confide nci as mine iras

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    Confidncias mineirasna parte mais central da Amrica do Sul

    Carlos Alberto Rosa

    Este artigo examina a espacializaoda capitania de Mato Grossoarticulada com os dois Estados daAmrica portuguesa, observandoprticas individuais de relaes depoder na parte mais central docontinente sul-americano, nasltimas dcadas do sculo XVIII.

    This article the capitania of MatoGrosso's spacialization articulatedwith the two States of the portugueseAmerica, individual practices of powerrelations in the most central part ofthe south american continent, in thelast decades of the 18th century.

    Em fins de julho de 1784 chegaram algumas

    canoas ao Porto Geral da Vila Real do Senhor BomJesus do Cuiab, capitania de Mato Grosso, parte maiscentral da Amrica austral, meridional, do sul.Antonio Jos Pinto de Figueiredo, maior autoridadepolicial da vila logo informou o fato ao governador Luizde Albuquerque de Melo Pereira e Cceres:

    (...) os dias passados chegaram duas canoas de Povoadocom algum sal, acar e farinha, ambas pertencentes aJoaquim Jos Ferreira, vindo das Gerais, onde advogoumuitos anos e pretende aqui exercer a mesma ocupao,ao depois de impetrar de V. Exa. Proviso. Dizem-me que bastantemente remediado e que conserva uns poucosde mil cruzados (...).1

    Em agosto Joaquim Jos Ferreira pediu autorizaopara advogar, declarando ser "natural da Cidade doRio de Janeiro".2 Em dezembro o governadorautorizao.3

    1 Antonio Jos Pinto de Figueiredo a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cceres;Cuiab, 8.9.1784, Mss.; Avulsos, Lata 1784A, APMT.2 Requerimento: Mss.; Avulsos, Lata 1784A; APMT.3 Portaria de Lus de Albuquerque de Melo Pereira e Cceres, Vila Bela, 29.12.1784;Mss.; Livro de Registro C-25, 1781-1789, fs 91 e 91 v; APMT.

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    Em menos de dois anos Ferreira era procurador deimportantes figuras locais.4 Mas em meados de 1787cara em desgraa junto ao chefe policial:

    Tem-me causado bastante admirao e ao mesmo tempo

    algum desgosto de saber (...)que se tem formado umaCabala por meios bem imprprios, extraordinrios eindignos, contra o Advogado Joaquim Jos Ferreira, quaisso o de tirar o Mestre de Campo Comandante uma comoDevassa sobre a morte do Capito Domingos da CostaRodrigues a requerimento de um seu temerrio genro,mulato, Domingos da Costa Viana, juramentando duasvezes as testemunhas, a primeira para jurarem sobreaquela morte, sendo instigadas para afirmarem ser o autordela o dito Advogado; e a segunda para de nenhum modorevelarem aquele segredo com que se procede naquela

    diligncia. Este estranho procedimento (...), segundo aopinio dos publicistas, crime de Lesa Majestade deSegunda Cabea (...).5

    Quem escrevia nesses termos ao governador era ojuiz-de-fora do Cuiab, Diogo de Toledo LaraOrdonhes. Paulista, 35 anos, doutor em leis porCoimbra, com parentes poderosos nas capitanias deSo Paulo, Rio, Minas Gerais e Mato Grosso. E emLisboa.6

    Provedor da Fazenda dos Defuntos e Ausentes,Capelas e Resduos, Executor dos Reais Direitos,Superintendente das Terras e guas Minerais,presidente do Senado da Cmara, Diogo de Toledono se precipitaria em denunciar cabala do mestre-de-

    4 PROCURAO; Cuiab, 15.04.1786; Mss.; microficha 340 (AHU)-;REPRESENTAO, Cuiab; 12.08.1787. Mss.: microficha 352 (AHU) NDIHR/UFMT -AUTUAO (...) 1786; Mss., Srie Processos Judiciais, Cx. 91,Proc. 1148, APMT.5 Diogo de Toledo Lara Ordonhes a Lus de Albuquerque de Melo Pereira e Cceres.

    Cuiab, 2.7.1787; Mss. Avulsos, Lata 1787A; APMT.6 Luiz Gonzaga da Silva Leme. Genealogia Paulistana..., cit. Lusa da Fonseca.Bacharis..., cit. Hernani Cidade, Lies de cultura e Literatura portuguesas, vol. II;Coimbra, Coimbra Editora Ltda., 1968, pp. 183 233. Jos Honrio Rodrigues.Histria da Histria do Brasil, cit. Manuel Augusto Rodrigues. Alguns aspectos daReforma Pombalina da Universidade de Coimbra 1772, in Maria Helena Carvalhodos Santos(Coord.), Pombal Revisitado. Lisboa, Estampa, 1984, vol. I, pp. 209 223.Paulo Pitaluga Costa e Silva. Diogo de Toledo Lata Ordonhez Salvamento de suamemria e obra. s.l., s.ed. 1990. Jos Paes Falco das Neves a Joo de Albuquerquede Melo Pereira e Cceres; Cocais, 26 11 1795; mss., Avulsos, Lata 1795A, APMT.

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    campo, sem provas. O jogo do poder na Vila Real nopermitia precipitaes, aleivosias ligeiras por parte deum "Ministro das Justias de Sua Majestade":

    (...) nesta Vila existem dois Chefes: um das Justias e

    outro do Militar, a cujas vozes obedecemos todos (...); hporm diferentes vontades entre os povos, quando asaes dos Chefes no so reguladas debaixo de umarecproca amizade; porque aproveitando-se cada um delesdesta ocasio, segue aquele Partido que lhe faz maisconta (...).7

    Com a denncia ao governador, Diogo de Toledoobrigou este a se manifestar, ainda que com cautela:"como esta matria se acha pelo que vejoextremamente confusa e desordenada, no serpossvel talvez que se tomem providncias maisulteriores sem que primeiro se aclare um poucomelhor (...)" - respondeu Luiz de Albuquerque.8

    O movimento do juiz-de-fora atacando o mestre-de-campo tornou inegvel a existncia de um segredottico, que envolvia o governador. Mas por que acabala?

    O Cuiab e o Mato Grosso

    Cerca de um ano antes tinham chegado vila doCuiab engenheiros e astrnomos, da comissodemarcadora do Tratado de Santo Ildefonso.Hospedaram-se em sobrado prximo casa de Diogode Toledo, durante quase um ms. 9 Cinco dias antes

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    Jos Pais Falco das Neves a Joo de Albuquerque de Melo Pereira e Cceres;Cocais, 29.09.1793; mss., Avulsos, Lata 1796. APMT.8 Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cceres ao Juiz de Fora Diogo de ToledoLata Ordonhes; Vila Bela, 02.08.1787; Mss.: Fragmento de Livro de Registro daSecretaria de Governo, f. 27; APMT.9 Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cceres ao Mestre de Campo Antonio JosPinto de Figueiredo; Vila Bela, 28.02.1786; mss. Livro de Registro deCorrespondncia C-27, f. 165v, APMT. Joaquim da Costa Siqueira. Compndiohistrico-cronolgico das notcias de Cuiab, repartio da Capitania de MatoGrosso, Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, Tomo XIII, 1850, p. 17.

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    de partirem, o astrnomo paulista Francisco JosLacerda e Almeida denunciou seu colega das Geraisao ministro Martinho de Melo e Castro:

    (...) rarssimos so os dias em que o Dr. Antonio Pires da

    Silva Pontes, com insultos e improprios ditados pelo seunatural satrico e insultante, diretamente no desafie anossa tolerncia(...). (...)Este seria o menor de seuscrimes, se pelo esprito de rebelio que nele reina,pudesse por em prtica os discursos queimprudentemente tem proferido de dever ser MinasGerais, sua Ptria, cabea de um grande Reino, faltando obedincia devida a nossa soberana e aos deveres decidado. (...).10

    O dirigir-se ao ministro notvel e amplifica o

    esprito de rebelio do satrico Silva Pontes. Quecertamente no era o nico, na vila.Naquele mesmo setembro trs padres filhos de

    famlias grandes do Cuiab, designados para arepartio do Mato Grosso, fugiram para So Paulopelo caminho dos rios. O caso, pelo apoio quereceberam, levou o governador Luiz de Albuquerque amal contida incontinncia verbal: "Temerriainsolncia (...), (...) pssimos Clrigos (...), (...)celerados (...), (...) desmedida temeridade (...)".11

    Pouco depois, ainda mais irritado pela resistnciade uma certa famlia Frias em transferir-se do Cuiabpara o Mato Grosso, o governador voltava carga:

    (...)andam como pregando malvadamente (...), queningum se mude desse domiclio para este Pas, (...)quetodos o abominem, pintando-lhe como um agregado demisrias com outras mais cores denegridas eingratssimas, (...)quando o dito Pas excede muito e em

    muitas coisas a esse do Cuiab, no lhe cedendo em nada

    10 Francisco Jos de Lacerda e Almeida a Martinho de Melo e Castro; Cuiab,24.09.1786; mss. Microficha 346, (AHU)-NDHIR/UFMT. Maxwell cita rapidamenteesta denncia: Kenneth Maxwell.A Devassa da Devassa A Inconfidncia Mineira:Brasil-Portugal, 1750-1808. Rio, Paz e Terra, 1978, pp. 102 e 107 n. 73.11 Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cceres ao Mestre de Campo Antonio JosPinto de Figueiredo, Casalvasco, 12-11-1786; mss., Livro de Registro da Secretariade Governo, 1783-1786 (C-26), fs. 189-190, APMT

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    5mais que em haver nesse um pouco mais de peixe ruimcom alguma carne de vaca.12

    Albuquerque explicitava confronto, espacialisavaconflito, desnudava diferenas entre o Cuiab e o

    Mato Grosso.Tais diferenas consolidavam-se havia j meiosculo. A aplicao das palavras mato e grosso comotopnimo a um segmento desta parte central dosubcontinente datava dos anos 1730:

    (...)saindo uma tropa de gente da vila do Cuiab a exploraras campanhas dos gentios chamados Pareci(...), (...)logoque baixaram plancie da parte oposta aos campos dosPareci (que s tem algumas ilhas de arbustos agrestes),toparam com matos virgens de arvoredo muito elevado ecorpulento, que entrando a penetr-lo o foram apelidandoMato Grosso; e este o nome que ainda hoje conservatodo aquele distrito.13

    Portanto, quando teve incio o uso do topnimoMato Grosso para referir o espao entre as cabeceirasdo Jauru e do Sepotuba e alguns afluentes do altoGuapor, o nome Cuiab j estava consolidado, -inclusive na denominao da nica vila portuguesa docentro do continente: a Vila Real do Senhor Bom Jesusdo Cuiab, fundada no primeiro de janeiro de 1727.Circundada por lavras de minerao, arraiais,unidades agro-criatrias e foras para-militarespaulistas de muitos arcos amerndios, a Vila Realtornara-se ponto irradiador de bandeiras e expediesprospectoras e apresadoras, das cabeceiras do Arinosao Paran, do Jauru/Sepotuba ao Araguaia/Tocantins.

    A capitania de Mato Grosso ficou assim compostapor dois termos, ou reparties, ou distritos: o Cuiabe o Mato Grosso. Por vezes usava-se inclusive a

    12 Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cceres ao Mestre de Campo Antonio JosPinto Figueiredo; Casalvasco, 06.12.1786; mss., Livro de Registro C-26, cit., fs.191-192v; APMT.13 Jos Gonalves da Fonseca. Notcia da situao de Mato Grosso e Cuiab, estadode umas e outras minas. Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, tomoXXIX, pp. 352-353.

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    expresso capitanias, para referir o Cuiab e o MatoGrosso.14

    Os incentivos fiscais e privilgios legaisbeneficiadores da repartio do Mato Grosso,marcantes nos vinte primeiros anos da implantaoda capitania (1751-1771), no foram suficientes parasustentar ali povoamento mais expressivo que o doCuiab. O atrelamento comercial Companhia Geralde Comrcio do Gro Par e Maranho, acabouimpondo 'repartio' do Mato Grosso um carterintensamente estatizante, e maiores ligaes com oEstado do Gro Par e Maranho.

    J o Cuiab era muito mais ligado ao Estado doBrasil, no se atrelou a nenhuma companhiamonopolista de comrcio, manteve intensas ediversificadas relaes comerciais com Bahia, Rio de

    Janeiro, So Paulo e Minas Gerais.Ocorriam assim na capitania de Mato Grosso

    confrontos entre dois projetos de colonizao, doisprojetos de imprio. Esse confronto ecoava, em 1783,

    na correspondncia do Contratador das Entradas JooRodrigues de Macedo, residente em Vila Rica, nasGerais:

    (...)o Livro do rendimento das entradas pertencentes aoCuiab, e no sem admirao encontro no mesmo e naConta Corrente que acompanha, ser o rendimento do anode 1776 de 5:831$083 ris e os cinco subsequentes comuma tal diminuio que bem certificam a opresso queexperimentam os transitores que conduzem o negciopara essas minas, dando-me uma fiel noo para requerer

    pela infrao das minhas condies, pois devendo serestes isentos, e no perturbados por princpio algum,tenho notcia se praticou com eles o contrrio(...). Nomenos me causou novidade e admirao a falta derendimentos dos direitos das Minas do Mato Grosso,

    14 Isso tem gerado grandes confuses na historiografia desta parte mais central.

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    7querendo-se valer da proviso de 14 de novembro de1752, que se acha revogada pelas mesmas condies(...).28

    Opresso sobre o Cuiab, sonegao no Mato Grosso:crtica desabrida ao tratamento diferenciado s duas

    'reparties' da capitania.Os prejuzos vividos por Macedo, que o levavam aameaar a administrao reinol de Vila Bela comrequerer pela infrao das minhas Condies,deviam ser por ele divulgados em restrito masinfluente grupo, para inclusive legitimar seu atraso emprestar contas com a Fazenda Real, como contratador.Interessava-lhe alinhar-se com comerciantes e

    proprietrios do Cuiab. Claramente refere seuscontatos nesta 'repartio': tenho notcia.As diferenas e o confronto entre o Cuiab e o

    Mato Grosso manifestavam-se na correspondncia domestre-de-campo com o governador, configuravamrelaes entre autoridades da Vila Real e da Vila Bela:na Vila Real, procedimentos secretos do mestre-de-campo e "admirao" e "desgosto" do juiz-de-fora; naVila Bela, ambigidade do governador.

    No caso do advogado Joaquim Jos Ferreira, logo acabala, o segredo, o no transpirar coisaalguma tornaram-se ainda mais intrigantes:

    (...)o chamado Joaquim Jos Ferreira comprara o stio deAntonio de Magalhes, abaixo de Santo Antonio (...);afirmam muitos que o tal procurou este refgio paramelhor se preparar e fazer alguma fuga que tenhapremeditada sem ser sentido, nem se lhe poder aplicarremdio; (...) dou a V. Ex esta parte para no (...) fazer

    daqui o mesmo que fez das Gerais.15

    Joaquim Jos Ferreira j no era ele mesmo. Eleera outro. E esse outro fizera alguma coisa nas Gerais

    28Joo Rodrigues de Macedo a Felipe Jos Nogueira Coelho; Vila Rica, 11-03-1783.mss.: Livro Copiador de cartas do Contratador Joo Rodrigues de Macedo, fls. 385-386, srie DF 284, Arquivo Pblico Mineiro.15 Antonio Jos Pinto de Figueiredo a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cceres;Cuiab, 01-05-1788; mss.; Avulsos; Lata 1788A; APMT. Itlicos meus.

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    que no deveria fazer no Cuiab. Dois meses depois omestre-de-campo informava ao governador:

    (...) chegou a esta vila onde assiste, Jos Antonio doAmaral, casado, natural e batizado no arraial de Santa

    Rita, prximo Vila de S. Joo Del Rei, (...) e disseconhecia o padre Domingos, filho legtimo dos defuntosDomingos da Silva dos Santos e sua mulher AntoniaXavier, (...) e que tinha trs irmos, o padre Antonio daSilva, Joaquim e Jos, e trs irms, a Vitria, (...) a segundaCatarina (...), e a terceira Antonia Rita; e o tal Joaquim (...),por alcunha O Tiradentes(...).16

    Intrigado com a alcunha do "tal Joaquim", o mestre-de-campo obteve o seguinte esclarecimento:

    (...) quando fugiu, quebrado do negcio que tinha,inteiramente tinha falta de dentes e voltando da abastantes anos, apareceu com dentes de marfim postios,e com tal arte, que os tirava quando queria e chegava acomer biscoito com eles, e daqui lhe ficou OTiradentes(...).17

    Curiosa informao. Reviravolta. E ento, em marode 1790,

    (...) se declarou sacerdote o Reverendo Domingos da SilvaXavier, denominado antes Joaquim Jos Ferreira, debaixode cujo nome negociou e advogou muitos anos nesta vila,tendo chegado a ela pela via dos Rios, cuja mudana para

    o verdadeiro estado sacerdotal fez achando-se haviapoucos dias preso na cadeia por ordem do Exm Generalda Capitania (...), a requerimento dos seus credores, osquais incendiaram-se com a dita declarao, e fizeram quefosse metido na enxovia(...).18

    Ficava confirmado e pblico: o advogado JoaquimJos Ferreira era o padre Domingos da Silva Xavier,irmo mais velho do alferes Joaquim Jos da SilvaXavier, o Tiradentes que tambm fora preso, cerca

    de um ano antes, no Rio de Janeiro.Pela correspondncia do mestre-de-campo com ogovernador, fica claro que a identidade do padre

    16 Antonio Jos Pinto de Figueiredo a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cceres,Cuiab, 15-07-1788; mss.; Avulsos, Lata 1788A; APMT.17Antonio Jos Pinto de Figueiredo a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cceres,Cuiab, 15-07-1788, cit.18 Anais do Senado da Cmara de Cuiab, mss., NDIHR-UFMT. Os itlicos so meus.

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    Domingos era conhecida pelas autoridades desdeabril de 1788. Mesmo assim o governador autorizouFerreira a advogar na Vila Real em 1789.

    Por que teriam o Mestre de Campo e o governadorsilenciado? Por outro lado, por que o padre Domingosteria vindo para a vilado Cuiab? J se afirmou que setratava de "inconfidente que, por motivos que ahistria ptria ensina, homiziou-se por algum tempoem Cuiab."19 Pela data da confisso de identidade dopadre Domingos a afirmao faz sentido; mas peloque aqui vem sendo exposto, haveria que recuar asarticulaes da Inconfidncia a 1783.

    Seria o padre Domingos observador do contratadorJoo Rodrigues de Macedo? Macedo arrematou, nasGerais, o contrato das entradas em 1776, alargandoesse contrato s capitanias de So Paulo, Gois eMato Grosso, em dois trinios: 1776/1778 e1779/1781, por 944 contos de ris livres para a RealFazenda.

    Macedo tinha, no Cuiab, administradores dos

    registros, que lhe remetiam listas "em todas asmones". Tais administradores recebiam, em geral,comisso de 8% sobre o rendimento total do registrode sua responsabilidade. Teria algum dessesadministradores contatado o padre Domingos da SilvaXavier?20

    Domingos da Silva Xavier foi batizado em 1738 naVila de So Joo dEl Rei. Com 18 anos, rfo, tomou

    19 Estevo de Mendona. Um Inconfidente em Cuiab. Revista do Instituto Histricode Mato Grosso, Anos 31-32, Tomos 61-64, 1949-1950, pp. 69-70.20 ngelo Alves Carrara. A administrao dos contratos da capitania de Minas: ocontratador Joo Rodrigues de Macedo, 1775-1807. Amrica Latina en la HistriaEconmica. Revista de Investigacin, n. 35, junio 2011, pp. 29-52. Instituto deInvestigaciones Dr. Jos Mara Luis Mora, Mxico. Red de Revistas Cientficas deAmrica Latina, el Caribe, Espaa y Portugal - Sistema de Informacin Cientfica.

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    estado sacerdotal.21 Em 1763 obteve OrdensMenores e de Subdicono, capaz no Cantocho. Em1765, no Rio de Janeiro, recebeu Ordens de Dicono ePresbtero. Em junho desse ano tornou-se capelo emSo Joo dEl Rei, onde trs anos depois saiu daIrmandade de Nossa Senhora do Carmo e ingressouna Ordem Terceira de So Francisco. Entre 1771 e1776 foi Proco e Vigrio da Vara de Cuiet edescobertos anexos. De 1777 a 1781 foi Vigrio daVara da Vila de Pitangui, onde tambm exerceu aadvocacia. De Pitangui foi em 1781 para Sabar comoVigrio e advogado. Ali permaneceu at setembro de

    1783, quando partiu para o Cuiab. Tinha 45 anos.22O que aconteceu em Sabar, para Domingos

    despir o hbito e mudar o nome, lanando-se longaviagem, - ainda no possvel saber. Em 1793 ele foilacnico: "persuadido das avultadas utilidades que lheanunciavam conseguiria nesta capitania [MatoGrosso], (...) partiu do seu Bispado (...) comdemissria do seu Prelado".23 A "demissria" do Bispo

    de Mariana foi realmente concedida; mas ela noexplica a mudana de nome, nem o afirmar ser"natural da Cidade do Rio deJaneiro".Confidncias

    Em 1786, quando o astrnomo Silva Pontescometia incontinncias verbais sobre um futuro

    "reino" sul-americano e a resistncia no Cuiab contra21 poca, seus seis irmos mais novos tinham: Maria Vitria, 14 anos; Antnio, 11;Joaquim Jos, 10; Jos, 8; Catarina Eufrsia, 6; e Antnia Rita, 5. Possivelmenteacostados com parentes/tutores.

    22 As fontes e outros detalhes biogrficos que localizei esto em minha tese dedoutorado A Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiab (vida urbana em MatoGrosso, 1727-1808). So Paulo, Universidade de So Paulo, 1996.23 REQUERIMENTO, 1793; mss.; micro ficha 492 (AHU)/NDIHR-UFMT, cit.

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    o povoamento do Mato Grosso provocavam amanifesta irritao de Luiz de Albuquerque, o juiz-de-fora Diogo de Toledo era acusado:

    A razo do meu cuidado consiste no desafeto que

    reconheo no Dr. Juiz de Fora, por causa de uns poucos derequerimentos que lhe tenho feito sobre umas datas deterras que lhe pedi como Meritssimo Superintendente,primeiro que outrem algum; e alm de mas no dar, pord-las com muitas mais a Joo Alves Lemos e a umparente ou favorecido seu, Bento de Toledo Piza(...). Estedesafeto, que conheo no Dr. Juiz de Fora, o ser euemboaba, que hoje esto abandonados totalmente (...).24

    Acusaes graves: favorecimento de parentes,discriminao de emboabas.

    No ano seguinte Diogo de Toledo foi mais uma vezdenunciado, agora como cabea de sinistra"parcialidade":

    Este proceder me faz confirmar na desconfiana de que oassassnio que me fizeram25 na noite de 15 de outubro foraurdido pelo mesmo Ministro e no me faltamdesconfianas (posto que falveis) de que o mandatrioseria um Capito do Mato, que a parcialidade intituladaParlamento Alto tem por muito valente (...).26

    A parcialidade do juiz-de-fora era Parlamento Alto,

    soturnamente recheado com um capito-do-mato.Um ms depois, 121 signatrios encaminharam

    rainha uma splica27, pedindo a permanncia deDiogo de Toledo no Cuiab:

    (...)muito principalmente nesta remota e extrema regioda Amrica Portuguesa, onde h muita distncia do RealTrono (...), que faz esquecer aos que exercitam (...) de que

    24 Custdio Barroso Basto a Lus de Albuquerque de Melo Pereira e Cceres; Cuiab,16-11-1786; mss., Avulsos, Lata 1786A, APMT.25

    No sentido de intentaram.26 Antonio Jos Correa a Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cceres; Cuiab, 19-07-1787; mss., Avulsos Lata 1787A, APMT.27 Assinavam 32 militares, 33 Republicanos, 10 Mineiros de Fbrica, seteSenhores de Lavoura, seis Senhores de Engenho, 51 Homens de Negcio,Vigrio da Vara, coadjutor, comissrio e tesoureiro da Bula da Santa Cruzada, vice-comissrio da Terra Santa, escrivo do Juzo Eclesistico, vigrio da Freguesia deSantana do Sacramento, Juiz das Demarcaes de Sesmarias, quatro advogados,um tabelio, tesoureiro e trs escrives da Fazenda Real, o contratador de Dzimos,escrivo e almotacs do Senado da Cmara, e um Professor de Gramtica Latina.

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    12so vassalos, (...)[abrindo]caminhos para os despotismos edesordens (...). (...) ns, Augustssima Senhora, (...)no aplebe mida, e sim as principais Pessoas deste Distrito,humildemente suplicamos (...).28

    O pedido visava evitar Despotismos, discrdias,intrigas e partidos - e os incmodos que justamentetememos. Contudo, as principais Pessoas que oassinavam formavam um conjunto do qual estavamexcludos o mestre-de-campo e seu squito. Mas asplica funcionou: Diogo de Toledo foi mantido nocargo por mais trs anos.

    O padre Domingos foi signatrio da splica, sendovtima da cabala armada pelo mestre-de-campo.

    Assinou publicamente como Joaquim Jos Ferreira,enquanto era secretamente acusado de assassinato.Confronto claro. Diogo de Toledo, ao denunciar acabala por sua vez, deixou possvel indcio deintimidade com Ferreira/Domingos. J foi dito que"muito anteriormente" a maro de 1790 Domingosrevelara a Diogo de Toledo sua verdadeiraidentidade.29 O que refora a hiptese de Domingos

    integrar a parcialidade do juiz-de-fora.Domingos/Ferreira tornara-se Homem deNegcios cada vez mais vultosos e em julho de 1789arrematou Datas de S. Majestade e outras, dePreferncia, no descoberto aurfero do Sapateiro, dalitirando muito ouro.30 Mas suas dvidas tinhamcrescido, apesar dos crditos por receber. No dia 6de maro de 1790 foi preso no Sapateiro, por

    execuo de seus credores. Trazido para a cadeia daVila Real, tornou pblica sua verdadeira identidade,

    28 REPRESENTAO; Cuiab; 12.08.1787; mss., Microficha 352 (AHU)-NDHIR/UFMT.29 Augusto Leverger. [Baro de Melgao]. Apontamentos cronolgicos da Provnciade Mato Grosso. Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro , v.205, 1949,p. 290.30 PARECER, de Diogo de Toledo Lara Ordonhes; Cuiab, 12.07.1791; mss. Microficha385 (AHU)-NDIHR/UFMT.

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    invocando privilgios sacerdotais de presbtero.Comprovadas suas afirmaes, foi autorizado a sair dacadeia para tratar de hidropisia, ficando relaxadasua priso, sob controle de fiis carcereiros. Nessasituao, apesar de embargados seus bens, recorreu

    judicialmente contra seus devedores e inicioucomposies com credores. Foi nesse momento queno participou (pelo menos ostensivamente) dasfestas de aniversrio de Diogo de Toledo.

    O aniversrio do juiz-de-fora foi publicamentecomemorado na Praa Real da vila do Cuiab, emagosto e setembro de 1790: 23 espetculos teatrais -

    peras, tragdias, comdias, entremezes (alguns deautores locais); 18 contradanas, passapis de dois equatro, minuetes simples, a quatro, figurados, daCorte, tirana, rancho dos pardos, rancho de capitesdo mato; sete cavalhadas; dois bailes.31

    Essas festas urbanas na vila do Cuiab, comooutras antes e depois, representavam correlaes dasforas sociais que construam cotidianamente a

    sociedade colonial que se formou nesta parte maiscentral da Amrica do Sul.Apenas parte da camada dominante urbana e

    suburbana do Cuiab encabeou a comemoraopblica do aniversrio do juiz-de-fora. No havia entreparticipantes diretos das festas nenhumrepresentante do grupo encabeado pelo mestre-de-campo Antonio Jos Pinto de Figueiredo.

    Mas fora das festas estavam sendo urdidas novasacusaes contra o grupo de Diogo de Toledo:

    31 Carlos Francisco Moura. Teatro em Mato Grosso no sculo XVIII, Cuiab/Belm,UFMT/SUDAM, 1976. A primeira divulgao dessas festas foi feita por AntonioToledo Piza, em 1899, com os ttulos Notas sobre festas em Cuiab no sculopassado e Crtica dessas festas, na Revista do Instituto Histrico e Geogrfico deSo Paulo, vol. IV, 1898-1899, pp. 219-242.

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    14O clebre Ajudante Antonio Peixoto pretendedesarrazoadamente ficar com toda a fazenda, ouro edvidas do Borrador que, depois de preso, o padreDomingos no com boa f lhe mandara dar em So PedroDel Rei(...), por terem sido e serem ambos parciais,

    amigos e unidos vontade um do outro, sem o mais leveescrpulo.32

    Tocava o mestre-de-campo em pessoa ntima deDiogo de Toledo, Antonio Peixoto de Azevedo, ligando-o ao "padre Domingos".

    E em janeiro de 1791 gravssima acusaoexplodiu contra Domingos: contrabando dediamantes. Denncia formal, feita por trstestemunhas juradas em Devassa Diamantina,implicava crime de Lesa Majestade. Em fevereiroDomingos foi preso novamente, recolhido Enxoviada Cadeia. Foram-lhe seqestrados trs escravos,algum mobilirio, 1 fivela de prata de sapatos, 1balana de pesar ouro, com pesos midos, marco demeia libra; 1 sinete de prata pequeno, cabo demarfim; 1 livrinho de ouro de filigranas; 1estantede madeira pintada, com 5 repartimentos com 7

    palmos de largura e 119 livros de Direito eOrdenao grande e alguns deles histricos, todosvelhos e alguns desencadernados.33

    Notvel o nmero de livros que o escrivoescusou-se de identificar, principalmente oshistricos. Mesmo descritos como velhos e algunsdesencadernados, eram aprecivel livraria.34

    Na cadeia, Domingos iniciou combate frontal a

    seus acusadores, que definiu como possudos por'diablico furor', 'esquecidos do temor de Deus', e

    32 Antonio Jos Pinto de Figueiredo a Joo de Albuquerque de Melo Pereira eCceres; Cuiab, 29.7.1790; mss., Avulsos, Lata 1790A, APMT.33 CERTIDO da Devassa Diamantina do primeiro semestre do ano de 1791(...);Cuiab, 28.09.1793; mss.; srie Processos Judiciais, Cx. 88, Processo 1112, APMT.34 Luiz Carlos Villalta. O diabo na livraria dos Inconfidentes, in Adauto Novaes (org.).Tempo e Histria, cit., pp. 367-398.

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    15(...)em um concilibulo infernal assentaram de formar aosuplicante aleivosamente um crime de tal qualidade, queo desterrasse desta terra (...).35

    O Domingos/padre no hesitava em demonizar

    seus acusadores. Nem para ser descartada apossibilidade de estar j informado sobre a tragdiade seu irmo nas masmorras cariocas. Revidava duro,acusava seus inimigos de testemunho falso,demonaco. No exagerava: tambm os que oacusaram na Devassa Diamantina usaram ademonizao:

    (...)e advertindo ele testemunha ao dito Padre a suaperdio, este lhe respondera que no fosse inocente,

    porque o Diabo no era to feio como o pintavam, porquenas Gerais onde vivera muitos anos, (...)nunca lhesucedera coisa alguma(...).36

    Discursos tecidos de tal modo que o Diabo semesclava com as Gerais, numa talvez evocaoinsinuada das inconfidncias to recentes.

    Por volta de maro de 1791 noventa e setepessoas assinaram representao ao governador Joode Albuquerque, sobressaltados e aflitos com

    (...)horroroso caso (...), que a todos nos ameaa ltimaruna e precipcio, e que far inabitvel este delicioso Pas.Vemos(...), preocupados, uns nimos diablicos do infernalesprito de vingana, se arrojaram na Devassa Diamantina(...) a irem jurar que (...)contratara neste continente emdiamantes brutos(...).37

    Esta representao, sustentando com fora a defesade Domingos com base no bem comum, provocouordem do governador a Diogo de Toledo, para quereinquirisse as testemunhas acusadoras, com toda acircunspeco necessria em uma matria tomelindrosa e debaixo do maior segredo possvel.38

    35 REQUERIMENTO; Cuiab, 1791; mss., microficha 385 (AHU) NDIHR/UFMT.36 CERTIDO de Devassa Diamantina..., cit.37 REPRESENTAO; Cuiab, maro de 1791; mss. Microficha 385 (AHU)NDHIR/UFMT.38 PARECER de Diogo de Toledo Lara Ordonhes; Cuiab, 12.07.1791; mss.,microficha 385A (AHU) - NDHIR/UFMT.

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    Diogo de Toledo recolheu rpido dados suficientespara minucioso parecer, em que comps cautelosafigura do padre Domingos.

    Reconhecia-lhe a ambio:(...) quem, como o mesmo Padre, animou-se a largar, semter crime, os respeitveis hbitos eclesisticos e adisfarar-se tantos anos nos seculares, com o supostonome de Joaquim Jos Ferreira, sem considerao do quediria o mundo e das suspeitas que formaria, s porque aambio o cegou, (...) quem tem um tal nimo e um talcarter, no pode temer muito os perigos e os encargosda conscincia, prprios do Extravio de Diamantes brutos;(...).

    Mas a ambio, o "disfarar-se, a inconstncia do

    seu gnio, no eram provas suficientes de culpa:"no basta para se julgar ao dito Padre compreendidoneste crime". Pois acusaes de tentar aliciar pessoaspara contrabando diamantino, inclusive mostrandodiamantes brutos, implicava

    (...) supor ao dito Padre mentecapto ou muito tolo, paraconfiar um segredo do qual dependia a sua sorte, a uminimigo (...). E como o mesmo Padre, no sentir dos seuscontrrios, sempre foi tido por astuto, intrigante emalicioso, evidente que estas qualidades soincompatveis com a simplicidade, para ao mesmo tempodominarem em um sujeito. (...) muito inverossmil erepugnante, que casse na patetice de mostrar semnecessidade alguma esses diamantes, porque quandomesmo a ambio e a insofrvel necessidade o tentasseme obrigassem a procur-los, inegvel que podiasatisfazer os seus criminosos e arriscados projetosunicamente com perguntar e recomendar, com o que nose expunha a maior risco.39

    Aps admitir imperfeies em sua anlise, Diogo

    de Toledo fechou seu parecer invocando osprivilgios de que, pelo Direito, gozava o padreDomingos e claramente intercedendo em favor doacusado:

    39 PARECER, Cuiab, 12.07.1791, cit.

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    17(...)que a religiosa piedade dos nossos Augustos Monarcasconcedeu a todos os eclesisticos, fazendo-os livres dejurisdio secular (...). (...)como no deixa de ser injustoque o mesmo sacerdote continue a sofrer o terrvelincmodo que causa a estreita e calidssima cadeia desta

    vila(...), haja por bem de o mandar soltar (...), dandoprimeiramente o dito padre fiadores idneos (...), ficandoem seu vigor o seqestro. Com a qual determinao notem prejuzo algum o Real Fisco, pois s resta a penacorporal de 10 anos de Degredo (...) ou de remessa para oLimoeiro.40

    Ao governador Joo de Albuquerque no eradesconhecido o fato de Domingos contar com apoiona Vila Real:

    (...)se conservou (...) incgnito em traje e vida de secular

    feito negociante, com o suposto nome de Joaquim JosFerreira, sem se dar a conhecer seno em particular aalguns confidentes, isto pelo espao de quase seis anos.At que por causa do dito enigma e de outros justificadosmotivos foi preso minha ordem (...).41

    Se era um desses confidentes, em nenhummomento Diogo de Toledo afirmou isso; mas pelomenos duas vezes defendeu Domingos. Em outubro ogovernador mandou soltar ao dito Reverendo

    Domingos da Silva Xavier da priso em que acha, sobfiana.42 Fazia exatamente o que sugerira Diogo deToledo.

    Em dezembro chegou Vila Real o novo juiz-de-fora, Luiz Manoel de Moura Cabral, que tomou posseem janeiro seguinte. Diogo de Toledo demorou-seainda at julho, quando partiu para So Paulo - e dalipara Lisboa.43

    40 PARECER; Cuiab, 12.07.1791, cit.41Joo de Albuquerque de Melo Pereira e Cceres a Diogo de Toledo Lara Ordonhes;Vila Bela, 04.04.1791; mss., Livro de Registro 1784-1793 (C-27), fls. 732-74, APMT.Itlicos meus.42 ORDEM de Joo de Albuquerque de Melo Pereira e Cceres; Vila Bela, 07.10.1791;mss., srie Processos Judiciais, Cx. 88, Processo 1112, cit.43 Augusto Leverger Apontamentos Cronolgicos...cit., pp. 291 e 293. Paulo P. daCosta e Silva, Diogo..., cit., pp. 23-24.

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    Domingos, por sua vez, tornou-se capelo emSanto Antonio do Rio Abaixo, contando com o apoio devizinhos rurais como os Lara e Morais, os Magalhese Morais, os Pinto Guedes.44 Ali pode ter recebidonotcia sobre a terrvel morte de seu irmo Joaquim

    Jos. A 3 de julho determinao rgia foi assinada emLisboa: que o padre Domingos fosse processado naconformidade das Reais Leis.45

    A ordem rgia s comeou a ser posta em prticaum ano depois. A terceira priso de Domingos foi feitarapidamente. Mas seu deslocamento para Vila Belademorou.46 Enquanto isso, mesmo o mais aguerrido

    acusador de Domingos,(...) sendo moo so e robusto, tinha sido repentinamente

    assaltado de umas picadas em ambos os olhos, que oreduziram a estar como preso recluso em quarto escurosem poder ver luz, de onde atualmente dava gritos, comoum desesperado; estando desenganado que morria,confessou em altas vozes gritando, serem aquelesmomentos que o afligiam castigo de Deus pelo aleive quetinha levantado (...), subornado com ouro(...).47

    S no incio de 1794 Domingos foi levado para Vila

    Bela, ali chegando em fevereiro.48

    Bem entrado o msde junho de 1795, Domingos continuava em Vila Bela,aguardando traslado para o Forte Prncipe da Beira, edali para Belm, de onde seguiria at Lisboa.Provavelmente partiu em julho ou agosto e h de terchegado a Lisboa ou em fins de 1796, ou j em 1797.Em incios de 1797, o Prncipe Regente determinou:

    44

    Adauto de Alencar. Santo Antonio do Rio Cuiab Abaixo, D.O. Cultura, Ano I, n. 6,31-01-1992, p. 6.45 ORDEM, Lisboa, 03-07-1792; mss.; Lata da Srie Cartas Regias, Bandos deProvises, APMT.46 Lus Manoel de Moura Cabral a Joo de Albuquerque de Melo Pereira e Cceres;Cuiab, 27-09-1793; mss. Avulsos, Lata 1793A, APMT.47REQUERIMENTO do Padre Domingos da Silva Xavier; mss., Microficha 492 (AHU)-NDIHR/UFMT.48Lus Manoel de Moura Cabral a Joo de Albuquerque de Melo Pereira e Cceres;Cuiab, 15-01-1794; mss., Avulsos, Lata 1794A, APMT.

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    19(...)seja solto debaixo de fiis carcereiros; o CondeRegedor o tenha assim entendido e faa executar, com osdespachos necessrios.130

    Quinze dias depois Domingos foi solto, nas condies

    previstas: Aos 20 dias do ms de maro de 1797 anos, nesta cidadede Lisboa e cadeia da corte e casa do assento dela, ondeeu escrivo vim, (...)e ali se achavam presentes ossobreditos Manoel das Costa Salinas e Francisco de Souza,assistentes o primeiro no stio do Pampulha com loja demercearia e o segundo com loja de barbeiro, no referidositio e Freguesia (...) entreguei [Domingos da Silva Xavier]aos sobreditos Fiadores.131

    Durante cerca de dois anos Domingos permaneceuem Lisboa, morando frente da cadeia doLimoeiro.132 Por fim, a liberdade:

    Ao padre Domingos da Silva Xavier, houve Sua Alteza Realporabsolvido eperdoado do crime de contrabandista dediamantes brutos de que foi acusado, e por desoneradosos seus fiis carcereiros, mandando-lhe fazer entrega dosbens que lhe foram seqestrados, de que se h de passarProviso.133

    Pouco antes, tendo requerido ao Prncipe que "temdesejo de continuar no dito exerccio de advogado",

    recebeu despacho rpido: "Passe proviso vitalcia,com declarao de no advogar nas capitais do Rio deJaneiro e Bahia".134

    Estava o padre Domingos da Silva Xavier com 61anos, tendo perdido pela morte infame o irmo

    Joaquim Jos e a famlia, tendo vivido durante noveanos no Cuiab onde foi preso trs vezes, tendopassado cerca de ano e meio na Vila Bela, percorrido

    o priplo guaporeano at o Par, vivido quase trs130 ORDEM; Palcio de Queluz, 06.03.1797; com rubrica do Prncipe Nosso Senhor;mss. Microficha 492 (AHU) - NDIHR/UFMT.131Apenso, Microficha 492, cit.132 Zoroastro Viana Passos. Notcia histrica da Santa Casa de Sabar, 1787 a 1928 -Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1929, pp.14-15.133 COMUNICAO, Lisboa, 17-10-1799, mss., Microficha 492 (AHU) - NDHIR/UFMT.134 Ivo Porto de Meneses. Alguns documentos referentes Inconfidncia e seuspersonagens, VII Anurio do Museu da Inconfidncia, cit. pp. 196-197.

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    anos em Lisboa em priso domiciliar. Recomeava,com autorizao para advogar pelo resto da sua vida.

    A parte mais central

    Embora nenhum documento tenha sido at agoralocalizado nos arquivos de Cuiab, referindo a prisodo Tiradentes no Rio e dos outros inconfidentes emVila Rica, possvel supor que a notcia dessesacontecimentos tenha circulado na Vila Real desdefins de 1789.

    A priso do Tiradentes envolvera o capito ManoelJoaquim de S Pinto do Rego Fortes, cunhado deFrancisco Leandro de Toledo Rendon, irmo de Diogode Toledo. Manoel Joaquim fora preso no Rio em1789, por tentar favorecer a fuga do Tiradentes viaSo Paulo, com apoio de um primo do juiz-de-fora doCuiab.49

    Domingos da Silva Xavier, o irmo mais velho doTiradentes, veio para o Cuiab com falsa identidade,

    tendo recebido de Joaquim Silvrio dos Reis pelomenos dois contos e 700 mil ris. 50

    As presenas de Diogo de Toledo Lara Ordonhes eDomingos da Silva Xavier na 'repartio' do Cuiab eno na do Mato Grosso, na Vila Real e no na VilaBela, em plena conjuntura de crise do Antigo SistemaColonial,51 podem ser tomadas como indciospreciosos.

    49 K. Maxwell.A devassa.... cit. Pp. 155 e 167, n. 128. Oiliam Jos. Tiradentes, cit. p.112. Luiz Gonzaga da Silva Leme. Genealogia Paulistana..., cit., vol. 4, pp. 462-463.50 Livro n. 1 da Contadoria da Junta da Real Fazenda da Capitania de Minas Gerais,Crditos Particulares, srie Delegacia Fiscal, n. 2168, fls. 2 e 5. Mss., ArquivoPblico Mineiro.51 Fernando Antonio Novais. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial(1777-1808), 1982.

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    Na capitania dividida em duas 'reparties' queespacializavam polticas de colonizao divergentes,as inconfidncias mineiras do Estado do Brasil tinhammais "confidncias" no Cuiab que no Mato Grosso.

    O estudo desses aspectos pode esclarecerprocessos formadores de uma sociedade colonialnesta parte mais central da Amrica do Sul,expressiva das relaes entre os dois Estados daAmrica portuguesa.