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ANÁLISE DO USO DO SOLO EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NO ALTO CURSO DA BACIA DO RIO COTEGIPE,
FRANCISCO BELTRÃO - PR
Lucas Ricardo Hoenig Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE
Campus de Francisco Beltrão [email protected]
Luciano Zanetti Pessôa Candiotto
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE Campus de Francisco Beltrão
Resumo Analisar as diferentes formas de ocupação dos solos é fundamental para conhecer melhor as áreas rurais e suas atividades. Considerando que os estudos ambientais vêm tendo como escala de análise as bacias hidrográficas, procuramos nessa pesquisa, identificar e analisar os usos do solo no alto curso da bacia do Rio Cotegipe, localizado no município de Francisco Beltrão – PR. O interesse pela área se dá em virtude da existência de agricultores que trabalham com produção orgânica e, que vem sendo alvo de outras pesquisas desenvolvidas pelo GETERR (Grupo de Estudos Territoriais), bem como pela alta declividade e, consequentemente, fragilidade ambiental existente nas cabeceiras de drenagem. Ao mapear os usos do solo, enfatizamos nesse artigo, a ocupação das Áreas de Preservação Permanentes. Palavras-chave: Usos do Solo. Áreas de Preservação Permanentes. Alto Curso da Bacia do Rio Cotegipe. Introdução O uso do solo é uma dos principais indicadores para se avaliar os problemas ambientais.
Seja nas áreas urbanas ou nas rurais, são amplas as limitações em termos de ocupação
para cada imóvel, através de rigorosas leis e da fiscalização sobre as formas de
ocupação em busca de um disciplinamento das formas de uso (LOCH, 2006). Dentre
estas leis, temos como a principal o Código Florestal Brasileiro, Lei Federal Nº 4.771,
de 1965, que estabelece o emprego das Áreas de Preservação Permanente e das
Reservas Legais, correspondente às matas ciliares, entorno de nascentes, áreas com
declividade acentuada, topos de morros e percentuais de reserva em cada
estabelecimento rural. Diversas resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA) orientam como se devem empregar os usos, além de leis estaduais
específicas.
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Apesar do rigor da legislação, sabemos que, em todo o Brasil, historicamente a
legislação ambiental vem sendo ignorada, sobretudo no que tange a preservação das
florestas. Como resultado desse processo, é comum verificar uma intensa ocupação de
áreas irregulares, maior em áreas planas, mas também significativa em áreas declivosas.
Neste contexto, os mapas de uso do solo possuem importante aplicação no planejamento
e na correção de usos inadequados dentro de cada parcela do solo, tanto na zona rural
quanto na zona urbana. O mapeamento do uso do solo permite conhecer e analisar os
usos atuais, identificando as áreas com fragilidade ambiental que estão ocupadas de
forma inadequada, bem como aquelas com a devida proteção. Segundo Loch (2006),
são diversos os empregos possíveis destes mapeamentos, tanto no planejamento quanto
no controle e fiscalização.
As características naturais do alto curso da Bacia do Rio Cotegipe demonstram a
necessidade do planejamento e proteção ambiental, sendo a cabeceira de uma
importante bacia hidrográfica, que se encontra ocupada com atividades agropecuárias,
mas que apresenta forte potencial erosivo, em virtude da declividade do terreno.
Portanto, esse artigo apresenta os resultados de uma pesquisa, que teve por objetivo
elaborar um diagnóstico dos aspectos físicos e naturais do alto curso da bacia do Rio
Cotegipe, com destaque para a delimitação e a ocupação das Áreas de Preservação
Permanente, conforme estabelecido no Código Florestal Brasileiro.
Desenvolvimento Área de Estudo A área de estudo definida para este trabalho - alto curso da bacia do Rio Cotegipe -
localiza-se a noroeste no município de Francisco Beltrão – PR, entre as coordenadas
geográficas 26º01'30" e 26º05'35" de latitude sul e 53º17'35" e 53º14'25" de longitude
oeste, conforme indicado na Figura 1. O limite estabelecido para o estudo possui uma
área total de 21,424 km², apresentando hierarquia fluvial de 4ª ordem e uma drenagem
total com 45,17 km de extensão. Até este limite, o curso principal que é o Rio Cotegipe,
apresenta 9,65 km de extensão e tem como principal afluente o Arroio Jacutinga.
O município de Francisco Beltrão está localizado na região Sudoeste do estado do
Paraná, possui uma área territorial de 735,113 km² e população de 78.943 habitantes
segundo o censo de 2010 do IBGE.
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Figura 1 - Localização do alto curso da Bacia do Rio Cotegipe no município de Francisco Beltrão/PR
Elaboração: Lucas R. Hoenig
O município se encontra no Terceiro Planalto do Paraná, sobre a Formação Serra Geral,
a qual é constituída por derrames de rochas basálticas. Possui solos ricos do tipo
latossolo roxo, favorecendo a agricultura e a pecuária, porém o relevo é bastante
variável e fortemente ondulado em algumas regiões, reduzindo assim a área utilizável
para atividades agrícolas.
No caso do alto curso da Bacia do Cotegipe, a variação altimétrica é considerável, sendo
de 950 a 600 metros, apresentando amplitude de relevo de 320 metros.
Metodologia Aplicada Utilizou-se como base para os mapeamentos efetuados neste trabalho, as cartas
topográficas Folha SG.22-Y-A-II-1 e SG.22-Y-A-II-2, na escala de 1:50.000, as quais
serviram para a extração do limite da bacia, drenagens e curvas de nível (20 metros) que
compõem a área analisada. Para o desenvolvimento do trabalho, fez-se uso do pacote de
aplicativos SPRING 5.2, desenvolvido e disponibilizado gratuitamente pelo Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O SPRING é um aplicativo de Sistema de
Informações Geográficas (SIG) que nos permite trabalhar com processamento digital de
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imagens, Modelagem Numérica de Terreno (MNT), análises e cruzamento de
informações espaciais.
Para a classificação da declividade, utilizaram-se as classes propostas por De Biasi
(1992), definindo como classes: 0 a 5%, apresentada como limite urbano-industrial; 5 a
12%, como limite à mecanização da agricultura; 12 a 30%, definido como limite
máximo para urbanização sem restrições; 30 a 47%, limite máximo de corte raso onde
conforme a lei nº 4771/65, a exploração somente é permitida se mantida por cobertura
de florestas; e maior que 47% onde na faixa até 100% não permite a derrubada de
florestas, mas é permitindo reflorestamentos com plano de manejo.
O mapa de Áreas de Preservação Permanente (APPs) foi elaborado a partir das normas
estabelecidas pela Lei Federal Nº 4.771, de 1965, que constitui o Código Florestal
Brasileiro e, em especial, para o entendimento das áreas de topos de morros, a resolução
do CONAMA Nº 303 de 2002.
Foram empregadas neste trabalho, portanto, como APPs: 1) 30 metros para margens de
rios, onde todos os rios apresentam largura menor que 10 metros; 2) raio de 50 metros
sobre as nascentes; 3) áreas com declividade superior à 45º, equivalente a 100% na
linha de maior declive; e 4) topos de morros, onde se teve como base Cortizo (2007, p.
4) o qual propõe que “nos relevos ondulados, a base do morro ou montanha seja o plano
horizontal definido pela cota do ponto de sela mais próximo”.
Na elaboração da classificação do uso do solo, utilizou-se a imagem do satélite ALOS,
com resolução de 2,5 metros, de novembro de 2008. O método utilizado foi
inicialmente a segmentação automática da imagem, e através da extração dos atributos
das áreas segmentadas, a associação assistida para as classes de uso do solo, o qual teve
como foco distinguir os usos em áreas de preservação.
Resultados Através da classificação da declividade, como pode ser visualizado no gráfico 1,
percebe-se que a área correspondente ao Alto Curso da Bacia do Rio Cotegipe
apresenta, segundo a proposta de classificação da EMBRAPA (2006), um relevo
fortemente ondulado, tendo grande predominância de declividade entre 12 e 30%, o que
abrange cerca de 51,8% da área total delimitada.
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Gráfico 1 – Classes de declividade do alto curso da bacia do Rio Cotegipe.
Org.: Lucas R. Hoenig.
Na primeira classe, representando as áreas mais planas e com susceptibilidade a erosão
muito baixa, tem-se cerca de 20% da área total da bacia. Somando-se com as áreas de
declividade de 5 a 12%, tem-se cerca de 26% da área total da bacia propícia para a
mecanização, pois a susceptibilidade à erosão é baixa.
A classe de 12 a 30% de declividade, a qual apresenta uma susceptibilidade de erosão
média, representa quase 52% da área total da bacia. Nestas áreas, são permitidas
atividades agrícolas, porém apenas de forma menos impactante e sem o uso de
mecanização intensa.
Na classe de 30 a 47% de declividade, têm-se riscos fortes de ocorrência de erosão do
solo, sendo permitida apenas atividades pouco impactantes e sustentadas por cobertura
vegetal. Esta classe representa 17,7% da área da bacia.
Nas áreas com declividade superior a 47%, o risco de erosão dos solos passa a ser alto,
não é permitida a derrubada de florestas, onde a cobertura vegetal deve ser mantida ou
recuperada, e apenas poucas formas de uso são permitidas até a declividade de 100%,
onde a área passa a ser estabelecida como APP. Estas áreas com declividade superior a
47% somam 102,35 ha, representando 4,78% da área total da bacia analisada.
A forma como se apresentam estas classes de declividade no alto curso da bacia do Rio
Cotegipe pode ser visualizada na figura 2.
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Figura 2 – Mapa de classificação de declividades.
Através da classificação por segmentação da imagem de satélite ALOS, notou-se
eficiência na classificação de áreas de florestas, de modo que houve certa precisão na
qualidade dos dados. Já áreas de lavoura, campo e solo exposto geraram algumas
confusões, dependendo da tonalidade de cores apresentadas, sendo necessária a
conferência visual para a correção destas.
Devido aos fatores de relevo e a predominância de pequenas propriedades, notou-se a
diversificação de culturas na área estudada sem a predominância expressiva de uma
classe, como mostra o gráfico 2.
Dentre as diversas formas agrícolas de uso do solo, cerca de 25% representam campos e
pastagens, devido a grande produção de gado leiteiro na região. Do restante, 11%
representam lavouras, e 22% solo exposto, representando usos de solo temporários, ou
seja, lavouras temporárias.
O detalhamento da classificação dos usos do solo na área estudada pode ser visualizado
na figura 3.
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Gráfico 2 – Uso do solo no alto curso da bacia do Rio Cotegipe.
Org.: Lucas R. Hoenig.
Figura 3 – Mapa de classificação dos usos do solo
No mapa de APPs, onde todos os canais de drenagem apresentaram a classe de 30
metros, obteve-se uma área total de 261,21 ha, a qual somada com as áreas de
nascentes, definidas por um raio de 50 metros, ocupa uma área de 273,63 ha,
representando 12,83% da área total da bacia e 80,57% da área total de APPs.
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São diversas as metodologias encontradas para a definição de topos de morro, o que
exige uma atenção grande a cada local estudado, demonstrando certa complexidade na
delimitação destas. Esta complexidade ainda é maximizada em áreas fortemente
onduladas como a da bacia estudada. A partir da metodologia apresentada por Cortizo
(2007), buscou-se delimitar as áreas de topo de morro através dos pontos de sela,
porém, exercendo poucos agrupamentos de topos de morro. As áreas com declividade
superior a 45º ou maior que 100% se apresentaram pouco expressivas, somando apenas
1,45 ha, e ainda sendo agrupadas em alguns pontos às áreas de topos de morro.
Portanto, somadas às áreas de topos de morro e declividade superior a 45º, representam
um total de 65,98 ha de áreas de preservação, representando 3,09% da área total da
bacia, e 19,43% do total de APPs.
No total, as APPs apresentam a soma de 339,61 ha, representando 15,92% da área total
da bacia, como pode ser visto detalhadamente na figura 4.
Figura 4 – Detalhamento das Áreas de Preservação Permanente.
Através do cruzamento das informações obtidas no mapeamento de usos do solo com as
áreas definidas como APPs, pôde-se analisar e quantificar os usos que estão sendo feitos
sobre as áreas de preservação, e avaliar o impacto destes.
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Tabela 1 - Usos do solo e suas respectivas áreas ocupadas em cada nas APPs do alto curso da bacia do Rio Cotegipe, Francisco Beltrão/PR.
Usos do Solo Rios e Topos de Morro APP Total Nascentes Declividade >45º
Campo 40,99 7,09 48,08 Floresta 186,19 33,17 219,36 Lavoura 21,67 4,55 26,22 Solo Exposto 24,78 21,17 45,95 TOTAL 273,63 65,98 339,61
Fonte: Processamento de imagem de satélite ALOS a partir do SPRING 5.2 Org.: Lucas R. Hoenig
No total de APPs, 65% destas possuem cobertura florestal, e 35% estão ocupados com
usos indevidos e impactantes. Destes usos, cerca de 14% apresentam campos e
pastagens, 13,5% solos expostos e 8% lavoura. Destes usos, os solos expostos se
apresentam mais impactantes, pois há ausência de cobertura vegetal, fato que intensifica
a ação da água na desagregação do solo. No entanto, conforme já comentamos, essa
classe de solo exposto é provavelmente ocupada com lavouras temporárias, de modo
que a imagem pode ter sido obtida em um período de plantio de determinada cultura.
O gráfico 3 indica a distribuição do uso do solo nas Áreas de Preservação Permanentes.
Gráfico 3 – Uso do solo nas áreas de preservação permanente no alto curso da bacia do Rio Cotegipe.
Org.: Lucas R. Hoenig Um contraste é visualizado nas formas de uso do solo quando separadas as áreas de
nascentes e margens de rios das áreas de topos de morro e declividades superiores a 45º,
como é apresentado no gráfico 4.
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Gráfico 4 – Variação da porcentagem dos usos do solo nas margens de rios e nascentes em relação aos topos de morro e áreas com declividade maior que 45º.
Org.: Lucas R. Hoenig
Nas nascentes e margens de rios, a área ocupada por florestas representa 68%. Do
restante, 15% são ocupados por campos, 9% por solo exposto e 8% por lavouras. Já nas
áreas de topos de morro e declividades superiores à 45º, a área coberta por florestas
representa 50%, enquanto 32% estão ocupados com solo exposto, 11% com
campo/pastagens e, 7% como lavouras.
Figura 5 – Usos do solo em áreas de preservação permanente.
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Os dados acima demonstram que as áreas de topos de morros recebem menos atenção, e
se apresentam mais degradadas que as margens de rios. Um dos fatores para a
ocorrência deste fato é que, por ser uma região de forte ondulação, os topos de morros
muitas vezes representam áreas mais planas, propícias à mecanização e, preferidas para
o plantio de culturas como a soja e o milho. Já nas vertentes, a declividade é maior,
dificultando a mecanização e a ocupação com lavouras temporárias.
Conclusões As informações apresentadas nesse texto decorrem de um desgastante trabalho de
mapeamento, desde a base cartográfica até a digitalização e interpretação das
informações da imagem de satélite utilizada. Esse tipo de trabalho geralmente não
utiliza metodologias, conceitos ou teorias provenientes da geografia agrária, porém,
optamos por apresentá-lo no XXI ENGA em virtude da ligação dessa pesquisa com
outras que estamos desenvolvendo, com foco na agricultura orgânica e na agroecologia.
Como o alto curso da bacia do Cotegipe abriga a comunidade de Jacutinga, que possui
toda uma tradição de organização social e agricultores que são referência no município
de Francisco Beltrão quando se fala em agroecologia, estamos procurando verticalizar
às informações sobre esse trecho da bacia, dada sua importância ambiental para o
restante da mesma.
Ao utilizar as ferramentas do geoprocessamento, conseguimos ter uma visão mais
ampla da ocupação da área, sobretudo das áreas de florestas remanescentes – que são
consideráveis – e dos usos atuais da bacia, sobretudo em Áreas de Preservação
Permanente (APPs), conforme enfocamos no texto. Os resultados indicam que, apesar
de estar situada em uma área de declividade acentuada, sendo, portanto, uma área com
fragilidade ambiental, boa parte das APPs estão ocupadas de forma irregular e
inadequada, pois toda a APP deveria estar ocupada com floresta.
No entanto, ao levarmos em consideração alguns aspectos socioeconômicos,
percebemos que a recomposição das APPs pode levar a prejuízos econômicos para
alguns proprietários, pois áreas que hoje são ocupadas com lavouras ou pastagem
deveriam ser abandonadas para que o processo de sucessão ecológica ocorresse. Ao
entrar nessa questão, entendemos ser importante salientar que esses prejuízos poderiam
ser minimizados através de usos conservacionistas das áreas de florestas, com
extrativismo de frutos, sementes, madeira e outros recursos da floresta por meio de um
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manejo sustentável; implantação de sistemas agroflorestais que combinem a
manutenção florestal com uma produção agrícola de baixo impacto; apicultura; usos não
agrícolas das florestas (lazer, ecoturismo, esportes); atividades de educação ambiental;
formação de corredores ecológicos; criação de unidades de conservação e pagamento
por serviços ambientais.
Assim, mais do que buscar burlar a lei ou modificá-la, é preciso inovar no manejo das
Áreas de Preservação Permanente, Reservas Legais e outras áreas florestadas, haja vista
a importância ecológica desses remanescentes florestais e a tendência de continuidade
do desflorestamento nessas áreas, sobretudo com a aprovação das mudanças no Código
Florestal.
Referências BIASI, M De. A Carta Clinográfica: os métodos de representação e sua confecção. Revista Departamento de Geografia. n. 6. São Paulo: USP, 1992. p. 45-60. CORTIZO, Sérgio. Topo de morro na resolução CONAMA Nº 303. Disponível em: <http://www.dcs.ufla.br/site/_adm/upload/file/slides/matdispo/geraldo_cesar/topo_de_morro.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2012. LOCH, Ruth E. Nogueira. Cartografia: representação, comunicação e visualização de dados espaciais. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2006.