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    Manual

    De Investigao Criminal

    O Direito Processual Penal Aplicado

    Jos Fernando Barros de Sousa Brito Senior Institutional Strategy Adviser

    Anti-Corruption Commission USAID-MSD Justice Institutions Strengthening

    Program in East Timor

  • February 27, 2011 MANUAL DE INVESTIGAO CRIMINAL

    2 Jos Fernando Barros de Sousa Brito, Senior Institutional Strategy Adviser

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    3 Jos Fernando Barros de Sousa Brito, Senior Institutional Strategy Adviser

    No mbito do plano de formao dos Investigadores da Comisso Anticorrupo,

    tornou-se evidente a necessidade de elevar o conhecimento tcnico e prtico no mbito

    dos requisitos operacionais prprios das aes de investigao criminal, concretamente

    no que se refere ao conhecimento jurdico e procedimentos processuais penais.

    A elaborao deste manual tem por finalidade possibilitar um conjunto de

    conhecimentos no mbito do direito processual penal aos elementos da CAC, para que se

    constitua um instrumento auxiliar de trabalho para assim melhor cumprirem com a sua

    misso.

    Jos Fernando Barros de Sousa Brito Senior Institutional Strategy Adviser

    Anti-Corruption Commission USAID-MSD Justice Institutions Strengthening

    Program in East Timor

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    4 Jos Fernando Barros de Sousa Brito, Senior Institutional Strategy Adviser

    Captulo I O Direito Processual Penal Aplicado Introduo O Direito um conjunto de normas jurdicas que se destinam a regular as relaes entre os homens. Dentro dos vrios ramos do Direito, o Direito Penal e o Direito Processual Penal constituem sectores especficos do Direito, que vamos aqui analisar, de forma a compreendermos melhor o que os distingue, afastando assim uma primeira ideia errada de que ambos significam a mesma coisa ou possuem o mesmo objecto. O Direito Penal, e numa primeira abordagem do problema, tem como ncleo fundamental duas figuras jurdicas: o crime e a pena; mas o Direito Penal no se esgota apenas no estudo destas duas figuras. O Direito Penal versa tambm questes que se prendem com os pressupostos e condies que definem a existncia ou inexistncia de uma infraco criminal, que determinam a responsabilidade ou irresponsabilidade do agente do crime, etc. Isto , o Direito Penal tem por funo, grosso modo, caracterizar um facto e qualific-lo no sentido de saber se ou no crime, se o seu agente ou no responsvel e qual a pena que, em abstracto, cabe ao agente do delito cometido. Exemplo: Abel, de 23 anos de idade, com uma faca, tirou a vida a Bento. A funo do Direito Penal saber:

    a) Se tal facto ou no crime; b) Quem, luz do Direito Penal, autor; c) Se o autor pode ser ou no responsabilizado criminalmente; d) Se existem ou no situaes que diminuem ou eliminem a culpa do agente do

    crime; e) Se existem ou no razes que justifiquem o facto cometido; f) Que pena, em abstrato, aplicvel ao agente do crime.

    E a resposta a estas questes, que sero objecto de estudo do Direito Penal, so dadas atravs da anlise de vrios diplomas legais. Assim, e se agarrarmos o CP, podemos ver o seguinte:

    Artigo 138 CP

    (Homicdio) Quem matar outra pessoa punido com pena de priso de 8 a 20 anos. Lendo o preceito normativo facilmente se v, em relao ao exemplo dado, que se est perante um homicdio, que um crime, o qual punido com a pena de priso de 8 a 20 anos. Por outro lado, se atentarmos no art. 29 e 30 do CP vemos que Abel autor desse crime e que tendo 23 anos de idade, supondo ser uma pessoa que no sofre de anomalia psquica, responsvel pelo crime cometido. Para alm de outros pressupostos que haveriam de ser assinalados, o que importa aqui realar que o Direito Penal qualifica os factos como crimes e estatui-lhes uma

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    pena. J o Direito Processual Penal tem uma misso diferente. que no basta definir o crime de homicdio (no exemplo dado) e prever uma sano para tal crime. O que importa agora ver como que o Direito Penal vai ser aplicado. No basta saber s que o Abel matou Bento. H-de se provar tal facto atravs da realizao de vrios actos a que a lei atribui relevncia jurdica. E a ser assim, desde logo vrias perguntas se pem, como por exemplo:

    a) Quem vai investigar? b) Quem recolhe as provas? c) Que provas so admissveis? d) E quais aquelas que so proibidas? e) Quem deduz a acusao? E em que termos? f) Quem julga? Que Tribunal aprecia o caso? g) Qual a pena, em concreto, a aplicar?

    Ora, esta a funo do Direito Processual Penal. Enquanto, podemos dizer de uma forma muito ligeira, o Direito Penal define situaes, qualifica os factos como crimes e estatui penas de uma forma abstracta, o DPP vai analisar o caso, de tal sorte que da sua actuao resultar, para o caso em concreto, a aplicao do Direito Penal. que no basta dizer que o facto X crime punido com a pena de priso Y - como faz o DP. preciso tambm fazer com que, concretamente, a pena seja aplicada a algum que se provou ter cometido o facto X. Esta ltima parte cabe ao Direito Processual Penal. Relacionamento entre direito penal e direito processual penal e conceitos O Direito Penal no mais do que um conjunto de normas jurdicas, normas essas que pretendem disciplinar a actividade de cada cidado em ordem ou a evitar que estes cometam certos actos (normas proibitivas) ou a obrigar que cada cidado adopte um certo tipo de conduta (normas preceptivas). Desde logo quando pensamos nos crimes de homicdio, furto, roubo, etc. Se a actividade de cada cidado no fosse disciplinada em termos tais que da sua violao no ocorresse qualquer sano, a vida em sociedade tornar-se-ia impossvel ou, no mnimo, extremamente perigosa. A ausncia de normas faria relevar a vontade do mais forte, daquele que, possuindo mais poder, impusesse a sua vontade aos outros. Mas tais normas jurdicas que formam o Direito Penal obedecem a uma filosofia prpria. Podemos dizer que as normas contidas no Direito Penal so aquelas que pretendem fazer valer (e defender) certos valores que so fundamentais para a vida em sociedade. Esses valores, tambm designados de bens jurdicos, so essenciais vida em comunidade e segurana de cada um (a vida, a propriedade, o patrimnio, a paz, etc. Ora, podemos ento definir o Direito Penal como o conjunto de normas jurdicas, disciplinadoras da actividade humana, que visam fundamentalmente a defesa dos valores essenciais vida em comunidade. Quanto ao Direito Processual Penal, o objectivo que prossegue diferente do Direito Penal. Para o Direito Processual Penal no se pe o problema de saber o que e

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    no crime. Ao Direito Processual Penal interessa regular o modo como sero praticados os vrios actos no sentido de se provar se houve ou no crime, quem so os seus autores, que provas podero ser usadas e de que modo o Tribunal se vai pronunciar sobre o caso em concreto. Numa palavra poderemos definir o Direito Processual Penal como o conjunto de normas jurdicas disciplinadoras das actividades necessrias aplicao do Direito Penal, aos casos concretos, pelos Tribunais. No conceito exposto encontramos uma profunda ligao entre o Direito Penal e o Direito Processual Penal; naquele (DP) so definidos, entre outras coisas, os tipos legais de crimes, e neste (DPP) o modo de concretizar aquilo que o DP prev e estatui. Por outras palavras poderemos dizer que o Direito Penal no teria sentido sem o Direito Processual Penal uma vez que seria impensvel afirmar o que crime e, por outro lado, nada prever sobre o modo de chamar o prevaricador responsabilidade criminal. O contrrio tambm verdade. A existncia do Direito Processual Penal sem o Direito Penal absurda; com efeito, como providenciar pela aplicao de algo que no existe? Importa desde j reter como princpio que o Direito Penal e o Direito Processual Penal, sendo ramos jurdicos distintos, constituem, entre si, uma unidade. Da que tambm se diga que o Direito Processual Penal, na medida em que serve de instrumento de aplicao do Direito Penal se designa tambm de direito instrumental ou direito adjectivo, ficando para o Direito Penal a designao de direito substantivo. O processo At aqui ficamos com uma ideia de que o Direito Processual Penal um conjunto de normas jurdicas. Ora esse conjunto de normas jurdicas serve, entre outras coisas, para disciplinar os vrios actos que se praticam. E como de Direito Processual se trata, as actividades a disciplinar so aquelas que se desenvolvem no mbito de um processo. Impe-se, assim, saber o que um processo. Quando se investiga um crime praticam-se um conjunto de actos. Esses actos no so realizados ao acaso mas sim de acordo com uma certa sequncia, que se traduz num conjunto de actos pr-ordenados visando um fim denomina-se de processo. Clarificando ainda mais, poderemos ento dizer que o processo visa a actividade enquanto o Direito Processual Penal traduz-se num conjunto de normas jurdicas reguladoras dessa actividade. O objeto do processo penal Em qualquer relao que se estabelea entre dois sujeitos h sempre um objecto onde se centra a ateno dos citados sujeitos. Exemplo: A quer comprar a B um automvel Neste exemplo se dir que os sujeitos so A e B e que o objecto um automvel. Ora o processo penal tem tambm um objecto, isto , as actividades desenvolvidas no

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    mbito do processo centram-se sobre algo. Quando se inicia um processo penal, faz-se por imperativos que se prendem com a comisso de um facto, a prtica de um crime. Mas no interessa qualquer facto. Apenas o facto humano de relevncia penal. Assim, o objecto do processo , ento, um facto que importa conhecer na sua existncia histrica e cuja verificao pressuposto de aplicao da pena. Fins do processo penal Enquanto o objecto do processo penal um facto humano, o fim do processo penal traduz-se em algo diferente. Quando se instaura um processo penal pretendemos com ele verificar se existe ou no crime e, em caso afirmativo, verificar se h ou no um juzo de suspeita sobre algum, se esse juzo se transforma numa forte probabilidade e, por fim, qual a deciso final proferida pelo tribunal. Digamos, ento, que a deciso final do tribunal (que tanto pode ser uma sentena condenatria como absolutria) corresponde aplicao do Direito. Isto , s se condena ou s se absolve se, perante a prova produzida, se verificar, pela aplicao do direito substantivo e adjectivo, que se encontram reunidos todos os requisitos e pressupostos necessrios deciso final. Dizendo de outro modo, podemos concluir que o fim do processo penal a aplicao do Direito em termos objectivos. A aplicao do Direito no consiste naquilo que os sujeitos querem ou desejam, mas sim naquilo que o Direito estipula. Ora, partindo do princpio que as normas jurdicas existem para regular a atividade humana, para que a justia seja uma realidade, podemos ento dizer que:

    a) O fim primeiro do processo penal a aplicao do Direito; b) O fim ltimo do processo penal traduz-se na realizao da justia.

    As fontes do direito processual O Direito Processual Penal um conjunto de normas jurdicas. E um complexo normativo estruturado e harmnico. Este complexo normativo no surgiu num instante; no foi obra que irrompeu de forma sbita. Baseou-se em algo, isto , teve como suporte primrio e bsico certas normas que conferiram o estado inicial ao que viria a ser o Direito Processual Penal. Assim podemos dizer que as fontes do Direito Processual Penal sero todo o conjunto de diplomas que deram vida a esse ramo do direito; que foram, numa palavra, a sua origem. No importa, para este curso indicar, de forma exaustiva, todos os diplomas que serviram de fonte ao Direito Processual Penal. Importa - isso sim - que se apontem apenas os diplomas fundamentais que constituem as fontes deste ramo de direito processual e que so a Constituio da Repblica de Timor Leste (CRDTL) e aquele que constitui a verdadeira ossatura do processo penal: o Cdigo de Processo Penal (CPP).

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    A constituio da Repblica Democrtica de Timor Leste A Constituio Poltica o diploma fundamental dos pais. Diploma fundamental por duas ordens de razes: a primeira traduz-se no facto de ser a norma hierarquicamente superior, isto , aquela que possui um valor maior em relao a todas as outras, devendo estas estar de acordo com aquela, no a podendo contrariar; a segunda razo repousa essencialmente no facto de a CRDTL estabelecer princpios gerais que devem enformar todo o complexo normativo destinado a viabilizar esses mesmos princpios gerais. Exemplo: A CRDTL dispe: Todos tm direito liberdade e segurana e integridade pessoal.1 Isto significa que o valor liberdade constitui, em qualquer norma jurdica e, especialmente naquela que pertena ao ramo do Direito Processual Penal um valor que dever ser sempre respeitado. Nenhuma lei pode contrariar esta norma da Constituio, salvo se a prpria Constituio estabelecer limites ou excepes2 a esta regra geral. Por outro lado se folhearmos a Constituio quanto aos Direitos, Deveres, Liberdades e Garantias, deparamos com um conjunto de princpios que interessam ao Direito Processual Penal. V-se, deste modo, a importncia magna que tem a CRDTL. No Direito Processual Penal, quer indicando os caminhos a seguir pelo legislador ordinrio, quer proibindo a existncia de normas jurdicas que ofendam os princpios gerais que ela estabelece. O cdigo de processo penal Este , por excelncia, o diploma que constitui o esqueleto principal do Direito Processual Penal. Nele esto contidas todas as normas jurdicas que se aplicam, de modo geral, ao processo, regulando-o nas vrias fases, estipulando as formas a adoptar, os meios de provas admissveis, disciplinando a actividade dos rgos e polcia criminal, do MP e dos juzes e tudo isto com a finalidade de se obter uma deciso final sobre um dado caso em concreto. Importa agora compreendermos o CPP j que este o diploma com que essencialmente teremos de lidar, sem esquecer, no entanto, aspectos especiais contidos noutros diplomas. Noes elementares: a noo de crime O crime , para a lei processual penal, o conjunto de pressupostos de que dependem a aplicao ao agente de uma pena ou de uma medida de segurana criminais.h-de ter sido praticado, por ao ou omisso3, um facto humano que preencha um tipo jurdico-criminal. A lei estabelece uma pena, ou uma medida de segurana, para 1 Cf. N 1 do art 30 da CRDTL. 2 Cf. art 24 (Leis restritivas) e 25 (Estado de excepo) da CRDTL 3 Cf. art 11 do CP.

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    a prtica desse facto mas a aplicao depende da verificao de outros pressupostos, quer positivos, quer negativos. Os crimes podem ser pblicos ou semi-pblicos.

    Os princpios do direito processual penal

    Ao lermos o Cdigo de Processo Penal verificamos que o mesmo comporta 323 artigos, subdividindo-se alguns deles em nmeros e estes em alneas. Isto traduz um conjunto de normas jurdicas vasto e, sem embargo disso, verifica-se - para quem l o CPP com um mnimo de ateno, que tais normas se relacionam de forma harmnica. Para que tal harmonia se d e para que no existam normas directamente conflituantes, necessrio que estas no sejam mais do que a traduo de grandes princpios previamente traados. Quer isto dizer que as normas no nascem por acaso nem so coligadas a esmo. Entre elas sobressai uma ideia de complementaridade e de harmonia. E mesmo nos casos de conflitos, constata-se que a conflitualidade aparente e no real. Tal aparncia solucionada pela aplicao de tcnicas de interpretao da lei e de integrao das suas lacunas, as quais so objeto da cincia jurdica conhecida pelo nome de teoria da interpretao das leis. Vale isto tudo para dizer que a harmonia existente e a complementaridade focadas so fruto de um conjunto de princpios que norteiam o aparecimento das normas e a interligao entre elas. Os princpios do Direito Processual Penal so as grandes orientaes ou linhas-mestras que, formando um travejamento bsico fundamental, condicionam e enformam a criao das normas jurdicas pertinentes, neste caso, ao ramo do Direito Processual Penal. Exemplo: Quando se diz, por exemplo, que o processo penal tem estruturas acusatrias, estamos, desde logo, a enunciar um princpio que vai condicionar a criao das diferentes normas jurdicas em ordem a tornar possvel que esse princpio venha a ser uma realidade. So vrios os princpios do Direito Processual Penal. Entendemos, no entanto, que no os devemos enunciar na sua totalidade, quer pela confuso que poder eventualmente provocar, quer, porque, atendendo aos objectivos deste curso, no consideramos importante o seu completo arrolamento. No entanto, h alguns, que pela sua importncia, carecem de ser expostos e explicitados. O princpio da oficialidade Para melhor entendermos este princpio convir abordarmos a questo com um pequeno exemplo: Exemplo: Abel, com uma arma de fogo, mata B. Que tipo de procedimento se dever ter? Esperar que algum familiar de B manifeste vontade de que se inicie um processo-crime contra A? Deixar que, qualquer

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    familiar de B actue particularmente contra A admitindo-se, por essa via, o recurso figura da vingana, e, por consequncia, justia privada? Todos ns, ainda que de forma intuitiva, sabemos que no isso que sucede. Com efeito, e no exemplo apontado, basta que, por exemplo, qualquer elemento pertencente a uma instituio policial tome conhecimento do crime (ou qualquer magistrado do MP) para que se inicie um processo-crime. Pretende-se com isto dizer que o incio ou a promoo do processo no se encontra dependente da vontade dos particulares. Com efeito, a promoo processual, na generalidade, est subtrada vontade das partes, podendo, inclusive e sempre em termos gerais, haver tal promoo mesmo que os particulares o no queiram. Do que at agora j se disse, facilmente se comea a antever o que seja o princpio da oficialidade. Com a criao do Estado moderno modificaram-se certas concepes que outrora existiam. Assim, se o Direito Penal passou a ser entendido como uma forma de proteco dos bens fundamentais da comunidade, e se esta representada pelo Estado, conclui-se que a aplicao das penas passou a ser tarefa exclusiva do Estado. Por outro lado, ao entender-se tambm que o processo penal um assunto da comunidade jurdica, acordou-se que tal tarefa caberia fundamentalmente ao Estado. Numa palavra, poderemos dizer ento que a promoo processual (o seu incio) entendido como tarefa do Estado, a ser realizada oficiosamente, isto , independentemente da vontade e da actuao das partes. Assim, facilmente se conclui que o princpio da oficialidade traduz-se na competncia que o Estado tem, a exercer por intermdio do MP, de iniciar a investigao sobre um crime cometido e de decidir pela submisso ou no do caso a julgamento. Este princpio encontra-se consagrado na CRDTL ao atribuir a competncia ao MP

    de exercer a aco penal. Atente-se: O Ministrio Pblico representa o Estado, exerce a aco penal, assegura a defesa dos menores, ausentes e incapazes, defende a legalidade democrtica e promove o cumprimento da lei4. Tambm no CPP encontramos o princpio da oficialidade expresso: O Ministrio Pblico tem legitimidade para promover o processo penal com as restries constantes do nmero seguinte5. Mas este princpio sofre de algumas limitaes, impostas pela ordem jurdica e em obedincia ou a questes de natureza tica ou pequena relevncia penal do crime. Que limitaes so essas? Tal questo prende-se com a existncia dos chamados crimes pblicos, e particulares. Dissemos atrs que h crimes que, desde que cometidos, obrigam logo instaurao de um processo, independentemente da vontade dos particulares. A este tipo de crimes usual denominar-se de crimes pblicos. Exemplo: o crime de homicdio p. e p. pelo art. 138 do CP. H outros crimes, no entanto que, apesar de cometidos, no obrigam realizao imediata de um processo. Os crimes semi-pblicos so aqueles cuja promoo processual se encontra dependente de uma queixa prvia do particular a quem a lei d legitimidade para tal. 4 Cf. n 1 do art 132 do CPP 5 Cf. n 1 do art 49 do CPP

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    11 Jos Fernando Barros de Sousa Brito, Senior Institutional Strategy Adviser

    Exemplo: Alexandra de 23 anos de idade, foi agredida com um estalo por Maria, provocando-lhe um hematoma na face. Este facto constitui um crime de ofensas integridade fsica simples.6 No entanto, ainda que as autoridades policiais tenham conhecimento desse delito (ou qualquer magistrado do MP.), o processo no pode iniciar-se sem que a Alexandra, neste caso, se queixe, manifestando, desse modo, a vontade de proceder criminalmente contra Maria. Quando o procedimento criminal depende de queixa, do lesado ou de outras pessoas, necessrio que essas pessoas dem conhecimento do facto ao Ministrio Pblico, para que este promova o processo7. V-se deste modo que existem certos tipos de crime que no do origem automaticamente formao de um processo, salvo se houver queixa nesse sentido. Feita esta distino, compreende-se agora que o princpio da oficialidade tem como limites os crimes semi-pblicos, importando desde j esclarecer que razes assistem para que existam tais limitaes, ou porque que em relao aos crimes semi-pblicos o procedimento criminal no se desencadeia automaticamente, sendo necessria a manifestao de vontade, nesse sentido, da pessoa com legitimidade legal. que h crimes semi-pblicos, como o caso d crime de devassa8 que, sendo graves, traduzem-se em factos que dizem respeito intimidade e vida privada das pessoas. Ora, a lei assume uma postura de respeito pela vida privada e intimidade dessas pessoas, as quais, a mais das vezes, no estaro interessadas em divulgar factos que lhes so penosos e que podem vir a conhecimento pblico, preferindo, desse modo, no adoptar qualquer comportamento que no seja, o do sigilo como forma de se furtar aos comentrios alheios. Acresce ainda que, no processo, as pessoas que foram vtimas desse tipo de crime, ver-se-o confrontadas com uma nova vivncia de situaes traumatizantes, quer nos relatos que tm de proceder quer ainda na fase de julgamento. Entende, deste modo, a lei dar aos particulares a possibilidade de pesarem a deciso a tomar, no as obrigando a situaes que podero assumir um carcter vexatrio. Sendo assim, facilmente se compreende que se deixe ao critrio do particular accionar o procedimento criminal, caso o deseje. Com tal opo o legislador evita tambm que os tribunais sejam inundados de processos correspondentes a crimes de menor gravidade, o que aconteceria se o princpio da oficialidade vigorasse na sua pureza. O princpio do acusatrio O princpio do acusatrio resulta facto de o processo criminal possuir a estrutura acusatria e pretender colocar diferentes entidades a dirigir ou a realizar os actos respeitantes s diferentes fases do processo. Assim, se se deixar a investigao a um 6 Cf. art 145 do CPP. 7 Cf. N 2 do art. 49 do CPP. 8 Cf. art 183 do CPP.

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    rgo de polcia criminal, como a CAC, a acusao a outra MP e o julgamento a uma outra, o juiz, procura-se obter uma maior objectividade e imparcialidade nos juzos que se formulam. Nomeadamente o juiz que realiza o julgamento, porque desconhecedor de tudo o que se passou antes, no poder ter ideias pr-concebidas. A opinio que emitir na sentena final objectiva, imparcial e corresponde realizao do Direito. Compreende-se, deste modo, que o princpio acusatrio traduz-se numa garantia maior de defesa dos arguidos. E assim tambm se entende que esse princpio se encontre consagrado na C.R. Tal significa que uma entidade, o MP, no s dirige a investigao como tambm deduz a acusao, procedendo posteriormente o juiz ao julgamento. Significa que, se o processo, ao princpio, se encontra em segredo (o segredo de justia contemplado no CP), deixar posteriormente de se encontrar em tal situao podendo (e devendo) ser pblico. Mais, este princpio significa que a jurisdio no intervm oficiosamente, que no intervm sem que a sua interveno seja pedida e que no pode alargar o seu poder de julgar a pessoas e factos distintos daqueles que so objecto da acusao. O princpio funciona tambm como garantia da imparcialidade do tribunal, no podendo ser-lhe atribuda responsabilidade se a absolvio resultar de acusao deficiente ou a condenao de m preparao da defesa. Aps tudo o que se disse poderemos ento caracterizar o princpio do acusatrio como aquele que se traduz na interveno de entidades diferentes, nas vrias fases do processo, nomeadamente, nas fases que interessam investigao e acusao, por um lado, e s que respeitam ao julgamento, por outro lado. O princpio do contraditrio9

    O princpio do contraditrio significa que o tribunal deve ouvir a acusao e a defesa antes de tomar decises. Ouvir a acusao e a defesa significa ouvir, por um lado o MP e o assistente e seu representante, e, por outro, o arguido e respectivo defensor. Mas no s. O funcionamento do princpio do contraditrio pressupe a produo de provas indicadas pela acusao e pela defesa: inquirio de testemunhas, exames periciais, acareaes, etc. O princpio da investigao ou da verdade material10 Ocorrido um crime o tribunal no adopta uma posio passiva de apreciar os factos que a acusao ou a defesa lhe apresentam. O Tribunal vai mais longe. Tem o dever de actuar, independentemente das contribuies dadas pelas partes a fim de construir autonomamente as bases da sua deciso. Dizendo de outro modo, o que interessa, para que o tribunal decida, no aquilo que parece ser verdade, mas aquilo que efectivamente a verdade. Isto , todo o processo deve reconstituir correctamente a histria dos factos, investigando, ouvindo as partes, realizando as percias, exames e todas as outras diligncias por iniciativa prpria. 9 Cf. art 246 do CPP (definio do princpio do contraditrio) 10 Cf. art 252 do CPP (Definio do princpio da investigao)

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    Exemplo: Abel diz que matou Bento com uma faca. Ao iniciar-se o processo no se pode nem se deve desde logo concluir que Abel matou Bento. Isso seria aceitar apenas a verdade formal dos factos. H-de, no exemplo focado, investigar se de facto Abel matou Bento, quer pesquisando os motivos, quer procurando a arma do crime e examinando-a, realizando percias sobre os possveis e eventuais vestgios temticos existentes, etc. S depois de a investigao ter efectivamente concludo que Abel matou Bento e de se recolherem as provas nesse sentido (e nisto consiste a verdade material) que se seguir a acusao e consequente julgamento. Em resumo, o tribunal que investiga os factos sujeitos a julgamento embora as partes possam tambm dar o seu contributo. O processo poder ter a estrutura acusatria e funcionar o princpio da investigao, recaindo sobre o juiz o nus de esclarecer e investigar autonomamente e os factos submetidos a julgamento. Esta investigao autnoma do juiz no dispensa as partes, ou seja, o MP, o arguido e o assistente, de carregarem para o processo os elementos de prova que entenderem. O princpio do in dubio pro reo Este princpio reporta-se sobremaneira prova. J vimos que o tribunal deve investigar, por todos os meios disponveis, os factos no sentido de reconstituir a histria real dos mesmos. Porm - e muitas vezes isso sucede - nem sempre se consegue recolher as provas necessrias e suficientes que indiciem que algum cometeu um crime. Quando tal sucede a prova produzida no pode, por si s, determinar uma deciso de condenao. Quando a prova reunida no seja suficientemente concludente o juiz no pode desfavorecer a posio do arguido. Se o tribunal no obtiver a certeza dos factos, se ficar na dvida, ter de absolver o arguido por falta de provas, assim rejeitando a posio da acusao. Este princpio tambm conhecido como princpio da presuno da inocncia. O princpio da livre apreciao da prova Significa que no h critrios legais acerca do valor a atribuir prova, que o juiz valorar as provas segundo a sua convico pessoal. A prova apreciada segundo as regras da experincia e a livre convico da entidade competente. Mas tal no significa que o tribunal possa utilizar essa liberdade sua vontade, de modo discricionrio e arbitrrio, decidindo como entender, sem fundamentao. O juiz tem de orientar a produo da prova para a busca da verdade material e, ao decidir, h-de fundamentar as suas decises. O cdigo de processo penal e a sua aplicao J se disse que o CPP o diploma mais importante em termos de Processo Penal e, por via disso, aquele que merecer o estudo adequado. Com a aplicao do CPP pe-se vrias questes que importa esclarecer. E tal

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    14 Jos Fernando Barros de Sousa Brito, Senior Institutional Strategy Adviser

    matria no to insignificante como, primeira vista, poderia parecer. Vejamos dois exemplos:

    A) Abel, timorense furta um automvel a Charles, australiano, na cidade de

    Darwin, no dia 4 de Abril de 2006. B) Carlos burlou David, na quantia de 20.000$ no dia 20 de Dezembro de 2005.

    Estes dois exemplos levantam, desde logo, dois tipos de questes. No tocante ao exemplo A) pe-se logo a questo de saber, por exemplo, qual a legislao processual, e qual o tribunal competente para julgar ocaso. No que respeita ao exemplo B) j se discutir se o Cdigo de Processo Penal a aplicar o actual ou a legislao anterior, considerando que o actual s entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2006. Ora, os dois tipos de questes acima referidas prendem-se com:

    x A aplicao da lei processual no espao - o exemplo A) x A aplicao da lei processual no tempo - o exemplo B)

    A aplicao da lei processual no tempo A entrada em vigor de um diploma legal levanta, geralmente, problemas na sua aplicao quanto a factos praticados em momento anterior ao da sua entrada em vigor. Voltemos ao exemplo B. Como j se viu o actual CPP s entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2006 e os factos reportam-se a Dezembro de 2005. De onde surge o problema de saber se o actual CPP ou legislao anterior que deve ser aplicado. O CPP foi aprovado pelo Decreto-Lei n 13/2005, de 1 de Dezembro, estatuindo a sua entrada em vigor a 1 de Janeiro de 2006. At esta data, vigorou a legislao indonsia. Suponhamos agora, noutro exemplo a dar, que Manuel agrediu Joaquim no dia 20 de Novembro de 2005 mas que tais factos s foram participados a 3 de Janeiro de 2006. Qual o C.P.P. a aplicar. Se analisarmos o art. 5 do prembulo do diploma que aprova o CPP, verificamos que ali se dispe que este diploma e as suas disposies comearo a vigorar no dia 1 de Janeiro de 2006, mas s se aplicam aos processos instaurados a partir dessa data, independentemente do momento em que a infraco tenha sido cometida, continuando os processos pendentes quela data a reger-se at ao trnsito em julgado da deciso que lhes ponha termo, pela legislao ora revogada. Quer isto significar que, no exemplo em apreo, j o actual C.P.P. o diploma aplicvel j que, embora reportando-se a factos ocorridos anteriormente sua entrada em vigor, o processo foi j instaurado a partir do dia 1 de Janeiro de 2003. De tudo isto, quanto aplicao do actual CPP, importa ento reter o seguinte:

    a) A todos os factos ocorridos aps o dia 1 de Janeiro de 2006; b) A todos os factos ocorridos antes do dia 1 de Janeiro de 2006 mas cujo

    processo a eles respeitando tenham sido instaurado no dia 1 de Janeiro re-ferido ou posteriormente.

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    O actual CPP no se aplica aos factos ocorridos antes de 1 de Janeiro de 2006 e que deram origem a processos instaurados antes dessa data. Numa palavra, podemos ento concluir que: o actual CPP no se aplica aos processos iniciados aps 1 de Janeiro de 2006 e respeitando a factos ocorridos antes dessa data quando da aplicao do mesmo resulte, para o arguido agravamento sensvel e ainda evitvel da sua situao processual.11 Idntica situao ocorrer quando, com aplicao do actual CPP se quebre a harmonia e unidade dos vrios actos do processo.12 A aplicao da lei processual no espao O exemplo dado em A) e atrs exposto em B) levanta a questo de se saber qual a lei processual penal aplicvel (a lei processual de qual pas). Esta matria, no entanto, est estritamente relacionada com a aplicao da lei penal no espao a ser estudada no mbito do Direito Penal. Porm, podemos enunciar certas regras gerais aps distinguirmos dois tipos de situaes. Suponhamos que A mata B em Baucau. Neste caso no se pe qualquer problema sobre a aplicao da lei processual. evidente que o CPP se aplica. Poder-se-ia questionar sobre o Tribunal competente para conhecer o crime. Mas tal situao prende-se j com o problema da competncia dos tribunais e no com a aplicabilidade ou no do CPP. Este sempre aplicvel. As regras que determinam a competncia dos tribunais esto descritas no CPP.13 A regra bsica :

    Artigo 5 CPP Aplicao da lei no espao

    1. A lei processual penal aplica-se em todo o territrio de Timor Leste. 2. Aplica-se, tambm, a lei processual penal em territrio estrangeiro, nos termos

    definidos nos tratados, convenes e regras de direito internacional.

    Quer isto dizer que o C.P.P. se aplica: a) Sempre em todo o territrio timorense; b) Algumas vezes, no estrangeiro, quando assim se encontrar definido por

    tratados, convenes e regras de direito internacional. Os sujeitos processuais O estudo do processo pressupe contnuas referncias a actos e prticas por diversas entidades. Ora, no se sabendo o que elas so, no se compreender, de forma integral, o processo penal. No decurso do processo so vrias as pessoas que ali intervm. As testemunhas 11 Cf. al. a) do n 2 do art 4 do CPP 12 Cf. al. b) do n 2 do art 4 do CPP 13 Cf. art 12 a 36 do CPP.

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    16 Jos Fernando Barros de Sousa Brito, Senior Institutional Strategy Adviser

    que so inquiridas, os arguidos que so interrogados, o MP nas decises que, em fase de inqurito, profere, os juzes quando decidem sobre certas situaes, os peritos ao emitirem as suas opinies, os intrpretes com a funo de traduzirem, as polcias ao investigarem, enfim um mundo de intervenientes que se movem no processo de acordo com certas regras e para a realizao de certos actos. Todos estes intervenientes so participantes processuais na medida em que participam ou colaboram na realizao de actos processuais. Mas existem dois tipos de participantes processuais que, numa primeira abordagem, poderemos designar de participantes normais e participantes especiais. Para se ter uma melhor ideia sobre o que se diz, convm frisar que, por exemplo, o Ministrio Pblico, quando o processo se encontra na fase de inqurito (e adiante j veremos o que isso significa), profere despachos que so decises importantes; j, por outro lado, a testemunha que presta o seu depoimento no participa no processo com a mesma intensidade e fora do MP. Este exemplo (e veja-se isto s como exemplo) serve para intuitivamente verificarmos que o MP ser um participante especial e a testemunha e um participante normal. Mas aqui importa atender s caractersticas fundamentais que nos permite fazer tal distino. Das vrias pessoas que intervm no processo h aquelas que conduzem efectivamente o processo, isto , cuja actividade desenvolvida imprime ou pode imprimir o processo numa dada direco. Estas pessoas tero uma funo orientadora do processo visto que o dirigem neste ou naquele sentido. H outras pessoas que intervm no processo mas que no detm poderes que traduzam uma actividade susceptvel de determinar o processo em qualquer sentido. Aqueles so os participantes processuais especiais e estes sero os normais. Convm desde j reter a distino entre sujeitos processuais e participantes processuais. que o sujeito processual o participante processual especial. Concluir-se-, ento, que todos os sujeitos processuais so participantes processuais mas que nem todos os participantes processuais so sujeitos processuais. Os sujeitos processuais, considerados como tal pelo CPP, so:

    a) Os Tribunais;14 b) O Ministrio Pblico;15 c) O Arguido e seu defensor;16 d) O Lesado ou Vtima.17

    Todos os restantes intervenientes como, por exemplo, as testemunhas, os intrpretes, os peritos, etc., so participantes processuais.

    14 Cf. art 7, 13, 16 e 47 do CPP. 15 Cf. art 48 a 51 do CPP. 16 Cf. art 58 a 70 do CPP. 17 Cf. art 71 e 72 do CPP.

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    Os tribunais Os tribunais so rgos de soberania com competncia administrar a justia18. So os nicos rgos competentes para decidirem os casos jurdico-penais que sejam levados ao seu conhecimento, atravs dos processos, aplicando o direito penal e processual penal. E compreende-se que assim seja, considerando que a aplicao de penas aos autores dos crimes constitui prerrogativa do Estado e revela-se outrossim como uma das vertentes por que se manifesta o jus puniendi do Estado. O CPP dispe que Os tribunais previstos na lei de organizao judiciria so competentes para administrar a justia penal.19 Mas os tribunais no tomam decises segundo critrios livres dos respectivos juzes. J se disse que administram a justia aplicando o direito penal substantivo, ou seja, esto vinculados aplicao do Direito. O prprio CPP refere ainda que No exerccio desta funo, os tribunais apenas devem obedincia Lei e o Direito.20 Mas que interessaria decidir, aplicar o Direito e, consequentemente, administrar a justia se no houvesse maneira de fazer valer, na prtica, tais decises? que, sendo rgos de soberania, o poder que expressam tambm um poder soberano. Por outro lado e visto que h outros rgos de soberania (v.g. o Presidente da Repblica, a Assembleia da Repblica e o Governo), se o poder das decises fosse limitado internamente, pelo, por exemplo, no acatamento das suas decises pelos outros rgos de soberania, estar-se-ia a pr em causa a independncia dos tribunais que constitui o ponto de partida na confiana que sobre eles todo o cidado deposita. Da que a CRDTL tenha resolvido a questo em termos de evitar conflitualidades ao estabelecer que As decises dos tribunais so de cumprimento obrigatrio e prevalecem sobre todas as decises de quaisquer autoridades.21 E para que, na prtica, essa prevalncia constitua um dado inquestionvel, atente-se no estatudo:

    Artigo 8 do CPP Cooperao das autoridades

    1. Todas as autoridades pblicas esto obrigadas a colaborar com os tribunais, na administrao da justia penal, sempre que solicitadas. 2. A cooperao referida no nmero anterior prefere a qualquer outro servio. Os titulares do rgo de soberania - tribunais - so os juzes. Aqui importar, desde logo, saber que o CPP tambm denomina os juzes de autoridades judicirias, mas estes no so s os juzes. O juiz grosso modo o titular do rgo de soberania (tribunais) que procede ao julgamento. Isto , avalia as provas que lhe so presentes e referentes a um crime praticado cuja autoria imputada a algum e decidem, atravs de sentena, pela condenao ou absolvio da pessoa que vem acusada da prtica do crime em causa. O CPP define quem autoridade judiciria: Autoridades judicirias: o juiz, o juiz e o Ministrio Pblico, cada um relativamente aos atos processuais que cabem na sua competncia.22

    18 Cf. n 1 do art 118 da CRDTL. 19 Cf. n 1 do art 7 do CPP 20 Cf. n 2 do art 7 do CPP. 21 Cf. n 3 do art 118 da CRDTL. 22 Cf. al. b) do art 1 do CPP.

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    18 Jos Fernando Barros de Sousa Brito, Senior Institutional Strategy Adviser

    Competncia material Convm primeiro precisarmos o conceito de competncia. A lei, quando cria um rgo, define as suas atribuies ou finalidades; isto , diz o que espera que esse rgo faa a fim de poder atingir os fins para que foi criado. Para atingir os fins propostos pela lei um rgo precisa de atuar. Mas essa atuao no pode ser feita de forma descoordenada sob pena dos efeitos da atividade desenvolvida serem nulos ou diminutos, para alm de que pode interferir da esfera de atuao de outro rgo. Para solver tal problema a lei confere ao rgo um conjunto de poderes que pode usar no exerccio da sua atividade. A concesso legal desses poderes tem duas vertentes:

    x Uma, que positiva, e que se traduz naquilo que pode fazer; x Outra, que negativa, e que, ao contrrio, consiste naquilo que no pode

    fazer. Dai que possamos dizer que a competncia consiste num complexo de poderes, conferidos por lei a um rgo, e destinados prossecuo das finalidades que lhe so atribudas. Definindo o conceito de competncia encontramo-nos prontos a delimitar a noo de competncia material. Como o prprio nome indica, facilmente se percebe que a competncia material traduz-se no complexo de poderes, atribudos por lei a um rgo, aferidos a um conjunto de matrias e destinados prossecuo das finalidades que lhe so atribudas. Assim, o CPP estabelece a competncia material dos tribunais segundo a hierarquia dos mesmos, a sua composio ou sua natureza.23 Dentro da organizao judiciria h vrias categorias de tribunais:

    x O Supremo Tribunal de Justia; x Os tribunais de segunda instncia ou Tribunais da Relao; x Os tribunais de primeira instncia, os denominados Tribunais de Distrito.

    Para efeitos de processo penal, importa reter apenas o seguinte: O Supremo Tribunal de Justia (STJ), tem, alm de outras competncias atribudas por lei, a competncia material para:24

    x Julgar o Presidente da Repblica; x Julgar os recursos das decises proferidas em primeira instncia, pela seco

    criminal do Supremo Tribunal de Justia; x Uniformizar a jurisprudncia, nos termos dos art. 321 e seguintes; x Julgar processos por crimes cometidos por juzes do STJ, o PGR e demais

    agentes do MP que exeram funes junto daquele tribunal; x Julgar processos por crimes cometidos por juzes dos tribunais de 1 instncia

    ou por agentes do MP; x Conhecer dos pedidos de habeas corpus, em virtude de priso ou deteno

    23 Cf. arts 12 a 15 do CPP. 24 Cf. art 12 do CPP.

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    19 Jos Fernando Barros de Sousa Brito, Senior Institutional Strategy Adviser

    ilegal;

    Quanto aos tribunais de 1 instncia, os tribunais distritais eles subdividem-se em vrias espcies para efeitos de processo penal. Assim temos:

    x O tribunal do jri;25 x O tribunal coletivo; 26 x O tribunal singular;27

    Competncia territorial Este um dos aspetos que os OPC devem ter sempre presente a fim de saberem que tribunal e que MP so territorialmente competentes para dirigir o inqurito e para proceder ao julgamento. A competncia territorial fixada em termos de CPP28 nos e podemos dizer que a competncia varia consoante:

    x o crime tenha ocorrido em local certo; x o crime tenha ocorrido em local incerto; x o crime tenha ocorrido no estrangeiro; x o crime tenha ocorrido a bordo de navio ou aeronave; x o crime diga respeito a magistrado.

    Crime ocorrido em local certo

    a) competente para conhecer de um crime, o tribunal em cuja rea ele se consumou29. Exemplo se A furta a B um automvel em Baucau, o tribunal distrital de Baucau o competente para dele conhecer.

    b) Da rea em que se tiver praticado o ltimo ato de um crime que se consome por atos sucessivos ou reiterados;30

    c) Da rea onde tiver cessado a consumao dos crimes susceptveis de se prolongarem no tempo.31

    25 Cf. art 13 do CPP. 26 Cf. art 14 do CPP. 27 Cf. art 15 do CPP. 28 Cf. arts 16 a 25 do CPP. 29 Cf. n 1 do art 16 do CPP. 30 Cf. n 2 do art 16 do CPP. 31 Idem.

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    Crimes ocorridos em local incerto De qualquer das reas quando o crime estiver relacionado com vrias reas e houver dvidas ou for mesmo desconhecida a identificao sobre a localizao do elemento relevante para a determinao da competncia territorial, competente para conhecer de um crime, o tribunal onde primeiro houver notcia do crime.32 Exemplo: A, que foi visto a deslocar-se do Baucau para o Suai aparece morto em Dili e, ao mesmo tempo, descobre-se a viatura deste no Suai, contendo sangue da vtima e no seu interior um projtil com o mesmo tipo de sangue e uma cpsula calibre 7,65 mm - neste caso o tribunal competente o da comarca do Suai. Exemplo: A, que viaja de Dili para Suai, descobre ao chegar a Same que lhe subtraram uma carteira com setecentos dlares americanos e participa tal facto s autoridades de Same. Esta localidade pertence comarca de Suai e este o tribunal competente para dele conhecer. Crimes ocorridos no estrangeiro competente para conhecer de um crime, o tribunal:

    a) Da rea do domiclio do agente do crime ou da rea onde o mesmo tiver sido encontrado;33

    Exemplo: A, timorense, residente em Caicoli, Dili, dirige-se a Kupang e a furta

    a B, indonsio, joias no valor de USD $20.000, regressando de novo a Timor-Leste. Em princpio o tribunal de Dili o competente. Se, no entanto, A for localizado em Baucau com as joias o tribunal distrital de Baucau o competente.

    b) Da rea da ltima residncia conhecida em territrio timorense se o agente

    no for encontrado ou se mantenha no estrangeiro.34 Exemplo: no caso acima mencionado e no se sabendo o domiclio de A nem tendo sido ele localizado, suponhamos que B telefona de Kupang para um seu amigo e que vive em Dili, o qual de imediato avisa as autoridades. E o tribunal de Dili o competente para conhecer o crime. Crime ocorrido a bordo de navio ou aeronave competente para conhecer do crime, o tribunal: 32 Cf. n 2 do art 19 do CPP. 33 Cf. n 1 do art 18 do CPP. 34 Cf. n 2 do art 18 do CPP.

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    21 Jos Fernando Barros de Sousa Brito, Senior Institutional Strategy Adviser

    a) da rea do porto ou aeroporto timorense onde o agente do crime se dirigir ou desembarcar;35

    b) da rea da ltima residncia conhecida em territrio timorense no caso de no ser encontrado ou mantendo-se o agente no estrangeiro;36

    c) da rea onde primeiro houve a notcia do crime quando nenhuma das duas situaes anteriores se tiver verificado.37

    Competncia por conexo A conexo , como o nome indica, algo que se encontra ou deve encontrar-se ligado ou junto. Diz-se que h conexo entre dois processos quando ambos se encontram juntos formando um s processo. Como se pode facilmente imaginar a conexo pode comportar desvios s regras anteriormente fixados em matria de competncia. Mas nem todos os processos podem ser alvo de conexo. H regras que definem quando se deve proceder conexo ou quando ela no permitida. Para alm disso, h regras que definem qual o tribunal que competente para apreciar vrios processos referentes a vrios crimes e que foram objeto de conexo. Admissibilidade da conexo S pode haver conexo de processos quando:

    a) o mesmo agente tiver cometido vrios crimes atravs da mesma ao ou omisso, na mesma ocasio ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros;38

    b) vrios agentes tenham cometido, em comparticipao, o mesmo ou diversos crimes;39

    Se tiverem sido instaurados processos distintos, proceder-se-, oficiosamente ou a requerimento, apensao de todos os processos conexos, logo que a conexo seja conhecida e os autos se encontrem na mesma fase processual.40 Se os processos conexos deverem ser da competncia de vrios tribunais em razo do territrio, ser competente para conhecer de todos aquele que tiver competncia para o crime cuja pena seja mais elevada no limite mximo da rea onde primeiro tiver havido notcia de qualquer dos crimes.41 Limites conexo

    35 Cf. n 1 do art 18 do CPP. 36 Cf. n 2 do art 18 do CPP. 37 Cf. n 1 do art 19 do CPP. 38 Cf. al. b) do n 1 do art 20 do CPP. 39 Cf. al. a) do n 1 do art 20 do CPP. 40 Cf. n 2 do art 20 do CPP. 41 Cf. n 2 do art 23 do CPP.

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    22 Jos Fernando Barros de Sousa Brito, Senior Institutional Strategy Adviser

    Nem sempre a existncia de processos diferentes e relativos a crimes tambm diferentes determinam a conexo dos mesmos. A conexo no opera entre processos que sejam e processos que no sejam da competncia:42

    a) de tribunais de menores; b) do STJ funcionando como primeira instncia quando algum dos arguidos no

    deva ser julgado nesse tribunal. O Ministrio Pblico O MP , nos termos do CPP, uma autoridade judiciria.43 A CRDTL no define o que seja o MP, preferindo antes nomear as funes que este deve prosseguir44. Assim, poderemos dizer que o MP um servio do Estado a quem compete:

    a) representar o Estado; b) exercer a ao penal; c) assegura a defesa dos menores, ausentes e incapazes; d) defender a legalidade democrtica; e) promove o cumprimento da lei

    Qual o papel do MP no processo penal? A atividade do MP no processo penal , entre outros, a de colaborador dos tribunais na descoberta da verdade e na realizao do Direito. Toda essa atividade no pode ser realizada de forma arbitrria mas sim desenvolvida segundo critrios de estrita objetividade.45 Esta colaborao passa necessariamente por um conjunto de atos que s o MP pode realizar, e por isso se diz que o MP tem uma competncia especial quanto a certas matrias46. Com efeito compete em especial ao Ministrio Pblico:

    a) Receber as denncias, as queixas e as participaes e ordenar a instaurao

    do procedimento criminal, preenchidos os requisitos da legitimidade;47 O facto de as denncias, queixas e participaes serem enviados ao MP no significa que seja sempre esta entidade a receb-las. Com efeito, tambm podero ser dirigidos a qualquer autoridade judiciria ou aos rgos de polcia criminal.48 S que estas entidades devero de imediato remeter ao MP essas denncias, queixas ou participaes,49 no mais curto espao de tempo. O facto tambm de ser o MP a apreciar do destino a dar s denncias, queixas e participaes compreende-se por ser a entidade que detm o monoplio da iniciativa do processo penal.50 42 Cf. art 22 do CPP. 43 Cf. al. b) do n1 do art 1 do CPP. 44 Cf. art 132 da CRDTL. 45 Cf. n 1 do art 48 do CPP. 46 Cf. n 2 do art 48 do CPP. 47 Cf. al. a) do n 2 do art 48 do CPP. 48 Cf. n 2 do art 213 do CPP. 49 Cf. n 2 do art 210 do CPP. 50 Cf. art 48 do CPP.

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    23 Jos Fernando Barros de Sousa Brito, Senior Institutional Strategy Adviser

    O MP apreciar da legitimidade do queixoso, denunciante ou participante, verificar se est ou no perante um crime e analisar os pressupostos legais impeditivos ou permissivos para a promoo.

    b) Dirigir o inqurito; O inqurito corresponde a uma fase do processo na forma comum. uma fase obrigatria destinada a verificar da (in) existncia de um crime, descoberta dos seus autores e a carrear a prova necessria.51 uma fase dirigida pelo MP e que mais tarde analisaremos com maior pormenor.

    c) Deduzir acusao e sustent-la efetivamente no julgamento; A acusao (caso haja) d-se aps o inqurito e constitui um juzo de probabilidade de que, perante os indcios existentes, algum cometeu certo crime.

    d) Interpor recursos, ainda que no exclusivo interesse da defesa; O recurso traduz-se numa petio feita a um tribunal de nvel hierrquico superior para que este decida a questo que lhe submetida. Do recurso pode beneficiar a defesa j que a funo do MP , mais do que acusar, averiguar da verdade ainda que esta aproveite defesa.

    e) Promover a execuo das penas e das medidas de segurana

    Aps a sentena condenatria do tribunal, h-que providenciar para que a pena ou medida de segurana constante da sentena seja executada. ao MP que compete promover a respetiva execuo. Para alm desta competncia especial do MP h uma outra funo genrica que o mesmo desempenha e que interessa promoo processual. A promoo processual diz respeito ao incio do processo, ao impulso inicial necessrio para que o processo passe a existir. S o MP detm a legitimidade para promover o processo.52 No entanto existem algumas limitaes, j por ns abordadas quando nos referimos ao princpio da oficialidade. Vejamos ento quais as regras fixadas no CPP sobre a promoo processual:

    a) Para todos os crimes pblicos o MP detm legitimidade para promover o

    processo; 53 b) Em relao aos crimes semipblicos (os que dependem de queixa) o MP s

    pode promover o processo aps o ofendido ou outra pessoa com legitimidade se queixar.54 Esta queixa pode ser feita a qualquer entidade que tenha a obrigao legal de a transmitir ao MP, podendo ser elaborada por mandatrios com poderes especiais exemplo: um advogado.

    51 Cf. art 225 do CPP. 52 Cf. estatui o art 49 do CPP. 53 Cf. n 1 do art 49 do CPP. 54 Cf. n 2 do art 49 do CPP.

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    Sucede porm que num mesmo processo podem ser investigados vrios crimes de diferente natureza processual. Isto , pode ser que num processo concorram crimes pblicos e semipblicos. Pe-se assim a questo de saber se o MP pode oficiosamente promover o processo por todos esses crimes. Aqui tambm o CPP estabelece regras, a saber:

    a) Se os crimes forem todos de igual gravidade ou se o crime mais grave for

    pblico o MP promove o processo nos crimes para que tenha legitimidade, isto , em relao aos crimes pblicos;

    b) Se o crime semipblico for de menor gravidade o MP dever, primeiramente, notificar as pessoas titulares do direito de queixa para declararem se assim querem proceder.

    c) Se os interessados declararem no pretender exercer o seu direito ou nada declararem, o MP promover o processo quanto ao crime para que tiver legitimidade;

    d) Se os interessados declararem que pretendem apresentar queixa, o MP promove o processo quanto a todos os crimes;

    Se o procedimento criminal, nos crimes pblicos e semipblicos, est dependente de queixa ou acusao do ofendido ou outros com legitimidade para tal, porque a lei entende que a vontade por estes manifestada essencial. Nesta conformidade, tambm natural que essas pessoas, nos crimes semipblicos, possam tambm fazer valer a sua vontade quando pretenderem terminar o processo. Dir-se- ento que os titulares do direito de queixa e acusao podem desistir da queixa ou acusao, o que, em termos prticos determinar a extino do procedimento criminal. Nestes termos poder-se- concluir que a desistncia dos direitos de queixa ou acusao s juridicamente relevante depois de homologada. A homologao compete:55

    a) Ao MP durante a fase de inqurito; b) Ao juiz de julgamento ou ao presidente do tribunal na fase do julgamento.

    A homologao s pode ser concedida se o arguido declarar que no se ope, depois de para tal ser notificado para, em 3 dias, fazer a declarao respetiva A falta desta equivale a uma no oposio.56 A queixa ou a acusao dever ser realizada por pessoas com legitimidade para tal. Resta agora saber quem possui legitimidade para apresentar queixa ou acusao. H situaes especficas de acordo com a especificidade de certos crimes. E para essas situaes especficas impossvel estabelecer regras gerais. A legitimidade do titular do direito de queixa resultar da norma jurdica que contemplar especialmente tal matria. Sucede, porm, que, geralmente, nos vrios crimes semipblicos a lei nada diz especialmente sobre as pessoas com legitimidade para exercer o direito de queixa ou acusao. Ora, nessas situaes, a legitimidade obedece a regras gerais. Em concluso: h regras gerais que definem quem tem legitimidade para exercer o direito de queixa ou 55 Cf. n 3 do art 216 do CPP. 56 Cf. n 4 do art 216 do CPP.

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    25 Jos Fernando Barros de Sousa Brito, Senior Institutional Strategy Adviser

    acusao. No entanto, a regra geral no prevalece quando, sobre certas situaes, existirem regras especiais. Assim, tm legitimidade para exercer o direito de queixa e de acusao:

    a) A pessoa ofendida, isto , o titular do interesse que a lei especialmente quis

    proteger;57 b) Aqueles de cuja queixa depender o exerccio da ao penal;58 c) Qualquer pessoa, nos crimes de corrupo, peculato ou abuso de funes por

    autoridade pblica;59 d) Se o ofendido houver falecido, o cnjuge sobrevivo do ofendido ou

    legalmente equiparado, os descendentes e, na falta deles, os ascendentes, irmos e seus descendentes, salvo se algum deles tiver participado no crime.60

    Mas o direito de queixa no subsiste por tempo indefinido. E aqui h que distinguir duas situaes: a primeira prende-se com a renncia o seu exerccio e a segunda com o no exerccio por certo lapso de tempo. Vejamos a primeira situao: supnhamos que A o ofendido de um crime semipblico e que declara expressamente renunciar ao seu exerccio ou, ento, que pratica atos de onde se possa deduzir clara e necessariamente essa renncia. Nesta hiptese o direito de queixa no pode posteriormente ser exercido pelo que no haver procedimento criminal.61 Imaginemos agora que A, ofendido num crime semipblico, pretende exercer o seu direito de queixa 8 meses aps a data do crime cometido. Neste caso no poder exercer o seu direito j que este se extingue 6 meses depois da data em que o titular tem conhecimento do facto e dos seus autores. 62 Pnhamos ainda a hiptese de A ser ofendido num crime semipblico e ao fim de 5 meses falecer e, 4 meses aps o falecimento, o cnjuge manifesta a vontade de exercer o direito de queixa. Poder este faz-lo? A resposta afirmativa j que o prazo de 6 meses conta-se:

    a) a partir da data em que o titular teve conhecimento do facto e dos seus autores;

    b) a partir da morte do ofendido ou a partir da data em que se tenha tornado incapaz.

    Conforme j atrs se disse o titular do direito de queixa pode dela desistir, desde que no haja oposio do arguido63 devendo a desistncia efetivar-se at publicao da sentena da 1 instncia, sendo certo que a desistncia impede que a queixa seja renovada.

    57 Cf. al. a) do art 71 do CPP. 58 Cf. al. b) do art 71 do CPP. 59 Cf. al. c) do art 71 do CPP. 60 Cf. al. a) e b) do n 1 do art 214 do CPP. 61 Cf. n 1 do art 216 do CPP. 62 Cf. n 1 do art 215 do CPP. 63 Cf. n 4 do art 216 do CPP.

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    O arguido

    O arguido , em termos do processo, um dos sujeitos processuais mais importantes, como teremos ocasio de ver. A ideia comum que se tem do arguido corresponde ao do sujeito que cometeu um dado crime. E se tal conceo no deixa de corresponder verdade tambm no abrange todas as situaes que determinam a existncia de um arguido num processo. que - como veremos - pode haver arguido (s) num processo e verificar-se posteriormente que os mesmos no cometeram qualquer crime. A qualidade de arguido importante pela concesso legal de direitos e deveres e pela posio processual que passa a ocupar. Tal qualidade, desde que adquirida, conserva-se durante todo o decurso do processo, independentemente das fases por este percorridas.64 O CPP estabelece em que circunstncias um cidado pode adquiria a qualidade de arguido, estabelecendo um critrio geral e critrios vrios decorrente de situaes especiais,65 poderemos enunciar que arguido todo aquele contra quem for deduzida acusao.

    Exemplo: Abel, no decurso do processo e no fim da fase de inqurito foi objeto de acusao do MP, constando nesta que aquele ter sido autor de um crime de abuso de confiana. Ora, neste caso, Abel arguido a partir do momento em que contra ele foi deduzida a acusao.

    As situaes especiais que determinam tambm a constituio de arguido so as que decorrem do n 2 do art. 59 do CPP. Analisando tais situaes especiais, obrigatria a constituio de arguido quando:

    a) Correndo inqurito contra uma pessoa determinada e esta prestar o seu

    depoimento perante autoridade judiciria ou entidade criminal; Exemplo: Abel participa num crime de burla e aponta como seu autor o

    Bento. Os indcios colhidos durante o inqurito confirmam a denncia. Ora, Bento ao prestar o seu depoimento, deve ser constitudo como arguido;

    b) Tenha de ser aplicada a qualquer pessoa uma medida de coao ou de

    garantia patrimonial; Exemplo: Abel, aps investigao realizada no mbito de um inqurito, apontado como autor de um crime furto qualificado em virtude de se ter conseguido - reunir elementos de prova nesse sentido. A polcia apresenta o processo ao MP que determina a aplicao do termo de identidade e residncia a Abel).

    c) Um suspeito, for detido; Exemplo: Carlos, por meio de estico, subtrai a David a sua carteira contendo

    64 Cf. n 5 do art 59 do CPP. 65 Cf. n 1 do art 59 do CPP.

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    USD $ 250. Logo de seguida detido por um agente da autoridade. A partir desse momento Carlos assume a qualidade de arguido.

    d) For levantado auto de notcia que d uma pessoa como agente de um crime e

    aquele lhe for comunicado.

    Exemplo: Abel agride Bento. A cena foi presenciada por uma entidade policial que de imediato levanta o auto de notcia e comunica-o a Abel. Este assume, desde logo, a qualidade de arguido.

    e) Uma pessoa se apresentar como testemunha num processo e, durante o seu

    depoimento, surgir fundada suspeita de que cometeu um crime. Neste caso o auto de inquirio suspende-se e a pessoa em causa assume a qualidade de arguido;

    Exemplo: Carlos, testemunha de um crime de aborto, declara que ajudou

    Berta e incentivou-a a praticar o referido aborto. De imediato a inquirio suspensa e Carlos assume a qualidade de arguido.

    f) Qualquer pessoa, tida como suspeita, requerer qualidade de arguido. Exemplo: Francisco presta depoimento como testemunha. Porm apercebe-

    se de que suspeitam novamente de que ele cometeu o crime em causa. Requer, ento, ser constituda arguido. Havendo fundadas razes de suspeio o requerimento deve ser deferido.

    A constituio de arguido torna-se importante em matria de apreciao da prova. que, para a constituio de arguido, torna-se necessrio observar determinadas formalidades. Ora, se estas forem preteridas, as declaraes prestadas pela pessoa visada (que dever ser corretamente constituda como arguido e no o foi) no podem ser utilizadas como prova contra ela.66 O processo penal indica as formalidades a respeitar:67

    a) Desde logo a constituio do arguido opera-se pela comunicao, oral ou escrita, a este desta qualidade;

    b) Tal comunicao dever ser feita pela autoridade judiciria ou por um rgo de polcia criminal;

    c) Na comunicao deve-se indicar e, se for necessrio, explicar os direitos e os deveres processuais, que por essa razo passam a caber-lhe;

    d) Deve ainda ser-lhe dado conhecimento da identificao do processo e do defensor, se este estiver nomeado.

    J dissemos que a posio do arguido confere a este um papel importante no processo. Esse papel, para alm de outras especificidades, resulta da concesso e

    66 Cf. n 4 do art 59 do CPP. 67 Cf. n 3 do art 59 do CPP.

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    exerccio de um conjunto de direitos e deveres que lhe devem ser sempre assegurados.68 Convm, deste modo, ver quais os direitos do arguido:

    a) Quando detido, ser apresentado ao juiz para primeiro interrogatrio antes de

    decorridas setenta e duas horas a contar da deteno; b) Ser informado, sempre que solicitado a prestar declaraes, dos factos que

    lhe imputam e dos direitos que lhe assistem; c) Decidir livremente prestar ou no declaraes e faz-lo, mesmo a seu pedido,

    em qualquer altura do inqurito ou da audincia de julgamento, salvo o disposto na alnea a) do artigo 61;

    d) Ser assistido por defensor, nos casos em que a lei determine a obrigatoriedade da assistncia ou quando o requeira;

    e) Que o tribunal lhe nomeie defensor, nos casos referidos no artigo 68, se o no tiver constitudo;

    f) Comunicar livremente com o defensor, mesmo que se encontre detido ou preso;

    g) Que seja informada a pessoa de famlia que indicar, quando for detido ou preso;

    h) Oferecer provas e requerer as diligncias que julgue necessrias sua defesa, nos termos da lei;

    i) Recorrer, nos termos da lei, das decises que lhe forem desfavorveis. Mas nem s de direitos beneficia o arguido. Este encontra-se sujeito a deveres consignados na lei processual, pelo que o arguido tem a obrigao que o arguido tem de:69

    a) Sempre que interrogado, fornecer os elementos de identificao solicitados e, fora da audincia de discusso e julgamento, informar acerca dos antecedentes criminais, de forma completa e com verdade;

    b) Quando convocado regularmente, comparecer perante as entidades competentes;

    c) Sujeitar-se s diligncias de prova necessrias ao inqurito e ao julgamento, desde que no proibidas por lei;

    d) Prestar termo de identidade e residncia logo que assuma a qualidade de arguido;

    e) Sujeitar-se a outras medidas de coao e de garantia patrimonial. Importa realar que se o arguido recusar a responder incorre no crime de

    desobedincia70, e se responder mentindo incorre no crime de falsidade de declarao.71

    68 Constantes do art 60 e 61 do CPP. 69 Cf. art 61 do CPP. 70 Cf. art 244 do CPP - Desobedincia 71 Cf. art 278 do CPP Falsidade de depoimento ou declarao.

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    Do defensor J se viu quem arguido e, considerando a sua posio processual, a lei entendeu por bem conceder-lhe os direitos j focados. Um desses direitos, j o vimos, traduz-se na escolha de defensor pelo arguido ou, se este o no fizer, pelas autoridades judiciais. Importa deste modo, analisar a figura do defensor. A existncia de defensor decorre do direito de defesa do arguido consignado constitucionalmente.72 Esta defesa desenvolve-se em dois planos: a defesa material exercida pelo prprio arguido nos atos processuais que este e s este tem e pode realizar e a defesa formal, tambm designada de defesa tcnica realizada pelo defensor e onde a se jogam questes que se prendem com a tcnica e conhecimento jurdicos. Nesta ptica o defensor ser todo aquele indivduo de preferncia advogado ou advogado estagirio, que tem por funo aconselhar o arguido a requerer os atos processuais que entenda essenciais defesa do arguido, realizar as etapas adequadas e velar para que a execuo dos atos processuais se processe de acordo com a lei e os interesses do arguido por ela protegidos. O defensor pode ser escolhido ou constitudo ou nomeado. O defensor constitudo obrigatoriamente um advogado como tal considerado em legislao prpria. O CPP estabelece que o arguido tem o direito deSer assistido por defensor, nos casos em que a lei determine a obrigatoriedade da assistncia ou quando o requeira.73 Por outro lado o referido preceito traduz uma ideia de uma faculdade que o arguido goza. Isto , o arguido no obrigado a constituir advogado, mas se o quiser fazer a lei permite tal constituio em qualquer altura do processo, o que vale dizer em qualquer fase processual. H, porm, situaes em que obrigatria a existncia de defensor e, nestes casos, o arguido dever ser sempre assistido por um, ainda que declare expressamente no desejar defensor. 74 Ora, quando assim suceder, ou o arguido escolhe (constitui) um defensor que o defenda ou, caso isso no suceda, o juiz nomeia-lhe um defensor.75 A nomeao compete autoridade judiciria que presidir respetiva fase processual, na fase de inqurito, ao MP, na audincia de julgamento, pelo juiz.76 O defensor exerce a sua atividade durante o processo77, assistindo tecnicamente o arguido e exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido.78 Havendo vrios arguidos num mesmo processo podem todos eles ser assistidos por um defensor comum, desde que isso no contrarie a funo da defesa, isto , se da defesa de todos eles no resultar incompatibilidade.79 Acontece, porm, que no caso de existirem vrios arguidos num processo, h aqueles que constituem advogado e outros que o no fazem. Nestes casos o tribunal pode nomear, de entre os advogados constitudos, um ou mais que assumam a posio de defensores daqueles que no constituram advogado, se isso tambm no contrariar a funo da defesa. 72 Cf. n 3 do art 30 da CRDTL. 73 Cf. al. d) do art 60 do CPP. 74 Cf. art 68 do CPP. 75 Cf. al. e) do art 60 do CPP. 76 Cf. n 2 do art 66 do CPP. 77 Cf. n 4 do art 66 do CPP. 78 Cf. art 67 do CPP. 79 Cf. n 1 do art 69 do CPP.

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    O defensor pratica, em nome do arguido, os atos processuais necessrios, salvo aqueles que devem ser praticados pessoalmente pelo prprio arguido. Nisto se traduz o preceito referido no n 1 do art. 67 do CPP ao conferir ao defensor o exerccio dos direitos que a lei reconhece ao arguido. E compreende-se que assim seja j que o defensor age em representao do arguido. Sendo o arguido o mandante e o defensor o mandatrio natural que a lei permita que o arguido retire eficcia ao ato realizado em seu nome pelo defensor. Ponto que o faa por declarao expressa e em momento anterior deciso que recair sobre o ato realizado.80 Vimos que o arguido pode constituir como tambm pode dele prescindir. Mas frisou-se que h situaes em que o arguido tem de ser assistido por defensor ainda que o no deseje. Tais situaes so as que traduzem uma obrigatoriedade de assistncia j referidas, que passaremos a analisar. A lei processual penal identifica as situaes em que a assistncia de defensor obrigatria:

    a) No primeiro interrogatrio judicial de arguido detido ou preso; Qualquer pessoa, em determinadas circunstncias que a lei prev, pode ser detida em flagrante delito ou fora de flagrante delito. Quando tal sucede h um prazo de 72 horas para apresentar o detido ao juiz81. Tal apresentao visa submeter o arguido ao primeiro interrogatrio judicial e, porque o arguido se encontra j detido, a lei designa tal ato como primeiro interrogatrio judicial de arguido detido. A CRDTL estatui que cabe ao MP assegurar a defesa dos menores, ausentes e incapazes, defende a legalidade democrtica e promove o cumprimento da lei82. Dando cumprimento a este imperativo, julgamos ainda que dever ser facultada a faculdade de ser assistido por defensor, em qualquer ato processual sempre que o arguido for:

    a) surdo; b) mudo; c) analfabeto; d) desconhecedor das lnguas oficiais em uso no processo; e) possuir menos de 21 anos f) ser inimputvel ou sofrer de imputabilidade diminuda.

    Todas estas situaes traduzem uma outra realidade: a do arguido que se encontra diminudo ou por causas naturais ou porque no possui uma idade superante para se defender sozinho, ou porque, finalmente, no fala nem compreende tetum ou portugus. Do lesado ou da vtima O conceito de vtima tem diferentes sentidos. Pode significar o objeto material da 80 Cf. n 2 do art 67 do CPP. 81 Cf. al. a) do n 1 do art 217 do CPP. 82 Cf. art 132 da CRDTL.

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    ao, ou seja, quem sofre a ao em que consiste o facto criminoso ou o sujeito passivo que titular do interesse jurdico protegido com a incriminao. Por lesado entende-se que a pessoa que sofreu danos. Em processo penal aquele que sofreu danos ocasionados pelo crime. Quanto legitimidade de lesado, consideram-se lesados em processo penal, alm das pessoas a quem leis especiais confiram esse direito:83

    a) os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminao;

    b) aqueles de cuja queixa depender o exerccio da ao penal; c) qualquer pessoa, nos crimes de corrupo, peculato ou abuso de funes

    por autoridade pblica. Em matria penal, o lesado mero auxiliar do MP, a quem subordina toda a atividade processual relativa ao oferecimento de prova e aos pedidos de diligncias pertinentes descoberta da verdade, independentemente da natureza do crime.84 O lesado tem ainda de outros direitos, nomeadamente de ser informado, ainda que editalmente, nomeadamente em relao indemnizao civil por danos emergentes da prtica de um crime. Assim, deve o lesado:85

    a) da possibilidade de deduzir pedido de indemnizao civil em separado, se assim expressamente o declarar;

    b) de, nada dizendo no prazo mximo de oito dias, lhe vir a ser oficiosamente arbitrada indemnizao no processo penal;

    c) de, no processo penal, ser representado pelo MP.

    A forma de dar conhecimento de tais direitos ao lesado processa-se pelo uso do formulrio CAC014 Notificao Art 72.

    O Processo

    O processo traduz-se num conjunto de atos preordenados que tm um objetivo e visam um fim. O objetivo consiste na reconstituio do (s) facto (s) e o fim manifesta-se na aplicao do direito e, por via indireta, na realizao da Justia. Ora, se o objeto do processo consiste na reconstituio do facto, importa saber que facto relevante para o processo. No interessar, como bvio, qualquer facto, mas sim aquele que for juridicamente relevante e que seja ilcito. Havendo, porm, tipos distintos de ilicitudes (ilcito civil, penal, administrativo, fiscal, etc.) notrio que para o processo penal o facto relevante aquele que assume a natureza de ilcito penal; mais particularmente o crime. Assim sendo, chega-se concluso linear que todo o processo penal surge em regra com o aparecimento de um crime. Mas h crimes que se sucedem e que no determinam por si s a criao de um processo, ou porque se no tem conhecimento do mesmo ou porque o crime assume 83 Cf. art 71 do CPP. 84 Cf. art 72 do CPP: 85 Cf. n 2 do art 72 do CPP.

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    uma natureza semipblico, estando o processo dependente da existncia de queixa. Do que se disse, dever-se- reter um aspeto importante do problema: o do conhecimento do crime. A notcia do crime O MP a entidade que dirige o inqurito, sendo esta fase obrigatria nos processos que transitam sob a forma comum. Vale isto para dizer que toda a notcia do crime deve ser comunicada ao MP, at porque este quem detm a legitimidade para promover o processo penal86. A comunicao do crime uma das formas por que o MP toma conhecimento do mesmo. Mas no a nica. Com efeito o MP87, adquire conhecimento do crime por quatro formas:

    a) Por conhecimento prprio de quem deva iniciar a investigao, seja o MP ou a Polcia;

    b) Por meio da participao da ocorrncia efetuada pela polcia ou por outras autoridades;

    c) Por denncia apresentada por qualquer cidado quando se tratar de crime pblico;

    d) Por denncia pelos titulares do direito de queixa nos crimes semipblicos; A denncia A denncia traduz-se na comunicao por algum de algo a algum. um ato que em princpio facultativo, isto , as pessoas no so obrigadas a denunciar um crime, havendo, no entanto, denncia, deve ela ser dirigida ao MP, a uma autoridade judiciria ou a qualquer rgo de polcia criminal. Mas - perguntar-se- - se ao MP que deve ser em princpio dado conhecimento da notcia do crime como se explica que a denncia facultativa possa ter por destinatrio um rgo de polcia criminal? A denncia feita a qualquer entidade diferente do MP88, mas transmitida a este no mais curto prazo. H aqui uma obrigatoriedade de transmisso da notcia do crime que recai sobre qualquer rgo de polcia criminal.89 Mas se a denncia , em regra, facultativa, situaes h que obrigam denncia. Esta deixa de assumir uma natureza facultativa e passa a ser obrigatria. A denncia obrigatria90 para:

    a) as entidades policiais em relao a todos os crimes (pblicos) que conheam; b) os funcionrios, agentes do Estado e gestores pblicos em relao aos crimes

    de que tomem conhecimento no exerccio das suas funes e por causa delas. A denncia assume uma forma livre, isto , a pessoa que a ele procede e pode

    86 Cf. arts 48 e 49 do CPP. 87 Cf. art 210 do CPP. 88 Cf. art 213 do CPP: 89 Cf. n 1 do art 213 do CPP. 90 Cf. art 211 do CPP.

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    faze-la por escrito ou verbalmente; se a denncia for verbal dever a mesma ser reduzida a escrito pela entidade que a receber, a qual a assinar bem como o denunciante.91 Os elementos contidos na denncia sero os mesmos, sempre que possvel, dos havidos para o Auto de Participao. Todas as denncias sero objeto de registo por ordem do MP dando-se assim, formalmente incio ao processo. Auto de Participao Pode-se dizer que o Auto de Participao tambm uma denncia, embora assuma a natureza de uma denncia qualificada. Tal qualificao advm do facto de dizer respeito a:

    a) um crime de denncia obrigatria que presenciado - (estamos aqui no

    domnio do flagrante delito que ser posteriormente estudado); b) por uma autoridade judiciria, rgo de polcia criminal ou outra entidade

    policial.

    O formalismo do Auto de Participao toma a denominao de Auto de Notcia em Flagrante quando o participante tiver presenciado a prtica do crime.92 Relativamente legitimidade para promoo do processo penal, o CPP fala na necessidade de o lesado ou de outras pessoas terem de exercer o direito de queixa.93 Da por vezes se falar em Auto de Queixa e Auto de Denncia, conforme a qualidade da pessoa que o concretiza. Das medidas cautelares e de polcia O processo comea com o conhecimento do crime materializado, geralmente, numa denncia ou auto de participao e formalmente existe aps o seu registo. No mbito de um processo so vrias as diligncias que se realizam, materializadas nos vrios atos processuais. Muitas das diligncias que se realizam so ainda anteriores existncia formal do processo; outras so realizadas sem que sejam ordenadas pela autoridade judiciria. Tais atitudes desenvolvem-se no mbito das medidas cautelares e de polcia. Podemos definir as medidas cautelares como aquele conjunto de atos praticados pelos rgos de polcia criminal no sentido de preservar os meios de prova, quando assim o imponham razes de urgncia onde a demora s traria efeitos nocivos. As medidas de polcia so aquele conjunto de atos desenvolvidos de forma rpida e urgente e que assumem uma natureza eminentemente executria de cariz preventivo ou repressivo. H, com efeito, duas situaes que importa distinguir:

    a) ou o processo ainda no existe e h necessidade de realizar urgentemente atos que acautelem os meios de prova;

    91 Cf. n 2 do art 213 do CPP. 92 Cf. al. a) a f) do n 1 e 2 do art 212 do CPP. 93 Cf. n 2 do art 249 do CPP.

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    b) ou o processo existe mas, num dado momento, h-que agir rapidamente para a obteno de resultados positivos, sem que o MP tenha previamente dado qualquer ordem.

    Ora, quer num quer noutro caso, os atos realizados so-no no mbito das medidas cautelares e de polcia. Exemplo: Suponha que hoje, na Av. de Portugal, o Sr. Abel foi morto com um tiro de pistola, no meio da rua. Perante tal situao a Unidade Forense do Servio de Investigao Criminal deve realizar um conjunto de atos que se enquadram no mbito da inspeo judiciria no sentido de preservar eventuais vestgios e recolher e manter as provas encontradas. Neste caso deparamo-nos com um crime, com a inexistncia formal de processo mas onde h necessidade de atuar. Exemplo: Suponha que o Sr. Abel foi morto na Av. Portugal h trs meses com um tiro de pistola. Neste caso pode-se dizer que o processo j existir. Suponha ainda que foram realizados vrias diligncias que apontam para um suspeito - o Sr. Bento. Suponha finalmente que se sabe, atravs de uma informao, que o Sr. Bento se encontrava armado num bar. Pe-se aqui o problema de se atuar rapidamente a fim de evitar a fuga deste e de se conseguir obter a arma do crime. No havendo ordens do MP nem por isso o rgo de polcia criminal deve aguardar pela mesma. Deve, ao contrrio, atuar de imediato a fim de:

    a) deter eventualmente (caso haja fortes indcios e se encontrem comprovados

    os restantes pressupostos) o Sr. Bento e, b) passar busca no bar com vista localizao da arma e consequente apreenso

    e exame mesma. Por tudo isto o CPP adotou o critrio de consagrar legalmente um conjunto de mecanismos que possibilitam esse tipo de atuao. Alis, adivinha-se o conceito de medidas cautelares e de polcia quando o CPP estatui que Compete aos agentes da polcia, mesmo por iniciativa prpria, impedir a prtica dos crimes, colher notcia dos mesmos, descobrir os seus agentes e praticar os atos cautelares necessrios e urgentes para assegurar os meios de prova.94 As medidas cautelares e de polcia visam possibilitar a realizao de diligncias em matria de:

    a) revistas e buscas; b) apreenso de correspondncia; c) identificao de pessoas e, d) outras de natureza variada.

    94 Cf. n 1 do art 52 do CPP.

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    Revistas e buscas O artigo 56 do CPP constitui um regime excecional regra geral fixada nos artigos 168 e 170 do mesmo diploma naquilo que interessa aos pressupostos legais que devero previamente existir para que haja lugar a uma revista ou busca. Importa, aqui e agora, saber que as revistas e buscas, desenvolvidas no mbito das medidas cautelares e de polcia, no carecem de prvia autorizao da autoridade judiciria desde que pr-existam certas situaes objetivamente consideradas. E que situaes so essas? No que concerne s buscas, revistas ou apreenses estas podero ser realizadas pelos rgos de polcia criminal95, desde que:

    a) Em caso de flagrante delito por crime a que corresponda pena de priso;

    b) Quando haja forte suspeita de que objetos relacionados com um crime esto escondidos e a demora na obteno da autorizao poder conduzir sua alterao, remoo ou destruio ou colocar em causa a segurana de pessoas ou bens.

    O CPP tambm referir que Em caso de urgncia ou perigo na demora, os rgos de polcia podem efetuar revistas sem prvia autorizao da entidade judiciria, sem prejuzo de deverem dar imediata notcia aquela autoridade.96 Finalmente importa referir que as revistas e ou buscas realizadas nos termos do art. 56 do CPP sero comunicadas imediatamente ao MP, devendo a autoridade judiciria competente apreciar a validade do ato.97 Uma pequena anotao impe-se que revestir a natureza de um alerta: nunca h lugar a buscas domicilirias no mbito do art. 53 do CPP. Apreenso da correspondncia A apreenso traduz-se na afetao de algo a um processo por um determinado perodo de tempo. O CPP no faz meno relativamente a qualquer procedimento especfico a adotar quanto apreenso de correspondncia. Contudo, a CRDTL refere que O domiclio, a correspondncia e quaisquer meios de comunicao privados so inviolveis, salvo nos casos previstos na lei em matria de processo penal.98Assim, em face de tal preceito, h-que reter os seguintes procedimentos:

    a) a correspondncia apreendida deve ser remetida, de forma intacta, ao juiz: que tiver ordenado ou autorizado a apreenso;

    b) sempre que a correspondncia consista em encomendas ou valores fechados, que possam ser apreendidos, e havendo srias razes de que as mesmas contenham informaes teis investigao, que se podero perder em caso

    95 Cf. art 56 do CPP. 96 Cf. n 6 do art 169 do CPP. 97 Cf. n 2 do art 56 do CPP. 98 Cf. art 37 da CRDTL.

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    de demora, os rgos de polcia criminal podem delas tomar conhecimento se:

    x houver prvia informao do facto ao juz pelo meio mais rpido ao

    alcance; x o juiz tiver ordenado a abertura imediata da mesma.

    Situao diferente a da suspenso da remessa de qualquer correspondncia. O que aqui se pretende j no a tomada, rpida e imediata, do conhecimento da correspondncia, mas sim evitar que a mesma chegue ao seu destino visando-se com tal procedimento uma subsequente apreenso e ulterior conhecimento do contedo da mesma. Nestes casos, os rgos de polcia criminal, podem ordenar, em qualquer estao de correios e telecomunicaes, a suspenso da remessa da correspondncia ao destinatrio desde que haja motivos srios de que a mesma contm elementos que interessam ao crime e a demora seja prejudicial. Esta ordem dos rgos de polcia criminal carece, no entanto, de ser convalidada pela autoridade judiciria competente. A identificao de pessoas A identificao das pessoas uma atividade policial por excelncia e ela feita com determinados objetivos: verificar se uma dada pessoa quem diz ser ou conhecer a identidade das pessoas visando outros objetivos legais. Ou seja, a identificao das pessoas uma atividade que se circunscreve basicamente na funo preventiva da polcia; h no entanto identificaes que se desenvolvem no mbito da atividade de investigao criminal. Para melhor esclarecimento apontaremos exemplos que melhor ilustraro o que se diz. Ocorrido um crime, inicia-se a investigao consubstanciada num processo. Com o desenrolar das diligncias apura-se, por exemplo, que o autor ser um tal Abel, sem paradeiro certo, de que se possui apenas uma fotografia antiga. Ora, neste caso, a polcia desenvolver a sua atuao tentando, atravs de rusgas, localizar esse tal Abel. Podemos dizer que a atividade aqui desenvolvida decorre no mbito de mera investigao criminal, procurando-se uma nica e determinada pessoa. J a atividade preventiva geral visa uma outra finalidade; suponha-se, por exemplo, que se sabe, atravs de dados estatsticos apurados, que o Parque do Aeroporto Nicolau Lobato, em Dili, tem sido a rea mais afetada no que respeita ao furto no interior de veculos. A atividade preventiva da polcia a desenvolver, traduzir-se- na realizao de rusga