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    COORDENAO

    NATLIA MARINHO FERREIRA-ALVES

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    Ttulo Artistas e Artfices no Mundo de Expresso Portuguesa

    Coordenao Natlaia Marinho FERREIRA-ALVES

    Edio CEPESE - Centro de Estudos da Populao, Economia e SociedadeRua do Campo Alegre, 1055 4169-004 PortoTelef.: 22 609 53 47

    Fax: 22 543 23 68E-mail: [email protected]

    Capa

    Execuo Grfica

    Tiragem 500 exemplares

    Depsito legal 282 493/08

    ISBN 978-989-95922-0-9

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    Introduo/Introduction

    Natlia Marinho FERREIRA-ALVES

    I SEMINRIO INTERNACIONAL LUSO-BRASILEIROArtistas e Artfices do Norte de Portugal( Porto, 11 e 12 de Dezembro de 2006)

    II SEMINRIO INTERNACIONAL LUSO-BRASILEIROArtistas e Artfices do Norte de Portugal e sua Mobilidade no Mundo Portugus(Salvador da Bahia, 3 a 6 de Dezembro de 2007)

    O ttulo genrico da presente publicao, Artistas e Artfices no Mundo deExpresso Portuguesa, define as linhas orientadoras do nosso projecto de investigaoinserido na Linha Arte e Patrimnio Cultural no Norte de Portugal do CEPESE(Centro de Estudos da Populao, Economia e Sociedade), e que teve incio no anode 2005 com a aprovao da Fundao para a Cincia e a Tecnologia (Classificadode Excelente). Nesse mesmo ano, realizou-se no Porto o Colquio Luso-Brasileirode Histria da Arte, que apresentaria os primeiros resultados concretos dos estudoslevados a cabo por investigadores portugueses e brasileiros, j que, ao trabalharemsobre a nossa proposta temticaArtistas e artfices e a sua mobilidade no mundo deexpresso portuguesa, provaram a importncia deste trabalho feito por equipas dos

    dois lados do Atlntico.Com efeito, apesar de vrias publicaes de mrito terem sido elaboradas por

    especialistas de ambos os pases, at hoje permanecem em aberto questes de diversandole, que s podero ter resposta a partir de um trabalho moroso e exaustivo, delevantamentos de nomes de artistas e das suas obras realizadas no Norte de Portugale, a partir desta regio, a anlise da sua mobilidade interna e externa no contextodo mundo onde foi (e ainda ) visvel o impacte da dispora artstica portuguesa.O nosso primeiro investimento cientfico foi a produo de teses de mestrado e dedoutoramento que constituram um magnfico enquadramento para a rede cientfica que

    desejvamos criar, e cuja continuidade ser garantida pelas pesquisas em curso.

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    6 Introduo/Introduction

    Fazia parte desta fase do nosso projecto envolvendo investigadores portugueses(vinte e seis) e brasileiros (seis), alm do colquio acima referido, a realizao deoutros dois encontros cientficos nos anos sequentes, com o objectivo preciso dedivulgar os resultados do trabalho de ambas as equipas, e de equacionar os mltiplos

    dados obtidos no mbito da historiografia da arte.Assim, em 11 e 12 de Dezembro de 2006, realizou-se no Porto o I SeminrioInternacional Luso-Brasileiro, subordinado ao temaArtistas e Artfices do Norte dePortugal, decorrendo no ano seguinte (de 3 a 6 de Dezembro), em Salvador da Bahia,o II Seminrio Internacional Luso-Brasileiro, durante o qual foi analisado o temaArtistas e Artfices do Norte de Portugal e sua Mobilidade no Mundo Portugus.

    Na nossa condio de Coordenadora do projecto foi muito gratificante verificarque a aceitao dos temas propostos foi unnime, tendo-se obtido resultados muitosignificativos como podemos comprovar pelos trabalhos agora publicados nas presentes

    Actas.No primeiro seminrio, assistimos a uma participao de investigadores seniores apar de elementos que constituem a nova gerao de mestres e doutores que integrama nossa linha, existindo uma efectiva cooperao no entendimento do projecto comoum trabalho colectivo, respeitando-se simultaneamente a diversidade dos perfis dosparticipantes. A encerrar o evento, para alm do debate sobre as temticas apresen-tadas, foi realizada uma mesa-redonda sobre a investigao produzida no mbito doprojecto pelos membros da Linha.

    O segundo seminrio contou com a presena dos professores portugueses e

    brasileiros mais graduados, que trataram temas j relacionados com o patamar quedesejamos atingir numa fase posterior: a mobilidade dos agentes produtores do objectoartstico. Este encontro foi concludo com a realizao de uma mesa-redonda, ondefoi feito o ponto da situao do projecto de investigao e da criao da base dedados de artistas e artfices recolhidos at ao momento, tendo-se trocado informaesimportantes para a evoluo das pesquisas nos dois pases, apontando-se a necessidadede alargamento da colaborao a outras regies do Brasil e da assinatura de proto-colos com outras unidades de investigao. Devemos, ainda, referir como aspectosrelevantes, as conferncias proferidas no incio do evento pelos cinco professores

    portugueses, sobre temas da sua investigao pessoal, e a organizao de uma visitaguiada a monumentos da cidade de Salvador da Bahia onde, in loco, se traaramalgumas pistas para trabalhos futuros conjuntos.

    Os resultados positivos desta misso cientfica tiveram como consequnciaa assinatura dos Protocolos de Cooperao Acadmica e Intercmbio Tcnico,Cientfico e Cultural entre o CEPESE e as Universidades Federais do Rio de Janeiroe da Bahia.

    O protocolo assinado com a Universidade Federal da Bahia levou realizao doCurso Novas Perspectivas da Histria da Arte Portuguesa: Novas Interpretaes(I), que decorreu em Julho de 2008, sob patrocnio do CEPESE e apoio do Programade Ps-Graduao em Artes Visuais (Escola de Belas Artes da Bahia). Queremos

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    I SEMINRIO INTERNACIONALArtistas e Artfices do Norte de Portugal

    Porto, 11-12 de Dezembro de 2006

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    I SEMINRIO INTERNACIONAL

    Artistas e Artfices do Norte de Portugal

    Participantes

    ANACRISTINACORREIADESOUSA

    Jorge Cedeira, o Velho: um ourives vimaranense na Galiza de Quinhentos

    ANTNIOMOURATO

    Augusto Roquemont, retratista e pintor de costumes populares

    ANTNIOJOSDEOLIVEIRA

    A actividade de Pedro Coelho, mestre escultor e entalhador, na Colegiada de Guimares(1687-1713)

    CARLASOFIAQUEIRS

    A permanncia estrutural do registo horizontal intermdio nos retbulos da Diocesede Lamego

    CYBELEVIDALNETOFERNANDES

    Arquitetos, mestres-de-obras, pedreiros e calceteiros no sculo XVIII e XIX em Minas

    Gerais. Cruzando dados, propondo questes

    FAUSTOSANCHESMARTINS

    A actividade arquitectnica de Silvestre Jorge nos colgios jesutas do Norte dePortugal

    JOAQUIMJAIMEB. FERREIRA-ALVES

    Caetano Pereira: mestre pedreiro do Porto. Um esboo da sua actividade

    JOSCARLOSMENESESRODRIGUES

    Artistas e Artfices de Penafiel (sculos XVII-XIX)

    LCIAMARIACARDOSOROSAS

    Joo Baptista do Rio e o Programa Pictrico Revivalista da Matriz de Viana doCastelo

    LUSALEXANDRERODRIGUES

    Contributos artsticos de estrangeiros na regio ocidental de Trs-os-Montes e oficinaslocais. Sculos XVI-XVIII

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    Jorge Cedeira, o Velho:um ourives vimaranense na Galiza de Quinhentos

    Ana Cristina Correia de SOUSA

    Entre as inmeras famlias de ourives portugueses que se instalaram na Galiza nossculos XVI e XVII contam-se os Cedeira, de origem vimaranense. Valorizados pelaqualidade tcnica e esttica do seu trabalho, os ourives portugueses conquistaramum lugar de destaque nos principais centros galegos de produo, fundando vriasdinastias de prateiros, ligadas entre si por laos matrimoniais.

    Os Cedeira destacam-se pelo nmero e pela continuidade do seu nome, tendomonopolizado a arte da prata em toda a Arquidiocese de Santiago, desde meados dosculo XVI at dcada de Vinte da centria de Seiscentos. Como rivais tinham apenas

    os prateiros valisoletanos1

    , que gozaram de enorme prestgio em Espanha, durantea Renascena. Mas distinguem-se tambm pela perfeio, carcter e uniformidadeestilstica dos seus trabalhos2, impondo determinados rumos e formas e introduzindona regio a linguagem manuelina, que perdurar na companhia de novos gostos3.

    Jorge Cedeira, o Velho4aparece referenciado em Santiago de Compostela e pelaprimeira vez, no ano de 1542. A 26 de Abril desse ano, o prateiro, juntamentecom a sua mulher Margarida Lopes5, outorga a favor do seu irmo Gabriel Cedeira,vizinho da cidade de Guimares, uma cobrana de dvidas e bens. Na procurao,

    1

    GOY DIZ, 1998: 90. O intercmbio de ourives (e de outras produes artsticas) incrementa-se nos primrdios dosculo XVI e permanece at ao sculo XVIII, sendo evidentes os elementos de afinidade entre a produo artsticado Norte de Portugal e o Sul da Galiza. GARCA IGLESIAS, 1995: 316. Santiago de Compostela exercia umaatraco especial para os artistas portugueses, pela existncia de uma clientela certa e pelo facto da mo-de-obraser bem paga. CARVALHO, A. L. de, 1950: 27.

    2 FILGUEIRA VALVERDE, 1995: 664.3 FILGUEIRA VALVERDE, 1950: 9.4 Designao atribuda para o distinguir do seu filho Jorge Cedeira, o Moo.5 A. L. de Carvalho assegura tratar-se de uma filha do imaginrio Gonalo Lopes, tambm natural de Guimares.

    CARVALHO, 1939: 161; CARVALHO, 1950: 27. Esta constatao carece, no nosso entender, de fundamento.A documentao conhecida relativa actividade do mestre pedreiro Gonalo Lopes remete-nos para os ltimosvinte anos do sculo XVI: em 1580, perito de vistoria no Mosteiro de S. Gonalo em Amarante, de acordo coma informao mais antiga, e em 1600 trabalhava na igreja da Misericrdia de Guimares, a data mais recente qual

    se ligou este nome. CARVALHO, 1951: 67-70. De acordo com o documento citado, Margarida Lopes residia j,em Santiago de Compostela, com Jorge Cedeira, no ano de 1542. E de supor, tambm, que algum dos seus cincofilhos conhecidos fosse j nascido. Para a aceitarmos como filha de Gonalo Lopes, este teria que ter exercido o seu

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    Jorge Cedeira especifica tratar-se especialmente [de] umas casas que yo tengo en la callede Donays en dha villa sobre que trato pleito com el Duque de Braganza6. Para A. L. deCarvalho (opinio igualmente sustentada por Filgueira Valverde7), esta questo como Duque de Bragana poder explicar a sada do artista de Guimares para Santiago

    de Compostela.De traado muito antigo, de perfil estreito e funo secundria, a rua de Donais inicialmente Dona Nais , ligava a Rua Nova do Muro Rua dos Mercadores.Ainda hoje existe mas sem nome, mantendo-se como uma congosta bastante estreita,a exemplo de outras, deixando perceber como era fcil devassar o espao do vizinhodianteiro8. As referncias mais antigas a esta rua remontam ao sculo XIII, revelandoa documentao a existncia de vrios imveis na via. A indicao daplatea do dona

    Naysnum documento de 1282, parece sugerir um alargamento da viela a Norte,facto comum nas ruas das urbes medievas, estreitas, de largura no uniforme, sinuosas,

    escuras ()9. Nos finais de Duzentos surgem-nos anotaes de casas sobradadas,construes que se justificavam certamente pelo posicionamento privilegiado destaartria que ligava as duas importantes ruas da cidade atrs citadas: a Rua Nova doMuro e a Rua dos Mercadores. As construes ter-se-o intensificado na centria deTrezentos, constatao igualmente suportada pela documentao que regista vriasquerelas entre proprietrios, incluindo eclesisticos e outra gente de prestgio.

    Sabemos tambm que no sculo XV, a Rua Escura que subsiste nos nossos diasperpetuando no espao urbano o seu traado medieval foi uma das preferidas dosapoiantes do Duque de Bragana. O duque era ento a proprietrio de uma casa-

    torre e adega, imvel anterior a 1330. O desembocar desta rua no eixo Sapateira /Mercadores e a proximidade Viela de Donais, poder explicar o interesse imobiliriodo Duque de Bragana nesta zona da cidade e justificar as questes com outrosproprietrios, disputas que se prolongaram pela centria seguinte. neste contextoque podemos entender o pleito existente em 1542, entre Jorge Cedeira, o Velho ea Casa de Bragana. difcil estabelecer, no entanto, uma relao directa entre apartida do prateiro para Santiago de Compostela e esta questo com o Duque, comoentendeu A. L. de Carvalho e Filgueira Valverde10.

    ofcio pelo menos at aos noventa e muitos anos, o que nos parece pouco provvel. A concordncia de um apelidono suficiente para podermos estabelecer laos de familiaridade.

    6 COSTANTI, 1930: 109.7 FILGUEIRA VALVERDE, 1995: 664.8 FERREIRA, 1997: 414.9 FERREIRA, 1997: 420 e 384.10 O vnculo de Jorge Cedeira a Guimares volta a aparecer num documento mais tardio, datado de 1 de Dezembro

    de 1557, no qual o casal outorga a venda de uma casa na Rua de Donado, naquela cidade, a Manuel e Joo Vasques(pai e filho), ambos de Guimares, a qual era foro dos curas de Santa Maria de Oliveira. COSTANTI, 1930: 109.Nenhuma rua com este nome chegou aos nossos dias. A. L. de Carvalho sugere tratar-se eventualmente de um errotipogrfico, propondo a hiptese do topnimo Ourado que ainda hoje existe. Julgamos antes tratar-se da mesmarua de Donais, atrs referida, e o documento indicar que o pleito de 1542 se resolvera a favor de Jorge Cedeira.

    A confirmar-se esta ideia, o texto esclarecer-nos-ia ainda acerca de uma outra questo: em 1557, o prateiro, jplenamente instalado em Compostela e com um volume importante de encomendas, no tencionava regressar aGuimares.

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    15Jorge Cedeira, o Velho: um ourives vimaranense na Galiza de Quinhentos

    Mais certo, no nosso entender, que a sua partida esteja antes relacionada coma importncia cultural e econmica que Santiago de Compostela assumiu desde osprimrdios do sculo XVI, enquanto ncleo de atraco e difuso das artes e um dosmais relevantes em termos de produo de ourivesaria peninsular. Constituindo um

    dos mais importantes centros de peregrinao da Cristandade depois de Jerusalme Roma , Santiago v proliferar durante este perodo muitas oficinas de ourivesaria,onde artistas locais e forneos concorrem entre si pela conquista de uma clientela ricae abundante, encabeada pelos Arcebispos e pelo Cabido da Diocese mas, tambm,pelo clero das parquias envolventes, por nobres e peregrinos que quer[iam] levar arecordao da sua romaria a Compostela11.

    Pelo volume de encomendas conhecidas percebe-se que Jorge Cedeira gozou degrande popularidade em Santiago de Compostela em meados da centria de Qui-nhentos. O trabalho desenvolvido por Pablo Prez Constanti nos arquivos galegos,

    entre o final do sculo XIX e incio do sculo XX, permite-nos conhecer uma pequenaparte do nmero de contratos feitos a Jorge Cedeira, entre as dcadas de 40 e 60 dosculo XVI, para a cidade e igrejas paroquiais envolventes.12

    A mais antiga encomenda de que temos notcia a de um clice de prata dou-rada, destinado capela de Santa Catarina, fundada na catedral pelo cnego LopeSnchez de Ulloa. Faleceu este importante mecenas a 16 de Outubro de 1545. Apea apresentava as armas do referido cnego13.

    Grande parte das encomendas dizem respeito, no entanto, a cruzes paroquiais,muito em voga no tempo e motivo de rivalidade entre as parquias. Conhecemos

    registos para a igreja paroquial de Vilanova de Arosa (23 de Abril de 1552), para aCapela da Corticela, junto catedral de Santiago de Compostela (ano de 1554), paraa igreja de Santiago de Viveiro (15 de Janeiro de 1554), para a igreja da Redondela(1 de Dezembro de 1555) e finalmente duas cruzes para a Igreja de Santa Eullia deCamba (Laln), que foram contratadas a 14 de Fevereiro de 1561.

    Os contratos especificam a matria-prima, o peso, o prazo para a execuo, custose indicaes sobre o feitio. Deste modo, a cruz para a igreja de Vilanova de Arosadeveria ser de prata dourada, pesar 22 marcos e estar pronta em dez meses. Quanto aofeitio, seguirala hechura de dos lanternas muy bien labradas com sus pilares e imgenes,

    que han de ser las que nombrare Lope de Mena, mercador vecino desta cibdad com susrrosetas en la aspa segn que est en un molde de pulgamino y muestra que el dho JorgeCedeira tiene, y de dos labores y hechura de la cruz de la Corticela que al presente haze.14Ou seja, o feitio da cruz resultaria de uma mescla de motivos decorativos escolhidos apartir de duas lanternas conhecidas dos encomendadores, de um molde de pergaminho

    11 BARRAL IGLESIAS, 2001: 176.12 Estudiosos da actualidade tm-se igualmente debruado sobre o estudo desta famlia e publicado alguma docu-

    mentao sobre os Cedeira. Refira-se a investigao desenvolvida pela Professora Ana E. Goy Diz, relativamentea esta temtica. A pesquisa em arquivos galegos, desde Santiago de Compostela a outras cidades onde trabalharamdescendentes deste artista, ser certamente reveladora da importncia que esta famlia de origem portuguesa assumiu

    no panorama artstico da regio.13 COSTANTI, 1930: 109.14 COSTANTI, 1939: 110.

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    16 Ana Cristina Correia de SOUSA

    que estava na mo do artista e finalmente da forma e decorao da cruz da Capelada Corticela, que estava ento em execuo, de acordo com o documento.

    Conhecemos uma descrio minuciosa desta Cruz da Capela da Corticela, a partirde uma acta de Visita de 1608:

    Una cruz de plata grande entredorada y armada sobre madera, toda grabada: de la unaparte un crucifixo y los quatro Evangelistas en los braos y de la outra la ymagen de NuestraSeora con tres ngeles en los braos y en el de arriba la vernica con su pie esquinado con seyspilares y seis rremates y seis figuras, la una de Nuestra Seora y Nio Jess y las tres de los tresReyes, y otra de Santiago y otra de San Pablo con doze esses abaxo y quatro arriba ms pequeas

    en el rremate; con su can de cobre abaxo. Tiene de peso esta cruz veynte marcos menos dosreales de plata y lleb de oro ciento y cincuenta y siete R.s y medio. Lleb por la hechura JorgeCedeira platero que la hio en esta ciudad en el ao de mill y quinientos y cincuenta y quatro,quarenta ducados.15

    A cruz era de prata dourada e alma de madeira, com cano inferior de cobre,toda cinzelada, pesava vinte marcos menos dois reais de prata e cento e cin-quenta e sete reais e meio de ouro. Custou de feitio quarenta ducados e estavaconcluda em 1554. A ateno reside, no entanto, na inquestionvel riquezaiconogrfica: o crucifixo com os quatro Evangelistas, de um lado, Nossa Senhora,trs anjos, Vernica, Nossa Senhora com o Menino, os Reis Magos, Santiago eSo Paulo, no outro. E as imagens enquadradas em elementos arquitectnicos,especificando-se pelo menos seis pilares e vrios remates. Estrutura complexa e

    elaborada, plenamente enquadrada nas tipologias de cruzes paroquiais do tempoque chegaram at ns.Nesse mesmo ano, Jorge Cedeira contrata, com a Igreja de Santiago de Viveiro,

    a execuo de uma cruz de prata dourada, de doze marcos de peso, ficandoacordado o pagamento de quarenta e quatro ducados pelo feitio. Percebemos,pelo teor do texto, que a cruz da Corticela serviu uma vez mais de modelo. Maseste documento tanto mais precioso na medida que nos fornece novos dadossobre a referida cruz: do labor de Romano primoda aspa, que os encomendadoresde Santiago de Viveiro querem que repita na sua cruz, na aspa de arriba16. O

    texto descreve tambm a estrutura da ma ou n, com seis nichos para acolherseis imagens e inscrio dos respectivos nomes, conforme o indicado no risco dacruz entregue ao artista.

    No ano seguinte a 1 Dezembro de 1555 o Concelho de Redondela, representadonas pessoas de Rodrigo Troncoso e Juan Botelho, encomendou-lhe uma cruz attrinta marcos de peso, com a mesma forma, feitio e imagens da que havia feito paraVilanova de Arosa, acordando o pagamento de quatro ducados por cada marco de

    15 COSTANTI, 1930:109-110.16 COSTANTI, 1930:110.

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    17Jorge Cedeira, o Velho: um ourives vimaranense na Galiza de Quinhentos

    peso. Mas acrescentam: si fuere ms delicada y acicelada que la dha cruz de Villanueva,en tal caso le pagarn medio ducado ms por cada marco alliende de los quatro.17

    A ltima referncia documental de contratos para a elaborao de cruzes datade 14 de Fevereiro de 1561. Nesta data, o cura da Igreja de Santa Eullia de Camba

    (Laln) encomendou a Jorge Cedeira a execuo de duas cruzes de propores maismodestas do que as que temos vindo a descrever, com sete marcos de peso cadauma. Serviu como modelo a cruz da igreja de Santa Maria Salom, de Santiago deCompostela, de acordo com o seguinte teor: al modo la haspa y crucifixo e con las

    mismas labores y rromanos y ebangelistas que tiene la cruz de Santa Maria Salom destaciudad () y en la una de las dhas cruces donde estuviere Nuestra Seora ha de poneruna figura de Santiago y otra de San Juan y la segunda cruz ha de llevar tambin unaimagen de Santa Olalia y otra de Santa Catalina18.

    Filgueira Valverde atribuiu oficina de Jorge Cedeira, o Velho, uma das cruzes

    paroquiais do museu de Pontevedra19. A observao e anlise da referida cruzpermitem-nos encontrar afinidades com as descritas na documentao. Parecetratar-se, no entanto, de um esquema simplificado da cruz da Capela da Corticela,que serviu de modelo a outras cruzes que executou. A cruz de prata, com alma demadeira como as anteriores. A estrutura simples e em termos formais e decorativosestabelece a ligao entre os remates flordelizados dos braos da cruz, com os quatroevangelistas nas extremidades, de padro medieval, e os motivos decorativos a laromana, como os contratos exigiam: folhas de cardo, medalhes com as figuras dosevangelistas, cabeas de anjos alados.

    A obra de referncia de Jorge Cedeira na Galiza , no entanto, um busto relicriode Santa Paulina, exposto na Capela das Relquias da Catedral de Santiago deCompostela. Estava terminado em 1553, como se podia ler na inscrio da peanha eque desapareceu no incndio do retbulo das relquias em 1921: Esta pieza hizo JorgeCedeira ao 155320. A veracidade dessa data pode ser confirmada no Libro de Depositode 1549-1576, do Arquivo da Catedral, onde consta a ordem de pagamento a JorgeCedeira, em reunio de Cabido, a 17 de Novembro de 1553, do valor de 19.288maravedis que ubo de aver por razn de la hechura de la ymagen de Sta. Paulina, y demsdesto, 3 500 maraveds que hizo de gasto de dorar la dha ymagen y en poner ciertas piedras

    en ella21

    . de prata dourada, de boa qualidade tcnica, visvel quer no repuxado querno trabalho de cinzelagem, com aplicaes de esmaltes a frio nas carnaes.

    17 COSTANTI, 1930: 110.18 COSTANTI, 1930: 110.19 E atribui uma outra a Jorge Cedeira, o Moo. As duas cruzes foram adquiridas pelo Museu em 1928 e faziam parte

    da Coleco de Don Francisco Pzos. FILGUEIRA VALVERDE, 1995: 666. Os registos do Museu so, no entanto,mais prudentes em relao a estas atribuies. Ambas aparecem indicadas como sendo do Crculo de Cedeira OMooe de Cedeira o Mozointerrogado, em relao s cruzes paroquiais n 137 e 138 respectivamente. Juan NovsGuilln, que estudou a coleco das cruzes do Museu de Pontevedra, limita-se a indicar uma delas (a n 138) comoprocedente del taller de los Cedeira. NOVS GUILLN, 1951: 209.

    20 O retbulo-relicrio da capela que desapareceu com o incndio de 1921 era da autoria de Bernardo Cabrera e datava

    de 1630. Nele se empregou, pela primeira vez, a coluna salomnica na Galiza. O actual um retbulo neogtico,da autoria de Rafael de la Torre e executado por Magarios em 1926. LOUZAO MARTNEZ, 2004: 95.

    21 COSTANTI, 1930: 110.

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    18 Ana Cristina Correia de SOUSA

    As relquias de Santa Paulina fazem parte do conjunto das sete cabeas das OnzeMil Virgensou companheiras de Santa rsula22, que o Arcebispo de Colnia entregouem 1543 a D. Gaspar de balos, bispo de Santiago de Compostela, durante a viagemque este efectuou Alemanha e Itlia na companhia do Imperador Carlos V.

    A pea est classificada estilisticamente como renascentista, atendendo con-cepo, formas e ornamentao e a delicada imagem considerada un primor daexaltacin feminina do ourive Cedeira23. A peanha apresenta uma forma descontnua,de linhas quebradas, destacando-se o friso decorativo gravado a buril que apresentauma enorme variedade de motivos iconogrficos de expresso renascentista: a prpriaSanta Paulina em diversas representaes cenogrficas, animais mticos,puttie anjosenquadrados numa paisagem plena de fitas, flores e frutos. A vegetao envolve trsmedalhes com palmas de martrio, a figura de um jovem guerreiro representada deperfil e ladeada por dois paves e um tondovegetalista a enquadrar o perfil de uma

    mulher, seguramente a apoteose da Santa. O busto unha preciosa peza renacente. Oseu rostro, oval, ensoador, exprsase com someros rasgos faciais idealizados: resaltadosollos amendoados e beizos firmes, denotando unha incontible forza. Encdrao larga melenadourada, de mechns rizos paralelos, que caen sobre os ombros e se estenden polas suascostas24. A coroa sobre a cabea, com enrolamentos vegetalistas e decorada compedras, um acrescento do sculo XVIII, substituindo uma anterior certamentecontempornea da pea. Sabemos que esta estava decorada tambm com pedras,

    22 So conhecidas vrias verses sobre a lenda de Santa rsula e das suas companheiras. A verso mais divulgada e

    popular a de Jacopo de Vorgine, na Lenda Dourada. Nela, Santa rsula apresentada como uma jovem princesa,filha do rei da Gr-Bretanha, prometida em casamento a um rei pago. rsula imps como condio o baptismodo noivo e a peregrinao de ambos a Roma, partindo para esse destino na companhia de dez jovens nobres, cadauma delas acompanhada por mil virgens. Cumprida a peregrinao a esse importante centro da Cristandade, todoo squito tragicamente assassinado junto s muralhas de Colnia, pelos Hunos, durante a viagem de regresso.A lenda descreve tambm o rpido castigo divino, pois um exrcito de onze mil anjos enviado para afugentar osassassinos das jovens mrtires. RAU, 1999: 300-301. Escavaes no local da actual igreja de Santa rsula, emColnia, revelaram a existncia de um primitivo lugar de culto paleocristo, constitudo ao redor de trs tmuloscolocados num antigo cemitrio romano. Este ter sido destrudo no sculo IV (talvez depois da conquista deColnia pelos Francos) e no seu lugar foi erguida uma baslica, a expensas de Clemcio, figura senatorial, isto deacordo com uma inscrio de pedra do sculo IV-V existente no coro da igreja de Santa rsula de Colnia e que diz:onde as santas virgens derramaram o seu sangue em nome de Cristo. Se estes dados parecem comprovar a existncia de

    martrios, desconhece-se, no entanto, as circunstncias histricas, a cronologia e os nomes dos executados. O cultoaos santos mrtires desta baslica progrediu durante a Alta Idade Mdia. No sculo X surgem as primeiras indicaesquanto ao nmero e aos nomes nas fontes litrgicas: primeiro dois Saule e Marta , depois cinco e finalmente 11.A falsa interpretao da inscrio XI M V XI Mil Virgens em vez de XI Mrtires Virgens incrementou a lenda,sendo esta reforada pela descoberta, no sculo XII, do cemitrio romano nos arredores da igreja; as muitas ossadasencontradas foram interpretadas como as relquias das onze mil virgens. A partir de ento, o culto expandiu-serapidamente por toda a Europa, multiplicando-se, at ao sculo XVI, o nmero de parquias sob a invocao dersula, bem como a trasladao das ditas relquias recebidas em grande pompa por toda a Cristandade. FRANZEN,1975: 135-136. Durante o Renascimento e a Reforma este culto foi alvo de crtica e no mereceu a ateno nema defesa do Conclio de Trento. Entre os sculos XIV e XVI, no entanto, a importncia deste culto encontra-sepatente na quantidade e qualidade de representaes iconogrficas, espalhadas um pouco por toda a Europa. Osbustos de Santa Paulina, Santa Florina e um terceiro que desapareceu no incndio do Retbulo das Relquias de1921, na Capela das Relquias da Catedral de Santiago de Compostela, expressam bem o alcance e a sua no decurso

    da Idade Mdia.23 BARRAL IGLESIAS, 1993: 524.24 BARRAL IGLESIAS, 1992: 349.

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    19Jorge Cedeira, o Velho: um ourives vimaranense na Galiza de Quinhentos

    retiradas de um porta-paz antigo de ouro, que existiu no Tesouro,para que com assuas prolas se adorne a cabea de Sta Paulina25. O vestido acompanha a poca, comuma tnica de mangas fartas, decorada no peito com delicados motivos gravadosa buril, cingida numa gola elaborada e nobilitada com pedras preciosas. O corpete

    modela o corpo e encontra-se primorosamente cinzelado, exibindo um embrenhadoesquema de folhagens que envolvem duas cabeas de anjos alados, enriquecido comprolas e brilhantes encastoados.

    Rafael Balsa de la Vega atribuiu ainda a Jorge Cedeira, o Velho o relicrio de SoCristvo, um brao de prata de 1577, igualmente exposto na Capela das Relquiasda Catedral de Santiago de Compostela. Teve certamente em conta a qualidadetcnica dos cinzelados e repuxados, que considera ser uma das maiores virtudes dosCedeira e descreve a pea da forma seguinte: la mano es un hermoso estdio realista,as como la manga bien plegada y lindamente cincelada26. Estudiosos da actualidade

    identificam-na com sendo da autoria de Juan de Arfe27, prateiro e tratadista, oterceiro de uma dinastia de Valladolid com o mesmo nome e uma das famlias maisinfluentes e inovadores da ourivesaria espanhola de Quinhentos.

    Uma nota de relevo no percurso conhecido Jorge Cedeira a da sua ligao explorao de minas de ouro, prata, estanho e outros metais na Galiza, em vriascomarcas das actuais regies de Corcubin e Carballo. Entre 1561 e 1562, figura pelomenos em trs contratos, formando Companhias com vrios vizinhos de San Lorenzode Agualada, San Juan de Olveira e Noya28. Dado que a explorao de minas eraento monoplio da Coroa Espanhola que reservava para si um tero dos lucros

    , as companhias solicitaram a Filipe II uma Proviso Real para poderem explorarlivremente essas minas e respectivos metais29. Pela anlise dos contratos, sabemos queJorge Cedeira, o Velho reservava para si uma doseava parte dos benefcios obtidosnessas exploraes. A iniciativa revelou-se, no entanto, um fracasso e o fruto dasexploraes no chegou para cobrir os gastos30.

    Sabemos que os filhos de Jorge Cedeira e Margarida Lopes seguiram a profissodo pai e que desde muito cedo aparecem envolvidos em actos notariais, assinando

    25 BARRAL IGLESIAS, 2001: 176. Informao retirada do Libro de Depsito, 1549-1576, do Arquivo da Catedral

    de Santiago de Compostela.26 BALSA DE LA VEJA, 1912: 55-56.27 BARRAL IGLESIAS, 1993: 522 e VILA JATO, 1998: 173. Juan de Arfe nasceu em Leo em 1535. Era filho de

    Antnio de Arfe e neto de Enrique de Arfe. O av era natural de Erkelenz (Alemanha) e ter nascido por volta de1475. Fez a sua aprendizagem como prateiro na Alemanha ou nos Pases Baixos mas encontrava-se j a trabalhar emLeo no final do ano de 1500. Nesta cidade nasceu, por volta de 1510, o seu filho Antnio de Arfe, que aprendeu oofcio da arte da prata com o pai. Mais tarde viria a instalar-se em Vallodolid com a famlia, tendo o seu filho Juande Arfe aqui permanecido at 1580.

    28 COSTANTI, 1933: 111; COSTANTI, 1943: 98-99.29 A propriedade das minas converteu-se numa importante fonte de poder poltico e, se na Espanha, durante a Idade

    Mdia, a sua explorao estava nas mos de particulares, no sculo XVI esse direito voltou a pertencer Coroa,qualquer que fosse o tipo de emprazamento. Era dever de todos os sbditos dar a conhecer ao monarca qualquerexplorao do gnero, ficando sujeito a sanes, todo aquele que no cumprisse essa obrigao. O Rei podia, no

    entanto, autorizar a explorao das jazidas atravs de concesses a particulares. LOUZAO MARTNEZ, 2004:143.

    30 GOY DIZ, 1998: 129.

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    como testemunhas de contratos. Essa ser uma prtica corrente na famlia: pais, filhos,irmos e sobrinhos constam como testemunhas ou fiadores dos muitos contratosnotariais que os arquivos galegos vo revelando.

    No contrato que Jorge Cedeira celebra em 1552 com a igreja paroquial de Vilanova

    de Arousa, figuram como testemunhas os seus filhos Duarte e Lus Cedeira31. DuarteCedeira, o Velho para o distinguir do seu sobrinho Duarte Cedeira, o Moo, filho doseu irmo Lus residia em Vigo em 1562 mas regressou a Santiago de Compostelaem 1597. Em 1599 arrendou ao Cabido da Catedral, juntamente com o seu colegade profisso Enrique Lpez, sete tendas da praa das Plateras por um perodo de seisanos32. Lus Cedeira residiu sempre em Santiago de Compostela33. Jorge Cedeira, oMoo, era morador em Vilafranca do Bierzo no ano de 1562, mas deslocou-se maistarde para Compostela, onde residiu durante algum tempo na Rua de Azabachera,de acordo com o contrato de renda que formaliza em 158934. Deve ter tido uma vida

    longa pois morreu por volta de 1620, deixando por concluir uma custdia cujo termodeixa responsabilidade do seu filho Bartolom Cedeira35.Quanto s filhas, Francisca Lpez casou por volta de 1562 com o prateiro Francisco

    Prez, vizinho de Vilafranca do Bierzo, mas residente em Santiago de Compostelapelo menos desde 1570. Morreu o prateiro em 1576, vtima da peste que naqueleano assolou a Galiza, deixando todo o esplio da sua oficina responsabilidade doseu cunhado Lus Cedeira36. Por sua vez, Isabel Lpez recebeu em Outubro de 1557 oresto do dote pelo casamento com o prateiro Antnio Fernndez, do qual se conhecempelo menos dois contratos para a execuo de duas cruzes processionais37.

    Assim se traou o percurso possvel da vida de um artista, enfatizando a suaorigem, percorrendo a obra conhecida, estabelecendo-se breves referncias suafamlia, famlia extensa e marcante no panorama artstico da Galiza da segundametade de quinhentos e primeiros vinte anos do sculo XVII. Destes cerca de oitentaanos de actividade, muita informao est ainda por identificar e sistematizar nosarquivos galegos e cidades onde os membros desta numerosa famlia se estabelecerame trabalharam. A histria dos Cedeira assemelha-se a um emaranhado novelo queos une a importantes dinastias de prateiros, de origem galega ou portuguesa, cujoestudo aprofundado poder aclarar envolvimentos e domnios familiares, bem como

    a itinerncia dos seus membros entre o Norte de Portugal e a Galiza ao longo desteperodo.

    31 COSTANTI, 1933: 109.32 COSTANTI, 1933: 104-107. S os mestres mais abastados e poderosos podiam manter tenda nesta praa. O

    Cabido renovava os arrendamentos ao fim de cinco ou seis anos, voltando a adjudicar as tendas. No entanto,eram normalmente os mesmos mestres que as voltavam a arrendar, o que dificultava o acesso a estes espaos dosprateiros mais jovens ou que estivessem fora dos crculos dominantes. GOY DIZ, 1998: 92.

    33 COSTANTI, 1933: 114-115.34 COSTANTI, 1933: 112-114.

    35 COSTANTI, 1933: 104.36 COSTANTI, 1933: 431.37 COSTANTI, 1933: 111.

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    Augusto Roquemont,retratista e pintor de costumes populares

    Antnio MOURATO

    Augusto Roquemont nasceu em Genebra, a 2 de Junho de 18041, mas foi em Itliaque adquiriu a sua formao artstica. Ao longo de dez anos, movimentou-se entre Roma,Veneza, Bolonha e Florena, em percursos iniciados em 18182.

    Desse perodo, sobram hoje vrias acadmias que, nos seus melhores exemplos, revelamum jovem talentoso e sensvel. O trao fino, seguro e elegante, regista com ponderaoas formas, ergue com subtileza os volumes, criando belos efeitos de luz e domina emabsoluto a anatomia e as propores.

    Igualmente a esta fase de aprendizagem, remontam algumas cpias esbocetos a

    leo de autores clebres do Renascimento e Barroco3

    . Exerccios que surpreendem pelafidelidade ao modelo pictrico e absoluto domnio tecnolgico, provando que o artistausufruiu de um ensino de excelncia em Itlia.

    tambm possvel que pertenam fase italiana do pintor uma srie de estudosde figura, pintados a leo, onde Roquemont demonstra grande vigor na pincelada eexcelente claro-escuro4.

    Esta actividade de estudante de arte ser interrompida em Julho de 1828. Roquemontest, nessa altura, em Florena e recebe uma carta do pai ordenando-lhe que se dirija aPortugal5. O jovem pintor deve ter ficado atnito com semelhante deciso. Na verdade,

    continuam hoje a ser um mistrio, as razes que levaram o prncipe Frederico Augustode Hesse Darmstadt a tomar semelhante atitude.De qualquer forma, Roquemont obedeceu. Rumou a Gnova e dali embarcou para

    o nosso pas, chegando a Lisboa no dia 24 de Agosto, data memorvel para os liberais

    1 MACEDO, Maria de Ftima Augusto Roquemont, 1804-1852, in Museu Nacional de Soares dos Reis, 1850-1950,1. edio, 1996, ISBN 972-8137-42-7, p. 30.

    2 BRANDO, Jlio Miniaturistas Portugueses, Porto, Litografia Nacional, p. 87.3 FURTADO, Thaddeo Maria dAlmeida Relatrio sobre o estado da Academia Portuense de Belas Artes, em

    Novembro de 1875, Biblioteca da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.4 Exemplos destas obras encontram-se hoje no Museu da Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto e

    Museu Nacional de Soares dos Reis.5 VITORINO, Pedro O Pintor Augusto Roquemont (No centenrio da sua vinda para Portugal), Edio de Maranus,Porto, 1929, p. 66.

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    portugueses, mas que agora soava a blasfmia. que os ventos polticos sopravam emdireco contrria e eram os absolutistas, liderados por D. Miguel quem dominava osdestinos nacionais.

    O pai de Roquemont que conhecera D. Miguel durante o seu exlio em Viena6

    apresentou-se no norte de Portugal para ajudar o exrcito absolutista a correr com apedreirada7. Tornou-se logo numa figura muito popular em terras lusas8. O seu estatutode prncipe, as suas indumentrias espalhafatosas e alegados exemplos de bravura,elevaram-no categoria de heri9.

    Quando o filho chegou, confiou-o proteco do Visconde da Azenha10, um miguelistafantico, de Guimares11. Roquemont por l ficou, executando retratos, comeando logopelos do referido Visconde e respectiva esposa12.

    Pertence a este perodo, um magnfico auto-retrato do artista, de contornos esbatidose iluminao discreta, onde a paleta se reduz a um fundo de tonalidades castanhas,

    conjugado habilmente com os rosados da face. Algum diria que este trabalho rivalizavacom os melhores retratos de Vandyk13.Mas Guimares, nesse tempo, no era propriamente um grande centro artstico; nem

    sequer um lugar onde um pintor conseguisse ganhar a vida. Os seus pouco mais de 8500habitantes que se dedicavam s indstrias dos cortumes, texteis, papel e doce de ameixae figo no podiam garantir o futuro a artista nenhum14.

    Por isso, em 1830, o suo no tem outro remdio seno aproveitar um trabalho quelhe oferece a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro: levantar aCarta Topogrfica do pas vinhateiro, apesar de nada entender do assunto. Passa mais

    de um ano nessas tarefas15

    .A famlia dos Viscondes da Azenha era, contudo, demasiado influente junto doregime, para assistir de braos cruzados ao desmoronamento da carreira artstica doseu protegido. Uma das filhas dos Viscondes, casara com o poderoso Conde de Basto,importante ministro do governo de D. Miguel16. No tardou a que Basto arranjasse para

    6 BRANDO, Jlio O Pintor Roquemont, Subsdios para o estudo do artista: Vida, poca e Obras, Lisboa: Livraria

    Morais, 1929, p. 15.7 PINHEIRO, Raymundo Jos Ofcio, in Correio do Porto, N. 125, Porto, 22 de Julho de 1828.8 ANNIMO Porto 3 de Agosto, in Correio do Porto, N. 136, Porto, 4 de Agosto de 1828, p. 611.9 VASCONCELLOS, Jos Gabriel dAraujo e; CIFUENTES, Jos de Macedo Portugal; MENEZES, Joo dAlpoim

    da Silva; SANTOS, Joo Antonio dos Exposio, in Correio do Porto, N. 133, Porto, 31 de Julho de 1828, p.598.

    10 Catlogo do Museu de Martins Sarmento, Seco de Arte contempornea, Guimares, 1867, p. 7.11 ANNIMO Sem ttulo, in Correio do Porto, N. 186, Porto, 1 de Outubro de 1828, p. 829.12 BRANDO, Jlio O Pintor Roquemont, Subsdios para o estudo do artista: Vida, poca e Obras, Livraria Morais,

    Lisboa, 1929, p. 105.13 RESENDE, Francisco Jos Manuscrito, 1890, Coleco Vitorino Ribeiro.14 URCULLU, D. Jos de Tratado Elementar de Geografia Astronomica, Fizica, Historica ou Politica, Antiga e

    Moderna, Tomo II, Porto, 1837, pp. 106, 107.

    15 BASTO, A. de Magalhes O Pintor Augusto Roquemont, in O Tripeiro, N. 8, Dezembro de 1950, V Srie,Ano VI, p. 170.

    16 PIMENTEL, Alberto Sangue Azul (Estudos Histricos), Livraria Editora, Lisboa, 1898, pp. 269-271.

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    25Augusto Roquemont, retratista e pintor de costumes populares

    Roquemont um lugar invejvel: o de Director da Aula de Desenho da Academia Realda Marinha e Comrcio da Cidade do Porto17.

    O artista dirige-se a Lisboa e pinta, talvez como sinal de agradecimento, os retratosdo Conde e Condessa de Basto18, enquanto tomava posse por procurao do lugar

    na Academia do Porto19. Em Abril de 1832, vem para a invicta, mas exerce por muitopouco tempo o cargo de Director da Aula de Desenho20. que em Julho, os liberaisdesembarcam no Mindelo e todos os miguelistas ou pessoas a eles ligados apressam-se aabandonar o Porto21. Roquemont no foi excepo, retirando-se para Guimares22. Apsa guerra civil, Roquemont vive tempos difceis. Com a vitria dos liberais, no ousa sairde Guimares e sujeita-se a todo o tipo de trabalhos. Alm de retratos para particularese Confrarias23, executa miniaturas, traa projectos de arquitectura, decoraes parainteriores de Igrejas24e at pinta bandeiras de Irmandades25.

    Pertencem, no entanto, a esta fase menos exuberante da biografia do artista, dois

    esplndidos painis sacros que executou, em 1836, para a Irmandade de Nossa Senhorada Consolao e Santos Passos. Na imagem que representa o Descimento de Jesus daCruz, Roquemont explora de forma notvel os efeitos luminosos, para criar um ambientede intensa desolao. O belo estudo anatmico da figura de Cristo, a intensa comooreprimida que se adivinha na expresso e gestos da Virgem, o delicado tratamento dastexturas dos panejamentos, constituem fortes motivos de interesse deste quadro. Almdisso, na sua magnfica clareza narrativa, a pintura reala excepcionais qualidadesartsticas de Roquemont: desenho seguro e fludo, colorido forte, acabamento delicado emodelao suave. Estilo que faz lembrar Guercino e Mattia Preti, de quem seguramente

    Roquemont viu em Itlia grandes quadros.

    17 MACHADO, Adriano de Abreu Cardoso Machado Memoria Historica da Academia Polytechnica do Porto,inAnnuario da Academia Polytechnica do Porto, Ano Lectivo de 1877-1878, Porto, 1878, p. 254.

    18 VITORINO, Pedro O Pintor Augusto Roquemont (No centenrio da sua vinda para Portugal), Edio de Maranus,Porto, 1929, p. 67.

    19 Arquivo da Real Companhia Velha, Fundo da Academia Real da Marinha e Comrcio, Documento A.G./232.20 MATTOS, Manoel Nunes de Folha dos Ordenados dos Lentes, Professores, Substitutos e mais Empregados

    nAcademia Real da Marinha, e Commercio desta Cidade, debaixo da Inspeco da Ill.ma Junta da Companhia

    Geral dAgricultura das Vinhas do Alto Douro, pelo segundo Quartel que se ha de vencer no ultimo de Junho futurodo presente anno de 1832, 2 de Abril de 1832; MATTOS, Manoel Nunes de Folha dos Ordenados dos Lentes,Professores, Substitutos e mais Empregados nAcademia Real da Marinha, e Commercio desta Cidade, debaixo daInspeco da Ill.ma Junta da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, pelo terceiro Quartelque se ha de vencer no ultimo de Setembro futuro do presente anno de 1832, 2 de Abril de 1832, Arquivo da RealCompanhia Velha, Documentos A.G./113 e A.F. / 79, Fundo da Academia Real da Marinha e Comrcio.

    21 OWEN, Hugh O Cerco do Porto contado por uma testemunha, o Coronel Owen, Prefcio e Notas de Raul Brando,Renascena Portuguesa, [1915], p. 154.

    22 VITORINO, Pedro Mestre e Discpulo, A. Roquemont e F. Resende, in Revista de Guimares, Vol. 32, 1922, p.35.

    23 VITORINO, Pedro O Pintor Augusto Roquemont (No centenrio da sua vinda para Portugal), Edio de Maranus,Porto, 1929, p. 68.

    24 MENDES, Jos de Oliveira Cruz Augusto Roquemont, o pintor e a sua circunstncia, Trabalho para o Seminrio de

    Pintura do mestrado em Histria da Arte da Faculdade de Letras do Porto, Braga, 1994, p. 3.25 Na Irmandade do Senhor dos Santos Passos (Guimares), existe ainda hoje, uma bandeira pintada por Roque-mont.

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    26 Antnio MOURATO

    Em 1839, saradas as feridas da derrota absolutista e atenuadas as lutas entre cartistase setembristas26, Roquemont decide instalar-se no Porto. Arranja um atelier na Rua doAlmada e pouco depois, aluga uma casa na Rua de Santo Antnio, onde permanecedois anos27.

    O xito que a sua pintura obtm junto do pblico portuense esmagador. Roquemontno pra de executar retratos, miniaturas e cenas de costumes populares portugueses. Asua pintura to enaltecida como o seu carcter. Na verdade, a modstia, amabilidade,e simpatia com que trata toda a gente, contribuem para elevar a sua reputao28, queatinge nveis s comparveis aos que gozara Vieira Portuense.

    Em 1840, pinta o quadro Visita Pascal, que adquirido pelo ingls, Joseph JamesForrester29, um grande produtor e comerciante de vinho do Porto que, nas horas livres sededicava a desenhar paisagens durienses30. A cena descreve a visita do Compasso a umapequena habitao de aldeia minhota e revela o estudo atento do artista das atitudes,

    indumentrias e expresses das vrias personagens que compem a cena. A iluminaosuave, cria uma atmosfera quase sagrada e o desenho fludo, recebe um colorido quente.O grande merecimento das figuras de que o pintor pova seus quadros, consiste em seremellas taes que, por seu correcto desenho e conveniente expresso, se nos antolhem como vivas,e cheias de aptido para todos os sentimentos moraes que devemos suppr-lhes, escreverosobre este quadro31.

    Roquemont torna-se um apreciador de Domingos Sequeira32e possivelmente deJean Pillement33.

    Em breve, o seu nome conhecido em Lisboa e o seu talento requisitado pela melhor

    sociedade da capital34

    . O artista parte para a cidade das sete colinas, no vapor Vezuvio,a 5 de Fevereiro de 184235e durante cinco anos no pra de trabalhar, procurandosatisfazer as encomendas que chovem de toda a parte36.

    26 SERRO, Joaquim Verssimo Histria de Portugal, Volume VIII, Do Mindelo Regenerao (1832-1851), 2.edio corrigida e aumentada, Editorial Verbo, p. 94.

    27 COUTINHO, Xavier O Pintor Augusto Roquemont no Porto, Porto, 1963, p. 8.28 Catalogo Official da Exposio de Archeologia e de Objectos Raros, Naturaes, Artisticos e Industriaes, Realisada

    no Palacio de Cristal Portuense em 1867, Porto, Typographia do Jornal do Porto, 1867, p. 36.29 Inscrio no reverso do quadro Visita Pascal.30 LOPES, Carlos da Silva O Baro de Forrester, Amigo do Porto e da Regio Duriense, in Primeiro de Janeiro, 4 de

    Julho de 1971.31 ANNIMO Parecer sobre a Visita Paschal do Parocho da aldeia a seus freguezes, Porto, 1846, p. 5.32 RACZYNSKI, Le Comte A. Dictionnaire Historico-Artistique du Portugal, Paris, Jules Renouard et C.ie, Libraires-

    diteurs, 1847, p. 266.33 O quadro Visita Pascal lembra muito os interiores de adegas que Pillement executou no Porto, em 1783, quer no

    que respeita ao tratamento da luz, quer no tratamento das personagens e at acessrios. Tambm as paisagens queservem de fundo Vareira (1847) e Camponesa da Madalena (1847), remetem para as paisagens martimasdo artista lions.

    34 Catalogo Official da Exposio de Archeologia e de Objectos Raros, Naturaes, Artisticos e Industriaes, Realisadano Palacio de Cristal Portuense em 1867, Porto, Typographia do Jornal do Porto, 1867, p. 36.

    35 VITORINO, Pedro O Pintor Augusto Roquemont (No centenrio da sua vinda para Portugal), Edio de Maranus,Porto, 1929, p. 71.

    36 Vd. Idem, Ibidem, p. 28.

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    27Augusto Roquemont, retratista e pintor de costumes populares

    Para o meio artstico lisboeta, reveste-se de grande importncia a sua participao nasegunda trienal da Academia de Belas-Artes, realizada em 184337. Roquemont exibe nessecertame quatro retratos e dois quadros de costumes intitulados O paroco d alda pedindoo folar(segunda verso do que pintara em 1840, para Forrester) eA volta da ronda da

    Freguezia. As duas ltimas imagens so compradas pelo embaixador da Dinamarca, masantes causam uma forte impresso junto da crtica e dos jovens alunos da Academia.Almeida Garrett, ao escrever sobre estas peas, aproveitou logo para sublinhar que

    o Minho tinha sido o bero do reino e que em certos generos, nunca se faria bempinturaportuguezase o artista no conhecesse e no copiasse a nossa Arcadiaque era aquelaprovncia.A raa, as feies, o trajo, os costumes, tudo alli characteristico, alm de que seencontravam no Minho os campos mais verdes, as rvores mais esbeltas, as mulheres maisbonitas, e os habitos mais sinceros38.

    Por outro lado, os alunos da Academia, saturados dos motivos clssicos da pintura, da

    produo em atelier, a partir de estampas ou cpia dos pintores exemplares39, encontraramnas obras de Roquemont, a resposta a muitos dos seus anseios: a prtica de uma artecujos modelos eram retirados do prprio natural40 isentos de cnones clssicos e quevalorizava as tradies nacionais41, celebrando uma mtica vida real.

    Assim, a temtica dos costumes populares passaria a constituir programa fundamentalda nossa pintura romntica42.

    Em 1847, Roquemont instala-se definitivamente no Porto43e v, logo no ano seguinte,as suas telas de costumes populares serem freneticamente aplaudidas, por ocasio datrienal da Academia Portuense de Belas-Artes. Forrester exps nesse certame as peas

    que j h alguns anos comprara ao suo e ningum lhes regateou elogios.Para o Periodico dos Pobres tinham as obras de Roquemont a primaziasobre todasas outras44. E o mesmo afirmou o Nacional, acrescentando: Os quadros so bellos; v-sealli a mo do mestre e do poeta que sabe conceber, e reproduzir com o pincel suas concepes.O colorido perfeito: ha tanta suavidade na expresso, tanta naturalidade nos costumes, quesem o sentirmos, nos transportam ao meio daquellas funces religiosas, daquelles folgudosdo povo45.

    37

    ANACLETO, Regina Histria da Arte em Portugal, Neoclassicismo e romantismo, Volume 10, Publicaes Alfa,Lisboa, 1986, pp. 149 e 151.38 GARRETT, Almeida O Folar, (Costumes do Minho), Quadro do Sr. A. Roquemont, in Jornal das Bellas-Artes, N.

    1, Vol. I, 1843, p. 76.39 SILVA, Raquel Henriques da Romantismo, in Museu do Chiado, Arte Portuguesa, 1850-1950, Instituto Portugus

    de Museus, Museu do Chiado, p. 28.40FRANA, Jos-Augusto A Arte em Portugal no Sculo XIX, Volume I, 3. Edio, Bertrand Editora, Lisboa, 1990,

    ISBN 972-25-0016-3, p. 227.41 SILVEIRA, Maria de Aires Joo Cristino da Silva (1829-1877), Museu do Chiado, Instituto Portugus de Museus,

    1. edio, Lisboa, 2000, ISBN 972-776-046-5, pp. 18, 19.42 ALVES, Armando; CASTRO, Laura Obras de Arte, Livro-Inventrio, 1995, Cmara Municipal de Matosinhos,

    p. 102.43 BRANDO, Jlio O Pintor Roquemont, in Ilustrao Moderna, 1. Ano, N. 4, Porto, Agosto, 1926, p. 83.

    44 Annimo Academia das Bellas Artes, in Periodico dos Pobres no Porto, N. 246, Porto, 17 de Outubro de 1848,p. 1041, 1. coluna.

    45 Annimo Academia das Bellas-Artes, in O Nacional, N. 241, Porto, 21 de Outubro de 1848, p. 1, 4. coluna.

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    28 Antnio MOURATO

    Tal como acontecera em Lisboa, a exposio destes trabalhos provocou uma completarevoluo no meio artstico portuense46. Os jovens pintores, cujos professores da Academiapintavam pior do que eles47, no tardaram a procurar Augusto Roquemont, vidos dosseus ensinamentos. Pelo atelier do suo, no Corpo da Guarda, passaram os nomes mais

    importantes da gerao de pintores romnticos da cidade da Virgem: os irmos Correia(Joo Antnio e Guilherme), Caetano Moreira da Costa Lima, Antnio Jos de SousaAzevedo e Francisco Jos Resende48. O ltimo, seria o mais dedicado discpulo de todos.Roquemont foi para ele muito mais do que um mestre: um amigo verdadeiro49.

    Roquemont era muito exigente como professor, mas foi isso que permitiu a Resendeascender a grande figura da pintura no Porto. Com o mestre evoluiu muito no colorido, napincelada, na modelao das figuras50. Descreveria o seu professor como astro refulgente51,talento raroe espirito superior nas artes e nas sciencias52.

    Mas tambm os mestres destes jovens se tornariam amigos de Roquemont. Tadeu

    Maria de Almeida Furtado que pintava miniaturas com temas religiosos53e JoaquimRodrigues Braga que sempre que expunha um quadro era desancado pela crtica54,tiveram em Roquemont, no um rival, mas um amigo55.

    Os retratos do suo, de desenho meticuloso, elegante e subtil, luz clara, modelaofina, texturas palpveis e acabamentos primorosos, fariam escola no Porto: os pintoresromnticos portuenses tomaram-nos como modelo para o resto da vida.

    Em 1849, Guilherme Antnio Correia obteria inclusivamente grande xito passandoa litografia um dos retratos mais aplaudidos do suo: o do Bispo do Porto, D. Jernimo

    Jos da Costa Rebelo56.

    46 ASCANIO Folhetim, Exposio das Bellas Artes, in O Nacional, N. 231, Porto, 16 de Outubro de 1851, p. 2,2. coluna.

    47 ALIVIADA, Cosme da Folhetim, Carta de um estudante do Pao a seu padrinho, o regedor de Padoirido sobre a exposioda Academia de bellas artes da cidade do Porto, no anno de 1851, in O Nacional, N. 246, Porto, 3 de Novembro de1851, p. 1, 3. coluna.

    48 COUTINHO, Xavier O Pintor Augusto Roquemont no Porto, Porto, 1963, p. 9.49

    RESENDE, Francisco Jos Bellas-Artes, in O Commercio do Porto, Porto, 17 de Dezembro de 1863.50 ASCANIO Folhetim, Exposio das Bellas Artes, in O Nacional, N. 231, Porto, 16 de Outubro de 1851, p. 2,3. coluna.

    51 RESENDE, Francisco Jos Seco de Bellas Artes, in O Commercio Portuguez, Porto, 28 de Setembro de1877.

    52 Idem Bellas-Artes, Portugal, II, in O Commercio do Porto, Porto, 12 de Novembro de 1865.53 FRANCO, Ansio A Famlia Almeida Furtado e a miniatura como arma. Estratgias de afirmao da Burguesia do Norte

    de Portugal no sculo XIX, in A Arte em famlia, Os Almeidas Furtados, Museu Gro Vasco, Instituto Portugusde Museus, 1. Edio, 1998, ISBN 972-776-005-8, p. 35

    54 ALIVIADA, Cosme da Folhetim, Carta de um estudante do Pao a seu padrinho, o regedor de Padoirido sobre a exposioda Academia de bellas artes da cidade do Porto, no anno de 1851, in O Nacional, N. 246, Porto, 3 de Novembro de1851, p. 2.

    55 BRANDO, Jlio O Pintor Roquemont, Subsdios para o estudo do artista: Vida, poca e Obras, Livraria Morais,

    Lisboa, 1929, p. 108.56 Um amador Sbre o Retrato do Exm. Bispo Actual do Porto, pintado por A. Roquemont, e Lithographado por G. A.Corra, in Periodico dos Pobres no Porto, N. 85, Porto, 11 de Abril de 1849, p. 336, 2. coluna.

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    29Augusto Roquemont, retratista e pintor de costumes populares

    A trienal da Academia de 1851, proporcionaria a Roquemont novo triunfo. Expsneste certame duas telas: um auto-retrato e um quadro de costumes portugueses dasProvincias do Sul57.

    A imprensa do Porto multiplicou os elogios a estas obras. Este insigne artista, nem

    mesmo que o quizra, pintaria mal, escreveu o Chronista58.Foi no auge da sua glria que o destino atraioou Roquemont. No dia 23 de Janeirode 1852, o artista trabalhava no seu atelier, quando sentiu um frio terrvel. Aproximou-se do fogo que estava aceso, mas pouco depois o mesmo frio glacial atingia-o comviolncia. Seguiu-se uma dor forte. Por volta da meia noite recebeu o Sagrado Viticoe fez as suas disposies testamentrias59. Sucumbiu s seis da manh, do dia 24, a umaperipneumonia60.

    Todos ho de sentir a falta de to eximio artista e consumado cavalheiro, afirmou oNacional61.

    Resende foi quem mais sofreu com a perda do seu querido mestre e amigo62. Talvezpara matar saudades, continuou o resto da sua vida a praticar uma pintura de costumes,na linha do suo que fez com que o seu legado artstico permanecesse bem vivo namemria da cidade63.

    Alm disso, o facto de Manuel Jos Carneiro ter leccionado a cadeira de Pintura Histricada Academia Portuense de Belas Artes, entre 1853 e 5564, deve ter contribudo para que ainfluncia de Roquemont se continuasse a desenvolver nos jovens artistas do Porto.

    Carneiro fora amigo ntimo de Roquemont e possua vrias obras do mestre suo.Falava delas aos alunos (recordando episdios que o prprio Roquemont lhe narrara a

    respeito de tais peas) e deixava mesmo que as copiassem65

    .Todavia, em 1861, quase dez anos aps a morte do artista, o Jornal do Porto,recordando o suo, lamentava a sua perda, acrescentando que a cidade no tinhaencontrado ainda ningum que dignamente o substitusse66.

    Na verdade, apesar dos xitos de Francisco Jos Resende, o lugar destacado queAugusto Roquemont ocupou na pintura do Porto romntico, ficaria vago para sempre.

    57 Catlogo de Pinturas, Desenhos, Esculpturas, Arquitecturas, Flores, e outros Objectos DArte, feitas pelos Professores,e Discipulos da Academia Portuense das Bellas Artes; bem como por varias outras pessoas, Porto, Typographia deGandra & Filhos, 1851, p. 19.

    58

    ANNIMO Folhetim, A Exposio das Bellas Artes no Porto, in O Chronista, N. 104, Porto, 11 de Dezembrode 1851, p. 1, 2. coluna.59 ANNIMO O que vai pelo mundo, in O Nacional, N. 19, Porto, 24 de Janeiro de 1852, p. 3, 3. coluna.60 ANNIMO Fallecimento, in Periodico dos Pobres no Porto, N. 21, Porto, 24 de Janeiro de 1852, III Serie, XIX

    Anno, p. 79, 1. e 2. colunas.61 ANNIMO O que vai pelo mundo, in O Nacional, N. 19, Porto, 24 de Janeiro de 1852, p. 3, 3. coluna.62 DEVIL, PRINTERS Folhetim, Revista do Porto, in O Nacional, N. 22, Porto, 28 de Janeiro de 1852, pp. 2 e 3.63 Ainda em 1870, Francisco Jos Resende, escrevia no verso de um dos seus leos: Muro das Fontainhas / Inspirado

    em Roquemont().64 Acta da Conferncia Ordinria da Academia Portuense de Belas Artes, de 30 de Novembro de 1854, inActas das

    Conferencias Ordinarias e extraordinarias da Academia, Volume II, f. 32, v. a 34, Arquivo da Faculdade de Belas Artesda Universidade do Porto.

    65 VITORINO, Pedro O Pintor Augusto Roquemont (No centenrio da sua vinda para Portugal), Edio de Maranus,

    Porto, 1929, pp. 36 e 40 44 ; Catalogo das obras appresentadas na 6. Exposio Triennal da Academia Portuensedas Bellas Artes no Anno de 1857, p. 14.

    66 ANNIMO A Expozio Industrial Portuense em 1861, in O Jornal do Porto, 7 de Setembro de 1861.

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    30 Antnio MOURATO

    A pintura de Roquemont foi dominada por um forte sentido de elegncia e delicadeza,organizao espacial e preponderncia dos efeitos de luz.

    Evidenciam estes predicados, tanto as suas acadmias, como os seus estudos de figura(embora neste caso, o vigor da pincelada assuma grande protagonismo), retratos e cenas

    de costumes populares.A pintura de costumes foi aquela que mais importncia teve para a nossa Histria daArte. As cenas que Roquemont a descreve, situam-se algures num Minho paradisaco,imune a contrariedades do destino e gozando da beno de uma f entranhada at napoeira dos caminhos.

    Os seus excelentes procos de aldeia, as suas belas camponesas de trajes simples,os seus lavradores de p descalo e vara na mo, encontram-se em procisses festivas,fontes de gua cristalina, ou por ocasio do Compasso, na Pscoa.

    As relaes que estabelecem entre si e com a natureza ensolarada e verdejante, so

    dominadas por uma harmonia imperecvel e s. As suas almas abenoadas encontram naspreces que dirigem a altares dos Passos, andores de Padroeiros, crucifixos engalanados, apaz mais profunda, o alvio mais consolador para qualquer percalo da existncia.

    Apresentam-se bem arrumados, em grupos, habitando um espao que lhes parece tersido destinado desde sempre, resguardado de qualquer perturbao, ou incidente marginal.Constroem um mundo to disciplinado e afastado dos tropees da realidade que s umDeus benigno o conseguiria justificar e uma nostalgia desenfreada, conceber.

    Porm, a vida rural no Minho dos incios do sculo XIX no parece ter sido toconsoladora, nem a relao dos camponeses com o clero, to harmoniosa. Eis o que

    algum escrevia sobre essa provncia, em 1821: () o Minho jaz nas maiores miserias,necessidades e total confuzo; os Lavradores carregados debaixo de tributos penosos; l vem acontribuio, l vem impostos mais renda para o Direito Sr., mais renda para o Senhorio, seo tem; l apparece o Abbade acompanhado da consciencia, rapa-lhe as consciencias; se morrealguem, quantos padres, outros tantos folles de milho; chega-se o Santo das pagas, o Abbade nocessa de clamar com consciencia, aboca-lhe os Dizimos, e fica o Lavrador dizimado in totum:alem disto outras mais penurias, que o tempo no permitte o contal-as: vai depois acaba-se osustento no meio do anno pede dinheiro emprestado, este ganha juros, mais renda a pagar, no

    paga, bens na praa, e gente desgraada ()67.

    Mas no com estes olhos que Roquemont contempla o seu Minho. As pinturasque concebe, lembram antes Gomes de Amorim, quando em 1856, viajando pelo nortedo pas, ao descobrir osprazeres campestres, exclamava: Se eu aqui ficasse para sempre!() Longe dos tumultos da cidade, livre dessa vida de lutas ardentes da ambio com o dever,lutas em que no poucas vezes este succumbe! (...) Eu viveria aqui uma longa vida (...) veriabranquecer os meus cabellos no meio duma familia que havia de adorar-me. Nas tempestuosasnoites do inverno, sentado ao lar onde arderia um bom fogo de pinheiro bem secco e bem cheiroso,leria a biblia aos meus filhos, e netos, e para que todos elles fossem bem felizes dir-lhes-hia queo mundo se acabava s margens do Tamega()68.

    67 O Regenerado Companhia Geral do Alto Douro, in Correio do Porto, N. 70, Porto, 22 de Maro de 1821, p. 4,1. coluna.

    68 AMORIM, F. G. de Viagem ao Minho, Captulo XVII, in O Panorama, Volume XIII, Lisboa, 1856, p. 264.

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    31Augusto Roquemont, retratista e pintor de costumes populares

    Quanto ao estilo, Roquemont esmera-se no detalhe do desenho, correco deperspectiva, variedade e harmonia de colorido e sobretudo num aturado estudo dailuminao, derramando sobre os segundos planos uma claridade ofuscante que realaos pormenores mais afastados e proporciona jogos magnficos de claro-escuro.

    Mas a luz, que nas suas acadmias reala as belezas da anatomia e nos seus retratosproporciona finssimas modelaes dos volumes e texturas, poder, no caso das cenasde gnero, ultrapassar os propsitos de ndole plstica.

    Surgindo intimamente relacionada com cerimnias e ritos religiosos ela incorpora,na sua intensidade mgica, o forte simbolismo cristo que a associa a Deus, vida e felicidade. Na verdade, a luz que toca estes homens e mulheres, muito mais queinund-los de belos efeitos de sombras, ou acarici-los benignamente, parece conduzi-losdirectamente felicidade dos simples.

    Tal como Herculano fizera na sua juventude, Roquemont converteu o mundo campesino,

    numa coisa formosa, santa, ideal69, encharcada dapoesia e singella graa popular70. Assuas telas, ultrapassaram portanto, em muito, o simples documento etnogrfico.E as figuras que a pintou, essas almas inacessveis corrupo do seculo, cristspor

    sentimentoe que encontravam na religio as consolaes espirituaespara todos os espinhosda vida71, encerravam afinal um sentimento nostlgico, bem sintonizado com umasensibilidade romntica que se afirmava em definitivo no nosso pas, pela dcada dequarenta do sculo XIX72.

    Cena de Aldeia (Chafariz de Guimares)Ca. 1842 leo sobre tela 220 x 275 mm

    Museu Nacional de Soares dos Reis

    Procisso(1838-1842) leo sobre tela 360 x 470 mm

    Museu Nacional de Soares dos Reis

    69 HERCULANO, Alexandre Prlogo ao conto O Proco da Aldeia, in Lendas e Narrativas, II, 2. edio,Publicaes Europa-Amrica, p. 78.

    70 ANNIMO Retratos e Quadros de Genero, pelo Sr. Roquemont, in Jornal das Bellas-Artes, N. 1, Vol. I, 1843, p.58.

    71 ANNIMO Parecer sobre a Visita Paschal do Parocho da aldeia a seus freguezes , Porto, 1846, pp. 5 e 6.72 SOARES, Elisa Ribeiro O Romantismo e a Pintura Portuguesa do sculo XIX, inAs Belas-Artes do Romantismoem Portugal, Instituto Portugus de Museus, Ministrio da Cultura, 1999, ISBN 972-776-031-7, pp. 29, 30.

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    A actividade de Pedro Coelho, mestre escultor eentalhador, na Colegiada de Guimares (1687-1713)

    Antnio Jos de OLIVEIRA

    Introduo

    A Colegiada de Guimares1 situada em pleno centro histrico de Guimares,considerado Patrimnio Mundial da Humanidade, desde 13 de Dezembro de 2001,j na Baixa Idade Mdia, se inseria no centro vital de Guimares. A igreja e a praacontgua, denominada de Santa Maria, polarizavam os interesses da populaourbana. Essa praa era um espao privilegiado de sociabilidade onde conviviam,

    lado a lado, o sagrado e o profano. A praa de Santa Maria era palco de cerimniasreligiosas, local onde se efectuavam transaces comerciais e que, ao mesmo tempo,se apresentava como um centro de deciso poltica2.

    Para esse recinto convergiam as principais ruas de Guimares, transformando-onum plo de interaco de variados eixos virios e organizador do espao urbano.O padre Torcato Peixoto de Azevedo, nos finais do sculo XVII, apercebeu-se dessefacto quando escreve: Para tratar das ruas que tem esta villa dentro dos seus muros,

    farey de sua praa mayor um tronco de onde nascem os ramos de que todas procedem3.Referindo-se igreja, praa e rua de Santa Maria, Maria da Conceio

    Falco Ferreira afirma: Desde os primrdios da vila, distinguiu-se um espao deelite, ordenador do quotidiano, da paisagem, da vida e da morte a igreja deSanta Maria, a sua praa e a sua rua4.

    1 Imvel classificado como monumento nacional pelo decreto de 16 de Junho de 1910, publicado no Dirio doGoverno n 136, de 23 de Junho de 1910, e, Zona Especial de Proteco, pelo Dirio de Governo n 94, de 19 deAbril de 1956.

    2 O pao do concelho localizava-se nessa praa.

    3 AZEVEDO, Torquato Peixoto de Memrias ressuscitadas da antiga Guimares(1692), Porto, 1845, p. 312.4 FERREIRA, Maria da Conceio Falco Uma rua de elite na Guimares medieval (1376/1520), Guimares, CmaraMunicipal de Guimares, 1989, p. 29.

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    34 Antnio Jos de OLIVEIRA

    Num espao de elite, dominava uma instituio de elite: A Colegiada deNossa Senhora da Oliveira.

    No sculo XVII e durante a centria seguinte, a morfologia urbana da vilade Guimares sofre alteraes significativas, particularmente no levantamento e

    remodelao de edifcios religiosos e civis. As entidades que patrocinaram estesurto construtivo foram: Cabido da Colegiada, mosteiros mendicantes, conventosfemininos, ordens terceiras, Misericrdia, irmandades, para alm de uma clientelanobre. Destaca-se tambm o mecenato do arcebispo D. Jos de Bragana que aquifixou residncia (1746-1748)5. Todos estes encomendadores favoreceram a laboraode destacados mestres pedreiros, carpinteiros, entalhadores, pintores e douradoresoriundos de Barcelos, Braga, Porto, Vila Nova de Famalico e da Galiza. Nos sculosXVII e XVIII, a actividade arquitectnica em Guimares desenvolveu-se em trsgrandes reas: imveis construdos de raiz; concluso de programas construtivos

    anteriores; e acrescentamento de estruturas barrocas nos edifcios medievais.Ao longo de todo o sculo XVIII, assistimos, quer na fase barroca e posteriormenteno perodo rococ, liderana em termos artsticos, do Porto, Braga e Guimares, napoca os principais aglomerados populacionais e centros da actividade econmica donoroeste portugus. No admira pois que, em Guimares e no seu termo surgissemvrias oficinas com uma intensa actividade num meio em constante animao. Nestecontexto, a documentao conhecida aponta para o afluxo de mestres originrios deoutras localidades para a arrematao e concretizao das empreitadas, facto quelhes permitia manter em laborao as suas oficinas as quais incluam aprendizes,

    obreiros e oficiais. Alm disso, necessrio ter presente que muitos destes artistasarrematavam as empreitadas de pedraria e talha em sociedade, originando assim quemuitas dessas obras existentes em Guimares fossem o resultado de um complexotrabalho de parceria entre mestres do mesmo ofcio. Assim se compreende quer agrande quantidade de pedreiros, carpinteiros, escultores, entalhadores, ensambladores,ourives e pintores residentes na vila e seu termo, quer a vinda dos que para aquise deslocavam com o fim de executar encomendas.

    A partir de finais de Seiscentos e at ao sculo XVIII a documentao com-pulsada, no Arquivo Municipal Alfredo Pimenta e no Arquivo da Colegiada de

    Nossa Senhora da Oliveira permite traar o evoluir da actividade dos artistase artfices na Colegiada de Guimares, conhecer a autoria de vrias obras quepermaneceram desconhecidas at ao momento, para alm de outros dados derelevante interesse.

    Neste estudo iremos apresentar uma viso global da actividade de Pedro Coelho,mestre escultor e entalhador, de S. Joo de Gondar, na igreja de Nossa Senhorada Oliveira, analisando a documentao manuscrita e a bibliografia sobre estatemtica.

    5 MILHEIRO, Maria Manuela A visita do arcebispo D. Jos de Bragana a Guimares e Terras Transmontanas, inCadernos do Noroeste, vol. 8 (n1), Braga, Instituto de Cincias Sociais / Universidade do Minho, 1995, pp. 5-12.

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    35A actividade de Pedro Coelho, mestre escultor e entalhador, na Colegiada de Guimares (1687-1713)

    2. Breve nota sobre o artista (1678-1725)

    Pedro Coelho um mestre com actividade conhecida em Guimares, S. Mar-tinho do Campo, Mura e S. Joo de Covas, durante os finais do sculo XVII e o

    primeiro quartel da centria seguinte. A sua oficina rural, localizada em S. Joode Gondar, termo de Guimares, era uma das mais importantes da regio do valedo Ave, onde certamente o seu genro, Miguel Correia, mestre entalhador, fez asua aprendizagem. A 14 de Setembro de 1711, Miguel Correia filho legitimo de

    Joam Correa, j difuncto e de Maria de S do lugar daCruz freguezia de S. Sylvestrede Requio termo da villa de Barcellos6contraiu matrimnio, na igreja de Gondarcom Teresa de Sousa, filha de Pedro Coelho7. A 29 de Novembro de 1750, estemestre faleceria, sendo sepultado na igreja de Gondar8.

    Aps a morte de Pedro Coelho, Miguel Correia assumiu-se como um dos seus

    nicos familiares continuadores da arte da talha9

    .Em 1683, Pedro Coelho teria j sob a sua alada a direco de uma oficina 10,permanecendo activo entre 1687 e 1717, como podemos verificar no quadroseguinte:

    Quadro 1 A actividade de Pedro Coelho (1687-1717)

    Data docontrato

    Encomendador ObraArrematantesda obra

    Quantia

    1687 Cabido daColegiada

    Obra do retbulo-mor da Igrejada Colegiada (Guimares)

    Pedro Coelho 380$000 ris11

    1688 Cabido daColegiada

    Retbulos para trs igrejas deMura

    Pedro Coelho 54$000 ris12

    1693 Irmandade doCordo

    Retbulo da capela-morda Igreja de S. Dmaso(Guimares)

    Pedro Coelho 185$000 ris13

    6 Oliveira, Antnio Jos de; Sousa, Lgia Mrcia Cardoso Correia de Fragmentos da vida e obra de Pedro Coelho,

    mestre escultor e entalhador de S. Joo de Gondar (scs. XVII-XVIII), in sep. Mnia, 3 srie, n 4, Braga, ASPA,1996, p. 90.7 Aps a morte de Pedro Coelho (1726), Miguel Correia assumiu-se como um dos seus nicos familiares continuadores

    da arte da talha. Miguel Correia foi o testamenteiro de Pedro Coelho (idem, ibidem,p. 103).8 Oliveira, Antnio Jos de A actividade de entalhadores, douradores e pintores do Entre-Douro-e-Minho em

    Guimares (1572-1798), in VII Colquio Luso-Brasileiro de Histria de Arte, Actas, Porto, Seco de Histria daArte do Departamento de Cincias e Tcnicas do Patrimnio da Faculdade de Letras da Universidade do Porto,2005 (no prelo). Surge referenciado como vivo de Teresa de Sousa, morador no lugar de gonceiro, da freguesiade S. Joo de Gondar.

    9 Com a morte do sogro, ocorrida em 1726, Miguel Correia foi o seu testamenteiro (Oliveira, Antnio Jos de; Sousa,Lgia Mrcia Cardoso Correia de obra cit.,p. 101).

    10 Surge num assento de baptismo da freguesia de Gondar, como padrinho Joo Francisco solteiro obreiro de PedroCoelho(idem, ibidem,p.79).

    11 Idem, ibidem,p.79.12 Idem, ibidem,pp.79-80.13 Idem, ibidem,pp.81-82.

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    36 Antnio Jos de OLIVEIRA

    Data docontrato

    Encomendador ObraArrematantesda obra

    Quantia

    1696 Confraria doSantssimo

    Retbulo-mor da Igreja de S.Joo de Covas (concelho deLousada).

    Pedro Coelho 100$000 ris14

    1698 Confraria doSenhor

    Retbulo da capela-morda Igreja de S. Sebastio(Guimares)

    Pedro Coelho 85$000 ris15

    1702 Irmandade doCordo

    Retbulos para os quatro altareslaterais da Igreja de S. Dmaso

    Pedro Coelho 120$000 ris16

    1712 Cabido daColegiada

    Obras na capela-mor da Igrejada Colegiada (Guimares)

    Pedro Coelho 160$000 ris17

    1713 Cabido daColegiada

    Obra das frestas da capela-mor da Igreja da Colegiada

    (Guimares)

    Pedro Coelho 85$200 ris18

    1716 Reverendo Abadede S. Martinho doCampo

    Obra do retbulo e tribunado altar-mor da Igreja de S.Martinho do Campo (concelhode S.Tirso); feitura de umarcaz para a sacristia e de duastocheiras para a mesma igreja

    Pedro Coelho 188$000 ris19

    1717 Irmandade dasAlmas

    Retbulo do altar das Almas daIgreja de S. Paio (Guimares)

    Pedro Coelhoe seu genroMiguel Correia

    100$000 ris20

    Desconhecemos at ao momento, qualquer aspecto da vida de Pedro Coelho at1678, ano em que comprou o Casal do Olival situado na freguesia de S. Joo deGondar, ao Licenciado Joo Machado de Miranda e sua mulher Isabel de Oliveira,por 110$000 ris21. No acto da compra, ficou estipulado que o artista pagaria deimediato 85$000 ris, ficando obrigado ao pagamento da restante quantia, razode juro de seis por cento. Este documento reveste-se de grande importncia, pois

    14 Este documento foi parcialmente publicado por Domingos de Pinho Brando (Obra de talha dourada, ensamblageme pintura na cidade do Porto e na diocese do Porto, vol.1, 1984, pp.826-830).

    15OLIVEIRA, Antnio Jos de; SOUSA, Lgia Mrcia Cardoso Correia de obra cit., p.85.16 Idem, ibidem,pp.83-84.17 Idem, ibidem,p.91.18 Idem, ibidem,pp.91-92.19 Idem, ibidem,pp.95-96; OLIVEIRA, Antnio Jos de; OLIVEIRA, Lgia Mrcia Cardoso Correia de Sousa Ntula

    sobre a obra de pedraria e talha da igreja de S. Martinho do Campo (1705-1716), in Poligrafia, ns 7/8, Arouca,Centro de Estudos D. Domingos de Pinho Brando, 1998/99, pp. 93-112.

    20OLIVEIRA, Antnio Jos de; SOUSA, Lgia Mrcia Cardoso Correia de obra cit.; OLIVEIRA, Antnio Jos

    de obra cit.21 Este contrato realizou-se no dia 20 de Maro de 1678, na casa do vendedor, situada no Toural (Guimares) (Oliveira,Antnio Jos de; Sousa, Lgia Mrcia Cardoso Correia de obra cit., p.78).

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    37A actividade de Pedro Coelho, mestre escultor e entalhador, na Colegiada de Guimares (1687-1713)

    trata-se possivelmente da aquisio do casal onde fixaria a sua residncia e oficina,durante toda a sua vida22.

    A 31 de maro de 1710, falecia Catarina de Sousa, mulher de Pedro Coelho23.Catarina de Sousa no fez testamento, sendo enterrada no dia seguinte, na Igreja

    de S. Joo de Gondar junto ao altar de NossaSenhora da parte do Evangelho. Aoconsultarmos os livros paroquiais de S. Joo de Gondar, temos notcia que destematrimnio24resultaram 8 filhos25.

    A 18 de Outubro de 1726, Pedro Coelho falecia com todos os sacramentosda Santa Madre Igreja, sendo sepultado no dia seguinte na Igreja de S. Joo deGondar, defronte do altar de Nosa Senhora doRozario embrulhado em hum habitode Sam Francisco26. Segundo o seu testamento27, mandou que lhe rezassem trsmissas oficiadas de dez padres cada uma. Declarou que era irmo da Irmandade deSanto Antnio de Serzedelo, da Confraria de Nossa Senhora de Riba de Ave, da

    Irmandade de So Roque em S. Paio de Figueiredo, de Nossa Senhora de Garfe eda Irmandade das Chagas na Colegiada de Valena. Solicitava aos seus herdeirosque avisassem as de perto, para o acompanharem durante o velrio e no cortejofnebre. As mais distantes, a de Garfe e a da Colegiada de Valena, no prazo de umms, ficavam obrigadas de celebrar os sufrgios por sua alma e de apresentar, nesseespao de tempo, uma certido da mesa ao proco de Gondar, em como realizaramos ditos sufrgios. Tambm ordenou aos seus herdeiros, que lhe mandassem dizertrs missas no Altar de S. Pedro de Rates, da S Catedral de Braga.

    Alm destas disposies testamentrias que reflectem a importncia da religio-

    sidade morturia na vida e no imaginrio do homem da poca, encontrmos outrasdisposies, ligadas mais vida terrena:

    (...) Nomeou por seu testamenteiro a Miguel Correia seu genro e que da terca de seus bensdesem a sua filha Clara vinte mil reis que lhe deixou seu tio o Padre Joam Pinheiro e o que restase

    da dita tersa deixou que se repartise por suas filhas Joanna e Marianna e Clara. Nomeou todosos prazos e terras de fora delles, e todo o direito que nelles tinha em sua filha Joanna para queella se posa cazar com obrigaom que dara a suas Irmajs Marianna e Clara o que lhe houver

    22

    Na maioria dos documentos, Pedro Coelho surge como morador no lugar do Olival, da freguesia de S. Joo deGondar, do termo de Guimares.23 Oliveira, Antnio Jos de; Sousa, Lgia Mrcia Cardoso Correia de obra cit., p.88.24 No encontramos nos Livros paroquiais pertencentes freguesia de S. Joo de Gondar, qualquer referncia ao

    casamento. Apenas -nos possvel afirmar, que em 1678 o matrimnio era j consumado.25 Sobre a sua descendncia, veja-se: Oliveira, Antnio Jos de; Sousa, Lgia Mrcia Cardoso Correia de obra cit.26 Idem, ibidem,p.100. Actualmente, ainda se encontra um altar de Nossa Senhora do Rosrio em talha dourada do

    sculo XVIII.27 Infelizmente desconhecemos a data em que Pedro Coelho realizou o seu testamento. Apenas possumos o assento

    realizado pelo Padre Antnio Queirs Pacheco, para o livro paroquial de S. Joo de Gondar, no qual transcreve otestamento. Segundo este assento, (...)igual testamento foy approvado na villa de Guimarais pello tabalio publico Josephde Souza do Val foram testemunhas francjsco da Sylva familiar do mesmo tabaliam, Manoel Gomes Siiquejro DomingosCardozo ourives, Narcizo Pinto Bandeira ourives, Joseph Machado, Antonio Gonalves ambos fameliares do dito Narcizo

    Pinto e Manoel Lopes mercador todos vizinhos do dito tabaliam isto he o que em suma continha o dito testamento que paradelle constar fiz este asento(...) (idem, ibidem,pp.100-101). As nossas diligncias para encontrar este testamentono livro de notas do tabelio Jos de Sousa do Vale revelaram-se infrutferas.

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    38 Antnio Jos de OLIVEIRA

    de legitima e no querendo ella aceitar com esta condiam nomearo em Mariana e quando nemesta quizese nomeava em Clara com as mesmas condicojs deixou que de seus Bens se dese aseu testamenteiro Miguel Correia duas moedas().28

    3. Pedro Coelho e a obra de talha da Colegiada (1687-1713)

    A construo de estruturas retabulsticas insere-se no novo esprito contra-reformista sado do Conclio de Trento (1564) que encerrou com directrizes muitoespecficas no que concerne criao artstica29. Aliado ao poder econmico eempreendedor do Cabido da Colegiada de Guimares, foram os grandes factoresresponsveis pela renovao do interior da Colegiada e pelo desenvolvimento dasartes decorativas. Reagindo contra a Reforma adepta da depurao dos interiores

    dos templos, a Igreja Catlica vai recorrer s artes decorativas com o intuito de ascolocar ao servio da f catlica. A esta conjuntura devemos aliar as cerimniaslitrgicas realizadas na Colegiada e capelas anexas, conjugadas com sermes, alfaiasem ouro e prata, rica paramentaria oriunda de diversos centros europeus, vestidos daSenhora da Oliveira que contribuem para criar um ambiente de maior aproximaocom Deus e a utilizao da arte como um meio de propaganda do Catolicismo edo prprio esplendor do Cabido da Colegiada de Guimares.

    Entre 1687 e 1713, encontrmos referncia ao mestre escultor e entalhador PedroCoelho, o qual arremata vrias empreitadas para a Colegiada. Em 1687 deparamos

    com a primeira meno notarial ao percurso artstico deste mestre, que atingiraj o topo da sua profisso, pois denominado de mestre escultor. Trata-se de umcontrato de obra firmado a 12 de Maio de 1687, na casa do Reverendo Cabido daIgreja de Nossa Senhora da Oliveira de Guimaresaonde estavao de hua parte osReverendos denidades e conegos e prebendados delle () e da outra parte estava PedroCoelho excultor30. O artista estava contratado para fazer a obra do retbulo-mor daigreja de Nossa Senhora da Oliveira, e o dar feito e de todo acabado e em sua perfeissaoe obrado por bons ofesiais e peritos na arte, segundo os rascunhos, apontamentos etraa, que para a tall obra se tem feitos e estao asinados tanto por elle Pedro Coelhocomo pellos Reverendos Conegos e Cabido. Numa breve e lacnica notcia averbadanum documento avulso, nada dito sobre o autor do risco. Apenas referido queo artista de Gondar comprometia-se a abater ou pagar determinada quantia como intuito de servir de pagamento ao mestre que rascunhou a traa do retbulo31.

    28 Idem, ibidem,p.101.29 QUEIRS, Carla Sofia Ferreira Os retbulos da cidade de Lamego e o seu contributo para a formao de uma escola

    regional (1680-1780), Lamego, Cmara Municipal de Lamego, 2002, p. 39.30 Oliveira, Antnio Jos de; Sousa, Lgia Mrcia Cardoso Correia de obra cit., p.79.31 Transcrevemos na ntegra este manuscrito:Da escritura da obrigao do retabollo da capella mor que fes Pedro Coelho

    fol.24v a 12 Mayo de 687. Declarou elle mestre Pedro Coelho que dos ditos 380 mil reis avia elle de pagar, ou fazernelles abatimento pera cobrar de menos o que custou he se despendeo com o feitio da trassa que se fes pera a disposissodesta obra com o mestre que a fes e a rascunhou que sera a cantia em que for avaluada. E no dis mais sobre este ponto.

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    39A actividade de Pedro Coelho, mestre escultor e entalhador, na Colegiada de Guimares (1687-1713)

    Por esta empreitada, o mestre receberia 380$000 ris, a quoall obra elle mestreha de dar de todo feita e ase