compreendendo a história da saúde publica de 1870 a 1990

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Compreendendo a história da saúde púbhca de 1870-1990 Este trabalho apresenta a história paradigmática e a instalação da saúde pública no Brasil desde o período colonial até o ano de 1990. Descritores: Medicina social, Saúde pública, História da saúde. This work presents of the paradigmatic history and the deployment of public health in Brazil from the colonial period until the year 1990. Descriptors: Social medicine, Public health, History of health. Este trabajo presenta Ia historia paradigmática y Ia instalación de Ia salud publica en Brasil desde el período colonial hasta el ano de 1990. Descriptores: Medicina social, Salud pública, Historia de Ia salud. D Recebido: 12/10/2009 Aprovado: 30/04/2010 INTRODUÇÃO o s problemas que afetaram a saúde estiveram relacionados com a necessidade das pessoas viverem em comunidades. A aglomeração desordenada, o ambiente de moradia, educação, trabalho e lazer afloraram como consequências ambientais de convivência, facilmente percebidas, na forma de poluição am- biental, atmosférica, hídrica, desmatamentos e estratificação da sociedade. O controle de doenças infecciosas transmissíveis, o saneamento, a assistência médica e o alívio da incapacidade e do desamparo, são problemas cuja intensidade só variou ao longo do tempo. De suas inter-relações, originou-se a Saúde Pública'. Com as doenças introduzidas no país pelo colonizador no século XVII, a imagem do Brasil na Europa se tornou diferente dos tempos de Pedro Álvares Cabral, e os europeus passaram a temer os ares e o clima da Colônia">. A guerra, o isolamento e a doença colocavam em perigo o projeto de colonização e exploração econômica das terras brasileiras. Eram raros os médicos que aceitavam transferir- se para o Brasil, desestimulados pelos baixos salários e ame- drontados com os perigos que enfrentariam". Moraes? relata a ausência da questão saúde na bibliografia histórica brasileira no que diz respeito às condições de vida e trabalho e aspectos institucionais, o que se pode pensar numa negl igência em considerar e anal isar este tema. Carval ho & Lima" salientam que uma forma de se aproximar dos dilemas presentes na produção do conhecimento em ciências sociais, e da história quando a referência é à saúde coletiva, é verifi- car qual o significado que os trabalhos produzidos atribuem à reconstrução histórica. A proposta deste trabalho é contribuir para a reflexão sobre a história da saúde pública no Brasil, resgatando os fatos re- levantes para o desenvolvimento da saúde. RETROSPECTIVA HISTÓRICA A fase do Império Em 1808, a vinda da corte portuguesa para o Brasil determinou mudanças na administração pública colonial, inclusive na área da saúde. Como sede provisória do império lusitano e princi- pal porto do país, a cidade do Rio de Janeiro se tornou o centro das ações sanitárias. Com elas, Dom João VI procurou oferecer nova imagem de uma região que os europeus definiram como território da barbárie e escravidão". Para um atendimento mais constante e organizado das questões sanitárias era necessário criar rapidamente centros de formação de médicos. Assim, por ordem real, foram fundadas as academias médico-cirúrgicas do Rio de Janeiro (1813) e da Bahia (1815), logo transformadas nas primeiras escolas de medicina do país. Saúde Coletiva 2010;07 (41): 157 -162 157

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Artigo: Compreendendo a História da Saúde Pública de 1870 a 1990

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Page 1: Compreendendo a história da saúde publica de 1870 a 1990

Compreendendo a história da saúdepúbhca de 1870-1990Este trabalho apresenta a história paradigmática e a instalação da saúde pública no Brasil desde o período colonial atéo ano de 1990.Descritores: Medicina social, Saúde pública, História da saúde.

This work presents of the paradigmatic history and the deployment of public health in Brazil from the colonial perioduntil the year 1990.Descriptors: Social medicine, Public health, History of health.

Este trabajo presenta Ia historia paradigmática y Ia instalación de Ia salud publica en Brasil desde el período colonialhasta el ano de 1990.Descriptores: Medicina social, Salud pública, Historia de Ia salud.

D Recebido: 12/10/2009Aprovado: 30/04/2010

INTRODUÇÃOos problemas que afetaram a saúde estiveram relacionadoscom a necessidade das pessoas viverem em comunidades. A

aglomeração desordenada, o ambiente de moradia, educação,trabalho e lazer afloraram como consequências ambientais deconvivência, facilmente percebidas, na forma de poluição am-biental, atmosférica, hídrica, desmatamentos e estratificação dasociedade. O controle de doenças infecciosas transmissíveis, osaneamento, a assistência médica e o alívio da incapacidade e dodesamparo, são problemas cuja intensidade só variou ao longo

do tempo. De suas inter-relações, originou-se a Saúde Pública'.Com as doenças introduzidas no país pelo colonizador no

século XVII, a imagem do Brasil na Europa se tornou diferentedos tempos de Pedro Álvares Cabral, e os europeus passarama temer os ares e o clima da Colônia">.

A guerra, o isolamento e a doença colocavam em perigoo projeto de colonização e exploração econômica das terrasbrasileiras. Eram raros os médicos que aceitavam transferir-se para o Brasil, desestimulados pelos baixos salários e ame-drontados com os perigos que enfrentariam".

Moraes? relata a ausência da questão saúde na bibliografiahistórica brasileira no que diz respeito às condições de vida etrabalho e aspectos institucionais, o que se pode pensar numanegl igência em considerar e anal isar este tema. Carval ho &Lima" salientam que uma forma de se aproximar dos dilemaspresentes na produção do conhecimento em ciências sociais,e da história quando a referência é à saúde coletiva, é verifi-car qual o significado que os trabalhos produzidos atribuemà reconstrução histórica.

A proposta deste trabalho é contribuir para a reflexão sobrea história da saúde pública no Brasil, resgatando os fatos re-levantes para o desenvolvimento da saúde.

RETROSPECTIVA HISTÓRICAA fase do ImpérioEm 1808, a vinda da corte portuguesa para o Brasil determinoumudanças na administração pública colonial, inclusive na áreada saúde. Como sede provisória do império lusitano e princi-pal porto do país, a cidade do Rio de Janeiro se tornou o centrodas ações sanitárias. Com elas, Dom João VI procurou oferecernova imagem de uma região que os europeus definiram comoterritório da barbárie e escravidão". Para um atendimento maisconstante e organizado das questões sanitárias era necessáriocriar rapidamente centros de formação de médicos. Assim, porordem real, foram fundadas as academias médico-cirúrgicasdo Rio de Janeiro (1813) e da Bahia (1815), logo transformadasnas primeiras escolas de medicina do país.

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Na era do lIuminismo e das Revoluções(1750 a 1830), as cidades do século XVIIIeram sujas, fétidas e insalubres'. O sanea-mento urbano era precário, as ruas estavamsujas, as águas de esgoto e refúgios domésti-cos eram arremessadas pelas portas e janelas.Animais eram abatidos em locais públicos, li-xos e entulhos acumulavam-se sobre as ruas",

Na segunda metade do século XVIII, omodelo de saúde predominante foi o depolítica médica aos problemas de saúde.A aplicação deste modelo aos problemasde saúde foram amplamente utilizados pe-los estados germânicos. A sujeira foi vistacomo principal fonte de infecção, destaforma, acreditava-se que ambientes limposseria a maior fonte de prevenção".

A fragilidade das medidas sanitárias le-vava a população a lutar por conta própriacontra as doenças. Em casos mais graves,os doentes ricos buscavam assistência mé-dica na Europa ou nas clínicas particula-res. As famílias evitavam internar seus parentes em hospitaispúblicos, em virtude da falta de higiene e da divisão de leitos

por vários pacientes!", Desta forma, a faseimperial da história brasileira se encerrousem que o Estado solucionasse os proble-mas de saúde da coletividade.

No final do século XVIII, como conse-quência do impacto do industrialismo naInglaterra, começaram a emergir as epi-demias entre os trabalhadores das novasfábricas. As consequências da revoluçãoindustrial afetaram diretamente a saúdee o bem-estar dos trabalhadores, que seencontravam cada vez mais em situaçãocaótica. Havia uma relação inversa entreexpansão industrial e melhoria das condi-ções de vida e saúde, ou seja, enquantoocorria o crescimento industrial, decres-cia a qualidade de vida e as condições desaúde da população'.

No início do século XIX, o movimentode reforma sanitária começou a se de-senvolver principalmente na Inglaterra,devido à ocorrência da Revolução Indus-

trial. O Estado começa a intervir na saúde, mas o intuito erao de preservar a força de trabalho responsável pelo desen-volvimento e crescimento do país'.

liA AGLOMERAÇÃOOESORDENADA, O

AMBIENTE DE MORADIA,A EDUCAÇÃO, O TRABALHO

E O LAZER AFLORARAMCOMO CONSEQUÊNCIAS

AMBIENTAIS DE CONVIVÊNCIAFACILMENTE PERCEBIDASNA FORMA DE POLUIÇÃO

AMBIENTAL, ATMOSFÉRICA,HíDRICA, DESMATAMENTOS

E ESTRATlFICAÇÃO DASOCIEDADE"

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"NO FINAL DO SÉCULO XVIII,COMO CONSEQUÊNCIA DO

IMPACTO DO INDUSTRIALlSMONA INGLATERRA, COMEÇARAM

A EMERGIR AS EPIDEMIASENTRE OS TRABALHADORES

DAS NOVAS FÁBRICAS.AS CONSEQUÊNCIAS DAREVOLUÇÃO INDUSTRIAL

AFETARAM DIRETAMENTE ASAÚDE E O BEM ESTAR DOSTRABALHADORES, QUE SEENCONTRAVAM CADA VEZ

MAIS EM SITUAÇÃO CAÓTICA"

o Industrialismo e o Movimento Sanitário (1830 a 1875): con-cepções e conceitos durante a revolução pasteuriana, higienee saúde públicaNo final do século XVIII e início do século XIX, a medicinasocial é considerada herdeira do iluminismo instrumental,como a ciência que pode ser colocada em favor do estabeleci-mento da ordem social. A concepção de higiene que surge naFrança no final do século XVIII norteia a medicina socioam-biental e focaliza a doença enquanto patologia social.

Com o advento da urbanização e industrialização, surge umcenário social baseado na ideia Maquiana, na qual o meio am-biente influenciava os seres vivos. A con-cepção vigente era influenciada pelo meioambiente da Europa e o surgimento de umanova classe social: o proletariado. Tanto oambiente social "moradia - saneamento",como o cultural e o natural "clima, solo, at-mosfera" interessavam ao higienista que eracapaz de recolher e cruzar as variáveis arn-bientais tentando esclarecer as causas dasdoenças coletivas.

A atuação médica, porém, enfrentariao choque entre as ideias tradicionais, queatribuíam as epidemias aos ares corrom-pidos e as teorias da medicina moderna- baseadas no conceito da bacteriologiae da fisiologia desenvolvidas na Europae que tinham em Louis Pasteur e Clau-de Bernard seus principais divulgadores.No final da década de 1860 e início dadécada de 1870, Pasteur cria a concep-ção de que as doenças são contagiosas ecausadas por germes!'. Além da revolu-ção pasteuriana, iniciava-se o campo damedicina tropical, que estudava o meca-nismo das doenças tropicais e introduziao conceito de vetores.

No Brasil, teve início um campo de co-nhecimento voltado para o estudo e prevenção das doençase para o desenvolvimento de formas de atuação nos surtosepidêmicos.

o Brasil a partir de 1884: imigrantes para a lavouraQuando, em 1884, a Assembleia da Província de São Pauloaprovou a concessão de passagens gratuitas aos imigrantesque se destinassem à agricultura, o Estado deparou-se comuma nova dimensão que fugia da tradicional política econô-mica. Em 1886, foi criada a Sociedade Promotora de Imigra-ção (SPI), cujo objetivo era introduzir uma proporção elevadade imigrantes para a lavoura e em menor proporção para ou-tras profissões. Em janeiro de 1889, a febre amarela eclodiuem Santos. Em 1898, Vital Brasil debela uma epidemia dedifteria. Os imigrantes eram amontoados em hospedarias. En-tretanto, para atrair imigrantes, era preciso sanear as cidadesespecialmente a de Santos, o principal foco de epidemias":

Com a proclamação da República, a federalização e a au-tonomia, as questões de saúde pública, passaram a fazer par-te das atribuições dos Estados. O Serviço Sanitário, criadopela Lei número 43 de 18 de junho de 1892, ficou subordi-

nado à Secretaria do Estado do Interior, e era composto deum conselho de Saúde Pública, responsável pela emissão depareceres acerca da higiene e salubridade e de uma diretoria'de higiene, responsável pelo cumprimento das normas sani-tárias. Era de competência da diretoria o estudo das questõesde saúde públ ica, o saneamento das local idades e das habita-ções e a adoção de meios para prevenir, combater e atenuaras moléstias transmissíveis, endêmicas e epidêmicas.

Em 1890, os laboratórios denominados de Farmácia do Es-tado iniciaram seu funcionamento com o objetivo de fornecermedicamentos e aviar receitas para as enfermarias das insti-

tuições públicas e ambulâncias que aten-diam o interior nos surtos epidêmicos".

No ano de 1894, o primeiro Código Sani-tário do Estado de São Paulo foi promulgado,com 520 artigos, reunindo as normas de hi-giene e saúde pública. Em épocas de epide-mias, a presença do fiscal, do desinfetadore do inspetor sanitário tornava-se visível, eo exercício de política sanitária era rigoroso.

Entre 1890 e 1900, o Rio de Janeiro e asprincipais cidades brasileiras continuarama sofrer por varíola, febre amarela, pestebubônica, febre tifóide e cólera, que ma-taram milhares de pessoas. Diante dessasituação, os médicos higienistas recebe-ram incentivos do governo federal e pas-saram a ocupar cargos importantes na ad-ministração pública. Em troca, assumiramo compromisso de estabelecer estratégiaspara o saneamento das áreas indicadaspelos políticos.

A República Velha (1889 -1930)Na primeira década do século XX, apesarda alta mortalidade, não existiam hospi-tais públicos, e sim entidades filantrópicasmantidas por contribuições e auxílios go-

vernamentais. Tais entidades eram mantidas com o trabalho vo-luntário, e correspondiam a um depósito de doentes que eramisolados da sociedade com o objetivo de não contagiá-la".

Até 1930, a indústria de medicamentos se limitava à mani-pulação de substâncias naturais de origem animal ou vegetal.As instituições de saúde pública eram classificadas em fun-ção das concepções de origem das doenças, de modo que sepodia afirmar que o Serviço Geral de Desinfecção ligava-seà concepção miasmática e o Instituto Bacteriológico à con-cepção microbiana".

O Instituto Bacteriológico, em 1903, constituía a linha defrente do Serviço Sanitário e pesquisava como destruir osmosquitos em águas paradas, realizando experiências comvapores de enxofre, fumaça em pó de pireto e emulsão decreolina e querosene. A partir de 1904, o instituto começoua sofrer com a falta de verbas. Embora houvesse um cresci-mento concomitante da economia brasileira, este período foimarcado pelas crises socioeconômica e sanitária, porque afebre amarela, entre outras epidemias, ameaçava a economiaagroexportadora brasileira e prejudicavam principalmente a

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exportação de café. Os navios estrangeiros se recusavam aatracar nos portos brasileiros, o que reduzia a imigração demão-de-obra. Para reverter à situação, o governo criou medi-das que garantissem a saúde da população trabalhadora atra-vés de campanhas sanitárias de caráter autoritário!'.

Em 1908, a Estrada de Ferro - a Noroeste, pediu auxílio aoInstituto de Manguinhos para debelar a epidemia de malá-ria que dizimava os operários. Em 1916 e 1917, houve umaocorrência de malária a ponto de desequilibrar o estado sani-tário em São Paulo. O governo distribuiu quinino e assumiu aresponsabilidade de sanear fazendas, vilas e cidades atacadaspela malária.

A década de 1920 se encarregou de consolidar as mudan-ças na economia, sociedade e cultura, com a criação do sis-tema de saúde pública. A diretoria geral de Saúde Pública,organ izada pelo médico san itarista Osvaldo Cruz, resolve oproblema sanitário, implementando, progressivamente, insti-tuições públicas de higiene e saúde".

As campanhas de saúde pública eram organizadas de talforma que se assemelhavam a campanhas militares, dividindoas cidades em distritos, encarcerando os doentes portadoresde doenças contagiosas e obrigando, pela força, o empregode práticas sanitaristas. Esta situação levou à Revolta da Vaci-na, no Rio de laneiro".

Nos anos 1920, a cidade explodia em termos econômi-cos e consolidava o desenvolvimento in-dustrial. No período de 1925 a 1929, atuberculose foi responsável por mais demil óbitos por ano, o que significa que onúmero de óbitos por tuberculose dobrouem relação ao período de 1910-1924. Amaior incidência dessa moléstia ligava-seàs precárias condições de habitação dapopulação na cidade de São Paulo.

Mehrv'? se detém a analisar o períodode 1920 a 1948 e procura fazer uma lei-tura das políticas governamentais comomodelos técnicos assistenciais que seconstituem em projetos de forças sociais;procuram-se também os vínculos que es-ses modelos estabelecem não só com ascorrentes tecnológicas de pensamento docampo das ações sanitárias, mas tambémcom as questões políticas mais amplas,colocadas em seu campo específico - are-na decisória particular - às quais definemo significado social das referidas ações.

Surge a necessidade da formação deprofissionais cujos currículos, segundoGerrnano" priorizassem as disciplinas vin-culadas à saúde pública. Entretanto, a in-tenção inicial de formar profissionais queassumissem o papel de educadores emsaúde não se concretizou por uma sériede fatores. Entre eles, destaca-se a formacomo o profissional foi inserido na socie-dade brasileira, "de cima para baixo", causando estranheza àpopulação e consequente rejeição do trabalho educativo, pois

este era visto como uma forma de interferência na privacidadee individualidade, além de não propor mudanças estruturaisna sociedade",

Ao mesmo tempo, surgia o paradigma da medicina clínica,cujo discurso era individualista e privatista, exigindo outroespaço para se desenvolver: o hospital. Enquanto os currícu-los privi legiavam a área preventiva, o mercado de trabal hovalorizava a área hospitalar para onde os profissionais de saú-de foram, pau lati namente, di recionados.

A Saúde Pública na Era Vargas (1930 -1945)A partir da década de 1930, o Estado recebe fortes pressõespor parte de intelectuais e militares para a criação de serviçosem saúde pública, e, em 1931, é criado o Ministério de Edu-cação e Saúde Pública", Considerado o marco da medicinaprevidenciária no Brasil, é criado em 1930 os Institutos deAposentadoria e Pensões (lAPs), os quais, diferentemente dasantigas Caixas, são organ izadas por categorias profissionais,não mais por empresas.

Durante a era Vargas houve diminuição de mortes por en-fermidades epidêmicas, porém cresceram as doenças de mas-sa, estabelecendo-se assim um quadro marcado por doençasendêmicas, entre elas, a esquistossomose, doença de Chagas,tuberculose e a hanseníase.

Na década de 1940, o papel do profissional como educa-dor é retomado com a criação dos cen-tros de saúde, nos quais a atenção eraorganizada em programas, sendo que aeducação sanitária, a base da ação e opoder coercitivo foram substituídos pelapersuasão. Assim, origina-se a tendênciacontemporânea da organização no cam-po da saúde sob a forma de programas deatenção individual, por exemplo os Pro-gramas de Atenção Integral à Saúde daCriança e da Mulher.

A ação do Estado no setor saúde se di-vide claramente em dois ramos: de umlado a saúde pública, de caráter preven-tivo e conduzido através de campanhas;de outro, a assistência médica, de carátercurativo, conduzi da através da ação daprevidência social.

"A PARTIR DE 1904, OINSTITUTO COMEÇOU ASOFRER COM A FALTADE VERBAS. EMBORA

HOUVESSE UM CRESCIMENTOCONCOMITANTE DA

ECONOMIA BRASILEIRA,ESTE PERíODO FOI MARCADO

PELAS CRISES SOCID-ECONÔMICA E SANITÁRIA,

PORQUE A FEBRE AMARELA,ENTRE OUTRAS EPIDEMIAS,

AMEAÇAVA A ECONOMIAAGROEXPORTADORA

BRASILEIRA E PREJUDICAVAM,PRINCIPALMENTE, A

EXPORTAÇÃO DE CAFÉ"

A crise do regime populista, a democrati-zação e a saúde (1945 -1964)Em outubro de 1945, acontece a deposi-ção de Vargas e, no ano seguinte, a ela-boração de uma Constituição democráticade inspiração liberal. Os movimentos so-ciais exigiam que os governantes cumpris-sem as promessas de melhorar as condi-ções de vida, saúde e de trabalho.

Desde que assumiu o governo, em1946, o presidente Eurico Gaspar Outraestabeleceu como prioridade a organi-

zação racional dos serviços públicos. Em maio de 1953,já no segundo período presidencial de Vargas, foi criado oMinistério da Saúde, que contava com verbas irrisórias no

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"O SUS, QUE APRESENTAPRINCíPIOS CONSTITUCIONAIS

DE UNIVERSALIDADE,INTEGRIOADE E ACESSO

IGUALITÁRIO A TODOS OSNíVEIS DE COMPLEXIOADE DOSISTEMA, DEVERIA GARANTIR

A QUALIDADE DA ATENÇÃOPOR EQUIPES PROFISSIONAIS

QUALIFICADOS E COMCONDiÇÕES DE TRABALHO

ADEQUADOS"

decorrer da década de 1950, confirmando o descaso das au-toridades com a saúde da população.

Nos anos 1960, com o Milagre Brasileiro, o entendimento dasaúde como assistência médica especializada, sofisticada, frag-mentada e que privilegia a internação hospitalar, favorece as in-dústrias farmacêuticas e de equipamento médico-hospitalares. Acentralização e a concentração do poder institucional aliou cam-panhismo e curativismo numa estratégia de medicalização social'.

Pressionada pelas leis, a Previdência assumiu a prestaçãode as istência médico-hospitalares aos trabalhadores à custado rebaixamento da qualidade dos serviços o que coloca opaís em posição de doente.

O efeito do golpe militar (1964) sobre o Ministério da Saú-de foi à redução das verbas, aumentadas no início da décadade1960, que continuaram decrescendo até o final da ditadura.Apesar da pregação oficial de que a saúde constituía um fatorde produtividade, desenvolvimento e investimento econômi-co, o Ministério da Saúde privilegiava asaúde como elemento individual e nãocomo fenômeno coletivo.

Em 1970, o resultado da falta de inves-timento no setor público foi o aumento deenfermidades como a dengue, meningitee a malária.

o Estado e a previdência social: décadade 1970Estabelece-se, na esfera pública, o Insti-tuto Nacional de Previdência Nacional(INPS) que deveria tratar dos doentes in-dividualmente, enquanto o Ministério daSaúde elaborava e executava programassanitários destinados à população duranteas epidemias. O INPS firmou convênioscom 2.300 dos 2.800 hospitais instaladosno Brasil, utilizando o setor privado paraatender os trabal hadores.

Os baixos preços pagos pelos serviçosmédicos-hospitalares e a demora na trans-ferência das verbas do INPS para as entidades determinarama fragilidade do sistema para atendimento à população. En-quanto o governo reduzia ou atrasava os recursos, hospitaise clínicas aumentavam as fraudes para receber o que tinhamdireito, e muito mais.

Na década de 1970, surgem os primeiros cursos de pós-gra-duação em enfermagem. Em meio à crise do modelo curativis-ta-privatista, as políticas de cuidado primário à saúde estimula-riam o autocuidado e a autonomia das comunidades.

Em 1974, foi criado o Ministério da Previdência e Assistên-cia Social, que incorporou o INPS e livrou-o das imposiçõesdo Ministério do Trabalho, renovando assim, a promessa degarantir saúde aos segurados.

A Declaração de Alma-Ata" confirma: a promoção e proteçãoda saúde da população são indispensáveis para o desenvolvimentoeconômico e social sustentado e contribui para melhorar a quali-dade de vida; a população tem o direito e o dever de participar in-dividual e coletivamente na planificação e na ampliação das açõesde saúde; a atenção primária à saúde é reflexo e consequência dascondições econômicas e características socioculturais e políticas

do país e de suas comunidades; compreende as áreas: de educa-ção e saúde, alimentação e nutrição, água potável e saneamentobásico, assistência materno-infantil, com inclusão da planificaçãofamiliar; imunização, prevenção e luta contra enfermidades endê-micas, o tratamento das enfermidades e traumatismos, e a dispo-nibilidade de medicamentos essenciais; inclui a participação nodesenvolvimento nacional e comunitário, em particular o agro-pecuário, a alimentação, a indústria, a educação, a habitação, asobras públicas, as comunicações, organização, funcionamento econtrole da atenção primária à saúde.

Na verdade, o texto da Declaração de Alma-Ata", ao am-pliar a visão do cuidado da saúde em sua dimensão setorial ede envolvimento da população, supera o campo de ação dosresponsáveis pela atenção convencional dos serviços de saúde.

A saúde nas décadas de 1980 e 1990As décadas de 1980 e 1990 caracterizam-se pela organização

de trabalhadores e entidades dos setoresda saúde e educação. A VIII e IX Confe-rências Nacionais de Saúde propuserama adoção de modelos assistenciais condi-zentes com a realidade socioeconômico-cultural, com ações que visualizem a pes-soa de forma integral, ultrapassa o modelopreventivo-curativo pelo enfoque holísti-co e a participação da população na or-ganização e gestão do sistema de saúde!'.

A estratégia de Atenção Primária (Alma-Ata) com o enfoque multissetorial, o envol-vimento comunitário e os componentes detecnologia apropriada reforçaram a promo-ção na direção da saúde ambienta]. Comesta motivação, foi planejada a PrimeiraConferência Internacional sobre Promo-ção da Saúde, realizada em Ottawa, emnovembro de 1986, em colaboração coma Organização Mundial de Saúde e a As-sociação Canadense de Saúde Pública queevidencia a inter-relação existente entre

atenção primária, promoção da saúde e cidades saudáveis".

CONSIDERAÇÕES FINAISA descentralização da saúde na década de 1990, segue-se aodesmonte dos programas sociais federais iniciados em 1989, e éassumida uma face neoliberal, condizente com a política e a ide-ologia dominantes, contrária ao preconizado pela Constituiçãode 1988. Tem sido um processo atabalhoado, marcado por umcontexto de ajuste recessivo das contas públicas, repassando deforma acelerada encargos e responsabilidades aos municípios. Osestados têm sido praticamente ignorados nessa descentralização/municipalização enquanto agentes responsáveis pela implemen-tação de políticas regionais, limitam-se ao papel de repassadoresde recursos. Trata-se de uma municipalização a qualquer preço,distinta da proposta pelo Sistema Unificado e Descentralizado deSaúde (SUDS) nos anos de 1980 e consagrada na Constituição de1988, que previa a autonomia das unidades federadas, baseadaem esquema de financiamento e repasse de recursos. É precisoolhar para o processo de municipalização no Sistema Único de

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Saúde (SUS), face ao contexto restritivo do ajuste e diante daspropostas de reforma do Estado dirigidas à privatização e à foca-lização dos serviços públicos". O SUS, que apresenta princípiosconstitucionais de universalidade, integridade e acesso igualitá-rio a todos os níveis de complexidade do sistema, deveria garan-tir a qualidade da atenção por equipes profissionais qualificadase com condições de trabalho adequado.

DReferências

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Nunes-, fundamentando-se na interdisciplinaridade comopossibilitadora da construção de um conhecimento ampliadoda saúde coletiva, no plano concreto dos conteúdos a sere(l1transmitidos, determina a necessidade atual de pensar o gerale o específico. Ou seja, não se deve perder o núcleo que alegitima e distingue como social/coletivo, mas se deve-se estaratento à formação de determinadas áreas de concentração. •

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• ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• Normas para publicação saúdecoletivaA revista Saúde Coletiva tem por objetivo ser um veículo de divulgação de assuntos de Saúde Coletiva e áreas afins, buscando expansão do conhecimento. Assim, recebe artigos de pes-quisa, dialogados [debates), de atualização, de relatos de experiência, de revisão, de reflexão, de estudos de caso e ensaios em Saúde Coletiva. Abaixo as nonuas para publicação:

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sinadas por todos os autores.

02 Não ter sido publicado em nenhuma outra publicação ou revista nacional.03 Ter, no máximo, 26.000 toques por artigo incluindo resumo (português,

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esquemas, referências bibliográficas e anexos, com espaço entrelinhas de

1,5, margem superior de 3 em, margem inferior de 2 em, margens lateraisde 2 em e letra tamanho 12. Os originais deverão ser encaminhados em CD-

ROM, no programa Word for Windows e uma via impressa.04 Caberá à redação julgar o excesso de ilustrações. suprimindo as redun-

dantes. A ela caberá também' a adaptação dos títulos e subtítulos dos tra-

balhos, bem como o copidesque do texto, com a finalidade de uniformizar aprodução editorial.

05 As referências deverão estar de acordo com os requisitos uniformes

para manuscritos apresentados à revistas médicas elaborado pelo ComitêInternacional de Editores de Revistas Médicas (Estilo Vancouver SistemaNumérico de Entrada).

06 Evitar siglas e abreviaturas. Caso necessário, deverão ser precedidas. na primei-

ra vez. do nome por extenso. Solicitamos destacar frases ou descritores.07 Conter. no fim, o endereço completo does) autortes) e telefonets),

e-mail e, no rodapé. a função que exercetm), a instituição a quepertencetrn): títulos e formação profissional.

08 Não será permitida a inclusão no texto de nomes comerciais de quais-

quer produtos. Quando necessário, citar apenas a denominação químicaou a designação científica.

09 O Conselho Científico pode efetuar eventuais correções que julgar

necessárias. sem. no entanto. alterar o conteúdo do artigo.10 O original do artigo não aceito para publicação será devolvido ao autor

indicado, acompanhado de justificativa do Conselho Científico.11 O conteúdo dos artigos é de exclusiva responsabilidade dots)

autortes). Os trabalhos publicados terão seus direitos autorais resguarda-

dos por Editorial Bolina Brasil e só poderão ser reproduzidos com autori-zação desta.

12 Os trabalhos deverão preservar a confidencial idade, respeitar os prin-cípios éticos e trazer a aceitação do Comitê de Ética em Pesquisa CRes-

olução CNS - 196/96) quando for pesquisa.

13 Os trabalhos, bem como qualquer correspondência. deverão serenviados para a revista: Saúde Coletiva - A/C CONSELHO CIENTíFICO.AI. Pucuruí, 51/59 - BI.B - 1° andar - Cj.1030 - Tamboré - Barueri - SP-

CEP: 06460-100 - E-mail: [email protected].

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