cÉlulas tronco: onde estamos e para aonde...

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7 Braz J Periodontol - September 2011 - volume 21 - issue 03 An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 CÉLULAS TRONCO: ONDE ESTAMOS E PARA AONDE VAMOS? Recebimento: 12/05/11 - Correção: 07/06/11 - Aceite: 01/07/11 PASSO-A-PASSO DA PESQUISA Gregório Lorenzo Acácio Prof. Doutor da Universidade de Taubaté Especialista em medicina fetal Nos últimos anos diversas pesquisas têm demonstrado o grande potencial das células-tronco na medicina regenerativa. Como todo novo ramo de pesquisa, a tendência inicial é superestimar o potencial do achado principalmente quando a divulgação chega à mídia não especializada. Com o advento da internet e suas ferramentas eletrônicas, as informações recentes publicadas em revistas científicas circulam rapidamente para a imprensa, que faz uma leitura sempre superlativa dos achados. Um dos grandes exemplos é sem dúvida as chamadas células-tronco (CT). Essas células têm a capacidade de multiplicar-se e se diferenciar em várias linhagens de tecidos humanos. Existem as células-tronco embrionárias ou totipotentes, oriundas do embrião na sua fase de blastocisto e que tem potencial para dar origem a qualquer um dos 216 tecidos que formam nosso corpo, desde que essa diferenciação se dê até o estágio de 32 a no máximo 64 células. Até essa fase se as células forem separadas e continuarem a se dividir teremos o nascimento de gêmeos idênticos o que prova sua totipotencialidade. Temos ainda as CT adultas que podem ser pluripotentes e conseguem se diferenciar na maioria dos tecidos humanos, e as CT adultas multipotentes que conseguem se diferenciar em alguns tecidos apenas. As CT adultas podem ser recuperadas de diversos tecidos entre os quais

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Braz J Periodontol - September 2011 - volume 21 - issue 03

An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393

CÉLULAS TRONCO: ONDE ESTAMOS E PARA AONDE VAMOS?

Recebimento: 12/05/11 - Correção: 07/06/11 - Aceite: 01/07/11

PASSO-A-PASSO DA PESqUISA

Gregório Lorenzo AcácioProf. Doutor da Universidade de Taubaté

Especialista em medicina fetal

Nos últimos anos diversas pesquisas têm demonstrado o grande potencial das células-tronco na medicina regenerativa. Como todo novo ramo de pesquisa, a tendência inicial é superestimar o potencial do achado principalmente quando a divulgação chega à mídia não especializada. Com o advento da internet e suas ferramentas eletrônicas, as informações recentes publicadas em revistas científicas circulam rapidamente para a imprensa, que faz uma leitura sempre superlativa dos achados. Um dos grandes exemplos é sem dúvida as chamadas células-tronco (CT). Essas células têm a capacidade de multiplicar-se e se diferenciar em várias linhagens de tecidos humanos.

Existem as células-tronco embrionárias ou totipotentes, oriundas do embrião na sua fase de blastocisto e que tem potencial para dar origem a qualquer um dos 216 tecidos que formam nosso corpo, desde que essa diferenciação se dê até o estágio de 32 a no máximo 64 células. Até essa fase se as células forem separadas e continuarem a se dividir teremos o nascimento de gêmeos idênticos o que prova sua totipotencialidade.

Temos ainda as CT adultas que podem ser pluripotentes e conseguem se diferenciar na maioria dos tecidos humanos, e as CT adultas multipotentes que conseguem se diferenciar em alguns tecidos apenas. As CT adultas podem ser recuperadas de diversos tecidos entre os quais

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se destacam: medula óssea com seu potencial conhecido há 50 anos, sangue de cordão umbilical com os primeiros estudos publicados em 1982, sangue periférico (em menor quantidade), essas três com maior potencial para diferenciação em células hematológicas e algum potencial para outros tecidos. Finalmente temos a geléia de Wharton que envolve os vasos do cordão umbilical e a polpa dentária, principalmente de dentes decíduos, ricos em CT mesenquimais que também são encontradas na medula óssea e tecido adiposo, com maior potencial de diferenciação em outros tecidos como cartilagem, músculo, osso, neurônio e odontoblastos. As CT mesenquimais têm ainda atividade imunosupressora, o que abre a possibilidade de sua aplicação em doenças imuno-mediadas, como as auto-imunes e também nas rejeições aos transplantes.

Continua um mistério para os cientistas a ordem ou comando que determina no embrião humano que uma célula-tronco se diferencie em determinado tecido específico, como fígado, osso, sangue etc. Porém em laboratório, existem substâncias ou fatores de diferenciação que quando são colocados em culturas de células-tronco in vitro, determinam que elas se diferenciem no tecido esperado. As pesquisas atuais principalmente com células embrionárias têm como principal dificuldade induzir a diferenciação desejada e mais do que isso regular essa proliferação. Essa é uma grande chave que precisa ser compreendida para garantir a segurança na sua utilização, pois a proliferação desordenada é um mecanismo símile ao do crescimento de células cancerígenas.

Outra forma de obtenção de CT embrionária é a chamada clonagem terapêutica que consiste em pegar o núcleo de uma célula adulta e colocá-la em um óvulo do qual foi retirado o núcleo, desta forma nas primeiras divisões celulares teríamos clones embrionários da célula adulta que estão se multiplicando e apresentam a totipotencialidade. O famoso caso da ovelha Dolly seguiu essa receita e nos mostrou quantos problemas ainda precisamos resolver. A ovelha teve diversos problemas e um envelhecimento e morte precoces não muito bem explicados. Mais de 60 Países (entre eles o Brasil) se mostram contrários a clonagem reprodutiva humana pelos grandes riscos de malformações associados. Mas esse raciocínio de se colocar o núcleo de uma célula adulta no interior de um óvulo sem núcleo é muito interessante na terapia regenerativa de tecidos, para isso esperaríamos apenas as divisões iniciais das células e em seguida, induziríamos a diferenciação das células-tronco embrionárias no tecido desejado. Produziríamos, por exemplo, fragmentos de ossos perdidos em um acidente automobilístico sem risco de rejeição

já que são células do mesmo indivíduo. São inúmeras as pesquisas com células-tronco e uma pequena prova disso pode ser verificada entrando-se no pubmed (www.pubmed.com), em recente acesso a essa fonte de artigos científicos colocando na busca “stem cell” recuperei 153611 artigos e provavelmente ao se ler este artigo esse número terá crescido de forma consistente.

Na odontologia o potencial da engenharia tecidual no reparo e regeneração de estruturas dentais tomou grandes proporções a partir da recuperação de CT mesenquimais da polpa dentária. Nesse sentido o trabalho de Gronthos e colaboradores de 2000 foi um marco ao mostrar que essas células são capazes de originar um tecido semelhante ao complexo dentino-pulpar, composto de matriz mineralizada e túbulos delimitados por células semelhantes à odontoblastos. Esse estudo abriu a possibilidade teórica da “terceira dentição” a partir de estruturas tridimensionais que serviriam de arcabouço para a proliferação celular, podendo ser biológicos ou sintéticos, biodegradáveis ou permanentes. As células isoladas da polpa dentária possuem fenótipo de células-tronco com capacidade multipotente de diferenciação. Além disso, a sialofosfoproteína e a fosfoglicoproteína foram consideradas marcadores odontogênicos em potencial. Tais achados demonstram que, embora a formação completa de um elemento dentário in vitro ainda não tenha sido viabilizada pela engenharia de tecidos, avanços importantes têm sido alcançados na busca do entendimento dos mecanismos envolvidos neste processo. A descoberta de marcadores odontogênicos é de grande importância, uma vez que estes podem ser aplicados in vivo, como por exemplo, em polpas dentárias expostas por trauma, com o objetivo de induzir a diferenciação de células pulpares em odontoblastos para a formação de dentina sobre a região exposta. Talvez em um futuro não muito distante, a polpa de dentes decíduos em processo de esfoliação seja utilizada como potencial doadora de CT para o tratamento do órgão pulpar de dentes permanentes. Atualmente na periodontologia as técnicas utilizadas para promover regeneração tecidual são limitadas para alcançar uma regeneração de todos os tecidos envolvidos, que incluem a biomodificação da superfície radicular, remoção do biofilme dental, associada à colocação de enxertos ou ao uso de membranas orgânicas e que não atinge a plena formação de novo cemento, osso alveolar e ligamento periodontal. Desde pelo menos a década de 1980 sabe-se que a cicatrização do ligamento periodontal envolve um aumento do número de células progenitoras na região perivascular que migram para as áreas de osso alveolar e cemento, mas não se sabe como as alterações inflamatórias

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no periodonto podem influenciar a distribuição das células-tronco nesses tecidos. Esse entendimento junto com o domínio na proliferação e utilização das CT poderá ajudar a alcançar uma regeneração dos tecidos periodontais no futuro.

Por fim, necessita o odontologista saber que as células mesenquimais presentes na polpa de dentes decíduos, podem

LEITURA COMPLEMENTAR

1- BARINI R, FERRAZ UC, ACÁCIO GL, MACHADO IN. O intervalo de

tempo entre coleta e processamento do sangue de cordão umbilical

influencia na qualidade da amostra? einstein. 2011; 9(2 Pt 1):207-11.

2- CASAGRANDE L, LAUXEN IS, FENANDES MI. O Emprego da Engenharia

Tecidual na Odontologia Rev. Fac. Odontol. Porto Alegre, v. 50, n. 1,

p. 20-23, jan./abr., 2009.

3- Cordão Umbilical: o que são células-tronco? : disponível em: http://

www.criogenesis.com.br/celulas_tronco/cordao_umbilical/o_que_sao_

celulas_tronco. Acessado em 22 de junho de 2011.

4- DE MENDONÇA COSTA A, BUENO DF, MARTINS MT,  KERKIS I,  KERKIS

A, FANGANIELLO RD,  CERRUTI H, ALONSO N, PASSOS-BUENO MR.

Reconstruction of large cranial defects in nonimmunosuppressed

experimental design with human dental pulp stem cells. J Craniofac

Surg. 2008 Jan;19(1):204-10.

5- GOULD TR, MELCHER AH, BRUNETTE DM. Migration and division of

progenitor cell populations in periodontal ligament after wounding.

J Periodontal Res., Copenhagen, v. 15, no. 1, p. 20–42, Jan. 1980.

6- GRONTHOS S, MANKANI M, BRAHIM J, ROBEY PG, SHI S. Postnatal

human dental stem cells (DPSCs) in vitro and in vivo. Proc. Natl. Acad.

USA, Washington, D.C., v. 97, p. 13.625-13.630, 2000.

7- HUANG GT J, SHAGRAMANOVA K, CHAN SW. Formation of

odontoblast-like cells from cultured human dental pulp cells on dentine

in vitro. J. Endod.,Baltimore, v. 32, no. 11, p. 1066-1073, 2006.

8- KERKIS I,  KERKIS A, DOZORTSEV D, STUKART-PARSONS GC, GOMES

MASSIRONI SM, PEREIRA LV, CAPLAN AI, CERRUTI HF. Isolation and

characterization of a population of immature dental pulp stem cells

expressing OCT-4 and other embryonic stem cell markers. Cells Tissues

Organs. 2006;184(3-4):105-16.

9- LEAL SC. Células-tronco derivadas de polpa dentária humana:

propriedades e perspectivas R Dental Press Ortodon Ortop Facial, v.

12, n. 4, p. 17-18 2007

10- MONTEIRO BG,  SERAFIM RC,  MELO GB,  SILVA MC,  LIZIER

NF, MARAMDUBA CM, SMITH RL,  KERKIS A,  CERRUTI H, GOMES

JA,  KERKIS I. Human immature dental pulp stem cells share key

characteristic features with limbal stem cells. Cell Prolif.  2009

Oct;42(5):587-94. Epub 2009 Jul 14.

11- WEI X, LING J, WU L, LIU L, XIAO Y. Expression of mineralization

markers in dental pulp cells. J. Endod., Baltimore, v. 33, no. 6, p.

703-708, 2007.

Endereço para correspondência:

Gregório Lorenzo Acácio

Prof. Doutor da Universidade de Taubaté

Especialista em medicina fetal

Av. Itália 1551, Residencial 5, casa 166

CEP: 12030-212 – Taubaté – São Paulo

E-mail: [email protected]

ser no futuro uma fonte de extração de células-tronco que venham a ser expandidas numericamente e armazenadas para a terapia regenerativa não só dentária, mas de todo nosso organismo. Caberá a esse dente algo mais do que ser guardado por nossas mães como lembrança de nossa infância?