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ANÁLISE DOS NÍVEIS DA IDEOLOGIA NO LIVRO “A REVOLUÇÃO DOS
BICHOS”
Denise Luiz Renz1 - Centro Universitário Fundação Assis Gurgacz.
Júlia Coelho de Abreu2 - Centro Universitário Fundação Assis Gurgacz.
Juliano Vaz Kievel3 - Centro Universitário Fundação Assis Gurgacz.
Luiz Antônio Nogueira Fernandes4 - Centro Universitário Fundação Assis Gurgacz.
Margarete Aparecida Nath-Braga5 - Centro Universitário Fundação Assis Gurgacz.
RESUMO: O presente artigo tem por finalidade analisar uma das vertentes da construção da
ideologia dentro dos textos. O livro “Animal Farm” (A Revolução Dos Bichos) de George
Orwell, escrito em 1944 e publicado em 1945 após o fim da Segunda Grande Guerra, tem
carregado consigo uma forte influência de seu contexto histórico, ou seja, influências do seu
autor como também da situação social no qual ele estava inserido. Por esse motivo
apresentado até agora, o objetivo será esclarecer os níveis de aparência e de essência que o
texto carrega em sua ideologia, além de esplandecer outros objetivos secundários a esse, para
tentar se aproximar da real intenção do autor ao escrever a obra. Contar-se-á com a leitura do
texto de forma minuciosa, também será utilizada para fundamentação teórica alguns materiais
conceituados que discorrem sobre a época da qual o texto foi escrito. Como metodologia para
a execução deste trabalho, serão feitas pesquisas bibliográficas que servirão de base para a
fonte de desenvolvimento do artigo.
PALAVRAS-CHAVE: A Revolução dos bichos. Ideologia. Linguística.
INTRODUÇÃO
Neste trabalho acadêmico será apresentada uma análise do livro Animal Farm (A
Revolução dos Bichos) de George Orwell, escrito em 1944 e publicado pela primeira vez em
1945. A análise proposta pauta-se na fundamentação teórica da Análise do Discurso, que foi
1 Acadêmica do curso de Letras – Português/Inglês do Centro Universitário Fundação Assis Gurgacz. E-mail:
[email protected] 2 Acadêmica do curso de Letras – Português/Inglês do Centro Universitário Fundação Assis Gurgacz. E-mail:
[email protected] 3 Acadêmico do curso de Letras – Português/Inglês do Centro Universitário Fundação Assis Gurgacz. E-mail:
[email protected] 4 Acadêmico do curso de Letras – Português/Inglês do Centro Universitário Fundação Assis Gurgacz. E-mail:
[email protected] 5 Orientadora deste trabalho – Doutora em Linguística e docente do Centro Universitário Fundação Assis
Gurgacz. Email: [email protected]
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escolhida, especificadamente nesta discussão, o conceito de Análise Crítica do Discurso de
Norman Fairclough, considerando, especialmente, o conceito de ideologia, tanto de aparência
quanto de essência, conforme propõe Fiorin.
A fundamentação apresentada nessa análise apresenta uma concisa biografia do autor
o que auxilia na compreensão de quem foi George Orwell, o que favorecerá a compreensão do
seu texto. Também será apresentado um breve resumo do contexto histórico, no qual o livro
foi escrito o que favorecerá a compreensão do discurso apresentado. Nessa análise
investigativa, serão abordados os níveis de aparência e de essência. Partir-se-á do pressuposto
de que o livro faz alusão ao contexto histórico da Revolução Russa de 1917, liderada por
Lênin na derrubada do último czar e, anos após a Revolução com a morte de Lênin e a
ascensão de Stálin ao poder com um papel muito importante e duvidoso na interpretação de
Orwell. Neste sentido, existe uma crítica sobre o governo de Stálin, já que Orwell, assumido
socialista, não concordava com a forma de liderança de Stálin.
Em modo transversal ao desenrolar do artigo, serão feitas menções sobre as
personagens e suas características com apontamentos de nomes históricos da Revolução
Russa de 1917, que recebem grande alusão dentro do livro, ou seja, serão relacionadas às
personagens com os mais famosos ícones da Revolução, por exemplo, a semelhança entre o
porco Bola-de-neve e Trotski. Para a conclusão do trabalho, partir-se-á de forma breve,
concisa e conceituada, do que, em uma das interpretações possíveis, Orwell possibilita sua
obra, além de mostrar o porquê da sua crítica ao sistema de governo de Stálin e, também e
primordial, as conclusões sobre as análises que serão feitas, no discorrer de todo o trabalho,
com os níveis de aparência e de essência da ideologia que o livro mostra ao leitor.
Para a explanação dos conceitos da AD, partir-se-á dos pressupostos teóricos de Fiorin
sobre a ideologia. Também será apresentado aqui os conceitos da ACD de Fairclough (2008),
que segundo ele o discurso não somente quer mostrar algo sobre o mundo, mas sim exaltar o
significado do que o mundo mostrar, dando um significado ao mundo.
Para o favorecimento à leitura da obra de Orwell
a ACD considera que os discursos são produzidos em uma dada estrutura social e
constituem-se a partir de outros discursos ou vozes que atravessam, direta ou
indiretamente, todo o dizer. O discurso como significação alerta para o poder
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constituinte das palavras, pois elas mesmas são detentoras de múltiplos sentidos. É
por meio do discurso que se constrói a realidade, pois o discurso é ação e
movimento. Ele é o responsável por todas as relações sociais. (NATH-BRAGA,
2013, p.1-2).
Neste sentido, o texto foi produzido num dado momento histórico que, direta e
indiretamente, constituem o significado completo e real da obra, ou seja, a questão que aqui
será discutida, tem como foco o uso da AD para sustentar a teoria de que a obra possui vários
sentidos para cada pessoa em particular, assim cada indivíduo que lê a obra terá sua própria
compreensão sobre o texto lido, pois emitirá de seu conhecimento histórico, político,
econômico ou de outras áreas para interpretar da sua melhor maneira possível.
A AD ajudará a compreender o contexto social em que George Orwell escreveu sua
obra e quais as influências que nortearam a produção do mesmo.
Dentre os conceitos apresentados pela Análise do Discurso, o mais significativo para
essa análise é o de ideologia. Segundo o que Afonso (2010) afirma sobre Karl Marx e
Friedrich Engels, ideologia:
As representações, o pensamento, o comércio intelectual dos homens surge aqui
como emanação directa do seu comportamento material. O mesmo acontece com a
produção intelectual quando esta se apresenta na linguagem das leis, política, moral,
religião, metafísica, etc., mas os homens reais actuantes e tais como foram
condicionados por um determinado desenvolvimento das suas forças produtivas e do
modo de relações que lhes corresponde, incluindo as formas mais amplas que estas
possam tomar. A consciência nunca pode ser mais que o Ser consciente; e o ser dos
homens é o seu processo da vida real. (MARX E ENGELS apud AFONSO, 2010, p.
5).
A ideologia, na interpretação de Fiorin (2005), enquadra-se em dois conceitos: o de
essência e o de aparência. Para entender esses conceitos, será feita a observação da análise
que Karl Marx faz do salário. No nível de aparência, o salário apresenta-se como pagamento
de um trabalho realizado por alguém que vendeu sua mão de obra, ou seja, o salário é o
pagamento pelas horas trabalhadas de alguém que vende sua força de trabalho. No nível de
aparência a troca de mão de obra por salário é justa, pois quem trabalha recebe.
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Entretanto, segundo a linha de raciocínio marxista as coisas vão além do nível de
aparência, indo mais a fundo, pensando no nível de essência essa troca não é justa, pois
segundo Karl Marx, existe o conceito de mais-valia entre a troca de mão de obra por salário,
ou seja, o trabalhador gera muito mais lucros para o patrão do que valor recebido pelo seu
patrão.
O salário, ao aparecer como o pagamento do trabalho e não da força de trabalho,
apaga a distinção entre tempo de trabalho necessário e tempo não-pago, fazendo das
relações de trabalho, no nível aparente, uma troca igualitária. Isso mostra que o
capitalismo engendra formas que mascaram sua essência, pois, se não houvesse
apropriação do valor gerado pelo não-pago, não haveria capital. (FIORIN, 2015, p.
29).
Por exemplo: imagine que um dono de uma loja de paletós contrate uma vendedora
para trabalhar para ele, e o salário da vendedora equivale a 5% de suas vendas, ou seja, 1 a
cada 20 paletós. O patrão usará dos 20 paletós: 1 para pagar o salário da vendedora, 10 para as
despesas, então os outros 9 serão o lucro do dono da loja, ou seja, esses 9 são a mais-valia
produzida pela vendedora.
Portanto, a troca voluntária da mão de obra por um salário equivale ao nível de
aparência, e a mais-valia equivale ao nível de essência.
Esclarecido o conceito de ideologia em nível de essência e aparência, será agora feita a
análise do discurso do livro “A Revolução Dos Bichos”, de George Orwell.
Neste sentido George Orwell torna-se nosso sujeito do discurso, pois segundo Ane
Ribeiro Patti (2012), sujeito do discurso, tem uma materialidade linguística, e, portanto, é
fruto de um entremeio entre movimentos metafóricos e metonímicos, paráfrase e polissemia.
Orwell vivera em condições histórico-sociais que o influenciaram na construção do seu
discurso em sua obra. O sujeito significa e é significado em determinadas condições pelo viés
do interdiscurso, que sustenta seu dizer. Ele não é quantificável, mas é inscrito na/pela
memória discursiva, ou seja, utiliza-se de toda sua vivência passada para construir a ideologia
e/ou crítica discutida em seu texto. Por sua vez, está inscrita nas formações discursivas, que
são inscritas nas formações sociais, e que se constituem nas injunções ideológicas.
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Por que é preciso entender o conceito de ideologia para fazer a análise de um
discurso? Porque “não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia” (ORLANDI
apud PEREIRA, s.d), portanto todo discurso é ideológico, e esta obra de George Orwell não
foge disso. Esse presente artigo terá por objetivo tentar esclarecer a ideologia presente nesta
grande e conceituada obra.
CORPUS DO ARTIGO – ANALISE DO MATERIAL
O livro com o título “A Revolução dos Bichos” de George Orwell, foi escrito em 1944 e
publicado pela primeira vez em 1945, Desta forma Tecchio (2012) diz, que se trata de um
romance alegórico que também se apresenta como uma fábula, tendo como umas de suas
características principais o avivamento de personagens irracionais com comportamentos de
seres racionais. “Importante salientar que o gênero literário fábula, no qual animais
representam tipos humanos e cujas histórias comportam, via de regra, narrativas de intenção
moralizante atento às injustiças e falhas dos homens” (TECCHIO, 2012). Brennda Valléria do
Rosário Freire também faz alusão a esse gênero literário:
Portella (1983, p.) fala que “a preferência por animais deve-se, sem dúvida, ao fato
de que seus caracteres, qualidades e temperamento são sobejamente conhecidos, não
sendo então necessária a prévia descrição destes animais”. Isto quer dizer que,
quando tratamos de certo animal nas fábulas, já se tem ligada a ele uma
característica, uma representação; por exemplo, a raposa liga-se sempre à astucia; a
cobra liga-se à maldade; o leão liga-se à majestade e assim por diante. (FREIRE,
2012, s.p.).
Vê-se isto com muita ênfase no livro de Orwell, já que o livro se ambienta em uma
fazenda que faz jus a utilização de animais como personificações de seres-humanos para
conseguir demonstrar a forma de vida de uma sociedade sem atingir diretamente indivíduos
que, na época, exerciam influência no mundo. Mas com essa característica da utilização,
geralmente, de animais, consegue-se atingir esses mesmo indivíduos indiretamente.
Segundo Brennda (2012), “Dessa forma, podemos considerar o “corpo” e a “alma”
como os dois primeiros elementos estruturais da fábula, o terceiro elemento seria a alegoria.”
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O texto como um todo torna-se uma alegoria que faz referência ao regime totalitário de Stálin.
Ainda Brennda (2012), comenta que outra característica da fábula diz respeito a tornar
verossímil a estória/história que se apresenta no texto analisado, ou seja, transformar
ousadamente a “fantasia” em realidade no decorrer da narração, passando por cima de
qualquer obstáculo. Desta forma, a fábula torna-se uma ferramenta útil para os que não
possuem voz ativa na sociedade, que por meio dela, ganha destaque com sua mensagem
alegórica em sua obra, assim ocorreu com Orwell na publicação de “A Revolução dos
Bichos”. E para concluir uma sucinta descrição das mais nítidas características do gênero
literário fábula, Brennda diz:
Também observamos que a fábula pode apresentar-se em um ambiente conflituoso,
no qual encontramos divergência de interesses entre os personagens. Isto ocorre
porque cada pessoa busca sua própria felicidade do seu modo, sendo inevitável
entrar em desentendimento com seu próximo. Quanto à linguagem utilizada das
fábulas, percebemos que, de maneira geral, levando em conta seu objetivo moral e
didático, ela se dá de forma simples e objetiva, além disso, é importante ressaltar
que os diálogos se fazem muito presentes nesse gênero. (FREIRE, 2012, s.p.).
Portanto, fazendo o dialogismo entre a obra e o que Brennda (2012) afirma, Orwell
traz dentro da fazenda vários conflitos como os mais nítidos, a luta entre os animais e o Sr.
Jones que, culmina na sua expulsão da fazendo e, assim, os animais tomam o poder da Granja.
E também a disputa do controle da Granja por Bola-de-Neve e Napoleão no decorrer da
história que acaba pela vitória de Napoleão, que com isso, expulsa Bola-de-Neve da fazenda.
Para uma breve biografia do autor, George Orwell, também conhecido como Eric
Athur Blair, nasceu em 1903 na cidade de Motihari, na Índia. Em 1922, entrou para a Política
Colonial Britânica, após seis anos, pediu demissão, passando a colaborar ativamente na
imprensa socialista. Quando defendeu os Republicanos, na Guerra Espanhola, já havia escrito
três livros: A Clergyman's Daughter, Keep the Aspidistra Flyng e The Road to Wigan Píer.
Sua experiência neste país foi o que lhe fez tornar-se socialista. As atividades de Orwell
sempre incluíram a produção de ensaios e artigos jornalísticos sem receber muito em troca de
seus trabalhos. Mas fortuna e fama literária vieram somente após a Segunda Guerra, com a
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publicação de “Animal Farm” (A Revolução dos Bichos). Em Janeiro de 1950, morreu
tuberculoso, logo após lançar “1984”, seu romance mais famoso. (FAGUNDES, 2009).
Neste Cenário, surgiu George Orwell, cuja participação foi marcante. Simpatizante
do regime socialista, residiu nos bairros operários da França. Em 1937, foi para a
Espanha e alistou-se ao lado dos republicanos na Guerra Civil Espanhola, porém as
Forças Fascistas venceram as forças republicanas em março de 1939. Regressando
para a Inglaterra, mesmo sendo simpatizante do regime socialista, Orwell sabia que
as soluções vindas do marxismo seriam limitadas para a classe trabalhadora, com a
concentração de rendas nas mãos de poucas pessoas e o poder aquisitivo da
população caindo. Ingressou, então, no Partido Trabalhista Independente. Com toda
essa diferença social, escreveu um de seus maiores sucessos “Animal Farm” (“A
Revolução dos Bichos”). Por razões políticas, a obra pode ser publicada apenas em
1945, após o término da guerra. Além disso, Orwell colaborou com o jornal
“Tribune”, escrevendo sobre literatura e tecendo comentários que analisavam a
conturbarda situação política de então. Em seus relatos, Orwell atacava o regime
fascita e comunista, mostrando o sofrimento, não dos grandes governantes, mas da
população civil. (FAGUNDES, 2009, s.p.).
No contexto histórico em que foi escrita, a obra de George Orwell, referencia duas
Grandes Guerras e o surgimento de uma guerra política de blocos econômicos, denominada
de Guerra Fria, no qual, o mundo ficou divido nesses dois blocos, o Capitalismo X
Socialismo. Essa grande divisão perdurou até, simbolicamente, a queda do muro de Berlim
em 1989, muro esse que separava a Alemanha Ocidental (Capitalista) da Alemanha Oriental
(Socialista).
Contemplando agora os níveis de essência e aparência que será o foco principal para a
resolução do artigo, contar-se-á um pouco da história que traz o livro de Orwell em sua
aparência, ou seja, no que ele apresenta superficialmente ao leitor do livro, sem utilizar de
recursos externos sobre a correlação que possa trazer à Revolução Russa de 1917.
O livro “A Revolução dos Bichos”, conta a história dos bichos da "Granja do Solar",
uma fazenda simples e humilde com um dono extremamente desleixado para com a maioria
de seus animais que ali habitam. Um dia tiveram uma inspiração à revolução incentivadas
pelo porco Major (que morre antes da revolta dos bichos). Com a morte do Major, outros
porcos tomam o comando do lugar e expulsam todos os humanos, no caso a família do
fazendeiro Sr. Jones, que ali habitavam.
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Os porcos da granja tornam-se a elite intelectual do lugar, dizendo o que os outros
deviam fazer. Houve uma divisão entre os porcos, já que muitas ideias se opunham entre os
porcos chefes Bola-de-Neve e Napoleão (estas duas personagens que terão grande
importância e representação na história). Bola-de-Neve era o mais prestativo e o que sempre
tinha as melhores ideias, já Napoleão sempre criticava, de forma opressora, as ideias de Bola-
de-Neve e nunca sugeria soluções melhores para o funcionamento da granja. Um dia pela
manhã, Sr. Jones juntou alguns homens e tentaram retomar o controle de sua propriedade, mas
foi tudo em vão.
Os animais expulsaram o velho novamente e alguns animais ficaram feridos, uma vez
que um dos homens do Sr. Jones estava armado com uma espingarda. Entre os feridos estava
Bola-de-Neve, e junto com todos os outros animais comemoravam a vitória mais uma vez
contra os "malvados humanos". Uma vez tida a revolução na Granja, o porco Napoleão
consegue alienar os outros animais e, consequentemente, acaba por transformar a imagem de
Bola-de-Neve em um traidor, apenas com o poder da persuasão, no qual, concomitantemente
a isso, Bola-de-Neve precisa fugir da Granja e Napoleão assume o poder.
Agora Napoleão era pouco visto, as ordens eram passadas a Garganta, seu porta-voz.
Napoleão começou a construir o moinho de vento (aquele que Bola-de-Neve havia
projetado) e os animais começaram a trabalhar dobrado por causa disso. Os porcos
davam ordens e os outros animais as realizavam. A cada ano que passava as
dificuldades aumentavam e a dominação dos porcos também. Mandamentos antigos
estavam sendo alterados e por fim um dos principais foi mudado: Napoleão e os
outros porcos estavam retomando negociações e relações sociais com os humanos.
Enquanto a vida dos outros animais estava cada vez pior, os porcos esbanjavam
comida e cerveja com os antigamente odiados humanos. (RODIGHERO, s.d, s.p).
Na obra, Napoleão que estava no poder fizera planos para construir um moinho com a
promessa de que o trabalho seria diminuído com essa ferramenta de trabalho, porém por
motivos climáticos a construção do moinho fora sempre prejudicada fazendo assim que a
exploração dos animais da fazendo fosse redobrado. Napoleão, que, seguia as ideologias de
Major, com a ascensão ao poder corrompeu-se e, o que um dia falara a aversão ao que era dos
homens, no final do livro mostra-se totalmente vendido ao mundo humano, no qual, chega ao
ponto de morarem na casa que antes era de Jones e até mesmo de tomar brindes e jantar com
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outros homens na mesma mesa da casa. Ou seja, Napoleão corrompeu-se e distorceu-se dos
conceitos originais do Major.
Para compreender melhor o contexto histórico dessa época, é preciso lembrar de um
importante acontecimento histórico dessa época: A Revolução Russa.
Segundo o que relata Camila Belim Motter (2010), em seu trabalho acadêmico para o
II Seminário da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, em 1917 na Rússia existia toda
uma hierarquia monárquica que era sustentada principalmente pela nobreza rural dona da
maioria das terras cultiváveis, muitos latifundiários existiam na época. A aristocracia
representava a minoria do povo russo, distanciando-se da grande população que vivia em
extrema pobreza, sendo explorados pelos senhores feudais. Nessa época, as manifestações
populares tornaram-se frequentes: pediam democracia, mais empregos, melhores salários e o
fim da Monarquia Czarista.
Com a industrialização, depois da Revolução Industrial do século XIX, surgiu a classe
operária igualmente explorada, mas com maior capacidade de reivindicar seus direitos e
aspirações de ascensão social, surgira a burguesia e o proletariado, nas definições de Karl
Marx e Friedrich Engels. A pobreza vivida por essa população proporcionou o florescimento
de ideais socialistas. Essas ideias influenciaram a Revolução Russa, a qual se propunha a
buscar igualdade social, tendo como referências básicas o pensamento de Karl Marx, teórico
do século XIX. Liderados por Vladmir Lênin, os bolcheviques (comunistas) organizaram essa
revolução que visava liberdade no trabalho, alimento e terra, ou seja, melhores condições de
vida (MOTTER, 2010).
Assim, ao assumir o governo da Rússia, Lênin instaura o Socialismo - sistema político
e econômico que se criou para confrontar com o liberalismo e o capitalismo, que, oprime o
trabalhador de forma mascarada - propondo a eliminação da propriedade privada e a divisão
uniforme de bens.
Dessa forma, sob seu comando, as terras foram redistribuídas, as fábricas passaram
para as mãos dos trabalhadores e os bancos foram nacionalizados, ficando sob a
tutela do estado. Porém, mesmo dentro do partido comunista havia discórdia,
desentendimento e dissonância de ideias. Josef Stalin tinha um perfil mais
autoritário que os demais do partido e, ao assumir o posto de Lênin no comando do
país, muitas ideias da revolução se alteraram passando o governo de autoritário para
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totalitário, tornando-se um regime fechado e de cunho ditatorial. (MOTTER, 2010,
s.p.).
Motter (2010) complementa, que na época da Revolução, Lênin, conseguiu instaurar o
socialismo de forma completa na URSS, ou seja, os meios de produção saíram das mãos do
capitalista e foram para o proletariado, os bancos nacionalizados e a reforma agrária que
beneficiasse a população e não apenas os latifundiários. Porém esta sociedade infelizmente
durou por pouco tempo, pois Lênin vem por falecer anos após a Revolução de seu partido
bolchevique. Com isso, quem assume o poder é Stálin, no qual, tende a distorcer-se do
caminho que Lênin seguia, tornando-se assim um ditador e não socialista.
ANÁLISE CRÍTICA DO LIVRO
A obra apresenta, nos níveis de aparência e de essência, o que, possivelmente, o autor
George Orwell quis criticar com “A Revolução dos Bichos”, visível em vários fragmentos do
livro.
O Sr. Jones dono da Granja do Solar, fechou o galinheiro para a noite, mas estava
bêbado demais para lembrar-se de fechar também as vigias. Com o facho de luz da
sua lanterna balançando de um lado para o outro, atravessou cambaleante o pátio,
tirou as botas na porta dos fundos, tomou um último copo de cerveja do barril da
copa e foi para a cama, onde sua mulher já ressonava. [...] Jones fora, no passado,
um patrão duro, mas competente. Agora estava em decadência. Desestimulado com
a perda de dinheiro numa ação judicial, dera para beber muito além do que devia. Às
vezes passava dias inteiros recostado em sua cadeira de braços, na cozinha, lendo os
jornais, bebendo e dando a Moisés cascas de pão molhadas na cerveja. Seus peões
eram vadios e desonestos, o campo estava coberto de erva daninha, os galpões
careciam de telhas novas, as cercas estavam caindo, e os animais tinham fome.
(ORWELL, 2007, p.9-20).
Neste trecho temos a primeira aparição de Jones, ex-dono da fazenda Granja do Solar,
que em seu nível de aparência, representa somente um simples fazendeiro que, singularmente,
não tinha empatia por seus animais e tratava-os de modo desleixado e sem considerações
pelos bichos. Já em seu nível de essência Sr. Jones pode representar o último czar, Nicolau II,
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que caiu depois da Revolução Russa de 1917, no qual, o czar também mostrava pouco intuito
de ajudar as condições de vida de seu povo.
Após, aparece a figura majestosa de Major, o porco mais velho e bem visto por todos
os animais:
"Então, camaradas, qual é a natureza desta nossa vida? Enfrentemos a realidade:
nossa vida é miserável, trabalhosa e curta. Nascemos, recebemos o mínimo alimento
necessário para continuar respirando e os que podem trabalhar são exigidos até a
última parcela de suas forças; no instante em que nossa utilidade acaba, trucidam-
nos com hedionda crueldade. Nenhum animal na Inglaterra sabe o que é felicidade
ou lazer, após completar um ano de vida. Nenhum animal na Inglaterra é livre. A
vida do animal é feita de miséria e escravidão: essa é a verdade nua e crua. [...]"Não
está, pois, claro como água, camaradas, que todos os males da nossa existência têm
origem na tirania dos humanos? Basta que nos livremos do Homem para que o
produto de nosso trabalho seja só nosso. Praticamente, da noite para o dia,
poderíamos nos tornar ricos e livres. Que fazer, então? Trabalhar dia e noite, de
corpo e alma, para a derrubada do gênero humano. Esta é a mensagem que eu vos
trago, camaradas: rebelião! Não sei quando sairá esta revolução, pode ser daqui a
uma semana, ou daqui a um século, mas uma coisa eu sei, tão certo quanto vejo esta
palha sob meus pés: mais cedo ou mais tarde, justiça será feita. Fixai isso,
camaradas, para o resto de vossas curtas vidas! E, sobretudo, transmiti esta minha
mensagem aos que virão depois de vós, para que as futuras gerações continuem na
luta até a vitória. [...] (ORWELL, 2007, p.12-14).6
Tem-se aqui então uma citação breve do discurso que Major prega já no começo do
livro deixando claro que, no nível de aparência, ele apenas pensa em melhores condições para
com seus amigos animais, derrubando o Sr. Jones do poder, pois acredita que os humanos são
exploradores do serviço dos animais e que sem eles os animais não teriam mais que trabalhar
para ficar sem o que produz. Na concepção de essência, Major lembra com demasia, Marx e
Lênin, o crítico da exploração sofrida pelo proletário e o grande líder da Revolução Russa de
1917 e dos bolcheviques, respectivamente. Em todo discurso que o Major pronuncia para seus
amigos animais, ele utiliza a expressão “camaradas” que faz total alusão aos discursos de
Lênin durante seu socialismo.
6 Inicia-se esta citação com aspas, pois assim está no livro A Revolução dos Bichos. Mantivemos a citação sem
modificações.
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Consegue-se também fazer uma análise direta com a AD nesse trecho que foi retirado
do livro, pois
O conceito de discurso é crucial para os estudos apresentados pela ACD. Essa
disciplina considera que todo texto veicula em seu discurso determinadas ideologias,
algumas de forma mais explícita que outras, como por exemplo, um texto
publicitário, um discurso religioso, político, científico, um livro didático, uma
notícia, são exemplos de textos, os quais manifestam ideologias. (NATH-BRAGA,
2013, p.2).
Por isso, considera-se que o discurso do Major se compara com os discursos de Marx e
Lênin, pois implicitamente vê-se a ideologia deles nas palavras do Major, ou seja, como uma
paráfrase, Orwell consegue trazer à personalidade do porco as características dos outros dois
revolucionários. Tanto quantos outros trechos apresentam esta mesma forma de produção.
A libertação na Rússia veio através de Lênin, e suas palavras expressam bem como
o mundo deveria ser e o que seria feito daquele dia em diante. Seguindo o mesmo
raciocínio, Major fala da vida sem a presença dos humanos, de como seria trabalhar
para eles mesmos e como seria bom viver sem serem explorados. Todas as idéias
estavam acesas, restava somente a tomada do poder, a Revolução. (RODIGHERO,
s.d, s.p).
Rodighero (s.d) diz em seu artigo, que Major, assim como Marx, relata com detalhes a
exploração de sua sociedade, o que acontece, como se dá essa exploração, o que ela acarreta,
de quem é a culpa e como acabar com tal exploração. Major também diz que os animais farão
uma revolução para assim arrancar o poder dos humanos.
O primeiro passo na revolução operária é a elevação do proletariado à classe
dominante, a conquista da democracia. O proletariado utilizará seu domínio político
para arrancar pouco a pouco todo o capital a burguesia para centralizar todos
instrumentos de produção nas mãos do Estado, ou seja, do proletariado organizado
como classe dominante. (MARX apud RODIGHERO, s.d, s.p).
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Major também deixa claro que o “homem” explora os animais e que eles recebem o
mínimo necessário para sobreviverem e continuarem trabalhando para o “homem” que faz
total alusão à teoria de Karl Marx sobre a mais-valia.
Da mesma forma que Marx vê no capitalismo a origem dos problemas do
proletariado, Major vê nos humanos toda a causa de exploração dos animais. Ambos
pregavam a tomada do poder pelos oprimidos, já que eles tinham que suportar todos
os fardos da sociedade sem gozar de nenhuma de suas vantagens. Eles relatam as
formas dessa exploração e dão a cura para esses problemas: o proletariado e os
animais no poder. Assim como os movimentos das classes dominadas se
reconheceram no marxismo e criaram o caminho anti-capitalista, Major com seu
discurso transformou a energia inconsciente dos bichos em movimento dirigido
pelos animais que permitiram sua libertação. (RODIGHERO, s.d, s.p).
Bola-de-Neve tinhas ideais igualitários, “Bola-de-Neve era mais ativo do que
Napoleão, de palavra mais fácil, mais imaginoso, porém não gozava da mesma reputação
quanto à solidez do caráter.” (ORWELL, 2007). Seguia os ensinamentos do falecido Major.
Em nível de aparência, Bola-de-Neve demonstra uma grande semelhança com os ideais do
Major, tinha em seu objetivo a função de herdar o posto de líder da revolução e, com isso,
instaurar definitivamente o “Animalismo” na Granja do Solar. Napoleão, depois de uma
discussão com Bola-de-Neve, expulsa-o da Granja do Solar e assumi assim o poder da
fazenda. Já em nível de essência, essa personagem Bola-de-Neve assemelha-se a Leon Trotski
em seus ideais e sua história de vida. “Bola-de-Neve - "de palavras mais fáceis, mais
imaginoso, porém não gozava da mesma reputação que Stalin quanto à solidez de caráter",
pode ser comparado ao intelectual Leon Trotski” (MOTTER, 2010). Como Bola-de-Neve foi
expulso da Granja, Trotski também fora sido expulso da Rússia quando Stálin assumiu
definitivamente o poder, sendo assim o marco para o Stalinismo na década de vinte do século
XX.
Napoleão havia criado filhotes de cachorros como seu guarda-costas - fazendo uso
de suas forças para espantar Bola-de-Neve da Granja dos Bichos, tirando-o de cena.
O mesmo acontecera com Trotski, que foi exilado da União Soviética e
posteriormente veio a ser perseguido e assassinado por ordens de Stalin. (MOTTER,
2010, s.p).
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Para a análise de Napoleão, outra personagem que tem grande importância para a
relevância da obra, em seu nível de aparência, apenas assume o papel de seguidor do Major,
porém tem suas controvérsias aos ideários do Major. Napoleão buscou assumir o poder de
maneira opressora e sorrateira que apesar de no começo da obra aparentar ser de boa índole,
Napoleão não quis ter como concorrente Bola-de-Neve e, assim, quando viu que os animais
começaram a segui-lo, Napoleão então o expulsa da Granja. “Na obra, os porcos Napoleão e
Bola de Neve, respectivamente, são a representação caricatural de Stálin e Trotski” (MATOS;
OLIVEIRA; SANTOS; 2010). Com isso, o nível de essência que aparece com a figura de
Napoleão, é a representação muito próxima a Stálin, ou seja, o totalitarista russo que impôs
um regime ditador após a morte de Lênin e a expulsão de Trotski.
Napoleão, pouco falante, mas com bastante força de vontade - figura de Stalin, que
trajava caráter "reservado, intensamente auto-centrado, cauteloso e astuto. Seu ego
altamente suscetível podia ser acalmado por um senso de sua própria grandeza, que
devia ser entusiasticamente apreciada pelos outros" (LEWIN apud MOTTER, 2010,
s.p.).
Com isso, nota-se o contexto sendo interpretado no livro de Orwell, no qual o regime
totalitário de Stálin consolida-se por anos dentro da União Soviética.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todos os animais que aparecem no livro representam, de forma alegórica, o povo
russo que vivera na época dos czars, da Revolução e do governo Stalinista. George Orwell
vem por meio deste livro criticar a forma de governo de Stálin, e fazer uma alusão a
Revolução de Lênin com o partido bolchevique. Orwell vem através deste livro afirmar que,
ao contrário do que se diz dentro da esfera do senso comum, Stálin não fora comunista nem
socialista, apenas um ditador opressivo que matou pessoas pela ganância ao poder.
Este representa o nível de essência em que se constrói o livro de George Orwell, mas
que na sua aparência, apenas representa para o leitor, uma fábula, no qual, os bichos fazem
uma revolução e comandam a fazenda no lugar dos humanos ex-donos da granja.
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Desta maneira, os objetivos abordados pelo artigo em decorrência dos argumentos
sustentados foram alcançados, ou seja, concluísse que no nível de aparência e essência o livro
se faz semelhante a Revolução Russa, tão quanto aos anos, em contexto histórico, que se
seguiram após a revolução. Este artigo ainda destina-se a incrementar ideias e incentivar
novas pesquisas que o utilizem como fonte e inspiração.
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