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  • 8/9/2019 As Rivais

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    As Rivais

    Por Bispo Ildo Mello

    O Livro de Gnesis mostra a vida como ela e no maquia a face de seus personagens. Os prpriospatriarcas do povo hebreu so descritos como seres humanos normais sujeitos a muitos erros.

    Conflitos familiares so expostos com riqueza de detalhes, tais como os que envolveram Caim e

    Abel, Abrao e L, Sara e Hagar, Esa e Jac, Jos e seus irmos. Veremos a seguir um embate

    muito interessante que aconteceu entre duas irms, Lia e Raquel, que, por uma srie de

    circunstncias, acabaram se tornando esposas de Jac e passaram a disputar pelo corao de seu

    amado.

    Examinando os captulos 29 e 30 de Gnesis, vemos o seguinte contraste entre estas duas irms o

    que ajuda a entender os motivos de tanta rivalidade: Lia era mais velha que Raquel (29.16); Lia era

    feia (29.17) enquanto a Raquel era linda (29.17); De Lia, no ouvimos que ela tivesse ocupao,

    quanto a Raquel dito que era pastora (29.9); Lia no recebe a mesma distino que Raquel, quepossua notoriedade na sociedade (29.6); O texto revela poucos detalhes de Lia (29.16,17),

    enquanto Raquel descrita com riqueza de detalhes (29.9- 10; 30.16-18); Para piorar a situao,

    dito que Jac amava a Raquel e que desprezava a Lia (29.18-31), de modo que ele no trabalhou

    nem uma hora por Lia, mas foi capaz de trabalhar 14 anos para conquistar o direito de se casar com

    Raquel (29.30). Por fim, observamos que nenhum dilogo travado entre Jac e Lia; Lia

    totalmente ignorada; nenhuma emoo externada a ela, nenhum olhar descrito, em

    contrapartida, Jac expressa muito carinho e d muita ateno a Raquel, pois dito que ele a viu, a

    ajudou, a beijou, chorou em sua presena, falou-lhe e a amou (29.10).

    Em meio aos altos e baixos desta disputa, interessante observarmos o uso que as duas irms fazem

    dos termos hebraicos Elohim e Adonai. Embora ambos sejam apropriados para se referir a Deus,

    nota-se uma curiosa peculiaridade do uso destes termos no livro de Gnesis, a comear pelo

    captulo 1, que usa Elohim, que significa Deus, para descrev-lo como criador do Universo,

    enquanto o capitulo dois usa o termo Adonai para falar especificamente da criao do ser humano,

    dando a entender uma noo de maior intimidade e proximidade. Estaria o autor se valendo destes

    termos para ressaltar os aspectos divinos de transcendncia e imanncia? Bem, parece que sim, pois

    o uso destes termos nos relatos do confronto das irms Lia e Raquel no nem um pouco aleatrio

    como veremos a seguir.

    No incio do conflito, vemos Lia muito abatida e humilhada por ter sido desprezada por Jac.

    Quebrantada, Lia busca a proximidade e o auxlio do Senhor, que vem ao seu encontro parasocorr-la. Repare que Adonai o termo usado (29.31-35). Enquanto isto, Raquel est muito segura

    de si, de suas habilidades e vantagens naturais. Sentindo-se auto-suficiente, no demonstra carecer

    tanto assim do auxlio e da presena de Deus. Tal noo de distncia expressa no uso do termo

    Elohim (30.6).

    Mas, a situao vai se inverter. Raquel, quando se v em apuros por ser estril, no busca a ajuda de

    Deus, pois ela prefere confiar em seus prprios planos e solues. Raquel, invejosa, apela para uma

    espcie de barriga de aluguel, fazendo uso de sua serva (30.3). E Lia ao ver a estratgia da irm, no

    querendo ficar para trs, faz uso do mesmo recurso carnal (30.9) e por fim comea a no sentir tanto

    a necessidade da presena de Deus, passando, assim, a se referir a ele atravs do termo Elohim, o

    que sugere uma noo de distanciamento de Deus (30.18,20).

    Ento, durante a disputa, ambas se afastam de Deus a medida que passam a agir por conta prpria,

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    de acordo com suas prprias agendas. Numa certa altura do campeonato, Raquel cobia as

    mandrgoras que Lia recebera de presente de seu filho Ruben. Raquel, supersticiosa, acreditava que

    tais mandrgoras pudessem cur-la para que ela fosse capaz de engravidar (30.15- 16). Raquel,

    desesperada, chega a propor um negcio a Lia e acaba se dando muito mal, pois o feitio voltou-se

    contra o feiticeira, pois Raquel continuou estril e Lia acabou dando luz a mais dois filhos.

    Ento, no final da histria, arrasada e quebrantada, Raquel deixa sua auto-suficincia de lado ebusca a proximidade e a ajuda do Senhor, e o termo Adonai usado para reforar esta idia de

    proximidade (30.24). O Senhor se compadece de Raquel, que concebe e d luz ao grande Jos.

    Perto est o Senhor dos que tem o corao quebrantado, e salva os de esprito oprimido. (Sl

    34.18; II Co 12.9-10).

    Nesta histria, ora Deus est do lado de Lia, ora est do lado de Raquel. Enquanto Jac preferia

    Raquel por conta de sua aparncia fsica, Deus est sempre do lado daquele que tem o corao

    contrito e quebrantado.

    Podemos estar muito prximos de Deus, mas as presses da sociedade nos conduzem competio,

    stress, desejo de assumir o controle da prpria vida, deixando de lado o Senhor. Nossa percepodEle , ento, alterada (sentimento de distncia). O Quebrantado tende a buscar a proximidade e o

    auxlio de Deus enquanto que o auto-suficiente confia mais em si e em seus recursos e tende a se

    manter mais distante de Deus. "Deus resiste aos soberbos, mas d graa aos humildes. Sujeitai-

    vos, pois, a Deus... Chegai-vos a Deus e Ele se chegar a vs outros... Humilhai-vos perante o

    Senhor e Ele vos exaltar..." (Tg 4:6-10).