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167 REM: R. Esc. Minas, Ouro Preto, 62(2): 167-173, abr. jun. 2009 Jefferson Fabrício Cardoso Lins et al. Abstract The present work reports the results of microstructural characterization performed in adiabatic shear bands forced in titanium-stabilized IF steel to evaluate damage formation and growth. Dynamic compression tests were done at -196°C under large strain rates (> 5.0×10 4 s -1 ) with the aid of a Split Hopkinson Bar. Scanning electron microscopy (SEM) was employed to investigate the shear regions and the fracture surfaces in detail. The dynamic recrystallization within ASB was the precursor event and provided a path for crack propagation. It can be concluded that the failure of the material was the result of the cleavage process driven by the presence of deformation twins and slip bands. Keywords: IF Steel, dynamic compression, adiabatic shear bands, dynamic recrystallization, deformation twins, fracture. Metalurgia & Materiais Aspectos microestruturais da falha de um aço IF deformado via compressão dinâmica a -196°C (Microstructural aspects of failure of an IF steel deformed by dynamic compression at -196°C) Jefferson Fabrício Cardoso Lins Professor Adjunto, Departamento de Engenharia Metalúrgica e Materiais, EEIMVR/UFF, Volta Redonda - RJ E-mail: [email protected] Hugo Ricardo Zschommler Sandim Professor Doutor, Departamento de Engenharia de Materiais, EEL/USP, Lorena - SP. E-mail: [email protected] Kenneth S. Vecchio Professor, Department of NanoEngineering, University of California, San Diego - UCSD 9500 Gilman Drive, San Diego, CA 92121-0448, La Jolla, USA. E-mail: [email protected] Resumo O presente trabalho reporta os resultados da carac- terização microestrutural realizada em bandas de cisalha- mento adiabáticas induzidas num aço IF estabilizado ao titânio, visando a avaliar a formação e o crescimento de danos. O material foi deformado via compressão dinâmi- ca sob altas taxas de deformação (> 5,0×10 4 s -1 ) numa barra de impacto de Hopkinson a -196ºC. A observação detalhada das regiões de cisalhamento e das superfícies de fratura foi realizada via microscopia eletrônica de var- redura (MEV). A recristalização dinâmica no interior das bandas de cisalhamento adiabáticas foi o evento precur- sor, que permitiu um caminho para a propagação das fis- suras. Pode-se concluir que a fratura do material foi o resultado de um processo de clivagem dirigido por ma- clas de deformação e bandas de deslizamento. Palavras-chave: Aço IF, compressão dinâmica, bandas de cisalhamento adiabáticas, recristalização dinâmica, maclas de deformação, fratura.

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Page 1: Aspectos microestruturais da falha de um aço IF deformado ... · Os primeiros estudos sobre o com-portamento mecânico dos metais sob condições de carregamento de natureza dinâmica

167REM: R. Esc. Minas, Ouro Preto, 62(2): 167-173, abr. jun. 2009

Jefferson Fabrício Cardoso Lins et al.

AbstractThe present work reports the results of

microstructural characterization performed in

adiabatic shear bands forced in titanium-stabilized IF

steel to evaluate damage formation and growth. Dynamic

compression tests were done at -196°C under large

strain rates (> 5.0×104 s-1) with the aid of a Split

Hopkinson Bar. Scanning electron microscopy (SEM)

was employed to investigate the shear regions and the

fracture surfaces in detail. The dynamic recrystallization

within ASB was the precursor event and provided a

path for crack propagation. It can be concluded that

the failure of the material was the result of the cleavage

process driven by the presence of deformation twins and

slip bands.

Keywords: IF Steel, dynamic compression, adiabatic

shear bands, dynamic recrystallization, deformation

twins, fracture.

Metalurgia & Materiais

Aspectos microestruturais da falha de um aço IFdeformado via compressão dinâmica a -196°C

(Microstructural aspects of failure of an IF steel deformed bydynamic compression at -196°C)

Jefferson Fabrício Cardoso Lins

Professor Adjunto, Departamento de Engenharia Metalúrgica e Materiais, EEIMVR/UFF, Volta Redonda - RJE-mail: [email protected]

Hugo Ricardo Zschommler Sandim

Professor Doutor, Departamento de Engenharia de Materiais, EEL/USP, Lorena - SP. E-mail: [email protected]

Kenneth S. Vecchio

Professor, Department of NanoEngineering, University of California, San Diego - UCSD9500 Gilman Drive, San Diego, CA 92121-0448, La Jolla, USA. E-mail: [email protected]

ResumoO presente trabalho reporta os resultados da carac-

terização microestrutural realizada em bandas de cisalha-mento adiabáticas induzidas num aço IF estabilizado aotitânio, visando a avaliar a formação e o crescimento dedanos. O material foi deformado via compressão dinâmi-ca sob altas taxas de deformação (> 5,0×104 s-1) numabarra de impacto de Hopkinson a -196ºC. A observaçãodetalhada das regiões de cisalhamento e das superfíciesde fratura foi realizada via microscopia eletrônica de var-redura (MEV). A recristalização dinâmica no interior dasbandas de cisalhamento adiabáticas foi o evento precur-sor, que permitiu um caminho para a propagação das fis-suras. Pode-se concluir que a fratura do material foi oresultado de um processo de clivagem dirigido por ma-clas de deformação e bandas de deslizamento.

Palavras-chave: Aço IF, compressão dinâmica, bandasde cisalhamento adiabáticas, recristalização dinâmica,maclas de deformação, fratura.

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Aspectos microestruturais da falha de um aço IF deformado via compressão dinâmica a -196°C

1. IntroduçãoOs primeiros estudos sobre o com-

portamento mecânico dos metais sobcondições de carregamento de naturezadinâmica foram conduzidos por John

Hopkinson, no ano de 1872, com o intui-to de se medir a resistência dinâmica defios metálicos. Nos dias atuais, esse tó-pico tem sido investigado pelo setor in-dustrial, visando, principalmente, a apli-cações militares e, também, ao controlede qualidade de materiais para aplicaçõesautomotivas e aeronáuticas. O potencialtecnológico envolvido nesse tema seconcentra, basicamente, no estudo dediversas operações especiais, tais comoensaios balísticos, soldagem de peçasou chapas por explosão, deformação emtemperaturas criogênicas e a conforma-ção mecânica de alta velocidade (Rogers,1979).

Os metais dúcteis, quando são sub-metidos a processos de deformação plás-tica severa, podem sofrer fratura repen-tina, sendo que tal fato ocorre quandoduas ou mais partes de um corpo ficamsob a ação direta de tensões monotôni-cas ou cíclicas. O processo é governadopela acumulação e propagação de da-nos e se caracteriza por apresentar umaforte dependência, tanto do modo e dataxa de deformação aplicada, quanto damicroestrutura (tamanho de grão, densi-dade de discordâncias, estrutura doscontornos / subcontornos e das fases epartículas presentes) do material.

A formação e a evolução microes-trutural associada às bandas de cisalha-mento adiabáticas exercem um importantepapel durante o processo de falha demetais dúcteis sob condições dinâmicasde carregamento. As heterogeneidadesde deformação aparecem como o resul-tado da ação de um estado de elevadastensões heterogêneas em decorrência deuma instabilidade durante o processo dedeformação plástica. De uma forma ge-ral, essas bandas são geradas, principal-mente, pelo escorregamento em regiõesde máxima tensão macroscópica de cisa-lhamento e em planos em que a deforma-ção ocorre mais facilmente. Por defini-ção, as bandas de cisalhamento adiabá-ticas são produtos de um processo

bastante intenso e localizado de defor-mação plástica em tempos muito curtos(Timothy, 1987). Nesse tipo de proces-so, não há tempo suficiente para a dissi-pação do calor para as vizinhanças daregião cisalhada, ocasionando, portan-to, uma elevação de temperatura nesseslocais. Essa elevação da temperaturapode disparar processos de recristaliza-ção e/ou recuperação dinâmica, amorfi-zação e transformação de fases. A litera-tura reporta a ocorrência desses fenô-menos no cobre, ferro, metais refratári-os, ligas de alumínio, cerâmicas e em al-guns tipos de aços (Timothy, 1987). Nes-se contexto, tais bandas são locais pre-ferenciais para a nucleação, crescimentoe coalescimento de danos, que, por con-seqüencia, podem causar a falha catas-trófica de um metal dúctil, sem que ocor-ra um considerável processo de defor-mação plástica associado.

Nesse trabalho, foram avaliados aformação e o papel dos danos no proces-so de fratura de um aço IF (Interstitial

Free) deformado via compressão dinâ-mica sob condições controladas a -196ºC.Os testes foram realizados sob altas ta-xas de deformação (> 5.104 s-1) em cor-pos-de-prova especiais com formato dechapéu para induzir a formação de ban-das de cisalhamento adiabáticas. A mi-croestrutura e a superfície de fratura dasamostras, após os ensaios, foram obser-vadas com o auxílio da técnica de mi-croscopia eletrônica de varredura(MEV).

2. Materiais e métodos2.1 Material

O aço IF estabilizado ao titânio foifornecido na forma de chapa pela Com-panhia Siderúrgica Nacional (CSN) epossuía uma largura de 250 mm, compri-mento de 300 mm e espessura de 38 mm.A composição química em % em pesodesse aço consiste em 0,003C, 0,19Mn,0,027P, 0,005S, 0,011Si, 0,0025N, 0,005O,0,049Al, 0,001Nb, 0,003V, 0,069Ti. O his-tórico detalhado do processamento in-dustrial do material, juntamente com osresultados da caracterização microestru-

tural e da textura cristalográfica, foi re-portado anteriormente por Lins, Sandime Kestenbach (Lins, 2007).

2.2 Métodos

As amostras de aço IF foramsubmetidas a altas taxas de deformação(> 5,0.104 s-1) via compressão dinâmica a-196ºC. Os corpos-de-prova possuíamformato de “chapéu” e simetria cilíndri-ca (Figura 1a). Essa geometria especialpermitiu induzir a formação de bandasde cisalhamento adiabáticas durante oprocesso de deformação numa região es-pecífica do espécime. Para a confecçãodos cilindros, a seção transversal da pla-ca de aço IF foi submetida a um proces-so de usinagem mecânica nas mesmasdimensões que aparecem indicadas naFigura 1a. Os espécimes foram mantidosimersos em nitrogênio líquido até que seatingisse a temperatura do teste. Parafins práticos, considera-se desprezível oaquecimento da amostra após a sua in-serção na barra de impacto. A Figura 1bmostra um desenho esquemático do ar-ranjo experimental utilizado no ensaio.Antes de cada teste, era colocado juntoao corpo-de-prova um anel limitador (AL)de aço AISI 4340, cuja espessura varioude 3,0 a 6,5 mm. Esse anel determinou adeformação cisalhante (γ), que foi intro-duzida no material. A Figura 1b mostra,de forma esquemática, a região do cor-po-de-prova em que ocorre a concentra-ção da deformação aplicada. A deforma-ção cisalhante foi calculada, de formaaproximada, a partir da razão entre o des-locamento (δ) da parte superior e inferiordo corpo-de-prova e a espessura da re-gião central da banda de cisalhamentoadiabática (ξ) formada. A espessura foimedida com o auxílio da técnica de mi-croscopia ótica (MO) de campo escuro econfirmada via MEV. A Tabela 1 mostra anomenclatura de cada conjunto de amos-tras em função da espessura do anel li-mitador (AL), a duração de cada teste (t)e a respectiva taxa de deformação cisa-

lhante (•

γ ).

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3. Resultados ediscussão

A Tabela 2 mostra os resultados dodeslocamento dos corpos-de-prova tes-tados e da espessura de cada banda decisalhamento induzida. Vale ressaltar quea medida da largura da banda (ξ) foi rea-lizada na posição correspondente à me-tade do seu comprimento. Adotou-se,como comprimento médio das bandas, aárea útil entre as fissuras que foram ob-servadas em todas as amostras testadas.A largura da banda de cisalhamento nãodeve ser considerada constante em todaa sua extensão, conforme mostra, emdetalhes, a Figura 2. Assim sendo, estemétodo de determinação da largura nãopode ser considerado muito rigoroso, emrazão de existir uma alta deformação lo-calizada, tanto na parte superior, quantoinferior da amostra (Chen, 1999). No en-tanto, a razão entre o deslocamento (δ) ea largura da banda (ξ) descreve bem oestado de tensões de cisalhamento purona região cisalhada (Andrade, 1994).

Os resultados indicaram que, como decréscimo da espessura do anel limi-tador, uma maior deformação cisalhantefoi introduzida nas amostras. Além dis-so, deve-se ressaltar que a elevada de-formação aplicada levou o material afraturar parcialmente (amostra A-4) ou

Figura 1 - Desenho esquemático do: a) corpo-de-prova cilíndrico do tipo chapéu referente a um corte da seção transversal

(dimensões em milímetros); b) sistema simplificado de compressão dinâmica numa barra de impacto Hopkinson mostrando as bandas

de cisalhamento formadas no corpo-de-prova durante o impacto.

Tabela 1 - Nomenclatura dos corpos-de-prova de aço IF e os respectivos parâmetros

do ensaio de compressão dinâmica.

Tabela 2 - Resultados do deslocamento (δ) e da largura da banda de cisalhamento (ξ)

induzida nas amostras de aço IF estabilizado ao titânio pelo ensaio de compressão

dinâmica e também do cálculo da deformação cisalhante (γ).

* Amostra fraturada parcialmente; Amostra fraturada.

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totalmente (amostra A-5). Além disso,notou-se que a largura média das ban-das (ξ) diminuía, enquanto que a defor-mação cisalhante (γ) introduzida aumen-tava. Esse resultado encontrado diferebastante dos apresentados para as amos-tras similares de tântalo com formato dechapéu que foram testadas a 25ºC sob umataxa de deformação da ordem de 3.103 s-1

(Pérez-Prado, 2001). No caso do tântalo,foi observado que ξ aumentava com oaumento de γ. Contudo nenhuma infor-mação a respeito da textura inicial domaterial e do seu tamanho de grão foireportada. Vale ressaltar que a rota in-dustrial de fabricação desse material levaà formação de uma textura de recristali-zação do tipo {111}<112> após a etapade recozimento (Raabe, 1992). Esses pa-râmetros microestruturais são conside-rados relevantes na extensão da locali-zação de deformação num sólido. Alémde as taxas de deformação (> 5,0.104 s-1)aplicadas nos testes conduzidos a-196°C serem consideravelmente maio-res, pode-se sugerir que o comportamen-to diferenciado do aço IF também podeser devido à ausência de uma forte tex-tura inicial no material de partida, a umadistribuição de tamanho de grão relati-vamente grosseira (55 ± 6µm) e, princi-palmente, a menor energia de defeitode empilhamento (EDE) do material(~320 mJ/m²) em comparação à exibidapelo tântalo (~1460 mJ/m²). Por essas ca-racterísticas, espera-se que a extensãoda recuperação microestrutural do açoIF seja relativamente menor e que, porconseqüência, a localização de deforma-ção seja bastante facilitada em compara-ção ao tântalo. De uma forma geral, fo-ram induzidas bandas de cisalhamentono material levando à formação de umaserie de danos, principalmente fissurasna parte superior e inferior das regiõescisalhadas.

A subestrutura encontrada no in-terior dessas bandas é formada por umafina estrutura lamelar com espessura va-riando entre 0,15-0,40 µm. Sabe-se quealguns desses contornos lamelares pos-suem caráter de alto ângulo, podendochegar a diferenças de orientação (Ψ)da ordem de 60º em metais de elevada

EDE (Hughes, 1997). Por outro lado, alémdas lamelas, também foi observado umoutro tipo de estrutura em todas as amos-tras analisadas. A Figura 3 apresenta umexemplo desse tipo de estrutura convi-vendo com as lamelas. Em virtude docontraste cristalográfico utilizado naobtenção dessa micrografia via MEV,pode-se afirmar que novos grãos commicroestrutura ultrafina (~0,3µm) foramformados em toda a extensão da banda.Lins et al. (2007) apresentaram um estu-do detalhado da caracterização microes-trutural e da textura cristalográfica des-sas bandas induzidas nesse mesmo açoIF. Foi, também, reportada a existênciade novos grãos no interior de bandas decisalhamento induzidas em testes con-duzidos a -50°C e 25°C com taxas de de-formação superiores a 2,8.104 s-1 causan-do uma elevação local da temperatura.Essa elevação permitiu a ativação de ummecanismo de recristalização dinâmicadenominado "Progressive Subgrain

Misorientation recrystallization" (Hines,1998) no interior dessas bandas. Assimsendo, pode-se concluir que, no caso doaço IF, a formação de grãos ultrafinos

nessas bandas independe da tempera-tura do ensaio.

Nas Figuras 2 e 4, nota-se, clara-mente, uma elevada concentração de da-nos como fissuras e cavidades nessasregiões de cisalhamento. Sabe-se que taisregiões podem ser consideradas comolocais bastante prováveis de nucleaçãodas trincas, que, por conseqüencia, le-vou à formação das fissuras observadasno material. Esses danos foram observa-dos, em maior ou menor extensão, emtodas as amostras, dependendo da taxade deformação aplicada e, por conse-qüencia, da elevada concentração detensões decorrentes da formação e pas-sagem da banda de cisalhamento. Alémdisso, a presença de vazios quase esfé-ricos, de microtrincas e de fissuras nointerior das bandas sugere, fortemente,que o processo de fratura se iniciou nes-sas regiões recristalizadas no interior dasbandas de cisalhamento. A Figura 4 mos-tra fortes evidências microestruturaisdessa afirmação, pois se observam, cla-ramente, várias fissuras no interior dabanda de cisalhamento. Sabe-se que es-

Figura 2 - Micrografia da amostra A-4 mostrando a região que foi medida para se

determinar a espessura da banda de cisalhamento (ξ) formada. DC representa a direção

de cisalhamento. MO - campo escuro. Notar que a seta branca indica uma cavidade

quase esférica no interior da banda.

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sas regiões se caracterizam por serembastante macias em relação à subestru-tura encontrada nas vizinhanças e que,também, desenvolveram uma textura derecristalização (Lins, 2007). Assim sen-do, pode-se sugerir que essas caracte-rísticas contribuíram, decisivamente, paraas falhas (fissuras) e os danos (cavida-des) observados nas regiões de cisalha-mento. Além desses detalhes, tambémse nota uma elevada fração de maclas dedeformação com morfologia lenticularnas regiões vizinhas à banda de cisalha-mento adiabática. As maclas de defor-mação constituem um tipo de defeito cris-talino bidimensional e, também, podemsurgir a partir da ação de tensões cisa-lhantes sob altas taxas de deformação.Esse mecanismo alternativo de deforma-ção plástica ocorre em situações em queo escorregamento dos planos atômicosé mais difícil de ser ativado. De uma for-ma geral, sua ocorrência é mais comumem materiais que apresentam poucos sis-temas de escorregamento, alta simetriada estrutura cristalina ou durante a de-formação plástica em baixas temperatu-ras e/ou em altas taxas de deformação.Em condições normais, as referidas ma-clas são formadas, principalmente, em me-tais com estrutura hexagonal compacta(HC), em metais e ligas com estruturacúbica de faces centradas (CFC) e debaixa EDE e, mais raramente, em metaiscúbicos de corpo centrado (CCC). O pro-cesso de deformação via escorregamen-to tem sido observado por vários auto-res somente como um evento indepen-dente e solitário. Já a maclação é sempreacompanhada ou precedida por micro-deslizamento mesmo que esse escorre-gamento seja difícil de ser detectado(Christian, 1995). Nesse contexto, váriosmodelos foram propostos, visando aentender a formação de maclas de defor-mação em metais CCC a partir do desliza-mento de discordâncias. De acordo comalguns modelos disponíveis na literatu-ra, as reações de dissociação de discor-dâncias governam o processo de nu-cleação de maclas (Christian, 1995, Sle-eswyk, 1962). Lins et al. (2007) tambémreportaram, em detalhes, a avaliação mi-croestrutural e da textura cristalográficade maclas de deformação formadas nes-se mesmo aço IF investigado.

As fractografias das amostra A-4são mostradas na Figuras 5. A vista ge-ral da superfície de fratura da amostra(Figuras 5a) apresentou um aspecto bas-tante brilhante e facetado. Essas carac-terísticas indicam que o material sofreu

Figura 3 - Micrografia mostrando o interior da banda de cisalhamento adiabática induzida

no corpo-de-prova A-2. Notar que, no lado esquerdo da micrografia, podem ser

observados contornos lamelares que convivem com uma estrutura de grãos ultrafinos

(< 0,4µm). MEV, imagem no modo de elétrons retroespalhados, 20 kV.

Figura 4 - Micrografia da banda de cisalhamento adiabática induzida no corpo-de-

prova A-3. MEV, imagem no modo de elétrons retroespalhados, 20 kV. Notar que, as

regiões marcadas nos retângulos brancos, indicam fissuras e cavidades no interior da

banda.

uma fratura tipicamente frágil. Analisan-do-se as fractografias, percebe-se que afratura ocorreu via um processo de cli-vagem. A literatura reporta que o pro-cesso de clivagem em aços ferríticos apre-senta seu início nas partículas de segun-

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da fase durante a deformação. Essas par-tículas sofrem fratura durante o proces-so em função da ação dos campos elás-ticos de tensão associados às discor-dâncias empilhadas nos seus limites. Istoocorre em função do elevado campo detensões das discordâncias empilhadasao redor dessas partículas durante a de-formação plástica. Esses locais atuamcomo concentradores de tensões. Biggse Pratt (1958) observaram que a fraturapor clivagem, em um monocristal de fer-ro submetido a um ensaio de tração uni-axial a -183ºC, também poderia se iniciara partir de discordâncias empilhadas emcontornos de macla e/ou bandas de des-lizamento. Assim sendo, a taxa e o modode deformação nos aços ferríticos sãodeterminantes para o tipo de fratura queo material pode apresentar em função domecanismo de deformação plástica ati-vado. Nas superfícies de fratura dos cor-pos-de-prova, observou-se a nítida pre-sença de bandas de deslizamento e, prin-cipalmente, foi observada a presença devárias maclas de deformação. Outro de-talhe importante é a mudança do planode clivagem em várias regiões (marca-das em retângulos pretos) de cada su-perfície analisada. Nesses locais, não sepercebe a presença de qualquer partícu-la de segunda fase. Vale ressaltar queessa afirmação é válida somente dentrodos limites de resolução da técnica deMEV, quando associada à espectrosco-pia de energia dispersiva (da língua in-glesa, energy dispersive spectroscopy -EDS). Além disso, a caracterização mi-croestrutural do material de partida tam-bém havia indicado uma pequena fraçãode partículas no aço IF de acordo comLins, Sandim e Kestenbach (2007). Resul-tados similares foram apresentados paraum aço ferrítico de baixo carbono(0,03%C em peso) testado por meio dotradicional ensaio de impacto Charpy a-196ºC (Šmida, 2000). Diante das obser-vações da literatura mencionadas ante-riormente, pode-se sugerir que o pro-cesso de clivagem nas amostras defor-madas por compressão dinâmica a -196ºCfoi iniciado, basicamente, pelas maclasde deformação em associação com a ge-ração de bandas de deslizamento.

Figura 5 - Fractografia de uma parte do corpo-de-prova A-4 referente a: a) vista geral;

b) e c) detalhe de a. DC refere-se à direção de cisalhamento. MEV - imagem no modo

de elétrons secundários, 20 kV. Os retângulos pretos indicam áreas em que ocorreu

uma mudança do plano de clivagem.

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4. Conclusões1) A morfologia das regiões cisalhadas

de todas as amostras indica a ocor-rência de fratura do tipo frágil nomaterial nas condições de deforma-ção plástica severa via compressãodinâmica.

2) Os danos, na microestrutura, seiniciaram, preferencialmente, nas re-giões que sofreram recristalizaçãodinâmica no interor das bandas decisalhamento e se propagaram emdireção às extremidades do corpo-de-prova."

3) O processo de recristalização dispa-rado no interior das bandas de cisa-lhamento adiabáticas foi o eventoprecursor, que permitiu um caminhopara a propagação das fissuras ob-servadas nas regiões cisalhadas.

4) A fratura do material foi provocadapor um processo de clivagem dirigi-do por maclas de deformação e, tam-bém, pelas bandas de deslizamentoque foram observadas em toda a ex-tensão do material.

5. AgradecimentosÀ FAPESP pelo apoio finaceiro e à

Companhia Siderúrgica Nacional (CSN)pela placa de aço IF-Ti para esse estudo.

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Artigo recebido em 13/02/2008 e aprovado em 24/03/2009.

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