nos influenciam em nosso dia-

a-dia.

A pedagogia crítica é engajada nos problemas sociais, incorporando as

experiências de vida dos oprimidos, suas histórias e valores. Para ela, a escola não

é um espaço neutro em se que apenas transmitem conhecimentos imparciais,

capazes de instruir e elevar o nível cultural dos educandos. Mais que isso, é o local

em que se mostra a principal função do sistema de ensino instaurado no sistema

capitalista, o de reproduzir os fundamentos de uma sociedade desigual e injusta

(Silva, 2004). O principal objetivo da pedagogia crítica é, portanto, fortalecer as

pessoas sem poder e transformar as desigualdades e as injustiças sociais

existentes.

No Brasil, um grande colaborador dos estudos da pedagogia crítica é Paulo

Freire1, cuja ação se dirige para a emancipação e transformação dos sujeitos. Para

Freire (1997:78), “a escola é o lugar da política”, ou seja, professores e alunos

devem ter consciência crítica para que haja transformação da sociedade.

Desse modo, é possível o diálogo entre o modelo reflexivo e a teoria crítica

para a formação do professor. Enquanto o modelo reflexivo se preocupa com a

mudança e (ou) transformação da prática pedagógica em sala de aula, a teoria

crítica se preocupa com a formação política do professor, para levá-lo a

1 Ver Cox e Assis-Peterson (1999) para breve histórico do nascimento da pedagogia crítica no Brasil, com suas raízes no trabalho de Paulo Freire.

21

compreender as forças hegemônicas que procuram neutralizar as práticas

discursivas que contribuem com o aumento das desigualdades sociais.

2.2 A formação reflexivo-crítica do professor de língua estrangeira

Na área da Lingüística Aplicada, pouca atenção se tem dado à formação

reflexivo-crítica do professor de língua estrangeira. O que se tem presenciado nos

encontros de formação de professor, nas últimas décadas, são trabalhos

desenvolvidos por vários pesquisadores, cujos enfoques estão na formação

reflexiva. Vale dizer: a preocupação está em refletir para mudar a prática

pedagógica. Não se enfatiza o papel do professor como agente político, capaz de

levar seus alunos a uma reflexão sobre as ideologias de ensino e aprendizagem

comprometidas com a transformação social. Mesmo as pesquisas que se intitulam

reflexivo-críticas concebem crítica apenas no âmbito do fazer pedagógico, não

levando em conta a formação política do professor.

Pesquisas realizadas por professores de língua estrangeira (VIEIRA-

ABRAHÃO, 2002; GIMENEZ, 2002; MATEUS, 2002; MAGALHÃES, 2002; LIBERALI

e ZYNGIER, 2003; LIBERALI, MAGALHÃES e ROMERO, 2003; LIBERALI, 2004;

OLIVEIRA, 2006) apontam para uma formação que perpassa pela pesquisa

colaborativa dentro de uma formação contínua, fundada numa prática reflexiva.

Essas pesquisas enfeixam dois modelos de ver a formação de professores: a

construção consciente da prática com base no mapear, informar, contestar, avaliar e

agir (FREIRE,1987; BARTLETT,1990), somada ao modelo de Wallace (1991),que

apresenta a formação reflexiva de educação e o desenvolvimento profissional a

partir de dois estágios: o pré-treinamento, a formação pré-serviço, e o conhecimento

recebido – o conhecimento experiencial e o ciclo reflexivo.

O modelo de Wallace (1991) enfatiza o fato de as pessoas sempre trazerem

consigo um conhecimento prévio, principalmente quando o assunto é formação de

professor. Ao iniciarem um curso superior na área de magistério, a maioria dessas

pessoas já foi e ainda será exposta à prática da profissão, pois traz idéias,

conceitos, crenças, atitudes que moldam seu comportamento de diversas maneiras,

e não é fácil remover ou modificar tais crenças, uma vez que a carga horária ao

longo da vida estudantil é bem superior àquela que se tem para estudar as teorias

da área de formação. A prática reflexiva de educação e o desenvolvimento

22

profissional proposto por Wallace (1991) têm por meta desenvolver a competência

profissional do professor centrado em dois estágios.

O primeiro – o pré-treinamento – é o período em que se encontra o

estagiário ou o professor antes do início do processo de formação. Nesse estágio, o

aluno apreende os esquemas conceituais e os construtos mentais trazidos pelos

professores-formadores. O segundo – educação e desenvolvimento profissional -

abarca três elementos: o conhecimento recebido – teoria, fatos, dados –, o

conhecimento experiencial – ação profissional – e o ciclo reflexivo. O conhecimento

recebido e o conhecimento experiencial revelam relação próxima, porque o

conhecimento recebido deve contribuir com informações para o conhecimento

experiencial, dele recebendo informações.

O modelo de Bartlett (1990), baseado em Smyth (1987), apresenta uma

discussão do ensino reflexivo-crítico como forma de construir conscientemente uma

prática de ensino. O autor afirma ser o ensino reflexivo um processo difícil, não só

porque envolve mudanças no pensar e agir, mas também porque força o professor a

adotar uma postura reflexiva com relação a seu próprio desempenho, desafiando

suas próprias crenças. Para isso, ele relaciona as cinco fases do processo de

reflexão: mapear, informar, contestar, avaliar e agir. Essas fases não são lineares,

ou seqüenciais, e alguma fase pode até ser omitida.

Primeiramente, o professor deve mapear sua prática por meio de

observação e coleta de evidências. Na segunda fase – informar – o professor deve

retornar aos registros feitos anteriormente para explicar por que o ensino ocorreu da

forma como ocorreu, se os objetivos foram ou não alcançados e o que está por trás

das ações e dos comportamentos observados. Já a terceira fase – contestar – o

autor sugere seja realizada em grupo, com questionamento de idéias e de estruturas

que embasam a prática observada. A quarta fase – avaliar – refere-se à busca de

formas alternativas de ação. A quinta e última fase do processo – agir – significa

colocar em prática as novas idéias (BARTLETT, 1990).

Ambos os modelos, de Bartlett e Wallace, exigem uma pesquisa na qual o

pesquisador e os sujeitos se ajudam mutuamente com o objetivo de trocar

informações cruciais para o desenvolvimento do professor em serviço, pré-serviço e

do pesquisador.

O modelo de reflexão de Smyth (1987 apud BARTLETT, 1990), denominado

crítico, estaria voltado a uma compreensão das ações descritas em detalhes –

23

descrever – e explicadas à luz de teorias formais – informar – pelos agentes que

fazem uma avaliação dessas ações diante dos contextos particulares numa

perspectiva social, histórica e cultural – confrontar. A partir da avaliação de suas

ações, os sujeitos poderiam sugerir novos encaminhamentos – reconstruir – a serem

desenvolvidos em seus contextos de ação, levando em conta o valor ou o significado

dessas atividades para seus alunos.

Magalhães (2002, 2004), por sua vez, apresenta uma pesquisa cujo

arcabouço teórico tem como centro a discussão da dialogia bakhtiniana, da ação

comunicativa habermasiana e dos conceitos de ensino-aprendizagem e

desenvolvimento vygotskianos, que enfocam a linguagem como ação, prática

discursiva, porque é nas práticas sociais, e por meio delas, que o conhecimento é

construído. Define sessões reflexivas como um contexto no qual professores e

pesquisadores negociam a problematização das questões a serem discutidas, a

construção do conhecimento e os conhecimentos construídos durante as práticas

discursivas sobre a sala de aula. Propõe discutir a formação contínua com base em

um contexto de construção do conhecimento que permita aos participantes

constante investigação, reflexão e crítica das práticas discursivas da sala de aula e

de sua relação com contextos sociais amplos.

Nesse âmbito, a formação contínua deve fornecer contextos para a

formação de um profissional reflexivo e autônomo capaz de relacionar teoria e

prática, pesquisa e ensino. O professor deve conceber a si próprio como

pesquisador, conhecedor das teorias de ensino-aprendizagem, do contexto em que

atua e das necessidades de seus alunos, tomando decisões embasadas nesses

conhecimentos.

Imbuídos pelos resultados das pesquisas na área de formação de professor,

os pesquisadores da área de formação de professores de língua estrangeira têm

aderido ao movimento de formação reflexivo-crítica.

Esses pesquisadores (MAGALHÃES, 2002; LIBERALI, 2002; OLIVEIRA,

2006) acreditam que, nas sessões reflexivas, as práticas discursivas da sala de aula

são tematizadas, e o discurso em torno dessas práticas é problematizado,

entendendo aqui a problematização como o apontamento do que, de fato, ocorre na

sala de aula para que, juntos, professores e pesquisadores possam buscar novas

ações. Essas sessões procuram explicitar, problematizar e modificar as formas como

os professores compreendem suas práticas, seus alunos, a si mesmos e aos

24

colegas. Portanto, colaborar não significa apagar conflitos, mas explorá-los num

processo de diálogo, em que todos os participantes se tornem pesquisadores de sua

própria ação. Não é necessário que haja uma simetria de conhecimento, que eles

pensem do mesmo jeito, nem que tenham os mesmos valores.

Segundo os estudos apresentados por Magalhães (2002), Celani (2003) e

Papa (2005), entre outros, o professor de língua estrangeira deve ir além da reflexão

de suas ações, agindo de forma que transforme o contexto social em que está

inserido. Ele não pode entender sua atividade educacional como alijada das práticas

institucionais desiguais e de formas de consciência que denominam contextos fora

da escola: o modo como a produção, a distribuição e o consumo são reorganizados

e controlados. O professor deve saber a serviço de que interesse está, se está

contribuindo para a transformação ou para a manutenção de desigualdades e

preconceitos.

Cabe, portanto, ao professor refletir sobre sua prática docente e verificar se

o conteúdo trabalhado com seus alunos não é apenas a manutenção e a reprodução

das formas de poder e de desigualdades sociais existentes. Freitas (2002),

Magalhães (2002) e Cristovão (2002), também com base na teoria crítica, discutem

a formação do professor como profissional auto-reflexivo que se constitui na relação

com o outro, por meio da negociação, ora embasada na dialogia bakhtiniana e na

compreensão de ensino-aprendizagem de Vygotsky, ora no agir comunicativo de

Habermas2.

Os professores em formação continuada e universitária devem fazer uma

reflexão crítica de sua prática, porque ela permite identificar as áreas de ensino que

precisam de atenção e de desenvolvimento profissional. Assim, todo professor, ao

analisar sua prática pedagógica, será capaz de refletir e perceber os pontos

positivos e negativos e conseguir, portanto, uma alteração no que está sendo

encaminhado, buscando melhorar sua prática e, conseqüentemente, sua formação

profissional. É o que discute Bailey et al. (1998: 536), “a reflexão regular sobre as

suas próprias experiências de sala de aula possibilita aos professores identificar as

2 Segundo Habermas (1987 apud Cristóvão, 2002), o agir comunicativo é um tipo de mediação por meio de interações verbais e atividades que, além de constituir o psiquismo humano, é constitutivo do social, já que regula suas formas de organização e suas fomas de atividade.

25

áreas de sua prática que precisam de atenção e, assim, promover a sua formação

profissional contínua3”.

Outro aspecto importante para a formação contínua e reflexiva, segundo

Bailey et al. (1998), é a interação de um professor com outros nas conversas

colaborativas. A interação entre colegas facilita a reflexão, porque força os

professores a negociarem sentidos e, conseqüentemente, ampliarem e reformularem

as maneiras com que olham sua própria prática. A interação entre professores é

elemento crucial que possibilita a reflexão, pois, durante a interação, eles dão e

recebem opiniões sobre a prática pedagógica um do outro, o que contribui para

deixá-los mais conscientes do que estão fazendo e como estão fazendo.

No artigo, Language Teacher Educators Collaborative Conversations, Bailey

et al. (1998) relatam uma experiência de estudo de grupo realizada por 16

professores formadores, com o propósito de discutir suas crenças e práticas com

base nas conversas colaborativas e críticas. Esses educadores eram principalmente

professores de inglês como segunda língua, e alguns também trabalhavam como

professores de língua estrangeira ou com o ensino bilíngüe. Trabalhavam, em geral,

com alunos de mestrado, graduação ou doutorado e ministravam cursos de

metodologia, lingüística, aquisição de segunda língua e escrita. Todos faziam

pesquisa, particularmente de sala de aula. As discussões do grupo eram baseadas

em um texto escrito por um dos integrantes, enviado para todos que compunham o

grupo, alguns dias antes do encontro. As conversas dos encontros foram gravadas

em áudio, transcritas e editadas para que os participantes, envolvidos nas questões

em discussão, pudessem atribuir suas opiniões.

O artigo é o relato de seis dos formadores de professores e apresenta dois

objetivos: 1) identificar uma questão na formação de professores que seja

representativa no grupo e 2) partilhar um exemplo das discussões e o que elas

produzem. Estava assentado na discussão de um texto, escrito por Jerry Willett –

professor formador – à luz das respostas de um aluno-professor em formação – Tom

Nicoletti –, no tocante à questão da avaliação do próprio curso de formação de que

participava.

3 “Regular reflection on their classroom experiences allows teachers to identify areas in their teaching that they feel need attention and thus spurs their continuing professional development”. Todas as traduções apresentadas nesta pesquisa são de autoria da pesquisadora.

26

Os resultados assinalaram que a conversa colaborativa, tida como

estratégia para a formação de professores, ajudou os professores formadores a

perceber novos horizontes para além do território comum que costumavam vivenciar,

isto é, os lugares formais para a socialização de suas idéias: publicações e

participação em congressos.

De acordo com os autores, as conversas diferem das publicações e da

participação em congressos porque possibilitam a resposta imediata de um grupo

em torno de idéias, antes que sejam formadas e trabalhadas. A apresentação de

dilemas reais para os colegas permite ver os problemas por nova perspectiva. No

processo de discussão do problema apresentado pelo colega, os membros do grupo

imediatamente passam a discutir a questão de modo mais geral, para que todos

possam participar da discussão, limitando possíveis constrangimentos devido a sua

própria maneira de ver a situação. Percebe-se que os colegas do grupo já

enfrentaram problemas similares, e isso possibilita ganhar conhecimento assentado

na prática do outro.

As discussões possibilitam, portanto, trazer questões de sala de aula não

evidenciadas e partilhá-las com colegas que têm a mesma prática. A participação

em discussão também exige que, constantemente, os integrantes do grupo se

esforcem para compreender o objetivo da fala do outro, intentando fazer-se

compreendido. Além disso, o fato de os encontros se realizarem em ambiente

familiar propiciou a eles oportunidade para falarem de suas famílias e de outros

eventos associados ou não a questões profissionais.

No artigo, Teacher Study Groups: Persistent Questions in a Promising

Approach, Clair (1998: 465), professora formadora, em decorrência da reformulação

do sistema educacional americano para atender à demanda de imigração, constituiu

dois grupos de estudo de professor com o objetivo de “iluminar as complexidades de

trabalhar com professores de modo diferente, concernente à educação dos

aprendizes de língua inglesa.”4

Ela coletou os dados tendo como instrumento primário de pesquisa os

encontros com os professores, durante os quais, ela fez anotações de campo e os

professores escreveram diários. O objetivo dos diários dos alunos era refletir sobre

seu trabalho, sobre a educação dos aprendizes de língua inglesa e sobre os grupos

4 Illuminate the complexities of working with teachers in new ways.

27

de estudo como opção para o desenvolvimento profissional. De novembro a maio de

1994, os grupos de estudo realizaram encontros mensais de duas horas de duração.

Clair questiona a forma tradicional de formação do professor, focada na

realização de workshops e seminários, por considerá-la inadequada para orientar a

nova visão de sala de aula exigida pela reforma educacional americana, que

concebe um professor capaz de formatar seu próprio desenvolvimento profissional,

de ter responsabilidade por sua aprendizagem, de ter autonomia de pensamento e

experimentar suas próprias escolhas, porque o que ele faz tem impacto direto em

seu contexto diário de ensino.

Clair argumenta a favor da formação de grupo de estudo como alternativa

para o desenvolvimento profissional, uma vez que cria oportunidades para os

professores explorarem, juntos, questões e desafios que têm impacto direto na sua

vida e na vida de seus alunos. Ele serve como catalisador para acionar o poder

coletivo de professores quando questionam e resolvem problemas em grupo.

A análise de dados revelou cinco temas presentes nas discussões: tensões

sobre o conhecimento, alianças com as estruturas tradicionais de desenvolvimento

profissional, maneiras de trabalhar um com o outro, de compreender as

necessidades educacionais dos aprendizes de língua inglesa e a experiência da

autora como participante. Clair conclui afirmando que, apesar de os professores

terem pouco ou nenhum tempo para partilhar informações e idéias sobre ensino e

aprendizagem, a troca de informações pode ser o primeiro passo em direção a uma

colaboração significativa e à socialização de informação.

No Brasil, desde a reformulação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9.394,

de 1996, tem havido grande movimentação em torno da implementação de nova

reforma educacional, exigindo dos professores do ensino fundamental e médio

novos modos de pensar e de ensinar mediante os documentos PCNs (1998) e

OCEMs (2006). Na seção abaixo, são discutidas algumas questões referentes ao

repensar da prática de sala de aula e da formação do professor para confrontar os

desafios que os professores de língua estrangeira enfrentam ao tentarem incluir os

aprendizes de inglês na reforma.

28

2.4 O ensino de inglês e as exigências da reforma educacional no contexto da

escola pública brasileira

A LDB (1996), em seu art. 36, inciso III, sobre o currículo do Ensino Médio,

dispõe ser “incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória,

escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das

disponibilidades da instituição”. O que de fato vem ocorrendo nas escolas públicas

do Estado de Mato Grosso, nesta década, é a escolha de uma única língua

estrangeira, conforme o interesse de um pequeno grupo de professores que se

encontra nas unidades escolares. Dessa forma, é comum, em uma escola estadual,

haver a disciplina de língua inglesa e, em uma outra, a língua espanhola, ou, até

mesmo, em uma mesma escola, a língua inglesa no ensino fundamental e a língua

espanhola no ensino médio.

Além disso, a rede estadual de ensino adota um sistema de atribuição de

aulas conforme a matriz curricular de cada escola. Apesar de todas as escolas

serem estaduais, cada uma tem a autonomia de elaborar sua própria matriz

curricular para atender aos interesses de sua comunidade (Parecer CEB/CNE 03/98,

combinado com a Resolução nº 150/99-CEE/MT). Não existe uma mesma matriz em

duas escolas diferentes. Os componentes curriculares até podem ser os mesmos,

mas distribuídos com a carga horária semanal e em séries diferentes.

As matrizes curriculares são discutidas e reformuladas conforme a

necessidade da comunidade educativa, procurando equilibrar a distribuição da carga

horária das três áreas de conhecimento propostas pelas OCEMs: Linguagens

Códigos e suas Tecnologias, Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias

e Ciências Humanas e suas Tecnologias. A língua estrangeira moderna faz parte da

primeira área de conhecimento, ao lado da língua portuguesa e literatura, educação

física e arte.

Contudo, nesse grupo de disciplinas, arte e língua estrangeira moderna

ainda não adquiriram o status merecido. Continuam a receber tratamento de menor

importância pelos professores das outras disciplinas que, por serem em maior

número, conseguem impor sua decisão. O número de aulas de cada disciplina é

distribuído conforme o interesse do grupo mais forte, e é muito comum ouvirmos,

nas reuniões para elaboração da matriz curricular, comentários como: “Se diminuir a

aula de língua portuguesa, um professor vai sair da escola”; “Diminuir o número de

29

aula de educação física não pode, porque existe uma lei que ampara o número de

duas aulas semanais”; “Inglês está com duas aulas que não são necessárias, eles

não sabem nem português, quanto mais inglês!”. A partir de 2007, a maioria das

escolas estaduais passou a oferecer apenas uma aula de língua estrangeira

moderna, com duração de sessenta minutos.

Além da carga horária mínima que o professor de língua estrangeira dispõe,

vários outros fatores contribuem para a falta de credibilidade em relação ao ensino

de língua estrangeira: as salas numerosas, a necessidade de o professor trabalhar

em diferentes escolas para preencher a agenda de trabalho, jornada que não lhe

permite dedicar algumas horas ao estudo, a falta de material didático básico, a má

qualificação profissional, o currículo deficiente, a falta de motivação por parte dos

professores e dos alunos, o salário baixo etc.

Assim, hoje, no contexto da escola pública, infelizmente ainda vivenciamos

o ensino pautado pela leitura e pela tradução de textos e o ensino mecânico de

estruturas gramaticais, cujos resultados deixam a desejar. Essa metodologia expõe

ostensivamente a necessidade de atualização dos professores e do incentivo de

órgãos governamentais com vistas a criar e a oferecer condições para que o

professor possa estudar.

Muitos pesquisadores, como Félix (1999), Moita Lopes (2001), Freire e

Lessa (2003), Perin (2005), Gimenez (2005a), Basso (2005), Almeida Filho (2005),

Gasparini (2005), Santos (2005), Schmitz (2006), Ramos (2006), Coelho (2006),

Dias (2006), Dias e Assis-Peterson (2006), Assis-Peterson e Cox (2007), Cox e

Assis-Peterson (no prelo), têm discutido exuastivamente o problema do ensino de

inglês na escola pública e apresentado sugestões.

Embora os PCNs e as OCEMs, documentos que orientam a grande reforma

educacional brasileira, tenham se pautado pelas concepções de linguagem, de

ensino e aprendizagem mais recentes, perspectivas essas que abraçam a

heterogeneidade da linguagem, as especificidades locais situadas social e

historicamente não foram ainda incorporadas pelos professores das escolas

públicas. A meu ver, tais documentos só poderão ser incorporados à medida que

mecanismos de agenciamento possam ser encetados para que o professor possa

“aprender a aprender” esse novo modo de ensinar. Cursos de atualização

esporádicos já mostraram ser insuficientes. Torna-se cada vez mais evidente que os

professores de escola pública precisam buscar alternativas para entender as teorias

30

que embasam tais documentos oficiais – elaborados por professores da academia

que há muitos anos pesquisam sobre o assunto – para que possam efetivamente

relacioná-los com seu contexto de trabalho.

As OCEMs propõem o ensino de todas as habilidades comunicativas, “a

leitura, a comunicação oral e a prática escrita” de modo integrado (OCEMs,

2006:111). O objetivo do ensino de leitura, ancorado nas teorias sobre letramento,

deve vislumbrar um leitor que saiba ler o que está nas entrelinhas, um leitor que

entreveja os aspectos culturais que permeiam o uso da linguagem, uma vez que os

sentidos não estão prontos, mas são construídos com base no conhecimento de

cada indivíduo-leitor. Busca-se desenvolver uma leitura que promova a

transformação no pensar e no agir do aluno, de modo que ele assuma uma posição

diante do que lê e perceba que o texto é resultado de valores, ideologias, discursos

e visão de mundo. O trabalho de leitura prevê a formação de leitores independentes

e críticos, conforme diz o documento:

Além da compreensão geral, dos pontos principais e das informações detalhadas (fases da leitura amplamente divulgadas em orientações anteriores, como nos primeiros Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental), o exercício de leitura desse texto deve, segundo as teorias sobre letramento, desenvolver/voltar-se para a habilidade de construção de sentidos, inclusive a partir de informações que não constam no texto. Poderia, por exemplo, prever perguntas ou reflexões como: quais são os possíveis significados e leituras a serem construídos a partir desse texto? (OCEMs, 2006: 93)

Além da leitura, o ensino da comunicação oral tem destaque nas OCEMs,

sendo sugerido o uso do arcabouço teórico da abordagem comunicativa. Essa nova

habilidade vem ao encontro dos anseios dos alunos e de alguns professores da

escola pública que acreditam que a língua serve para estabelecer a comunicação

oral e escrita entre os povos. Vejamos o documento abaixo:

Seguindo uma linha do ensino comunicativo, tendo a preocupação de preparar os alunos para a comunicação em Línguas Estrangeiras em contextos significativos, achamos que se deva ter um inventário desses, pois pode haver mudanças segundo necessidades/relevâncias regionais. No entanto, sugerimos que seja seguido um raciocínio como o que parte de contextos de uso graduados em termos de sua complexidade de interação. Por exemplo, podem-se contemplar desde contextos simples, como a troca de informações e apresentações pessoais, até contextos mais complexos, como aqueles necessários para oferecer ajuda e/ou orientações a turistas nas regiões do país onde tal situação é relativamente comum. (OCEMs, 2006: 120)

31

Entretanto, para que o ensino da comunicação oral seja eficiente, é

necessário que os professores tenham domínio lingüístico-comunicativo. O

documento também apresenta essa preocupação:

Concordo que todas essas competências são importantes. No entanto, não podemos desconhecer que sem a competência lingüístico-comunicativa o professor fica sem seu principal instrumento de trabalho, pois é essa competência que ele tem a expectativa de adquirir para depois desenvolver em seus alunos e é essa mesma competência que os alunos esperam atingir. PAIVA (2005 apud OCEMs, 2006)

Além disso, a prática de escrita segue também o arcabouço teórico de

letramento, pautada na inclusão social, que prevê trabalhar a linguagem

desenvolvendo os modos culturais de ver, descrever, explicar. Assim, a escrita é

“uma série de práticas socioculturais” (OCEMs, 2006: 100) e está relacionada com a

atividade de leitura e com a comunicação oral, segundo as Orientações

Curriculares:

Seria mais semelhante a uma prática escrita conforme a concepção já apresentada de letramento, ou seja, de usos contextualizados da língua, que desenvolve escrever e responder mensagens e corresponder-se com outras pessoas pela Internet. Por exemplo, uma escrita que representa, muitas vezes, uma “conversa escrita”. O advento da computação e da Internet demonstra ter uma grande influência na expansão da atividade escrita. (OCEMs, 2006: 121)

Portanto, o documento, ao exigir nova maneira de conceber, de pensar, de

significar a linguagem, balizado por novos conhecimentos teóricos sobre letramento,

multiletramento, hipertexto e abordagem comunicativa, aponta para a necessidade

de pensar novos meios de envolver de forma conseqüente os professores na

reforma educacional. No entanto, como conciliar o que os documentos oficiais

propõem com as condições alarmantes de trabalho dos professores de escola

pública? Problemas reconhecidos, como grade horária insuficiente, professores de

outras disciplinas ministrando aulas de inglês, ausência de tempo e de material de

estudo para o professor se atualizar, devem sair das coxias e tomar o centro do

palco, com a criação de um plano estratégico de duração de cinco anos, por

exemplo, para que a reforma educacional possa de fato ocorrer.

Neste estudo, pretende-se investigar, mediante conversas colaborativas

entre duas professoras de inglês e uma pesquisadora iniciante, como as duas

32

professoras, com base em leitura prévia de textos, refletem acerca dos problemas

que as afligem em seu cotidiano e como expressam seus desejos em busca de um

ensino mais eficaz e conseqüente de língua inglesa nos níveis fundamental e médio.

No próximo capítulo, descrevo a natureza da pesquisa colaborativa e o

caminho trilhado com o objetivo de explicitar todas as etapas que orientaram o

estudo.

33

CAPÍTULO 3

O CAMINHO TRILHADO

Neste capítulo, dividido em duas seções, empreendo um passeio teórico

sobre a pesquisa colaborativa e defino o que são conversas colaborativas. Em

seguida, exponho o cenário, as participantes da pesquisa, os motivos que me

fizeram escolher duas das dez conversas colaborativas gravadas para a análise,

como e quando as conversas foram realizadas e os procedimentos utilizados para

analisar os tópicos emergentes dessas conversas.

3.1 A natureza da pesquisa colaborativa

A pesquisa colaborativa tem sido utilizada por vários pesquisadores, tais

como Bailey (2001), Liberali (2002), Gimenez (2002), Magalhães (2002), Vieira-

Abrahão (2002), Kfouri-Kaneoya (2004), Horikawa (2004) e Pessoa (2005), na área

de formação de professor de língua estrangeira.

O uso do termo colaboração (Zeichner 1993 apud PIMENTA, 2005), inserido

em alguns estudos, ocorre porque é um tipo de pesquisa em que sempre tem

alguém colaborando com o outro. Geralmente há um docente universitário ajudando

outros docentes das escolas a transformar sua prática institucional e suas ações em

sala de aula.

Nesta pesquisa, foi adotado o modelo da pesquisa colaborativa apresentado

por Pimenta (2005), que o denominou como pesquisa-ação crítico-colaborativa.

Nesse modelo, os sujeitos da pesquisa se reúnem com o objetivo de discutir sobre o

papel do professor, refletindo sobre ele e sobre sua prática em sala de aula, a fim de

partilhar conhecimento e a propor mudanças.

Esse modelo está ancorado na teoria crítica, que concebe a linguagem

como prática social imbricada de ideologia e poder. O papel do pesquisador é

colaborar com os outros, ajudá-los a se situar em um contexto teórico mais amplo e,

assim, possibilitar a ampliação da consciência dos envolvidos, com o objetivo de

planejar as formas de transformação das ações dos sujeitos e das práticas

institucionais.

34

Para Kincheloe (1997 apud PIMENTA, 2005: 15), “a pesquisa colaborativa

crítica não pretende apenas compreender ou descrever o mundo da prática, mas

transformá-lo; [...] é sempre concebida em relação à prática – ela existe para

melhorar a prática”. Os pesquisadores críticos tentam descobrir os aspectos da

ordem social que dominam as práticas sociais com objetivos emancipatórios.

Assim, a pesquisa colaborativa crítica apresenta uma metodologia que

ajuda os professores a reconfigurarem sua prática docente, alicerçada na percepção

dos pontos fracos do ensino que precisam melhorar, inserindo os aspectos sociais e

políticos que travam o desenvolvimento de alunos e professores como agentes

reflexivos e críticos.

Alinho-me à pesquisa colaborativa reflexivo-crítica porque acredito que a

colaboração, a reflexão e uma concepção crítica são instrumentos cruciais para o

desenvolvimento de professores em serviço e pré-serviço. Não adianta propor um

trabalho colaborativo sem a reflexão de “como estou fazendo e que mudanças eu

proponho”. Acredito, assim, que a concepção crítica na formação de professor é um

dos poucos meios que temos para propor, confrontando discursos que possibilitem a

emancipação e a transformação dos sujeitos em um contexto macro-social

dominado por relações de poder e lutas hegemônicas. Para isso, no entanto, é

preciso que os professores tenham tempo e espaço para se atualizar em relação às

novas concepções de linguagem, ensino e aprendizagem, avaliar, questionar e

contextualizar sua prática dentro do contexto das novas idéias propostas pela

reforma.

Uma das formas de criar, na escola, espaço para estudo é a formação de

grupo de estudos com o objetivo de promover conversas colaborativas.

Entendemos conversas colaborativas como momento reflexivo em que professores

podem partilhar suas ansiedades, suas experiências, suas crenças e conhecimentos

de prática mediante a leitura prévia de um texto relacionado com tópicos

educacionais, questões políticas, sociais e metodológicas concernentes ao ensino e

aprendizagem, bem como com as condições de trabalho nas escolas. É um

momento em que os participantes do grupo de estudos se ajudam mutuamente na

construção de sentidos mediante intensa (re)negociação para avaliar e reconfigurar

a compreensão acerca de suas teorias e práticas.

Conforme Oliveira (2006: 66), sessões colaborativas entre professor e

pesquisador constituem “espaço interacional dedicado ao debate colaborativo e

35

teoricamente informado de temas relevantes para a formação docente e para o

cotidiano escolar”. Da mesma forma, entendo que as conversas colaborativas são

encontros importantes porque nelas são realizadas conversas que permitem o

engajamento dos participantes da pesquisa na interação. Para que a interação se

concretize, é necessário o uso da linguagem que, segundo Bakhtin (2004), é uma

criação coletiva que tem a palavra como material essencial. A palavra se revela

como o local onde se confrontam valores sociais contraditórios, de forma que os

conflitos da língua refletem os conflitos de classe no próprio interior do sistema

social. A palavra está presente em todos os atos de compreensão e de interpretação

e será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais. Assim,

acreditamos que, nessas conversas, a palavra não é só uma palavra, mas o

conhecimento, a experiência, a angústia, a vontade de mudar e de partilhar. As

conversas colaborativas, portanto, permitem explicitar nossa vivência pessoal e

profissional, cheia de valores e crenças adquiridas ao longo de muitos anos de

prática.

Na pesquisa colaborativa, há a necessidade de cada um ter sua voz, e essa

voz contribuir com a voz do outro para um trabalho em conjunto, como diz Damon e

Phelps (1988 apud Bailey, 2001: 261): “A aprendizagem colaborativa está

organizada em torno dos aprendizes trabalhando juntos em situação de interação

face-a-face”5.

3.2 A composição do cenário

3.2.1 O cenário

A presente pesquisa foi realizada com duas professoras de inglês da Escola

Estadual Neves6, situada no centro de Cuiabá. Tal escolha se deveu ao fato de as

duas professoras estarem envolvidas na implementação de um projeto “Re-

significando a aprendizagem de língua estrangeira: um projeto de ensino das quatro

habilidades comunicativas”, criado e implantado na escola em 2000.

O projeto nasceu da inquietação de um grupo de professores que se viram

compelidos a propor uma mudança na abordagem de ensinar a língua estrangeira,

até então voltada para o estudo da gramática, sem se preocupar com o nível de

5.Collaborative learning is organized around learners working together through face-to-face interaction. 6.O nome da escola é fictício.

36

proficiência do aluno, com a progressão de conteúdo, sem afinidade com os

postulados dos novos PCNs.

Os professores se uniram para propor um ensino voltado para o

desenvolvimento das quatro habilidades comunicativas no ensino médio.

Preocuparam-se em criar duas salas adequadas ao ensino de língua inglesa para

que os alunos pudessem freqüentar, uma vez por semana, aulas de duas horas de

duração. Os alunos do horário vespertino assistem às aulas no horário matutino e

vice-versa. A escola oferece duas línguas, inglês ou espanhol, cuja escolha fica a

critério dos alunos. Assim que eles se matriculam na disciplina, são submetidos a um

teste de nivelamento e, conforme o desempenho, define-se a classe a que

pertencem. São oferecidas classes de nível 1, nível 2 e nível 3 e, a cada semestre,

os alunos são reagrupados por seu desempenho no processo de aprendizagem.

A sala de língua estrangeira é bem organizada e decorada com vários

quadros e figuras com textos em língua estrangeira e figuras. Há também avisos em

inglês, a exemplo deste: “Don’t use a mobile in the classroom”. Além disso, a sala

,climatizada, está equipada com um aparelho de som e um retroprojetor. Há

armários embutidos, onde os professores guardam o material que usam para as

aulas, como revistas, livros, fotocópias.

É interessante notar que a sala contém material que não está, na maioria

das vezes, presente em outras salas de língua inglesa. Todos esses recursos, nesse

ambiente de ensino e aprendizagem de língua estrangeira, propiciam o uso de

metodologias diversificadas, atendendo à necessidade de uma valorização e uma

prática de ensino que seja comprometida com o uso da língua.

3.2.2 As participantes

A decisão de ingressar no grupo de estudo com as duas professoras dessa

escola se assentou em meu desejo de conhecer a estrutura funcional do projeto

para tentar introduzi-lo na escola estadual em que trabalho. Tomei conhecimento do

projeto em um dos encontros da Associação de Professores de Língua Inglesa do

Estado de Mato Grosso (APLIEMT), durante o ano de 2005. Perguntei-lhes se eu

poderia participar desses encontros, pois já havia lido os artigos de Bailey et al.

(1998) e de Clair (1998) sobre a importância do estudo de grupo para formação de

professores. De imediato, elas aceitaram. Contudo, foi somente em agosto de 2006

37

que me juntei a elas para participar do grupo de estudo e, simultaneamente,

desenvolver esta pesquisa. Antes, por estar trabalhando e fazendo três disciplinas

no mestrado, não dispunha de tempo.

Em relação às participantes, as duas professoras e esta pesquisadora são

formadas em Letras (inglês-português) e especialistas em Lingüística Aplicada pela

Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT.

Uma das professoras, Fernanda7 , de longa data trabalha com língua inglesa

em escolas particulares e em cursos livres de idiomas, mas, na escola pública, está

há seis anos, diz-se muito satisfeita em atuar na rede pública de ensino, mostra-se

realista, faz aquilo que é possível e em que acredita. Acha que o ensino de inglês na

escola pública deve ir além do ensino de língua, ou seja, deve fazer as crianças

acreditarem que podem sonhar e criarem expectativas de um futuro melhor. Acredita

que a língua inglesa, hoje, não pertence a ninguém, está em todo lugar e procura

mostrar isso a seus alunos.

A professora Lúcia – a segunda participante – já trabalhou em várias

escolas particulares com língua portuguesa e inglesa. Atualmente só trabalha com

língua inglesa na Escola Estadual Neves. Ela mora em um bairro bem distante da

escola, mas não pede remoção para seu bairro porque gosta de trabalhar com o

projeto. Sonha que, um dia, os alunos falarão inglês, diz fazer o possível para que

eles tenham competência comunicativa oral para utilizar em pequenas interações,

quando necessário. Diz gostar de trabalhar na escola pública em razão da

autonomia que possui quanto ao conteúdo. Mostra-se bem envolvida nos trabalhos

em grupo e é preocupada com a eficiência de sua prática pedagógica.

A terceira participante é esta pesquisadora, professora da rede pública do

Estado de Mato Grosso desde maio de 1986. Já trabalhei em cursos livres de

idiomas de 1991 a 2003, quando participei de vários cursos de metodologia do

ensino de língua estrangeira. Atualmente sou professora da rede particular e pública

de ensino, ministrando aulas de língua inglesa para o ensino médio. Gosto de atuar

na rede pública pela liberdade de poder escolher a abordagem de ensino e o

conteúdo, porém sinto falta da formação de uma equipe que queira desenvolver um

projeto para a rede pública que preze o ensino para o uso da língua estrangeira.

7 O nome das participantes da pesquisa é fictício.

38

3.2.4 A escolha dos textos

Os textos estudados durante a realização da pesquisa foram escolhidos

pelas duas professoras, alicerçados nos textos que lhes apresentei. Em relação aos

tópicos, Fernanda sugeriu textos sobre a formação, pautada pela teoria crítica e pelo

ensino de inglês na escola pública. Lúcia, por sua vez, mostrou interesse sobre a

prática de sala de aula e como desenvolver atividades significativas, dado que o

projeto da escola exigia o conhecimento da Abordagem Comunicativa.

Assim, para não interferir diretamente na escolha dos textos, sugeri dividi-

los em dois grupos, de acordo com dois tópicos: “textos sobre o ensino de língua

estrangeira na escola pública” e “estudo de textos sobre metodologia do ensino de

língua inglesa”, apresentados no QUADRO 1.

QUADRO 1: Textos selecionados para as conversas colaborativas N° de encontros

Textos Estudados

1 (PERIN, 2005) – Ensino-aprendizagem de língua inglesa em escolas públicas: o real e o ideal.

2 (FONTANA e LIMA, 2003) – A negociação de sentido e a interação na aquisição de LE.

3 (RAJAGOPALAN, 2003) – A identidade lingüística em um mundo globalizado.

4 (UR, 1999) – Module 2: The function of practice & characteristics of a good practice activity. p. 19-23.

5 (UR, 1999) – Module 2: Practice technique & sequence and progression in practice. p. 24-31.

6 (GOWER e WALTERS, 1994) – Chapter 6: Presenting and practicing language, p.126-130.

7 (GOWER e WALTERS, 1994) – Chapter 6: Presenting and practicing language, p.131-136.

8 (GOWER e WALTERS, 1994) – Chapter 6: Presenting and practicing language, p.137-141.

9 (CARDOSO, 2003) – The communicative approach to foreign language teaching: a short introduction – managing theory and practice in the classroom – for teacher’s development.

No total, realizamos nove encontros, durante os quais estudamos e

discutimos nove textos, sendo três pautados pelo ensino crítico de língua estrangeira

(textos 1, 2 e 3) e seis que apresentavam as concepções teóricas de metodologia do

ensino de língua estrangeira (textos 4, 5, 6, 7, 8 e 9).

39

Desse universo de nove textos, escolhi as conversas colaborativas de um

texto de cada um dos grupos para a realização da análise (texto 1: Perin (2005)

“Ensino aprendizagem de língua inglesa em escolas públicas: o real e o ideal” e o

texto 4: Ur (1999: 19-23) “Practice activities: The function of practice”. Os dois textos

escolhidos para a análise foram aqueles que fomentaram alto grau de discussão

entre as professoras. O texto de Perin evidenciou que o cenário e os problemas da

escola pública do Estado do Paraná são bastante semelhantes aos de Mato Grosso.

O texto de Ur produziu reflexão acirrada acerca da comparação ensejada pelo

modelo proposto por Ur para a prática pedagógica, confrontando com a prática das

professoras. Além disso, a seleção do corpus para a ADC não depende da

quantidade de informação, mas de uma amostra pequena.

3.2.4 A realização das conversas colaborativas

Os encontros foram realizados semanalmente. O primeiro aconteceu no dia

21 de agosto de 2006 com o objetivo não só de conhecer uma das professoras,

porque a outra já era conhecida do meio acadêmico, mas também de definir os

próximos encontros. Primeiramente, expliquei meu interesse pela pesquisa:

conhecer como estava ocorrendo a execução do projeto “Re-significando a

aprendizagem de língua estrangeira: um projeto de ensino das quatro habilidades

comunicativas” e organizar um grupo de estudo na escola, para que eu pudesse

também, ancorada nessa experiência, registrar dados que me auxiliassem na

dissertação de mestrado que realizava. Uma cópia do projeto da pesquisa foi

entregue às duas professoras para que elas conhecessem os procedimentos da

pesquisa e os motivos que me levaram a desenvolvê-la com a sua colaboração.

Em seguida, conversamos sobre o grupo de estudo e discutimos acerca das

temáticas que eram de nosso interesse para estabelecermos objetivos comuns em

nosso trabalho. Após muita discussão, decidimos estudar textos que abordassem o

ensino e a aprendizagem de língua estrangeira na escola pública e combinamos que

poderíamos mudar a temática do texto conforme a necessidade do grupo. Uma das

professoras sugeriu que poderíamos, em vez de gravarmos em áudio, “escrever um

relatório” (fala da professora) apresentando nossas ansiedades e angústias à luz do

referencial teórico dos textos estudados, sugestão aceita por todas. Em encontro

posterior, expliquei novamente a importância do registro de nossas conversas e da

40

dificuldade que teria, em razão da escassez de tempo, para transcrever o texto

imediatamente após as conversas. Fernanda sugeriu que gravássemos e que

escrevêssemos um diário após os encontros, mas sem que isso fosse obrigatório, e

assim fizemos. Apenas quatro diários foram elaborados por professora. Não os

utilizei como dados primários, mas como suporte para esclarecer pontos pertinentes

à análise das conversas colaborativas.

Os nove encontros, com duração de uma hora e meia a duas horas, eram

geralmente realizados na escola em que as duas atuavam, a partir das 18 horas,

quando dispunham de tempo.

3.2.5 Os procedimentos de análise

A Análise de Discurso Crítica (ADC), cujo objeto de estudo é a linguagem

oral e escrita para o estudo da língua em uso, foi a base para analisar os dados

orais coletados durante as conversas colaborativas. O principal foco foi a análise do

discurso inferido das falas das três professoras envolvidas.

O Modelo Tridimensional apresentado por Fairclough (1992) propõe uma

análise de texto a partir da definição de discurso, entendido como prática social8

historicamente situada. Fairclough (1992) apresenta três dimensões de análise no

Modelo Tridimensional: a textual, a prática discursiva e a prática social.

A primeira dimensão, a textual, compreende o estudo das partes formais do

texto, como vocabulário, gramática, coesão e estrutura textual, sem desvincular

forma e conteúdo. A segunda dimensão, a prática discursiva, enfeixa o processo de

produção, distribuição e consumo dos textos. O texto é visto como produto do

processo de produção e interpretação mediado pela interação, que sofre influência

de um contexto social macro. Dessa forma, analiso o contexto, a coerência e a

intertextualidade. A última dimensão se refere à prática social, compreendida como

condições sociais de produção e de interpretação do discurso, influenciadas pela

ideologia – sentidos, pressuposições, metáforas – e pela hegemonia – orientações

econômicas, políticas, culturais, ideológicas –, que moldam e constituem o discurso

8 Práticas sociais são compreendidas como “maneiras habituais, em tempos e espaços particulares, pelas quais pessoas aplicam recursos – materiais ou simbólicos – para agirem juntas no mundo”. (RESENDE e RAMALHO 2006 apud CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1992: 21)

41

e as identidades numa relação dialética. Portanto, todo texto é resultado de uma

prática discursiva e de uma prática social.

A ADC propõe um modelo de análise que leva em consideração os

aspectos sociais amplos que influenciam as diversas práticas sociais. Assim,

Resende e Ramalho (2006) afirmam que o objetivo da ADC é refletir sobre a

mudança social contemporânea, sobre mudanças globais de larga escala e sobre a

possibilidade de prática emancipatória em estruturas cristalizadas na vida social.

Desse modo, este trabalho procura propor uma análise que abranja as três

categorias do modelo tridimensional (FIGURA 1): a prática social, a prática

discursiva e o texto. Da prática social, analiso a intertextualidade; da prática

discursiva, a interdiscursividade; do texto, a modalidade para compreender as vozes

que ecoam no dia-a-dia do contexto escolar.

A FIGURA 1 resume o modelo Tridimensional de Fairclough (1992), no qual

me baseei para a análise do corpus deste estudo.

A intertextualidade (FAIRCLOUGH, 2003) é a constituição de um texto por

elementos de outros textos, como os textos podem transformar textos anteriores e

reestruturar as convenções existentes (gêneros, discursos) para gerar outros textos.

Questão importante para o estudo da intertextualidade em um texto é a verificação

de quais vozes são incluídas e quais são excluídas, que ausência significativa pode

ser observada e que presença é interessante examinar em relação às vozes

42

articuladas, se são harmônicas, de cooperação, ou se são de tensão, entre o texto

que relata e o texto relatado.

A interdiscursividade representa os vários discursos que permeiam uma

interação. Segundo Fairclough (2003), diferentes discursos são diferentes

perspectivas do mundo, associadas a diferentes relações que as pessoas

estabelecem com o mundo e que dependem de suas posições no mundo e das

relações que estabelecem com outras pessoas. Assim, em relações sociais, os

discursos podem complementar-se ou pode competir um com o outro.

A modalidade, para Fairclough (2003), é um ponto de intersecção no

discurso, entre a significação da realidade e a representação das relações. Pode ser

vista como a questão de quanto as pessoas se comprometem quando fazem

afirmações, perguntas, demandas ou ofertas. Afirmações e perguntas aludem à

troca de conhecimento, modalidade epistêmica, que revela o comprometimento com

a “verdade”. As demandas e as ofertas referem-se à troca de atividade, modalidade

deôntica, que revela o comprometimento com a obrigatoriedade/necessidade.

Fairclough apresenta, também, o conceito de modalidade categórica para incluir os

pólos positivo e negativo, além de acrescentar uma reflexão acerca das distinções

dos tempos verbais, como as distinções entre pode/poderia e deve/ deveria, que

coincidem com a distinção entre hipotético e não hipotético. Fairclough acrescenta

outra distinção entre modalidade objetiva e subjetiva. Na modalidade objetiva, o

julgamento do falante está implícito, pode não estar claro qual ponto de vista é

representado, se “o falante projeta seu ponto de vista como universal ou age como

veículo para o ponto de vista de um outro indivíduo ou grupo” (FAIRCLOUGH, 2001:

20). Na modalidade subjetiva, o grau de afinidade do próprio falante com a

proposição está expresso.

A análise da modalidade nas conversas colaborativas permitirá que seja

desvelado quanto as professoras se comprometem quando fazem afirmações,

perguntas, demandas e ofertas para com suas proposições, revelando, assim, seu

compromisso com a escola pública. O grau de afinidade que elas têm para com suas

proposições, revelando-se ora como professoras da escola pública, ora como

veículos mantenedores do ponto de vista de outras pessoas, reforçam assim a

relação de poder e a força hegemônica que procura naturalizar as práticas

discursivas. Desse modo, Hodge e Kress (1988: 123 apud FAIRCLOUGH, 2001:

43

199) asseveram que, em qualquer enunciado proposicional, o produtor deve indicar

um grau de afinidade e de comprometimento com a proposição.

A seguir, apresento um quadro com o resumo das modalidades analisadas

neste trabalho com seus respectivos exemplos.

QUADRO 2 – Tipos de modalidades de discurso e exemplos correspondentes Modalidade categórica

Não hipotética – expressa alto grau de comprometimento.

Excerto 3 P1: Aqui, nessa escola, pelo número, por causa do que ela é em termos de tamanho [...].

Hipotética – expressa baixo grau de comprometimento.

Excerto 4 (linhas 5 e 6) P2: Ela já veio com a idéia e com a autoridade sendo que poderia ser feita uma outra interpretação da lei [...].

Modalidade subjetiva

Expressa o grau de afinidade do próprio falante com a proposição.

Excerto 16 (linha 23) P3: eu acho que o conhecimento de inglês é muito importante, [...].

Modalidade objetiva

Não expressa o grau de afinidade do falante com a proposição. Assim, o falante pode estar agindo como um veículo para o ponto de vista de um outro indivíduo ou grupo.

Excerto 11 (linha 15) P3: [...] ele [o aluno] sabe que é bom.

Modalidade deôntica

As demandas e as ofertas se referem à troca de bens, ao comprometimento com a obrigatoriedade/necessidade.

Excerto 1 (linhas 12 e 13) P1: Entendeu? Ele [o aluno] não percebe que ele tem que ter autonomia.

Modalidade epistêmica

As afirmações e as perguntas se referem à troca de conhecimento, comprometimento com a “verdade”.

Excerto 21 (linhas 6 e 7) [...] práticas de vocabulário que também podem ser validadas.

Essas relações da linguagem são realizadas por meio do discurso, repleto

de valores e crenças. Assim, buscamos as orientações da ADC porque Fairclough

(1992) compreende discurso como a linguagem em uso e, conforme Resende e

Ramalho (2006: 11), a ADC é:

Uma abordagem teórico-metodológica para o estudo da linguagem aberto ao tratamento de diversas práticas na vida social, capaz de mapear relações entre os recursos lingüísticos utilizados por atores sociais e grupos de atores sociais em que a interação discursiva se insere.

A ADC percebe o discurso como o momento em que várias vozes se

entrecruzam. A linguagem é concebida como espaço de luta hegemônica, uma vez

que viabiliza a análise de contradições sociais e lutas pelo poder que levam o sujeito

a selecionar determinadas estruturas lingüísticas ou determinadas vozes (RESENDE

e RAMALHO, 2006: 18). Desse modo, o poder e a ideologia podem contribuir na

definição das condições psicológicas que determinam o que dizer e como dizer.

44

Fairclough (1997 e 2001 apud RESENDE e RAMALHO, 2006: 49)

caracteriza hegemonia como o “domínio exercido pelo poder de um grupo sobre os

demais, baseado mais no consenso que no uso da força”. Durante as interações

verbais, hegemonias são produzidas, reproduzidas, contestadas e transformadas.

Dessa forma, os indivíduos inseridos em práticas sociais e discursivas são

responsáveis pela manutenção e pela transformação das estruturas sociais. Elas

consideram ser a ideologia, por natureza, hegemônica, no sentido de que “ela

necessariamente serve para estabelecer e sustentar relações de dominação e, por

isso, serve para reproduzir a ordem social que fornece indivíduos e grupos

dominantes”.

Em consonância com a ADC, Pennycook (1994) apresenta um estudo sobre

a representação política dos pronomes no discurso. Os pronomes não se revestem

de papel passivo de apenas substituir o nome, eles sempre implicam relação de

poder. Muitas vezes, utilizamos he (ele) porque há um discurso político presente na

sociedade disponível para os homens que os autoriza a usar o pronome he (ele)

para representá-los como pessoas e humanidade9 . O pronome we (nós) é sempre

um pronome que retrata inclusão e solidariedade10 . Ele autoriza a falar em nome de

outras pessoas quando se está representando um grupo social11 e também confere

diferença de poder entre determinados falantes12. Já os pronomes you (você) e they

(eles) indicam exclusão. O pronome they (eles) é uma máscara, pois camufla a

autoridade, a opinião de alguém. Essa máscara se estende ao uso dos pronomes it

(ela ou ela) e one (alguém, um). O pronome I (eu), embora seja o mais inocente,

empregado muitas vezes como auto-referencial, apresenta diferentes posições em

diferentes discursos. O eu que conversa com um filho não é o mesmo eu que

ministra uma aula. O pronome eu pode, também, operar como metade de uma

construção do outro: ele pode ficar em oposição a qualquer você ou eles13.

Para Pennycook, nós não usamos o pronome we (nós) para nos referirmos

aos grupos de excluídos, como homossexuais, classe média, etc. Nesse caso, ele

9 Neste caso, o uso do he não é apenas para esconder o gênero. 10 We humans, referindo-se a todos os humanos (PENNYCOOK, 1994: 175). 11 “What we need”, referindo-se a um grupo de professores (PENNYCOOK, 1994: 176). 12 O médico para o paciente. “Como nós estamos nos sentido hoje?” (PENNYCOOK, 1994: 176). 13 “I can also operate as one half of a construction of the other: it can stand in opposition to any you or they“ (PENNYCOOK, 1994: 177).

45

diz que usamos they no sentido de other (outro) e nunca we (nós)14. A escolha do

pronome que utilizamos no discurso depende do significado interpessoal que

desejamos expressar. No entanto, Papa (2005) ressalta que, quando usamos we

(nós), podemos expressar inclusividade (falante + destinatário + outros) ou

exclusividade (falantes + outros). Nesta pesquisa, o pronome nós pode revelar as

atitudes dos sujeitos apresentando sua inclusividade ou exclusividade. Assim, a

teoria da ADC e o estudo de pronomes de Pennycook ajudaram-me a compreender

o discurso das falantes durante as conversas colaborativas.

O próximo capítulo é dedicado à análise e à discussão das vozes em

movimento.

14 Neste caso, os americanos falando: “nós não temos pobreza como o Terceiro Mundo” (PENNYCOOK, 1994: 176).

46

CAPÍTULO 4

VOZES EM MOVIMENTO

O objetivo deste capítulo é desfilar a análise das conversas colaborativas

estabelecidas em torno de dois textos lidos previamente pelas professoras

participantes da pesquisa. Na primeira seção, a partir da descrição dos tópicos e

sub-tópicos do Texto 1 (PERIN, 2005) escolhido, analiso os tipos de modalidade

discursiva que determinam o posicionamento das professoras. Na segunda, valho-

me dos mesmos procedimentos para vincar a análise do Texto 4 (UR, 1999).

4.2 Duas professoras vs. outros: vozes em desarmonia

O texto de PERIN (2005) evidencia os resultados de uma pesquisa de

mestrado sobre os problemas que os professores de língua inglesa do Estado de

Paraná enfrentam em seu dia-a-dia. Reclamam do desinteresse e desprezo dos

alunos em relação a essa disciplina. Os alunos não crêem na possibilidade de

aprender inglês na escola pública e passam a menosprezar o professor e as

atividades dadas nas aulas, pois percebem que o professor não tem um programa

global, contínuo e progressivo e, portanto, não exigem dos alunos os conteúdos.

Como a escola não pode interferir na contratação de professores, não se sente

responsável pela má atuação de alguns deles Um outro problema enfrentado é a

rotatividade dos professores que decepa o desenvolvimento de um programa

contínuo.

As professoras Lúcia e Fernanda, de imediato, identificaram-se com os

tópicos descritos pelos professores e alunos do Estado de Paraná. Três tópicos

centrais permearam as conversas colaborativas: “a importância de uma formação

crítica por parte do professor”, “os problemas do ensino de língua inglesa na escola

pública” e “o perfil do professor de escola pública e a formação continuada”.

Em seu texto, Perin (2005: 145), mencionando Kosumen (1994), afirma que

“os professores muitas vezes entendem novas diretrizes curriculares como uma

série de instruções ou uma estrutura na qual, as autoridades os obrigam a planejar o

ensino, (...)”. Esse trecho levou Lúcia e Fernanda a entabular conversas

47

colaborativas em torno da necessidade de uma formação crítica para que o

professor possa refletir sobre documentos oficiais como os PCNs e o Projeto Político

Pedagógico (PPP) e relacionando-os com a realidade em que atua.

Tópico 1 - A importância de uma formação crítica por parte do professor

As professoras questionam a imposição de leis que vêm de cima para

baixo e lastimam que muitos professores as seguem sem sequer fazer uma análise

crítica da situação:

Excerto 115 (1) F16: [...] Aí, o que eu grifei vem logo depois da referência ao Kosumen (2) (1994) “os professores muitas vezes entendem novas Diretrizes (3) Curriculares como uma série de instruções ou uma estrutura na qual, as (4) autoridades os obrigam a planejar o ensino, o que os leva a se (5) estabelecer no sistema curricular”. (6) V: Por que você grifou isso? (7) F: Eu coloquei isso porque eu vejo muita coisa assim, da pessoa achar (8) assim que está escrito e é isso, que tem que cumprir, assim. (9) L: Parâmetros Curriculares Nacionais. (10) F: Entendeu? Ele não percebe que ele tem que ter autonomia para (11) aquela situação. (12) L: Para perceber o que é necessário para aquela situação. (13) F: Não é porque alguém escreveu uma lei que você tem que cumprir. (14) E o professor, não se sente, é... Assim como uma autoridade de (15) poder mudar. Não, está aqui, tem que fazer assim...

(Grupo de Estudos, em 28/08/2006).

Fernanda, ao dizer “eu coloquei isso porque eu vejo muita coisa assim, da

pessoa achar assim que está escrito e é isso, que tem que cumprir, assim” (linhas 7

e 8), assegura, em consonância com Kosumem (1994), que os professores

entendem os documentos oficiais como normas que devem ser seguidas, mas, nem

sempre o que é determinado pelos órgãos superiores é o ideal para aquele contexto

de ensino e aprendizagem. Para ela, o professor tem dificuldade em refletir de forma

mais crítica sobre o contexto social mais amplo, pois não consegue perceber que

esses documentos são sugestões que podem ajudar a definir o que ensinar e como

ensinar a língua. Ela usa a modalidade deôntica, o verbo “ter que”, no presente do

indicativo, seguido dos verbos “cumprir”, “fazer” e “ter”, para indicar que o professor

pensa ter a obrigatoriedade de cumprir o que determinam tais documentos oficiais.

15 As transcrições foram adequadas à norma padrão sem alterar o sentido das proposições. 16 Utilizo F para Fernanda, L para Lúcia e V para Vera.

48

Na visão de Fernanda, contudo, o professor “tem que ter” autonomia para perceber

o que é adequado no contexto em que atua.

Ao optar pelo uso do pronome “ele” (linha 10), em vez de “nós” ou “a gente”,

Fernanda se coloca como agente fora do processo como professora, para sinalizar

que ela não segue tudo que é imposto. O termo “pessoa” (linha 7), apresentado de

maneira impessoal, é atribuído ao professor que não tem uma postura crítica quanto

ao contexto social no qual está inserido.

Na fala de Fernanda (linhas 14 e 15), “E o professor não se sente, é...

Assim como uma autoridade de poder mudar”, percebe-se que a voz do professor

não é ouvida na escola, porque os diretores e coordenadores têm os documentos

oficiais como uma cartilha a ser seguida. Isso denuncia a relação de poder nas

instituições, que faz com que algumas vozes sejam superiores a outras,

sustentando e estabelecendo relações de dominação.

Ao discutirmos a elaboração do PPP da escola, bem como a importância

de os professores conhecerem a legislação vigente sobre ensino, Fernanda revela

as relações de poder que atravessam a escola e a sala de aula, argumentando

sobre sua luta, a de Lúcia e a de outros colegas:

Excerto 2 (1) F: Está porque o PPP, o particular, porque esse negócio de você (2) desentender, não adianta nada gritar no corredor, eu falo muito para (3) os professores, eles têm que conhecer a lei para saber como fazer, a (4) gente tem que conhecer as pessoas para saber como chegar até elas (5) e tem que ter influências, infelizmente, a gente vive num país de (6) influência, o Brasil, a gente sempre fala, vamos lá, vamos mudar (7) vamos estudar porque daí eu quero ver alguém ir lá e dizer, é ilegal, eu (8) quero ver alguém falar contra!

(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)

Nesse excerto, Fernanda mostra o desconhecimento dos colegas acerca de

seus direitos na escola. É interessante destacar em seu discurso o uso do pronome

“eu”, indicando inclusão – eu conheço a lei, e o pronome “eles” (linha 3) indicando

exclusão – há professores que não conhecem a lei. O pronome “eles” aparece,

então, para se referir aos professores que não são comprometidos, que não se

envolvem e nem conhecem seus direitos como professores. O pronome “a gente”

(linha 4), por sua vez, é usado para se referir a ela (Fernanda) e às duas outras

participantes da conversa – professora Lúcia e a pesquisadora Vera – de modo

inclusivo. Fernanda, ao dizer, “a gente tem que conhecer as pessoas para saber

49

como chegar até elas e tem que ter influências, infelizmente, a gente vive num país

de influência” (linhas 4 a 6), sinaliza que a consciência de seus direitos fortalece sua

influência.

Ainda discutindo a elaboração do PPP, as professoras deixam claro que a

única maneira que encontraram para defender a continuidade do projeto na escola

foi incluí-lo no PPP. Fernanda mostra-se indignada com o fato de a maioria dos

professores não terem interesse nesse tipo de atividade, vista por ela como

importante na escola:

Excerto 3 (1) F: Aqui, nessa escola, pelo número, por causa do que ela é em termo (2) de tamanho, aqui nada disso tem, para você ter uma idéia, agora (3) que está montando o PPP da escola, isso porque tem uma equipe, eu, (4) Lúcia, Rosa, Mirian, que pegou o boi pelo chifre e estamos fazendo, se (5) não, não saía não. (6) V: E dentro do PPP, então, vocês amarraram o projeto. (7) T: (risos). (8) L: ((incomp.)). (9) F: Então é por isso que nós estamos ((incomp.)). (10) L: Às vezes, não é por acaso, foi intencional.

(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)

Fernanda e Lúcia mostram consonância em relação à necessidade de

estarem engajadas nas atividades escolares para garantir o trabalho que estão

desenvolvendo há mais de cinco anos. Aponta o corporativismo e as relações de

poder que perpassam as instituições, nesse caso, a escola. Dessa forma, se elas

não se engajam e não inserem o desenvolvimento do projeto no PPP, a SEDUC

pode inviabilizar sua execução. Assim, quando Fernanda usa o pronome “nós”

(linha 9), está se referindo a si mesma e a Lúcia, retratando inclusão e

solidariedade. Ela se inclui no evento discursivo e partilha das mesmas angústias

de Lúcia, ao tentarem, juntas, manter o projeto na escola.

No excerto 3, as professoras apresentam as relações de poder presentes

no discurso do PPP, que dita as normas. Assim, o que está escrito deve ser

seguido, tanto pela SEDUC, o órgão que o aprova, quanto pela escola, que o

elabora e executa.

No excerto 4, Lúcia e Fernanda discutem a visita de uma técnica da

SEDUC/MT à escola para questionar o horário de funcionamento das aulas de

língua estrangeira no projeto em desacordo com a portaria:

50

Excerto 4 (1) L: A mulher chegou com a interpretação da lei e foi embora ((incomp.)) (2) F: Ela veio com a idéia para ser implantado para nós ((incomp.)). (3) L: Ela já veio com a idéia e com a autoridade sendo que poderia ser (4) feita uma outra interpretação da lei e, justamente, eu gostaria de (5) colocar para ela que tem outras interpretações, não só aquela.

(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)

Lúcia, ao dizer “poderia” (linha 3), usa a modalidade categórica hipotética

para expressar baixo grau de obrigação. Nesse contexto, o verbo de baixo grau de

obrigação coloca o falante em uma posição de menor poder que o ouvinte. Ela está

se referindo a uma representante da SEDUC/MT que foi à escola discutir uma

portaria que não permitia que as aulas de língua inglesa fossem ministradas em

horário extra. Lúcia critica o fato de essa representante não aceitar outra leitura

possível da referida portaria, mas somente a de que as escolas devem respeitar as

portarias e que as aulas de língua estrangeira, fora do turno regular, aumentam os

custos. Lúcia disse que tentou mostrar a importância desse projeto para a escola,

pois os alunos têm a oportunidade de ter duas aulas fora do horário regular, em vez

de apenas uma no horário normal, as línguas estrangeiras passaram a adquirir

status que não tinham, e o ensino passou a ter objetivo, o conteúdo, a ser

progressivo e contínuo. A representante, a princípio hesitante, acabou por aceitar a

argumentação de Lúcia, evitando a interrupção do desenvolvimento do projeto de

língua estrangeira da escola.

No discurso de Fernanda e de Lúcia, percebe-se a necessidade de uma

formação crítico-reflexiva pautada no conhecimento para a transformação dos

sujeitos, não somente relacionada com a prática pedagógica, mas também com as

atitudes que moldam o que ensinar, para que ensinar e, principalmente, como

questionar quando as coisas são impostas pela SEDUC. Assim, quando o professor

sabe de seu papel social, dentro de um microcontexto social – a escola –, ele

compreende as condições (sociais, culturais, políticas) de produção e de

interpretação do discurso e será capaz de questionar e aceitar as decisões com

mais responsabilidade.

Nesses excertos, percebe-se a interdiscursividade e o jogo de poder das

instituições: SEDUC vs. escola. A relação entre SEDUC e escola não é uma relação

trivial. A representante da secretaria tenta construir uma cadeia de raciocínio que

objetiva defender a instituição social que ela representa, ou seja, a SEDUC. As

51

professoras de língua estrangeira, por outro lado, lutam para manter o projeto que

consideram essencial para o bom funcionamento do ensino da língua inglesa. Em

geral, nas instituições, há uma hierarquia que deve ser obedecida. No caso da

escola, a hierarquia é MEC, SEDUC e escola (PPP). Assim, o PPP é construído com

base nos pareceres, resoluções e (ou) portarias da SEDUC, que,

conseqüentemente, representa o MEC.

Conforme Fairclough (2001), a intertextualidade está relacionada com a

distribuição do texto e, dentro de uma instituição, ela é vista como “cadeias

intertextuais” em que vários textos são relacionados uns aos outros. Dessa forma,

evidencia-se a necessidade de professores terem uma visão mais crítica de ensino,

educação e órgãos públicos para se articularem, de modo que suas vozes sejam

ouvidas pelo governo e possam provocar cadeias de (re)negociação.

As duas professoras demonstram, em suas falas, estar conscientes dessa

relação e da força do poder institucional. Por essa razão, lutam com intensidade

para manter as práticas de aula em que acreditam. Em consonância com Papa

(2005), compreendem que as mudanças nas práticas sociais só ocorrerão por meio

da luta que marca as relações de poder existentes na escola e na sala de aula.

Apresentei, acima, alguns dos eventos que moldam o contexto escolar em

que esta pesquisa foi realizada. Utilizo a definição de eventos de Chouliaraki e

Fairclough (1999, apud RESENDE e RAMALHO, 2006), como acontecimentos

imediatos individuais ou ocasiões da vida social. O enfoque nas práticas sociais

permite-nos perceber não apenas o efeito de eventos individuais, mas de séries de

eventos conjunturalmente relacionados com sua sustentação e com a transformação

de estruturas, uma vez que a prática social é entendida como ponto de conexão

entre estruturas e eventos.

Fairclough (1989) discute o papel da ADC como abordagem teórico-crítica

que, por um lado, mostra conexões e causas ocultas. De outro, intervém

socialmente para produzir mudanças que favoreçam aqueles que possam se

encontrar em situação de desvantagem. Assim, Fernanda e Lúcia, ao participarem

do projeto “Re-significando a aprendizagem de língua estrangeira: um projeto de

ensino das quatro habilidades comunicativas” está colaborando para modificar a

estrutura vigente do ensino de língua estrangeira na escola pública, que não atende

aos anseios das transformações da sociedade contemporânea.

52

Mediante o QUADRO 3, apresento um resumo dos sub-tópicos e

percepções das professoras acerca do Tópico17 1: A importância de uma formação

crítica por parte do professor.

QUADRO 3 – Sub-tópicos e percepções do Tópico 1 TÓPICO 1 SUB-TÓPICOS PERCEPÇÕES DAS PROFESSORAS

A importância

de uma formação crítica por parte do professor

Discussão dos PCNs

Professores devem fazer uma leitura crítica dos documentos oficiais. Documentos oficiais devem ser adequados ao contexto real das escolas.

Discussão do PPP

Professores não se comprometem com a elaboração do PPP. Projetos veiculados ao PPP da escola têm garantia de execução.

Reunião com a representante da

Secretaria de Educação

Professores precisam conhecer os documentos oficiais. Representante da SEDUC exige o retorno das aulas de inglês para o horário normal. Imposição de portaria da SEDUC – não há preocupação com o que é adequado para a comunidade escolar.

Tópico 2 - Os problemas do ensino de língua inglesa na escola pública

No momento em que discutíamos o papel da disciplina língua inglesa,

Fernanda relatou a participação de uma ex-diretora da escola que lhe pediu para

elaborar um trabalho para um aluno que não tinha freqüentado as aulas e estava

sem notas:

Excerto 5 (1) F: Isso aqui, eu vi, aqui, como diz, eu vi e ouvi aqui na própria escola, (2) em algumas situações [...]. (3) L: E você percebe que a escola tem isso, tem alunos que nos procuram, (4) professora, e diz: professora, não tem como fazer um trabalho? (5) Porque não vem no 1º bimestre. Não vem no 2º e quer que nós (6) resolvemos a situação dele com trabalhos, não, nosso projeto não, (7) não tem trabalho. (8) F: E a própria escola, não é o caso, do nosso diretor, o atual diretor, pelo (9) menos para mim é nota 10, mas a outra, se você não dá um trabalho, (10) ela vem não tem como dar um trabalho, bem, em vez de mostrar (11) para o aluno, não, é a pr imeira a v i r junto com o aluno, a (12) pedir....

(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)

17 Os vocábulos, “tópico” e “percepção”, são utilizados com base em Harvey Sacks (1968 apud FAIRCLOGH, 2001: 195).

53

Ao dizer: “se você não dá um trabalho, ela [diretora] vem não tem como dar

um trabalho” (linhas 9 e 10), Fernanda encena o papel da diretora, dona de certo

poder determinado pela hierarquia escolar, que se vê no direito de interferir na ação

da professora, solicitando ajuda para o aluno que não fez os trabalhos na época

oportuna.Tal ação materializa uma ação paternalista muito comum no ensino

brasileiro, retratando as relações de poder dentro da escola. A voz da direção se

sobrepõe à voz do professor, visto como desprovido de força no jogo das relações

de poder.

A diretora apenas reforça o autoritarismo governamental. Há um movimento

na escola pública advindo dos órgãos superiores (MEC, SEDUC) quanto à não-

desistência e à não-reprovação. Tal movimento, defendido por uma direção,

pretende manter o número de alunos para que a escola continue recebendo a

mesma verba18 do PDE. Assim, quando uma diretora adota essa atitude, interfere na

gestão de sala de aula em favor da manutenção dos recursos financeiros que a

escola recebe do PDE.

Para Lúcia, o professor tem que se impor para dizer “não” a determinadas

exigências do contexto escolar. Por exemplo, “dar um jeitinho” para que não haja

número elevado de repetência e evasão escolar, por meio de aplicação de trabalhos

para alunos faltosos, como pediu a diretora, pode afetar a reputação da escola.

Nesse contexto, mais eficiente seria a necessidade de o profissional mostrar para a

comunidade que seu trabalho é de qualidade. O aluno deve perceber que, de fato,

está aprendendo a língua estrangeira e que ela está contribuindo para sua formação

integral.

Nesse excerto, Lúcia usa o pronome “você” (linha 3), referindo-se a todos

que estão no contexto da escola pública e conhecem a realidade. Ao personificar a

escola, dizendo “E você percebe que a escola tem isso”, indica que a escola possui

uma prática que não é a mais adequada.

No excerto 6, ao discutirmos o PDE, Fernanda aponta o que ela entende por

material didático:

18 As escolas públicas do Estado de Mato Grosso recebem trimestralmente determinada quantia para custear gastos com compra de material permanente e consumo, por fazer parte do Plano de Desenvolvimento Escolar (PDE). Esse valor varia conforme a quantidade de alunos que a escola possui.

54

Excerto 6 (1) F: [...] gostaria de entender melhor o que ele chama de material didático (2) básico, e eu não consigo ver a pessoa dizer que não tem esse material (3) na escola, se a escola recebe dinheiro para isso, então falta, aqui, para (4) mim, o professor conhecer a lei para ele poder ir buscar, porque se eu (5) sei que o PDE tem dinheiro para isso, desde o dia que eu fiquei sabendo (6) que tem dinheiro, eu peço para minha escola, nunca me negaram [...]. (7) L: Esse ano, conseguimos até um som. (8) F: [...] eu questiono a pessoa falar que não tem material, agora, assim, (9) dizer que o aluno não compra o livro, é diferente, mas dizer que é falta (10) de material, não sei o que entendem como falta de material didático, (11) [...], mas isso aí, eu não acho que é problema, a falta de material.

(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)

As professoras chamam a atenção para um fator importante no ensino de

língua inglesa, ou seja, o uso de material didático. Elas discordam de professores

que dizem não ter material didático, tendo em vista que toda escola recebe dinheiro

do PDE. Para elas, cabe ao professor solicitar do diretor que coloque no plano de

ação da escola a aquisição de material para as aulas.

Mais uma vez, elas chamam a atenção para o conhecimento daquilo que é

de direito dos professores. Quanto ao dinheiro do PDE, sabe-se que uma parte é

destinada para a aquisição de material, portanto não há como não ter o mínimo para

trabalhar em sala de aula. A professora Lúcia afirma que, finalmente, elas

conseguiram um aparelho de som para as aulas de inglês. Para Fernanda, o

professor deve saber quais são seus direitos dentro da escola e quais são as leis

que regem a Educação. No exemplo ilustrado, elas informam sobre o material

didático da ação do PDE. Lúcia, ao dizer, “conseguimos até um som” (linha 7),

evidencia que adquirir um som não é tão fácil, mas elas conseguiram. Portanto,

algum material escolar básico, como papel, cola e tesoura é mais fácil de ser

adquirido com a verba do PDE do que livros para todos os alunos.

Fernanda usa várias vezes o pronome “eu” auto-referencial e a modalidade

subjetiva “eu não acho que é problema” (linha 11) para mostrar seu posicionamento

diante do tópico em discussão. O conflito entre o discurso dos outros professores de

inglês que diz não ter material para o ensino de inglês é (re)vozeado com o discurso

das duas professoras que contra-argumentam, demonstrando estar cientes da

existência da verba do PDE.

As professoras discutem que o professor de língua estrangeira não tem

incentivo para desenvolver bom trabalho por força da constante troca de professores

55

na escola e até mesmo por desconhecer as turmas que lhe serão atribuídas no ano

seguinte:

Excerto 7 (1)F: Como que muda, você vê assim, as atitudes, no dia-a-dia, no (2) comprometimento. (3) L: Uma coisa que ela [a autora] coloca aqui, que até que a gente (4) discutiu no outro encontro, essa questão, não, do professor de língua (5) estrangeira não ter incentivo, ela fala isso aí, entendeu? Ele chega, (6) começa uma turma, daí no outro ano, é outra, tem gente diferente no (7) meio, ele não consegue caminhar com o conteúdo, fica sempre na (8) mesma coisa ((incomp.)) os alunos percebem, eles falam em (9) depoimentos ((incomp.)) todo ano a mesma coisa.

(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)

No Excerto 7, as professoras frisam os principais problemas que

desmotivam os alunos quanto à aprendizagem da língua estrangeira na escola

pública, dentre eles a observação do não-cumprimento de um plano de ensino

gradativo, que a cada ano se repete. Contudo, há outros fatores que contribuem

para o discurso de que se aprende sempre o mesmo conteúdo: a flutuação do

professor e a não-organicidade do programa.

Ao utilizar o pronome “ele” (linhas 5 e 7), Lúcia não se refere a um

professor específico. O pronome “ele” representa todos os professores que entram

em sala de aula e não têm compromisso com o que ensinam. Ela menciona a forma

pronominal “a gente” (linha 3), com o sentido de “nós”, incluindo ela própria, a

pesquisadora e a outra colega do grupo de estudo, que demonstram ser

professoras comprometidas, preocupadas com o programa de ensino que

desenvolvem.

Ao dizer “ele chega, começa uma turma, daí no outro ano é outra, tem

gente diferente no meio”, Lúcia aponta para um dos problemas principais que

afetam a continuidade de determinado programa de ensino. O professor da rede

estadual está à mercê dos resultados da contagem de pontos, em virtude do

processo de atribuição de aulas. Somente no início do ano letivo ele sabe em que

escola atuará, com que turmas e em que turno. O professor com mais tempo de

serviço no Estado e na escola e com mais pontos em certificados tem o direito de

escolher suas turmas e o turno de trabalho. Dessa forma, nem sempre o professor

pode continuar com suas turmas anteriores. Às vezes, ele precisa mudar de escola

ou trabalhar em duas escolas para completar sua carga horária.

56

Vera aponta o baixo status da disciplina língua inglesa durante a atribuição

de aulas, pois qualquer professor da área de linguagem (Educação Física, Artes e

Língua Portuguesa) pode completar sua carga horária com língua inglesa :

Excerto 8 (1)V: Quando ela fala aqui, da valorização da disciplina (barulho tocou o (2) sino, o valor da disciplina no contexto de inglês, aquela atribuição de (3) aula, qualquer um pega, lá na escola, é uma briga quando alguém (4) vai pegar você vai pegar inglês, você dá conta do inglês, você me (5) desculpa professor, mas você vai pegar, mas não pega, não mata (6) minha disciplina, por favor! Eu falo, eu não vou dar aula, professora, de (7) Filosofia, Sociologia, eu não sou pedagoga, e olha que é muito mais (8) fácil eu dar aula de Filosofia e Psicologia do que você dar aula de (9) inglês [...].

(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)

Vera usa o pronome “você” (linha 4, 5 e 8) referindo-se aos professores

que se vêem obrigados a ministrar disciplinas para as quais não estão habilitados

nem foram concursados. O momento da atribuição de aula é bastante conflituoso

porque alguns professores de inglês se posicionam contrariamente a esse sistema

de atribuição de aulas imposto pela SEDUC. Vera argumenta que ela não se dispõe

a dar outras disciplinas para as quais não se considera habilitada – uso do pronome

“eu” auto-referencial. Por igual, critica os professores que fazem da disciplina de

língua inglesa um curinga a completar a colcha em que se transforma a carga

horária de outros professores da área de linguagens, códigos e suas tecnologias.

No excerto 9, as professoras discutem o desinteresse dos alunos nas escolas públicas:

Excerto 9 (1)F: [...] os alunos se mostram cientes de que o professor, por não (2) desenvolver o programa global, contínuo, progressivo [...]. (3) V: Mas eu acho que para o nosso ensino ((incomp.)), eu, no Alberto, (4) (nome de escola) nós temos um programa, eu procuro seguir esse (5) programa, então 1º ano não é o mesmo do 2º, que não é o mesmo do (6) 3º, né? Como vocês. (7) F: Nós, também, estamos batalhando para fazer isso, nível 1, nível 2 e (8) procurar ((incomp.)), né, e a gente vê assim, que os desinteresses (9) que os alunos têm são os mesmos apresentados aqui, né. (10) V: E a sala deles? (11) F: A sala deles, uma fotocópia, né?

(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)

As professoras dizem ter um programa de ensino diferente para cada série.

Não são como aqueles professores retratados nos relatos da pesquisa de Perin

(2005) que parecem apresentar, em suas aulas, um conteúdo fragmentado e os

alunos não percebem como e o que estão aprendendo. Contudo, elas reconhecem

57

que, como no Estado do Paraná, em Mato Grosso, os alunos em geral não

apresentam interesse pela língua inglesa.

Nesse excerto, Vera começa sua fala utilizando o pronome “eu” (linha 3),

auto-referencial, com o objetivo de demonstrar que usa o programa de ensino da

escola onde trabalha. Em seguida usa o pronome “nós” (linha 4), “nós temos um

programa, eu procuro seguir esse programa”, para se referir não somente à

inclusão de suas interlocutoras, mas também inclui os professores com quem

trabalha em sua escola. Contudo, ao retomar o pronome “eu”, demonstra dúvida

quanto à prática pedagógica de seus colegas.

As professoras, no excerto 10, apresentam uma discussão acerca do

ensino de língua estrangeira dando ênfase ao papel do professor descomprometido

que contribui para o mito de que o aluno não aprende inglês.

Excerto 10 (1) V: Aqui uma coisa que ela colocou para gente poder pensar um (2) pouquinho, quando ela fala dessa falta de programa, que o professor (3) não sente a vontade de cobrar dos alunos o conteúdo de forma mais (4) efetiva, por estar consciente de uma provável catástrofe dos mesmos. (5) F: Dos mesmos. (6) V: Então, você vê que é aquela velha história, eu não dou, eu não (7) cobro, eu f injo que ensino, ele f inge que aprende ((incomp.)) (8) L: Aí o professor fica dando ponto em caderninho. (9) V: Ah! Ela fala aqui, você viu? (10) F: Dá ponto no caderninho e fica nisso [...]. (11) V: Olha outro depoimento da aluna, [...] quando a gente acostuma com (12) o estilo do professor de inglês, aí já muda, ((incomp.)) acaba (13) aprendendo quase nada, a mesmice de sempre que desmotiva [...]. (14) L: Então o que acontece conosco, cria-se um mito que o aluno na (15) escola pública não aprende o inglês, e a gente tem de reverter (16) isso [...].

(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)

As discussões giram em torno do professor que não se preocupa em

ensinar e, conseqüentemente, não cobra. Alguns nem mesmo avaliam, só olham o

caderno e dão visto. São ações que, do ponto de vista das três professoras,

contribuem para o descrédito da disciplina na comunidade educativa e para a

alimentação do mito de que não se aprende inglês na escola pública. Apesar de ser

uma discussão pautada por um texto que aborda esse problema, a realidade no

Estado de Mato Grosso não é diferente; portanto, as professoras argumentam que

mudar a visão do que se ensina e do que se aprende na escola pública é

necessário para inverter o cenário atual de descrédito.

58

Ao usar o pronome “conosco” (linha 14), Lúcia se posta como uma

professora que também tem um rótulo de quem não ensina. Já com o enunciado “a

gente tem de reverter isso” (linha 15), ela usa o pronome “a gente” (linha 15) para

nomear todos os professores de inglês, incluindo-a, que, de certa forma, deve se

preocupar com esse rótulo e que sentem a necessidade de alterar essa leitura feita

pela maioria das pessoas que passa pelas aulas de língua inglesa. O uso da

modalidade deôntica, “tem de” (linha 15), indica a obrigatoriedade e a urgência de

todos os professores atuarem para mudar esse cenário.

No excerto 11, Fernanda relata uma experiência de uma conversa que teve

com seus alunos por não apresentarem um bom desempenho em suas aulas.

Excerto 11 (1)F: eu não estou vendo progredindo em nada, gente, eu já não sei mais (2) o que faço, eu posso parar a aula hoje para a gente conversar, eu (3) quero sugestão de vocês, porque, eu, sinceramente, eu estou (4) arrasada, né, assim já falei com eles que, para que serve o inglês, não (5) teve um que não disse que quer aprender a falar ((incomp.)) . Aí, (6) falei assim, gente, [...], agora eu quero sugestão para poder dar aula (7) porque eu não sei mais dar aulas para vocês, [...] assim esculachei, (8) né, aí uma menina falou assim, professora, será que cantar uma (9) música a gente não aprende a falar, eu falei, você acredita nisso? Ela (10) disse: Ah, eu acho [...] A gente tem que decidir, porque eu sou uma (11) só, você vê, assim... mais eu achei interessante, eles quererem falar, (12) [...] e cada um fez um comentário, diferente, você vê ((incomp.)) a (13) minha escola só tradução, só tradução, assim eles dizem o que (14) querem, mas não sabem, nem, nem como estudar, [...],aí falaram de (15) vocabulário, aí fiz uma aula do jeito que eles queriam, eu falei, vou (16) separar tudo do jeito que eles querem, nós vamos fazer semana que (17) vem, exatamente isso, vamos ver se vão mudar, vamos ver o que vai (18) dar.

(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)

Ela utiliza várias vezes o pronome “eu” auto-referencial para chamar a

atenção de seus alunos que não participam de suas aulas como ela desejava.

Convida-os para discutir a questão e espera que eles apresentem sugestões de

atividades. Nesse caso ela usa a modalidade epistêmica no pólo positivo para

mostrar comprometimento e verdade nas informações (linhas 2 e 3) “eu posso parar

a aula hoje para a gente conversar, eu quero sugestão de vocês, porque eu,

sinceramente, eu estou arrasada”.

Nesse excerto, há duas vozes que estão em conflito. De um lado, a

professora se mostra indignada ao perceber que seus alunos demonstram

desinteresse mesmo diante de um ensino comunicativo voltado para a modalidade

59

oral, objetivo do projeto da escola. Indignada, questiona o comportamento de seus

alunos que, em sua opinião, vivem dizendo que querem “falar a língua”, que não

querem tradução nem ensino de vocabulário. Assim, para resolver esse problema, a

professora propõe um diálogo aberto pedindo-lhes que se manifestem a respeito.

Ao fazer essa solicitação, percebem-se duas coisas. Primeiro, a

preocupação da professora com a qualidade das aulas exigida no projeto. Segundo,

a preocupação da professora em agradar os alunos que parecem desmotivados.

Quando uma das alunas propõe o ensino de música para aprender a falar, a

professora parece não acreditar nessa idéia. Hoje, há um discurso naturalizado de

que as aulas de inglês devem ser prazerosas, lúdicas, com uso de música e jogos.

Essa é uma prática presente no discurso pedagógico das instituições particulares de

ensino que está invadindo as instituições públicas, pois o professor mais se

preocupa em subir no “ibope”, agradando aos alunos, do que fazer o que de fato

deve fazer: ensinar e exigir um ensino de qualidade. O professor parece perdido

nesse contexto, sem saber ao certo até que ponto deve agradar e até que ponto

deve exigir dos alunos, pois, ao que exige é atribuído o rótulo de péssimo, por parte

do aluno. É como se o discurso hedonista e de consumo permeasse a sala de aula,

pois ensinar se transformou em entreter e lucrar, sem, no entanto, produzir

conhecimento.

Ao dizer “a gente tem que decidir” (linha 10), Fernanda parece se incluir

entre os alunos, mas, na realidade, ela queria, sobretudo, ouvi-los, deixá-los tomar

uma decisão. Para não dizer ”vocês decidem”, ela usa “a gente”. Ao mesmo tempo,

usa a modalidade deôntica “tem que” (linha 10), indicando sua indignação diante da

obrigatoriedade de uma decisão que leve a resultados.

No excerto 12, Fernanda relata o fato de o interesse dos alunos terem

mudado nas aulas de inglês em virtude do programa “Jovens Embaixadores”19 da

Embaixada Americana.

Excerto 12 (1) F: agora, assim acho interessante, às vezes algumas situações que, eu (2) não sei se vocês tão sabendo daquele programa Jovem Embaixador [...].

19 O Programa Jovens Embaixadores seleciona jovens brasileiros de classe social menos favorecida, que desempenham uma consciência cidadã com trabalhos voluntários, para passarem catorze dias nos EUA, assistindo às aulas em escolas norte-americanas de ensino médio e fazendo apresentações sobre o Brasil, tudo pago pela Embaixada Americana.

60

(3) L: Pois então, aí, agora ela está fazendo as etapas e tudo né, então, eu (4) passei em todas as minhas turmas esse programa, e você vê como os (5) interesses mudam ((incomp.)), por exemplo, um dos itens da 1ª (6) classificação, é você fazer parte de um sistema de voluntariado, agora (7) o que tem de aluno atrás de mim para eu dar endereço de programa de (8) voluntariado, entendeu? Está assim... aluno que estava sumido, você (9) não vê fora de uma aula de inglês, você vê como que muda o (10) interesse, agora sim ((incomp.)), ele vê incentivo em algo que (...). (11) V: Em algo que vai mudar a vida dele, então ele está sentindo no (12) inglês a necessidade de aprender a língua porque ele pode se (13) transformar em um embaixador mirim e ele sabe que é bom.

(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)

Assim que lançaram o programa Jovens Embaixadores na escola, uma

aluna foi selecionada, e isso provocou mudança de atitude dos colegas quanto ao

interesse pelo inglês e pelo trabalho voluntário. O aluno que não aparecia nas aulas

de inglês retornou e pedia informação sobre o trabalho voluntário, um dos requisitos

para se transformar em Embaixador Mirim. Nesse momento, eles viram um objetivo

no ensino de inglês: teriam oportunidade de usá-lo em contexto real.

O pronome “você”, quando é utilizado por Lúcia pela primeira vez, ”você vê”

(linha 4) refere-se à pesquisadora Vera. Já o segundo “você” (linha 6), utilizado por

Lúcia, refere-se a qualquer aluno que queira ser candidato a uma vaga de

embaixador mirim e precisa fazer parte de um programa de voluntariado. Vera, ao

dizer “ele pode” (linha 12), usa a modalidade categórica não hipotética para

expressar a possibilidade de o aluno conseguir ser um embaixador mirim. Ela

também recorre ao sistema de modalidade objetiva “ele sabe que é bom” (linha 13)

usando o verbo “ser” no presente do indicativo “é”, seguido do adjetivo “bom” para

dar o ponto de vista do aluno. Nesse momento, ela vê o projeto Embaixador Mirim

como algo positivo porque o aluno se torna motivado para aprender inglês.

Vera e Lúcia discutem a tarefa do professor de língua estrangeira quando se

propõe a ensinar dentro da abordagem comunicativa, que exige uma preparação

detalhada da aula com atividades diversificadas e adequadas ao nível dos alunos.

Excerto 13 (1)V: [...] você acredita que você pode ensinar o aluno, que você tem (2) (2) condição de ensinar a língua, você não cai no comodismo ((incomp.)), (3) não cai no comodismo quando os alunos não querem continuar (4) estudando a língua ((incomp.)) dentro da abordagem comunicativa, que (5) exige uma certa fluência ((incomp.)), o nível de língua, não é mais fácil (6) que o estruturalismo, gramática é gramática, não tem que preparar, (7) não tem que cortar figurinha, não tem que procurar atividades, não (8) tem que por o aluno em situação de desafio.

61

(9) L: As atividades, você tem de olhar em vários livros, até achar (10) aquela ideal ((incomp.))

(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)

As professoras chamam a atenção para o fato de que ensinar língua

inglesa envolve a busca constante de atividades motivadoras e relevantes para a

sala de aula, atividades que promovam interação e que sejam adequadas ao nível

lingüístico-comunicativo do aluno. Isso, de certa forma, significa perda de tempo

para quem pensa em quanto ganha e em quanto tempo pode ficar disponível para

preparar as aulas.

Quando Lúcia diz “as atividades, você tem de olhar em vários livros, até

achar aquela ideal” (linhas 9 e 10), evidencia que não é qualquer atividade que o

professor pode utilizar em sala de aula. Isso também requer conhecimento

metodológico: saber se a atividade proposta desenvolve a habilidade necessária

para atingir determinada competência, já que um plano de ensino não é um

amontoado de técnicas e jogos, ou seja, tem um ritual: início, meio e fim para

atender a um objetivo específico.

No Excerto 13, fica evidente que as professoras do grupo de estudo têm

certa crença quanto ao método de ensino da gramática e tradução, que é muito

mais fácil, pois não implica trabalho extra. Talvez esteja aí o problema do ensino de

língua inglesa: a falta de tempo suficiente para o professor estudar e preparar suas

aulas, pois ele precisa prever o vocabulário que pode aparecer no momento em que

o aluno esteja desenvolvendo determinada atividade, como procurar figuras,

recortá-las e montar jogos para envolvê-lo no fazer. O modo de ensinar está

mudando, e o professor não encontra receitas ou respostas prontas, mas deve ele

mesmo, com seus alunos, buscar os meios adequados para desencadear o

processo de aprendizagem.

As professoras sabem ser possível ensinar inglês na escola pública apesar

de todos os desafios que existem. Elas deixam claro que, quando percebem que

seus alunos não estão correspondendo às atividades propostas (Excerto 11),

param a aula e conversam, procuram manter uma sintonia com eles para que não

fiquem desmotivados. O que, na realidade, não é uma desmotivação (Excerto 13),

mas uma reação contra as atividades propostas pelo professor que não estão

agradando.

62

Vera, ao usar a modalidade deôntica, verbo “ter” no presente do indicativo,

pólo negativo, “não tem que preparar, não tem que cortar figurinha, não tem que

procurar atividades, não tem que pôr o aluno em situação de desafio” (linhas 6 a 8),

atribui um sentido oposto. Em vez de indicar alto grau de obrigação, confere uma

não-necessidade, um valor menor ao preparo de uma aula baseada no Método de

Gramática e Tradução, cujo principal enfoque é o ensino da metalinguagem. Esse

fazer, ao longo de muitos anos, já estabeleceu certa rotina e certo grau de conforto

ao professor. Nesse sentido, Vera postula que não é preciso de nada, além da

memorização das regras da norma padrão da língua, uma vez que o aluno nunca

será exposto a situações de desafios quanto ao uso da língua alvo. Ela usa

exageradamente o “não”, indicando que, quando o professor deseja fazer uma

abordagem que exija o uso da língua, não pode mais ser o mesmo, mas deverá

quebrar sua rotina, deslocar-se de seu conforto. Nesse excerto, há um (re)vozear

do conflito entre a visão tradicional de ensino, centrado na tradução e gramática, e a

abordagem comunicativa.

No excerto 14, as professoras argumentam que o número de alunos em

sala de aula interfere na aprendizagem.

Excerto 14

(1) F: E isso bate de cara, porque eu acredito que já estou ((incomp.)) como (2) realmente e com certeza, a gente não atinge 100%, isso não existe, eu (3) não acredito, mas nós estaremos bem mais avançados. (4) V: Com certeza é o número de alunos. (5) F: O número de alunos influencia, não tem jeito, gente ((incomp.)).

(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)

De acordo com uma portaria da SEDUC/MT, uma classe de ensino médio

não pode ter mais que trinta e cinco alunos. Para Fernanda, esse número é elevado

e é um outro fator que interfere no ensino-aprendizagem da língua estrangeira. De

acordo com o projeto da escola, a turma deve ter, no máximo, vinte alunos para o

ensino comunicativo da oralidade. Para Fairclough (2001:117), as ideologias

embutidas nas práticas discursivas são muito eficazes quando se tornam

naturalizadas e atingem o status de “senso comum”. Assim, quando os alunos da

escola pública não aprendem a língua estrangeira, é muito comum apontar como

empecilho o número excessivo de alunos. Essa prática naturalizada pode ocultar,

entretanto, outros fatores que interferem na aprendizagem.

63

Nos excertos vertentes, há vários discursos presentes nas falas das

professoras: discurso da diretora que defende os recursos financeiros para

administração da escola; discurso do PDE, que representa o governo determinando

onde e como gastar o dinheiro destinado às escolas, sempre a favor de um maior

número de alunos para uma maior verba financeira; discurso de pesquisadores da

área de língua estrangeira que pontuam, em suas pesquisas, o discurso recorrente

de alunos e professores de que a escola pública não ensina a língua estrangeira

como deveria; discurso em torno da ludicidade do ensino de língua estrangeira vs.

ensino rotineiro e discurso entre a abordagem comunicativa e o ensino da gramática

e tradução.

As conversas colaborativas permitiram que cada participante tivesse sua

voz ouvida e questionada para produzir o contra-discurso. Assim, para Fairclough

(2001: 83), “os sujeitos sociais constituídos não são meramente posicionados de

modo passivo, mas capazes de agir como agentes e, entre outras coisas, de

negociar seu relacionamento com os tipos variados de discurso a que eles

recorrem”.

No QUADRO 4, apresento um resumo dos sub-tópicos e percepções das

professoras acerca do Tópico 2: Os problemas do ensino de língua inglesa na

escola pública.

64

QUADRO 4 – Sub-tópicos e percepções do Tópico 2 TÓPICO 2 SUB-TÓPICOS PERCEPÇÕES DAS PROFESSORAS

Os problemas

do ensino de língua

inglesa na escola pública

A relação

institucional

Diretora da escola interfere no trabalho de sala de aula do professor. Movimento de não reprovar o aluno e de evitar sua desistência por causa da verba do PDE.

A desmotivação dos alunos

Falta de um programa de conteúdo gradativo. Material didático não desperta o interesse dos alunos. Alunos não sabem a importância de aprender uma língua estrangeira. Professores são descomprometidos com a escola pública. Professores não conhecem os documentos oficiais para conseguir material de apoio. Ausência de tempo para busca constante de atividades motivadoras. Falta de atividades adequadas ao nível lingüístico-comunicativo dos alunos. Um ensino pautado pela tradução de textos. Professores sem conhecimento metodológico. Ausência de tempo para o professor estudar e preparar as aulas.

O status menor

da língua inglesa na escola

Inglês serve para complementar a carga horária de professores de outras disciplinas. Professores ministram aulas de inglês sem conhecimento suficiente dessa língua. Ausência de uma política de atribuição de aula que coíba profissionais de outra área ministrarem aulas de língua estrangeira.

Tópico 3 – O perfil do professor de escola pública e a formação continuada

No excerto 15, as professoras falam que, em 2005, pensaram em montar

um grupo de estudo para trocar idéias sobre prática de sala de aula.

Excerto 15 (1) L: E naquela época ((incomp.)), a intenção era fazer um workshop, (2) trazendo atividades diferenciadas e está trazendo as idéias. (3) F: É, nós pensamos nisso, fazer um estudo e além do estudo, as (4) atividades, cada semana, uma apresentaria uma atividade. (5) V: É bom né, cresce. (6) F: Cresce ((incomp.)) cresce demais [...]. (7) L: Eu sinto falta disso.

(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)

65

No Excerto 15, vislumbra a formação de um estudo de grupo na escola para

ajudar no desenvolvimento profissional. Elas acham importante a troca de idéias e

de atividades pedagógicas e a aprendizagem compartilhada. De fato, para Bailey et

al (1998: 537), é a interação em grupo de estudo que “força os professores a

negociar o sentido e, ao negociarem sentido, eles ampliam e reformulam a maneira

pela qual olham a sua própria prática”.

A presença da modalidade categórica hipotética, verbo ser no pretérito

imperfeito, “a intenção era fazer um workshop” (linha 1), na fala de Lúcia, indica a

não-realização do que haviam planejado, deixando-a saudosa. Fernanda usa o

pronome “nós” (linha 3), indicando que a idéia da formação não era só dela, mas de

Lúcia também, pois ambas compartilham da idéia de que o grupo de estudo é

importante. Fernanda e Vera usam o verbo “ser” no presente do indicativo “é” para

validar as proposições anteriores: “o estudo de grupo é bom” e “pensar em um grupo

de estudo”.

As professoras falam sobre a qualificação de alguns professores que

ministram aulas de inglês, mas não têm o domínio lingüístico-comunicativo do

idioma.

Excerto 16 (1) V: As vagas não vão para assessoria, como aqui também, e aí, tem (2) aquele amigo do diretor, como agora tem um lá, aí, você tem certeza (3) que o cara vem dar aula aqui, não sabe nada. (4) L: Mas, aqui, eu nem sei. (5) F: Mas aqui... a gente tem batido com isso também. (6) V: Eu também bato lá ((incomp.)) isso tem que acabar. (7) F: Nossa! já por duas vezes, ((incomp.)) já duas vezes que veio (8) trabalhar conosco, nós não deixamos, e agora nós colocamos mais (9) uma regra, aí, quando forem contratar as pessoas, a primeira coisa (10) é fazer uma entrevista conosco no idioma, se não sabe, ele não (11) fica aqui. (12) F: [...] aí, veja só, não queria dar aula e, ah! Mas, [...] não fala gato (13) em inglês, que que é isso... de jeito nenhum. (14) V: Eu acho que o conhecimento de língua é muito importante, o aluno (15) tem que ser motivado em saber que você sabe e que você pode (16) contribuir que ele possa crescer (truncamento).

(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)

Há uma grande preocupação das professoras quanto à formação dos

profissionais que atualmente estão na escola pública, pois, por vários motivos, não

dominam bem o conteúdo e não conseguem desenvolver uma boa prática de

ensino. Alguns são contratados porque fazem parte do círculo de amizades dos

diretores, conforme podemos verificar na fala de Vera (Excerto 16) “e aí tem aquele

66

amigo do diretor, como agora tem um lá, aí, você tem certeza que o cara vem dar

aula aqui, não sabe nada” (linhas 1, 2 e 3). As professoras se mostram indignadas

com essa situação, mas nada podem fazer, além de questionar a direção por tal

atitude. Outros conseguem aulas mediante contagem de pontos na Assessoria

Pedagógica de cada município, atribuídas com base na habilitação profissional,

mesmo que não tenham o mínimo de conhecimento necessário para tal função.

Diante dessa realidade, esse professor ministra suas aulas traduzindo

textos e ensinando gramática. Isso fica evidente na fala das professoras ( Excerto

16), que, preocupadas em manter o projeto, procuram interferir na contratação de

tais profissionais, o que não é comum na rede estadual de ensino. Fernanda, ao

dizer: “duas vezes que veio trabalhar conosco, nós não deixamos e agora, nós

colocamos mais uma regra, aí quando forem contratar as pessoas, a primeira coisa

é fazer uma entrevista conosco no idioma, se não sabe, ele não fica aqui” (linhas 7 a

11), usa o pronome “nós” e “conosco”, incluindo Lúcia em seu discurso, o que indica

que ambas compartilham tais maneiras de pensar.

Vera usa a modalidade subjetiva “eu acho que o conhecimento de língua é

muito importante” (linha 14) para expressar a sua afinidade com a proposição. Usa a

modalidade deôntica “tem que” (linha 15) para indicar a necessidade de os alunos se

sentirem motivados ao perceberem que o professor consegue fazer uso da língua

estrangeira. Seu discurso continua sendo crivado de modalidade epistêmica, “você

pode contribuir, que ele possa crescer” (linhas 15 e 16), ou seja, pelo uso de

afirmações para se referir à troca de conhecimento e comprometimento com a

verdade.

No excerto 17, as professoras dizem que a formação é importante e que ela

possibilita a mudança da prática.

Excerto 17 (1) V: Eu sempre falo para os meus alunos do Univag, [...], verbo To Be, I’m (2) a student, negativo, I’m not a student, interrogativa, Am I student, eu até (3) ensinei assim, mas nesse período, eu não tinha noção da sala [...], (4) mas, depois de toda a minha formação, depois que saí da (5) universidade, essa prática de ensino não dá para conceber mais. (6) F: Claro! (7) V: Por que nós vamos matar a língua? (8) F: Tem que fazer mudança, se não, não adianta, não vai mudar. (9) L: Que nem máquina, tem professor que tenta, tenta, e não consegue (10) a transformação. (11) F: Acho que tem que pensar o seguinte, será que ele quer. (12) L: [...] o que leva a mudança, você ler, estudar, estudar, e isso (13) está acontecendo na minha prática.

(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)

67

Vera ressalta que a formação pré-serviço contribui para a formação do

professor de língua estrangeira. Ela, até então, usara uma prática voltada para o

ensino da língua inglesa ancorada na metalinguagem, que era o paradigma de

ensino aceito, porque não conhecia ainda outra prática. Contudo, conforme diz,

“depois de toda a minha formação, depois que saí da universidade, essa prática de

ensino não dá pra conceber mais” (linhas 4 e 5).

Lúcia, por sua vez, aponta para o desejo de mudança do professor, mas

admite que ele, por si só, não provoca transformação. Contra-argumenta dizendo

que talvez o professor, no fundo, não queira mudança, o seu interior ainda não

aceita. De fato, conforme, Bhaskar (2002 apud PAPA, 2005), a verdadeira

emancipação nasce no interior de cada indivíduo. Para Lúcia, a mudança está

condicionada a vários fatores, notadamente à leitura e ao estudo. Refere-se ao

estudo de grupo como um agenciador de mudança.

Fernanda utiliza a modalidade deôntica “tem que fazer mudança” (linha 8)

para expressar a obrigação e uma atitude até impositiva quanto à mudança para

melhorar o ensino de língua inglesa. Lúcia usa a modalidade categórica no pólo

positivo “isso está acontecendo na minha prática” (linha 13) para indicar que está em

pleno processo de mudança em sua prática.

Por outro lado, as professoras não concordam com alguns colegas que

acham ser da responsabilidade do governo a formação continuada.

Excerto 18 (1) F: Ah, uma coisa que eu coloquei a falta de interesse do pessoal [...], a (2) escola tem a idéia de que o Estado é que tem que dar formação, gente, (3) e eu como professora, será que eu também não quero melhorar, (4) entendeu? Eu não quero me formar, eu não quero melhorar eu mesmo, (5) é preciso a gente vê isso aqui, ah, vamos fazer o IELTS, ah não vou (6) porque [...] vai ter que por alguém no meu lugar pra pagar do meu (7) bolso, mas você vai ganhar com isso, não é? Eu já vi, vários, já ouvi, (8) você é louca, pagar alguém pra dar aula e você não vai ganhar nada (9) com isso, um amigo já me falou isso, eu falei assim, essas coisas nem (10) se discute, mas me dá raiva, ((incomp.)) porque, gente, é uma forma (11)de amadurecimento ((incomp.)), tem que fazer por mim mesmo. (12) L: ((incomp.)) não tem nenhuma formação principalmente em (13) língua inglesa, mas eles querem esperar coisas do governo.

(Grupo de Estudos, em 28/08/2006)

Quanto à formação do professor, as professoras participantes desta

pesquisa chegam à conclusão de que o professor não deveria esperar pelo Estado

no que se refere à sua capacitação, pois o próprio professor deveria ter consciência

68

de que a formação é parte de sua vida profissional. Desse modo, deveria sentir a

necessidade de querer melhorar, mesmo quando os dirigentes da escola não o

apóiam, cobrando um professor substituto para quando estiver ausente da escola

em cursos de formação.

A formação do professor de língua estrangeira, já mencionada no Capítulo 2

deste trabalho, é deficiente no Estado de Mato Grosso. Podemos perceber isso na

fala de Lúcia: “não tem nenhuma formação, principalmente, em língua inglesa, mas

eles querem esperar coisas do governo” (linhas 12 e 13).

Nesse excerto, as participantes usam a modalidade deôntica, verbo ter no

presente do indicativo, “tem que dar formação” (linha 2), para expressar a

obrigatoriedade do Estado quanto à formação de professores, “vai ter que pôr

alguém no meu lugar pra pagar do meu bolso” (linhas 6), expressando a cobrança

dos gestores da escola quanto à obrigatoriedade de o professor deixar um

substituto quando estiver ausente para se qualificar; “tem que fazer por mim

mesmo” (linha 11), ressaltando a obrigatoriedade de o professor perceber que, se

ele não faz para ele, se ele não se qualificar, ninguém o fará em seu lugar.

O uso predominante da modalidade categórica no discurso de Fernanda

evidencia alto grau de comprometimento dela com suas proposições. Ela usa o

verbo ser no presente do indicativo, pólo positivo “é”, para expressar grau positivo,

quanto à responsabilidade do governo de oferecer cursos de qualificação (linhas 2),

ao expor a necessidade que sente em estar sempre em cursos de formação (linha

4).

Fernanda usa o pronome “eu”, auto-referencial, várias vezes, com o

objetivo de se colocar como professora da escola estadual que quer estudar e fazer

os cursos de qualificação profissional, opondo-se às concepções de outros

professores que acham que o Estado é o responsável por isso. Nessa última

abordagem, Pennycook (1994: 177) enfatiza que o pronome “eu” pode também

operar como metade de uma construção do outro: ele pode ficar em oposição a

qualquer “você” ou “eles”. Foi o que sucedeu com Fernanda, que se opôs a seus

colegas.

Há, também, a ideologia que perpassa a instituição, escola pública, onde o

responsável por tudo é o governo. Ele é responsável pela qualidade do ensino, pela

qualidade da formação de seus professores, por salas e material adequado.

69

Quando esses instrumentos não estão disponíveis, simplesmente é culpa do

governo.

Nesse primeiro estudo de grupo, queremos enfatizar que a ADC não se

preocupa somente com a materialidade lingüística, mas também como essa

materialidade funciona na representação de eventos, na construção de relações

sociais, na estrutura, na reafirmação e na contestação de hegemonia no discurso

(RESENDE e RAMALHO, 2006). Portanto, analisar discurso não é meramente

utilizar a materialidade lingüística para apontar as intenções dos sujeitos, mas

perceber que os sujeitos produzem um discurso que está imbricado pela ideologia e

pela hegemonia que dominam o mundo moderno e, nessa prática social, eles podem

contestar e transformar as estruturas sociais. Quanto ao uso de modalidade,

Fairclough (2003) profere que ela pode ser vista como a questão de quanto e de

como as pessoas se comprometem quando fazem afirmações, perguntas,

demandas ou ofertas.

Na seção 4.1, pudemos perceber que a modalidade que se destaca na fala

das professoras é a modalidade deôntica, revelando, assim, alto grau de

comprometimento com a obrigatoriedade e (ou) necessidade que as professoras

possuem com suas proposições no contexto atual do ensino de língua inglesa na

rede pública.

No QUADRO 5, apresento um resumo dos sub-tópicos e percepções das

professoras acerca do Tópico 3: O perfil do professor de escola pública e a formação

continuada.

70

QUADRO 5 – Sub-tópicos e percepções do Tópico 3 TÓPICO 3 SUBTÓPICOS PERCEPÇÕES DAS PROFESSORAS

O perfil do professor de escola

pública e a formação

continuada

A importância do estudo de

grupo

A formação continuada muda a prática do professor. A formação continuada possibilita a troca de experiências. O estudo de grupo ajuda no desenvolvimento profissional. Há uma aprendizagem compartilhada.

Os professores que estão na

escola pública

Alguns professores são contratados com base em amizades. Alguns professores desenvolvem uma prática pautada na tradução e no uso da metalinguagem. Os professores são contratados sem conhecimento lingüístico-comunicativo. Não há teste de proficiência para a contratação de professores.

A formação continuada

Falta uma política de formação para professores de língua inglesa no Estado de Mato Grosso. As pessoas que estão na gestão escolar não dão apoio para que o professor se atualize. Comodismo de certos professores que não percebem a necessidade de se atualizar.

4. 2 Vozes que circulam entre a teoria e a prática

O texto de Ur (1999: 19) descortina uma discussão sobre a função da

prática definida pela autora como “o ensaio de certos comportamentos com o

objetivo de consolidar a aprendizagem [de línguas] e melhorar o desempenho [do

aluno]” 20. Embasada na “teoria da habilidade aplicada à aprendizagem das línguas”

de Johnson (1995 apud Ur, 1999: 20), Ur concebe o ensino de língua inglesa em

três etapas metodológicas: verbalização, automatização e autonomia. Na primeira

etapa, verbalização, segundo a autora, o professor pode explicar o sentido de uma

palavra ou de regras sobre a estrutura gramatical, para que os alunos possam usá-

las em um contexto. Essa etapa corresponde à apresentação. Na segunda,

automatização, é o momento em que os alunos começam a usar/praticar a língua à

luz das atividades propostas pelos professores. No início dessa etapa, os alunos

podem cometer erros, que diminuem à medida que o professor os monitora até o

momento em que conseguem produzir a informação corretamente sem pensar. Na

terceira e última etapa, compreendida como produção, os alunos se apropriam de

um conjunto de comportamentos que eles concretizam e começam a melhorar seu 20 “Practice can be roughly defined as the rehearsal of certain behaviours with the objectives of consolidating learning and improving performance”.

71

próprio desempenho lingüístico. Eles começam a ter mais velocidade, perceber ou

criar novas combinações para produzir o que querem e, desse modo, segundo Ur

(1999), os alunos se tornam autônomos. A autora afirma que as características de

uma prática de língua efetiva envolvem validade, pré-aprendizagem, volume,

orientação de sucesso, heterogeneidade, assistência do professor e interesse. Bem

explícita no texto está a exigência de atividades que tenham valores significativos

relacionados com fatos reais. Por exemplo, em uma atividade para usar números,

não adianta apenas decorá-los, é preciso entender por que e para que conhecê-los.

As professoras Lúcia e Fernanda questionam alguns pontos da teoria

apresentada por Ur (1999). O texto serviu como inspiração para uma reflexão do

fazer pedagógico de cada uma delas. Cada ponto discutido no texto era comparado

ao contexto em que as professoras atuam. Três tópicos surgiram em meio às

conversas. O primeiro foi “o ensino centrado no professor”; o segundo, “As

características de uma prática de sala de aula”; o terceiro, “a autonomia do aluno”.

Tópico 4 - O ensino centrado no professor

As professoras discutem o controle do professor durante a realização de uma

atividade.

Excerto 19 (1) V: [...] o papel do professor no período de automação é apenas de (2) monitorar. (3) L: O que não acontece, né, às vezes, é aquilo que eu falei, eu ainda (4) tenho esse problema de estar controlando, você lembra que eu (5) passei para você aquele dia,eu estava fazendo uma atividade que eu (6) não tinha confiança que eles iam fazer, sabe, eu fui lá e coloquei eles (7) para fazer. (8) V: Controlando. (9) L: Controlando ((incomp.)) (10) F: Deixar eles falando lá, jogar a responsabilidade nele e mostrar que (11) ele é responsável pelo ato dele, deixar que ele faça. (12) L: Acho que é isso é o que está faltando.

(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)

Lúcia usa o pronome “eu”, auto-referencial (linhas 3, 5 e 6), para revelar sua

insegurança quanto a seu papel em sala de aula, pois, para ela, o professor ainda é

aquele a quem cabe controlar as ações de seus alunos. Após a fala de Fernanda e

de Vera, em conflito com a sua, ela percebe que deve mudar sua prática para

reduzir seu controle sobre o processo de aprendizagem dos alunos “eu acho que é

72

isso que está faltando” (linha 12). Concorda, assim, com o discurso da autora do

texto e com o discurso das colegas do estudo de grupo: defendem a autonomia dos

alunos durante a realização das atividades.

Percebe-se que a mudança que permeia a prática do professor está

relacionada com o posicionamento discursivo dos outros membros do grupo.

Quando há uma tensão discursiva, as vozes se desencontram com opiniões

diversas sobre a prática e a teoria, levando os membros do grupo a refletir e a

querer mudar sua prática.

Ainda discutindo sobre o controle em sala de aula, Lúcia argumenta ser a

prática pedagógica influenciada pela maneira como aprendemos.

Excerto 20 (1) L: A questão de a gente ensinar como a gente aprendeu, alguém (2) controlando, e a gente acaba transferindo isso, é um erro, a gente tem (3) que começar a refletir sobre isso e começar a mudar, e quando, eu (4) coloco a questão da automatização, que é aquilo que você falou, de (5) estar monitorando, eu me imagino nessa situação, que na realidade, na (6) maior ia das vezes, eu estou é controlando e , é isso que (7) eu tenho que começar a refletir para tentar fazer a mudança, né.

(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)

Ao usar o pronome “a gente” (linha 2), ela inclui todos os professores que

têm uma prática influenciada pelas pessoas que já contribuíram com nossa

formação acadêmica. Para ela, quando usamos um modelo que não se enquadra

dentro de novo paradigma de ensino-aprendizagem, estamos transferindo

comportamentos aprendidos em experiências que não passaram/passam por

reformulação diante de fatos novos. Assim, propõe uma reflexão e uma mudança de

postura de modo enfático – uso da modalidade deôntica “tem que” (linha 2) e “tenho

que” (linha 7) – para evidenciar seu comprometimento com a vontade de mudar sua

prática.

É notável que todas as vezes que as professoras usam a modalidade

deôntica, representada pelo verbo ter, “ter que” e “ter de”, elas encetam movimentos

reflexivos em torno de sua prática que consideram inadequada, que precisa ser

melhorada, mostrando, assim, que têm a necessidade e a obrigatoriedade de

propor algo novo.

No excerto 21, a discussão é sobre o papel do professor em sala. Durante a

discussão, fica evidente que, na realidade, o professor procura controlar os alunos

73

porque tem medo de que eles não executem a atividade do jeito que ele gostaria.

Fernanda menciona que o professor trabalha com a hipótese zero de ser enganado

por seus alunos, mas, na verdade, isso é o que mais acontece em sala de aula, e o

professor só conseguirá mudar essa situação se lhes atribuir responsabilidade e

descentralizar o ensino.

Excerto 21 (1) F: Mas ele só vai criar, eu penso, ele só vai criar se ((imcomp.)) (2) L: Eu sei, mas eu ainda tenho dificuldades de dar, de lidar com (3) essa situação. (4) V: Do que você tem medo? Assim... você tem medo do que ? O que o (5) seu interior te diz? (6) F: O aluno te enganar. (7) L: Exatamente. (8) F: Mas por que, que você não pode ser enganada? Por que você é (9) professora (10) L: Eu não aceito (risos) (11) F: Ah... está vendo, porque esse é o problema, não é dela, é do (12) professor, da pessoa. O professor que não aceita a hipótese de ser (13) enganado, e ele é. Esse que eu acho o grande item, o professor (14) pensa que ele não é enganado, ele trabalha com isso e ele é (15) enganado a todo momento.Ele tem que ter essa consciência e o (16) papel se inverte quando a gente faz ao contrário e aí eles [os (17) alunos] têm medo de te enganar porque eles sabem que você está (18) jogando, jogando tudo para eles, eles pensam assim, para eles (19) fazerem alguma coisa, eles vão pensar mais e o problema é isso, (20) não aceitar ser enganado

(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)

Ainda nesse excerto, o uso da polaridade positiva e negativa, “é” e “não é”

(linhas 8, 11, 13, 14 e 19), por Fernanda, quanto ao seu papel de professora,

reafirma que a falta de confiança de Lúcia não é apenas dela, e sim, de todos os

professores. Isso justifica a atitude do professor que procura controlar o ensino

durante a execução das atividades.

Fernanda usa os pronomes “ele” (linhas 13 a 15) para se referir a todos os

professores que assumem um papel social dentro de uma relação assimétrica de

sala de aula, como autoridade não pode ser enganado. Logo em seguida (linha 16),

usa o pronome “a gente” incluindo-se como uma professora que também passa por

esse mesmo problema.

No excerto 22, Lúcia e Fernanda discutem a prática do professor, modelada

em experiências anteriores, inclusive da própria família, e a dificuldade que ele tem

em admitir que sua prática está inadequada e que precisa de mudança.

74

Excerto 22 (1) L: Isso, uma questão de educação e aquilo que a gente falou essa (2) mudança do professor, por que ele foi criado num sistema (3) tradicional, [...] professor ali, aluno lá, então para você fazer essa (4) mudança... as vezes... as vezes, não é fácil, você está enraizado e (5) essa postura vem da gente também, da nossa casa também, não é (6) só de educação, vem do dentro de casa, eu percebo muito que eu (7) sou assim vamos dizer, autoritária, não sei se essa é bem a palavra, (8) em função da minha família, da minha mãe que é assim, que (9) sempre foi, que sempre jogou muito aberto, que sempre falou (10) claramente, então isso influencia. Outra coisa difícil que ela falou, (11) para o professor é difícil admitir, admitir que eu sou assim e (12) acho que preciso mudança, isso que é ... (13) F: É mais difícil porque tem etapas, como tem essas etapas aqui, (14) tem as de lá também, eu acho que a primeira etapa é você saber (15) que você é assim. Isso já é um grande passo, quando eu (16) reconheço que é um longo processo, quando você reconhece aquilo (17) se fala assim ah resolvi o problema, que nada, agora que vai (18) resolver, porque eu sou assim, como é que eu vou fazer para (19) mudar, aí mostrar isso para os outros, o quê você tinha e o quê (20) você precisa de mudar, você sempre teve um perfil. Isso agora (21) vai mudar para aquilo de uma hora para outra, é muito difícil (22) porque mexe com tudo, né?

(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)

Fernanda usa a modalidade subjetiva “eu acho” (linha 14) e a modalidade

categórica não hipotética no pólo positivo “é” (linhas14, 15, 16, e 18) para abordar a

importância da pessoa se conhecer, conhecer a sua prática, propor mudança e

reconhecer que essa mudança é um processo longo porque desestabiliza as

crenças. Lúcia usa a modalidade categórica no pólo negativo, “não é” (linha 4 e 5),

para expressar a dificuldade que sente quando uma prática sua exige mudança e

quando percebe que isso não é um problema só da educação, mas decorrente

também de experiências familiares cotidianas.

Nesse excerto, as professoras voltam a refletir sobre a formação do

professor, do quanto é difícil mudar uma prática repleta de outros valores e crenças.

Principalmente, quando há uma diferença muito grande quanto aos diferentes papéis

sociais que ambos têm que assumir em uma sala de aula. No modelo mais

tradicional, o aluno é aquele que não tem voz, apenas recebe ordens e as executa.

O professor é aquele que detém o conhecimento e ensina, mas muitas vezes, essa

prática não é eficiente e o professor precisa mudar, o que, segundo as professoras,

não é fácil. Primeiro é preciso identificar e reconhecer as falhas para depois corrigi-

las.

QUADRO 6 mostra um resumo dos sub-tópicos e das percepções das

professoras acerca do Tópico 4: O ensino centrado no professor.

75

QUADRO 6 – Sub-tópicos e percepções do Tópico 4 TÓPICO 4 SUBTÓPICOS PERCEPÇÕES DAS PROFESSORAS

O ensino centrado

no professor

O controle do professor vs

autonomia do aluno

Ensino centrado no professor: pouco espaço para o aluno desenvolver sua autonomia Ensino centrado no aluno: maior possibilidade de os alunos serem responsáveis por seu processo de aprendizagem.

A influência do conhecimento

anterior

Ensino com base nos modelos de ensino que tivemos como alunos.

A importância da

reflexão

Reflexão ajuda a mudar a prática. Professor e alunos são co-responsáveis no processo ensino-aprendizagem.

Tópico 5 - As características de boa prática de sala de aula

Vera e Fernanda discutem a prática de língua efetiva dentro do modelo

desenhado por UR (1999), concordando com as idéias da autora.

Excerto 23 (1) V: Aí, ela fala das características de uma prática de língua, efetiva, que (2) ela dá validade, as atividades deveriam ativar primeiramente as (3) habilidades, [...] e aí, ela vem chamando atenção para aquilo que ela (4) chama de validade, não é necessariamente que a língua deveria ser (5) usada em algum tipo de replicação da comunicação da vida real, aí (6) ela fala da pronúncia que deve ser trabalhada com drills ou práticas de (7) vocabulário que também podem ser validadas se de fato servem, (8) primeiramente, para melhorar os itens que estão sendo praticados, (9) [...] (10) F: Que cada um deveria ter uma compreensão preliminar do que ele (11) queira na prática [de língua]. (12) V: Isso, ela quer dizer, que eu não posso colocar o aluno para (13) sentar com o colega fazendo planos futuros, se ele não aprendeu (14) antes, [...] praticar como funciona essa estrutura, que vocabulário (15) utilizar, então,defesa que ela faz, é bem isso mesmo, é claro que isso é (16) importante [...].

(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)

Vera usa a modalidade categórica hipotética, verbo “dever” no futuro do

pretérito “deveriam” (linha 2) e “deveria” (linha 4), para indicar baixo grau de

comprometimento com as proposições, uma vez que está parafraseando Ur. Ao usar

a modalidade deôntica, verbo “dever” no presente do indicativo “deve ser”, ela passa

a concordar com o discurso de Ur, que vê a obrigatoriedade do ensino de pronúncia

mediante a prática de drills. Em seguida, Vera muda seu posicionamento

novamente, usando a modalidade categórica não hipotética, verbo “poder” no

76

presente do indicativo “podem ser” linha (linha 7), para expressar a possibilidade da

validação da atividade de prática de vocabulário e de pronúncia somente quando

essas contribuem para ajudar no desenvolvimento da prática de língua.

Fernanda, por sua vez, usa a modalidade hipotética, verbo “dever” no

futuro do pretérito “deveria ter” (linha 10), para indicar que os professores de língua

muitas vezes não sabem o objetivo de uma atividade de prática de língua antes de

propô-la para seus alunos.

As professoras também corroboram o discurso de Ur no sentido de que não

se pode colocar o aluno na etapa da produção sem ele ter passado pela

verbalização e pela automatização. Em contrapartida, elas se distanciam daqueles

professores que desenvolvem várias atividades de prática de língua sem pensar

nos objetivos dessas atividades.

A definição de “contexto real” apresentado por Ur (1999) gera um conflito

entre as professoras.

Excerto 24 (1) V: Características de uma boa prática [de sala de aula], quando ela fala (2) de qualidade quando ela joga a questão do mundo real, o que vocês (3) vêem nisso, aí? (4) F: Que a gente tem que pegar o livro e jogar fora. (5) V: Que comunicação é essa? (6) F: Né? Começa por aí. (7) V: Obriga a gente a pensar o seguinte, nós estamos [...] aprendendo (8) inglês num contexto de língua estrangeira, como que a prática vai (9) ser real? Que significa isso? (10) L: Se ele for lá para o pantanal numa pousada X, onde tem (11) estrangeiro, [...] conversando com aquelas pessoas, ele está fazendo (12) uma prática real. (13) V: Por que ele está utilizando a língua para (incompreensível). (14) L: É uma prática real, [...]. (15) V: Qualquer um curso de idioma, entro no instituto para dar aula, é (16) tudo forjado, os contextos são todos forçados, você pensa em (17) contextualizar o máximo, mas você nunca tem um contexto real.

(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)

Neste excerto, há um conflito entre as vozes das professoras com a voz da

autora do texto. Ur provavelmente faz referência a contexto real, aludindo-se a

situações de uso da língua fora da sala de aula em contextos de aprendizagem de

segunda língua em que o aluno tem a oportunidade de interagir continuamente com

falantes nativos. No caso do Brasil, o contexto real fora da sala de aula é o da

língua portuguesa. A interação com estrangeiros que possibilitaria uma

oportunidade para falar inglês é rara. Para as professoras, não existe um contexto

77

real nesse sentido. O que existem são situações simuladas, forjadas dentro da sala

de aula para representar situações semelhantes ao contexto real.

Percebe-se, por trás dessas vozes, um discurso que permeia vozes da

área da Lingüística Aplicada: o constante dilema de professores que se vêem

divididos entre o ensino de “forma e conteúdo”, conforme bem disse Assis-Peterson

e Oliveira (2004: 145):

Professores de Língua Estrangeira (L2) encontram-se frequentemente envolvidos em situações de dupla-pressão: implementar atividades visando ao desenvolvimento da competência comunicativa, em que os alunos e professores possam interagir socialmente e produzir sentidos na L2, ou promover atividades voltadas para a metalinguagem que enfoquem a estrutura da língua a ser aprendida.

Lúcia e Vera falam sobre a importância do conhecimento de mundo dos

alunos como uma necessidade primária para o desenvolvimento de uma prática de

língua em sala de aula.

Excerto 25 (1) L: Que leitura eles têm de mundo, então, como que você vai pedir a (2) eles praticarem, né, alguma coisa sobre determinado assunto, se (3) eles não têm isso enquanto leitura de mundo, você vai falar sobre (4) obras de arte... (5) [...] a gente vê exemplos muito práticos disso, profissões, aí você (6) trabalha profissões, dá o vocabulário, médico, engenheiro, sei lá o que, (7) [...] aí põe figuras de pessoas estrangeiras, aí alguns passam para o (8) brasileiro, aí não funciona, porque ou você mostra uma imagem, por (9) exemplo, de uma Daiane dos Santos, ele não sabe quem é, (10) [...],então seus exercícios, sua prática vai por água abaixo. (11) V: E esses livros importados, as personalidades são todas (12) internacionais, na maioria das vezes. (13) L: E quando trazem [...], as personagens brasileiras que não fazem (14) parte do conhecimento de mundo dos alunos.

(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)

Lúcia usa o pronome “você” (linhas 1 e 3) referindo-se a todos os

professores de inglês que propõem uma atividade em sala e se preocupam com o

conhecimento prévio – conhecimento de mundo – dos alunos. Nesse momento, ela

se exclui na qualidade de falante, mas o uso do pronome “a gente” (eu + vocês,

linha 5) revela que ela também percebe que, quando os alunos não conhecem o

assunto ou as personagens presentes no texto, eles não conseguem se envolver de

modo significativo e executar a atividade.

78

As professoras sabem que o conhecimento de mundo do aluno é importante

para o desenvolvimento de determinadas atividades porque, quando ele não

conhece uma imagem ou uma figura, fica impossibilitado de descrevê-la ou de

argumentar sobre o assunto utilizando a língua estrangeira. Nesse excerto, há a

predominância do uso da modalidade epistêmica – proposições são afirmativas

enfatizando o comprometimento com a verdade –, representada nas ações das

professoras ao discorrerem sobre seu trabalho em sala de aula, sobre suas crenças

e sobre uma boa atividade de prática de língua desenvolvida em sala de aula.

O excerto apresenta o conflito entre a voz do livro didático e a voz das

professoras. O livro didático é produzido para um mercado internacional sem se

levar em conta as especificidades culturais de cada país. Para as professoras,

conscientes desse problema, o livro didático deveria levar em conta essas

diferenças culturais. Perpassa essa discussão a ideologia de que as classes sociais

mais baixas possuem um conhecimento cultural inferior.

No excerto 26, Fernanda apresenta um dos principais problemas que os

professores enfrentam quando propõem atividades de prática de língua que

envolvem a interação aluno-aluno

Excerto 26 (1) F: Não tem... aquela atividade, que eu deixei na transparência, tinha (2) um formulário e eu passei para minha turma então ele vai fazer a (3) pergunta e preencher o formulário para o colega e o colega vai fazer o (4) mesmo, eu [...] eu percebi que chegaram e fizeram em português (5) mesmo e eu estava olhando, fiquei olhando e não falei nada então (6) eu percebi que uns praticaram, outros não

(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)

Nesse excerto, Fernanda, várias vezes, usa o pronome “eu” auto-referencial

e a modalidade subjetiva “eu percebi” (linha 4) para indicar a sua indignação com o

fato de ter presenciado os alunos usarem a língua portuguesa para desenvolver uma

atividade durante a aula de inglês.

Para professores de língua estrangeira, é importante que os alunos

interajam na língua estrangeira para que possam desenvolver seu nível lingüístico-

comunicativo. Nas salas de aula de escola pública, em que há grande número de

alunos, o professor precisa circular entre os grupos monitorando a execução da

atividade, orientando, anotando e observando o tempo todo.

79

Ainda nesse excerto, percebe-se que a professora valeu-se de seu silêncio,

acentuando a relação de poder que existe entre professor e alunos. Ela poderia

chamar-lhes a atenção, mas ficou em silêncio, observando a atitude inadequada, ao

se valerem da língua portuguesa. Percebe-se, também, mais uma das constantes

preocupações de professores e pesquisadores: a dosagem ideal do uso da língua

materna e da estrangeira em sala de aula.

O QUADRO 7 mostra um resumo dos subtópicos e as percepções das

professoras acerca do Tópico 5: As características de boa prática de sala de aula.

QUADRO 7 – Sub-tópicos e percepções do Tópico 5 TÓPICO 5 SUBTÓPICOS PERCEPÇÕES DAS PROFESSORAS

As características de boa prática

de sala de aula

O contexto de ensino aprendizagem de língua estrangeira

Contextos utilizados para o ensino de língua inglesa são forjados, imitação da realidade. Material de ensino não apresenta o contexto sócio-cultural do aluno. Livro didático não explora conhecimento de mundo dos alunos. Conteúdo deve seguir as três etapas propostas por Ur.

O papel do professor

Professor deve organizar a seqüência das atividades. Professor deve promover atividades e exercícios para consolidação da aprendizagem. Professor não pode cobrar produção sem ter trabalhado o conteúdo. Língua-alvo deve ser utilizada durante a realização das atividades. Uso da língua deve ocorrer em contexto real.

O papel do aluno

Conhecimento de mundo é crucial para o desenvolvimento de determinadas atividades práticas.

Tópico 6 – A autonomia do aluno

Fernanda relata o episódio de um aluno ter colado durante uma avaliação

de inglês, quando ela não estava presente, e sua atitude perante tal fato.

Excerto 27 (1) F: Hoje, entreguei uma prova que eu sei que ele colou, não comigo, com (2) o outro, ah, 4, professora, eu falei assim, 4 colado Wellington, [...] aí ele (3) falou assim ,você nem deu a prova, e como você sabe que (4) eu (4) colei? Eu falei assim, sabe por que Wellington, você está comigo desde (5) o começo do ano, [...], você acha que tem como eu acreditar que você

80

(6) tirou 4 nessa prova? Seja sincero, você acreditaria, ele olhou pra mim (7) e disse, você é foda, hein! Então, eu vou tirar seus 4, não vou, a sua (8) nota é 4, sabe por que isso, é pela sua consciência, você tirou 4, você (9) colou, você aprendeu, porque eu não preciso aprender, isso aí, eu já (10) aprendi, agora eu aprendi uma coisa sobre você, não é sempre que (11) eu posso confiar em você porque você colou na minha ausência, (12) amanhã pode ser na sua vida, você pode tirar alguma coisa de (13) alguém, alguém vê, te prende, isso é o que você vai construindo, essa (14) nota é a nota que você tirou, [...]só pra você confirmar pra mim uma (15) coisa, aí ele falou, depois dessa professora, eu não quero nem mais (16) ver minha prova, entendeu, agora é essa relação dia-a-dia, de você, (17) você ser clara com ele, você tem, eu acho que é uma questão de (18) maturidade, de maldade, você tem que ter um pouco de maldade com (19) os jovens, não acreditar, deixar de ser mãe [...] tem que ser (20) profissional, e enquanto profissional, você tem que tomar certas (21) atitudes, sérias, bruscas, brutas, tem que ter, e o professor não é (22) assim, ele tem medo de Secretaria de Educação, entendeu, ele tem (23) medo de processo, tem medo de não sei o quê.

(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)

Ao apresentar o ocorrido com um aluno que colou na prova, Fernanda deixa

claro que o fez enxergar que não foi uma postura adequada. Ela usa a modalidade

categórica, advérbio “sempre” seguido do advérbio “não” (linha 10), para indicar que

nem sempre ela pode acreditar em seu aluno. Fernanda também usa “pode ser”

(linha 12), modalidade objetiva, evidenciando a relação de poder entre ela

(professora) e o aluno para dizer-lhe que ela tem experiência e que a atitude dele

poderá trazer-lhe complicações futuras, porque indicam falta de seriedade,

honestidade, valores cruciais para a formação do bom cidadão.

O uso da modalidade categórica não hipotética “posso” (linha 11) e “pode

tirar” (linha 12), indica possibilidade de acreditar de novo no aluno, dar-lhe outra

chance e a possibilidade de ele ser punido mais severamente fora do contexto de

escola quando cometer alguma infração. Ela chama sua atenção para atitudes que,

hoje em dia, estão quase naturalizadas, isto é, aparentemente, são consideradas

“normais” no contexto de escola, mas, em outros contextos, poderiam lhe causar

problemas.

O uso do pronome “você” para indicar o aluno (linhas 4, 5, 9, 11, 12, 13,14

e 15), aponta o distanciamento de Fernanda, o eu-professor se distanciando e

evidenciando as atitudes do aluno, as quais ela não aprovou. Há, também, a

mudança de discurso indireto para direto quando ela narra os fatos como se fosse o

aluno e diz: “ele olhou pra mim e disse: você é foda, hein!” (linha 7). Neste

momento, a voz do aluno é materializada em seu próprio discurso.

81

A instituição escola é um local em que as relações de poder são muito

acentuadas. São várias vozes sendo silenciadas por outras vozes. Professores

acabam sendo coniventes com muitas ações inadequadas de seus alunos por medo

de processos administrativos movidos por alunos ou pais de alunos. Dirigir-se ao

aluno para cobrar um comportamento ético nem sempre é uma ação corriqueira. Ela

pode ser interpretada como agressão, humilhação e pode até mesmo gerar

processos. Quando Fernanda diz “professor não é assim, ele tem medo de

secretaria de educação, entendeu, ele tem medo de processo, tem medo de não sei

o quê” (linhas 22 a 24), ela chama a atenção para a voz do professor que é

silenciada nas escolas por força da hierarquia presente no contexto da educação.

Hoje, o professor é um ser amedrontado por processos administrativos. Há uma

relação de poder entre o professor e a SEDUC, e qualquer atitude que não esteja

conforme os parâmetros da secretaria é passível de punição.

Fernanda comenta o comportamento de seus alunos quando ela solicitou

que eles corrigissem algumas avaliações.

Excerto 28 (1) F: Eu dou a prova e depois eu dou para ele de novo, não é que eu (2) corrigi, para ele, ele corrigir, vai, a gente vai corrigindo junto, ele dá a (3) nota, ele soma, ele dá nota e, aí, aí, eu tirei três, eu tirei dois, seja a (4) nota que for, ele fala, professora, você é a única que deixa a gente (5) corrigir nossa prova, eu acho, nesse trabalho de corrigir, de uma certa (6) forma, por mais que ele seja ainda uma criança ((incomp.)) dele, e você (7) vê casos assim, um falou, oh fulano, aumenta minha nota, aí, eu já ouvi (8) ele falando, mais fingi que não ouvi, eu fiquei assim... O outro falou, (9) você acha que eu vou fazer uma coisa dessas? Engraçadinho, isso não (10) é certo não, então tem fazer.

(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)

Nesse excerto, Fernanda usa o pronome “ele” (linhas 1, 2 e 3), indicando

aos alunos presentes que eles têm uma obrigação a cumprir: corrigir sua própria

prova. Ela também faz uso do pronome “a gente”, “a gente vai corrigindo” (linha 2),

para indicar que a correção será feita por ela e por eles em conjunto. Um dos

alunos também usa o pronome “a gente” para indicar “nós-alunos” corrigimos a

prova, “você é a única que deixa a gente corrigir” (linha 4). Essa atitude de

Fernanda representa quebra de hierarquia entre professora e aluno. Ele, ao corrigir

e atribuir nota para a prova do colega, torna-se co-responsável no processo de

ensino-aprendizagem. Contudo, Fernanda salienta que, se por um lado há quem

82

percebe a importância dessa ação, por outro lado há aqueles alunos que procuram

se beneficiar com a situação, pedindo que o colega aumente sua nota.

Ainda no excerto 28, Fernanda mostra que conhece bem seus alunos, sabe

que eles têm responsabilidade e que seu papel em sala de aula vai além de ensinar

um conteúdo gramatical, aplicar uma avaliação e corrigi-la. Seu dever é ensiná-los a

ter responsabilidade e a ser honestos. Ela se mostra bem tranqüila quanto a seu

papel, pois sabe da possibilidade de ser enganada por alguns, mas isso é normal,

uma vez que os alunos estão em processo de formação acadêmica e de formação

como pessoas. Já para Lúcia, é inaceitável ser enganada por seus alunos.

Leila e Fernanda questionam o conceito de autonomia apresentado por Ur

(1999), relatando exemplos de alunos que aprendem fora do contexto da escola.

Excerto 29 (1) L: Autonomia, ela já fala quando o aluno já está, aquilo que foi ensinado, (2) praticado, ele já tem que, já começar a usar de uma forma mais (3) autônoma. (4) F: Eu até questiono um pouco em relação a isso, quando ela fala (5) que autonomia é quando ele põe em prática aquilo que ele (6) aprendeu ,1º assim tem que vê o caso, o que ele aprendeu, eu vejo o (7) caso assim de aluno de inglês, o nosso caso aluno de inglês, tem aluno (8) ((incomp.)) ele quer falar com a professora, ai ele fala, hi professora, (9) the book on the table [...] isso gente, é interação [...]. (10) L: E onde ela faz isso, na sala de aula? (11) F: Não nos corredores, aí quem não entende vai falar, assim, ela está (12) falando em inglês, quem entende, deve pensar que ela é louca, quem (13) não entende, fala nossa! Como ela fala inglês! Quer dizer, ela enquanto (14) adolescente, ela se sobressai no meio dela, porque ela está (15) falando uma língua e comunicando com a professora.

(Grupo de Estudos, em 27/09/2006)

Lúcia usa a modalidade deôntica “tem que” (linha 2) indicando que, ao

aprender determinado assunto ou conteúdo em inglês, o aluno tem a obrigação de

transferir o conhecimento adquirido para outros contextos. O discurso, nesse caso,

não é amenizado, soa como imposição.

Como nos excertos anteriores, a reflexão sempre emerge de um tema

apresentado pelo autor, com o qual as professoras não concordam. Percebe-se um

conflito entre a voz de Lúcia, que concorda com Ur (1999) – o aluno tem autonomia

quando ele aprende e transfere para outros contextos – e a voz de Fernanda – o

aluno pode aprender fora da sala de aula e trazer esse conhecimento para a escola.

Fernanda cita o exemplo de uma aluna que, quando se encontra com ela fora da

83

escola, fala qualquer coisa com ela em inglês por falar, não se importando com o

que as pessoas a seu redor vão pensar.

Esse uso do inglês fora da sala de aula, apresentado como um sinal de

autonomia na aprendizagem, pode indicar um sinal de “distinção” entre grupos de

adolescentes. A fala de Fernanda reforça o que alguns autores (PHILLIPSON,1992;

PENNYCOOK,1998; RAJAGOPALAN, 2001, 2003) vêm discutindo sobre o ensino

de língua inglesa no mundo. As pessoas se dedicam à tarefa de aprender línguas

estrangeiras porque isso sempre representou prestígio. A pessoa que fala uma

língua estrangeira é admirada e considerado culta e distinta. Há uma escala de

valores que apresenta a língua inglesa com fortes conotações ideológicas.

Phillipson (1992:47apud RAJAGOPALAN, 2003), por exemplo, apresenta o termo

“lingüicismo”, referindo-se “às ideologias, estruturas e práticas que são mobilizadas

para legitimar, efetuar e reproduzir uma divisão desigual de poder e recursos – tanto

material como não material – entre grupos desmarcados com base lingüística”.

Desse modo, a língua inglesa e sua cultura sempre são consideradas superiores

por boa parte dos professores.

A palavra autonomia, nos discursos dos professores desta pesquisa, é

conceituada com o intuito de levar os alunos a traçar seu próprio caminho como

aprendizes. Para Ur (1999: 20), autonomia é o momento do desenvolvimento da

aprendizagem em que os aprendizes são capazes de usar a língua estrangeira em

qualquer contexto interacional, são capazes de construir o que querem dizer e de

compreender o que é dito. Em suas palavras, “os aprendizes continuam a usar sua

habilidade sozinha, tornando-se mais proficientes e criativos”.

Oliveira e Paiva (2005), por sua vez, apresenta duas idéias predominantes

na literatura de ensino-aprendizagem de língua estrangeira sobre autonomia.

Quanto à primeira, trata-se do conceito linear de autonomia, ao considerar que o

sucesso do aprendiz está ligado à responsabilidade sobre a própria aprendizagem.

A outra questão recorrente é a de que o professor é o responsável pela construção

da autonomia e a ele compete proporcionar ambientes favoráveis de aprendizagem.

Nos excertos aqui apresentados, o conceito de autonomia do aluno

discutido pelas professoras abarca as definições de Ur (1998) e Oliveira e Paiva

(2005).

O QUADRO 8 apresenta um resumo dos sub-tópicos e as percepções das

professoras acerca do Tópico 6: A autonomia do aluno.

84

QUADRO 8 – Sub–tópicos e percepções do Tópico 6

TÓPICO 6 SUBTÓPICOS PERCEPÇÕES DAS PROFESSORAS

A autonomia do aluno

O modelo PPP (UR,

1999)

A aula nem sempre deve seguir a seqüência apresentada pela teoria P.P.P. A abordagem comunicativa propõe um ensino pautado pela confiança entre professor e alunos. O professor tem dificuldade para diagnosticar o que está errado em sua prática de sala de aula. O aluno deve ser exposto a situações para negociar sentido durante a interação.

A autonomia do aluno

O aluno precisa deve saber usar a língua fora da sala de aula. O aluno deve ser responsável pela sua aprendizagem.

85

CAPÍTULO 5

O FINAL

Neste capítulo conclusivo, entreabro uma síntese interpretativa dos resultados

descritos nas duas seções anteriores, procurando responder às perguntas de

pesquisa apresentadas na introdução deste trabalho. Em seguida, revelo as

limitações e as contribuições do estudo.

5.1 Discussão e implicações

Nesta seção, discuto os resultados apresentados na análise mediante a

retomada das quatro perguntas de pesquisa que motivaram este estudo, delineando

algumas implicações para a formação continuada de professores de língua inglesa

da escola pública.

Como já foi citado no Capítulo 1, este trabalho foi motivado pela inquietação

em buscar instrumentos que possibilitem o desenvolvimento profissional de

professores de língua inglesa de escola pública, alicerçados nas conversas

colaborativas teoricamente informadas para propiciar momentos de estudo e

reflexão sobre as práticas pedagógicas e sobre a formação crítico-reflexiva.

Pergunta de pesquisa 1 – Quais os tópicos recorrentes nas conversas colaborativas de duas professoras de inglês da escola pública?

Foram seis os tópicos recorrentes com relação às conversas em torno dos

dois textos escolhidos para a análise: “a importância de uma formação crítica por

parte do professor”, “os problemas do ensino de língua inglesa na escola pública”, “o

perfil do professor de escola pública e a formação continuada”, “o ensino centrado

no professor”, “as características de boa prática de sala de aula” e “a autonomia do

aluno”. A definição e organização dos dados por meio de tópicos e sub-tópicos

forneceram a base para vislumbrar as percepções das duas professoras em meio às

conversas colaborativas.

86

Em relação ao tópico “a importância de uma formação crítica por parte do

professor”, é relevante destacar a ênfase com que as professoras defenderam a

necessidade de os professores de escola pública desenvolverem senso crítico em

relação ao seu fazer pedagógico e aos diversos discursos que permeiam as práticas

sociais. Eles entendem que sua formação crítica – conhecimento de teorias de

ensino, de documentos oficiais – e consciência de seus direitos tornaram-nas mais

confiantes e assertivas, garantindo-lhes a elaboração de contra-discursos às forças

institucionais antagônicas ao trabalho que desenvolvem na escola.

Essa formação crítica, defendida por Pennycook (1998), Rajagopalan

(2003), Cox e Assis-Peterson (2005) e Assis-Peterson e Cox (2007), está embasada

nos princípios da pedagogia crítica. Esses autores acreditam que os professores

devem se significar na linguagem e fazer uso dela para se fazerem ouvidos por meio

da elaboração de contra-discursos. As autoras Magalhães (2002), Liberalli (2002) e

Papa (2005) também são favoráveis a uma formação reflexivo-crítica. Elas acreditam

que os sujeitos devem se preocupar em transformar o contexto nos quais estão

inseridos por meio de contra-discursos, desvelando as conexões ocultas que

permeiam a escola e a sala de aula, trazendo à tona os efeitos ideológicos do poder

e da dominação. Essa formação contribui para que alunos e professores aprendam

e ensinem a língua estrangeira, principalmente o inglês, de maneira não alienada,

sem sobrepor a cultura dos países colonizadores à dos colonizados.

No tocante aos tópicos, “os problemas do ensino de língua inglesa na

escola pública” e “o perfil do professor de escola pública e a formação continuada”,

os resultados da análise apontam vários problemas do ensino de língua estrangeira

na escola pública. As professoras, por exemplo, retomam um discurso recorrente na

literatura, em que o ensino de inglês é uma peça encenada por maus atores, ao se

referirem aos professores não habilitados, ou com pouco preparo – professores

descomprometidos. Conforme resultados da pesquisa de Cox e Assis-Peterson

(2002), há professores de língua inglesa que “são” professores e outros que “estão”

professores, isto é, não são habilitados ou pouco ou quase nada sabem a respeito

das abordagens de ensinar/aprender o idioma inglês.

Essa situação agrava o status desprestigiado do inglês na escola pública,

segundo Fernanda e Lúcia, que assinalam a ausência de apoio institucional e

governamental para que o professor se atualize. Tal constatação também foi

apontada no estudo realizado por Santos (2005): “o ensino de língua inglesa na

87

escola pública do Estado de Mato Grosso não funciona porque os contextos

institucionais e governamentais não oferecem condições para que o

ensino/aprendizagem aconteça de forma satisfatória”. Conforme Santos, os

professores de sua pesquisa declararam que “se sentem abandonados”.

Vale dizer, entretanto, que as duas professoras que fizeram parte deste

estudo “são” professoras e estão em busca de aprimorar a abordagem de ensinar e

aprender inglês na escola pública. Para isso, estão dispostas a lutar contra aqueles

que queiram interromper o desenvolvimento do projeto em que estão engajadas:

“Re-significando a Aprendizagem de Língua Estrangeira: um projeto de ensino das

quatro habilidades comunicativas”. Observam, com atenção, se o professor a ser

contratado pela escola possui o nível de proficiência lingüística necessário para

participar do projeto, chegando a interferir na contratação de professores quando

esse quesito não é atendido. Muitos dos formadores de professores de língua

estrangeira defendem a necessidade de uma formação lingüístico-comunicativa

eficiente por parte do professor de língua inglesa (OLIVEIRA E PAIVA, 2003a,

2003b; GIMENEZ, 2005a, 2005b e 2005c). Gimenez assevera que a baixa

proficiência lingüística do professor é uma das principais vilãs da qualidade de

ensino oferecida nas escolas de ensino regular – públicas e particulares –, em razão

da fragilidade da formação durante a graduação de cursos com dupla habilitação.

Gimenez e Paiva concordam que a quantidade de horas para a língua inglesa dos

cursos de graduação é irrisória – aproximadamente 360h, sem incluir as literaturas –

para atender ao novo perfil de aluno ingressante nos cursos de Letras – nível básico.

Daí a necessidade da criação de cursos de Letras de habilitação única.

Em relação aos tópicos, “o ensino centrado no professor”, “as

características de boa prática de sala de aula” e “a autonomia do aluno”, as

professoras se posicionaram fortemente a favor de uma prática pedagógica centrada

no aluno. Quer dizer, é preciso que as atividades sejam direcionadas ao universo

sociocultural a que o aluno pertença e que o seu conhecimento prévio de mundo

seja levado em conta. É preciso que aluno seja envolvido no próprio processo de

aprendizagem, trabalhando em conjunto com o professor. O conhecimento passa a

ser visto como movimentos de co-construção e não de transmissão do professor

para o aluno.

Os dados nos evidenciam que as professoras estão lutando contra a visão

do sistema de ensino tecnicista. Elas têm uma visão sintonizada com os lingüistas

88

aplicados, que pregam com veemência não ser a visão tecnicista de formação

suficiente para preparar o professor para a complexidade e diversidade dos

contextos escolares atuais. O professor hoje, segundo Moita Lopes (2001) e

Magalhães (2002), não pode ficar atado a uma visão dogmática que envolve apenas

treinamento no uso de técnicas de ensino, sem levar em consideração a diversidade

cultural dos sujeitos que estão no contexto escolar, criando-se a impressão de que

aquilo que é oferecido é o melhor e que deve, portanto, ser repassado como

verdade universal, passível de ser aplicado em qualquer contexto, como se os

sujeitos fossem todos idênticos.

Pergunta de pesquisa 2 – Que modalidades estão presentes nas falas das professoras?

Os discursos das professoras, modelados pelas modalidades categóricas

não hipotéticas no pólo positivo, modalidade deôntica e epistêmica, revelaram um

alto grau de comprometimento e engajamento em relação a seu fazer pedagógico, à

elaboração do PPP, a seu compromisso para manter o projeto e o ensino de

qualidade, à necessidade de seu desenvolvimento profissional. As reflexões

nascidas das conversas colaborativas foram pautadas pelas percepções das

professoras entre o que consideram como adequado ou inadequado no contexto

atual de ensino. Elas atentaram para a necessidade de elaboração de novas

metodologias, posturas, evidenciando a obrigatoriedade e o compromisso que estão

centrados no papel social da profissão no empenho com o ensino. Também

revelaram entusiasmo, “garra”, força, coragem para continuar lutando por um ensino

de qualidade na escola pública.

A modalidade subjetiva (eu auto-referencial e os modalizadores) foi bastante

freqüente para explicitar o grau de conhecimento do falante para com seu ponto de

vista. A modalidade subjetiva, com o uso dos pronomes (eu, nós, a gente), modelou

o grau de aproximação (inclusão) ou distanciamento (exclusão) das professoras em

relação a seu papel político. O uso do pronome “nós”, “a gente”, por diversas vezes,

reforçou o compartilhamento de uma mesma ansiedade, angústia, embate e lutas

vividas pelas duas professoras em seu ambiente de trabalho.

A modalidade deôntica – ter de ou ter que – foi a mais recorrente nas falas

das professoras em virtude de elas serem muito responsáveis com seu fazer

89

pedagógico e ao perceberem algo inadequado, à luz de teorias ou de experiência de

colegas, refletiam e propunham a mudança como uma obrigatoriedade a ser

realizada.

Pergunta de pesquisa 3 – Como as professoras se posicionam em relação às

vozes presentes na escola pública?

O projeto desenvolvido no contexto desta pesquisa é emblemático pelas

fissuras que causam no sistema. Primeiro porque ele representa a luta das duas

professoras na escola para desenvolver um trabalho de qualidade para que a

disciplina língua estrangeira (no caso, o inglês) possa alcançar o valor que merece

dentro do currículo. Segundo, ele desloca a língua inglesa do horário regular, uma

vez que é ministrada em turno extra, com duas horas aula. Além disso, a ênfase na

comunicação oral com o objetivo de atender à demanda dos alunos que anseiam por

falar a língua é também resposta ao já esgotado modo de ensinar por meio de

exercícios gramaticais e tradução.

Se, por um lado, alguns professores ousam implementar mudanças no

currículo, movidos por orientações do novo paradigma de ensino e aprendizagem de

línguas – presentes nos PCNs e OCEMs – documentos oficiais –, por outro, eles

encaram dificuldades do sistema burocrático que tenta manter o status quo. Por

exemplo, quaisquer mudanças que acarretam gastos tendem a ser repelidas sob a

rubrica de contenção de despesas. Implementar a reforma educacional proposta

pelos PCNs e OCEMs não exige apenas mudanças na postura do professor em sala

de aula, nem investimentos em sua formação, hoje problemática, exige,

principalmente, disposição política por parte de órgãos administrativos (SEDUC), da

direção da escola e da participação dos pais no sentido de criação de um colegiado

profissional e de liderança educacional em torno de um mesmo objetivo.

Se a legislação diz que o inglês é importante para a formação do cidadão,

se os professores dizem que turmas numerosas não permitem a qualidade de

ensino de língua inglesa porque não podem dar a atenção que o aluno merece e se

o Estado continua a ignorar as solicitações dos professores, fica claro, então, que há

dois discursos em profundo embate: o discurso institucional, de caráter burocrático,

e o discurso educacional, de caráter progressista.

90

Embora os documentos oficiais exibam um discurso progressista, na prática

o próprio Estado não apresenta mecanismos de sustentação e apoio para pôr em

prática novos objetivos educacionais traçados pelos PCNs e OCEMs. Os discursos

das duas professoras deixam entrever essa tensão entre o institucional e o fazer

cotidiano. Assim, para manter o projeto na escola, Fernanda e Lúcia mantêm

vigilância e negociação contínua com representantes da SEDUC. Esse embate, no

entanto, só é possível em decorrência do conhecimento que elas possuem acerca

de seus direitos. São professoras informadas, questionadoras e lutam por aquilo em

que acreditam.

Além disso, as vozes de Fernanda e Lúcia ecoam um outro embate

centrado entre o ensino progressista e o ensino convencional. Elas se esforçam para

abandonar o modelo de transmissão de conhecimento altamente naturalizado, para

ultrapassar o discurso de que não se pode fazer nada na escola pública por falta de

material didático-pedagógico – para elas há professores comprometidos e

professores descomprometidos; combatem o discurso naturalizado – de professores

de outras disciplinas e de alunos – acerca da pouca importância da língua inglesa na

escola. Quer dizer, as duas professoras demonstram se alinhar com os professores

que “são” professores.

Se levarmos em conta a afirmação de Foucault (1996 apud HORNICK,

2006: 93) sobre a vontade de verdade:

(...) cada sociedade tem seu regime de verdade, sua ‘política geral’ de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para obtenção da verdade; o estatuto daquele que tem o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro.

podemos ressaltar que as vozes das professoras não só revelam, mas lutam contra

uma voz autorizada institucional a sustentar um discurso contraditório em que o

inglês, no discurso da democratização, é para todos; contudo, no discurso

burocrático, serve para preencher horário de qualquer professor. Assim, o discurso

institucional tido como verdadeiro é contraditório, pois a legislação diz uma coisa e

na realidade pratica-se outra.

91

5.2 As limitações e as contribuições do estudo

A formação reflexivo-crítica do professor no campo da Lingüística Aplicada

tem apontado veementemente para a necessidade de os professores renovarem sua

prática para atender às demandas de reformas educacionais recentes.

Nesta pesquisa, escolhi investigar o discurso de duas professoras por meio

de gravação em áudio durante realizações de conversas colaborativas em estudo de

grupo realizado na escola pública. O objetivo do grupo era explorar questões de

ensino e aprendizagem vivenciadas por elas em seu dia-a-dia. A pesquisa foi

conduzida dentro do arcabouço teórico da formação crítico-reflexiva do professor,

com a utilização de alguns princípios de categorias de análise da ADC –

modalidade, interdiscursividade e intertextualidade – para o estudo da materialidade

lingüística e a compreensão dos dados orais.

Os resultados do estudo evidenciaram a tensão entre as vozes das

professoras e as da instituição (escola e SEDUC). Em busca de um espaço eficaz

para o ensino e aprendizagem da língua estrangeira, as vozes denunciam as lutas

por elas vividas para a realização do Projeto elaborado por elas. Lutas por um

ensino que não se enquadra nos padrões “normais” do ensino de escola pública,

lutas contra discursos naturalizados que atravancam a produção lingüística dos

alunos, lutas contra ações institucionais que contrariam as ações pedagógicas das

professoras. Além disso, percebemos que, mediante as conversas colaborativas, as

professoras trocaram idéias não só sobre seu fazer pedagógico, mas discutiram

também acerca das especificidades culturais, sociais e políticas atinentes ao cenário

do trabalho em escola pública.

Os resultados desta pesquisa me permitem apontar algumas de suas

limitações e algumas contribuições para a prática de ensino dos cursos de Letras e

formação de professores.

Em relação às limitações do estudo, notei que meu papel, como

interlocutora nas conversas, foi muito restrito. Talvez, preocupada em querer ouvir

as vozes das professoras e não querer impor meu ponto de vista, ou talvez por ser

ainda uma pesquisadora inexperiente, pergunto-me se isso influenciou a qualidade

dos momentos de reflexão das professoras durante as conversas colaborativas.

Conforme a definição de Dewey (1993 apud Stanley, 1998: 584), a reflexão

“é aquilo que envolve a consideração cuidadosa, persistente e ativa de qualquer

92

crença ou prática à luz das razões que a embasam e de suas conseqüências

posteriores21”. Para mim, foi mais fácil perceber as paixões, emoções e intuições das

professoras, relacionadas com sua vivência na escola pública, do que os processos

de pensamento lógico. Neste estudo, talvez as professoras ainda estejam no estágio

inicial da reflexão, em que refletir é simplesmente pensar em relação a uma situação

de sala de aula e descrever o que ocorreu e como se sentiram em relação a ela.

Além disso, outra limitação, a meu ver, refere-se à qualidade da análise.

Acredito que se tivesse analisado as características de controle interacional –

tomada de turno, estruturas de troca, controle de tópicos – teria, certamente,

contribuído para uma análise mais densa das relações sociais, abrangendo o

contexto micro e macro.

No tocante às contribuições, gostaria de ressaltar dois aspectos. Primeiro,

na área de formação continuada de professores, o incentivo à formação de

pequenos grupos de estudo como espaço alternativo para o engajamento do

professor com a reflexão é um bom começo. Contudo, é preciso que o tempo e a

prática, ou um par mais experiente, auxiliem os professores a usar a reflexão como

instrumento. Outras formas de reflexão podem ocorrer além de discutir um texto

previamente lido, como escrever diários, trocar e-mails, recorrer a outros textos etc.

Aprender a refletir engloba várias fases, como engajamento com a reflexão,

pensar reflexivamente, usar a reflexão, manter e praticar a reflexão (STANLEY,

1998: 585). Assim, inicialmente, seria aconselhável que professores experientes nos

processos de reflexão se juntassem àqueles com menor experiência para salientar

pontos cruciais na reflexão, tendente a produzir a internalização da prática de

reflexão.

Segundo, em particular no Estado de Mato Grosso, é urgente a aplicação de

uma medida prática tendo em vista os resultados desta pesquisa. O órgão

CEFAPRO (Centro de Formação e Apoio aos Profissionais da Educação) da SEDUC

nunca ofereceu um curso de formação para os professores de língua inglesa.

Contudo, desde 2004, em parceria com a Embaixada da Espanha, a SEDUC vem

oferecendo cursos de formação para professores de língua espanhola. Essa atitude

é bem-vinda e deveria ser estendida aos professores de língua inglesa. Observo que

há cursos também para outras disciplinas, apenas a língua inglesa continua a ser

21 “Reflexion is that which involves active, persistent, and careful consideration of any belief or practice in light of the reasons that support and the further consequences”.

93

negligenciada, e os professores lançados às próprias iniciativas. Este estudo

demonstrou que a formação reflexivo-crítica, hoje, é essencial para a renovação

profissional do professor e que princípios colaborativos de parceria entre professores

de escola pública, mais do que nunca, precisam da parceria entre universidade,

SEDUC e escola pública.

Como vimos neste trabalho, conhecer a natureza e a realidade das práticas

desencadeou nas duas professoras, Fernanda e Lúcia, momentos reflexivos

mediante conversas colaborativas em torno das razões sociais e políticas no tocante

às suas práticas no âmbito escolar. Professores de escola pública precisam ser

ouvidos porque são eles que mais conhecem o cenário e a realidade diária de seu

trabalho.

Para finalizar, gostaria de dizer que, a meu ver, o maior desafio que a

educação brasileira enfrenta hoje é a formação continuada do professor. Em

concordância com Torres (1996 apud ZEICHNER, 2003), digo que a reforma

educacional só ocorre quando o governo entender que investimentos em compras

de livro e tecnologia só funcionam se ele também investir nas pessoas. Os

professores são os atores principais para criar, interpretar e implementar reformas e

devem ser tratados como seres pensantes e atuantes.

94

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101

APÊNDICE

AMOSTRA DE UMA CONVERSA COLABORATIVA

Gravação dia 28/08/2006 Vera: [...] Então, vamos lá? Bom, o tempo da ((incomp.)), tem alguma coisa que

vocês querem pontuar?

Fernanda: Bom, eu anotei... eu grifei... umas coisas no texto...

Vera: Para a gente discutir? Eu também separei algumas coisas que eu achei

importante para a gente discutir.

Fernanda: Eu não estou com os comentários aqui.

Vera: Vocês viram, assim, que, por exemplo, a questão da formação dos

professores como ocorreu no estado de São Paulo, Paraná que era para acontecer

aqui no Mato Grosso, que por falta de grana, crise da soja, foi cortado. Que até hoje

o Conselho Britânico, espera voltar esse trabalho, vocês duas participaram disso?

Fernanda: Lógico, daqui eu levei todo mundo.

Vera: Vocês viram como é bom, vocês viram como eles desenvolveram o projeto

((incomp.)), projeto muito bom. Tá, eu acho que é bom à gente ir direto para a

importância de aprender a língua inglesa, aí vocês querem falar da metodologia, dos

resultados.

Lúcia: A importância também... ah, do relato do professor com relação...

Fernanda: Eu anotei desde lá de trás, gente.

Vera: Pois é, na página 149?

Fernanda: Não, lá da página 135.

Vera: Pois é, onde você começou?

Fernanda: Eu pus um item muito interessante, na página (145), começa no segundo

parágrafo, lá, Tílio está. Aí o que eu grifei vem logo depois da referência ao

Kosumen “os professores muitas vezes entendem novas Diretrizes Curriculares

como uma série de instruções ou uma estrutura na qual, as autoridades os obrigam

a planejar o ensino, o que os leva a se estabelecer no sistema curricular”.

Vera: Por que você grifou isso?

Fernanda: Eu coloquei isso porque eu vejo muita coisa assim, da pessoa achar

assim que está escrito e é isso que ela tem que cumprir, assim.

Lúcia: Parâmetros Curriculares Nacionais.

102

Fernanda: Entendeu? Ele não percebe que ele tem que ter autonomia para aquela

situação.

Lúcia: Para perceber o que é necessário para aquela situação.

Fernanda: Não é porque alguém escreveu uma lei que você tem que cumprir. E o

professor não se sente, é... assim... como uma autoridade de poder mudar. Não,

está aqui, tem que fazer assim...

Vera: Mas, aí que está você tem essa consciência, a Leila têm, eu tenho. ((incomp.))

os parâmetros estão aqui, Vera tem que ser seguido e, em 98 que foi o estudo, e a

primeira vez que ele chegou à escola foi em 99, nós tivemos todos que remodelar o

plano de ensino das escolas tendo aquele ((incomp.)) vocês foram obrigados a fazer

isso nessa escola?

Fernanda: Aqui, nessa escola, pelo número, por causa do que ela é em termo de

tamanho, aqui nada disso tem, para você ter uma idéia, agora que está montando o

PPP da escola, isso porque tem uma equipe, eu, Leila, Rosana, Mirian, que pegou o

boi pelo chifre e estamos fazendo, se não, não saía não.

Vera: E dentro do PPP, então, vocês amarraram o projeto.

Todos: (risos)

Lúcia: ((incomp.))

Fernanda: Então é por isso que nós estamos ((incomp.)).

Lúcia: Às vezes não é por acaso, foi intencional.

Vera: Eu quis amarrar o projeto lá, eles não deixaram.

Fernanda: Está, porque o PPP, o particular, porque esse negócio de você

desentender, não adianta nada gritar no corredor, eu falo muito para os professores,

eles têm que conhecer a lei para saber como fazer, a gente tem que conhecer as

pessoas para saber como chegar até elas e tem que ter influências, infelizmente, a

gente vive num país de influência, o Brasil, a gente sempre fala, vamos lá, vamos

mudar, vamos estudar porque daí eu quero ver alguém ir lá e dizer é ilegal, eu quero

ver alguém falar contra!

Lúcia: ((incomp.)). A mulher chegou com a interpretação da lei e foi embora

((incomp.))

Fernanda: Ela veio com a idéia para ser implantado para nós ((incomp.)).

Lúcia: Ela já veio com a idéia e com a autoridade sendo que poderia ser feito uma

outra interpretação da lei e justamente, eu gostaria de colocar para ela que tem

outras interpretações, não só aquela.

103

Vera: Ah, vamos lá para o Adalberto trabalhar comigo!

Lúcia: Somos tão amadas que você não sabe o tanto...

Fernanda: Tem gente aqui que ama a gente.

Lúcia: Você nem sabe o como.

Fernanda: ((incomp.)) Eu quis dizer isso porque tem essa coisa, né, não é o nosso

caso aqui, mas eu percebi muito, inclusive lá no curso de letras, lá da Univag, com

os alunos trabalhando com a escola ciclada, o problema da escola ciclada aqui, foi

exatamente isso, veio uma coisa de fora, e eles entenderam que escola ciclada é

para não reprovar aluno, e não reprova mais ninguém, né, então é isso aqui oh...

entender a coisa como tem que ser feito aquilo e aquilo é igualzinho aquele boizinho,

né, aquela carreira de boi, né.

Vera: Um atrás do outro e...

Fernanda: Um atrás do outro e não solta mais.

Lúcia: Eu grifei muito nisso entendeu.

Vera: ((incomp.))

Fernanda: Isso aqui eu concordo, na página, na página 139, que as atitudes do

professor são facilmente moldadas pela ((incomp.)) história e sistema educacional e

o ambiente do qual foi formado, bem como pelo local onde trabalha. É lógico que

isso não existe, não tem como.

Vera: É aquela velha história a gente carrega uma prática que não é nossa, que é a

prática...

Fernanda: Perfeito! E mesmo se você tem consciência disso, entendeu, eu acho

assim que o professor não tem consciência disso, isso não é o perfeito, ele sabe

disso, mas que ninguém tira...((incomp.))

Vera: Fica cravado em nós.

Fernanda: Eu encaro isso como valores, se você aprendeu que não pode roubar,

que não pode, são valores, você não vai perder isso nunca, é a mesma coisa, são

coisas que não têm como ninguém falar, não, você tem que abandonar, e vai

interferir, eu acho que interfere na ((incomp.)), contribui de forma positiva para a

coisa, foi assim esses dois pontos que eu grifei nesta página. Logo na outra, eu

também grifei, vocês colocaram alguma coisa? Só eu que estou grifando?

Lúcia: ((incomp.))

104

Vera: Como eu já sei que essas partes introdutórias falavam do projeto ((incomp.))

do Conselho Britânico, então eu achei mais em nível de informação para chegar no

eixo da pesquisa onde eu me identifiquei muito, mas fala o que você colocou?

Fernanda: Em 1989, indicava a habilidade oral, na página 146, 3º parágrafo, aí vem

lá ((incomp.)) em 1989 indicava a habilidade oral, como sendo a maior necessidade

de aprimoramento do profissional, eu vejo uma coisa que o professor ((incomp.)).

Vera: Que o problema do ensino do Inglês é falta do profissional...

Fernanda: Ah, eu não sei fazer o que você faz, porque o seu inglês é muito melhor

do que o meu, eu não tenho inglês para isso, e depois ele fala, ele comprova que

não é isso, né, não é o inglês ainda, claro que ele vai dar confiança, mas não é isso,

depende de cada pessoa, você pode ter um nível de inglês razoável, se você tiver

uma firmeza naquilo que você acredita, você faz a mesma coisa ((incomp.)).

Vera: E eu já coloquei mais embaixo que o professor...

Fernanda: Eu também, eu continuei.

Lúcia: ... Que um professor com proficiência lingüística não é a única condição para

a aprendizagem da língua inglesa no contexto da escola pública.

Fernanda: Então. Ok, começa mais embaixo, eu coloquei que isso completa essa

reciprocidade, ((incomp.)), enquanto você coloca um nativo e a aula dele é

maravilhosa, e a gente sabe que não é.

Vera: Que o aluno aprende muito bem sem ele.

Fernanda: Igualmente, ele sabe que isso não acontece, ao contrário vira um caos, é

uma coisa interessante que a gente percebe que não é isso que vai fazer você ser,

você trabalha, esse não é o foco para você ter certeza que há uma aprendizagem

tem algo muito a mais, aí depois realmente, eu fui ((incomp.)).

Vera: Aqui eu já ((incomp.)) página 149 quando ele constata a opinião do gestor, dos

professores, dos alunos.

Fernanda: Exatamente

Vera: Né, que coloca assim fator gerador dos interesses de aprender língua

estrangeira na escola pública, já que muitos ((incomp.)) então aqui é um dos

problemas, mas na ((incomp.)) falando do fator.

Fernanda: Dele lá.

Vera: Da escola que ((incomp.)) de classe média.

Fernanda: Exatamente.

105

Vera: Que ((incomp.)) que foge ao próprio padrão das escolas estaduais do Paraná,

então, quer dizer, é uma situação que acontece lá no contexto do Adalberto, período

matutino, porque você sabe que no período noturno não é o mesmo.

Fernanda: Não é.

Vera: Né, como vocês aqui matutino, vespertino e noturno, a clientela vai mudando.

Lúcia: É diferenciada

Fernanda: Como que muda, você vê assim as atitudes, no dia-dia no

comprometimento.

Lúcia: Uma coisa que ela [a autora] coloca aqui, que até que a gente discutiu no

outro encontro, essa questão, não, do professor da língua estrangeira não ter

incentivo, ela fala isso aí, entendeu? Ele chega começa uma turma, daí no outro

ano, é outra, tem gente diferente no meio, ele não consegue caminhar com o

conteúdo, fica sempre na mesma coisa ((incomp.)) os alunos percebem, eles falam

em depoimentos ((incomp.)) todo ano a mesma coisa.

Fernanda: Bem na página 150, aí, o resultado final está sendo prejudicado, porque

seu trabalho ((incomp.)) o aluno não crê no que aprende, demonstrando a

indisciplina e nos textos ((incomp)) por outro lado, os alunos se mostram cientes de

que o professor, por não desenvolver o programa global, contínuo, e progressivo

((incomp)).

Vera: Mas eu acho que para o nosso ensino ((incomp.)) eu, no Adalberto, nós temos

um programa, eu procuro seguir esse programa, então no 1º ano não é o mesmo do

2º, que não é o mesmo do 3º, né? Como vocês.

Fernanda: Nós, também estamos batalhando para fazer isso, nível 1, nível 2 e

procurar ((incomp.)), né, e a gente vê assim, que os desinteresses que os alunos

têm são os mesmos apresentados aqui, né.

Vera: E a sala deles?

Fernanda: A sala deles, uma fotocópia, né? Agora, assim acho interessante, às

vezes algumas situações que, eu não sei se vocês tão sabendo daquele programa

Jovem Embaixador.

Vera: Sim, da Embaixada Americana.

Lúcia: Da Embaixada Americana.

Vera: ((incomp.))

106

Fernanda: Aqui, a SEDUC mandou um ofício ((incomp.)) não sei como chegou aqui

não, só sei que nós selecionamos a menina aqui da escola, a única selecionada até

agora de todo estado de MT.

Vera: Ah... é daqui?

Lúcia: É daqui.

Vera: ((incomp.)) a Melvie, conversei com a Melvie dia 07.

Lúcia: Pois então, aí, agora ela está fazendo as etapas e tudo né, então, eu passei

em todas as minhas turmas esse programa, e você vê como os interesses mudam

((incomp.)), por exemplo, um dos itens da 1ª classificação, é você fazer parte de um

sistema de voluntariado, agora o que tem de aluno atrás de mim para eu dar

endereço de programa de voluntariado, entendeu? Está assim... aluno que estava

sumido, você não vê fora de uma aula de Inglês, você vê como que muda o

interesse, agora sim ((incomp.)), ele vê incentivo em algo que ele quer.

Vera: Em algo que vai mudar a vida dele, então ele está sentindo no inglês, a

necessidade de aprender a língua porque ele pode se transformar em um

embaixador mirim e ele sabe que é bom.

Fernanda: Bom para ele, e assim você chegou, não sei se você cumprimentou o

menino que estava ali.

Vera: Aquele, da aula passada

Fernanda: Então ali ele virou e falou pra mim, professora, é aquela sua amiga que

veio aqui falando inglês? Ah, é a Vera, ela está para chegar, ele virou e falou assim,

então é ela mesma que está aí, está ali com a professora Leila, naquela sala ali, eu

falei assim e aí você já conversou, ela lembra de mim? Eu falei assim, o que

((incomp.)) conversar com ela, então na hora que ela vier, eu vou puxar o assunto, e

ele ((incomp.))

Vera: Ah! Eu disse: how are you doing?

Fernanda: Aí ele pegou e falou assim, professora é ((incomp.)) o que você vai fazer,

ele teve interesse ali, ele teve perspectiva porque até as outras matérias dele ele

responde em inglês, o professor ((incomp.)) o que está escrito aqui, e ele mata todas

as aulas, não faz a atividade, mas a de inglês, ele não perde uma.

Lúcia: (muito truncado) tem alguma que influencia nisso querer

Vera: Aqui, uma coisa que ela colocou para a gente poder pensar um pouquinho,

quando ela fala dessa falta de programa, que o professor não sente a vontade de

107

cobrar dos alunos o conteúdo de forma mais efetiva, por estar consciente de uma

provável catástrofe dos mesmos.

Fernanda: Dos mesmos.

Vera: Então, você vê que é aquela velha história, eu não dou, eu não cobro, eu finjo

que ensino, ele finge que aprende ((incomp.))

Lúcia: Aí professor fica dando ponto em caderninho.

Vera: Ah! Ela fala aqui, você viu?

Fernanda: Dá ponto no caderninho e fica nisso.

Vera: Oh... o depoimento dele aqui((incomp.))

Fernanda: Isso aqui, eu vi, aqui, como diz, eu vi e ouvi aqui na própria escola, em

algumas situações.

Lúcia: E você percebe que a escola tem isso, tem alunos que nos procuram

professora, e diz: professora tem como fazer um trabalho? Porque não vem no 1º

bimestre. Não vem no 2º e quer que nós resolvemos à situação dele com trabalhos,

não, nosso projeto não, não tem trabalho.

Fernanda: E a própria escola, não é o caso, do nosso diretor, o atual diretor, pelo

menos pra mim é nota 10, mas a outra, se você não dá um trabalho, ela vem não

tem como dar um trabalho, bem, em vez de mostrar para o aluno, não, é a primeira a

vir junto com o aluno, a pedir...

Vera: Essa disciplina ((incomp.)) no Adalberto, que aqui eu acho que mais na frente

ela vai discutir quando você leva o trabalho a sério, quando você mostra a

comunidade que tem uma produtividade, que o aluno perceba que tem uma

utilidade.

Fernanda: Aí muda.

Vera: Nos valores que investem aí você consegue né, através disso, uma boa

comunidade educativa, é porque eu acho uma ((incomp.)) porque é uma, e dois é

você levar as coisas e é chão para estudar, e eles vão.

Fernanda: ((incomp.)) aqui a gente tem sorte, porque a gente está bem, eu e a Leila

e assim.

Lúcia: Não só no projeto no ensino fundamental, mas no ensino da ((incomp.))

sempre procura, você tem alguma atividade interessante aí para estar passando, aí

mostra ela ((incomp.)) aí tem interações.

Fernanda: Eu vejo assim, pessoal de espanhol ((incomp.)) são mesmo diferentes,

((incomp.)) sabe aquela coisa mesmo de troca, troca de experiência porque é claro

108

que espanhol tem menos material, olha esse aqui, oh, achei esse texto e acaba

assim, eu achei esse em espanhol, vê se serve para você.

Lúcia: E naquela época ((incomp.)), a intenção era fazer um workshop, trazendo

atividades diferenciadas e está trazendo as idéias.

Fernanda: É nós pensamos nisso, fazer um estudo e além do estudo, as atividades,

cada semana, uma apresentaria uma atividade.

Vera: É bom né, cresce.

Fernanda: Cresce ((incomp.)) cresce demais.

Vera: Será que o povo do Instituto Língua Inglesa ((incomp.)) toda sexta feira eles

estudam, gente que você conhece profissionalmente.

Lúcia: Eu sinto a falta disso.

Vera: E daí ela passa a discutir o estatus da disciplina na escola, é... ah... está aqui,

não pode interferir na contratação ((incomp.)) para atuar na área de língua

estrangeira, não ((incomp.)) pela atuação de alguns ((incomp.)), então é aquela

estória de ((incomp.) lá no Adalberto as vagas de quem está fora da sala, as vagas

não vão para assessoria, como aqui também, e aí, tem aquele amigo do diretor,

como agora tem um lá, aí, você tem certeza que o cara vem dar aula aqui, não sabe

nada.

Lúcia: Mas, aqui, eu nem sei.

Fernanda: Mas aqui... a gente tem batido com isso também.

Vera: Eu também bato lá ((incomp.)) isso tem que acabar.

Lúcia: Nossa! já por duas vezes, ((incomp.)) já duas vezes que veio trabalhar

conosco, nós não deixamos, e agora nós colocamos mais uma regra, aí, quando

forem contratar as pessoas, a primeira coisa é fazer uma entrevista conosco no

idioma, se não sabe, ele não fica aqui.

Vera: E como né.

Fernanda: só que assim, a gente tem uma sorte de ter uma técnica administrativa

né, que também apóia o projeto, tem as orientações então assim é bom, mas nós já

barramos duas pessoas aqui.

Vera: ((incomp.)) agora com o diretor do ano passado ((incomp.)) inclusive eu que

indicava porque eu fui em cima.

Lúcia: É isso que acontece conosco aqui ((incomp.)).

Fernanda: Agora até no momento de ((incomp.)), nós deixamos ficar porque saiu da

Secretaria de Educação e entrou num programa de mestrado aí na universidade, né

109

((incomp.)) outra coisa né, e pronto, aí veja só, não queria dar aula e, ah! mas, [...]

não teve mesmo ((incomp.)) não fala gato em inglês, que que é isso... de jeito

nenhum.

Vera: Eu acho que o conhecimento de língua é muito importante, o aluno tem que

ser motivado em saber que você sabe e que você pode contribuir para que ele

possa crescer ((incomp.)).

Fernanda: ((incomp.)) tem aluno que saiu daqui a gente estava falando, falando,

conversando comigo aí eu falei ((incomp.)) não eu tenho catálogo em casa, bom

assim para as atividades, disse assim como é que é brue, the bus is brue, ah... mais

ela saiu de uma porta, eu de outra, pode mandar embora, que aqui não fica, como é

que eu vou pôr uma professora falando isso, não que meu inglês seja da ((incomp.))

mas ((incomp.)) the bus is brue ((incomp.)) quer dizer, como é que ela vai dar aula,

não sei, essa aqui não fica, aqui ela não vai ficar.

Vera: Olha outro depoimento da aluna, interessante ((incomp.)) quando ela fala na

definição (( )) aí o aluno fala quando a gente acostuma com o estilo do professor de

inglês, aí já muda, ((incomp.)) acaba aprendendo quase nada, a mesmice de

sempre, que desmotiva, por isso que eu falo ((incomp)).

Fernanda: Tem um pai que ((incomp.))

Lúcia: Então o que acontece conosco, cria-se um mito que o aluno na escola

pública não aprende o inglês, e a gente tem de reverter isso, convivendo com esse

desinteresse, e eu acho que é o maior desafio nosso...

Vera: Não sei como vocês estão lidando aqui, mas eu, por exemplo, meu Deus,

como eu vou fazer meus alunos terem paixão pelo inglês e quererem aprender o

inglês para falar o inglês ((incomp.))

Lúcia: ((incomp)) tem uma menina, a única disciplina que ela teve nota 10 foi língua

estrangeira, a menina parou ((incomp.)) que bom para ela ((incomp.))

Vera: Talvez se nós tivéssemos mais tempo de aula, é lógico tem que colocar mais

tempo ((incomp.)).

Fernanda: ((incomp)) é o que eles querem gente, semana passada eu fiquei um

tempão ((incomp.)), assim, eu falei eu estou tão, assim, tão chateada com a turma

porque eu não vejo, sabe aquela coisa assim, eu não estou vendo progredindo em

nada, gente, eu já não sei mais o que faço, eu posso parar a aula hoje para a gente

conversar, eu quero sugestão de vocês, porque, eu sinceramente, eu estou

110

arrasada, né, assim já falei com eles para que serve o inglês, não teve um que não

disse que quer aprender a falar ((incomp.)), então você vê que eles querem, não é?

Vera: Justamente porque eles estão acabando com...

Fernanda: ((incomp.)) eles não têm vocabulário prévio, aí não tem, não lembra de

nada também, aí você vê que não está rendendo, aí você vê, gente! Ai, falei assim,

gente, aí fui colocar aí como vocês querem aprender falar uma língua, aí fiquei

ouvindo, agora eu quero sugestão para poder dar aula porque eu não sei mais dar

aulas para vocês, assim esculachei né, aí uma menina falou assim, professora, será

que cantar uma música a gente não aprende a falar, eu falei, você acredita nisso?

Ela disse: ah... eu acho ((incomp.)) aí, ela falou assim, ah... não, aí o outro falou

assim, a senhora fala só inglês na sala, o outro pelo amor de Deus professora, a

gente tem que decidir, porque eu sou uma só, você vê, assim... mais eu achei

interessante, eles quererem falar, mais eles não sabem como isso vai acontecer,

eles estão começando o inglês, agora há essa diversidade, é cada um fez um

comentário diferente, você vê ((incomp.)) a minha escola só tradução, só tradução,

assim eles dizem o que querem, mas não sabem, nem, nem como estudar, e não

sabem nem como estudar, porque também não tem material nenhum, aí tive que

conversar, aí não sei o que, aí falaram de vocabulário, aí fiz uma aula do jeito que

eles queriam, eu falei, vou separar tudo do jeito que eles querem, nós vamos fazer

semana que vem, exatamente isso, vamos ver se vão mudar, vamos ver o que vai

dar.

Lúcia: Eu faço a prova ((incomp.))

Fernanda: Quero ver quem que vai dar.

Vera: È, mas eles ((incomp.)) diferentes né, e você viu o que ela coloca a questão

aqui, condições reais e condições ideais, eu lembrei de vocês ((incomp.)), a

condição ideal do projeto é a condição real que vocês têm vivido ((incomp.)).

Fernanda: E isso bate de cara, porque eu acredito que já estou, ((incomp.)) como

realmente é, com certeza, lógico, que a gente não atinge 100%, isso não existe, eu

não acredito, mas nós estaremos bem mais avançados.

Vera: Com certeza é o número de alunos

Fernanda: O número de alunos influencia, não tem jeito gente ((incomp.)).

Lúcia: ((incomp.)) Eu acho que abrir mais uma turma de lá para trabalhar

((incomp.)), na quarta-feira ter que acordar cedo (incompreensível) no horário

trabalhador, eu não tenho esse problema de manhã porque os alunos da tarde, são

111

em menor quantidade, agora, diferente dela, que os alunos da manhã são em maior

quantidade, então são os alunos da manhã, aí eles vão deixando de participar da

aula dela e vão ((incomp.)) quando começam a trabalhar.

Fernanda: E o segundo ((incomp.)) é uma coisa incrível.

Vera: Quando ela fala aqui, da valorização da disciplina ((barulho tocou o sino )), o

valor da disciplina no contexto de inglês, aquela atribuição de aula, qualquer um

pega, lá na escola, é uma briga quando alguém vai pegar, você vai pegar inglês,

você dá conta do inglês, você me desculpa professor, mas você vai pegar, mas não

pega, não mata minha disciplina, por favor!

Lúcia: Você fala?

Vera: Eu falo, eu não vou dar aula, professora, de filosofia, sociologia, eu não sou

pedagoga, e olha que é muito mais fácil, eu dar aula de filosofia e sociologia do que

você dar aula de inglês, não mata minha disciplina, vai para outra escola... ah! Elas

ficam muito bravas, recentemente ((incomp.)) tem mais acontecido.

Lúcia: sabe o que acontece ((incomp.))?

Vera: Lá eu sou a única efetiva, então eu sou a 1ª a pegar ((incomp.)), eu falo assim

((incomp.)) e quem é de português e nunca trabalhou com o inglês ((incomp.)).

Fernanda: ((incomp.)) Pegou inglês porque, porque nunca tinha o suficiente de

português.

Lúcia: Entendi agora.

Vera: Aí eu imploro para eles, não vai fazer isso não, não vai matar minha disciplina

Lúcia: ((incomp.)) Então é um problema muito grande nessa área.

Vera: Tem.

Fernanda: E é porque aqui é o que ele fala, porque aqui a deficiência é muito

grande, ((incomp.)) quem realmente tem vai viver só do ((incomp.)).

Vera: É.

Fernanda: Vou procurar outra coisa pra fazer ((incomp.)), aí você arruma outro

trabalho para fazer porque você não dá conta, porque realmente, dependendo da

situação, não vale a pena você trabalhar lá no estado, o negócio é você trabalhar em

outro lugar e ganhar mais, tem professor, tem, mais não querem a escola pública,

((incomp.)), não querem.

Vera: Agora vai entrar uma boa, porque ((incomp.)) Mônica que trabalhou no

Instituto da Língua Inglesa ((incomp.)) e você vai para minha escola ((incomp.)),

dinâmicas.

112

Fernanda: Não pode cair no comodismo

Vera: Não, cai, todos, vocês têm sua vontade de mudanças, que você acredita que

você pode ensinar o aluno, que você tem condição de ensinar a língua, você não cai

no comodismo ((incomp.)), não cai no comodismo quando os alunos não querem

continuar estudando a língua ((incomp.)), dentro da abordagem comunicativa que

exige uma certa fluência ((incomp.)), o nível de língua, não é mais fácil que o

estruturalismo, gramática é gramática, não tem que preparar, não tem que cortar

figurinha, não tem que procurar atividades, não tem que por o aluno em situação de

desafio

Lúcia: As atividades, você tem de olhar vários livros, até achar aquela ideal

((incomp.)).

Vera: E quando ela fala, por exemplo, das séries de alunos em sala, com a questão

((incomp.)), que eu não estou acostumada ((incomp.)), 48 alunos, muito, num

espaço menor, que é menor que isso aqui, a sala de aula ((incomp.)), eu ia fazer

uma denúncia.

Fernanda: Não, aqui a gente, mas aqui, já tentaram ((incomp.)), eles não aceitam e

o que está na legislação.

Vera: Pois é.

Lúcia: Isso aí não é língua estrangeira.

Fernanda: Isso mesmo, não aceita não.

Vera: O diretor, lá, não tem ((incomp.)), aqui ele vem falando sobre os Parâmetros

Curriculares na prática da leitura e busca desenvolver a prática oral.

Fernanda: Que é uma seqüência, cai lá naquele, lá do início, não é porque é

Parâmetros Curriculares que você tem que fazer ((incomp.)) ele fala de leitura,

depois ele quer que os alunos saíam com proficiência na língua ((incomp.))

contraditório ele.

Vera: Ela fala do lado interativo do ensino aprendizagem, mas que o aluno saiba

usar a língua num contexto real de uso.

Fernanda: Então ele.

Vera: Completamente louco.

Fernanda: No meu texto, bem relacionado com isso que as pessoas e os

professores aceitam.

113

Vera: ((incomp.)) vem construindo sobre o nível de língua na redoma, a maioria dos

professores não tem nível de língua ((incomp.)) por isso que o ensino de língua na

escola chegou aonde chegou.

Lúcia: É, não tem, e isso não é só na escola publica, eu já dei aula na escola

particular, você tem alunos fortes e aqueles que não têm ((incomp.)) e daí é muito

mais complicado, então essa questão de nivelamento ((incomp.)).

Vera: Semana passada, teve uma coisa que eu achei interessante observar que nós

sabemos o caminho né ((incomp.)), não sabemos onde o aluno está caminhando, e

quando você não tem um plano, você não ((incomp.)).

Lúcia: Ele tem que sentir resultados.

Fernanda: Eu tenho alunos de nível 2 que são muitos grandes, nível 3, eu peguei

semana passada e falei para os alunos, estava fazendo atividades com eles, eu

olhei uma aluna garrada e não conseguia fazer, fui ver estava escrevendo os

pronomes, tudo, tudo errado, sabia que ela colocava ((incomp.)) no texto, falei, gente

espere aí, a mais não tive ((incomp.)), você não pode ((incomp.)), ela mesma disse

não estou conseguindo acompanhar, não foi, ela vai voltar, você vê, ele mesmo por

que, porque viu os outros na mesma hora, ela falou ((incomp.)).

Vera: E a gente sente, eu lembro esse ano quando eu fiquei um mês ((incomp.))

com meus alunos que vieram das outras escolas, perdidos, perdidos, perdidos,

Fernanda: É o que acontece com o nosso nível 1, não é, te falei né, o que,

principalmente, nível 1, questão disso você tem muito aluno de fora, que quando ele

((incomp.)), eu estou com oitava séries, ela está com mais uma ((incomp.)) vai fazer

o que, tem que ter uma base , para mais ou menos, tem uma forma de trabalho ,

como é que faz trabalho em dupla, porque, se não, os outros não conseguem muita

bagunça ((incomp.)).

Lúcia: A questão da pronúncia ((incomp.)).

Vera: Eu nunca ouvi exercícios de ouvido, prova oral, porque eles não sabem,

acham que não precisam.

Lúcia: E a gente já começa na oitava.

Fernanda: Vamos pegar oitava, que eles têm já uma idéia, até para escolher já se

quer falar ou ler, para também não chegar aqui, ah... não era isso que eu queria, oh

((incomp.)).

Vera: Que bom!

Fernanda: Por que é que cai nisso aí?

114

Lúcia: Pega só com os alunos da escola, de oitava série que ía para o projeto.

Vera: Não tem projeto não, se não eu fico doida ((incomp.)) dá para você puxar mais

((incomp.)) o nível de input tem alguma coisa que vocês ((incomp.)).

Fernanda: Eu vi ((incomp.)), uma fala no final que ele diz que ((incomp.)) (( )) é a

ponta né, limitações no contexto institucional, onde nada ou muito pouco espaço

para mudar, uma séries de fatores que podem ser motivos de frustrações do

professor, salas numerosas, né, poucas aulas de línguas estrangeiras por semana, a

necessidade de se trabalhar em diferentes lugares para preencher a agenda de

trabalho, a falta de material didáticos, eu questiono muito isso.

Vera: Por que Fernanda?

Fernanda: Porque, por exemplo, veja que essa questão de material didático,

primeiro, eu gostaria de saber o que ele fez com o material didático básico?

Vera: O livro didático, não sei porque, porque quando ele fala, uma criança falando...

Fernanda: Entendeu, o material didático básico e eu vejo, na nossa escola, esse

diretor ele me dá um cheque para você comprar e não tem aquele, em todas as

escolas públicas fazem isso, não tem o dinheiro lá do PDE, porque ele não pede

esse material.

Vera: Bom, eu já pedi ((incomp.)) deu até mais do que você ((incomp.)).

Fernanda: Você acha que não, estou com um rolo de 500 metros portáteis ali,

agora, então assim, porque essa forma ((incomp.)) gostaria de entender melhor o

que ele chama de material didático básico, e eu não consigo ver a pessoa dizer que

não tem esse material na escola, se a escola recebe dinheiro para isso, então falta

aqui, para mim, o professor conhecer a lei para ele poder ir buscar, porque se eu sei

que o PDE tem dinheiro para isso, desde o dia em que eu fiquei sabendo que tem

dinheiro, eu peço para minha escola, nunca me negaram.

Lúcia: Esse ano, conseguimos até um som

Fernanda: Tem escola só com sala, capacete de giz, então, assim, é uma coisa que

até ((incomp.)) mas, porque eu questiono, a pessoa falar que não tem material,

agora, sim, dizer que o aluno não compra o livro, é diferente, mas dizer que é falta

de material, não sei o que entendem como falta de material didático, eu não, me

chama a atenção ((incomp.)), mas isso aí, eu não acho que é problema, a falta de

material ((incomp.)).

Vera: Não da para faltar ((incomp.)), aluno A copiava, apagava, agora aluno B

copiava.

115

Fernanda: Exatamente, eu não consigo essa falta de material por mais pobre que a

escola seja, o papel ela tem, aquele papel pardo ((incomp.)).

Lúcia: Compromisso, outro detalhe né, falta de compromisso do professor.

Vera: Aqui eu pontuei a fala da Gimenes, quer dizer, eu gosto muito dela né, sou

suspeita né.

Fernanda: Também acho...

Vera: Quando ela fala assim, que os programas, aqui, onde está, de baixo para cima

no 3º parágrafo, depois do ponto, programas que incentivam a educação na prática

como sugere Gimenez, requer influências dos seus envolvidos no horário regido

pela escola sobre a disciplina que ensina, sobre práticas pedagógicas

desenvolvidas.

Fernanda: Onde está isso?

Lúcia: 155

Vera: Então, eu acho o que ela coloca aqui sobre esse programa de formação

Lúcia: Aqui está.

Vera: Quando você como profissional consegue o comprometimento ((incomp.)).

Fernanda: Claro

Vera: Eu sempre falo para os meus alunos do Univag, eu ((incomp.)) dei aula de

inglês, verbo To Be, I’m a Student, negativo, I’m not student, interrogativa, Am I

student, eu até ensinei assim, mas nesse período, eu não tinha noção da sala, eu

trabalhava ((incomp.)), mas depois de toda a minha formação, depois que saí da

universidade, essa prática de ensino não dá para conceber mais.

Fernanda: Claro.

Vera: Por que nós vamos matar a língua?

Fernanda: Tem que fazer mudança, se não, não adianta, não vai muda.

Lúcia: Que nem máquina, tem professor que tenta, tenta e não consegue a

transformação.

Fernanda: Acho que tem que pensar o seguinte, será que ele quer...

Lúcia: ((incomp.)) também, o que leva a mudança, você ler, estudar, estudar, e isso

está acontecendo na minha prática.

Vera: Tem textos que eu me pico por dentro, falei gente lá no Paraná, a mesma

coisa ((incomp.)) gente é impressionante, e a angústia da gente, não é só nossa.

Fernanda: E lá do Paraná, sul do país ((incomp.)) a elite brasileira.

Lúcia: Exatamente

116

Fernanda: Uma formação européia, não sei o que.

Vera: E está aí ((incomp.)).

Fernanda: Ah... uma coisa que eu coloquei, a falta de interesse do pessoal mesmo

((incomp.)), a escola tem a idéia de que o estado é que tem que dar formação,

gente, e eu como professora, será que eu também não quero melhorar, entendeu?

Eu não quero me formar, eu não quero melhorar eu mesmo, é preciso, a gente vê

isso aqui, ah... vamos fazer o IELTS, ah, não vou porque a escola não pode, vai ter

que por alguém no meu lugar para pagar do meu bolso, mas você vai ganhar com

isso, não é? Eu já vi, vários, já ouvi, você é louca, pagar alguém para dar aula e

você não ganhar nada com isso, um amigo já me falou isso, eu falei assim, essas

coisas nem se discute, mas me dá raiva, ((incomp.)) porque, gente, é uma forma de

amadurecimento ((incomp.)), tem que fazer por mim mesmo.

Lúcia: ((incomp.)) não tem nenhuma formação, principalmente, em língua inglesa,

mas eles querem esperar coisas do governo.

Fernanda: ((incomp.)) a SEDUC não paga nem para ela, quanto mais para o meu.

Lúcia: ((incomp.)).

Vera: Não fazem não.

Fernanda: Tanta coisa né, e o controle pedagógico ((incomp.)), eu percebo a

diferença, a escola pública permite uma liberdade muito grande que não tem na

privada.

Vera: Pois é, eu não entendo porque tem essa liberdade tão grande, todo início de

ano, todos têm que fazer um planejamento global, os indivíduos vêm para a escola,

eles fogem completamente do planejamento global e os pedagogos que estão na

coordenação...

Fernanda: Não fazem nada...

Vera: Fingem que está tudo bem ((incomp.)).

Fernanda: Mas esse controle pedagógico é o ponto fraco da escola pública, porque

infelizmente, não que eu seja contra o pedagogo, mas assim ((incomp.)) os

coordenadores, eles, também, primeiro que não tem uma formação para serem

coordenadores, você vê que é raro, um coordenador ser coordenador mesmo.

Lúcia: Ele está esperando fim de carreira ((incomp.)).

Fernanda: ((incomp.)) a gente paga por alguém nunca ter assistido uma aula sua

((incomp.)) quem tem a capacidade, eu coloquei isso, ninguém aqui tem a

capacidade ((incomp.)) falei na frente da equipe inteira, você nunca viu uma aula ,

117

vice nunca viu uma prova minha, você, você, você Dona Adma, sabe que eu dou

aula, Adma sabe meu material, a Adma pega o material comigo, a Adma sempre vê

minhas provas, a gente sempre discute, telefona para eventos, ela é a única aqui

que tem capacidade, é a única que eu vou ouvir, o resto não serve para nada, me

queriam linchar, aí pegaram minha ficha e acalmaram ((incomp.)) bocuda, mas

como você pode me avaliar?

Vera: Mas é aí que falta ((incomp.)).

Fernanda: Quem é que falou alguma coisa ((incomp.))

Vera: Lógico ninguém falou nada, vamos encerrar...