anÁlise sobre as motivaÇÔes que levaram os...
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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
CLAUDIANA LIMA DE SOUSA
ANÁLISE SOBRE AS MOTIVAÇÔES QUE LEVARAM OS ADOLESCENTES ATENDIDOS PELA ONG PEQUENO NAZARENO A
MORAR NAS RUAS DE FORTALEZA.
FORTALEZA- CEARÁ
2013
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Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274
S725a Sousa, Claudiana Lima de.
Análise sobre as motivações que levaram os adolescentes
atendidos pela ONG Pequeno Nazareno a morar nas ruas de
Fortaleza / Claudiana Lima de Sousa. Fortaleza – 2013.
96f. Orientador: Prof.ª Ms. Valney Rocha Maciel.
Trabalho de Conclusão de curso (graduação) – Faculdade
Cearense, Curso de Serviço Social, 2013.
1. Adolescência. 2. Rua. 3. Institucionalização. I. Maciel,
Valney Rocha. II. Título
CDU 364(813.1)
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CLAUDIANA LIMA DE SOUSA
ANÁLISE SOBRE AS MOTIVAÇÔES QUE LEVARAM OS ADOLESCENTES ATENDIDOS PELA ONG PEQUENO NAZARENO A
MORAR NAS RUAS DE FORTALEZA.
Monografia apresentada ao curso de graduação em Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará, outorgado pela Faculdade Cearense - FAC como requisito parcial para a obtenção de grau de Bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Prof.ª Ms. Valney Rocha Maciel.
FORTALEZA- CEARÁ
2013
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CLAUDIANA LIMA DE SOUSA
ANÁLISE SOBRE AS MOTIVAÇÔES QUE LEVARAM OS ADOLESCENTES ATENDIDOS PELA ONG PEQUENO NAZARENO A
MORAR NAS RUAS DE FORTALEZA.
Monografia apresentada ao curso de graduação em Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará, outorgado pela Faculdade Cearense - FAC como requisito parcial para a obtenção de grau de Bacharel em Serviço Social.
Data da aprovação:____/____/____
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________ Profª. Ms. Valney Rocha Maciel
(Orientadora)
_______________________________________________ Profª. Ms. Rúbia Cristina Martins Gonçalves
_______________________________________________ Assistente Social e Ms. Rebeca Torres Alves Costa
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Ao meu grande Deus por ter me dado
forças para chegar até aqui, sem ele nada
teria sentido. A toda minha família, ao
meu esposo e amigos. Em especial a
minha mãe, mulher forte e admirável.
DEDICO
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AGRADECIMENTOS
Esse espaço reservado para os agradecimentos se torna pequeno diante da
minha gratidão á todos que, não apenas nesses quatro anos de faculdade, mas
durante toda a minha caminhada estiveram comigo de alguma forma.
Em primeiro lugar, agradeço a Deus, o autor da minha vida, aquele que
esteve comigo desde o ventre da minha mãe e nunca me abandonou, aquele que
me fez superar todas as dificuldades para chegar até aqui, que enxugou minhas
lágrimas quando eu pensava que não ia conseguir que me fez acreditar nos meus
sonhos. Deus, você me mostrou que nada é impossível àquele que crer.
A todos que fazem parte da minha família, pois sei o quanto vocês se
alegram com a minha alegria e também fazem parte dessa conquista. Vocês são a
minha base. Em especial, venho agradecer aos meus pais, Marcos Barros e
Lucimar Lima, por sempre me incentivar e não me deixar desistir nunca. Agradeço
infinitamente a minha mãe por cuidar de mim, dando sempre o seu melhor mesmo
quando não podia. Você é a peça fundamental em minha vida, meu exemplo em
tudo. Amo você minha mãe!
Ao meu irmão, Igor Lima, por sempre me alegrar com seu lindo sorriso. A sua
alegria foi essencial em meio a tantos momentos difíceis, isso você tem de sobra.
A Terezinha Lima, minha amada avó (in memorian). Não poderia deixar de
agradecer a Deus nesse momento pelo o que ela foi nessa terra: uma grande mulher
de Deus, cheia de fé e amor. Você também foi uma das pessoas que sempre me
incentivou e orou para que eu chegasse até aqui.
Ao meu amado esposo, amigo e companheiro fiel, Jefferson Gomes, pois
esteve comigo literalmente desde o início dessa longa caminhada, sempre me
incentivando, agüentando as minhas reclamações, choros e também sempre
disposto a dar o seu melhor a mim. Junto comigo, passou noites acordado,
esperando eu terminar a minha monografia, pois não queria me deixar sozinha em
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nenhum momento. A sua amizade e companheirismo foram essenciais para a
realização deste trabalho.
A todos os professores do curso de Serviço Social, os quais contribuíram
para minha formação, foram conhecimentos para toda a vida. Cada um teve sua
importância, sua forma de ensinar, alguns mais sérios, outros não sossegavam
enquanto não tirassem um sorriso do nosso rosto, mas todos foram fundamentais
para que eu tivesse uma formação crítica e ética.
A minha querida orientadora Valney Rocha, pelo o grande carinho, dedicação
e tranqüilidade durante estes momentos no qual muitas vezes nos encontramos
desesperadas. Então ela vinha com aquele sorriso maravilhoso, me abraçava e me
acalmava. Obrigada por me transmitir seus conhecimentos tão valiosos e pela honra
de tê-la como minha professora e orientadora. Foi simplesmente Magnífico!
A todos da turma CSS081 2013.2, foram anos de muito aprendizado,
alegrias, encontros, seminários, confraternizações, choros, provas, trabalhos,
apresentações, etc. Mas o bom é podemos olhar para trás e rir de tudo isso, pois
apesar de termos sofrido um pouquinho, foram momentos que guardaremos para
sempre.
A tod@s os meus amigos além dos muros da faculdade, com vocês o
caminho foi menos doloroso, as lágrimas rapidamente se transformavam em risos,
os desafios eram prazerosos, os trabalhos eram apenas um motivo para passarmos
o dia juntos, os estresses em equipe não duravam dois minutos, pois a amizade era
muito maior que isso. São vocês, Jessica Feitosa, Sherida Costa, Lygia
Negreiros, Paola Abreu, Gisele Castro, Emily Benevides, Luciane Cosme,
Rodrigo Alves e Ricardo Richard.
A Maíra Rodrigues, Janaína Valentim e Lucilene Pinheiro, pelo o
companheirismo e amizade. Foi um prazer estagiar com vocês, pois éramos mais
que colegas, formávamos uma equipe.
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A Gizela Castro por me acompanhar desde as minhas primeiras conquistas.
Contribuiu muito para que eu pudesse chegar aqui, esteve ao meu lado em
momentos difíceis com os seus conselhos “duros” e ao mesmo tempo cheios de
carinho (só ela sabe fazer isso), obrigada por sua compreensão, você sabe o quanto
é especial para mim.
A minha banca Rúbia Gonçalves, por me acompanhar nesse processo desde
o primeiro semestre do curso, levarei a sua alegria, sua ética profissional e os
conhecimentos que adquiri durante esses anos. Obrigada por ter aceitado o convite
em participar da banca, foi um prazer imenso.
A Rebeca Torres que também fez parte da banca e foi minha supervisora de
estágio. Não tenho palavras para agradecer a sua dedicação, pois com você me
sentia cuidada, profissionalmente falando, pois fazia questão de nos ensinar o seu
melhor, nos fazia passar por experiências incríveis dentro do campo de estágio.
Posso dizer que valeu a pena todo o sacrifício que eu fazia para estar ao seu lado
aprendendo sempre um pouco mais.
A tod@s os meus amigos que de alguma forma me ajudaram durante esse
percurso, seja através de palavras, mensagens, oração, etc. Os amigos alegram
nossas vidas!
A todos os adolescentes pesquisados, pela contribuição neste trabalho
através das suas histórias de vida. Vocês são guerreiros!
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Menino de Rua – Patativa do Assaré
Menino de Rua, garoto indigente
Infanto Carente,
Não sabe onde vai
Menino de Rua, assim maltrapilho
De quem tu és filho
Onde anda o teu pai?
Tu vagas incerto não achas abrigo
Exposto ao perigo
De um drama de horror
É sobre a sarjeta que dormes teu
sono,
No grande abandono
Não tens protetor
Meu Deus! Que tristeza! Que vida esta
tua
Menino de Rua,
Tu andas em vão
Ninguém te conhece, nem sabe o teu
nome
Com frio e com fome
Sem roupa e sem pão
Ao léu do desprezo dormes ao relento
O teu sofrimento
Não posso julgar,
Ninguém te auxilia, ninguém te
consola,
Cadê tua escola,
Teus pais, teu lar?
Seguindo constante teu duro caminho
Tu vives sozinho
Não és de ninguém
Às vezes pensando na vida que levas
Te ocultas nas trevas
Com medo de alguém
Assim continuas de noite e de dia
Não tens alegria
Não cantas nem ri
No caos de incerteza que o seu mundo
encerra
Os grandes da terra
Não zelam por ti
Teus olhos demonstram a dor, a
tristeza,
Miséria, pobreza
E cruéis privações
E enquanto estas dores tu vives
pensando,
Vão ricos roubando
Milhões e milhões
Garoto eu desejo que em vez deste
inferno
Tu tenhas caderno
Também professor
Menino de Rua de ti não me esqueço
E aqui te ofereço
Meu canto de dor
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RESUMO
A presente pesquisa tem como objetivo geral compreender as motivações que levaram os adolescentes institucionalizados na ONG o Pequeno Nazareno a morar nas ruas de Fortaleza e como objetivos específicos: traçar o perfil dos adolescentes, indagar o que significa ser adolescente, conhecer o significado de rua para eles, conhecer as mudanças ocorridas em relação à família após a institucionalização e saber suas expectativas quanto ao futuro. Para atingir estes objetivos, foi feita uma acometida contextualizando a adolescência baseando-se em autores diversos, os quais conceituam e caracterizam a categoria adolescência e também apresentamos esse conceito segundo o que os entrevistados pensam sobre essa fase da vida. Deste modo, abordamos também aspectos sobre o significado de rua, como era a rotina dos adolescentes na rua, trato da questão da institucionalização e também busco conhecer os desejos e sonhos dos sujeitos entrevistados. Vale ressaltar que este trabalho é de pesquisa qualitativa, formada de uma pesquisa bibliográfica, documental e de campo. As categorias que foram utilizadas são: Adolescência, rua e institucionalização. Usamos como técnica a observação simples e entrevista semi-estruturada a qual foi realizada com onze adolescentes institucionalizados na ONG o Pequeno Nazareno. Os dados foram coletados através da técnica de análise de conteúdo, procurando assim, organizá-las por categoria. Desse modo, após as análises podemos perceber e compreender as principais motivações que levaram os adolescentes pesquisados a enfrentar o universo das ruas.
Palavras-chave: Adolescência, Rua e Institucionalização.
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ABSTRACT
This research has the overall objective to understand the motivations that led adolescents institutionalized in the ONG Small Nazarene to live on the streets of Fortaleza and specific objectives: Define the profile of adolescents, asking what it means to be a teenager, know the meaning of the street for them to know the changes in relation to the family after the institutionalization and know their expectations of the future. To achieve these objective, was made an ill contextualizing adolescence based on several authors who conceptualize and characterize adolescence category and also introduce this concept into what respondents think about this stage of life. Thus, we are also addressing aspects about the meaning of the street, as was the routine of teenagers on the street, dealing with such issues and seek institutionalization also meet the desires and dreams of the interviewees. It is noteworthy that this work and qualitative research, consisting of a bibliographic, documentary and field research. The categories that were used are: adolescence, street and institutionalization. We use the technique as simple observation and semi-structured interview which was conducted with eleven adolescents institutionalized in the ONG Small Nazarene. Data were collected using the technique of content analysis, attempting to organize them by category. Thus, after the analysis we can see and understand the main motivations that led the teens surveyed the universe to face the streets.
Keywords: Adolescence, Street and Institutionalization.
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LISTA DE ABREVIATURAS
CAPS AD – Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas.
CAPS I – Centro de Atenção Psicossocial Infantil (Juvenil).
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.
FUNABEM-Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor.
LENAD – Levantamento Nacional de Álcool e Drogas.
MNMMR - Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua.
ONG – Organização Não Governamental.
SAM - Serviço de Assistência ao Menor.
SDH/PR – Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
SECULT - Secretaria de Cultura do Estado do Ceará.
% - Por cento.
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LISTA DE FIGURA
FIGURA 1 - Visão aérea do sítio Pequeno Nazareno. ---------------------------- 65
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LISTA DE QUADRO
QUADRO 1 - Distribuição por motivo de ida para as ruas---------------------------42
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 16
1 - ADOLESCÊNCIA ........................................................................................................... 20
1.1 – Breve contexto sobre adolescente em situação de rua . ............................................20
1.2 - A adolescência e suas particularidades .................................................................... 25
1.3 – A importancia da família na adolescência ................................................................ 30
1.4 – A adolescência e a pobreza ..................................................................................... 33
2. O TRAJETO DA RUA E A INSTITUCIONALIZAÇÃO ..................................................... 39
2.1 – O caminho da rua começa a ser trilhado ................................................................. 39
2.1.1 – Entre a casa e a rua ............................................................................................. 44
2.1.2 – As drogas, a rua e os seus impactos .................................................................... 47
2.2 – Os desafios e as mudanças no processo de institucionalização no Brasil ............... 50
3. DESCOBRINDO NOVOS CAMINHOS: A TRAJETÓRIA DA PESQUISA ....................... 57
3.1. Construção da pesquisa ........................................................................................... 57
3.2 Adentrando o desconhecido ....................................................................................... 59
3.3 Conhecendo a instituição ........................................................................................... 63
3.4 Quem são esses adolescentes? ................................................................................. 66
3.5 Relatos e análises ...................................................................................................... 73
3.5.1 Percepção de adolescência para os entrevistados .................................................. 73
3.5.2 A trajetória de casa para a rua ................................................................................. 75
3.5.3 A rotina, a rua e seu significado na visão dos adolescentes .................................... 78
3.5.4 As mudanças ocorridas em relação a família após a institucionalização ................. 79
3.5.5 E o que eles esperam do futuro? ............................................................................. 82
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 85
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 88
APÊNDICE .......................................................................................................................... 92
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INTRODUÇÃO
A temática adolescente em situação de rua tem levantado diversas
discussões e têm sido tema de muitos debates por meio de profissionais da
área, estudantes, entre outros. Cada dia mais é perceptível o aumento de
crianças e adolescentes nas ruas, não apenas na cidade de Fortaleza, mas em
todo o Brasil. Diante do exposto, trazemos uma reportagem transmitida na
Rede Globo, através do programa Fantástico1 de Marcelo Canelas onde é
apresentada e retratada essa questão que incomoda a muitos, mas
infelizmente o que se vê é apenas descaso e negligência diante de uma
realidade gritante, pois dizem que eles são o futuro do nosso país. Mas como,
se eles são esquecidos e invisíveis diante da sociedade e do Estado?
“A ONU já falou em cinco milhões. O IBGE nunca contou. O fato é que o
número de meninos e meninas de rua ainda é um mistério” (CANELAS, 2013).
Sendo assim, o projeto “Criança não é de rua” aderiu a uma pesquisa
qualitativa, realizada por educadores sociais. Nessa pesquisa, 565 crianças e
adolescentes foram ouvidos em 10 capitais, trazendo não apenas a
quantidade, mas o perfil desses jovens e o que eles pensam.
Segundo a reportagem, no ano de 2011 o governo federal pagou R$ 1,5
milhões para um instituto de pesquisa poder contá-los, mas na cidade de
Maranhão “só acharam 23 meninos. E o número apurado no Brasil inteiro,
23.973, caiu em descrédito”. Portanto, percebe-se que a questão não será
resolvida ou mesmo amenizada apenas por meio de dados estatísticos, mas
sim através de uma intervenção que o governo precisa realizar frente a essa
problemática tão complexa.
1 Disponível em: g1. globo.com/fantástico/noticia2013/10/pesquisa-mostra-que-esmola-financia-
o-uso-de-drogas-das-crianças-de-rua.html. Acesso em 24/10/2013, às 13 h.
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Diante disso, essa pesquisa tem como objetivo geral compreender as
motivações que levaram os adolescentes institucionalizados na ONG o
Pequeno Nazareno a morar nas ruas de Fortaleza. Destacamos como objetivos
específicos: traçar o perfil dos adolescentes, indagar o que significa ser
adolescente, conhecer o significado de rua para eles, conhecer as mudanças
ocorridas em relação à família após a institucionalização e saber suas
expectativas quanto ao futuro.
O meu2 interesse pela a temática surgiu em uma visita institucional
propiciada pela disciplina de Política Social, promovida no 3º semestre do
curso de Serviço Social da Faculdade Cearense (FAC). O trabalho era em
grupo e precisávamos procurar uma instituição que trabalhasse com crianças e
adolescentes, assim como os outros do grupo, eu também fui para internet
procurar algum local onde pudéssemos realizar essa visita. Foi justamente
quando encontrei a ONG o Pequeno Nazareno. Logo me encantei com as fotos
do local e em seguida, mostrei ao restante do grupo e todos concordaram em
realizar a pesquisa no Pequeno Nazareno. Foi possível o acesso aos
adolescentes, onde se teve a oportunidade de ouvi-los sobre suas experiências
nas ruas e, principalmente, sobre os motivos que os distanciaram do vínculo
familiar.
Desde então, tive um apego e um grande carinho pelas leituras que
traziam à tona as discussões referentes a adolescentes em situação de rua,
assim como o meu olhar também foi aguçado diante da realidade que já existia,
mas que infelizmente não dava a importância devida, era como se eu os
percebesse, mas não os enxergasse. O meu olhar era o mesmo do censo
comum, tinha medo, às vezes dizia: “Eles estão nas ruas porque querem.
Deviam estar na escola”. Em fim, de certa forma julgava-os, apesar de me
sentir mal quando os via no meio dos carros, no sol, pedindo a um e a outro,
era uma confusão de sentimentos além de todos esses conceitos errôneos já
citados anteriormente.
2Utilizei em alguns pontos da introdução a 1ª pessoa por se tratar da minha justificativa
pessoal.
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Depois dessa visita e a aproximação com os adolescentes do Sítio O
Pequeno Nazareno, tive a oportunidade de ouvir suas histórias, seu modo de
vida, além de conhecer o sítio com eles, brincar, em fim, quebrar o conceito
que muitos de nós temos em relação a eles. Entre as conversas e brincadeiras
minha paixão por eles silenciosamente acendeu e voltei para casa refletindo
em todos os poucos e bons momentos que vivenciei com aqueles que seriam
os sujeitos da minha pesquisa após alguns anos.
O tempo foi passando e cada dia tinha mais certeza que essa
problemática seria tema da minha monografia, tanto que desde o meu projeto
de pesquisa trato dessa temática e em nenhum momento me interessei em
mudar, pois já estava decidida, apesar de ainda ser muito cedo para definir a
temática do Trabalho de Conclusão de Curso. Por fim, Chegou o momento do
Estágio Obrigatório e o meu pensamento era estagiar em alguma instituição
que me aproximasse da temática pretendida, o que não foi possível. Por motivo
de força maior, o meu estágio foi realizado dois semestres no Centro de
Atenção Psicossocial Álcool e Droga (CAPS AD) e um semestre no CAPS
Infantil.
Foram experiências maravilhosas que contribuíram bastante para o meu
amadurecimento acadêmico e enquanto futura Assistente Social, mas, apenas
para enfatizar, a experiência de estágio no campo citado acima, mesmo que
tenha sido enriquecedora, não me fez perder o interesse e nem a paixão por
esse tema, pois o mesmo já estava fazendo parte do meu cotidiano através de
leituras envolvendo esse tema, reportagens em jornais regionais e programas
de televisão, além das inúmeras vezes em que eu tentava me aproximar
desses (as) meninos (as) nos terminais, pelas calçadas e nas praças. Na
maioria das vezes apenas para observá-los.
Vale ressaltar a importância dessa temática para o Serviço Social, pois
esse profissional está diretamente ligado às expressões da questão social,
enquanto mediador entre a sociedade e o Estado através das políticas públicas
e intervindo diretamente no processo de resgatar o vínculo familiar,
fortalecendo os laços que foram rompidos por diversos motivos. Além da
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necessidade de levar cada vez mais essas discussões para o espaço
acadêmico. Portanto, o interesse por essa temática perdurou até o 8º semestre,
onde finalmente iniciei a construção de uma pesquisa que resultou na produção
da minha monografia.
O presente trabalho está divido em três capítulos. No primeiro, intitulado
Adolescência, iremos contextualizar os adolescentes em situação de rua
trazendo fatos que marcaram o início dessa problemática e também salientar
as mudanças ocorridas a partir da aprovação do Estatuto da Criança e do
Adolescente de 1990. Em seguida, abordaremos o conceito de adolescência,
suas características físicas, psicológicas e especificaremos algumas de suas
peculiaridades advindas com essa fase. Os principais autores utilizados foram
Bursztyn (Org.) (2003), Pinheiro (2006), Morais; Silva; Koller (Org.) (2010),
Calligaris (2000) e Zagury (2009).
No capítulo seguinte que tem como título O trajeto da rua e suas
estratégias abordaremos a questão da rua, o que ela significa como é trilhar
esse caminho da rua e quais as principais motivações encontradas para que os
adolescentes deixem suas casas e percorram o caminho da rua. Faremos
também uma breve abordagem diferenciando os espaços da casa e da rua,
além disso, discutiremos brevemente se existe alguma ligação entre a rua e o
uso de drogas. Os autores utilizados foram Rizzini (2003,2004 e 2007), Escorel
(1999), Da Matta (1997) e Nascimento (1997).
No terceiro capítulo que tem como título Descobrindo novos
caminhos: a trajetória da pesquisa trataremos do percurso metodológico.
Iremos expor a pesquisa de campo realizada na ONG o Pequeno Nazareno,
situada em Maranguape-Ce, descreveremos o cenário detalhado, as
dificuldades encontradas no decorrer do presente trabalho, o perfil dos sujeitos,
os relatos e análises. Para a realização da pesquisa usamos como técnica a
entrevista semiestruturada. Os autores utilizados neste capítulo foram Gil
(2011), Minayo (2007) e Goldenberg (2004).
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1 - ADOLESCÊNCIA
1.1. Breve contexto sobre adolescente em situação de rua
“Há em cada adolescente um mundo encoberto, um almirante e um sol de outubro”. Machado de Assis
3
Os adolescentes em situação de rua na cidade de Fortaleza são
personagens marcantes da exclusão social e da violação de seus direitos. Para
onde se olha percebe-se meninos e meninas espalhados pelas grandes
avenidas, nos sinais, terminais e debaixo de viadutos. Todos os dias eles lutam
em prol de sua sobrevivência, seja pedindo, limpando carros, vendendo balas
dentro de ônibus e, até mesmo, se prostituindo ou roubando.
Segundo Bursztyn
[...] Os que moram nas ruas, têm por trás de sua situação uma longa história e causas sociais determinadas que se ligam a questões econômicas , de migração, de desagregação familiar, de desemprego, de violência urbana, de drogadição, de alcoolismo, entre outros. (BURSZTYN, 2000, p.89).
De maneira abrangente, geralmente a sociedade pondera as pessoas
que estão nas ruas e coloca nelas um rótulo apenas do que essa sociedade
ouve falar ou pela própria aparência, mas não se preocupa em conhecer seus
relatos de vida, seus lamentos, suas perdas e aflições.
De acordo com uma reportagem de Lavor do Jornal Diário do Nordeste4
publicado no dia 12 de outubro de 2011, dos 191 meninos e meninas
3 Joaquim Maria Machado de Assis, cronista, contista, dramaturgo, jornalista, poeta, novelista,
romancista, crítico e ensaísta, nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839. Disponível em: http://www.releituras.com/machadodeassis_bio.asp. 4 Disponível em: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=10080059. Acesso em:
12/10/11.
http://pensador.uol.com.br/autor/machado_de_assis/http://www.releituras.com/machadodeassis_bio.asphttp://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=10080059
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pesquisados em Fortaleza, exatos 44% estão na rua por conta do ambiente
familiar desconfortável, ou seja, violência e até mesmo condições sub-humanas
de moradia. A pesquisa também mostrou que dos 191 pesquisados, 33,9%
estão no Centro da cidade, 46,9% em terminais, 15,2% na orla e 4% na
comunidade. Sabe-se, segundo os dados da Secretaria de Direitos Humanos
da Presidência da República (SDH/PR)5,que ao todo são 1.575 crianças e
adolescentes em situação de rua em Fortaleza. A violação de direitos as quais
estes jovens estão expostos consiste exatamente na própria situação de
moradia de rua, uso de drogas, exploração do trabalho infantil e sexual.
(DIÁRIO DO NORDESTE, 2011).
Diante desse cenário, destacamos a industrialização como um dos
fatores determinantes dessa problemática. Segundo Pinheiro (2006), a partir
das décadas de 1930 e 1940 ocorreu uma grande migração do campo para a
cidade, onde parte dessa população não se integrava ao sistema social, nem
ao mercado de trabalho. As grandes cidades ficaram aglomeradas de famílias
sem ter para onde ir, sem alimentação e proteção básica. Em conseqüência
disso, a referida autora destaca o crescimento da desigualdade social,
incidindo sobre as condições de vida da classe trabalhadora, trazendo com isso
um aumento significativo da disparidade social.
Os adolescentes também vivenciaram a conjuntura de vulnerabilidade
social desde o início do processo de industrialização brasileira, sendo vítimas
da ausência de políticas sociais públicas. (PINHEIRO, 2006). Assim, a sua
ocupação nas ruas, passou a ser tratada como um incômodo pelo Estado e
uma ameaça à sociedade.
Diante desse contexto, o Estado assume uma postura punitiva baseada
no Código de Menores da América Latina que entrou em vigor em 1927, e a
criação do SAM (Serviço de Assistência ao Menor) em 1940, onde se fazia o
atendimento de “menores” de 18 anos abandonados e delinqüentes.
(KRAMER, 1992; OSTERNE, 1993 apud PINHEIRO, 2006). A autora ressalta,
5 Matéria publicada no Jornal o povo, crianças, infância violada. Fortaleza, quinta-feira, dia 13 de
outubro de 2011.
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ainda, que esse aparato legal se resguardou do isolamento e da repressão de
crianças e adolescentes, destituindo-os quase sempre do convívio social, pois
representavam uma perturbação para o bem estar da sociedade.
Nessa concepção, a autora afirma que o Código de Menores tinha um
caráter discriminatório e era associado à pobreza e à delinquência, era voltado
para crianças e adolescentes que não tinham condições de sobreviver, ou seja,
carentes, “infratores” ou abandonados. A forma de proteger era a repreensão
como instrumento de correção e o isolamento como cerceamento do convívio
social. O objetivo do isolamento era para que pudessem se reeducar e voltar
ao convívio social, porém não deram bons resultados. Em 1964 no período do
regime militar o SAM foi substituído pela FUNABEM (Fundação Nacional do
Bem-Estar do Menor) a fim de retificar as graves distorções do antigo SAM,
onde era fortemente associado à violência do adolescente como uma forma de
causar perigo á sociedade. (OSTERNE, 1995 apud PINHEIRO, 2006).
Contudo, em 1979 o código de menores teve algumas alterações, onde
passou de instrumento de proteção e vigilância, em que os adolescentes eram
vítimas da omissão e transgressão da família em seus direitos básicos para
instrumento de controle social, nesse caso não era apenas a transgressão da
família, mas também do Estado e da sociedade. (PINHEIRO, 2006).
Então, segundo (RIZZINI et al, 2003), nos meados dos anos 1980, as
crianças e adolescentes em vulnerabilidade já estavam marcados pela
desigualdade social, marcas essas que se alastram até os dias de hoje. Foi
justamente nesse período que eles levaram o título “geração da rua”, no qual
ficou mais conhecido como crianças e adolescentes em situação de rua. Vale
salientar, que em 1984 aconteceu o primeiro encontro do Movimento Nacional
de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR)6, o qual teve uma extrema
6Esse movimento deu início em 1982 e se estabeleceu como uma entidade civil em 1985, hoje
existe cinco sedes espalhadas pelas principais capitais do país. Este movimento não presta atendimento direto aos menores, mas busca movimentar os próprios menores, educadores de rua, instituições, enfim, todos os envolvidos com essa temática. Disponível em http://www.scielo.php?script=sciarttex&pid=s1414-98931988000100007 acesso em 06/10/2013.
http://www.scielo.php/?script=sci
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importância e foi essencial para as conquistas futuras em assuntos
relacionados à garantia de leis.
Finalmente, em 1990 foi aprovado no Brasil, o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), resultado de uma série de mobilizações sociais,
substituindo o Código de Menores. Por sua vez, o ECA teve como principal
objetivo a proteção e os direitos de todas as crianças e adolescentes
independente de sua classe social, cor ou religião e o tratamento dado a essas
crianças e adolescentes como pessoas que necessitam de cuidados especiais,
possibilitando um desenvolvimento saudável. O ECA afirma em seu artigo 4º
que a responsabilidade que antes cabia apenas a família, agora é
responsabilidade da família, da sociedade e do Estado. (BRASIL, 1990).
Observa-se que com a criação do Estatuto da Criança e Adolescente, foi
garantida legalmente a proteção ampliada à criança e ao adolescente (Art. 1º,
ECA, 1990), todavia, na realidade, diversos desafios estão postos à efetivação
dessa conquista. É importante frisar que esses (as) meninos (as) em situação
de rua já têm seus direitos infringidos desde o momento que são cerceados do
direito à escola, a convivência familiar, habitação, ao lazer, entre outros, bem
como susceptíveis à violência. Contudo, apesar das mudanças ocorridas ao
longo dos anos a história desses adolescentes teve forte impacto econômico e,
principalmente, social. Como foi supracitado, o período da revolução industrial
acarretou diversos problemas sociais, trazendo para a sociedade o aumento da
desigualdade, pois os que migravam do campo para cidade, vinham à procura
de uma vida melhor, mas o sistema não inseriu todos, causando assim uma
afluência de pessoas sem ter para onde ir.
Para Nascimento
A problemática da criança e do adolescente é ainda [...] um grande desafio, político, econômico, social e cultural, para todas as sociedades, mesmo para aquelas que ingressam em um modo de desenvolvimento considerado hoje pós-moderno e que preconizam os direitos dos indivíduos e dos cidadãos: direito á liberdade de ser sujeito, de ir e de vir, de se expressar, direito á afirmação de sua própria identidade [...]. (NASCIMENTO, 1997, p.13).
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24
Esse contexto reflete a realidade de muitos adolescentes que hoje
padecem com a pobreza e vivem à margem da sociedade, muito distante do
que está proposto no Estatuto da Criança e do Adolescente. Ainda há muito a
se fazer, políticas públicas a serem criadas e projetos a serem aprovados, para
que esses adolescentes não sejam apenas recolhidos como era feito antes e
ainda nos dias de hoje, mas que aconteçam reformas nas políticas públicas e
seja amenizada a triste realidade dessa população de rua que está exposta
todos os dias a todo tipo de violência que a rua apresenta.
Sobre população de Rua Nascimento complementa:
Os mendigos dormindo nas ruas, em pleno dia, e as pessoas que vão as compras ou ao trabalho passando por cima deles ou evitando-os, é uma imagem emblemática. Os prostrados no solo não são visto como semelhantes, mas como bichos, espécies distintas. Estão sujos, cheiram mal e são feios... pedaços perdidos da humanidade. (NASCIMENTO2000, p. 56).
Essa é uma cena corriqueira nos dias de hoje nas grandes cidades.
Quantas vezes não nos deparamos com meninos e meninas de rua nos
lugares públicos? A sociedade e o Estado têm naturalizado esse
acontecimento, que só tem aumentado e trazido diversas discussões no âmbito
acadêmico. Mas apenas falar, não adianta, pois esses adolescentes que estão
nas ruas necessitam de ações urgentes e de políticas públicas que lhes
assistam.
Mas o autor Bursztyn (2000, p.19) salienta que “viver no meio da rua não
é um problema novo”. Isso é fruto das raízes históricas. Esse passado traz
consigo um estigma de que a maioria dos que se encontram em situação de
rua é marginal, a sociedade e o Estado os julgam pelo modo de se vestir, falar
e principalmente pelo próprio fato de estar nas ruas. Desta forma, concordamos
com a afirmação de Medeiros (1995) apud Câmara et al. (2000, s/p) quando ele
diz que:
Não podemos perder de vista que mesmo muitas vezes rotuladas pela sociedade como anti-sociais e
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25
infratores, são crianças e adolescentes que se encontram em suas respectivas fases de crescimento e desenvolvimento, e também que apesar de permanecerem pelas ruas sujeitas aos riscos pessoais e sociais característicos do universo da rua, nem sempre compõem um grupo naturalmente predisposto ao crime e à marginalidade.
Essa afirmação nos faz refletir sobre o padrão que a sociedade impõe
sobre os indivíduos e com isso os que estão nas ruas são categorizados como
aqueles que causam perigo a quem quer que seja e não percebem que eles
também estão sujeitos aos perigos eminentes da rua. Não podemos afirmar
com veemência que todos eles não têm envolvimento com a violência e o
crime, mas podemos perceber o quanto esses adolescentes foram excluídos
da sociedade de forma geral, pois estão desvalidos nas ruas, sem orientação,
sem escola, sem o apoio do Estado e a única atitude que se tem é
simplesmente ignorar esse fato que aumenta cada dia mais.
Sendo assim, consideramos relevante uma discussão teórica sobre as
varias faces da adolescência e suas características, perpassando as mais
variadas mudanças que são típicas dessa fase.
1.2 - A adolescência e suas particularidades
Afinal, alguém pode explicar o que é ser um adolescente? O que ele
sente e pensa? Como definir essa fase crucial na vida de uma criança que está
prestes a enfrentar esse momento? São muitas indagações, pois sabemos que
essa etapa vem acompanhada de surpresas.
Falar de adolescência é sinônimo de mudanças. É uma fase
caracterizada por grandes transformações tanto físicas quanto psíquicas.
Segundo Calligaris (2000) “[...] ele não é mais nada, nem criança amada, nem
adulto reconhecido [...]” (pg. 24), ou seja, é um momento em que o adolescente
deixa de ser criança, mas não sabe o que realmente está se tornando, pois ele
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ainda não é um adulto, isso se torna um momento muito conflituoso na cabeça
do adolescente, pois nem mesmo ele sabe quem é.
Geralmente, a adolescência para a maioria das pessoas é marcada pela
puberdade, ou seja, pelas mudanças ocorridas em seu corpo do jovem,
fazendo com que se torne cada vez mais parecido com um adulto, mas, ao
mesmo tempo, essas modificações não permitem que ele se torne uma pessoa
madura e independente.
Diante do exposto, Calligaris afirma que:
O começo da adolescência é facilmente observável, por se tratar da mudança fisiológica produzida pela puberdade. Trata-se, em outras palavras, de uma transformação substancial do corpo do jovem, que adquire as funções e os atributos do corpo adulto (CALLIGARIS, 2000, pg.19).
A palavra “adolescer”7 vem do latim e significa crescer, desenvolver-se.
Essa fase é o período da busca pela personalidade, das descobertas, das
conquistas, das dúvidas, é a fase das contestações. Eles gostam de viver em
grupos e sentem a extrema necessidade de amar e ser amados. Essa é a
idade em que vivem mudanças rápidas, porém profundas que acabam
influenciando o comportamento, no que diz respeito à família, religião e a
sociedade de forma geral (FIER, 2007).
Essas mudanças no desenvolvimento, segundo Zagury (2009), são
comuns à idade, pois essas modificações tanto físicas como psicológicas tem a
finalidade de preparar esse adolescente para torna-se um adulto futuramente.
O autor destaca também que, para que haja um desenvolvimento saudável
nessa fase da vida, é necessário que os pais mantenham um bom
relacionamento com seus filhos adolescentes, pois assim perceberão o quanto
essa fase é fantástica, e mesmo com as dificuldades que são comuns, poderão
viver momentos incríveis com eles, apesar dos transtornos que a própria fase
traz á tona.
7 Disponível em: http://www.paralerepensar.com.br/josefierapalavraadolescer.htm. Acesso em
16/05/13.
http://www.paralerepensar.com.br/josefierapalavraadolescer.htm
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O autor francês Áries (1981), em seu livro História Social da Criança e
da Família, afirma que o termo infância foi construído ao longo da História, e
destaca que a criança não era vista como uma pessoa em desenvolvimento. As
crianças e adolescentes tinham acesso a brincadeiras abrasivas, participavam
das festas, das conversas, jogos e trabalhos dos adultos, ou seja, eram
tratados igualmente, não existia ainda nenhuma concepção de que a criança e
o adolescente necessitavam de cuidados especiais de acordo com sua idade.
Após longos anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) afirma
no artigo 2° que é considerado adolescente aquele entre doze e dezoito anos
de idade incompletos, sendo garantido por lei o direito ao desenvolvimento
físico e social saudável, diferentemente do que foi supracitado por Áries (1981).
Nesse sentido, o ECA nos artigos seguintes enfatiza sobre os direitos inerente
a criança e ao adolescente.
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção
integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por
outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes
facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em
condições de liberdade e de dignidade.Art. 4º É dever da família, da
comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com
absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1990).
Oliveira (2001) destaca complementando que “[...] a adolescência pode ser
compreendida mais como um trabalho psíquico do que como uma faixa etária,
porque a sua durabilidade não dependerá tanto da idade, mas do peculiar
tempo de cada sujeito para a realização desta operação subjetiva de buscar
um lugar”. (p. 35).
Portanto, a adolescência não é caracterizada apenas pela idade, mas
existe toda uma maturidade a ser alcançada no decorrer dessa fase, uma vez
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28
que cada ser humano tem sua subjetividade, seus limites. Portanto, não é
possível classificar definitivamente o que é ser adolescente apenas pelo
período de vida de cada indivíduo.
Frota em seu artigo, afirma que:
A adolescência, portanto, deve ser pensada para além da idade cronológica, da puberdade e transformações físicas que ela acarreta, dos ritos de passagem, ou de elementos determinados aprioristicamente ou de modo natural. A adolescência deve ser pensada como uma categoria que se constrói, se exercita e se reconstrói dentro de uma história e tempos específicos. (FROTA, 2007; p.157).
É de suma importância fazer uma alusão sobre essas características
que geralmente são observadas na fase da adolescência, mas levando em
consideração que esse processo não é sinalizado apenas pelas mudanças
corporais, mas esse período é justamente o de adequação e de aprendizagem,
entretanto também é o momento em que os erros são constantes, ou seja, é
como se tudo o que aprendeu na infância não tivesse tanta importância sendo
agora necessárias certas mudanças na forma de se comportar, falar, se vestir e
até brincar. Também é importante frisar que é preciso ter um olhar peculiar e
específico, pois cada adolescente tem sua cultura, seu desejo, vive em
situações econômicas e sociais diferentes.
Ainda sobre a temática adolescência, vale ressaltar que ser adolescente
está ligado também aos mais variados aspectos sociais, culturais ou
financeiros de cada pessoa. Partindo dessa mesma suposição o autor Osório
(1989) citado por PIMENTEL (2010, p.46) julga que a adolescência é um
privilégio vivido apenas pelas pessoas mais favorecidas, ele estima que é “um
luxo não permitido aqueles que estão empenhados na encarnecida luta por
subsistência. Estes apenas experimentam a puberdade”.
A puberdade geralmente é a primeira característica citada quando se
trata de adolescência, por isso geralmente confundem-se. A primeira distingue-
se pelas mudanças físicas e biológicas enquanto a adolescência corresponde
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ao próprio desenvolvimento comportamental e psicológico, ou seja, é um
conjunto de mudanças que ocorrem simultaneamente. (CALLIGARIS, 2000).
Portanto, ao fazermos uma síntese sobre os conceitos supracitados
compreendemos que a adolescência é uma metamorfose, pois está em
constante mudança, trazendo em cada adolescente uma ânsia de chegar à
idade adulta, de desfrutar da tão sonhada independência e, principalmente, do
reconhecimento.
Para Calligaris 2000, a adolescência é marcada pela construção de sua
identidade, é o momento em que o jovem está à procura de saber quem ele é,
o que vai ser, quem são seus amigos e o que pensam a respeito dele. É uma
fase em que procura ser reconhecido, pois até então não sabe realmente o que
é ser um adolescente e muito menos até quando vai permanecer nessa fase.
Finalizamos essa categoria com uma citação do autor Becker citado por
Pimentel. Essas palavras finais do autor referido fazem uma síntese de todas
as teorias citadas nesse texto, dessa forma achamos de suma importância
mencioná-la, para complementar os conceitos já aludidos.
Então, um belo dia, a lagarta inicia a construção do seu casulo. Este ser que vivia em contato íntimo com a natureza e a vida exterior, se fecha dentro de uma “casca”, dentro de si mesmo. E dá início á transformação que levará a um outro ser, mais livre, mais bonito(segundo algumas estéticas) e dotados de asas que lhe permitirão voar. Se a lagarta pensa e sente, também o seu pensamento e o seu sentimento se transformarão. Serão agora o pensar e sentir de uma borboleta. Ela vai ter outro corpo, outro astral, outro tipo de relação com o mundo. (BECKER, 1997; p.32).
Frequentemente acontece dessa maneira, o adolescente de repente
acorda e percebe que não é mais o mesmo, o seu corpo está mudando, o seu
humor está constantemente alterando e onde estão os seus brinquedos?
Abandonou-os, pois isso é coisa de criança. As pessoas já não olham mais
para ele como uma criança que precisa de colo, carinho e atenção. Os adultos
começam a cobrar responsabilidades e é justamente nessas circunstâncias
que eles se escondem do mundo e iniciam os seus questionamentos em
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30
relação à vida. Entendemos então, que esse momento é crucial para a
construção de uma nova identidade e mais maturidade. Depois dessa etapa,
espera-se que o adolescente compreenda os fatos ocorridos em seu próprio
corpo e mente, levando-o à vida adulta, o momento em que ele mais espera.
Desta forma, devemos salientar a importância da família nesse período de
desenvolvimento dos adolescentes e para tanto, apresentamos algumas
considerações sobre família e o quanto ela pode influenciar em suas vidas.
1.3 – A importância da família na adolescência.
Ao longo dos anos a família vem passando por diversas transformações
em relação a sua estrutura, modelo e costume. Hoje, o conceito de família é
bem diversificado, é quase impossível encontrar uma definição para a mesma,
pois sabemos que, atualmente, família não é somente pai, mãe e irmão, mais
ganhou uma ampliação, de forma que não podemos defini-la como acontecia
anteriormente, ou seja, existia um modelo padrão, o qual foi reproduzido por
muitos anos.
Com base no que foi comentado acima, segundo Gomes& Pereira
(2003) apud Morais (2010) et. al temos que:
Historicamente, a definição de família esteve pautada nas relações de parentesco, as quais envolviam apenas os laços consanguíneos, a filiação e o casamento, definido assim o modelo nuclear como hegemônico perante a sociedade. No entanto mudanças econômicas e sociais mobilizaram novas configurações e formas de organizações familiares. (MORAIS, 2010, p. 178).
Estas transformações que ocorreram trouxeram mudanças significativas
nas relações familiares, pois através delas, segundo Morais et.al. (2010), as
famílias foram divididas em duas classificações: entre a família que é
idealizada e a família em sua realidade, ou seja, existe uma distancia entre o
ideal e o real. O ideal seria a formação de uma família nuclear8, mas o real é o
que certamente é vivenciado diariamente nas relações familiares.
8 Família nuclear é formada por pais e filhos numa mesma casa.
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31
O aparecimento de novas configurações familiares9 conseqüentemente
tem causado muitos conflitos, separação dos pais, situação de abandono,
violência, e em muitas circunstâncias, o vínculo familiar é rompido trazendo
conseqüências severas para toda a família, principalmente para as crianças e
adolescentes. Sendo assim, essa fase que por natureza já é turbulenta e
enxurradas de subversões, as dificuldades sofridas por cada família tende a
influenciar em suas relações e conseqüentemente os laços familiares tornam-
se frágeis.
Neste item, a família tem papel fundamental em direcionar o adolescente
em seu caráter, princípios e principalmente ensinar e ter os cuidados básicos
que um adolescente necessita para um desenvolvimento saudável e feliz.
Ainda sobre a importância do papel da família na vida dos adolescentes.
Kaloustian afirma que:
A família é a principal responsável pela alimentação e pela proteção da criança, da infância à adolescência. A iniciação das crianças na cultura, nos valores e nas normas de sua sociedade começa na família. Para um desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança deve crescer num ambiente familiar, numa atmosfera de felicidade, amor e compreensão. (KALOUSTIAN, 2011; p. 05).
Assim, a participação da família é de extrema necessidade na formação
da percepção em relação ao que diz respeito à vida do adolescente em todos
os aspectos, pois é na família que aprendemos o valor do outro, a importância
da educação, do respeito, do afeto, das conquistas, dos relacionamentos
interpessoais, uma vez que todos os dias novos desafios estão postos nesse
período da adolescência, posto que é o momento em que a família se torna um
referencial para a vida adulta.
9 Destacamos algumas configurações familiares: A monoparental é comandada por um único
responsável adulto, as famílias reconstituídas são formadas por padrastos, madrastas e novos irmãos e a família ampliada que é composta por avós, tios, amigos, vizinhos etc.
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Rizzine (2007), também ressalta que o adolescente tem direito à
convivência familiar, contudo existem milhares deles espalhados por todo
Brasil, tendo seus direitos violados e sofrendo violência e descaso nas ruas,
pois segundo o ECA (1990), como já foi supracitado, é dever da família,
sociedade e do Estado lhes garantir um desenvolvimento favorável e
principalmente direito à uma vivência familiar e comunitária harmoniosa que é
de extrema importância para sua desenvoltura no meio em que vive.
Zagury (2009) comenta que a família é uma grande influenciadora na vida
desses adolescentes, tanto positivamente como negativamente, pois se dentro
de sua casa a vivência é harmônica, há respeito uns pelos outros, diálogo e
paciência a probabilidade dos pais amenizarem a ida desse jovem para as ruas
em busca de amigos, por más companhias, e que provavelmente lhes mostrará
caminhos errôneos, será muita, uma vez que tudo que é importante e
necessário ele encontrará em seu ambiente familiar.
Em contrapartida, existem as famílias que vivem diversos tipos de
dificuldades e toda essa teoria citada infelizmente não é praticada, pois os
problemas são tantos que eles não encontram espaço para esse tipo de
assunto, já que estão mais preocupados com o que precisam fazer para manter
suas famílias. Essa realidade atinge milhares de famílias que hoje vivem
condições sub-humanas e ainda são cobradas e julgadas por não terem
condições de sustentar e educar seus filhos, pois a pobreza os atingiu de tal
forma que nem o básico para viver os pais consegue prover para sua família.
Então, Osório afirma a importância da participação da família e da
sociedade.
A participação de cada um de nós, como cidadãos, é obviamente a gota de água indispensável para que se forme o caldal de boa vontade e espírito coletivo capaz de transformar a sociedade. A família, como unidade matricial do corpo social, tem, contudo, seu papel a desempenhar. A forma como as relações humanas se processam no âmbito da família é o modelo interacional para o funcionamento das coletividades [...]. (OSÓRIO, 1996, p.86).
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O autor menciona a importância dessas duas participações, pois para
ele são elementares para amenizar a desigualdade e a injustiça social.
Também percebemos o quanto as famílias em situação de vulnerabilidade
precisam de atenção básica, visto que muitas vezes seus filhos lhes são tirados
por não conseguirem mantê-los, com isso o vínculo familiar é quebrado e como
resultado dessa separação, vem o desapego à família, a insensibilidade, em
muitos casos a rebeldia, dentre outros. A seguir, iremos continuar tratando
sobre a adolescência, mas dessa vez sob um ponto de vista diferente, o
adolescente que vive essa fase e ao mesmo tempo enfrenta a pobreza.
1.4 - A adolescência e a pobreza
No filme “Crianças Invisíveis”, dirigido por Veneruso (2005) ocorre uma
cena em que um adolescente chamado Ciro, que vive na periferia de Nápoles,
em uns prédios com aparência de abandonado, sem perceber escuta seu
padrasto e sua mãe brigando por causa da falta de condições financeiras. Em
uma das falas de sua mãe, o garoto a ouve afirmar que não suporta mais
aquela situação, o dinheiro não estava suprindo nem as necessidades básicas
da família e que a partir daquele dia o menino Ciro teria que colocar dinheiro na
mesa e ajudá-la nas despesas de casa.
Nas cenas seguintes, o adolescente começa a se envolver com más
companhias, planejar roubos e conseguir seu próprio dinheiro. Dentre várias
cenas, destaca-se a que ele troca produtos roubados por dinheiro e também
por fichas para brincar em um parque de diversão e comprar algodão doce. No
decorrer da história, ele continua a submergir no mundo da criminalidade, e é
importante frisar que em algumas partes do filme, ele relembra as amargas
palavras de sua mãe. Também podemos perceber o contraste dos desejos
daquele menino, roubava para manter-se, ou até mesmo porque foi o caminho
mais fácil que encontrou para solucionar de imediato seus problemas, mas no
profundo de seus anseios infantis, queria apenas realizar desejos que toda
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criança e adolescente têm, assim como brincar no parque de diversão, comer
guloseimas e ser feliz.
Mas não, ele se vê na obrigação de se sustentar, mesmo sendo apenas
um adolescente, na verdade, uma criança sozinha, que precisa tão cedo
enfrentar as dificuldades da vida. E infelizmente no final do curta-metragem, o
garoto simbolicamente faz uma arma com sua própria mão e aponta para sua
boca, finge que atira e cai no chão como se estivesse morto. Essa cena
exemplifica a massacrante realidade dos adolescentes que são privados de
seus direitos tão cedo, pois a desigualdade social os acompanha desde o seu
nascimento.
Diante dessa realidade retratada no filme Rizzini complementa dizendo
que:
Além de escapar da incômoda evidência de tanta miséria, preenche-se este vácuo por uma retórica na qual os pobres são desqualificados enquanto pais. Passam a ser vistos como pais que não amam, incapazes de estabelecer vínculos com suas crianças. (RIZZINI, 2003, pg. 53).
Faz-se necessário salientar que as condições econômicas de uma
família não são o mais importante, mas é de extrema necessidade para que os
seus membros venham desenvolver-se em todas as formas, principalmente se
tratando de adolescentes, uma vez que esse período é composto de decisões,
conquistas, alegrias e tristezas, pois quando uma família está bem em todos os
aspectos, ela sente-se segura em apoiar os filhos e dar todo um suporte para
um futuro digno. Mas também não significa dizer que quando determinada
família não tem uma boa condição financeira seja incapaz de proporcionar um
vínculo familiar forte o suficiente para enfrentar as dificuldades juntos e superar
até mesmo a pobreza.
Becker (2011) salienta que abandono e pobreza tende a ser confundido
no seu conceito, pois existem muitas crianças e adolescentes em situação de
rua ou nos abrigos que possuem vínculos com seus familiares em sua maioria.
A causa que os levam a situação de vulnerabilidade na maior parte das vezes
-
35
não é a negligência dos pais, mas sim uma estratégia de sobrevivência, pois
como foi relatado acima, no filme “Crianças Invisíveis”, podemos perceber essa
relação de pobreza e abandono, e muitas vezes o senso comum que julga as
famílias dizendo que elas abandonam e não sabem educar seus filhos sendo
essa a razão pela qual eles estão nas ruas fazendo o que é errado.
Portanto, é importante desmistificar esse pré-conceito, pois a autora
Becker (2011) afirma que “se abandono existe, não se trata de crianças e
adolescentes abandonados por seus pais, mas de famílias e populações
abandonadas pelas políticas públicas e pela sociedade” (p. 63). O ECA (1990)
frisa também, especificamente no artigo 23, que “a falta ou a carência de
recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão
do poder familiar” e no parágrafo único do artigo 23 afirma que quando a
família não possuir uma boa condição econômica para permanecer com as
crianças e adolescentes no seio familiar, esta deve ser incluída em programas
oficiais de auxílio, para que seja possível efetivar o direito a convivência familiar
e comunitária. (BRASIL, 1990).
Enfim, as políticas públicas têm deixado a desejar quanto a essa
problemática, pois segundo o ECA (1990), o Estado tem o dever de assumir a
responsabilidade nessas situações apresentadas para dar subsídios as famílias
para que possam permanecer com seus filhos e apoiá-las no desenvolvimento
deles.
Kaloustian afirma que:
Por detrás da criança excluída [...] nas favelas, no trabalho precoce urbano e rural e em situação de risco, está a família desassistida ou inatingida pela a política oficial. Quando esta existe, é inadequada, pois não corresponde as suas necessidades e demandas para oferecer o suporte básico para que a família cumpra, de forma integral, suas funções enquanto principal agente de socialização dos seus membros, crianças e adolescentes principalmente. (KALOUSTIAN, 2011, p. 13).
Diante dessa realidade percebemos o quanto as famílias precisam da
mínima atenção básica para que possam exercer o direito que já lhe pertence,
que é o de criar e educar seus filhos de forma que eles sejam inseridos e
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36
tenham seus direitos efetivados, tais como: saúde, educação, lazer, moradia,
convivência familiar, entre outros; ou seja, para que esses filhos tenham a
oportunidade de crescer e desenvolver tanto o físico quanto o intelecto, que
venham ser vistos como cidadãos que contribuem para o bem comum e para
que tanto a família como o adolescente possam compreender a importância da
participação familiar em seu crescimento e o quanto ela pode influenciar em
seu futuro.
O autor supracitado afirma que a família não é apenas responsável pelo
comportamento de seus filhos, mas sim pela trajetória de vida que cada
membro vai fazer individualmente, como a formação de uma nova família,
enfrentar o mercado de trabalho, etc. Ele comenta que nas famílias mais
pobres esse trajeto acontece de maneira traumática, pois o processo depende
das condições econômicas e das formas de sobrevivência que se dá em cada
família.
Segundo Carvalho
Vive-se no Brasil hoje um verdadeiro “apartheid” 10
entre ricos e pobres. Não se percebe, mas este “apartheid” é notório especialmente nas regiões metropolitanas, onde a maioria da população vive em cortiços, favelas e casas precárias das periferias, excluídos não apenas do acesso a bens e serviços, mas também do usufruto da própria cidade. A pequena população rica vive em bairros que são verdadeiros condomínios fechados com todos os bens e serviços disponíveis. (CARVALHO, 2011, p. 96).
A desigualdade em todos os aspectos tem causado uma verdadeira
divisão até mesmo geográfica. Segundo o autor referido a população mais
desprovida de recursos financeiros vive o processo de exclusão a começar
pelos serviços básicos que uma sociedade precisa, sem mencionar que
quando algumas comunidades com muito sacrifício constroem seus barracos
ou simples casas de alvenaria, onde o Estado por motivo de higienização, ou
10
Apartheid ("vida separada") é uma palavra de origem africana, adotada legalmente em 1948 na África do Sul para designar um regime segundo o qual os brancos detinham o poder e os povos restantes eram obrigados a viver separados dos brancos, de acordo com regras que os impediam de ser verdadeiros cidadãos. Disponível em http://questionadora.blogspot.com.br/2009/07/o-significado-de-apartheid.html acesso no dia 05/11/2013
http://questionadora.blogspot.com.br/2009/07/o-significado-de-apartheid.html
-
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seja, estética da cidade e também por causa de grandes eventos,
simplesmente dá ordem para demolir suas casas, os seus sonhos.
Nascimento (2000), comenta que “[...] os excluídos não têm lugar.
Vagabundeiam pelos interstícios das cidades [...]”. (p.66). E Bursztyn (2000,
p.38), afirma que os excluídos “[...] São os sem-teto, sem moradia, sem
trabalho, com seus vínculos familiares rompidos, que fazem do espaço da rua
sua morada [...]”. Pelo exposto, percebemos o quanto a desigualdade causa a
exclusão social, pois estamos habituados nessa sociedade a valorizar as
pessoas que possuem algo a oferecer, damos valores aos próprios interesses,
não nos importando com aqueles que estão a vaguear nas ruas sem destino,
sem esperança de dias melhores, como diz a música da banda Jota Quest11:
“Vivemos esperando o dia em que seremos melhores, melhores no amor,
melhores na dor, melhores em tudo [...]. Dias melhores pra sempre [...]”.
Todas as pessoas desejam desfrutar de dias melhores, de uma vida
digna e sem privação de direitos, mas a realidade vivida pelos adolescentes
que por causa da pobreza e da miséria têm suas vidas impactadas e marcadas
pela violência, fome, drogas e abandono escolar, tem como consequência, na
maioria das vezes, a quebra da convivência familiar, uma vez que tanto a
família quanto o adolescente estão excluídos da sociedade, causando
progressivamente a distância entre eles, seja geográfica ou afetivamente.
Por fim, salientamos o quanto é importante compreendermos essa etapa
da adolescência, pois assim saberemos como lidar com as situações postas,
bem como frisar a necessidade da participação da família nesse momento
crucial na vida deles e o quanto ela pode entusiasmá-los a crescer em todos os
aspectos, sem deixar de destacar que os jovens nessa fase que vivem em
situação de vulnerabilidade necessitam de atenção. O que adianta a família ter
vontade de educar e proporcionar um futuro melhor para seus filhos se as
condições financeiras as limitam? Se a sociedade os desprezam e se o Estado
os abandona? No próximo capítulo iremos acompanhar como acontece o
11
Jota Quest é uma banda de pop rock formada em Belo Horizonte em 1993.
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processo da casa para a rua, como os adolescentes, segundo os autores
referenciados, percebem esse universo e também como se deu o processo de
institucionalização no Brasil e quais as mudanças ocorridas.
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2. O TRAJETO DA RUA E A INSTITUCIONALIZAÇÃO
2.1 - O caminho da rua começa a ser trilhado
“Desde que sou gente a rua é meu mundo,
vivendo como indigente neste isolamento
profundo”.
Francisco Fernandes Nascimento12
Ao sairmos diariamente de nossas casas passamos por diversas ruas,
seja a pé, de ônibus ou carro, nas quais encontramos um universo cheio de
diversidade, composto por pessoas que seguem individualmente o seu
caminho. E é no espaço da rua que muitas pessoas sobrevivem de maneira
inumana, pois não encontram outra saída além dela. Sendo assim, é relevante
que aprofundemos mais sobre essa categoria, a fim de analisarmos o que a rua
significa para essa população nela habita, especificamente, os adolescentes.
Morais observa que:
Quando pensamos em rua, visualizamos um lugar de passagem, um lugar pelo qual devemos passar para chegar até o nosso objetivo final (escola, trabalho, lojas, casas de familiares, amigos etc.). Ao caminharmos a pé ou nos locomovermos de ônibus e automóvel, a rua mostra-se como um conjunto de estímulos (visuais, sonoros e olfativos) que se multiplicam de forma rápida e dinâmica. Além dos estímulos físicos, encontram-se (em maior ou menor quantidade) as pessoas que dela fazem parte e lhe dão cor e vida. Para a maioria dessas pessoas, a rua continua sendo simplesmente um “lugar de passagem”, de impessoalidade (multidão de desconhecidos) e que gera insegurança. (MORAIS, 2010, p.35)
Para o senso comum, a rua continua sendo apenas um lugar onde
podemos transitar com o intuito de chegar a um determinado local, assim como
também realizar atividades físicas e brincadeiras como: futebol, pipas, etc. Mas
quando chega o final do dia todos caminham em direção as suas casas, seu
12
Francisco Fernandes Nascimento é um poeta, natural de Natal - RN
-
40
aconchego, seu conforto, pois na rua você está desprotegido, exposto e
inseguro. Resumindo, realmente ela é apenas um local onde muitos passam,
mas preferem voltar as suas casas e ter uma boa noite de sono.
Mas acontece que nem todos podem fazer esse caminho de volta, pois
para muitos a rua não é mais apenas um lugar de transição, mas sim de
moradia e também de sobrevivência. Hoje, tem se tornado cada vez mais
comum vermos os sinais de grandes avenidas repletos de crianças e
adolescentes mostrando o que sabem e o que podem fazer para conseguir o
seu próprio sustento e também o da família. A situação precária nas famílias
traz um peso de responsabilidade muito cedo para esses meninos e meninas
de rua, pois são obrigados a abandonar sua infância, já que precisam trabalhar
para garantir pelo menos uma refeição por dia. Gastam toda a sua força
vendendo balas dentro de ônibus, limpando carros, engraxando sapatos ou
mesmo mendigando.
Rizzini enfatiza sobre suas vivências nas ruas.
Suas vidas são marcadas, desde o início, por adversidades contínuas, forçando-os a circunstâncias desumanas, que vão compondo o pano de fundo de suas trajetórias. Embora ocupem as ruas com sede de viver, suas histórias são pautadas por episódios de fome, brigas, desastres, mortes, perdas, falta de opção, de apoio, de tudo. (RIZZINI, 2003, p.12).
Então, quando esse adolescente por determinada situação sai de seu
ambiente familiar para as ruas, já traz consigo feridas abertas, mágoas,
ressentimentos, solidão e tristeza. A sua ida para as ruas é como se fosse a
solução dos seus problemas, ficam “a mercê da sorte”, vivendo de maneira
inumana, como se fossem o que sobrou da sociedade: o resto, inútil, sem valor
algum. Mesmo que a aproximação com a rua, embora muitas vezes, seja em
prol de sua sobrevivência, o adolescente está tão fragilizado que qualquer
pessoa de má influencia completa o vazio que as circunstâncias da vida lhe
proporcionaram. Dessa forma, a ida para as ruas começa a ganhar um atrativo,
não apenas pelo fato do trabalho, mas sim, pelos vínculos que são feitos.
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Morais, et.al. (2010) enfatiza que a ida para as ruas não acontece de
repente, existe um processo que acresce gradativamente o elo com as pessoas
que já fazem parte desse espaço, geralmente esse processo de aproximação
com a rua se dá justamente pelo rompimento de vínculo na sua família e
também na sociedade. Com isso, aquele menino que ia para as ruas apenas
para trabalhar ou encontrar os amigos, de repente, percebe que quanto mais
tempo ele passa fora de casa, mais se afasta dos problemas que tanto lhe
perturbam e tiram a sua alegria. Tudo isso vai aproximando ele cada vez mais
das ruas e o distanciando do espaço de casa porque, nesse ambiente
consegue dinheiro e comida, quase sempre pedindo, já que não tinha acesso a
esses itens no meio familiar. Sem nem perceber, esse adolescente se encontra
vivendo nas ruas, mudança essa que se dá por vários fatores, uma vez que a
autora afirma que há uma vulnerabilidade que predispõe crianças e
adolescentes irem para as ruas e na maioria das vezes começam indo para os
sinais como “flanelinhas”, vendendo água, bombons e etc.
Para melhor compreensão, a autora supracitada (2010) define o que é
vulnerabilidade social: “[...] é o resultado negativo da relação entre a
disponibilidade dos recursos materiais ou simbólicos dos atores [...] e o acesso
à estrutura de oportunidades sociais, econômicas e culturais que provêm do
Estado, do mercado e da sociedade”. (p. 38). Sendo assim, é possível entender
que a falta de acesso a recursos básicos resulta na precariedade na forma em
que vivem, ou seja, são impossibilitados de suprir por seus próprios meios às
situações de suas vidas em determinados aspectos, sejam eles econômicos,
sociais, entre outros.
Para exemplificar as situações de vulnerabilidade que esses
adolescentes sofrem, trazemos aqui alguns dados para basear o que ocorre
com eles antes de irem para as ruas. De acordo com uma pesquisa13 anual, na
cidade de Fortaleza no ano de 2010, existem alguns fatores determinantes
para que isso aconteça.
13
Disponível em http://www.criançanaoederua.org.br/pdf/Pesquisa_Anua_Fortaleza_2010.
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Quadro 1 - Distribuição por motivo de ida para as ruas.
Motivação de ida para as
ruas
ABS %
Abuso sexual 2 1,0
Exploração sexual 25 13,1
Amigos 7 3,7
Conflitos comunitários 24 12,6
Drogas 7 3,7
Exploração do trabalho
infantil
9 4,7
Miséria 18 9,4
Vínculos familiares
fragilizados
24 12,6
Violência doméstica 7 3,7
Outros 68 35,6
Fonte: Pesquisa anual de Fortaleza 2010. “Continuação” Quadro 1.
Esses fatores contribuem com a ida de crianças e adolescentes para as
ruas de Fortaleza. Segundo Morais, et.al (2010), esse caminho para as ruas se
mostra como uma alternativa de sobrevivência ao ambiente e situações que
vivenciam diariamente. Alguns dados ganham um maior destaque nas
motivações, dentre eles, enfatizamos a miséria e os conflitos familiares. Com
isso, as ruas acabam de certa forma se tornando um espaço de fuga para
esses meninos que estão nas ruas. Não que a rua seja uma boa opção, mas
de acordo com um estudo realizado por Leite (1991, 1998, 2005), Morais
(2005) e Westphal (2001) apud Morais et.al.
O (a) menino (a) que vai para a rua, inúmeras vezes, está fugindo de dados reais da sua vida, como: condições de moradia precária, insalubridade, “casa cheia”, violência doméstica, fome, exploração pelo trabalho etc. Assim, procuram escapar dos fatores ambientais e psíquicos que lhe causam danos físicos e psicológicos, mesmo que isto não lhes seja consciente. (2010, p. 70).
A rua é o caminho que eles encontram para não encarar as dificuldades
dentro de casa, com isso ela torna-se um espaço diversificado e usado para o
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trabalho infantil, mendicância e muitos outros. Como conseqüência disso,
ocorre o baixo rendimento escolar ou o abandono, uso de drogas, revolta,
roubos, etc. Por fim, começam a viver longe de casa, tentando de todas as
formas sobreviver como pode, além de enfrentar o medo e a violência que
existem nas ruas. A rua é vista como um local inseguro, principalmente nos
dias atuais em que a violência tem gerado pânico nas pessoas, tendo como
resultado desconfiança e preconceito por aqueles que estão nas ruas. Enfim,
ausentam-se do seu ambiente familiar em busca de sobreviver e resistir às
circunstâncias vividas.
Dirk apud Graciani (1997) apud Gomes e Pereira (2003) esclarece que:
Viver na rua significa viver em um espaço público, um espaço livre e aberto a toda população. Mas, por isso, um espaço anônimo. Ao contrário da casa, na rua as pessoas não têm nome, nem identidade pessoal, apenas funcional. A rua é para todos e para ninguém: indivíduos não têm importância, seus traços desapareceram. Eles se tornam circunstâncias abstratas e podem facilmente ser vítimas de ações gerais de violência e agressão. (2003, p. 115).
Os quem vivem nas ruas acabam tornando-se invisíveis diante da
sociedade, pois não são identificados por seus nomes, não possuem um
espaço confortável para morar, antes, passam a maior parte do seu tempo em
um lugar que pertence a todos, a rua. Os nomes que recebem são pejorativos,
carregados de marcas e estigmas. Entre eles, como já foi citado
“trombadinhas”, “mendigos”, “mirins” “vagabundos”, “sem educação”,
“flanelinhas”. São inúmeras as qualificações dadas a esses adolescentes que
estão a vagar pelas ruas de Fortaleza à procura de serem reconhecidos
simplesmente como seres humanos, adolescentes, sujeitos de direitos, assim
como outros. No próximo tópico iremos abordar as diferenças encontradas no
espaço da casa e da rua, como a sociedade caracteriza esses espaços e como
ela percebe as pessoas que nela vivem.
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2.1.1 - Entre a casa e a rua
Da Matta (1997), faz uma síntese sobre as diferenças encontradas entre
a casa e a rua. Ele comenta que em casa somos livres para ter certas atitudes,
que na rua seria impróprio e causaria contestações como, por exemplo, “exigir
atenção para nossa presença e opinião, querer um lugar determinado e
permanente na hierarquia da família e requerer um espaço a que temos direito”
(p.19). Quando uma pessoa está em sua casa ela tem um espaço que é seu,
tem um nome, uma classificação, ou seja, é um filho, tio, sobrinho, é alguém,
realiza um papel na sociedade, na comunidade em que vive, mas nas ruas,
quem é por eles? Quem os é?
DaMatta (1997) continua discorrendo que a casa é um local de
tranquilidade, recuperação e comodidade, ou seja, é um espaço de
demonstração de amor, ternura, afeto e cuidado. O autor destaca que em casa
somos todos “supercidadãos”. Mas na rua, será que temos voz, será que
alguém nos enxerga? Qual é a nossa identidade?
Segundo DaMatta (1997, p. 19), na rua somos “[...] indivíduos anônimos
e desgarrados, somos quase sempre maltratados pelas chamadas
“autoridades” e não temos nem paz nem voz. Somos rigorosamente
“subcidadãos” [...].” Diante disso, compreendemos que a rua extrai a
subjetividade daquele que está exposto a ela, não restando nem sequer o
direito de ser respeitado como cidadão e também como ser humano.
Escorel (1999, p.11) enfatiza que “Os cidadãos são indivíduos
portadores de interesses e direitos legítimos, são sujeitos com poder de agir e
falar”. Mas infelizmente, quando se está nas ruas, esse legítimo direito
submerge juntamente com sua dignidade e seus valores, além dos seus
direitos civis que é o acesso à educação, moradia, saúde, entre outros.
Esses indivíduos sem vínculos com o mundo do trabalho e da cidadania
em que não podem usufruir dos direitos que já lhes foram concedidos, além
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das limitações humanas de sobrevivência, não causam interesse e importância,
são inúteis, exoneráveis e desnecessários para a sociedade. (ESCOREL,
1999). A rua torna-se um lugar de sobrevivência, pois eles vivem o presente,
certos de que o futuro não está as suas vistas, pois “torna-se permanente o
processo de morrer”. (Escorel (1997) Apud Arendt (1989); p,81).
Quando tratamos de adolescentes em situação de rua, temos que eles
vivem à margem da sociedade, estão morrendo socialmente, sendo excluídos
desse sistema capitalista e individualista, onde as pessoas não se importam
com quem está caído em uma calçada, uma vez que essa cena já se
naturalizou. É normal passar pelas ruas de Fortaleza e ver inúmeros
adolescentes encontrando o mundo do crime ao invés de estarem na escola,
no vínculo familiar, na sua comunidade, mas não, estão sozinhos, perdidos e
recusados.
Essa é uma situação degradante, pois cada vez mais esses
adolescentes têm os seus direitos negligenciados e desde muito cedo eles
iniciam o processo da morte social, começando em seu ambiente familiar,
depois em sua ida para as ruas e consequentemente adentram nesse processo
tão desumano e doloroso o qual quando não há a intervenção da família, da
sociedade e do Estado infelizmente os levam a experimentar além da morte
social a morte física, mesmo sem ter vivido plenamente. Sobre a visão que a
sociedade tem da rua e das pessoas que estão nela.
DaMatta ressalta
Até hoje a sociedade parece fiel á sua visão interna do espaço de rua como algo movimentado, propício à desgraças e roubos, local onde as pessoas podem ser confundidas com indigentes e tomadas pelo que não são. Nada pior para cada um de nós do que ser tratado como “gente comum” [...], do que ser tomado como uma “mulher da vida” ou alguém que pertence ao mundo do movimento e do mais pleno anonimato. (DAMATTA, 1997, p. 54).
Necessariamente, quem está nas ruas não é sinônimo de “marginal”,
muito pelo o contrário, em sua maioria são pessoas em busca de escapar da
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fome, pobreza, violência doméstica, entre outros, em busca de resistirem às
dificuldades que a vida lhe trouxe. Nas ruas, o anonimato prevalece, pois a
sociedade apenas visualiza sua aparência suja, maltratada e pés descalços.
Não observam para além da aparência, os seus nomes, sua história, seus
medos e seus sonhos. Então, essa visão de que a rua é favorável apenas a
acontecimentos ruins, acaba infelizmente trazendo para os indivíduos que nela
habitam essa característica de que a rua é perigosa, portanto quem nela vive,
também é.
Ainda sobre população de rua, Silva (2009, p. 120) salienta que “É muito
comum que as pessoas em situação de rua sejam responsabilizadas pela
situação em que se encontram, por suas “imperfeições” ou “falhas” de caráter.
Muitas vezes também são tratadas como uma ameaça à comunidade”.
Frequentemente vemos esse tipo de insinuação, como se a maior parte das
pessoas que se encontram nas ruas estivessem ali por vontade própria e não
por circunstâncias da vida. Além de colocar em julgamento seu modo de ser e
sua integridade.
Borin apud Silva por sua vez destaca que “os moradores de rua são
muito estigmatizados (...) eles despertam medo, nojo e descaso”. Silva
continua sua linha de pensamento dizendo que:
As práticas higienistas, direcionadas para camuflar o fenômeno, mediante massacres, extermínios ou recolhimento forçado dessas pessoas das ruas, continuam presentes nos tempos atuais, nos grandes centros urbanos do País, até mesmo conduzidas por órgão do poder público. Essas práticas são impregnadas de preconceitos e estigmatizam as pessoas a quem são dirigidas. (BORIN Apud SILVA, 2009; p. 120).
Essas ações realizadas contra a população de rua simplesmente
existem para mascarar o problema, muitas vezes parece que o país está
vivendo um retrocesso, pois ao invés de solucionar essa situação que só tem
aumentado alarmantemente, parece que essa causa não é problema de
ninguém, muito menos do governo, uma vez que as medidas tomadas são
essas imediatistas e carregadas de marcas do passado.
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Diante do contexto compreendemos que a rua desde muitos anos é
caracterizada como um espaço negativo, um local de todos, mas que ninguém
é valorizado, já que é nesse lugar que estranhos transitam cotidianamente, isto
é, não se conhecem e nem se cumprimentam, este é o espaço da rua. E por
fim, o espaço da casa, onde mesmo que não seja um ambiente agradável ou
como se sonhava é nesse espaço que se dá início ao exercício da cidadania,
uma vez que em casa é possível ser ouvido e percebido, pelo menos deveria
ser assim. Mas sabemos que existem muitas contradições sobre os
relacionamentos familiares em casa, pois muitas das vezes, a violência física e
psicológica começa dentro do próprio lar.
No próximo ponto iremos discutir a questão do uso das drogas,
observando se existe alguma relação com a ida desses adolescentes para as
ruas e qual é a semelhança existente entre elas: a rua e as drogas.
2.1.2 – As drogas, a rua e os seus impactos.
Segundo a reportagem de D’alama (2012) no site G1, através do
Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD)14, o Brasil é o segundo
maior consumidor mundial de cocaína e seus derivados. Segundo a pesquisa
mais de 6 milhões de brasileiros já usaram cocaína e dentro desse grupo 2
milhões já experimentaram o crack e outras drogas. O estudo observou
também que o uso de drogas ilícitas começa muito cedo, pois 45% das
pessoas que usaram a substância pela a primeira vez foram antes dos dezoito
anos de idade. Esse consumo precoce traz consequências prejudiciais ao
longo da vida.
Atualmente podemos perceber o quanto as drogas têm ceifado a vida de
muitas pessoas, principalmente a dos jovens, pois basta assistir a um
14
Disponível em: http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2012/09/brasil-e-o-segundo-maior-consumidor-de-cocaina-e-derivados-diz-estudo.html Acesso em 01/12/2013.
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programa policial de televisão para observar o quanto ela têm adentrado e
destruído a vida de muitas famílias. As drogas não escolhem a situação
econômica, mas é muito provável que as pessoas que estão vivendo de
maneira precária e vulnerável tenham uma maior possibilidade de se envolver