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AS FLORES DO BOM JARDIM E A EDUCAÇÃO JURÍDICA PARA A CIDADANIA
COMO POLÍTICA PÚBLICA PARA A EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
DIGNIDADE HUMANA E DA IGUALDADE DE GÊNERO – UM ESTUDO DE CASO –
O PROJETO MULHERES DA PAZ
BOM JARDIM´S FLOWERS AND LEGAL EDUCATION FOR CITIZENSHIP AS
PUBLIC POLICY FOR THE EFFECTIVE PRINCIPLE OF HUMAN DIGNITY AND
GENDER EQUALITY - A CASE STUDY – PEACE WOMEN PROJECT
Lilia Maia de Morais Sales
MARIANA DIONÍSIO DE ANDRADE
RESUMO
O cidadão é, pela própria condição de ser humano, merecedor de respeito e consideração de sua
dignidade. Nesse sentido, uma educação inclusiva concede à pessoa a possibilidade de lutar pela
proteção de seus direitos e transformar a realidade da comunidade em que vive. A pesquisa tem
por objeto a análise sobre o impacto do Projeto Mulheres da Paz - elaborado pelo PRONASCI e
desenvolvido no Bairro Bom Jardim, em Fortaleza - sobre a realidade social em que vivem as
participantes, principalmente no que diz respeito à mudança de perspectivas pela introdução de
políticas de educação jurídica para a cidadania. A metodologia utilizada na elaboração do estudo
constitui-se em um estudo descritivo-analítico, desenvolvido através de pesquisa bibliográfica
quanto ao tipo, pura quanto à utilização dos resultados, de natureza qualitativa e quantitativa e,
quanto aos objetivos, descritiva e exploratória. Conclui-se que a educação jurídica e cidadã é
mecanismo capaz de transformar o indivíduo, que passa a se reconhecer como cidadão, a
compreender seus direitos e a multiplicar o conhecimento adquirido. Assim, a educação atua
como meio de valorização e empoderamento do ser humano em busca da proteção do princípio
da dignidade humana e da redução das desigualdades.
Palavras-chave: Dignidade Humana. Educação jurídica para a cidadania. Projeto Mulheres da
Paz.
ABSTRACT
The citizen is, by its very status as human beings, worthy of respect and consideration for their
dignity. In this sense, an inclusive education provides to the person the opportunity to fight for
the protection of their rights and transform the reality of the community where they live. The
research focuses on the analysis of the impact of the Peace Women Project - prepared by
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3428
PRONASCI and developed in the neighborhood Bom Jardim, in Fortaleza - on the social reality
in which the participants live, especially with regard to changing perspectives by introducing
policies for legal education for citizenship. The methodology used in preparing the study
constitutes on a descriptive and analytical study, developed through a literature review on the
type, pure as the use of results, qualitative and quantitative, and the aims, descriptive and
exploratory. We concluded the legal and civic education is a mechanism able to transform the
person, who shall be recognized as a citizen, to understand their rights and to multiply the
knowledge acquired. Thus, the education acts as a means of recovery and empowerment of
human beings in pursuit of the principle of human dignity defense and reducing inequalities.
Key words: Human dignity. Legal Education for citizenship. Peace Women Project.
INTRODUÇÃO
O combate à vulnerabilidade social, decorrente de privações de cunho econômico e,
principalmente, do desconhecimento sobre a própria condição de cidadão, é uma das propostas
alavancadas pelo Projeto Mulheres da Paz, proposto pelo Programa Nacional de Segurança
Pública com Cidadania – PRONASCI, como medida preventiva de segurança pública e resgate
da dignidade. Ainda, é necessário ressaltar que a exclusão social revela, em uma de suas muitas
faces, o desrespeito à dignidade do ser humano, que não possui condições de pleitear os direitos
que lhes são próprios pelo desconhecimento dos mesmos, gerando condições de vulnerabilidade e
violação.
Uma sala de aula repleta de mulheres ávidas por conhecimento e estarrecidas com a própria
realidade social figurava de maneira ímpar e diferenciada no Bairro do Bom Jardim. Rostos
curiosos aprendiam mais do que noções sobre direitos humanos e cidadania, porque toda a
matéria ministrada era feita de situações já experimentadas ao avesso da coerência, nas quais os
sonhos eram suplantados pela indiferença em relação a sua condição de mulher, e o que elas
conheciam por dignidade era algo bastante distante do enaltecido pelas teorias jurídicas.
“Chega de não fazer nada! Eu vou me esforçar para mudar a realidade [...] aprendi a
sonhar! Aprendi a lutar!” (Acácia - Mulher da Paz). Esta fala traduziu o desejo de mudança de
todas as mulheres ali presentes, e despertou um interesse quase que imediato pelo estudo
aprofundado das questões que envolvem a vida de cada uma delas. São mulheres que
intencionam a transformação pela educação, que admitem ser possível uma nova perspectiva
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sobre a realidade social em que estão inseridas e que, principalmente, voltaram a acreditar em si
mesmas.
O presente estudo possui como enfoque os aspetos relacionados à educação jurídica para a
cidadania como mecanismo capaz de transformar a realidade social pela promoção do princípio
da dignidade humana e pela tentativa de redução das desigualdades de gênero. A identificação da
educação jurídica e cidadã como prática de empoderamento e valorização do ser humano traz, em
seu bojo, a razão de ser que justifica a elaboração de uma política pública voltada à efetivação do
princípio da dignidade humana.
O presente texto visa, assim, averiguar o impacto positivo do Projeto Mulheres da Paz,
especialmente, do curso de mediação de conflitos e direitos humanos, na vida das mulheres da
paz, especialmente tendo em vista sua residência da comunidade do Bom Jardim, bairro
periférico da cidade de Fortaleza, no Estado do Ceará, que se caracteriza por altos índices de
exclusão, criminalidade e desigualdade social.
Para o desenvolvimento da monografia, realizou-se pesquisa bibliográfica, pesquisa
documental e pesquisa de campo. No levantamento bibliográfico foi realizado pesquisa em livros
e artigos referentes ao gênero, dignidade humana, educação jurídica para cidadania (a promoção
da cidadania e fortalecimento do indivíduo a partir da educação jurídica). Para a pesquisa
documental utilizou-se as fichas de inscrição das mulheres da paz com o intuito de traçar o perfil
sócio-econômico. A pesquisa de campo foi realizada por intermédio da coleta de depoimentos,
entrevistas e questionários feitos às participantes do projeto, o resultado percebido por elas em
relação às alterações ocasionadas a partir da introdução das práticas de cidadania propostas. Para
resguardar as identidades das mulheres da paz, decidiu-se por atribuí-las nomes de flores, fazendo
referência ao bairro em que vivem.
Justifica-se a necessidade e importância da pesquisa pela perspectiva da emergência de
práticas afirmativas que viabilizem a garantia do direito à dignidade humana por intermédio da
educação jurídica para a cidadania, com estudo de caso voltado à experiência do Projeto
Mulheres da Paz, na comunidade do Bom Jardim, bairro periférico de Fortaleza, no Estado do
Ceará. A educação inclusiva, que possua como escopo a promoção da cidadania, gera, por
conseguinte, a diminuição da violência, a proteção ao princípio da dignidade humana e seus
fundamentos, bem como a participação de pessoas oriundas de comunidades em situação de risco
social, atuantes na defesa e proteção de direitos, entusiastas e multiplicadoras dos conhecimentos
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adquiridos, garantindo, desse modo, a efetividade do Estado Democrático de Direito, tutelado
constitucionalmente.
Iniciou-se a pesquisa com o estudo do princípio da dignidade humano, trazendo o contraste
com a realidade do bairro Grande Bom Jardim. Logo em seguida tratou-se da educação jurídica
para a cidadania como mecanismo de promoção da dignidade humano e consequentemente
fortalecimento do cidadão. Apresentou-se então o Programa Nacional de Segurança Pública, por
meio do Projeto Mulheres da Paz. Por fim relatou-se, partir dos diálogos com as participantes do
Projeto, os reais impactos positivos que práticas de valorização humana, como a educação
jurídica para a efetivação da cidadania, podem causar nas vidas de uma pessoa.
Ressalta-se, a partir do que foi estudado e vivenciado, a prática da educação como
instrumento de prevenção efetivação da dignidade humana, especialmente no contexto
apresentado (transversal a questão de gênero), como empoderamento das mulheres por meio das
práticas de cidadania ativa que retiram a mulher do contexto exclusivamente doméstico e as
insere, definitivamente, como partícipes dos processos de modificação e mobilização social. É
possível compreender que, a partir do momento em que o indivíduo passa a ser conhecedor de
seus direitos, deveres e prática de solução de conflitos, reconhecendo a si mesmo como cidadão,
torna-se apto a desenvolver habilidades e encoraja-se à reconquista de sua posição na sociedade.
1 DIGNIDADE HUMANA
Como um valor fundamental à ordem jurídica brasileira e, notadamente, internacional, a
dignidade humana é condição irrenunciável ao próprio indivíduo, não podendo ser violada ou
relativizada. A conscientização é o resgate da dignidade do indivíduo, e significa convencer o
cidadão comum de que o mesmo é titular de direitos e deveres e que, nessa condição, pode
pleiteá-los e exigir seu cumprimento.
A superfície imediata das coisas e dos fatos revela um mundo opressivo que promove os
mais ladinos e arrasta os demais para um caminho marcado pela apatia, subserviência e
conformismo alienado. Sob a superfície permanece a vontade de superação, o desejo de
viver numa sociedade planetária, cosmopolita, criativa, na qual liberdade e fraternidade
sejam princípios maiores de construção da civilização. Permanentemente, ressurge o
espírito libertário e formas novas de mobilização social, demonstrando que um outro
mundo é possível...(CATTANI, 2003).
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Os direitos humanos não dependem de reconhecimento pelo Estado, não são concessões
suas, tampouco, dependem da nacionalidade da pessoa ou da cultura a qual pertença. São direitos
universais e atributos inatos do indivíduo, consistem nas garantias fundamentais para que todo
homem tenha condições reais de viver com dignidade. O exercício dos direitos humanos
configura conquista histórica, através dos tempos, que reflete o ideal comum da sociedade e deve
ser assegurado pelo Estado de Direito, que envolve desde o direito à vida, à liberdade e à
igualdade, até o direito à saúde, educação e ao meio ambiente saudável. A consolidação da
cidadania, em sua forma plena, deve ser o fator principal da criação de uma cultura em direitos
humanos na qual a dignidade será erigida a seu patamar de direito.
Como marco fundamental do processo de institucionalização dos direitos humanos no
Brasil, a Carta de 1988, logo em seu primeiro artigo, erigiu a dignidade da pessoa humana a
princípio fundamental, como descrito em seu artigo primeiro, inciso III, instituindo, com este
princípio, um novo valor que confere suporte axiológico a todo o sistema jurídico e que deve ser
sempre levado em conta quando se trata de interpretar qualquer das normas constantes do
ordenamento nacional.
A proposta da educação jurídica para a cidadania compreende a elevação da dignidade por
reconhecer que o ser humano é merecedor de respeito e salvaguarda de seus direitos, o que não
parece possível se a fundamental ordem de direitos, a dignidade, se apresenta corrompida e
despida de efetividade. Tanto que a busca por esse direito consiste na razão de ser para a luta
pela proteção dos demais.
1.1 Do princípio da dignidade humana
O ser humano e sua dignidade constituem a razão de ser da legislação destinada à proteção
desse princípio, que hoje já se impõe como elemento básico e estrutural de qualquer ordenamento
jurídico, atribuindo-lhe o caráter de sustentáculo supremo da proteção ao indivíduo.
Todo ser humano, com fundamento na dignidade, tem direito ao respeito e à garantia dos
direitos pela condição de pessoa, não podendo ser violado em seus direitos nem ter suas
prerrogativas sacrificadas ou relativizadas, mesmo que para preservar a dignidade de terceiros.
Não há como fazer distinção sobre a dignidade de um indivíduo ou da sociedade, visto que, sem a
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proteção da dignidade de um único cidadão, este princípio resta comprometido no seio de toda a
comunidade, principalmente por tratar-se o homem de um ser social. (SARLET, 2001).
Dessa feita, a busca pelo elemento dignidade tornou-se uma consequência da condição de
ser humano, seguida pela efetividade de mecanismos que pudessem garanti-la. A materialização
da dignidade humana como princípio universal e indivisível depende, portanto, da proclamação
dessa classe de direitos para outros entes, tornando-os de propriedade coletiva e concretizando-
os.
É necessário explicitar, portanto, que as garantias constitucionais possuem como escopo
maior a materialização de direitos relativos à proteção e resguardo dignidade do ser humano
como ser social. O destinatário principal dessa proteção é, portanto, o cidadão.
1.2 A realidade do Bairro Bom Jardim
O Bairro Grande Bom Jardim, situado na zona metropolitana da capital cearense, é
coordenado pela Secretaria Executiva Regional V (SER V), que atua, ainda, em outros 12 bairros
próximos, o que reúne um expressivo contingente populacional de 570 mil habitantes, dos quais
180 mil, aproximadamente, residem na área do Grande Bom Jardim. (2010, on line).
Essa área, periférica por localização e classificação, é composta pelos bairros Granja
Lisboa, Granja Portugal, Canindezinho, Siqueira e Bom Jardim, além de outras dezenas de
comunidades, e se constitui em uma área cujos índices de criminalidade e insegurança são
elevados e severamente preocupantes.
O Grande Bom Jardim é um bairro sensível, vulnerável, propenso ao surgimento de
situações de conflito, que ocorrem proporcionalmente à sua densidade demográfica e expansão
geográfica. Parte considerável de juventude residente na área do Grande bom Jardim padece de
um mal bem retratado pela exclusão social, qual seja; o envolvimento com a criminalidade, que
corrompe suas perspectivas, desgasta drasticamente as relações sociais e rouba uma identidade
ainda em formação. No entanto, um dos grandes empecilhos decorrentes dessa condição é a
consideração de toda a periferia como um seio social corroído pela violência, que deve, por isso,
permanecer marginalizado, momento no qual se renova o ciclo de exclusão.
A condição de pobreza decorrente da exclusão social, a falta de oportunidades de emprego,
colocação no mercado e, principalmente, de perspectivas, conduz muitos jovens dos bairros
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periféricos das grandes cidades ao caminho da criminalidade, meio pelo qual obterão o respeito
de membros da vizinhança pelo uso da força, certa projeção financeira em curto espaço de tempo
e, mais importante, reconhecimento pelo teor de agressividade que impingem em seus atos.
Os jovens do Grande Bom Jardim cresceram presenciando e vivenciando as dificuldades
que se lhe apresentavam aumentarem com a falta de oportunidades de estudo e de emprego.
Cresceram diante de um cenário de violência física e psicológica, com a ausência de uma
estrutura familiar que os protegesse e resguardasse dos exemplos nefastos de agressão doméstica
aos quais eram submetidos, como expectadores ou vítimas. Ou seja: a criminalidade passava a ser
encarada como uma condição, e não como uma opção.
O relato dos eventos que ensejam o desenvolvimento da criminalidade não justifica a
conduta danosa desses jovens, homens e mulheres, mas auxiliam a compreensão sobre as
consequências da falta de perspectivas e do impacto que a violência da própria comunidade
trouxe para a vida dos mesmos, tornando o Bairro Bom Jardim um ambiente propício para o
desenvolvimento de uma série de conflitos que envolvem, desde querelas entre vizinhos, até
homicídios e crimes de execução relacionados ao tráfico de drogas, e, em especial, violência
relacionada à desigualdade de gênero e violência doméstica1.
Pelas razões aludidas, a inclusão de políticas públicas voltadas ao combate à violência do
Bairro Grande Bom Jardim se fazem tão necessárias e quanto urgentes. O Projeto Mulheres da
Paz, instituído pelo Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania – PRONASCI, tem
representado um novo momento para as participantes, cuja realidade social se insere em
contornos dramáticos de violência doméstica, violência urbana, problemas com familiares
envolvidos com o tráfico de drogas e problemas congêneres. O Programa tem como intuito
capacitar mulheres para que elas encaminhem e acompanhem jovens em situação de
vulnerabilidade social para outros projetos do PRONASCI dedicados diretamente ao jovem como
cursos de arte e cursos profissionalizantes, numa tentativa de dar uma oportunidade de vida digna
a jovens que até então o crime foi quase o único caminho.
A análise realizada nesse estudo, no entanto, não teve o jovem como ator central, mas sim
as mulheres da paz. Averigua-se como uma prática de educação em direitos humanos (curso de
1 A partir de pesquisa realizada pela Universidade de Fortaleza (subsidiada pela Fundação Cearense de Amparo ao
Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FUNCAP), em mais de 1000 questionários aplicados às mulheres da
área do Grande Bom Jardim, 75% delas responderam que conheciam um ou vários casos de mulheres que sofreram
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capacitação com carga horária de 400h) pode impactar a vida de pessoas, especialmente mulheres
(que lidam cotidianamente com a discriminação de gênero), empoderando-as e transformando-as.
2 PRÁTICAS DE FORTALECIMENTO DO CIDADÃO
O reconhecimento e respeito às diferenças fazem-se necessários para a convivência
pacífica, o respeito e a efetividade da dignidade humana. A comunicação adequada pode
configurar-se em força propulsora para a preservação do convívio entre indivíduos que, mediante
diálogo bem estruturado e respeito aos direitos em comum, tornam-se capazes de estabelecer
novos significados para os valores diferentes que pleiteiam, transformando-os e antecipando,
assim, o desenvolvimento de conflitos mais complexos.
O Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania – PRONASCI, elaborado pelo
Ministério da Justiça do Brasil traz, em seu bojo, uma série de projetos que objetivam o
fortalecimento do cidadão para torná-lo apto a buscar, por si, direitos antes esquecidos e
desrespeitados, conferindo o caráter de mobilização social a suas ações afirmativas. No Projeto
Mulheres da Paz, mulheres socialmente atuantes participam de cursos de capacitação em direitos
humanos e mediação de conflitos, constroem uma rede de relacionamento voltado à discussão
dos assuntos mais importantes da comunidade, articulam-se, empoderam-se, enfrentam a
violência. As mulheres participantes são estimuladas ao engajamento social e à transformação da
realidade do contexto social em que vivem.
O resultado de ações com foco no fortalecimento do cidadão, como no caso do Projeto em
comento, é visível, principalmente quando se observa o semblante das mulheres participantes, o
sentimento de inclusão que elas expressam e a consistência do desejo pela mudança que as
impulsiona2.
violência. Além disso, muitas permanecem como vítimas da violência durante toda a vida, pois têm medo de serem
mortas pelo agressor caso denunciem. (UNIFOR, 2009). 2 As autoras dessa monografia acompanham as atividades de sala de aula das Mulheres da Paz, uma como
coordenadora e professora do curso e a outra observadora e pesquisadora com dissertação de mestrado sendo
elaborada sobre a temática. Os semblantes das mulheres e seus depoimentos diários sobre o impacto em suas vidas
de se estudar sobre os direitos e sobre mediação foram fundamentais para se pensar esse tema.
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2.1 Educação jurídica para a cidadania como mecanismo de promoção da
dignidade humana
A formação do indivíduo como cidadão, libertando-o pelo conhecimento e conferindo-o
meios capazes de pleitear direitos, faz parte de um processo de construção da cidadania. A Carta
Magna de 1988 prevê em seu texto a consagração de fundamentos que se referem à soberania,
cidadania e dignidade da pessoa humana, conforme enuncia em seu artigo primeiro, caput e
incisos:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos:
I - a soberania,
II- a cidadania,
III – a dignidade da pessoa humana,
[...]
De acordo com o art. 205 da nossa Carta Magna “A educação, direito de todos e dever do
Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania [...]”.
Dessa forma, procura-se dar à educação uma nova ordem institucional, em que a mesma
possa assegurar ao cidadão um conhecimento em que se proceda a proteção dos seus direitos e
das suas necessidades básicas, através dos serviços essenciais que lhe devem ser oferecidos por
um Estado Democrático de Direito.
O direito à educação encontra amparo legal em todas as grandes Cartas e tratados voltados
à proteção e resguardo dos direitos do homem, devendo assim, ser assegurado e transformado em
dever também do Estado, visto que dele depende a possibilidade de desenvolvimento de um
futuro pacífico. (FRANKLIN, 2006).
Não se pode, por sua vez, exercer-se, litigiosa ou consensualmente, um direito pelo qual
não se reconhece a titularidade. E a grande maioria da população brasileira além de não exercer,
desconhece seus direitos ou simplesmente não os exerce por desconhecê-los, numa ignorância
hábil a provocar grande parte das mazelas sociais. E é neste contexto de implantação da justiça
social que a necessidade de articulação de uma política pública de educação jurídica e social,
voltada à conscientização cidadã e à promoção da dignidade humana como marco fundamental da
vida do indivíduo, se revela necessária.
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Esse modelo de educação jurídica dar-se-ia de modo a formar profissionais humanistas e
com forte vocação para o engajamento social, motivados a repassar informações úteis e de grande
valia a cidadãos que integram comunidades de baixa renda, que vêem seus direitos e deveres -
quando possuem o privilégio de conhecê-los – serem vilipendiados por sistemas políticos
excludentes e por representantes que atuam de maneira muito distante de suas realidades. A
formação desses profissionais constitui força motriz essencial para a educação de membros da
comunidade em que estiverem inseridos, visto que a linguagem e a metodologia de ensino devem
atingi-los de modo a atrair atenções e evitar eventuais evasões.
Há de se alavancar projetos efetivos que possuam como escopo principal a atuação em
palestras educativas e cursos de capacitação com o objetivo de instruir cidadãos sobre direitos
básicos, estimulando, assim, a busca pela efetivação da cidadania, combate à violência nos meios
de convívio, promoção do diálogo entre os pares e, necessariamente, proteção da dignidade
humana como princípio magno.
Os esforços para a concretização do princípio da dignidade humana são consideráveis,
tanto na seara normativa quanto no contexto prático, valendo-se tal fato de uma dificuldade
material e sociocultural em se conceber o respeito a esse primado. (MENDES, 2007, p. 144).
Sobre o assunto, cumpre destacar a opinião de Antônio Henrique Perez Luño (2005, p.
324), quando enuncia que “la dignidad humana constituye no solo la garantia negativa de que la
persona no va a ser objeto de ofensas e humillaciones, sino que entraña también la afirmación
positiva del pleno desarollo de la personalidad de cada individuo”.
A educação jurídica e cidadã, portanto, pode interferir nesse desenvolvimento da
personalidade a partir da proteção do princípio da dignidade humana, despertando no cidadão a
consciência crítica para fazer uma leitura estendida de seu meio e procurar amenizá-la, tornando-
o um agente multiplicador do conhecimento adquirido.
2.2 Mediação de conflitos e construção de uma cultura de paz
A experiência da mediação propõe uma nova ótica que sugere a instauração do respeito
entre as partes, independentemente dos deslizes que cada um possa ter cometido. Tais deslizes
passam a ser compreendidos como fatos e elementos constitutivos à administração de conflitos,
fazendo nascer, daí, outras possibilidades e opções.
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Tal perspectiva ressalta a filosofia presente na mediação; exaltando-se o respeito às
diferenças e à vontade das partes, a aceitação das divergências como elementos construtivos, a
admissão da relativização das verdades levantadas e, principalmente, a justiça de oferecer às
partes a possibilidade de equidade, onde a efetiva necessidade de cada um é alcançada não apenas
de acordo com a igualdade, mas com o que lhe é, de fato, devido. (ZAPPAROLLI, 2003).
A mediação como procedimento visa à facilitação às partes envolvidas em um conflito, à
administração pacífica desse conflito por si próprias. Ou seja, uma pessoa capacitada e
neutra, o mediador, usa técnicas específicas de escuta, de análise e definição de
interesses que auxiliam a comunicação dessas partes, objetivando a flexibilização de
posições rumo a opções e soluções eficazes a elas e por elas próprias. (ZAPPAROLLI,
2003, p. 52-53).
As pessoas envolvidas em conflitos, geralmente, possuem uma visão mais restrita do
problema pelo fato de que os vivenciam com maior intensidade, verificando muitas vezes apenas
um lado da questão que se lhes apresenta. Nesse sentido, a mediação atua com o objetivo de
alcançar, de forma responsável e menos traumática, a solução não adversarial da problemática
levantada pelo conflito instaurado, investigando suas causas, propiciando o restabelecimento de
relações já desgastadas pelo conflito e, principalmente, auxiliando os mediados a encontrarem,
por si, a melhor resposta para a resolução de suas questões, visto que “o esforço de comunicação
e assimilação busca promover uma cultura de paz capaz de se configurar como o único meio de
convivência possível”. (FRANKLIN, 2006, p. 213).
O mediador tem a função de auxiliar as pessoas envolvidas em conflito para que, em cada
situação, possa se tornar possível a percepção de uma oportunidade vital dentro do próprio
conflito, uma oportunidade de renascer, refletir, impulsionar a si mesmo para um posicionamento
positivo diante dos problemas que se apresentem. O papel do mediador reflete-se em estimular os
membros do conflito a localizarem soluções, ou mesmo, um novo recomeço, no intuito de
melhorar a convivência entre as partes envolvidas. (WARAT, 2001). Para construir essa cultura
não adversarial, de cooperação e de antecipação aos conflitos mais complexos, é essencial a
mudança de mentalidade sobre a própria ideia de conflito. Cumpre salientar o seguinte raciocínio:
Pouco a pouco, a mediação, juntamente com outros meios consensuais de solução de
conflitos, tende a ser cada vez mais difundida, entrando na vida da comunidade e,
consequentemente, no mundo jurídico. Para tanto, necessário se faz a mudança de
paradigma – da cultura do litígio para a cultura da prevenção de conflitos – da competição para a cooperação. (SALES; VASCONCELOS, 2006, p. 77).
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No contexto social, a mediação surge como um novo caminho pelo qual as partes podem,
juntas, por meio do diálogo e da comunicação, encontrar uma solução para seus litígios,
prevenindo a instauração de novos conflitos. (SALES, 2010). É necessária a mudança de
paradigmas, visualizando a mediação como um novo caminho de soluções não adversariais, no
qual as partes devem ser consideradas de maneira a desenvolver um trabalho cooperativo.
(VEZZULLA, 2001).
A construção de uma cultura de paz pode ser efetivada por meio da resolução pacífica de
conflitos, materializada pela mediação e pelo aprimoramento do diálogo, capacitando mulheres
comuns, com representatividade dentro da comunidade em que vivem, para atuarem como
mediadoras, ampliando suas perspectivas pessoais e desenvolvendo aptidões e habilidades.
3 O PROGRAMA NACIONAL DE SEGURANÇA COM CIDADANIA –
PRONASCI – O PROJETO MULHERES DA PAZ
É essencial a participação da comunidade e de seus integrantes no exercício de vigília em
relação aos assuntos de interesse coletivo, para reafirmar um compromisso de mudança social. O
Projeto Mulheres da Paz reconhece essa premissa e afirma suas propostas com o apoio
incondicional de mulheres que anseiam pela transformação da realidade em que vivem, e que
participam ativamente do processo de capacitação de mediadores comunitários.
Instituído no mês de novembro de 2009, o Projeto Mulheres da Paz foi implementado pelo
PRONASCI como um mecanismo de capacitação de mulheres, líderes comunitárias em sua
maioria, voltado à promoção de valores como ética e cidadania, no intuito de transformá-las em
agentes multiplicadoras do conhecimento adquirido.
Ao todo, 300 mulheres estão inscritas como participantes dessa iniciativa, todas residentes
em áreas de vulnerabilidade social. Elas possuem a responsabilidade de frequentar os cursos de
capacitação fornecidos pelo Programa, e por indicar jovens, entre 15 e 24 anos, também
residentes na região do Bom Jardim, para participação em outros projetos desenvolvidos pelo
PRONASCI. A partir dessa nova dimensão do conhecimento, as mesmas tornam-se aptas a
estimular a participação dos jovens de suas comunidades, também alvo das ações de cidadania e
de políticas públicas para a juventude. Importa considerar:
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Desenvolvido pelo Ministério da Justiça, o Programa Nacional de Segurança Pública
com Cidadania (Pronasci) marca uma iniciativa inédita no enfrentamento à
criminalidade no país. O projeto articula políticas de segurança com ações sociais;
prioriza a prevenção e busca atingir as causas que levam à violência, sem abrir mão das
estratégias de ordenamento social e segurança pública.
Entre os principais eixos do Pronasci destacam-se a valorização dos profissionais de
segurança pública; a reestruturação do sistema penitenciário; o combate à corrupção
policial e o envolvimento da comunidade na prevenção da violência. Para o
desenvolvimento do Programa, o governo federal investirá R$ 6,707 bilhões até o fim de
2012.
[...] No Projeto Mulheres da Paz, jovens bolsistas em território de coesão social agirão como
multiplicadores da filosofia passada a eles pelas Mulheres da Paz e pelas equipes
multidisciplinares, a fim de atingir outros rapazes, moças e suas famílias, contribuindo
para o resgate da cidadania nas comunidades. (2010, on line).
O Projeto Mulheres da Paz deu ensejo a criação de um grupo de pesquisa coordenado pela
Professora Lília Maia de Morais Sales, oriundo de uma parceria entre a Universidade de
Fortaleza – UNIFOR e a Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – FUNCAP, atua com o objetivo de estudar os impactos que o projeto apresenta às
mulheres participantes e ao bairro do Grande Bom Jardim. Os impactos a partir de práticas
desenvolvidas no projeto mulheres da paz, especificamente, do curso de capacitação em direitos
humanos e mediação de conflitos, revelam-se como concretizadores do princípio da dignidade
humana, especialmente quando é destinado a uma parcela da sociedade que padece de
discriminação.
A proximidade com os reclames da comunidade faz com que as mulheres da paz possam
discernir melhor entre os assuntos abordados (empoderando-as), favorecendo, assim, a
receptividade para a construção de um espaço de debate.
O curso de capacitação abordou várias temáticas de direitos (com o foco nos direitos
humanos) e a temática da mediação de conflitos – teoria e prática. A metodologia escolhida para
o curso foi a metodologia da inclusão e da criação. Muito do que se discutiu foi apresentado à
Universidade de Fortaleza, a partir dos anseios das mulheres. Trabalhou-se a possibilidade de
resolução de conflitos a partir da perspectiva da colaboração e da participação ativa na solução
dos problemas. Essa experiência de diálogo pacífico na resolução de controvérsias entre os
membros da comunidade gera uma cadeia de prevenção da má-administração de problemas
litígios e, consequentemente, torna-se possível observar a diminuição do desgaste de relações. É a
mobilização da comunidade em prol do desenvolvimento de ações preventivas contra a violência
que objetiva o envolvimento da comunidade na busca de soluções efetivas para os problemas
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3440
cotidianos e que envolvem situações de abuso, desenvolvendo dessa maneira, redes de educação
voltadas à projeção e proteção da cidadania, enfrentamento à violência, promoção da
solidariedade e reconquista de perspectivas escondidas pela exclusão. As questões que envolvem
a comunidade são acolhidas pelas próprias mulheres, denotando relevantes avanços na esfera da
organização social.
Os benefícios do curso de capacitação, em parceria com as comunidades do Bairro Bom
Jardim, ações que viabilizem a criação de circunstâncias favoráveis ao aperfeiçoamento de
potencialidades e aptidões pessoais das mulheres participantes, buscando desmitificar o
paradigma que estabelece a direta relação entre pobreza e criminalidade. Os impactos positivos
da educação como transformação e concretização da dignidade humana são dispostos a seguir.
3.1 Flores do Bom Jardim: quem são elas – realidade e perspectivas
A problemática da exclusão, citada em momentos anteriores, demonstra, em um de seus
vértices mais complexos, a desigualdade de gênero, imprimindo uma urgente necessidade de
políticas públicas voltadas à emancipação de mulheres em condição de vulnerabilidade. São
situações crônicas de agressão e violência3, cuja ocorrência manifesta-se de forma recorrente no
seio das comunidades do Bairro Bom Jardim, foco do presente estudo. Com o intuito de traçar
um panorama sobre a realidade social das mulheres da paz foi realizado um levantamento
documental a partir das fichas de inscrição das mulheres da paz. Os resultados foram:
Faixa Etária
RESULTADO Bom
Jardim
Granja
Lisboa
Granja
Portugal
Canindezinho Siqueira TOTAL %
Jovem 18-29
anos
21 24 21 9 8 83 27,67
Adulta 30-59
anos
45 56 51 30 31 213 71
Idosa 60 ou +
anos
1 0 2 1 0 4 1,33
3 Segundo dados da Associação de Apoio à Vítima (APAV), obtidos em 2006, 112 mulheres foram vítimas de
violência doméstica por dia. São dados alarmantes que evidenciam uma dimensão expressiva sobre a gravidade dos
acontecimentos. Conforme pesquisa recente, realizada em 2009 no Brasil e feita pelo Ibope / Instituto Avon, 55%
dos entrevistados conhecem casos de agressões a mulheres em que as mulheres permanecem com o agressor,
principalmente pela falta de condição financeira com um índice de 24%, seguida da preocupação com a criação dos
filhos 23%, o que evidencia, ainda, a dependência econômica, e 17% afirmam não deixar o agressor por medo de
serem assassinadas após término do relacionamento, o que configura uma fatídica relação de medo que afasta possibilidades de enfrentamento à violência. (INSTITUTO AVON/IBOPE, 2009).
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3441
TOTAL 67 80 74 40 39 300 100
Escolaridade
RESULTADO Bom
Jardim
Granja
Lisboa
Granja
Portugal
Canindezinho Siqueira TOTAL %
Casada 22 30 32 16 14 114 38
Solteira 20 29 15 8 11 83 27,67
União Estável 19 18 19 13 9 78 26
Viúva 0 0 2 0 2 4 1,33
Divorciada 0 1 2 0 1 4 1,33
Separada
judicialmente
2 0 2 2 1 7 2,33
Separada de fato 4 2 2 1 1 10 3,33
TOTAL 67 80 74 40 39 300 100
Escolaridade
RESULTADO Bom
Jardim
Granja
Lisboa
Granja
Portugal
Canindezinho Siqueira TOTAL %
Ensino
fundamental
incompleto
7 16 13 6 5 47 15,67
Ensino
fundamental
completo
11 3 10 2 3 29 9,67
Ensino médio
incompleto
5 20 12 10 8 55 18,33
Ensino médio
completo
36 35 38 21 21 151 50,33
Ensino superior 4 3 1 1 2 11 3,67
2,333,67
50,33
18,33
9,6715,67
0
10
20
30
40
50
60
Ensino
fundamental
incompleto
Ensino
médio
incompleto
Ensino
superior
incompleto
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3442
incompleto
Ensino superior
completo
4 3 0 0 0 7 2,33
TOTAL 67 80 74 40 39 300 100
Número de filhos
RESULTADO Bom
Jardim
Granja
Lisboa
Granja
Portugal
Canidezinho Siqueira TOTAL %
0 20 20 15 6 9 70 22,33
1-2 filhos 34 39 28 21 17 139 46,33
3-4 filhos 10 18 25 11 10 74 24,67
5 ou + filhos 3 3 6 2 3 17 5,67
TOTAL 67 80 74 40 39 300 100
Realizou-se ainda, com a intenção de identificar a desigualdade de gênero na comunidade
do Bom Jardim, a aplicação de questionários às mulheres da paz e às mulheres de todo o bairro
do Grande Bom Jardim. (Bom Jardim, Granja Portugal, Granja Lisboa, Canindezinho e Siqueira).
Os resultados foram os que se seguem: quando questionadas se já sofreram ou conheciam alguém
que já sofreu preconceito por ser mulher, 605 participantes responderam que sim (62,24%), 364
participantes responderam que não (37,45%), e 3 participantes se abstiveram em responder
(0,31%). Ainda, quando questionadas se conheciam alguém da comunidade que sofre ou já sofreu
violência doméstica, 701 participantes responderam afirmativamente (72,34%), 262 participantes
responderam negativamente (27,04%), e 6 participantes se abstiveram (0,62%).
É válido expor o pensamento de Fernanda Marques de Queiroz (2008, p. 9), quando
enuncia que “a violência praticada contra as mulheres se apresenta nos mais diversos espaços e
dimensões da sociedade, mas sem dúvida, a que ocorre no âmbito das conjugalidades ganha perfil
mais complexo, pois se imbrica numa teia de prazer, amor, medo, vergonha e poder”.
O curso realizado pelo Projeto Mulheres da Paz, como política pública que possui, como
uma de suas diretrizes, o recorte de gênero, consegue alcançar, ademais, um grande feito: resgatar
a dignidade perdida ou escondida pelo manto do medo que fora tecido pela exclusão. “A
ansiedade e o medo resultam do sentimento de impotência, de fragilidade”. (MORAIS, 1985, p.
33).
3.2 Impactos da realização do Curso de direitos humanos e mediação de conflitos
no Projeto Mulheres da Paz
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3443
Diante dessa realidade verifica-se que no Projeto Mulheres da Paz são desenvolvidas
atividades com mulheres que presenciaram e vivenciaram situações de violência. A partir do
estímulo à solidariedade, união e troca de experiências, essas mulheres passam a delinear novas
perspectivas para suas vidas, além de incentivar outras pessoas da comunidade pelo próprio
exemplo de luta pela ordem pública, encorajamento pessoal, engajamento e busca pelo pleno
convívio social.
Diante do exposto, foi necessário analisar o impacto das práticas de fortalecimento do
cidadão como instrumento de prevenção da violência e promoção da dignidade humana. Ainda,
abordar as consequências geradas pela introdução do Projeto Mulheres da Paz sobre a realidade
social em que vivem as participantes, sob a ótica da mudança de perspectivas por intermédio da
introdução de uma educação jurídica cidadã.
Com o intuito de demonstrar os impactos positivos oriundos do desenvolvimento de
políticas públicas voltadas à educação jurídica para a cidadania dentro do contexto social vivido
pelas participantes do Projeto Mulheres da Paz, incluindo a transformação de suas perspectivas e
reconhecimento de sua importância e condição de cidadãs, foi realizada coleta de relatos e
depoimentos por intermédio de redações redigidas pelas próprias participantes, cuja pergunta
central era: “Como o curso de mediação em conflitos e direitos humanos mudou sua vida?”.
Essa pergunta evidenciou, para muitas, um momento de reflexão. Algumas relataram a nova
consciência sobre direitos antes desconhecidos. “O curso de direitos humanos abriu minha mente
para conhecer os direitos como das crianças, idosos e outros [...] muitas vezes perdemos os
nossos direitos por não saber a quem procurar”. (Liz – Mulher da Paz). “Através desse curso
aprendi a lutar pelos meus direitos de cidadania, ampliei meus conhecimentos sobre as leis que
nos beneficiam e protegem”. (Margarida- Mulher da Paz). “Aprendi que nem tudo precisa ir para
o Judiciário, podemos resolver através de um acordo entre as partes, onde ninguém perde: os dois
ganham”. (Hortênsia – Mulher da Paz).
Pela análise das respostas, foi possível perceber que as participantes possuem hoje outro
conceito sobre a resolução de conflitos, visto que agora o administram por meio do diálogo
pacífico. “Aprender a lidar com os problemas, entender os problemas dos outros tentando
realmente conhecer a causa, saber ouvir, respeitar, e principalmente tentar resolver, são fatores
muito positivos”. (Açucena– Mulher da Paz). “A mediação de conflitos foi muito importante pois
agora eu tenho uma noção de como lidar com os conflitos e diminuir a violência”. (Dália -
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3444
Mulher da Paz). Há uma mudança de concepção sobre a forma como administrar uma situação de
conflito, evidenciando uma preocupação com a outra parte e com o que a mesma tem a dizer
sobre a questão em que também está envolvida.
Muitas delas também sentiram uma mudança em seus pontos de vista sobre a comunidade.
“Antes de ter me associado ao Projeto Mulheres da Paz eu na verdade não me importava com a
maneira de viver dos outros jovens do meu bairro [...] com vocês aprendi que o bairro é uma
família e o mal que assola a um prejudica a todos” (Alecrim – Mulher da Paz). Tal afirmação
sugere um novo olhar, um novo ponto de vista por parte das mulheres sobre a preocupação com a
coletividade, com o que ocorre no seio da comunidade em relação aos direitos dos indivíduos.
Antes eram apenas os filhos que catalisavam suas atenções, como se apenas o núcleo familiar
básico merecesse consideração. Agora existe uma visão holística sobre as problemáticas que
envolvem a comunidade, além da percepção de que os fatos ocorrem em cadeia, surtindo efeitos,
direta ou indiretamente, sobre todos os membros da sociedade.
As respostas apresentadas destacaram o empoderamento dessas mulheres, que
reconheceram, umas nas outras, o desejo de mudança e transformação pessoal. “Depois que eu fiz
esse curso, me sinto fortalecida, tenho segurança na voz, nas palavras, já consegui resolver
problemas das pessoas com sucesso”. (Íris – Mulher da Paz). Tornaram-se mulheres mais fortes,
corajosas e consideravelmente mais firmes em seus posicionamentos, visto que hoje se sentem
capazes de reivindicar direitos, lutar pela superação das desigualdades de gênero e resgatar a
própria dignidade. “Passeia maior parte da minha infância sendo abusada...se fosse hoje, com o
que sei de direitos humanos com certeza seria tudo diferente”. (Orquídea - Mulher da Paz).
“Através desse curso mudei meus hábitos e passei a acreditar em mim, passei a acreditar que eu
posso fazer a diferença [...] não posso ficar parada, insensível e indiferente, eu não posso
fracassar. Eu aprendi a acreditar”. (Camélia – Mulher da Paz). “Hoje me sinto mais segura em
falar em público, não temo se alguém me ameaçar, pois aprendi a me posicionar”. (Amarílis -
Mulher da Paz).
O trabalho realizado pelo curso de mediação e direitos humanos do Projeto Mulheres da
Paz contribui para o processo de emancipação, autonomia, construção da cidadania,
reconhecimento e valorização das participantes, bem como para o empoderamento de mulheres e
enfrentamento à violência. O desenvolvimento dos potenciais, por meio do resgate dos valores
humanos e da promoção de uma cultura de paz, busca favorecer a qualidade das relações
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 3445
pessoais, interpessoais e comunitárias. Nesse sentido, o Projeto vem empenhando esforços para a
efetivação de direitos fundamentais e para a valorização do princípio da dignidade humana, em
um trabalho de combate à violência e edificação da cidadania dessas mulheres a partir da
transformação de suas perspectivas para a mudança de sua realidade social. “Através desse
contato com vocês espero realizar meus sonhos, de que juntos poderemos contribuir para um
mundo melhor”. (Rosa – Mulher da Paz). “Quero me sentir realizada e não ver apenas minha
vida passar diante dos meus olhos”. (Acácia - Mulher da Paz).
As participantes do Projeto tornam-se, principalmente, agentes entusiastas da paz social e
da proteção à dignidade, fomentando a solução de conflitos por mecanismos pacíficos,
enfatizando a importância do diálogo entre membros da comunidade. “Precisamos a cada dia
procurar realmente aprender, e adquirir conhecimento para servir a comunidade. Não adianta
aprender e guardar. Precisamos ensinar e repassar o que sabemos”. (Magnólia - Mulher da Paz).
“Quero ver os jovens que eu acompanho vencerem a droga, vencer a violência, quero ver meus
jovens virarem cidadãos”. (Anis - Mulher da Paz).
Desse modo, é proposta a edificação de uma nova cultura de convivência familiar e
comunitária. As relações, entre homens e mulheres, mães e filhos, entre amigos, vizinhos, enfim,
precisam ser reconstruídas, fortalecidas. Para atingir tal desiderato, é necessária a reflexão sob a
ótica da exaltação da paz em detrimento da violência, da tolerância no lugar da rivalidade.
CONCLUSÃO
Os relatos e depoimentos colhidos foram avaliados de forma a captar o real significado do
Projeto para as participantes, além de traçar um panorama sobre o impacto da educação jurídica
cidadã para a redução das desigualdades de gênero na comunidade do Bom Jardim. Por
intermédio da introdução de políticas preventivas de segurança e pelo empoderamento das
mulheres, associa-se a educação ao resgate de direitos, inclusive e principalmente, no que se
refere à reconquista da dignidade humana. O Projeto Mulheres da Paz, portanto, busca abranger o
contexto em que as participantes estão inseridas, no intuito de promover uma educação inclusiva,
prevenindo, assim, novas circunstâncias que ensejem a injustificável conduta violenta sobre
pessoas em condição de vulnerabilidade.
A partir dessa compreensão, é possível perceber que a participação de membros das
comunidades constitui a força motriz que impulsiona tais mudanças, visto que as mulheres da
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paz, fortes, batalhadoras e dispostas a concretizar as transformações que almejam, recebem as
devidas orientação e capacitação para que se tornem aptas ao auxílio na solução de problemas e
prevenção de novos conflitos.
A edificação de uma nova realidade social, mais justa e coerente com os anseios reais da
comunidade, na qual os direitos e garantias constitucionais são efetivamente respeitados, está
diretamente relacionada ao emprego da educação e ao consequente reconhecimento da condição
de cidadão por parte dos indivíduos, constituindo-se em reflexos oriundos da introdução da
educação jurídica cidadã para a proteção social e enfrentamento da violência. A partir do
momento em que o indivíduo passa a ser conhecedor de seus direitos e deveres, torna-se,
portanto, um multiplicador desse conhecimento no seio de sua comunidade e, certamente,
entusiasta da cidadania e de sua efetiva aplicabilidade.
A partir da pesquisa realizada foi possível proceder à avaliação sobre como a educação
jurídica cidadã pode atuar como instrumento para a valorização e empoderamento de mulheres
em busca da efetividade do princípio da dignidade humana, tutelado constitucionalmente, a partir
da perspectiva de que, a partir da educação e do conhecimento, as mulheres passam a ser
sabedoras de seus direitos e deveres, tornando-se, assim, aptas ao pleno exercício da cidadania.
Tal evento ocorre pelo reconhecimento das mesmas sobre sua condição de cidadã,
situação esta que propiciará um novo momento em suas vidas; um momento de luta pelos anseios
da comunidade, de busca da justiça social, diminuição das desigualdades de gênero e,
principalmente, redução da violência. O empoderamento de mulheres, cientes de seus direitos e
prerrogativas diante do contexto social em que estão inseridas, promove uma consequente
mudança de perspectivas relacionadas à posição que ocupam na comunidade, o que possui direta
relação com a promoção da dignidade, que lhes é ressarcida, e com a redução da violência.
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