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Leitura espiritual/43 Decretum de peccato originali, can. 4 Si quis parvulos recentes ab uteris matrum baptizandos negat, etiam si fuerint a baptizatis parentibus orti, aut dicit, in remissionem qui- dem peccatorum eos baptizari, sed nihil ex Adam trahere originalis peccati, quod regene- rationis lavacro necesse sit expiari ad vitam aeternam consequendam, unde fit conse- quens, ut in eis forma baptismatis “in remis- sionem peccatorum” non vera, sed falsa intel- legatur: anathema sit. Quoniam non aliter in- tellegendum est id, quod dicit Apostolus: «Per unum hominem peccatum intravit in mundum, et per peccatum mors, et ita in omnes homines mors pertransiit, in quo omnes peccaverunt» (Rm 5, 12), nisi quemad- modum Ecclesia catholica ubique diffusa sem- per intellexit. Propter hanc enim regulam fidei, ex traditione Apostolorum, etiam parvuli, qui nihil peccatorum in semetipsis adhuc commit- tere potuerunt, ideo in remissionem peccato- rum veraciter baptizantur, ut in eis regenera- tione mundetur, quod generatione con- traxerunt. «Nisi enim quis renatus fuerit ex aqua et Spiritu Sancto, non potest introire in regnum Dei» (Gv 3, 5) (Denzinger 1514). «Confiteor unum baptisma in remissionem peccatorum» 10 30DIAS Nº 7/8 - 2011 Leitura espiritual Leitura espiritual

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Page 1: «Confiteor unum baptisma in remissionem peccatorum» Lettura spirituale Bra... · passagens mais belas. No capítulo 8 do vigésimo livro1, Agostinho comenta alguns versículos do

Leitura espiritual/43

Decretum de peccato originali, can. 4

Si quis parvulos recentes ab uteris matrumbaptizandos negat, etiam si fuerint a baptizatisparentibus orti, aut dicit, in remissionem qui-dem peccatorum eos baptizari, sed nihil exAdam trahere originalis peccati, quod regene -rationis lavacro necesse sit expiari ad vitamaeternam consequendam, unde fit conse-quens, ut in eis forma baptismatis “in remis-sionem peccatorum” non vera, sed falsa intel-legatur: anathema sit. Quoniam non aliter in-tellegendum est id, quod dicit Apostolus: «Perunum hominem peccatum intravit inmundum, et per peccatum mors, et ita inomnes homines mors pertransiit, in quoomnes peccaverunt» (Rm 5, 12), nisi quemad-modum Ecclesia catholica ubique diffusa sem-per intellexit. Propter hanc enim regulam fidei,ex traditione Apostolorum, etiam parvuli, quinihil peccatorum in semetipsis adhuc commit-tere potuerunt, ideo in remissionem peccato-rum veraciter baptizantur, ut in eis regenera-tione mundetur, quod generatione con-traxerunt. «Nisi enim quis renatus fuerit exaqua et Spiritu Sancto, non potest introire inregnum Dei» (Gv 3, 5) (Denzinger 1514).

«Confiteor unum baptisma in remissionem peccatorum»

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Decreto sobre o pecado original, cân. 4

Se alguém afirma que as crianças recém-saídasdo ventre da mãe não devem ser batizadas, em-bora nascidas de pais batizados, ou defendeque sejam batizadas para a remissão dos peca-dos, mas que não contraem de Adão qualquerelemento do pecado original que seja necessá-rio purificar com o lavacro da regeneração paraconseguir a vida eterna, do que deriva que a for-ma do batismo “para a remissão dos pecados”não deve ser tomada por verdadeira, mas porfalsa, seja excomungado. De fato, o que diz oApóstolo: “O pecado entrou no mundo por umsó homem e, por intermédio do pecado, a mor-te; e a morte passou para todos os homens, por-que todos pecaram” (Rm 5,12), não deve serentendido de modo diferente do modo como aIgreja Católica espalhada pelo mundo todosempre entendeu. É por essa norma de fé que,por tradição apostólica, também as crianças,que por si mesmas ainda não puderam cometernenhum pecado, são batizadas realmente paraa remissão dos pecados, para que nelas seja pu-rificado com a regeneração aquilo que contraí-ram com a geração. De fato, “se alguém nãonascer da água e do Espírito, não poderá entrarno Reino de Deus” (Jo 3,5).

“Confesso um só batismo para a remissão dos pecados”

Vista do interior do Batistério de Pádua, com a fonte batismal

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Como comentário ao cânon 4 do Decretum de peccato originali do Concí-lio de Trento (Denzinger 1514), em que, seguindo fielmente o Credo

Niceno-Constantinopolitano (“confesso um só batismo para a remissãodos pecados”), afirma-se que o batismo das crianças, as quais não puderamcometer nenhum pecado pessoal, também é para a remissão dos pecados,voltamos a publicar, para conforto da fé e como oração, os trechos do Credodo povo de Deus de Paulo VI em que ele reapresenta essa doutrina de fé.

Sempre nos surpreendeu observar como Santo Agostinho, quando lem-bra o momento em que o diabo é solto (cf. Ap 20,3.7) – é desencadeado, de-sencadeia-se –, indica como sinal da fidelidade do Senhor à Sua Igreja, e por-tanto como sinal de esperança, o fato de os pais cristãos batizarem suascrianças (cf. De civitate Dei XX, 8, 3).

Por isso, ainda como comentário do cânon 4 do Decretum de peccato origi-nali do Concílio de Trento, propomos a leitura de algumas notas extraídasda palestra de padre Giacomo Tantardini sobre esse trecho do De civitateDei de Agostinho. As notas da palestra, proferida na Universidade Livre São

Pio V, de Roma, em 5 de maiode 1999, circularam entre osestudantes numa apostila inti-tulada Convite à leitura de SantoAgostinho. Notas das palestras depadre Giacomo Tantardini naUniversidade Livre São Pio V, deRoma sobre “A cidade de Deus eos ordenamentos dos Estados”,Ano acadêmico 1998-1999 (pro-manuscripto), Associazione SanGabriele, Roma.

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O pecado original e a expulsão do Paraíso terrestre

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Paulo VI, Credo do povo de Deus

Cremos que todos pecaram em Adão; isto significa que a culpa original, co-metida por ele, fez com que a natureza, comum a todos os homens, caíssenum estado no qual padece as consequências dessa culpa. Tal estado já nãoé aquele em que no princípio se encontrava a natureza humana em nossosprimeiros pais, uma vez que se achavam constituídos em santidade e justi-ça, e o homem estava isento do mal e da morte. Portanto, é esta natureza as-sim decaída, despojada de dom da graça que antes a adornava, ferida emsuas próprias forças naturais e submetida ao domínio da morte, é esta que étransmitida a todos os homens. Exatamente neste sentido, todo homemnasce em pecado. Professamos pois, segundo o Concílio de Trento, que opecado original é transmitido juntamente com a natureza humana, “pelapropagação e não por imitação”, e se acha “em cada um como próprio” (cf.Denzinger 1513).

Cremos que Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo Sacrifício da Cruz, nos re-miu do pecado original e de todos os pecados pessoais, cometidos por cadaum de nós; de sorte que se impõe como verdadeira a sentença do Apóstolo:“Onde abundou o delito, superabundou a graça” (cf. Rm 5,20).

Cremos professando num só Batismo, instituído por Nosso Senhor JesusCristo para a remissão dos pecados. O Batismo deve ser administrado tam-bém às crianças que não tenham podido cometer por si mesmas pecado al-gum; de modo que, tendo nascido com a privação da graça sobrenatural, re-nasçam “da água e do Espírito Santo” para a vida divina em Jesus Cristo (cf.Denzinger 1514).

Pecado original e batismo das crianças

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O s quatro últimos livros do De civitate Deidescrevem o fim, o termo das duas cida-

des. O terceiro trecho que leremos hoje é extraí-do do vigésimo livro do De civitate Dei: é uma daspassagens mais belas. No capítulo 8 do vigésimolivro1, Agostinho comenta alguns versículos doApocalipse. De modo particular, começa a co-mentar aquele versículo (Ap 20,3) em que lemosque “‘Post haec oportet eum solvi brevi tempore’ /‘Depois dessas coisas, é necessário que ele [odiabo] seja solto, por breve tempo’”. João falados mil anos em que o diabo estivera amarrado;do breve tempo em que o diabo estará solto; dosmil anos em que os santos reinarão sobre a terra.Agostinho faz dessas imagens do discípulo pre-dileto a leitura que a Igreja assumiu como pró-

pria e sempre propôs. É interessante notar quehá toda uma tradição cultural, que parte de Joa-quim de Fiore, contrária à leitura de Agostinho.Há um livro muito interessante de Ratzinger so-bre esse tema2. Agostinho diz que entre a ascen-são do Senhor e Seu retorno glorioso, com a res-surreição dos mortos e o juízo final, existe só otempo da memória. Nesse “breve tempo”3, entrea ascensão do Senhor e o Seu retorno glorioso,nada acontece de diferente4. A memória, de fato,é o acontecimento sempre novo, como novo iní-cio, daquele único e mesmo acontecimento defi-nitivo. Portanto, tanto os mil anos em que o dia-bo está amarrado quanto o breve tempo em queestá solto e os mil anos em que os santos reinampertencem todos a esse tempo da Igreja antes do

“Mesmo quando o diabo for solto,haverá pais tão fortes

que farão batizar suas crianças” (De civitate Dei XX, 8, 3)

1 Cf. De civitate Dei XX, 8, 1-3.2 Cf. Ratzinger, J. San Bonaventura e la teologia della storia. Firenze: Nardini Editore, 1991.3 Agostinho. In Evangelium Ioannis CI, 1.6.4 Concílio Ecumênico Vaticano II, constituição dogmática sobre a divina revelação Dei Verbum, n. 4: “Oeconomia ergo chris-

tiana, utpote foedus novum et definitivum, numquam praeteribit, et nulla iam nova revelatio publica expectanda est ante gloriosam

manifestationem Domini nostri Iesu Christi / A economia cristã, pois, como aliança nova e definitiva, jamais passará e já não há que

esperar nenhuma nova revelação pública antes da gloriosa manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. 1Tm 6,14 e Tt 2,13)”.

Notas da palestra proferida por padre Giacomo Tantardini na Universidade Livre São Pio V, de Roma, em 5 de maio de 1999

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juízo final, são expressões que descrevem condi-ções desse tempo da Igreja. Santo Agostinho su-pera de maneira definitiva o milenarismo. Os milanos em que os santos reinarão sobre a terra nãoserão um tempo diferente do tempo da Igreja.De fato, diz Agostinho numa de suas observa-ções mais belas, reinam já agora, existe esse reinojá agora5. Esse é o contexto em que devem ser in-seridas as palavras de Agostinho. E a interpreta-ção de Agostinho fica ainda mais realista se acei-

tarmos as sugestões que o professor EugenioCorsini nos dá para ler o Apocalipse6, o qual, se-gundo ele, se refere em primeiro lugar à morte e àressurreição do Senhor, àqueles três dias em quese cumpriu de uma vez para sempre “a revelaçãode Jesus Cristo” (Ap 1,1). O tempo da Igreja viveda memória desse acontecimento e da espera desua manifestação definitiva. Portanto, o Apoca-lipse é mais um livro de memória que de perspec-tivas futuras. ¬

5 Cf. De civitate Dei XX, 9, 1; vide adiante, pp. 21ss.6 Cf. de la Potterie, I. O apocalipse já aconteceu. 30Dias, n. 8, set. 1995, pp. 60-61.

A fera que quer devorar o menino que a mulher vestida de sol deu à luz

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Que significa, pergunta-se portanto Agosti-nho, que o diabo será solto por breve tempo?Quando for solto, poderá seduzir a Igreja?

“Absit; / Que isso nunca aconteça; / num-quam enim ab illo Ecclesia seducetur / de fato, ja-mais será por ele [o diabo] seduzida a Igreja,/ praedestinata et electa ante mundi constitutio-nem, / que foi predestinada e eleita antes dacriação do mundo, / de qua dictum est: “NovitDominus qui sunt eius”. / da qual foi dito: ‘O Se-nhor conhece quem são os seus’”.

Na Quaresma de 1995, sugeri imprimir umpequeno cartão com a Oração a São José, o Me-

morare, o Anjo do Senhor e uma das frases maisbelas que Giussani havia dito em janeiro-feverei-ro daquele mesmo ano: “Nós vivemos numa taldegradação universal, que não existe mais nadaque seja receptivo ao cristianismo, a não ser a sim-ples realidade criatural. Por isso, é o momento doinício do cristianismo, é o momento em que ocristianismo surge, é o momento da ressurreiçãodo cristianismo. E a ressurreição do cristianismotem um grande e único instrumento. Qual é ele?O milagre. É o tempo do milagre. É preciso dizerao povo que invoque os santos, porque os santosforam feitos para isso”. Pois, embora outros tam-

A mulher vestida de sol e o menino, detalhe

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bém realizem milagres7, os santos foram feitos pa-ra isso. Contaram-me que segunda-feira passada,durante o programa de tevê Porta a Porta, que ti-nha como tema a beatificação de Padre Pio, dian-te de alguns depoimentos que afirmavam que ossantos são canonizados por sua cultura, Andreot-ti, que estava presente no programa, disse comironia que, se isso fosse verdade, só Santo Tomásde Aquino seria santo. Os santos são o que sãograças aos milagres.

No mesmo cartão para a Quaresma de 1995,mandei escrever três frases. A primeira é extraídado Salmo 5: “Destruís o mentiroso. Ó Senhor, abo-minais o sanguinário, o perverso e enganador”. Asegunda vem do Apocalipse (Ap 13,11.16-17):“Eu vi ainda outra fera sair da terra. [...] Ela fazcom que todos, pequenos e grandes, ricos e po-bres, livres e escravos, recebam uma marca na mãodireita ou na fronte. E ninguém pode comprar ouvender [pode fazer carreira], se não tiver a marcaque é o nome da Fera, aliás, o número do seu no-me”. A terceira frase é extraída da Segunda Cartade Paulo a Timóteo (2Tm 2,19): “No entanto, o só-lido fundamento posto por Deus continua firme,marcado por estas sentenças: ‘O Senhor conheceos que são d’Ele’ e ‘Afaste-se da iniquidade todoaquele que invoca o Nome do Senhor’”. Essa ter-ceira frase é a que Agostinho diz valer sobretudono tempo em que o diabo está solto.

Continuemos a leitura de Agostinho: “Et ta-men hic erit etiam illo tempore, quo solvendus estdiabolus, / No entanto a Igreja existirá nestemundo também no tempo em que o diabo ti-ver sido solto, / sicut, ex quo est instituta, hic fuit eterit omni tempore, in suis utique qui succedunt nas-cendo morientibus / tal como, desde a sua fun-dação, existiu e existirá neste mundo em to-dos os tempos em seus membros, que semprese alternam, nascendo, com aqueles quemorrem”: a Igreja vive nos que são d’Ele. Nãoexiste Igreja abstratamente. Existe a Igreja quevive nos que são d’Ele, que vive de maneira per-feita n’Aquela que foi Sua mãe. Quando dizemosem todas as missas “não olheis para os nossos pe-cados, mas para a fé da vossa Igreja”, a primeirapessoa em que penso é Nossa Senhora. Pois defato quem viveu a fé da Sua Igreja, de maneira ex-celente, humilde e excelente, numa plenitude degraça que é insuperável, foi essa menina. Se nãotivesse existido ninguém que tivesse vivido as-sim, essa oração não seria tão real.

Depois Agostinho comenta outro trecho doApocalipse (20,9ss), em que João diz que todas asnações “cinxerunt castra sanctorum et dilectam civi-tatem, / cercaram em assédio o acampamentodos santos e a cidade que Deus ama, / et descen-dit ignis de caelo a Deo et comedit eos [...] / mas umfogo desceu do céu enviado por Deus e de-

7 Giussani, L. Cristo è tutto in tutti. Appunti dalle meditazioni di Luigi Giussani per gli Esercizi della Fraternità di Comunione e

liberazione, Rimini 1999. Suplemento de Litterae Communionis-Tracce, n. 7, jul.-ago. 1999, p. 54: “Vocês se lembram de quando

Jesus – como o descreve o segundo livro da Escola de Comunidade –, andando pelos campos com os seus apóstolos, viu perto de

uma cidadezinha que se chamava Naim uma mulher que chorava e soluçava atrás do féretro do filho morto? E Ele foi lá; não lhe

disse: ‘Vou ressuscitar o seu filho’. Mas: ‘Mulher, não chores’, com uma ternura, afirmando uma ternura e um amor ao ser huma-

no inconfundíveis! E, com efeito, depois, deu-lhe também o filho vivo. Mas não é isso, pois outros também podem fazer mila-

gres, mas esse, essa caridade, esse amor ao homem próprio de Cristo não tem nenhuma comparação com nada!”.

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vorou aqueles que [...]” estavam para conquis-tar a cidade amada... Agostinho, como eu men-cionava antes, quando comenta essa passagemafirma que a vitória definitiva “iam ad iudiciumnovissimum pertinet / pertence ao juízo final”.

Com relação ao breve tempo em que o diaboestá solto, Agostinho diz: “[...] ne quis existimet eoipso parvo tempore, quo solvetur diabolus, in hac ter-ra Ecclesiam non futuram, illo hic eam vel non inve-niente, cum fuerit solutus, vel absumente, cum fuerit

modis omnibus persecutus / [...] ninguém penseque nesse breve tempo em que o diabo estarásolto a Igreja não existirá sobre a terra, querporque o diabo não a encontrará quando forsolto, quer porque a aniquilará depois de tê-la perseguido de todas as formas”.

Mas, se o diabo é solto, isso significa que esteveamarrado. Que significa estar amarrado? “[...] sedalligatio diaboli est non permitti exserere totamtemptationem quam potest / [...] o fato de o diaboestar amarrado significa que não lhe é permi-tido exercer toda a tentação da qual é capaz,/ vel vi vel dolo ad seducendos homines / pela forçaou pelo engano, para seduzir os homens”, pa-ra dissuadir os homens de viverem a fé. Essa é aexpressão máxima da tentação. Todas as tenta-ções do diabo são tentações, assim como são pe-cados capitais todos os sete pecados capitais8.Mas a tentação a que tendem todas as tentações éaquela que se dá quando o diabo quer destruir afé. Como sempre dizia padre Leopoldo Mandicquando confessava: “O que importa é preservar afé”9. Esse é o critério para os padres, quando con-fessam; e é o fim último pelo qual uma pessoa seconfessa. Assim, é um enorme conforto confes-sar-se de qualquer pecado para preservar a fé. Afé é a raiz de tudo. Assim voltamos a ser inocen-tes, pequenos, puros de coração.

“Pela força ou pelo engano”, o diabo se mobili-za para destruir a fé. “Pela força ou pelo engano”.

“Vi / pela força”. Por exemplo, pela ameaça.Ante as mortes inesperadas que marcaram estesanos, eu algumas vezes disse que, de certo ponto

8 Cf. Quem reza se salva. Roma: 30Giorni, 2009, p. 15: “Os sete pecados capitais: 1. soberba; 2. avareza; 3. luxúria; 4. ira; 5.

gula; 6. inveja; 7. preguiça”.9 Cf. Falasca, S. É o Senhor que opera. 30Dias, n. 1, jan. 1999, p. 55-59.

A fera que emerge do mar

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de vista, para que essas mortes sejam usadas co-mo ameaça contra quem crê, não é importanteque tenham ocorrido por homicídio ou por aca-so (em última instância, não são nunca por acasono desígnio da providência do Senhor). De fato,essas mortes podem ser usadas como ameaçacontra quem crê, mesmo que não sejam realmen-te homicídios. Diante de certas mortes inespera-das, a pessoa pode dizer a uma outra: “Não vá fa-zer o mesmo, senão vai acabar como aquela pes-soa”. Portanto, as mortes inesperadas são usadascomo ameaça, mesmo que não sejam realmentehomicídios, mesmo que sejam mortes, digamosassim, naturais.

“Dolo / pelo engano”. A maior parte das pes-soas é seduzida pelo engano. Para usar termos

modernos, poderíamos falar de homologação,realizada, entre outros fatores, pelos meios de co-municação de massa. Engano midiático. Para en-ganar as pessoas, o diabo se vale do pecado da so-berba. De fato, é aos pequenos e aos simples, ouseja, aos humildes (“Qui sunt parvuli? Humi-les”10) que o Senhor dá a sabedoria. “Vossa pala-vra, ao revelar-se, me ilumina, ela dá sabedoriaaos pequeninos” (Sl 118,130).

Por isso, quando Agostinho fala dessa persegui-ção observa que a sabedoria é importante. Em ou-tras palavras, é importante a inteligência que seaproveita do momento. Diz isso mais adiante:“Omnes insidias eius atque impetus et caverent sapien-tissime et patientissime sustinerent / para esquivar-se com suma sabedoria das insídias e dos assal-tos [do diabo] e para suportá-los com suma pa-ciência”. Agostinho insiste nessa inteligência, em-bora seja evidente que o fato de permanecermosfiéis na perseguição é um dom de graça particular.Sobretudo quando a perseguição se torna cruenta,como Giussani previu, em abril de 199211.

Continua Agostinho: “in partem suam cogendoviolenter fraudolenterve fallendo / obrigando-os ¬

10 Agostinho. Sermones 67, 5, 8.11 Giussani, L. Un avvenimento di vita, cioè una storia (in-

troduzione del cardinale Joseph Ratzinger), Edit-Il Sabato,

Roma, 1993, p. 104: “Isso mesmo. A ira do mundo, hoje, não

se ergue diante da palavra Igreja, fica quieta até diante da ideia

de alguém se dizer católico, ou diante da figura do Papa como

autoridade moral. Aliás, existe uma reverência formal e até

sincera. O ódio explode – mal se contém, e logo transborda –

diante de católicos que se apresentam como tais, católicos que

se movem na simplicidade da Tradição”. (Cf. trad. em portu-

guês extraída de “Um evento, eis por que nos odeiam”. Trad.

Juliana P. Perez e Francesco Tremolada. In: O eu, o poder, as

obras. São Paulo: Cidade Nova, 2001, p. 220).O anjo que abate a fera com a pedra de moinho

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a vir para o seu lado pela violência ou enga-nando-os pela mentira”. O diabo não tenta oshomens em primeiro lugar para que pequem (em-bora só os possa obrigar a passar para a sua partepela violência e pelo engano por meio do peca-do12), mas para que passem para o seu lado. Este éo objetivo: que passem para o seu lado. Se não per-cebemos isso, não percebemos uma dimensão es-sencial da história da Igreja. Não podemos descre-ver a história da Igreja apenas como história degraça e de pecados. Lembro-me de que uma vez euestava de carro com Giussani em Roma. Antes dechegar à praça Venezia, Giussani me disse: “Veja,três são os fatores da história da Igreja: a graça, opecado e o anticristo. Se não levarmos em conta oanticristo, a relação entre graça e pecados pode serconcebida de um jeito moralista”. O anticristo,por meio do pecado, quer levar você para o ladodele. “In partem suam cogendo violenter fraudolen-terve fallendo / obrigando-os a vir para o seu ladopela violência ou enganando-os pela mentira.”

Pergunta-se Agostinho: por que o diabo é solto?Abro um breve parênteses. Alguém me lem-

brou um sonho de São João Bosco. Dom Boscosonha, se não me engano, com uma aposta entreDeus e o diabo, em que o diabo diz a Deus que écapaz de destruir a fé em um século. E o Senhorlhe teria dito: tudo bem, eu te dou um século, po-des fazer o que quiseres. Veremos no fim se con-seguirás destruir completamente a fé dentro da

minha Igreja. Diante de qualquer profecia parti-cular, como podem ser classificados os sonhos deDom Bosco, somos livres para crer ou não crer.Aliás, propriamente, não cremos nelas, apenaspodemos dar-lhes crédito ou não. Pois não sãoobjeto da fé. As profecias particulares, no entan-to, podem ser hipóteses inteligentes para ler arealidade. As profecias particulares, inclusive asaparições de Nossa Senhora, podem ser suges-tões à inteligência iluminada pela fé para olharpara a realidade. Pensem na profecia de PauloVI em setembro de 197713 e no juízo ainda mais

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12 “Non enim nisi peccatis homines separantur a Deo / De fato, somente pelos pecados os homens se separam de Deus” (De ci-

vitate Dei X, 22); “Non deserit, si non deseratur / Não abandona, se não é abandonado” (Agostinho, De natura et gratia 26, 29);

Concílio de Trento, Decretum de iustificatione, cap. 11: De observatione mandatorum, deque illius necessitate et possibilitate,

(Denzinger 1536-1539, particularmente 1537); Concílio Vaticano I, constituição dogmática sobre a fé católica Dei Filius, (Den-

zinger 3014).13 Cf. Giussani, L. Un avvenimento di vita, cioè una storia. Introdução do cardeal Joseph Ratzinger. Roma: Edit-Il Sabato, 1993,

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dramaticamente realista de Giussani em dezem-bro de 1998 a respeito do pequeno resto14. Umaprofecia particular – na qual não cremos pro-priamente falando, mas à qual simplesmente da-mos crédito, porque a fé nasce apenas por atra-ção da graça15 – pode ser um ponto de partida ex-tremamente útil para olhar com atenção e comaceitação a realidade tal como ela é.

Então, por que o diabo é solto?“Si autem numquam solveretur, minus appareret

eius maligna potentia, / Se nunca fosse solto, fi-caria menos patente a sua força maléfica, /minus sanctae civitatis fidelissima patientia proba-retur, / seria menos posta à prova a fidelíssimapaciência da cidade santa, / minus denique pers-piceretur, quam magno eius malo tam bene fueritusus Omnipotens [...] / mas, sobretudo, ver-se-

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p. 72-73: “Nos últimos anos o senhor tem desejado que sejam repetidas e conhecidas por todos as palavras que Paulo VI disse ao amigo

Jean Guitton, em 8 de setembro de 1977, nas quais o Papa fala de ‘um pensamento não católico’ e da resistência de um ‘pequeno reba-

nho’. Por quê? Luigi Giussani: Porque é isso que está acontecendo. Peço-lhe que me releia essas palavras. Pois bem: ‘Há uma gran-

de perturbação neste momento no mundo da Igreja, e o que está em questão é a fé. Vejo-me obrigado hoje a repetir a frase obscura de Je-

sus no Evangelho de São Lucas: ‘Quando o Filho do Homem voltar, encontrará ainda a fé sobre a face da terra?’. Hoje em dia saem li-

vros em que a fé bate em retirada em relação a pontos importantes, os episcopados se calam, e esses livros não são achados estranhos. Is-

so, para mim, é que é estranho. Releio às vezes o Evangelho do fim dos tempos e constato que neste momento aparecem alguns sinais

desse fim. Estamos próximos do fim? Isso nunca saberemos. É preciso que estejamos sempre prontos, mas tudo pode durar ainda muito

tempo. O que me impressiona, quando considero o mundo católico, é que dentro do catolicismo parece às vezes predominar um pensa-

mento de tipo não católico, e pode acontecer que esse pensamento não católico dentro do catolicismo se torne no futuro o pensamento

mais forte. Mas ele nunca representará o pensamento da Igreja. É preciso que subsista um pequeno rebanho, por menor que seja’”.14 Giussani, L. Cristo é parte presente do real. 30Dias, n. 12, dez. 1998, p. 61: “Hoje o fato de Cristo existir – quem é, onde es-

tá, que caminho percorrer para chegar até Ele – é vivido por pouquíssimos, quase um resto de Israel, e mesmo esses muitas ve-

zes infiltrados ou imobilizados pela influência da mentalidade comum”.15 Tomás de Aquino. Summa theologiae II-II q. 4 a. 4 ad 3: “Gratia facit fidem non solum quando fides de novo incipit esse in

homine, sed etiam quamdiu fides durat / A graça gera a fé não apenas quando a fé nasce numa pessoa, mas por todo o tempo em

que a fé perdura”.

A fera que emerge do mar, detalhe

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¬

Page 13: «Confiteor unum baptisma in remissionem peccatorum» Lettura spirituale Bra... · passagens mais belas. No capítulo 8 do vigésimo livro1, Agostinho comenta alguns versículos do

ia menos claramente como Aquele que é oni-potente pode usar um mal tão grande para umbem ainda maior [...] / In eorum sane, qui tuncfuturi sunt, sanctorum atque fidelium comparationequid sumus? / Em comparação com os santos efiéis que viverão então [quando o diabo for sol-to], que somos nós?”.

Essa pergunta nascia espontaneamente paraAgostinho, pois ele vivia num tempo em que mi-lhares e milhares de pessoas se tornavam cristãs.Tanto assim, que para Agostinho o milagre eviden-te que leva a crer em Cristo é a multitudo, a multi-dão de pessoas que se tornam cristãs. Agostinhoestava cercado pelo milagre de milhares e milharesde pessoas que se tornavam cristãs. Uma multitu-do de ignorantes e pecadores que encontravam ocristianismo16. Não dá para comparar a evidênciados milagres que confortam a fé17 no tempo deAgostinho com a situação de hoje, em que, comoobservava a 30Diasum bispo de Laos, a Igreja é co-mo uma criança pequena salva das águas18. Agosti-nho podia dizer: “O milagre mais evidente é que osvossos templos e os vossos teatros estão vazios, en-

16 Cf. Ratzinger, J. Popolo e casa di Dio in sant’Agostino.

Milano: Jaca Book, 1971, particularmente p. 33-38: “Deus

fez isso [providenciar uma outra encarnação para a sabedoria

que a conduza também até o olho do tolo] primeiramente

por meio dos milagres, depois por intermédio da multitudo.

Para Agostinho, a multidão dos povos que pertencem à Igre-

ja constitui um sinal divino evidente que realmente só o pró-

prio Deus poderia dar” (p. 35).17 Cf. Concílio Ecumênico Vaticano I, constituição dog-

mática sobre a fé católica Dei Filius (Denzinger 3009).18 Cf. Paci, S. M. Para nós é suficiente uma Ave Maria. En-

trevista com dom Jean Khamsé Vithavong, vigário-apostóli-

co de Vientiane, no Laos. 30Dias, n. 3, mar. 1999, pp. 14-17.

Oração de São MiguelArcanjo

São Miguel Arcanjo,

defendei-nos no combate,

sede o nosso refúgio contra as maldades e

ciladas do demônio.

Ordenai-lhe Deus, instantemente o

pedimos, e vós, príncipe da milícia celeste,

pela virtude divina,

encadeai no inferno a Satanás

e aos outros espíritos malignos,

que andam pelo mundo

para perder as almas. Amém.

O quinto anjo derrama o cálice da ira de Deus sobre o tronoda fera

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quanto as igrejas estão cheias de povo”. Hoje é lite-ralmente o contrário. Por isso me parece possíveller o tempo atual ou momentos do nosso tempocomo tempo ou momentos em que o diabo estásolto. Digo isso de um ponto de vista realista, deconstatação19. A própria oração do papa Leão XIIIa São Miguel Arcanjo, que, antes da reforma litúr-gica, era rezada ao final da santa missa, sugeria essahipótese, ao pedir: “... e vós, príncipe da milícia ce-leste, pela virtude divina, encadeia no inferno a Sa-tanás e aos outros espíritos malignos...”20.

“[...] Usque in illum finem sine dubio converten-tur; [...] / [...] Até o fim [mesmo quando o diabofor solto] haverá aqueles que se converterão;[...] / qui oderint christianos, in quorum quotidie,velut in abysso, caecis et profundis cordibus includa-tur / [e haverá também] aqueles que odiarão oscristãos; na profundidade dos corações ce-gos dos quais o diabo está encerrado todos osdias como no abismo”: creio que dificilmenteAgostinho tenha dado sobre alguém um juízo tãotrágico como esse sobre quem odeia os cristãosenquanto tais, ou seja, aqueles “que se movem nasimplicidade da Tradição”21.

“Immo vero id potius est credendum, / É precisocrer / nec qui cadant de Ecclesia nec qui accedantEcclesiae illo tempore defuturos, / que tambémnesse tempo não faltarão nem aqueles que seafastam da Igreja nem aqueles que a encon-tram, / sed profecto tam fortes erunt et parentes probaptizandis parvulis suis / mas certamente seja ospais que farão batizar suas crianças [essa ob-servação é muito bonita, precisamente como ma-neira de olhar para as coisas que têm ocorridonestes anos] / et hi, qui tunc primitus credituri sunt,ut illum fortem vincant etiam non ligatum, / sejaaqueles que nesse tempo terão acabado de dar os pri-meiros passos na fé serão tão fortes a ponto de vencer aforça do diabo mesmo solto, / id est omnibus, qualibusantea numquam, vel artibus insidiantem vel urgen-tem viribus, et vigilanter intellegant et toleranter fe-rant; ac sic illi etiam non ligato eripiantur / ou se- ¬

19 Cf. Ratzinger, J. A angústia de uma ausência: três medita-

ções sobre o Sábado Santo. 30Dias, n. 3, mar. 1994. pp.37-44.20 Parece que foi depois que ficou profundamente pertur-

bado por uma visão que teve ao final da celebração de uma

missa a que assistia que o papa Leão XIII compôs a oração a

São Miguel Arcanjo, em 1886, e a enviou a todos os bispos, pa-

ra que mandassem os fiéis rezarem-na de joelhos ao final de

cada santa missa (cf. Ephemerides liturgicae 69 [1955], p. 59,

nota 9). A oração foi também incluída num exorcismo espe-

cial que Leão XIII mandou inserir no Ritual Romano (apare-

cia no título XII, na edição de 1954).21 Cf., acima, a nota 11. Cristo no cavalo branco, seguido pelos exércitos celestes

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ja, que estarão prontos a compreender comatenção e serão capazes de resistir com pa-ciência ao diabo, que, como nunca antes, in-sidiará com todas as artes e assaltará com to-das as forças, a ponto de dele serem liberta-dos, embora não esteja amarrado”: não sãoeles que vencem, mas são eles que pela graça deDeus são arrancados das garras da força queameaça e do engano.

Enfim, no capítulo 9 do vigésimo livro22, Agosti-nho comenta os mil anos em que os eleitos reinamsobre a terra: “Interea dum mille annis ligatus estdiabolus, sancti regnant cum Christo etiam ipsi milleannis, eisdem sine dubio et eodem modo intellegendis,id est, isto iam tempore prioris eius adventus. / Por-tanto, enquanto o diabo está amarrado por milanos, os santos reinam com Cristo também pormil anos, que devem também ser entendidossem dúvida do mesmo modo, ou seja, já nestetempo do Seu primeiro advento. / Excepto quippeillo regno, de quo in fine dicturus est: ‘Venite, benedicti

Patris mei, possidete paratum vobis regnum’, / Pois,para além daquele reino do qual no fim se dirá:‘Vinde, benditos de meu Pai, recebei o reinopreparado para vós’, / nisi alio aliquo modo, longequidem impari, iam nunc regnarent cum illo sanctieius, / se mesmo hoje, neste tempo, ainda que deum modo muito diferente [do Paraíso], não rei-nassem com ele os seus santos, / quibus ait: ‘Ecceego vobiscum sum usque in consummationem saeculi’;/ aos quais o Senhor diz: ‘Eis que estou convos-co até o fim dos tempos’, / profecto non etiam nuncdiceretur Ecclesia regnum eius regnumve caelorum /certamente não se diria que a Igreja já agora éo Seu reino, o reino dos céus”: seus fiéis reinamgraças à Sua presença. Pois, estando já hoje presen-te o Senhor, reinar é como o reflexo no coração enos gestos, ou seja, nas boas obras, da presençad’Ele e da Sua ação.

“[...] Ergo et nunc Ecclesia regnum Christi estregnumque caelorum. / [...] De fato, já agora aIgreja é o reino de Cristo e o reino dos céus. /

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22 Cf. De civitate Dei XX, 9, 1.

O Cordeiro no trono, entre os quatro seres vivos e os vinte e quatro anciãos

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Regnant itaque cum illo etiam nunc sancti eius, /Também agora, portanto, os seus santos rei-nam com Ele, / aliter quidem quam tunc regna-bunt; / de um modo diferente de como reina-rão então [no Paraíso]; / nec tamen cum illo reg-nant zizania, quamvis in Ecclesia cum tritico cres-cant / mas todavia com Ele não reina a cizâ-nia, embora na Igreja cresça com o trigo”.O que faz a diferença, na Igreja, é justamente oreinar. A diferença é a experiência da surpresaque a Sua presença gera. Ou seja, a diferença éestar ou não estar na graça de Deus23. A cizâniatambém está na Igreja, a cizânia também per-tence à Igreja, a cizânia também pode partici-par dos sacramentos da Igreja, pode estar entreos chefes da Igreja24, mas não reina. Pois reinar ésimplesmente o reflexo no coração e nas boasobras da surpresa da Sua graça: “[...] Postremoregnant cum illo, qui eo modo sunt in regno eius utsint etiam ipsi regnum eius / [...] Enfim, reinamcom Ele aqueles que estão de tal modo emSeu reino a ponto de serem eles mesmos oSeu reino”.

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23 Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II, constituição dogmática sobre a Igreja Lumen gentium, n. 14: “Non salvatur tamen, li-

cet Ecclesiae incorporetur, qui in caritate non perseverans, in Ecclesiae sinu ‘corpore’ quidem, sed non ‘corde’ remanet. Memores au-

tem sint omnes Ecclesiae filii condicionem suam eximiam non propriis meritis, sed peculiari gratiae Christi esse adscribendam; cui

si cogitatione, verbo et opere non respondent, nedum salventur, severius iudicabuntur / Não se salva contudo, embora incorpora-

do à Igreja, aquele que, não perseverando na caridade, permanece no seio da Igreja ‘com o corpo’, mas não ‘com o coração’.

Lembrem-se todos os filhos da Igreja que a condição sem igual em que estão se deve não a seus próprios méritos, mas a uma pe-

culiar graça de Cristo. Se a ela não corresponderem por pensamentos, palavras e obras, longe de se salvarem, serão julgados com

maior severidade (Lc 12,48: “A quem muito foi dado, muito lhe será pedido”. Cf. Mt 5,19-20; 7,21-22; 25,41-46; Tg 2,14)”.24 Cf. Giussani, L. L’uomo e il suo destino: In cammino. Genova: Marietti, 1999, p. 27-28: “Aqui, gostaria de fazer uma obser-

vação. O que dissemos antes a respeito do poder vale como aspecto vertiginoso também para a autoridade, da forma como po-

deria ser vivida na Igreja. Se a autoridade não é paternal, e portanto maternal, pode-se tornar fonte de equívoco supremo, ins-

trumento enganador e destrutivo nas mãos da mentira, de Satanás, pai da mentira (cf. Jo 8,44). Ao passo que sempre, de modo

desconcertante, a autoridade da Igreja em última instância deve ser obedecida, paradoxalmente”.

O Cordeiro no monte Sião e os cento e quarenta e quatro mil eleitos

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