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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
VIVIAN RODRIGUES AMARAL
O DIREITO DE INTERROMPER A GRAVIDEZ DE FETO ANENCÉFALO
São José
2008
VIVIAN RODRIGUES AMARAL
O DIREITO DE INTERROMPER A GRAVIDEZ DE FETO ANENCÉFALO
Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. MSc. Geyson José Gonçalves da Silva
São José 2008
VIVIAN RODRIGUES AMARAL
O DIREITO DE INTERROMPER A GRAVIDEZ DE FETO ANENCÉFALO
Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e
aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de
Ciências Sociais e Jurídicas.
Área de Concentração: Direito Civil e Direito Constitucional
São José, 11 de novembro de 2008.
Prof. MSc. Geyson José Gonçalves da Silva UNIVALI – Campus de São José
Orientador
Prof. MSc. Samantha Buglione UNIVALI – Campus de São José
Membro
Prof. Esp. Ivan Augusto Baraldi UFSC
Membro
Dedico este trabalho aos meus pais, que com tantas dificuldades e desafios,
conseguiram manter e aumentar suas forças para que eu
pudesse concluir mais uma etapa da minha vida.
AGRADECIMENTOS
Aos poucos que estiveram por completo do meu lado durante essa jornada,
enfrentando junto comigo dias de pesquisa e cansaço, os quais, definitivamente,
tornaram-se melhores com a presença dessas pessoas especiais.
A minha família, por sempre encontrar de todo jeito uma saída para
os problemas que aparecem no meio do caminho.
Ao meu orientador, que soube dizer as palavras certas nos
momentos de nervosismo e angústia.
E, principalmente, agradeço a Deus, tanto por ter colocado essas pessoas
em minha vida, quanto por proporcionar tamanha força aos meus pais.
"Há homens que lutam um dia e são bons. Há outros que lutam um ano e são melhores.
Há os que lutam muitos anos e são muito bons. Porém, há os que lutam toda a vida.
Esses são os imprescindíveis."
Bertolt Brecht.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade
pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
São José, 11 de novembro de 2008.
Vivian Rodrigues Amaral
RESUMO
Muitos são os movimentos sociais que espalham pelo território brasileiro o direito de escolha que a gestante possui após encarar a notícia de que carrega um feto anencéfalo. Direito este ainda não reconhecido pela União, mas defendido pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS), pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pelo Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Humana. O fato de um feto ser portador de anencefalia tira-lhe toda a concepção de vida assegurada pelo ordenamento jurídico justamente pela inexistência de cérebro em seu corpo. Por isso, não se trata do acréscimo de um inciso ao artigo 128 do Código Penal para permitir a prática da interrupção da gravidez, e sim, a aplicação real dos princípios que garantem a integridade moral, a liberdade de escolha e a dignidade da pessoa humana para a mulher, para que esta possa decidir que rumo pode dar ao seu corpo, à sua mente e ao resto de sua família, sem a intervenção obrigatória do Poder Judiciário. Palavras-chave: Vida. Feto anencéfalo. Interrupção da gravidez. Dignidade da pessoa humana. Liberdade de escolha.
ABSTRACT
There are a lot of social movements that spread by Brazilian territory the right of choice that the pregnant women have after facing the fact that her child is an anencephalic fetus. This right wasn’t recognized by the Union, but it has been defended by the Nacional Confederation of Health Workers (CNTS), Nacional Council of Health (CNS), Brazil Lawyer’s Order (OAB), Federal Council of Medicine (CFM) and Nacional Council of Human Being Rights. The fact that a fetus is an anencephaly carrier takes out all the life conception assured by the legal system just because of the brain absence in his/her body. This way, the attitude is not only to add one item to the article 128 of Criminal Code to allow the practice of pregnancy interruption, but the real application of the principles that ensure the moral integrity, the liberty of choise and the human being dignity for women, so that they will be able to decide what to do to their bodies, minds and to rest of their families, without the obliged intervention of the Judiciary. Keywords: Life. Anencephalic fetus. Pregnancy interruption. Human being dignity. Liberty of choise.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................10
1 A PERSONALIDADE JURÍDICA DA PESSOA HUMANA.....................................13
1.1 INÍCIO DA PERSONALIDADE HUMANA ........................................................13
1.1.1 Conceito jurídico de vida............................................................................16
1.1.2 Conceito de nascituro ................................................................................17
1.1.3 Teoria concepcionista ................................................................................19
1.1.4 Teoria natalista ..........................................................................................21
1.2 FIM DA PERSONALIDADE HUMANA.............................................................23
1.2.1 A morte real e a morte presumida..............................................................24
1.2.2 A morte cerebral ........................................................................................25
1.3 O FETO ANENCÉFALO ..................................................................................29
2 A TIPICIDADE DO ABORTO E SUAS FORMAS ..................................................34
2.1 CONCEITO DE ABORTO ................................................................................34
2.2 A PREVISÃO NO CÓDIGO PENAL.................................................................36
2.3 ABORTOS PERMITIDOS PELA LEGISLAÇÃO...............................................38
2.3.1 Aborto em caso de risco de vida para a gestante......................................38
2.3.2 Aborto em caso de estupro........................................................................39
2.4 ABORTOS AUTORIZADOS JUDICIALMENTE ...............................................41
2.4.1 Aborto eugênico.........................................................................................41
2.4.2 Aborto de anencéfalo.................................................................................45
3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E A POSSIBILIDADE DA INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ DE FETO ANENCÉFALO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL ................52
3.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA......................................52
3.2 PRINCÍPIO DA LIBERDADE ...........................................................................59
3.3 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E DA RESERVA LEGAL .................................64
3.4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL........................................................................67
CONCLUSÃO ...........................................................................................................74
REFERÊNCIAS.........................................................................................................77
10
INTRODUÇÃO
Constata-se no cenário nacional o desencontro de entendimentos acerca da
anencefalia e de suas conseqüências. Tem-se como anencefalia a má ou a não-total
formação do fechamento do tubo neural durante a gestação, ausentando-se no feto
os hemisférios cerebrais e o córtex, essenciais para a constituição de vida e de
qualquer tipo de manifestação da mesma.
A princípio, o primeiro capítulo aborda o início da personalidade humana,
sendo o ponto de partida o seu próprio conceito. Em seguida, estuda-se um dos
guias centrais da presente pesquisa, a imagem do que é vida para o sistema jurídico
e o que é nascituro. A partir disso, entra-se na exemplificação das teorias existentes
que tratam do momento inicial em que surge a personalidade do nascituro. Sendo
estudado o início da personalidade humana, é justo que se estude também, as
formas em que ela se encerra.
Tem-se ainda, em outro ponto crucial, a conceituação do termo ‘anencefalia’
e a sua aplicação na vida real, mostrando como esta má-formação atinge o ser que
se encontra no ventre materno, indisponibilizando a sua vida extra-uterina.
No segundo capítulo fala-se do aborto, de sua tipificação e ainda, as
exceções em que o aborto é permitido pela legislação brasileira. Mostra-se que, em
certos casos, o aborto é autorizado judicialmente, como também, o porquê que, no
caso de feto acometido de anencefalia e o desejo de não manter mais a gravidez por
parte da gestante, não se fala em aborto e sim, na interrupção da gravidez.
Já o terceiro capítulo exemplifica os princípios constitucionais que podem ser
aplicados no caso em tela, ou seja, a consideração máxima destes para que a
gestante não seja compelida pelo Estado a manter uma gravidez indesejada, ainda
mais quando esta tem como produto, um ser que sobreviverá por poucos minutos ou
por poucas horas após o nascimento.
A Organização Mundial da Saúde divulgou que o Brasil ocupa o 4º (quarto)
lugar no ranking mundial de nascimento de fetos anencéfalos, com o registro de,
aproximadamente, 4 (quatro) nascimentos imperfeitos a cada 5.000 (cinco mil) que
acontecem. Tal anomalia, além de trazer riscos à vida da gestante, leva o feto à
morte intra-uterina em 65% (sessenta e cinco por cento) dos casos, ou ainda, à
11 sobrevida de alguns minutos, horas ou dias. Estas estatísticas levam à gestante o
desejo em não manter a gravidez, acrescentando-se que a imposição deste tipo de
gestação induz danos à integridade moral e psicológica da mulher e de sua família,
fazendo com que todos convivam com a triste realidade e a lembrança ininterrupta
de que aquele feto nunca poderá se tornar um ser vivo.
Quem defende a prática da interrupção afirma que não há vida para que se
possa cometer o crime. A anencefalia é um estado que não pode ser alterado, assim
como a morte cerebral. A vida é a ausência de morte. E, nestes casos, tanto a morte
cerebral quanto a anencefalia é um dado irrefutável.
No final, o que desorienta a sociedade é a esfera pública em que ela mesma
se encontra. O que se tem em verdade, não é a junção de interesses comuns e sim,
uma arena de interesses privados inseridos nela. Tenta não se permitir que a saúde
e a dignidade de mulheres e casais sejam preteridas em nome do fundamentalismo
ou do totalitarismo de moralidades individuais. O cuidado a ser tomado é justamente
com o direito à saúde, o direito à liberdade em seu sentido maior, o direito à
preservação da autonomia da vontade e acima de tudo, da dignidade da pessoa
humana.
Sem liminar e sem lei que autorize a interrupção da gravidez em caso de
anencefalia, as gestantes recorrem às vias judiciais. Seja por meio de Autorização
Judicial ou Habeas Corpus, a espera é definida como “torturante”. Pela inexistência
de previsão legal, cabe aos juízes aplicarem os bons costumes e o princípio da
razoabilidade. Quando não é feito, é porque a vida é um bem a ser preservado a
qualquer custo. Nestes casos, é claro que a vida além de inviável, não existe, e
mesmo assim, a mulher é condenada a meses de sofrimento, angústia e desespero.
Desta forma, o método de abordagem empregado foi o dedutivo, uma vez
que, os princípios constitucionais que serão abordados aqui, tais como: dignidade da
pessoa humana, liberdade, legalidade e reserva legal, devem ser aplicados a todos
os componentes da sociedade, principalmente, às mulheres, no que diz respeito ao
direito de interromper a gravidez de feto anencéfalo, justamente por estes princípios
serem o alicerce da constituição de uma sociedade justa e digna, onde possa ser
garantida a correta prática do Direito.
Foram utilizadas também as técnicas de pesquisa documental e
bibliográfica, já que o que será levantado teve sua base em livros, periódicos,
12 documentos científicos e, sobretudo, em legislações infraconstitucionais e
constitucional, a fim de se garantir o direito aqui abordado.
Assim, tem-se como objetivo maior, demonstrar que a mulher possui o
direito de interromper a sua gravidez quando o produto da concepção é um feto
anencéfalo, sem a necessidade de autorização judicial ou qualquer outra forma de
permissão específica do Estado.
13 1 A PERSONALIDADE JURÍDICA DA PESSOA HUMANA
Para o ordenamento jurídico, é de vital importância a análise do momento
em que se inicia a personalidade porque, com ela, o homem se torna sujeito de
direitos, tanto para exercê-los quanto para contrair obrigações que derivam destes,
exprimindo assim, a qualidade de pessoa, devidamente protegida pelo ordenamento
jurídico.
1.1 INÍCIO DA PERSONALIDADE HUMANA
Clóvis Beviláqua define personalidade como “o conjunto dos direitos atuais
ou meramente possíveis, das faculdades jurídicas atribuídas a um ser” 1. É neste
sentido que surgem os direitos à personalidade, que consistem em proteger a
pessoa em si mesma e em proteger seus bens, sejam estes de ordem material ou
imaterial.
O doutrinador também afirma que é essencial o nascimento com vida para
que o ser tenha adquirido a sua personalidade:
A personalidade civil do homem começa com o nascimento, diz concisamente o Código. Basta que a criança dê sinais inequívocos de vida, para ter adquirido a capacidade civil. Entre os sinais apreciáveis estão os vagidos e os movimentos característicos do ser vivo; mas, particularmente, perante a fisiologia, é a inalação do ar cuja penetração, nos pulmões, vai determinar a circulação do sangue no novo organismo, o que denota ter o recém-nascido iniciado a sua vida independente 2.
No mesmo sentido, temos Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade
Nery:
1 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das sucessões. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1978. p. 45. 2 Id. Apud. ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato e. Tutela civil do nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 194.
14
A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida. Não basta o nascimento. É preciso que o concebido nasça vivo. O natimorto não adquire personalidade. Como visto, desde a concepção asseguram-se direitos ao nascituro equiparado que é à pessoa, no seu interesse 3.
Caio Mário da Silva Pereira também elucida que o nascituro não é uma
pessoa e assim, não é dotado de personalidade jurídica. Porquanto, seus direitos
somente o integrarão se nascer com vida.
Se o feto não vem a termo, ou se não nasce vivo, a relação de direito não se não chega a formar, nenhum direito se transmite por intermédio do natimorto, e a sua frustração opera como se ele nunca tivesse sido concebido 4.
Em posicionamento diferente, Maria Helena Diniz explica que o problema da
definição do início da personalidade aumentou após a evolução de técnicas de
fertilização in vitro 5 e de congelamento de embriões humanos:
Embora a vida se inicie com a fecundação, e a vida viável com a gravidez, que se dá com a nidação, entendemos que na verdade o início legal da consideração jurídica da personalidade é o momento da penetração do espermatozóide no óvulo, mesmo fora do corpo da mulher 6.
Porém, o momento em que se inicia a vida também é uma incógnita para o
ordenamento jurídico. A própria Ministra do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie,
ao dirigir seu voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.510-0 acerca das
pesquisas com células-tronco embrionárias, disse:
Conforme visto, ficou sobejamente demonstrada a existência, nas diferentes áreas do saber, de numerosos entendimentos, tão
3 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil anotado. 2. ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2003. p. 23. 4 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19. ed. rev. atual. Uberaba: Forense, 1998. p. 18. 5 A fertilização in vitro (FIV), é uma técnica de reprodução medicamente assistida que consiste na colocação, em ambiente laboratorial (in vitro), de um número significativo de espermatozóides à volta de cada ovócito, procurando obter embriões de qualidade a transferir posteriormente para a cavidade uterina. In: http://pt.wikipedia.org. 6 FIUZA, Ricardo (Coord.). Novo código civil comentado. 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 6.
15
respeitáveis quanto antagônicos, no que se refere à especificação do momento exato do surgimento da pessoa humana. Buscaram-se neste Tribunal, a meu ver, respostas que nem mesmo os constituintes originário e reformador propuseram-se a dar. Não há, por certo, uma definição constitucional do momento inicial da vida humana e não é papel desta Suprema Corte estabelecer conceitos que já não estejam explícita ou implicitamente plasmados na Constituição Federal. Não somos uma Academia de Ciências. A introdução no ordenamento jurídico pátrio de qualquer dos vários marcos propostos pela Ciência deverá ser um exclusivo exercício de opção legislativa, passível, obviamente, de controle quanto a sua conformidade com a Carta de 1988. (grifo meu)
Sem se saber quando se inicia a vida e existindo doutrinadores com
diferentes posições com relação ao início da personalidade humana, é válido
ressaltar que a personalidade civil difere da capacidade civil. A segunda mostra o
poder de intervir por si mesma, enquanto a personalidade dá a idéia do direito de ser
protegido pela lei, mesmo sem capacidade. Capacidade então, é elemento da
personalidade, onde é expressa pela idéia de pessoa, ente capaz de direito e
obrigações 7.
Washington de Barros Monteiro também explica essa diferença, desta forma:
Capacidade é a aptidão para adquirir direitos e exercer, por si ou por outrem, atos da vida civil. (...) Assim a capacidade é elemento da personalidade. Esta, projetando-se no campo do direito, é expressa pela idéia de pessoa, ente capaz de direitos e obrigações. Capacidade exprime poderes ou faculdades; personalidade é a resultante desses poderes; pessoa é o ente a que a ordem jurídica outorga esses poderes 8.
Assim, a personalidade civil tem a finalidade de, além de assegurar à pessoa
a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações, ter uma existência
jurídica própria. Porém, esta existência somente acontecerá se o indivíduo nascer
com vida, fazendo com que a personalidade esteja fundada no fato da existência,
mesmo que esta tenha ocorrido por apenas um segundo.
7 ALMEIDA, Silmara A. J. Chinelato e. Tutela civil do nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 131. 8 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: parte geral. 40. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 57-58.
16
Tal condição está elencada no artigo 2º do Código Civil, representando a
Teoria Natalista, que veremos mais adiante.
1.1.1 Conceito jurídico de vida
No Dicionário Jurídico, vida tem a seguinte definição:
Do latim vita, de vivere (viver, existir), designa propriamente a força interna substancial, que anima, ou dá ação própria aos seres organizados, revelando o estado de atividade dos mesmos seres. No sentido vulgar, vida exprime o modo de viver, a subsistência, a ocupação e o espaço, ou tempo que corre do nascimento à morte. Sintetiza-se, pois, em relação ao homem, no conjunto de atividades, de costumes, ou de ocupações, a que se possa dedicar 9. (grifo do autor)
Já o Dicionário Aurélio conceitua vida como uma manifestação de funções
orgânicas, quais estas: metabolismo, reação a estímulos, reprodução, crescimento e
a adaptação ao meio, em contínua atividade, desde o nascimento até a morte 10.
No mesmo sentido, a Organização Mundial da Saúde – OMS, órgão da
Organização das Nações Unidas, considera como nascido vivo todo produto de
concepção expulso ou extraído completamente do ventre materno, em qualquer fase
da gestação, o qual, depois de separado, manifesta todos os sinais vitais
(respiração, pulsação, circulação), não importa tenha ou não sido cortado o cordão
umbilical e esteja ou não completamente separado da placenta 11.
O nascimento com vida poderá ser verificado por meio da respiração, não
importando o tempo que o recém-nascido sobreviveu, mesmo que tenha sido por
alguns segundos fora do ventre materno. Sílvio Venosa diz que “se comprovarmos
9 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 1484. 10 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 1774. 11 ZARZUELA, José Lopes. Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 58. 54 v.
17 que a criança respirou, então houve nascimento com vida” 12. Assim, passará a
criança a ter a tutela do direito, podendo defender as suas integridades física,
intelectual e moral.
Existindo dúvida se a criança respirou ou não após nascer, é realizado o
exame pericial chamado “docimásia hidrostática de galeno”, que mede a densidade
pulmonar. Resumidamente, a perícia consiste na imersão do sistema respiratório
(pulmões, traquéia e laringe) do recém-nascido em um reservatório contendo água à
temperatura ambiente. Havendo flutuação, constata-se a presença de ar atmosférico
nas vias respiratórias, e assim, conclui-se que a criança respirou, ou seja, chegou a
viver. Caso contrário, se os pulmões permanecerem no fundo do recipiente, é
porque a criança não respirou, já nascendo morta 13.
Em outras palavras, vida é a ausência de morte.
1.1.2 Conceito de nascituro
Sendo ‘vida’ a ausência de ‘morte’, a existência desta no ser que se
encontra no ventre materno, torna-se requisito essencial para que este possa ser
considerado um nascituro.
Silvio Venosa explica que “o nascituro é um ente já concebido que se
distingue de todo aquele que ainda não foi concebido e que poderá ser sujeito de
direito no futuro, dependendo do nascimento” 14.
Para Francisco da Silveira Bueno, nascituro é aquele “que deverá nascer,
que está por nascer” 15.
E no Dicionário Jurídico, temos a seguinte definição:
12 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 152. 13 TANATOLOGIA e Cronotanatognose. Disponível em: <http://www.pericias-forenses.com.br>. Acesso em: 16 setembro 2008. 14 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 152. 15 BUENO, Francisco da Silveira. Grande dicionário etimológico-prosódico da língua portuguesa. São Paulo: Saraiva, 1963. p. 1169. 6 v.
18
Derivado do latim nasciturus, particípio passado de nasci, quer precisamente indicar aquele que há de nascer. Designa, assim, o ente que está gerado ou concebido, tem existência no ventre materno: está em vida intra-uterina. Mas não nasceu ainda, não ocorreu o nascimento dele, pelo que não se iniciou sua vida como pessoa. Embora o nascituro, em realidade não se tenha como nascido, porque como tal se entende aquele que se separou, para ter vida própria, do ventre materno, por uma ficção legal é tido como nascido, para que a ele se assegurem os direitos que lhe cabem, pela concepção. Era o princípio que os romanos já afirmavam pela voz de Gaio: Nascituro pro jam nato habetur, quando de ejus commodo agitur (O nascituro se tem por nascido, quando se trata de seu interesse) 16. (grifo do autor).
Como se vê, nascituro é aquele ser que ainda se encontra no ventre
materno, dependendo da mãe para continuar sobrevivendo. O Código Civil
menciona o nascituro primeiramente em seu artigo 2º, onde:
Art. 2º - A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
A Lei não reconhece e nem atribui personalidade ao nascituro porque este,
apesar de já concebido, não é nascido. Mas, como visto, seus interesses futuros são
protegidos, caracterizando uma situação jurídica de expectativa e pendência, onde a
sua alusão no artigo 2º do Código Civil tem o objetivo de salvaguardar os direitos
que, se nascer com vida, pertencerão a ele 17.
Daí resulta que os “direitos do nascituro”, de que trata o aludido dispositivo,
não são direitos atuais, presentes, mas direitos eventuais, em formação (in fieri), que
teriam o seu aperfeiçoamento condicionado ao nascimento com vida. Como
provavelmente esse nascimento acontecerá, os direitos futuros, que em breve serão
adquiridos pelo nascituro, são tutelados desde a concepção.
Porém, há direitos que não dependem do nascimento do ser para que lhe
sejam atribuídos. São os direitos absolutos, como o direito à vida, à saúde, aos
alimentos, à curatela e à representação, direitos estes, intransmissíveis que, geram
a polêmica acerca da permissão da interrupção da gravidez de feto anencéfalo.
16 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 942 sequentia. 17 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 56.
19 1.1.3 Teoria concepcionista
Esta teoria afirma que o nascituro é sujeito de direitos e obrigações desde o
momento de sua concepção. Tal afirmação reconhece personalidade ao nascituro
desde a concepção, não considerando-a condicional ao nascimento com vida.
Para Pontes de Miranda seria “o concebido ao tempo em que se apura se
alguém é titular de um direito, pretensão, ação ou exceção, dependendo a existência
de que nasça com vida” 18.
Silmara Chinelato e Almeida define o nascituro dentro da teoria
concepcionista como aquele que está para nascer, sendo este uma pessoa:
[...] já concebida no ventre materno (in anima nobile), a qual são conferidos todos os direitos compatíveis com sua condição especial de estar concebido no ventre materno e ainda não ter sido dado à luz 19.
Para a Autora, o nascituro surge com o fenômeno da nidação, ou seja, da
fixação do ovo na parede do útero materno. Com isso, sua viabilidade estaria
garantida, em um estágio de sobrevida. Vale também salientar que esta posição não
confere o caráter de nascituro ao embrião fertilizado in vitro, mas ainda não
implantado no organismo materno, já que a gravidez é elemento essencial para a
configuração da viabilidade, assim:
Ressalva-se que é com a nidação do ovo, no útero que se inicia a gravidez (tratamos aqui da gravidez normal), momento em que é garantida, em tese, a viabilidade do desenvolvimento e sobrevida do ovo, que se transformará em embrião e feto 20.
O Código Civil de 1916 rezava que todo homem era capaz de direitos e
obrigações. Já o Código Civil vigente, dispõe no artigo 1º:
18 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado: parte geral. Tomo 1: Introdução, pessoas físicas e jurídicas. 2. ed. Campinas: BookSeller, 2000. p. 166. 19 ALMEIDA, Silmara A. J. Chinelato e. Tutela civil do nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 162. 20 Id. Ibid. p. 161.
20
Art. 1º - Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
E Clóvis Beviláqua explica o referido artigo desta forma: “todo ser humano é
pessoa, porque não há homem excluído da vida jurídica, não há criatura humana
que não seja portadora de direitos” 21. Neste sentido, a aptidão pra a vida jurídica é
um dos direitos humanos essenciais, que emana da própria natureza do homem.
O nascimento com vida unicamente irá consolidar a capacidade jurídica do
nascituro. O Código reconhece a necessidade de proteger os direitos deste em seu
artigo 2º, assegurando, desta forma, a sua capacidade. E a capacidade tem a função
de medir a personalidade, não existindo meia personalidade ou personalidade
parcial. Esta será integral ou inexistente 22. Mesmo o nascituro possuindo uma
capacidade limitada, sua personalidade não lhe é tirada. Isto porque não há direito
sem sujeito.
O fato de nascer com vida somente é elemento do negócio jurídico que diz
respeito à eficácia total da personalidade, tendo como fim, o seu aperfeiçoamento.
Para Silmara Chinelato e Almeida, a personalidade jurídica do nascituro não é
condicional porque somente certos direitos dependem do nascimento com vida,
como os direitos patrimoniais materiais, sendo estes a herança (legítima e
testamentária) e a doação 23. A plenitude da eficácia destes direitos fica
resolutivamente condicionada ao nascimento sem vida.
Os direitos absolutos da personalidade, como o direito à vida, o direito à
integridade física, o direito à saúde e a alimentos (estreitamente ligado ao direito à
vida) independem do nascimento com vida. O mesmo se afirma quanto ao status de
filhos, ao direito à representação, à curatela, à adoção e ao reconhecimento. O
nascituro é titular destes direitos, desde a concepção e completamente
independente do nascimento com vida.
No mesmo caminho está Maria Helena Diniz, ao dizer que:
21 BEVILÁQUA, Clóvis. Direitos das sucessões. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1978. p. 75. 22 AMARAL, Francisco. Direito civil: Introdução. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 221. 23 ALMEIDA, Silmara A. J. Chinelato e. Tutela civil do nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 134.
21
Tem o nascituro personalidade jurídica formal, no que se refere aos direitos personalíssimos, passando a ter personalidade jurídica material, adquirindo os direitos patrimoniais, somente, quando do nascimento com vida. Portanto, se nascer com vida, adquire personalidade jurídica material, mas, se tal não ocorrer, nenhum direito patrimonial terá 24.
A diferença existente entre os direitos do nascituro e os direitos daquele já
nascido não acarreta na diminuição de sua característica como ser humano,
somente serve para observar a sua condição de pessoa por nascer.
A autora ainda afirma que o direito à vida tem sua tutela pública no Direito
Penal, através da incriminação do aborto e, sua tutela privada, como direito da
personalidade, pelo Direito Civil. Sendo assim, torna-se claro que o nascituro possui
personalidade justamente por ser sujeito de direitos.
1.1.4 Teoria natalista
Por sua vez, a Teoria Natalista defende que a proteção dada ao nascituro no
artigo 2º do Código Civil não lhe reconhece e nem lhe atribui personalidade,
equivalendo tal proteção a uma situação jurídica de expectativa, que deixará de ser
pendente a partir do nascimento com vida. Ou seja, devem ser reconhecidos os
direitos do nascituro, sem que isto resulte em sua personalização.
Somente adquirirá personalidade jurídica o indivíduo que nasce com vida.
Desta maneira, ainda que a lei reconheça e ponha a salvo desde a concepção,
certos direitos do nascituro, sabe-se que, efetivamente, tais direitos constituem mera
expectativa de direitos, que serão concretizados em função do nascimento com vida.
Neste sentido, pontua Sílvio Venosa:
O nascituro é um ente concebido que se distingue de todo aquele que não foi ainda concebido e que poderá ser sujeito de direito no futuro, dependendo do nascimento, tratando-se de uma prole
24 DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 281.
22
eventual; isso faz pensar na noção de direito eventual, isto é, um direito em mera situação de potencialidade 25. (grifo meu)
O ordenamento jurídico acredita que o nascituro irá nascer com vida e por
isso, preserva seus interesses futuros. Nascendo com vida, tem-se a personalidade
caracterizada pela capacidade de aquisição e o gozo de direitos e, se o nascimento
ocorre sem vida, tal caracterização não ocorre. Desta forma, João Luiz Alves
pergunta: “Então, o que importa dizer que desde a concepção [o nascituro] possui
personalidade se com o nascimento sem vida não adquiriu direitos?” 26.
Dentro desta corrente, temos a teoria da personalidade condicional, onde os
adeptos admitem a personalidade desde a concepção, porém, sob a condição de
que se dê o nascimento com vida.
Rafael Garcia Rodrigues assim conceitua:
A teoria da personalidade condicional consiste na afirmação da personalidade desde a concepção, sob a condição de nascer com vida. Desta forma a aquisição de direitos pelo nascituro operaria sob a forma de condição resolutiva, portanto, na hipótese de não se verificar nascimento com vida, não haveria personalidade 27.
É o que também afirma Silmara Chinelato e Almeida: “se a personalidade é
condicional, desde a concepção, a condição do nascimento – sem vida – é
resolutiva, e não suspensiva” 28.
Então, se o nascituro nascer com vida, adquirirá de forma irrevogável os
seus direitos. Enquanto nascituro, não é pessoa, mas, dentro do ventre, já é sujeito
de direito, sob condição. Condição de nascer com vida.
Pode-se comparar a situação jurídica do nascituro com a do ausente. O
ausente é presumido vivo até que sua morte seja comprovada e assim também é
com o nascituro, desde que não morra antes do parto ou durante. Neste caso, tanto
25 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 115. 26 ALVES, João Luiz. Código Civil anotado. Rio de Janeiro: F. Briguiet, [199-?]. 27 Apud. TEPEDINO, Gustavo. (Coord.). A parte geral do novo Código Civil. Estudos na perspectiva Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 98. 28 ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato e. Tutela civil do nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 155.
23 o nascituro quanto o ausente possuem direito em estado potencial, mas para
nenhum dos dois falta personalidade civil 29.
O nascituro não tem personalidade, mas, desde a concepção, é como se
tivesse. Ele obtém a aptidão para ter direitos, mas não pode ser admitida a condição
de pessoa natural a quem ainda não nasceu ou já morreu 30.
1.2 FIM DA PERSONALIDADE HUMANA
É fato de que o fim da personalidade humana se dá com a morte do
indivíduo. Em 1968, o Congresso Mundial dos Médicos esclareceu que:
A conceituação jurídica de morte ou morte clínica, como é mais conhecida, implica que o indivíduo deixe de existir como unidade social, pouco importando que em seu corpo existam formas residuais de vida. (grifo meu)
A palavra morte tem sua origem no latim mors, mortis, de mori (morrer),
exprimindo o fim da vida, seja animal ou vegetal. No sentido jurídico, a morte define
a situação da pessoa, que passa a ser olhada como um ser que já não existe mais 31.
No que consiste ao fim da personalidade, determina o artigo 6º do Código
Civil que ela se extingue com a morte da pessoa, in verbis:
29 CARVALHO, José Murilo. Repertório enciclopédico do direito brasileiro. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970. 34 v. p. 556. 30 Silmara Chinelato e Almeida, citando Walter Moraes, afirma: “O nascituro não tem personalidade jurídica, já que esta começa do nascimento com vida. No entanto, tem capacidade sucessória, constituindo isto situação excepcional. Quando a lei ‘põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro’, dissocia o conceito de personalidade do conceito de subjetividade. O nascituro não é pessoa mas já é sujeito de direito, conquanto sob condição. [...] Se o nascituro não nasce com vida, realmente não adquiriu a deixa [a herança], assim como não adquire outro direito qualquer”. (ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato e. Tutela civil do nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 157). 31 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 931.
24
Art. 6º - A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.
No caput, podemos encontrar dois tipos de morte que o ordenamento prevê:
a morte real e a morte presumida.
1.2.1 A morte real e a morte presumida
Na primeira parte do artigo, temos a chamada morte real, que tem como
conseqüência imediata, a extinção da personalidade jurídica da pessoa humana,
deixando a pessoa física de ser sujeito de direitos e obrigações. Esta pode
acontecer por acidente (resultante de um acontecimento imprevisto); por provocação
(através de ato de vontade própria ou por ação criminosa de outrem); naturalmente
(pelo envelhecimento da pessoa e o que este causa) e por suicídio (quando a
pessoa tira sua própria vida) 32.
Em resumo, a morte real será aquela que poderá provar-se que a pessoa
morreu através da certidão de óbito e da existência do cadáver.
A morte presumida, prevista na segunda parte do referido artigo, dá-se pela
ausência de uma pessoa nos casos dos artigos 22 a 39 do Código Civil e dos artigos
1.161 a 1.168 do Código de Processo Civil.
Ocorre quando uma pessoa desaparece sem deixar notícias, onde qualquer
interessado em sua sucessão ou o Ministério Público poderá requer ao juiz a
declaração dos bens do ausente, ou, se deixado algum representante, passando-se
três anos sem que dê sinal de vida, poderá ser requerida sua sucessão provisória e
o início do processo de inventário e a partilha de seus bens, onde a ausência do
desaparecido passa a ser considerada presumida 33.
32 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o patrimônio. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. 2 v. p. 54. 33 FIUZA, Ricardo (Coord.). Novo código civil comentado. 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 16.
25
Já no artigo 7º, o Código Civil dispõe que poderá ser declarada a morte
presumida sem a decretação de ausência, se for extremamente provável a morte de
quem estava em perigo de vida, ou se alguém desaparecido em campanha ou feito
prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o fim da guerra. Vale frisar que a
morte presumida, nestes casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas
as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.
Decretada a morte via sentença, é finda também, a personalidade jurídica do
de cujus.
O doutrinador Francisco Amaral assevera que a “personalidade humana
existe antes do nascimento, e projeta-se para além da morte” 34. No entanto, tal
pensamento não possui nexo jurídico. Nem mesmo o Código Penal, que admite o
aborto como um crime contra vida, vem a respaldar tal teorização, onde: “O homem
morto não pode ser sujeito passivo, pois não é titular de direitos, podendo ser objeto
material do delito” 35.
À primeira vista, parece que o morto pode ser vítima de crimes contra a
honra, em face de o artigo 138, §2º, do Código Penal dizer que “é punível a calúnia
contra os mortos”. Porém, acontece que o ultraje à memória dos mortos reflete nas
pessoas de seus parentes, que são os sujeitos passivos. Nos crimes de destruição,
subtração, ocultação e vilipêndio a cadáver (artigos 211 e 212) o sujeito passivo é a
coletividade, e, em particular, a família do morto.
Desta forma, conforme a legislação vigente, a personalidade jurídica da
pessoa cessa com a morte. Imaginando o contrário, teríamos “fantasmas jurídicos”
em nosso ordenamento.
1.2.2 A morte cerebral
Por muito tempo, o critério utilizado para se determinar a morte de um ser
humano foi a parada cardiorrespiratória. Sabia-se que o sujeito estava morto quando
34 AMARAL, Francisco. Direito civil: Introdução. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 221. 35 JESUS, Damásio Evangelista de. Código Penal anotado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 166.
26 o seu coração parava de bater. Porém, em 1990, o Conselho Federal de Medicina
reconheceu que a morte encefálica possuía correspondência com a morte clínica.
Mas o conceito de morte encefálica somente foi sugerido pela primeira vez em uma
comunicação especial ao Jornal da Associação Médica Americana, em 1968, por um
comitê da Escola de Medicina de Harvard.
No mesmo ano, o Conselho das Organizações Internacionais de Ciências
Médicas, ligado à Organização Mundial da Saúde (OMS) e à Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), reuniu-se em
Genebra e estabeleceu critérios para a morte encefálica, considerando
especificadamente o falecimento do doador. Dentre estes critérios, destacam-se a
paralisação espontânea da respiração, perda de todo sentido ambiente, debilidade
total dos músculos e colapso da pressão sangüínea não mais mantida artificialmente 36. E, apenas vinte anos após a referida publicação americana, o Congresso
Nacional Brasileiro emitiu parecer que declarava a habilitação e a competência do
Conselho Federal de Medicina para decidir questões relacionadas à área médica,
como a morte encefálica.
Então, em 1990, a morte encefálica passou a equivaler à morte clínica e,
sete anos mais tarde, foi apresentada a Resolução n. 1.480, publicada no Diário
Oficial da União em 8 de agosto de 1997, que instituiu o modo de se realizar os
exames que averigüem a morte encefálica, com as seguintes considerações:
[...] a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a retirada de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, determina em seu artigo 3º que compete ao Conselho Federal de Medicina definir os critérios para diagnóstico de morte encefálica; [...] parada total e irreversível das funções encefálicas equivale à morte, conforme critérios já bem estabelecidos pela comunidade científica mundial; [...] o ônus psicológico e material causado pelo prolongamento do uso de recursos extraordinários para o suporte de funções vegetativas em pacientes com parada total e irreversível da atividade encefálica;
36 SIQUEIRA, José Eduardo et al (Orgs.). Bioética: estudos e reflexões 2. Londrina: UEL, 2000.
27
[...] a necessidade de judiciosa indicação para interrupção do emprego desses recursos; [...] a necessidade da adoção de critérios para constatar, de modo indiscutível, a ocorrência de morte; [...] que ainda não há consenso sobre a aplicabilidade desses critérios em crianças menores de 7 dias e prematuros. (grifo meu)
Com as considerações supracitadas no corpo da Resolução, foi explicado o
procedimento para a realização dos exames, como os parâmetros clínicos a serem
observados e os intervalos entre um exame e outro, contados a partir de sete dias
de idade do paciente, desde que “a morte encefálica deverá ser conseqüência de
processo irreversível e de causa conhecida”, como estipula o artigo 3º.
Como se vê, a última consideração da referida Resolução afirma não existir
consenso sobre o aproveitamento dos outros critérios para as crianças menores de
sete dias ou prematuras, sejam estas recém-nascidas ou fetos anencéfalos.
Desta forma, em 8 de setembro de 2004, o Conselho Federal de Medicina
publicou a Resolução n. 1.752, que acabou por resolver essa questão ao declarar
em sua primeira consideração que:
[...] os anencéfalos são natimortos cerebrais (por não possuírem os hemisférios cerebrais) que têm parada cardiorrespiratória ainda durante as primeiras horas pós-parto, quando muitos órgãos e tecidos podem ter sofrido franca hipoxemia, tornando-os inviáveis para transplantes. (grifo meu)
Bem como:
[...] a Resolução CFM nº 1.480/97, em seu artigo 3º, cita que a morte encefálica deverá ser conseqüência de processo irreversível e de causa conhecida, sendo o anencéfalo o resultado de um processo irreversível, de causa conhecida e sem qualquer possibilidade de sobrevida, por não possuir a parte vital do cérebro. (grifo meu)
Nestas circunstâncias, é fácil concluir que o feto que não possui a parte vital
do cérebro, já é considerado natimorto, portanto, sem vida. No entanto, não é assim
que alguns magistrados concluem ao negarem para a gestante a interrupção de sua
gravidez quando o produto da concepção é um feto anencéfalo.
28
Na morte com critério neurológico ou encefálico, a função respiratória pode
ser suprida por meios artificiais, bem como o coração pode ser mantido por drogas
que permitam a permanência dos batimentos por algum tempo. Então, na
denominada morte encefálica, não há presença dos reflexos e das funções
comandadas pelo tronco encefálico e pelos hemisférios cerebrais.
Como já dito anteriormente, o Conselho Federal de Medicina através do
artigo 3º da Resolução n. 1.480/97 fixa que somente poderá se falar em morte se a
morte encefálica for resultante de um processo irreversível e com causa conhecida.
Assim, o ser que perde, definitiva e irreversivelmente, as funções dos hemisférios
cerebrais e do tronco encefálico, comprometendo a vida de relação e a coordenação
da vida vegetativa (batimento cardíaco, respiração, pressão do sangue, reflexos de
salivação, tosse, espirro e ao ato de engolir), será considerado morto.
A irreversibilidade da morte encefálica será atestada por, no mínimo, dois
médicos, como estipula o §1º do artigo 16 do Decreto n. 2.268 de 30 de junho de
1997, que regulamentou a Lei n. 9.434/97, que trata sobre a remoção de órgãos,
tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento:
Art. 16 - A retirada de tecidos, órgãos e partes poderá ser efetuada no corpo de pessoas com morte encefálica. §1º - O diagnóstico de morte encefálica será confirmado, segundo os critérios clínicos e tecnológicos definidos em resolução do Conselho Federal de Medicina, por dois médicos, no mínimo, um dos quais com título de especialista em neurologia, reconhecido no País.
E com a irreversibilidade da atividade encefálica, o ser humano perde a sua
racionalidade, característica essencial do humano que o diferencia dos demais seres
animados. Portanto, hoje, a atividade cerebral é fundamental para que se faça
distinção entre a vida e a morte.
29 1.3 O FETO ANENCÉFALO
É possível de se notar que na Resolução n. 1.752/04 do Conselho Federal
de Medicina, que o feto anencéfalo é resultado de um processo irreversível, de
causa conhecida e não possui qualquer possibilidade de sobrevida, justamente por
não possuir a parte vital do cérebro. A falta desta parte vital do cérebro foi
denominada de anencefalia.
Tal doença é uma má-formação estrutural, um defeito congênito,
consubstanciada na falta da calota cerebral, que começa a se desenvolver bem no
início da vida intra-uterina. A palavra anencefalia significa “sem encéfalo”, sendo
encéfalo, o conjunto de órgãos do sistema nervoso central contidos na caixa
craniana. A anencefalia, ou a carência dos dois hemisférios cerebrais, é a ausência
de função total e definitiva do tronco cerebral, onde, em alguns casos, o feto poderá
sobreviver poucos dias fora do ventre materno. “A afecção impede de forma
definitiva qualquer tipo de consciência e de relação com outro” 37.
Trata-se de uma anomalia diagnosticável, porém, não possui nenhuma
explicação plausível para justificar sua origem. Pode ocorrer em cinco nascimentos
entre mil, sendo mais comum no sexo feminino e com gestantes acima de trinta e
cinco anos de idade 38.
Warley Rodrigues Belo assim conceitua:
É uma má-formação estrutural, consubstanciada na ausência da calota cerebral. A anencefalia, ou ausência dos dois hemisférios cerebrais, é a ausência de função total e definitiva do tronco cerebral 39.
Maria Helena Diniz explica que o anencéfalo pode ser um embrião, feto ou
recém-nascido que, por malformação congênita, não possui uma parte do sistema
37 BELO, Warley Rodrigues. Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatos. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 83. 38 ABBAS, Abel K., et al. Patologia: bases patológicas das doenças. 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 1418. 39 BELO, Warley Rodrigues. Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatos. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 83.
30 nervoso central, ou ainda, que lhe faltam os hemisférios cerebrais, mas que possui
uma parcela do tronco encefálico 40.
Na literatura médica, a anencefalia é conceituada como a má-formação fetal
congênita por defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação (que é
responsável pelo surgimento dos elementos do sistema nervoso central), de modo
que o feto não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex, havendo apenas
resíduo do tronco encefálico, impedindo de forma definitiva qualquer tipo de
consciência e de relação com outro 41. Com a não-formação dos hemisférios
cerebrais e do córtex, uma criança com anencefalia nasce sem o couro cabeludo, a
calota craniana e meninges, mas o tronco cerebral geralmente é preservado.
A anomalia importa na inexistência de todas as funções superiores do
sistema nervoso central – responsável pela consciência, cognição, vida relacional,
comunicação, afetividade e emotividade, restando apenas algumas funções
inferiores que controlam parcialmente a respiração, as funções vasomotoras e a
medula espinhal 42. Por isso, a chance de sobrevida é de poucas horas ou de
poucos dias, morrendo a maioria intra-útero ou ainda, durante o parto.
Explicando de outra forma, a anencefalia causa um desenvolvimento mínimo
do encéfalo, apresentando uma ausência parcial ou total do cérebro (região do
cérebro responsável pelo pensamento, a vista, o ouvido, o tato e os movimentos). A
parte posterior do crânio aparece sem fechar e é possível, ademais, que faltem
ossos nas regiões laterais e anterior da cabeça.
Mais especificadamente, Samantha Buglione, citando Ângelo Machado,
elucida que o sistema nervoso é dividido em dois: o somático e o visceral. O
somático, também chamado de ‘sistema nervoso da vida de relação’, é aquele que
irá fazer com que o indivíduo interaja com o meio ambiente. Já o ‘sistema nervoso
visceral’, irá relacionar os nervos com o controle das estruturas viscerais, de extrema
importância para a manutenção do ambiente interno do indivíduo.
40 DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 76. 41 BEHRMAN, Richard E. et al. Tratado de pediatria. 16. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. p. 1777. 42 DINIZ, Débora; RIBEIRO, Diaulas Costa. Aborto por anomalia fetal. [S.I.]: Letras Livres, 2004. p. 43.
31
Então, no feto anencéfalo, ocorre o falecimento do ‘sistema nervoso da vida
de relação’, “há o funcionamento dos receptores, mas não existe a capacidade de
interpretação da informação” 43.
A Resolução n. 1.752/04 do Conselho Federal de Medicina afirma que os
anencéfalos não possuem os hemisférios cerebrais e que estes hemisférios são
vitais para o funcionamento do cérebro, por isso são considerados natimortos.
Não se trata de um caso ou outro no Brasil. O Ministro Joaquim Barbosa,
proferindo seu voto na Ação de Descumprimento Fundamental n. 67.115 44
(conhecida também pelo número 54 - que comentarei no segundo capítulo), disse:
Dados da Organização Mundial da Saúde revelam que o Brasil é o quarto colocado no ranking de nascimento de fetos com anencefalia. Para cada dez mil crianças brasileiras nascidas vivas, há o registro de 8,6 fetos anencéfalos, o que coloca o País atrás apenas do México, Chile e Paraguai. Por ano, a média brasileira é de 615 mortes em decorrência dessa doença.
O número de mortes decorrentes da anencefalia é expressivo. Uma atenção
especial deve ser dada para tanto porque, como a Lei não permite a interrupção da
gravidez nestes casos, a gestante se vê obrigada a levar a gravidez até o fim, sendo
que, em muitos casos, o feto morre dentro do útero ou ainda, minutos ou horas após
o seu nascimento.
O deputado federal e cientista médico José Aristodemo Pinotti, citado pelo
Ministro Carlos Ayres Britto em seu voto na referida Ação, declara:
A manutenção da legislação atual, que precede em muitas décadas os avanços científicos que garantem o diagnóstico de certeza da anencefalia, obriga as mulheres a levarem adiante uma gestação que contém feto com morte cerebral e certeza de impossibilidade de sobrevida ao nascerem. Para essas mães, a alegria de pensar em berço e enxoval é substituída pela angústia de preparar vestes mortuárias e sepultamento.
43 UMA história para lembrar. Jornal a Notícia, Santa Catarina, 11 março 2008. Disponível em: <http://www.antigona.org.br>. Acesso em: 15 outubro 2008. 44 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão Liminar da ADPF n. 67115. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/>. Acesso em: 15 agosto 2007.
32
E ainda, pelo Ministro Marco Aurélio: “a vida é um bem a ser preservado a
qualquer custo, mas, quando a vida se torna inviável, não é justo condenar a mãe a
meses de sofrimento, de angústia, de desespero”.
Obviamente, como em todo caso, há exceções. Não são todos os
diagnósticos de anencefalia que tornam a vida completamente inviável ou que
causam a morte da criança assim que ela nasce ou até antes de seu nascimento. Há
casos em que a ausência do cérebro é parcial, e como exemplo disso, temos a
menina Marcela de Jesus Ferreira, diagnosticada com anencefalia na décima sexta
semana de gestação. Sua mãe, Cacilda Galante Ferreira, não pensou em
interromper a gravidez, afirmando que, quando Marcela nasceu, o sofrimento existia,
mas dizia “ela não me pertence, ela é de Deus e eu a cuido aqui” 45. Completados
quatro meses de vida, ela foi usada como exemplo de antiaborto em um ato público.
Sua pediatra, a Doutora Márcia Beani Barcellos, explica que não se trata de
uma anencefalia clássica, onde o cérebro é totalmente desprovido de massa e sim,
de uma anencefalia dotada de tronco. Ou seja, Marcela nasceu com apenas uma
parte do tronco cerebral, que compõe o sistema nervoso central e é localizado no
início da coluna cervical.
Elucida que “ela [Marcela] tem um tronco no cérebro que controla a
respiração, a freqüência cardíaca e, assim, mantém os órgãos vitais como coração,
pulmão e rins, funcionando”. Ainda declara que os movimentos de Marcela são
breves. Ela mexe os braços, as pernas, emite alguns sons, boceja forte quando tem
sono e através de uma ressonância, descobriu-se que ela tem uma boa audição 46.
Apesar dos extensos cuidados e controles com a alimentação e a
oxigenação do tronco, sua pediatra afirmou que não existe medicação ou tratamento
para a doença de Marcela. Infelizmente, com um ano, oito meses e doze dias de
vida, em 1º de agosto do corrente ano, Marcela faleceu devido a um paro cardio-
respiratório, decorrente de uma forte pneumonia por aspiração de leite. Para a mãe,
45 FALECEU Marcela de Jesus, a menina que derrubou mitos anti-vida sobre anencefalia no Brasil. ACI Digital, Rio de Janeiro, 5 agosto 2008. Disponível em: <http://www.acidigital.com.br>. Acesso em: 15 agosto 2008. 46 MARCELA faz 1 ano com bolo. Jornal a Cidade, Ribeirão Preto, 20 novembro 2007. Disponível em: <http://www.jornalacidade.com.br>. Acesso em: 15 março 2008.
33 a explicação por Marcela ter vivido todos esses meses só pode ser dada por Deus e
pela fé que ela sempre teve.
Da mesma forma confirmam Débora Diniz e Diaulas Ribeiro, ao dizerem que
não há qualquer possibilidade de tratamento ou reversão do quadro do feto
acometido de anencefalia, tornando a sua morte certa e inevitável, sendo de 65%
(sessenta e cinco por cento) a estimativa de morte intra-uterina. No mesmo sentido,
temos de Anelise Tessaro: “afetos a malformações severas, ou associadas a outras
anomalias, que tornam o produto da concepção inviável, ou seja, o prognóstico
morte, logo após o nascimento, é certo e irreversível” 47.
Em termos científicos, não existe qualquer perspectiva de vida do
anencéfalo. Diz, com precisão, o cientista William Bell que “entre 75 e 80 por cento
desses recém-nascidos são natimortos e os restantes sucumbem dentro de horas ou
poucos dias após o nascimento” 48.
Como o próprio Ministro Sepúlveda Pertence figurou acerca do feto
anencéfalo: “uma crisálida que jamais, em tempo algum, chegará ao estágio de
borboleta” 49, sendo a “gravidez destinada ao nada”.
47 DINIZ, Débora; RIBEIRO, Diaulas Costa. Aborto por anomalia fetal. [S.I.]: Letras Livres, 2004. p. 89. 48 CHUDLER, Eric. Aventuras em neuroanatomia: as divisões do Sistema Nervoso. Disponível em: <http://br.geocities.com/neurokidsbr>. Acesso em: 22 novembro 2007. 49 FREITAS, Silvana de. Ministros do STF derrubaram a decisão provisória que autorizava interrupção de gravidez em caso de anencefalia. Disponível em: <http://celepar7cta.pr.gov.br/>. Acesso em: 23 agosto 2007.
34 2 A TIPICIDADE DO ABORTO E SUAS FORMAS
Neste capítulo será mostrado de que forma o aborto é visto e considerado
pelo o ordenamento jurídico brasileiro, de extrema importância para que se possa
diferenciar o aborto de feto viável da interrupção de gravidez de feto anencéfalo.
2.1 CONCEITO DE ABORTO
No dicionário jurídico, temos aborto como a “expulsão prematura do feto ou
embrião; antes do tempo do parto” 50. E, com Noronha, “aborto é a interrupção da
gravidez, com a destruição do produto da concepção. É a morte do ovo, embrião ou
feto” 51.
No mesmo sentido, temos por Damásio E. de Jesus “a interrupção da
gravidez com a conseqüente morte do feto (produto da concepção)” 52.
Para Uadi L. Bulos, aborto é “a interrupção da gravidez antes do seu termo
normal, com ou sem expulsão do feto, espontâneo ou provocado” 53.
De uma forma mais explicativa, Júlio Fabbrini Mirabete define o aborto
como:
A interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. É a morte do ovo (até três semanas de gestação), embrião (de três semanas a três meses) ou feto (após três meses), não implicando, necessariamente, na sua expulsão. O produto da concepção pode ser dissolvido, reabsorvido pelo organismo da
50 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 8. 51 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o patrimônio. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 53. 2 v. 52 JESUS, Damásio E. de. Código Penal anotado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 424. 53 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 412.
35
mulher ou até mumificado, ou pode a gestante morrer antes da sua expulsão. Não deixará de haver, no caso, o aborto 54.
E ainda, define Moore o aborto, assim:
Aborto significa uma interrupção prematura do desenvolvimento e refere-se ao nascimento de um embrião ou feto antes de se tornarem viáveis – suficientemente amadurecidos para sobreviverem fora do útero 55.
Como podemos notar, de todas as definições de aborto, estas recaem sobre
a palavra originária do latim, ab-ortus, tendo como ab, privação, e ortus, como
nascimento, implicando diretamente na privação do nascimento. Ou seja, todos os
conceitos trazem o impedimento de nascer do ser que ainda se encontra no ventre
materno.
Em qualquer forma, a tutela penal se projeta na vida daquele que está por
nascer, porque a Constituição Federal assim o protege no caput do artigo 5º 56,
como também, a Convenção Americana de Direitos Humanos, com o pacto
chamado de Pacto de São José da Costa Rica, em seu artigo 4º, I 57, de 22 de
novembro de 1969, apenas ratificado pelo Brasil em 25 de outubro de 1992, onde, a
partir de 30 de dezembro de 2004, com a promulgação da emenda constitucional n.
45, passou a ser considerado também, uma emenda constitucional 58.
Independente de ocorrer ou não a expulsão do produto da concepção, o
Código Penal brasileiro de 1940 não nos proporciona o conceito de aborto, mas
dispõe de quatro formas em que o aborto é considerado crime, seja com ou sem o
consentimento da gestante.
54 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 22. ed. rev. Atualização de Renato N. Fabbrini. São Paulo: Atlas, 2004. p. 93. 2 v. 55 MOORE, K. L. Embriologia básica. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000. 56 Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]. 57 Art. 4º - Direito à vida: I. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. 58 Art. 5º - [...] §3º. Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
36 2.2 A PREVISÃO NO CÓDIGO PENAL
O aborto está tipificado na parte especial do Código Penal, no Título I
denominado ‘Dos crimes contra a pessoa’ e no Capítulo I, ‘Dos crimes contra a vida’.
No artigo 124 tem-se o aborto provocado pela gestante ou com o seu
consentimento:
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
São duas hipóteses, sendo a primeira chamada de auto-aborto, tendo como
requisito do delito a prática pela própria gestante e a segunda, o aborto consentido,
praticado por terceira pessoa com o prévio consentimento da gestante.
Se o aborto é cometido sem o consentimento da gestante, incide o artigo
125:
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos.
Este tipo ocorre à revelia da gestante ou ainda, contra a sua vontade, sendo
esta, neste caso, a vítima. O não-consentimento da prática abortiva pode ocorrer de
duas formas: real e presumido.
O real acontece quando a gestante se opõe ao aborto, mas é vencida, pois o
terceiro utilizou-se de violência (emprego de força física), fraude (induzimento a erro)
ou de grave ameaça.
Já o presumido ocorre com a gestante menor de quatorze anos, débil mental
ou alienada, hipóteses elencadas no artigo 26 do mesmo diploma legal 59. “Em
59 Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
37 nenhum desses casos há vontade sua [da gestante] em abortar, em aquiescer ou
anuir ao propósito de terceiro” 60.
O artigo 126 pune o terceiro que, com o consentimento da gestante, lhe
provoca o aborto:
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. Parágrafo único - Aplica-se a parte do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.
Damásio E. de Jesus explica que o consentimento da gestante é resultado
de sua própria conduta e que esta deve permanecer a mesma durante a conduta do
terceiro, contribuindo com este através das manobras abortivas.
Aquele que pratica o aborto com o consentimento da gestante não é co-
autor do crime, pois o artigo 126 acabou lhe punindo. E, conseguindo o agente o
consentimento com as hipóteses previstas no parágrafo único, o aborto deixa de ser
consentido e a prática deste passa a estar tipificada no artigo 125 61.
Por fim, na redação do artigo 127 temos a forma qualificada do aborto:
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.
Esta parte procura proteger também, a vida e a integridade física da
gestante quando terceiro lhe causa dano físico ou até a morte. Aqui, não se aplica a
qualificadora para a própria gestante, pois “a legislação penal brasileira não pune a
autolesão.” E, se a lesão causada corresponder somente ao tipo leve, não é
aplicado este artigo ao agente 62.
60 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o patrimônio. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 61. 2 v. 61 JESUS, Damásio E. de. Código Penal anotado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 428. 62 Id. Ibid. loc cit.
38
Fica claro que, tanto para a gestante quanto para o terceiro que lhe provoca
o aborto, para incidirem em qualquer dos artigos expostos acima, é necessário que a
gravidez esteja devidamente evidenciada e, principalmente, que o feto esteja vivo.
2.3 ABORTOS PERMITIDOS PELA LEGISLAÇÃO
O último artigo do Código Penal que trata do aborto, prevê as hipóteses em
que este não é considerado crime:
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
2.3.1 Aborto em caso de risco de vida para a gestante
No inciso I, temos o aborto que é chamado de necessário, também
conhecido como terapêutico. Aqui, dois interesses encontram-se em conflito: a vida
da gestante e a vida do feto. Pela redação do artigo, vimos que, neste caso, a
legislação penal deu preferência para a vida da mãe, como ensina Julio Fabbrini
Mirabete: “cabe ao médico decidir sobre a necessidade do aborto a fim de ser
preservado o bem jurídico que a lei considera mais importante (a vida da mãe) em
prejuízo do bem menos (a vida intra-uterina)” 63. Ou seja, a preservação da vida da
gestante depende da destruição do ser que ainda não foi totalmente formado. “Não
63 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 22. ed. rev. Atualização de Renato N. Fabbrini. São Paulo: Atlas, 2004. p. 99. 2 v.
39 seria nada razoável sacrificar a vida de ambos se, na realidade, um poderia ser
destruído em favor do outro” 64.
Para que este tipo de aborto seja lícito, é imprescindível que não exista outro
meio para salvar a vida da gestante. Esta, por sua vez, deve correr perigo de vida e
não somente ter a sua saúde ameaçada. Fernando Capez dita que o médico só
poderá realizar o aborto após o parecer de dois outros médicos, onde deve ser
lavrada ata em três vias, sendo uma enviada ao diretor clínico do hospital onde o
aborto foi praticado e outra ao Conselho Regional de Medicina.
No que diz respeito ao consentimento da gestante para a prática do aborto
necessário (ou terapêutico), este é dispensável caso o perigo de vida seja iminente,
conforme dispõe o artigo 146, §3º, I, do Código Penal 65.
E. Magalhães Noronha, explica: “em regra, as legislações consideram o
aborto necessário como um caso particular de estado de necessidade, ou como
conseqüência da regra geral dessa causa excludente de ilicitude” 66.
2.3.2 Aborto em caso de estupro
Já no inciso II é previsto o aborto sentimental, denominado também de
humanitário ou ético. Para que este tipo de aborto esteja caracterizado, é necessário
64 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial. 7. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 125. 2 v. 65 Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. §1º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas. §2º - Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência. §3º - Não se compreendem na disposição deste artigo: I – a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida; II – a coação exercida para impedir suicídio. 66 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o patrimônio. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 63. 2 v.
40 que a gravidez seja resultante do delito previsto no artigo 213 do Código Penal, o
estupro 67.
Trata-se de sentimental, pois o ser que cresce no ventre da mãe não foi
gerado com amor e respeito e sim, mediante violência, em que todo e qualquer
momento que sentir o filho ou olhar para ele pode lembrar do medo e pavor que
vivenciou quando este foi gerado. “A mulher violentada, agravada na honra e
envilecida por abjeta lubricidade, tem o direito de desfazer-se do fruto desse coito” 68. Este tipo de aborto também é permitido pelo fato de não se conhecer a saúde
física e mental do estuprador, podendo este ser portador de doenças hereditárias ou
adquiridas que podem ser transmitidas à criança, ou ainda, nas palavras de Julio
Fabbrini Mirabete: “freqüentemente o autor do estupro é uma pessoa degenerada,
anormal, podendo ocorrer problemas ligados à hereditariedade” 69.
Vale lembrar que o consentimento da gestante ou de seu representante legal
quando esta é incapaz, é essencial neste caso, não valendo a anuência dos
familiares, pois estes podem estar somente focados no herdeiro.
A doutrina e a jurisprudência também têm aceitado o aborto sentimental para
as vítimas de atentado violento ao pudor, crime previsto no artigo 214 do Código
Penal 70, com o uso da analogia in bonam partem, prevista no artigo 4º da Lei de
Introdução ao Código Civil 71 com observação especial também, ao artigo 5º do
mesmo diploma 72. Fernando Capez explica: “não há que se duvidar que o atentado
67 Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. 68 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o patrimônio. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 65. 69 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 22. ed. rev. Atualização de Renato N. Fabbrini. São Paulo: Atlas, 2004. p. 100. 2 v. 70 Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. 71 Art. 4º - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. 72 Art. 5º - Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
41 violento ao pudor é um crime tão repugnante e odioso quanto o estupro, não se
podendo impor à mulher, nesses casos, que suporte uma gravidez involuntária” 73.
Desta forma, a mulher grávida cuja gravidez resultou de estupro ou de
atentado violento ao pudor ou quando a própria gravidez lhe trás perigo de vida, o
aborto é permitido pelo Código Penal. Porém, outros tipos de aborto não previstos
na legislação têm sido aceitos pela maioria dos magistrados, que veremos a seguir.
2.4 ABORTOS AUTORIZADOS JUDICIALMENTE
Neste item, abordaremos os tipos de aborto que não estão previstos na
legislação brasileira, porém, através de autorizações judiciais, tem-se conseguido
realizá-los, com fundamento nos direitos humanos fundamentais, como o direito à
liberdade, à autonomia e à saúde.
2.4.1 Aborto eugênico
Esse tipo de aborto surge do termo “eugenia”, atribuído em 1869 por Francis
Galton, entendendo ser o estudo de fatores que podem elevar ou diminuir as
qualidades de uma raça, sejam estas físicas ou mentais, das gerações futuras,
baseado no princípio da eliminação dos indesejáveis, interrompendo a propagação
dos degenerados e dos doentes que contaminavam a sociedade 74.
Segundo Houaiss e Koogan, é a “ciência que se ocupa do aperfeiçoamento
físico e mental da raça humana” 75. Em outras palavras, é a busca pela raça pura, a
73 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial. 7. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 126. 2 v. 74 BELO, Warley Rodrigues. Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatos. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 82. 75 HOUAISS, Antônio; KOOGAN, Abrahão. Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Delta, 2000. p. 642.
42 mesma idéia propagada pela Alemanha de Hitler, por volta de 1933, impedindo que
débeis mentais, criminosos e alcoólatras continuassem a existir.
Maria Helena Diniz também explica:
É praticado [o aborto eugênico] com o escopo de aperfeiçoar a raça humana, logrando seres geneticamente superiores ou com caracteres genéticos predeterminados, para alcançar uma forma depurada de eugenia, que substitui o direito de procriar pelo direito de nascer com maiores dotes físicos 76.
Por conta disso, para Alberto Silva Franco, a eugenia tornou-se sinônimo de
tabu. Além desta gerar restrições, gera também “um nível extremamente alto de
rejeição emocional e tal reação está vinculada ao uso que dela foi feito, na
Alemanha, durante o período nacional-socialista” 77.
Obviamente, não é este o objetivo que procuramos atingir. Não queremos
um aperfeiçoamento da raça humana. Se assim fosse, estaríamos de fato ferindo a
dignidade da pessoa humana porque há enfermidades e anomalias irreversíveis que
são compatíveis com a vida, mesmo que sejam fora dos padrões. Nas palavras de
Genival Veloso França: “A vida de um deficiente necessita, antes de tudo, de
proteção e amparo, e nunca de repressão. Ninguém é tão desprezível, inútil e
insignificante que mereça a morte” 78.
Hoje, o conceito foi modificado para que se retirasse a imagem do regime
totalitário alemão, não mais se buscando a melhoria físico-biológica da raça e sim, a
abreviação do sofrimento e da angústia da gestante.
Citando Ricardo Henry, Warley Rodrigues Belo conceitua o aborto eugênico
como o “aborto fundado em indicações eugenésicas, equivale a dizer em indicações
referentes à qualidade de vida”. E ainda, com suas palavras, que como qualquer
outro tipo de aborto, tem a conseqüente morte do feto, mas que, anteriormente a sua
76 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 22. 1 v. 77 FRANCO, Alberto Silva, et al. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 1663. 78 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1985. p. 226.
43 morte, foi detectada alguma espécie de anomalia grave, irreversível e incompatível
com a vida extra-uterina, através de métodos científicos 79.
Também chamado de aborto eugenésico ou seletivo, o aborto eugênico
ocorre quando o feto é acometido de anomalias físicas e mentais incompatíveis com
a vida extra-uterina. E. Magalhães Noronha esclarece:
Ocorre esta espécie quando há sério e grave perigo para o filho, seja em virtude de predisposição hereditária, seja por doenças da mãe, durante a gravidez, seja ainda por efeito de drogas por ela tomadas, durante esse período, tudo podendo acarretar para aquele enfermidades psíquicas, corporais, deformidades, etc 80.
Nota-se que há a necessidade da existência de incompatibilidade de vida
fora do útero da gestante, com defeitos congênitos irreversíveis. No mesmo sentido,
Fernando Capez conceitua o aborto eugênico como “aquele realizado para impedir
que a criança nasça com deformidade ou enfermidade incurável” 81.
Robert Dworkin afirma que o aborto pode ser justificado moralmente não
somente pelas formas permissivas do artigo 128 do Código Penal, mas também:
Nos casos em que se diagnosticou uma grave anomalia fetal – as anomalias dos bebês com talidomida, por exemplo, ou com a doença de Tay-Sachs – que torna provável, se a gravidez for levada a termo, que a criança só terá uma vida breve, sofrida e frustrante 82.
Anelise Tessaro exemplifica algumas anomalias incompatíveis com a vida:
Alguns erros de fechamento de tubo neural, algumas displasias ósseas (v.g. nanismo tanatofórico) e anomalias no sistema urinário (v.g. ausência dos rins), algumas anomalias cromossômicas (v.g. trissomia do cromossomo 13 e do cromossomo 18), malformações múltiplas (v.g. Síndrome de Meckel Gruber, onde a displasia renal
79 BELO, Warley Rodrigues. Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatos. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 79. 80 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o patrimônio. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 66. 2 v. 81 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial. 7. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 127. 2 v. 82 DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 45.
44
está associada à encefalocele), algumas anomalias gastrointestinais e erros de fechamento da parede abdominal (v.g. body-stalk) 83.
Em todos estes casos, o feto é inviável, ocorrendo a sua morte logo após o
parto. O mesmo não ocorre com o feto malformado, onde a malformação somente
proporciona algumas restrições com relação à qualidade de vida da criança, em
nada impedindo a continuidade da vida (dependendo da gravidade da malformação),
como a fenda lábio-palatina.
Com a evolução da medicina, já se pode identificar e diagnosticar de forma
precisa estas anomalias do feto durante a gestação, o que não acontecia em 1940,
quando o Código Penal foi publicado. O legislador não podia prever que estes tipos
de anomalia existiriam e que ainda poderiam causar a morte do feto antes do seu
nascimento ou até mesmo, momentos depois.
É o que explica Thomaz Rafael Gollop, ao ser citado por Macedo e Leal:
O diagnóstico pré-natal (DPN) de anomalias fetais foi uma aquisição incorporada à medicina na década de 50 nos países desenvolvidos, e iniciada no Brasil no final dos anos 70. Nos últimos anos desenvolveu-se uma nova área multidisciplinar de atuação, denominada Medicina Fetal, que incorporou às técnicas de diagnósticos as possibilidades de terapêutica intra-uterina 84.
Porém, ao mesmo tempo em que a medicina passou a prever defeitos intra-
uterinos incompatíveis com a vida, fornecer aos pacientes formas de amenizar o
sofrimento trazido pelo triste diagnóstico passou a ser tarefa impossível. Alguns se
apegam em suas convicções religiosas enquanto outros acreditam que somente a
eliminação do produto do sofrimento pode levar a um futuro conforto.
83 TESSARO, Anelise. Aborto seletivo: descriminalização e avanços tecnológicos da medicina contemporânea. Curitiba: Juruá, 2002. p. 25. 84 MACEDO, Marcos Jorge Ferreira de.; LEAL, Rodrigo. A anencefalia e o crime de aborto – exclusão de ilicitude via autorização judicial – uma real possibilidade no Brasil. Novos Estudos Jurídicos. Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, v. 10, n. 2, p. 553-575, jul./dez. 2005.
45
Giovanni Berlinguer deixa claro que “o aborto é o desfecho trágico de um
conflito em que estão envolvidos de um lado um ser em formação, do outro as
aspirações e necessidades de uma mulher” 85.
Vale lembrar que não se trata de uma seleção natural e sim, da proteção dos
mesmos bens jurídicos que o artigo 128 do Código Penal protege: a vida da
gestante e suas saúde psíquica e física. A legislação penal fica ao lado da gestante
quando não exige que ela sacrifique sua vida em favor da outra vida que traz dentro
de si. A diferença é que, com a permissão do aborto para os casos de estupro e
risco de vida da gestante, há o sacrifício da vida do feto, que é viável até então e,
para o aborto eugênico, não há possibilidade de vida extra-uterina.
Elida Séguin afirma que a existência de um feto portador de grave e
irreversível anomalia física ou mental “levanta a bandeira do sofrimento dos
genitores, principalmente antes a indefinição do destino deficiente após suas mortes” 86.
2.4.2 Aborto de feto anencéfalo
Fala-se em aborto porque a anencefalia pode ser constatada nos primeiros
meses da gestação e, por esta doença ocasionar a inviabilidade de vida extra-
uterina, muitos pais e principalmente as gestantes, visam a interrupção da gravidez
assim que diagnosticada.
Porém, sabe-se que tal possibilidade não está prevista em lei e nas
excludentes da prática do aborto no Código Penal. A mulher que se encontrava
grávida de feto anencéfalo se via coagida a levar a termo a sua gestação, mesmo
sabendo que antes ou pouco tempo após o parto, o filho que carregou por nove
meses já não poderia estar mais presente, ocasionando diversos abalos
psicológicos tanto para ela, quanto para a sua família. Por isso, surgiu a polêmica no
85 BERLINGUER, Giovanni. Bioética cotidiana. Tradução de Lavínia Porciúncula. Brasília: UNB, 2004. p. 47 86 SÉGUIN, Elida. Biodireito. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 327.
46 Brasil. Teria ou não direito a mulher gestante de feto anencéfalo optar por não
manter sua gravidez até o fim?
Em busca deste direito, o advogado Luís Roberto Barroso, em junho de
2004, representando a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde
(CNTS), entidade sindical de terceiro grau do sistema confederativo, apresentou
frente ao Supremo Tribunal Federal, a ação de Argüição de Descumprimento de
Preceito Fundamental, arrazoando a violação dos preceitos fundamentais
representados pela dignidade da pessoa humana, legalidade, liberdade, autonomia
da vontade e direito à saúde da mulher, todos elencados na Constituição Federal.
Na petição inicial, afirmou que:
[...] a permanência do feto anômalo no útero da mãe é potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde da gestante e até perigo de vida, em razão do alto índice de óbitos intra-útero desses fetos. De fato, a má-formação fetal em exame empresta à gravidez um caráter maior de risco, notadamente maior que o inerente a uma gravidez normal.
E ainda: “a discussão jurídica acerca da interrupção da gravidez de um feto
viável envolve a ponderação de bens supostamente em tensão: de um lado, a
potencialidade de vida do nascituro e, de outro, a liberdade e autonomia
individuais da gestante”.
Em suma, aduz que a gestante portadora de feto anencéfalo que escolha
por interromper a sua gravidez, deve estar protegida e imunizada pelos direitos
constitucionais, não incidindo a interrupção da gravidez nos artigos 124 a 128 do
Código Penal. Para tanto, cita o doutrinador Nelson Hungria:
Não está em jogo a vida de outro ser, não podendo o produto da concepção atingir normalmente vida própria, de modo que as conseqüências dos atos praticados se resolvem unicamente contra a mulher. O feto expulso (para que se caracterize o aborto) deve ser um produto fisiológico, e não patológico. Se a gravidez se apresenta como um processo verdadeiramente mórbido, de modo a não permitir sequer uma intervenção cirúrgica que pudesse salvar a vida do feto, não há falar-se em aborto, para cuja existência é necessária a presumida possibilidade de continuação da vida do feto.
Por fim, requereu liminarmente o reconhecimento do direito subjetivo da
gestante portadora de feto anencéfalo de se submeter ao procedimento cirúrgico
47 devido para interromper a sua gravidez, sem a necessidade de prévia autorização
judicial.
A referida tese defendida e apresentada pela Confederação, recebeu apoio
público do Conselho Nacional de Saúde (CNS), da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Conselho Nacional dos
Direitos da Pessoa Humana.
Assim, em julho de 2004, decidindo acerca do pedido liminar, o Ministro do
Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, relator na ação, autorizou a partir
daquela data, por voto monocrático, em todo o Brasil, a antecipação terapêutica do
parto nos casos de feto com anencefalia.
O Ministro, ao longo de sua decisão, declarou que “a vida é um bem a ser
preservado a qualquer custo, mas, quando a vida se torna inviável, não é justo
condenar a mãe a meses de sofrimento, de angústia, de desespero”.
E, em seguida:
Diante de uma deformação irreversível do feto, há de se lançar mão dos avanços médicos tecnológicos, postos à disposição da humanidade não para simples inserção, no dia-a-dia, de sentimentos mórbidos, mas, justamente, para fazê-los cessar. No caso da anencefalia, a ciência médica atua com margem de certeza igual a 100%. Dados merecedores da maior confiança evidenciam que fetos anencefálicos morrem no período intra-uterino em mais de 50% dos casos. Quando se chega ao final da gestação, a sobrevida é diminuta, não ultrapassando período que possa ser tido como razoável, sendo nenhuma a chance de afastarem-se, na sobrevida, os efeitos da deficiência.
Afirmou ainda, que impor à mulher a continuidade de sua gestação, somente
corrobora para que danos à integridade moral e psicológica sejam causados tanto
para a gestante quanto para a sua família, além dos riscos físicos reconhecidos no
âmbito da medicina.
A Confederação Nacional Brasileira dos Bispos enviou aos membros do
Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana argumentos contra a ADPF n.
54 levantada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde.
Foi aduzido que o ser humano, em nenhum de seus estágios, é uma “coisa”.
Todos são humanos por inteiro e o desprezo aos fetos anencéfalos não é a evolução
da sociedade e da ciência e sim, uma forma de preconceito. Indagou ainda, a
48 intenção de acabar com as doenças matando os doentes e que a proteção ao
nascituro pelo Código Civil é letra morta.
Entretanto, em outubro do mesmo ano, cento e doze dias após a publicação
da liminar, o plenário do STF, com 7 (sete) votos contrários e 4 (quatro) favoráveis,
votou pela cassação da mencionada liminar que reconhecia o direito constitucional
da gestante de submeter-se à operação terapêutica de parto de fetos anencéfalos,
com o pretexto de que o compromisso do Órgão Federal é com a vida humana e, se
há esta vida intra-uterina, não é lícito matar.
Mais uma vez, a questão de quando se inicia a vida é latente.
Como já visto, o Código Civil não conceitua vida e não estipula o seu
começo. Acredita-se que, com base na leitura do artigo 3º da Lei n. 9.434/97, tem-se
que a vida humana existe enquanto existir também, atividade cerebral.
Art. 3° - A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.
Assim, sendo o feto acometido de anencefalia, não existe atividade cerebral
e, portanto, não há vida a ser protegida pelo ordenamento jurídico. Samantha
Buglione discorre sobre o assunto:
[...] o mais importante, neste caso, é que se está diante um dado incontestável: o fato morte. Não se trata de negar o direito à vida, mas em observar que não se pode garantir este direito para quem já está morto. Um feto anencéfalo, face à sua condição que se equipara à de uma pessoa com morte cerebral, não possui vida 87.
Como visto, a interrupção da gravidez é tida como crime contra a vida e
contra a pessoa no Código Penal de 1940, o que deixa a autonomia de decisão da
mulher em segundo plano em relação ao status jurídico do feto. Com tamanha
87 BUGLIONE, Samantha. Capítulo inacabado: obrigar a mulher a levar gravidez de anencéfalo é tortura. Consultor Jurídico, 23 outubro 2004. Disponível em: <http://www.consultorjuridico.com.br>. Acesso em: 12 outubro 2007.
49 interferência da Igreja Católica, as discussões acerca do assunto precisam estar
baseadas em premissas jurídicas e científicas, que correspondam com a realidade
de nosso país.
O que se busca aqui é conscientizar as pessoas de que o quadro clínico de
um feto anencéfalo pode ser comparado com o de uma pessoa em estado de morte
cerebral, porque esta já é considerada morta pelo Conselho Federal de Medicina. E
considerada morta, a tipicidade da interrupção da gravidez deixa de existir, o que
proporciona à mulher a garantia do poder de escolha para completar a sua gestação
ou não, seguindo os princípios constitucionais e garantindo a sua saúde. E a saúde
da gestante engloba tanto o seu lado físico, quanto o psicológico, segundo o
conceito de saúde formulado pela Organização Mundial da Saúde: “saúde é o
estado de mais completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência
de enfermidade”.
Com a queda da liminar, a gestante de feto anencéfalo que deseja
interromper a sua gravidez voltou a requerer o pedido judicialmente, seja por meio
de habeas corpus ou autorização judicial.
A formulação do requerimento judicial de autorização para realização da
interrupção requer a assistência de um advogado, que pleiteará em juízo a referida
autorização. Deve o pedido ser instruído com laudo médico que comprove a
anomalia do feto, atestando a sua inviabilidade de vida extra-uterina. Produzindo-se
mais provas, o requerimento também pode ser instruído com o laudo psicológico da
gestante.
No mesmo sentido, Celso Delmanto discorre:
Diante do pedido de autorização para aborto, instruída com laudos médicos e psicológicos favoráveis, evidenciado o risco à saúde da gestante, mormente a psicológica, pois comprovado que o feto é portador de anencefalia (ausência de cérebro), autoriza-se a interrupção da gravidez 88.
Porém, não são todos os casos que são vistos sob este prisma. O
indeferimento do pedido na 1ª instância leva à gestante a recorrer e com isso, muitas
88 DELMANTO, Celso. Código Penal comentado. 7. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 270.
50 vezes, o parto se dá antes de o Tribunal competente proferir sua decisão. Um
exemplo disso foi o habeas corpus de n. 84.025, com origem do Rio de Janeiro, que,
ao chegar para análise do Supremo Tribunal Federal, o pedido deu-se por
prejudicado, pois o parto já tinha ocorrido e a criança morreu sete minutos após o
mesmo.
Visando resolver tal polêmica, o Supremo Tribunal Federal, após quatro
anos da proposição da Ação de Descumprimento Fundamental pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores da Saúde, o Ministro Marco Aurélio designou três datas
para a realização de audiências públicas, delimitando o tempo de quinze minutos
para cada entidade, todas a partir das 9h.
A primeira audiência, realizada em 26 de agosto de 2008, contou com a
participação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, da Igreja Universal, da
Associação Pró-Vida e Pró-Família, Católicas pelo Direito de Decidir e Associação
Médico-Espírita do Brasil.
Participaram da segunda audiência, em 28 de agosto de 2008, o Conselho
Federal de Medicina, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e
Obstetrícia, a Sociedade Brasileira de Medicina Fetal, a Sociedade Brasileira de
Genética Médica, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o Instituto de
Bioética, Direitos Humanos e Gênero e, dois deputados federais e uma professora.
A terceira audiência, em 4 de setembro de 2008, contou com a participação
do Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, da professora de antropologia e
representante da Rede Nacional Feminista de Saúde - Lia Zanotta Machado, da
pediatra Doutora Cinthia Specian, a jornalista Cláudia Werneck, fundadora da
organização Escola de Gente. Todos defenderam a interrupção da gravidez quando
se é constatada a anencefalia no feto.
Já na quarta e última audiência, realizada no dia 16, foram ouvidos quatro
representantes de entidades da sociedade civil: a ministra-chefe da Secretaria
Especial de Políticas para as Mulheres e presidente do Conselho Nacional de
Direitos da Mulher - Nilcéia Freire, o representante da Associação Brasileira de
Psiquiatria, Doutor Talvane Marins de Moraes, a representante da Conectas Direitos
Humanos e Centro de Direitos Humanos - socióloga Eleonora Menecucci de Oliveira
e a especialista em ginecologia e obstetrícia - Doutora Elizabeth Kipman Cerqueira,
51 que foi a única que não foi a favor do direito de escolha da gestante, alegando que
não é possível decretar a morte encefálica do feto durante a gestação 89.
O Ministro Marco Aurélio de Mello, relator da Ação de Descumprimento
Fundamental n. 54, prevê o julgamento final para o mês de novembro.
89 Informações obtidas no site do Supremo Tribunal Federal: <http://www.stf.jus.br>.
52 3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E A POSSIBILIDADE DA
INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ DE FETO ANENCÉFALO SEM
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL
Neste capítulo veremos que, com a aplicação dos princípios constitucionais
da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da legalidade, é possível a
interrupção da gravidez de feto anencéfalo sem a necessidade de autorização
judicial, com a também valoração da vida da gestante como bem jurídico maior, em
respeito às suas integridades físicas e psíquicas.
3.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A importância moral da dignidade da pessoa humana foi aplicada como valor
constitucional na Declaração de Direitos de Virgínia, que antecedeu a Constituição
americana de 1787, e, logo depois, na Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão na França de 1789, declarando que o “esquecimento ou o desprezo dos
direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos
governos”, que acabou por resultar na Revolução Francesa.
Estes documentos foram influenciados pela reserva da integridade e da
potencialidade que o indivíduo pode alcançar, tendo como base as doutrinas de
John Locke, Charles de Montesquieu e Jean Jacques Rousseau 90.
No Brasil, a idéia de proteger a dignidade da pessoa humana somente foi
reconhecida legalmente com a promulgação da Constituição de 1988, que não
considerou-a como direito fundamental e sim, um fundamento da República
Federativa do Brasil, como se pode ver em seu primeiro artigo:
90 KRIELE, Martin. Libertação e iluminismo político: uma defesa da dignidade do homem. São Paulo: Loyola, 1983. p. 47-54.
53
Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana.
Isto porque, como explica Maria Celina Bodin de Moraes, “será desumano,
isto é, contrário à dignidade da pessoa humana, tudo aquilo que puder reduzir a
pessoa (o sujeito de direitos) à condição de objeto” 91.
Desta forma, a dignidade constitui o alicerce, a base e o fundamento da
República e do Estado Democrático de Direito, considerando o princípio-valor
fundamental segundo o qual devem ser interpretados todos os demais direitos. A
dignidade da pessoa humana não é somente um princípio da ordem jurídica, passou
a ser também da ordem política, econômica e social, sendo o homem a prioridade
do Estado “em todas as suas dimensões, como fonte de sua inspiração e fim último” 92, com o próprio Estado se construindo a partir da pessoa humana.
André Tavares, citando Celso Bastos, explica que este princípio é um dos
objetivos do Estado, que faz com que este ajuste as condições mínimas para que as
pessoas possam tanto ser dignas como terem uma vida digna 93. José Afonso da
Silva deixa claro que este princípio não pode ser ignorado quando o tema trata de
garantir as bases da existência humana ou dos direitos sociais 94.
É o que também sustenta Immanuel Kant, citado por Ingo Wolfgang Sarlet,
ao declarar que o homem existe como um fim em si mesmo, “não como meio para o
uso arbitrário desta ou daquela vontade” 95, e assim deve ser considerado em todas
as suas ações. Ou seja, a dignidade faz parte do homem, inserida em sua essência,
91 MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 85. 92 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana. Princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2006. p. 72. 93 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 509. 94 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 95. 95 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 4. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 33.
54 tão somente pelo fato de existir, não sendo algo que se adquire com o tempo. Além
disso, é inalienável e irrenunciável.
No Dicionário Jurídico entende-se dignidade como “a qualidade moral que,
possuída por uma pessoa, serve de base ao próprio respeito em que é tida” 96. No
mesmo sentido, Chaves de Camargo explica que a situação social da pessoa não
pode ser considerada para que a sua qualidade moral seja válida. O ser humano é
inteligente e poder exercer a sua liberdade, podendo dominar a própria vida, sendo
este o conjunto a raiz da dignidade humana.
Elucida que:
Assim, toda pessoa humana, pelo simples fato de existir, independentemente de sua situação social, traz na sua superioridade racional a dignidade de todo ser. Não se admite discriminação, quer em razão do nascimento, da raça, inteligência, saúde mental, ou crença religiosa 97.
Ingo Wolfgang Sarlet afirma que a dignidade da pessoa humana engloba a
qualidade intrínseca que acaba por diferir um ser humano do outro, qualidade esta
reconhecida para que a pessoa seja merecedora de respeito e consideração por
parte da sociedade e, principalmente, por parte do Estado, sendo contra qualquer
ato que seja desumano e degradante, procurando colocar a vida humana à salvo de
qualquer tipo de dor e injustiça para assegurar uma vida saudável, tanto física,
mental e socialmente 98. Essa idéia de dignidade foi fortificada também após as
práticas do nazismo e do fascismo, onde resgataram, com a aproximação do Direito
e da Ética, os valores de uma sociedade e dos indivíduos que a compõem.
A dignidade da pessoa humana, além de estar prevista e assegurada no
primeiro artigo da Carta Magna, também está presente na Declaração Universal dos
Direitos Humanos, assinada em 1948, em seu artigo 1º, onde:
96 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 24. ed. Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho (atual.). Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 458. 97 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 50. 98 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 4. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 60.
55
Art. 1º - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Assim, vê-se que, além de a dignidade não ser adquirida com o tempo,
todos possuem de forma igual, sem distinção de menor ou maior direito. Da mesma
forma propõe o Pacto de San José da Costa Rica, assinado em 22 de novembro de
1969 na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, e
ratificado pelo Brasil somente em 25 de setembro de 1992. Temos em seu artigo 11:
Art. 11 - Toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.
De qualquer forma, a dignidade da pessoa humana é defendida pelo
ordenamento jurídico brasileiro e esta deve ser garantida principalmente pelo
Estado, já que esta é um fundamento da República Federativa do Brasil.
Vale lembrar que não é somente o espírito e a liberdade que são valorados
com a existência do ser humano, mas a dignidade também importa no oferecimento
de condições materiais suficientes para a subsistência da pessoa. É o que diz José
Afonso da Silva, declarando que a dignidade não pode ser esquecida nos casos de
direitos sociais e nem ter a sua aplicação somente focada para a defesa dos direitos
pessoais tradicionais, tais como: liberdade, saúde, privacidade, etc. É fundamental
que a dignidade da pessoa humana não seja ignorada quando a lide envolve a
garantia das bases da existência humana 99.
Por outro lado, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde ao
alegar violação a este princípio quando da imposição da continuidade da gravidez de
feto anencéfalo para a gestante, faz analogia à tortura, defendendo ainda, que não
basta viver, mas certamente viver com dignidade.
A Constituição Federal, em seu artigo 5ª, III, recrimina a tortura, desta forma:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
99 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 105.
56
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.
No mesmo sentido, temos na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
em seu artigo 5º:
Art. 5º - Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
E no Pacto de San José da Costa Rica:
Art. 5º - Direito à integridade pessoal. [...] 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.
Para que se possa melhor compreender o que é a tortura, eis a sua
definição:
Do latim tortura, é tido na mesma significação que tormento. É o sofrimento, ou a dor provocada por maus-tratos físicos ou morais. [...] Tortura significa sofrimento profundo, angústia, dor. Torturar a vítima é produzir-lhe um sofrimento desnecessário. É tornar mais angustioso o sofrimento 100. (grifo do autor)
E obrigar a gestante a carregar por nove meses um feto que, com absoluta
certeza, não passará de alguns minutos ou horas de vida após o parto, é produzir-
lhe um sofrimento desnecessário. É uma obrigação que não consta em lei alguma,
muito pelo contrário. Nenhuma lei brasileira impõe à gestante manter dentro de si
um feto que não tem potencialidade de vida.
100 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 24. ed. Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho (atual.). Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 1411.
57
O Decreto n. 98.386 de 09 de novembro de 1989 promulgou a Convenção
Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura e, em seu preâmbulo, a tortura é
relacionada à dignidade da pessoa humana:
[...] Todo ato de tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, ou desumanas ou degradantes constituem uma ofensa à dignidade humana e uma negação dos princípios consagrados na Carta da Organização dos Estados Americanos e na Carta das Nações Unidas, e são violatórios aos direitos humanos e liberdades fundamentais proclamados na Declaração Universal dos Direitos do Homem. (grifo meu)
E é assim que consta também, na petição inicial apresentada pela já citada
Confederação dos Trabalhadores:
A convivência diuturna com a triste realidade e a lembrança ininterrupta do feto dentro do seu corpo, que nunca poderá se tornar um ser vivo, podem ser comparadas à tortura psicológica.
O próprio Ministro Marco Aurélio ao conceder a liminar autorizando a
interrupção da gravidez com fetos anencéfalos, relata o processo de uma gravidez
normal:
São nove meses de acompanhamento, minuto a minuto, de avanços, predominando o amor. A alteração física, estética, é suplantada pela alegria de ter em seu interior a sublime gestação. As percepções se aguçam, elevando a sensibilidade. [...] Direciona a desfecho feliz, ao nascimento da criança. (grifo meu)
Não é o que ocorre quando o produto da concepção é um feto portador de
anomalia irreversível e incompatível com a vida extra-uterina. A cada dia que passa,
é a genitora que sente seu filho crescer, mas que jamais poderá experimentar a vida
como ela é, e, até mesmo antes de nascer, poderá morrer, somente proporcionando
angústia, lágrimas e dor no coração de uma mãe que se encontra inconsolável como
nunca.
É o que foi mostrado no terceiro dia de audiência pública no Supremo
Tribunal Federal, onde Lia Zanotta Machado, integrante da Rede Nacional Feminista
de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, relatou o acontecido com quatro
58 mulheres que tiveram o diagnóstico de anencefalia ao realizarem o exame de ultra-
sonografia nos primeiros meses de gravidez.
Érica recebeu a notícia do médico e logo indagou se a deficiência teria
solução. A resposta foi negativa e de pronto, pensou que, obviamente, “nunca um
cérebro apareceria do nada – se fosse pra ser saudável, seria desde o começo”.
Camila perdeu o interesse por sua própria vida ao ter conhecimento do
resultado do exame. “Não me penteava, não me levantava, era como se eu não
quisesse mais viver”. Lia Zanotto conta que Camila sentia o bebê se mexer dentro
da barriga, mas que suportar a idéia de ter que registrá-lo e enterrá-lo momentos
após, era doloroso.
Outra mulher, Dulcéia, já mãe de sete filhos, se sentiu a pior mulher do
mundo e, tanto ela como seu companheiro, não conseguiam acreditar na notícia.
Já Michele, que esteve presente na audiência pública, “mãe de primeira
viagem”, engravidou com dificuldade. Depois de diversos tratamentos, o diagnóstico
de anencefalia acompanhou a notícia tão esperada da gravidez tão desejada. Tanto
que optou por manter a gravidez. Porém, após a terceira confirmação de que seu
filho era portador de anencefalia, decidiu por acabar com o seu sofrimento. Somente
sete meses após o ocorrido que conseguiu superar o trauma e voltar a pensar em
engravidar novamente.
Érica ainda foi beneficiada com a liminar concedida pelo já citado Ministro,
mas as outras mulheres tiveram que recorrer à Justiça para que pudessem
interromper a gravidez. E, felizmente, com fundamento nos princípios constitucionais
que fazem parte do ser humano, principalmente a sua dignidade, elas conseguiram
as devidas autorizações judiciais 101.
Dalmo de Abreu Dallari lembra que “A Constituição é a declaração da
vontade política de um povo, feita de um modo solene por meio de uma lei que é
superior a todas as outras”. Ninguém mais do que o próprio povo quer ser respeitado
e ter a sua dignidade garantida. As responsabilidades e os direitos dos indivíduos
101 MULHERES que tiveram gravidez de feto anencéfalo falaram em audiência do STF. Diário Catarinense, Santa Catarina, 04 setembro 2008. Disponível em: <http://www.diariocatarinense.com.br>. Acesso em: 16 setembro 2008.
59 que fazem parte da sociedade, compõem o conjunto da proteção e da promoção da
dignidade humana 102.
Tamanho é este direito de proteção e promoção que a garantia de se viver
com dignidade fundiu-se com a definição da Constituição, transformando-se em uma
das finalidades do texto constitucional.
Parece justo que a dignidade da pessoa humana seja preservada e aplicada
ao máximo para que as gestantes não sejam compelidas a sofrer psíquica e
fisicamente ao carregar um ser que inevitavelmente morrerá momentos após o seu
nascimento (se chegar a nascer). Deve prevalecer o ato de se poder minimizar o
sofrimento materno tendo em vista que a perspectiva de vida do feto acometido de
anencefalia é nula.
3.2 PRINCÍPIO DA LIBERDADE
O homem e a mulher devem poder ter a habilidade de tomarem suas
próprias decisões acerca de suas vidas e de se comportarem de acordo com elas,
sem a necessária interferência de terceiro ou do Estado. Parte-se do pressuposto de
que a pessoa humana formada tem qualidade moral e capacidade de discernimento,
sabendo distinguir a diferença entre o bom e o ruim, para poder trilhar o caminho
que bem escolher.
A notícia de uma gravidez, por si só, já causa um impacto na vida da mulher
e de sua família. A notícia de que o produto da concepção não sobreviverá por
possuir uma deficiência irreversível e completamente incompatível com a vida, sem
dúvida alguma, causa um impacto sem proporções. Como bem argumenta Daniel
Sarmento, “se, por um lado, [a gravidez e a maternidade] podem conferir um novo
significado à vida, por outro, podem sepultar projetos e inviabilizar certas escolhas
fundamentais” 103.
102 DALLARI, Dalmo de Abreu. Constituição e constituinte. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 21-22. 103 SARMENTO, Daniel. Livres e iguais: estudos de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 131.
60
Por que não reconhecer a liberdade de escolha da mulher? O livre arbítrio
deve abranger a alternativa entre continuar ou não grávida. É o corpo da mulher que
irá se transformar. Cabe a ela decidir se deseja passar por esta transformação tendo
o conhecimento que seu filho é anencéfalo e que, se sobreviver, será por poucos
instantes.
A esta liberdade de escolha dá-se o nome de ‘autonomia reprodutiva’.
Defendendo esta posição, a IV Conferência Mundial sobre as Mulheres, ocorrida em
setembro de 1995 na capital da China, Beijing, atestou no Parágrafo 95 de sua
Plataforma de Ação que:
Parágrafo 95 – [...] os direitos reprodutivos abarcam certos direitos humanos que já estão reconhecidos na legislação nacional, documentos internacionais relativos aos direitos humanos e outros documentos e consensos. Tais direitos têm por base o reconhecimento do direito fundamental de todos os casais e indivíduos a decidir livre e responsavelmente o número de filhos, o espaço a mediar entre os nascimentos e o intervalo entre eles, e a dispor da informação dos meios para isso e o direito de alcançar o nível mais elevado de saúde sexual e reprodutiva. Também inclui seu direito de adotar decisões relativas à reprodução sem sofrer discriminação, coações nem violências, em conformidade com o que estabelece nos documentos relativos aos direitos humanos. (grifo meu)
Vale lembrar que aqui não se pretende que todas as gestantes que estejam
com um feto anencéfalo em seu ventre, interrompam a sua gravidez. Muito pelo
contrário, quer-se o reconhecimento da liberdade de escolha para tanto.
No Parágrafo 94 da referida Plataforma tem-se um extenso conceito de
saúde reprodutiva, onde podemos colher pontos relevantes, tais como: “a saúde
reprodutiva é um estado de completo bem-estar físico, mental e social”; “a
capacidade de procriar e a liberdade para decidir fazê-lo ou não fazê-lo” e “partos
sem riscos, que dêem aos casais as melhores possibilidades de terem filhos sãos”.
Sob esta perspectiva, não há espaço para a saúde reprodutiva quando o feto
é portador de anencefalia. O estado de completo bem-estar físico, mental e social
não existe, bem como a possibilidade de se ter um filho são.
José Gomes Temporão, Ministro da Saúde, no terceiro dia de audiências
públicas no Supremo Tribunal Federal, declarou que:
61
O Ministério da Saúde defende essa garantia fundamentada, entre outras razões, na dolorosa experiência de manejo de situações em que mães são obrigadas a levar sua gestação a termo, mesmo sabendo que o feto não sobreviverá após o parto 104.
A obrigação de se finalizar a gestação também é ressaltada por Ronald
Dworkin em sua obra ‘Direito da Liberdade’, onde afirma que a mulher perde o
controle de seu corpo quando as leis da sociedade compelem esta a manter a
gravidez indesejada 105.
Por liberdade, temos o oposto de escravidão. É aquela que faculta à pessoa
a possibilidade de agir conforme a sua vontade, poder de fazer e de não fazer o que
bem entender, salvo quando a lei determina o contrário. O que não é caso. Como já
dito, não há qualquer lei que imponha que a gravidez de feto anencéfalo deve ser
levada até o fim. “Através das liberdades, pretende-se reservar à pessoa uma área
de atuação imune à intervenção do poder” 106, ou ainda, como os romanos definem:
“a liberdade é a faculdade natural de fazer cada um o que deseja, se a violência ou o
direito lhe não proíbe” 107.
A própria Constituição Federal de 1988 garante a inviolabilidade da liberdade
no caput do artigo 5º:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...].
Da mesma forma, o artigo 7º, 1 e 2 do Pacto de San José da Costa Rica:
Art. 7º - Direito à liberdade pessoal.
104 NO STF, Temporão defende aborto em caso de fetos anencéfalos. Diário Catarinense, Santa Catarina, 04 setembro 2008. Disponível em: <http://www.diariocatarinense.com.br>. Acesso em: 16 setembro 2008. 105 DWORKIN, Ronald. Direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 98. 106 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 24. ed. Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho (atual.). Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 843. 107 Em latim: Libertas est naturalis facultas ejus quod cuique facere libet, nisi si quid vi aut jure prohibetur.
62
1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. 2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições políticas dos Estados-partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas.
Não diferente, a liberdade é tida como direito na Declaração Universal dos
Direitos Humanos:
Art. 3º - Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
É válido lembrar que em 1940, a publicação do Código Penal envolvia uma
sociedade machista, com uma política autoritária, sem a devida apreciação da
liberdade. Nestes termos, é compreensível que o legislador da época tenha ignorado
a concessão da liberdade de escolha para a mulher em casos assim. Porém, à luz
da Constituição mais completa que o Brasil já teve, é difícil acreditar que esta
liberdade ainda não tenha sido reconhecida à mulher.
Muitos juristas, ao negarem o pedido de autorização judicial para a
interrupção da gravidez de feto anencéfalo, fundamentam suas decisões na
‘impossibilidade jurídica’ do pedido por não existir previsão legal, ou ainda, no direito
à vida que o feto possui.
Justamente por não estar previsto em lei que a análise de cada caso precisa
ser profunda e detalhada. Não se nega o direito à vida do feto porque neste não há a
essência da vida. É justo que se defenda a vida (inexistente) de um ser que
inevitavelmente morrerá em pouquíssimo tempo ao invés da saúde psíquica e física
da gestante que não tem a sua liberdade de escolha reconhecida?
Como já explanado, os diagnósticos médicos evoluíram juntamente com os
avanços científicos e hoje, é com grande certeza que se pode atestar a anencefalia
do feto e a sua incompatibilidade com a vida extra-uterina. E mesmo com essa
certeza, as mulheres são obrigadas a levarem adiante uma gestação que nem
sempre é desejada, e como bem disse o deputado federal José Aristodemo Pinotti,
63 “a alegria de pensar em berço e enxoval é substituída pela angústia de preparar
vestes mortuárias e sepultamento” 108.
E não se trata somente de casos raros. Não é uma vez ou outra que ocorre
o diagnóstico de anencefalia em um feto. Salmo Raskin, médico geneticista e
presidente da Sociedade Brasileira de Genética Clínica, ao falar durante a audiência
pública, afirmou que a cada três horas, ocorre o nascimento de um bebê anencéfalo
no Brasil. A mesma anomalia irreversível e sem expectativa de vida, a cada três
horas. São oito por dia. São certas oito mortes. É o sofrimento de uma mãe
multiplicado por oito, a cada dia. Duzentos e quarenta por mês. Não cabe à Justiça
permanecer cega alegando a impossibilidade jurídica do pedido.
O citado médico ainda assegurou: “O tecido neural fica exposto,
hemorrágico e fibrótico. Há uma degeneração dos neurônios e a morte acontece
dentro de horas ou dias” 109.
Mais uma vez, pergunta-se: ficamos com um desfecho trágico ou passamos
a enxergar as necessidades e aspirações de uma mulher? José Afonso da Silva
ainda define liberdade como o meio para se alcançar a felicidade, já que é através
dela que o ser humano busca a sua realização pessoal 110.
Não há que se impor à gestante um trauma tão significativo quando a nossa
Constituição assegura o exercício da liberdade. O Código Penal já disponibilizou a
liberdade para a mulher ao ampará-la no aborto do ser gerado por um estupro. Foi
concedida a opção de prosseguir ou não com a gravidez neste caso, baseada
também, no trauma psicológico que o estupro e suas conseqüências podem causar.
Cabe ao Judiciário somente “abrir os olhos” para poder “enxergar” a
liberdade de escolha que a mulher já possui quando se encontra grávida de feto
anencéfalo.
108 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Argüição de descumprimento de preceito fundamental n. 67115. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/processo/>. Acesso em: 17 ago. 2007. 109 A CADA três horas, nasce um bebê anencéfalo no país, diz geneticista. Diário Catarinense, Santa Catarina, 28 agosto 2008. Disponível em; <http://www.diariocatarinense.com.br>. Acesso em: 16 setembro 2008. 110 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 232.
64 3.3 PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA RESERVA LEGAL
De legalidade, encontramos que esta “quer exprimir a situação da coisa ou
do ato, que se mostra dentro da ordem jurídica ou é decorrente de preceitos de lei” 111.
Este princípio está elencado no artigo 5º, II, da Constituição Federal, onde:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Ou seja, quando a lei não proíbe certa conduta ou se a lei não a impõe, as
pessoas possuem a autodeterminação de segui-la ou não. Como bem explica José
Afonso da Silva, este inciso “prevê a liberdade de fazer, a liberdade de atuar ou a
liberdade de agir, salvo quando a lei determine em contrário” 112. Assim, os direitos e
os deveres dos indivíduos que compõem a sociedade devem estar previstos em lei,
podendo fazer estes tudo o que quiserem, menos o que a lei proíbe.
Em certos casos, a lei não proíbe e também não permite. Como por
exemplo, o ato de matar alguém. Nenhuma lei diz que o sujeito não pode matar.
Pelo contrário, ele pode. Porém, deve pagar por isso. É o que estipula o artigo 121
do Código Penal. O indivíduo tem a liberdade de escolha: se ele quiser, ele pode
matar alguém. Assim sendo, ele é punido pelo Estado, mas realizou aquilo que
queria. Se ele não quiser matar alguém, não matará e não será punido.
Tem-se que, desta forma, o princípio da legalidade limita o poder punitivo
que o Estado possui. Ninguém é privado de suas vontades senão em virtude de lei.
No mesmo sentido, Francisco de Assis Toledo esclarece: “[este princípio] constitui
111 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 24. ed. Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho (atual.). Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 822. 112 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 234.
65 uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera das liberdades individuais” 113.
Por outro lado, temos também o princípio da reserva legal, previsto no inciso
XXXIX do mesmo artigo da Constituição:
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal 114.
E no artigo 1º do Código Penal:
Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.
O próprio artigo já trás a definição do princípio da reserva legal: ninguém
poderá ser punido por algo que cometeu sem que exista uma lei que declare que o
ato cometido é ilegal, sancionando também, uma pena a ser cumprida. Assim, há
uma segurança jurídica em torno da liberdade individual. Damásio Evangelista de
Jesus exemplifica: “à lei e somente a ela compete fixar as limitações que destacam a
atividade criminosa da atividade legítima” 115.
No mesmo sentido, ensina José Afonso da Silva: “os dispositivo contém uma
reserva absoluta de lei formal, que exclui a possibilidade de o legislador transferir a
outrem a função de definir o crime e estabelecer penas” 116.
Pergunta-se então, onde se encaixa a interrupção da gravidez de feto
anencéfalo? Como já dito, tal caso não está previsto em lei, nem permitindo e tão pouco
proibindo. Porém, por analogia 117 tem-se aplicado os artigos já mostrados do Código
Penal que consideram o aborto como crime.
113 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 13. 114 Em latim: nullum crimen nulla poena sine lege. 115 JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 51. 116 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 428. 117 Originada do grego, é a expressão que significa semelhança ou paridade. Desse modo significa a semelhança de casos, fatos ou coisas, cujas características se assemelhem. [...] quando se refere à interpretação da lei ou do texto legal, se diz que é a interpretação extensiva ou indutiva dele, pela semelhança com outra lei ou com outro texto. [...] Quando,
66
Já vimos aqui que, para a configuração do aborto, é necessária a existência de
vida, a vida a ser tutelada e protegida pelo ordenamento jurídico. E sabemos que não é
o que acontece com o feto anencéfalo, por este não ser dotado do encéfalo, parte
essencial para que se possa caracterizar a vida. Tanto não há vida que muitos morrem
ainda dentro do ventre materno ou poucos minutos após o nascimento.
A analogia também poderia ser aplicada com base no artigo 128 do Código
Penal, que permite o aborto quando a criança foi gerada através de um estupro ou
quando a gravidez trás risco de vida para a gestante. Se em ambos os casos se
preservam as saúdes física e mental da gestante em detrimento de um feto
completamente viável, por que não permitir a interrupção da gravidez de um feto que
não é viável e que causa tamanho sofrimento para a mãe?
Já que a analogia não é assim aplicada, é aí que entram a liberdade de escolha
da gestante e, principalmente, a relevância da dignidade da pessoa humana, porque, na
verdade, não existe conflito entre a saúde da gestante e a vida do feto pelo fato de este
ser desprovido de vida. Como bem argumenta Daniel Sarmento: “assim, na ponderação
entre os valores envolvidos, realizada a partir de uma perspectiva laica, é evidente a
prevalência do direito de escolha e da saúde física e psíquica da gestante” 118.
Contudo, para se poder ter uma perspectiva laica, é necessário que o Estado
todo seja laico. Ou seja, desprovido de dogmas religiosos. Este é o caminho a seguir
para garantir o correto exercício dos direitos humanos, primando pelo respeito à
racionalidade e proporcionalidade, seguindo também, os princípios constitucionais 119.
Porém, não é o que se tem visto. Com uma legislação penal tão
envelhecida, seria essencial a reforma desta, adequando-a com a realidade sócio-
cultural do nosso país, podendo aplicá-la de forma mais justa e adequada. No
entanto, o que na verdade se enxerga, é a influência religiosa nos Poderes
Legislativo e Judiciário, impedindo decisões mais rápidas e seguras a cerca do
tema. Uma prova da ocorrência deste fato, são as autoridades religiosas convidadas
pelas omissões ocorridas, não existam prescrições positivas para regular certas relações jurídicas, recorre-se às disposições concernentes aos casos análogos e, com os princípios reguladores destes. (SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 24. ed. Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho (atual.). Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 106). 118 SARMENTO, Daniel. Livres e iguais: estudos de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 306. 119 Id. Ibid. loc cit.
67 a participarem da audiência pública ocorrida no mês de setembro, promovida pelo
Supremo Tribunal Federal, como já explanado.
Cada julgador possui o direito de seguir o caminho religioso que bem
entender, todavia, o disposto no artigo 19, inciso I da Constituição Federal 120 deve
ser observado e não somente observado, mas também aplicado. Este inciso não
implica na total ausência de uma religião no país e sim, na total separação entre
religião e Estado. E mais uma vez, isso se torna necessário para que as confissões
religiosas sejam protegidas de indevidas intervenções dos governantes, como
também, para que as decisões tomadas pelo Estado sejam sempre tomadas com
fundamento em razões públicas, “e não a partir de dogmas de qualquer credo
religioso” 121, ainda que este seja predominante no país.
3.4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
Neste item veremos que as fundamentações que alguns Juízes e
Desembargadores utilizaram para autorizar a interrupção da gravidez de feto
anencéfalo frente ao pedido da gestante, mostram todas as teses levantadas aqui
neste trabalho, nos fazendo perceber que, de fato, a mulher não precisa levar a sua
gravidez até o fim, gravidez esta, acometida de tantos sofrimentos e angústias.
O primeiro caso a ser analisado foi levado ao do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, onde a gestante, Milla Carla Amaral da Silva interpôs Apelação-
Crime contra a sentença de 1º grau que julgou improcedente o seu pedido de
autorização para a interrupção de gravidez de feto anencéfalo. O juiz entendeu se
120 Art. 19 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. 121 SARMENTO, Daniel. Livres e iguais: estudos de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 308.
68 tratar de pedido impossível, fundamentado no artigo 267, VI, do Código de Processo
Civil 122.
APELAÇÃO – ABORTO DE FETO ANENCEFÁLICO E ANACRÂNICO – INDEFERIMENTO – INEXISTÊNCIA DE DISPOSIÇÃO EXPRESSA – CAUSA SUPRA-LEGAL DE INEXIGIBILIDADE DE OUTRA CONDUTA – ANENCEFALIA – IMPOSSIBILIDADE DE VIDA APELAÇÃO – ANTECIPAÇÃO DE PARTO DE FETO ANENCEFÁLICO E ANACRÂNICO – LIMINAR DE SUSPENSÃO DOS PROCESSOS EM ANDAMENTO GARANTINDO DIREITO DA GESTANTE – DEMAIS DISPOSIÇÕES DA LEI 9.882/99 – ARTIGO 11 – MAIORIA DE 2/3 – RELEVÂNCIA DO TEMA – INEXISTÊNCIA DE DISPOSIÇÃO EXPRESSA – CAUSA SUPRA-LEGAL DE INEXIGIBILIDADE DE OUTRA CONDUTA – ANENCEFALIA – IMPOSSIBILIDADE DE VIDA AUTÔNOMA. O feto anencefálico, rigorosamente, não se inclui entre os abortos eugênicos, porque a ausência de encéfalo é incompatível com a vida pós-parto extra-uterina. Embora não incluída a antecipação de parto de fetos anencéfalos nos dispositivos legais vigentes (artigo 128, I, II CP) que excluem a ilicitude, o embasamento pela possibilidade esteia-se em causa supra-legal autônoma de exclusão da culpabilidade por inexigível outra conduta. O “aborto eugênico” decorre de anomalia comprometedora da higidez mental e física do feto que tem possibilidade de vida pós-parto, embora sem qualidade, o que não é o caso presente, atestada a impossibilidade de sobrevivência sem o fluido do corpo materno. Reunidos todos os elementos probatórios fornecidos pela ciência médica, tendo em mente que a norma penal vigente protege a “vida” e não a “falsa vida”, legitimada a pretensão da mulher de antecipar o parto de feto com tal anomalia que o torna incompatível com a vida. O direito não pode exigir heroísmo das pessoas, muito menos quando ciente de que a vida do anencéfalo é impossível fora do útero materno. Não há justificativa para prolongar a gestação e o sofrimento físico e psíquico da mãe que tem garantido o direito à dignidade. Não há confronto no caso concreto com o direito à vida porque a morte é certa e o feto só sobrevive às custas do organismo materno. Dentro desta ótica, presente causa de exclusão da culpabilidade (genérica) de natureza supra-legal que dispensa a lei expressa vigente cabe ao judiciário autorizar o procedimento. PROVIDO 123. (grifo meu)
122 Art. 267 - Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: [...] VI - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual. 123 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação. Antecipação de parto de feto anencefálico e anacrânico. Causa supra-legal de inexigibilidade de outra conduta. Impossibilidade de vida autônoma. Apelação n. 70011918026. Apelante Milla Carla Amaral da Silva. Relatora Desembargadora Elba Aparecida Nicolli Bastos. 9 de junho de 2005. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>.
69
A relatora Desembargadora Elba Aparecida Nicolli Bastos afirmou ao longo
do acórdão que os sinais vitais do feto que existem são unicamente explicados por
este se encontrar no útero materno, onde ainda recebe o fluído necessário que
mantém seu coração batendo. Apesar disso, demonstra a total incompatibilidade
com a vida, não possuindo a ossatura do crânio. Ainda diz:
Certamente a Constituição e as leis ordinárias não admitem a pena de morte, porém, salvo princípios teológicos abstratos de cada um, não sendo o Estado Brasileiro religioso, mas laico, não pode o direito ficar insensível à evolução da sociedade, da ciência e os padrões comportamentais e de relacionamento delas decorrentes.
Este outro caso em Minas Gerais somente foi parar no Tribunal de Justiça
porque o Ministério Público interpôs Apelação contra a decisão do juiz de 1º grau
que deferiu a expedição do alvará autorizando a gestante, Camila Euripa Pereira, a
interromper a sua gravidez, já que o feto era portador de anencefalia.
ALVARÁ JUDICIAL. ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DO PARTO. FETO ANENCEFÁLICO. Configura clara afronta ao princípio da dignidade humana submeter a gestante a sofrimento grave e desnecessário de levar em seu ventre um filho, que não poderá sobreviver. No caso de anencefalia, dada a ausência de parte vital do cérebro e de qualquer atividade encefálica, é impossível se cogitar em vida, na medida em que o seu contraponto, a morte, está configurado 124.
O Ministério Público alegou que o caso afronta o disposto no artigo 128 do
Código Penal por não estar previsto nas hipóteses permissivas do mesmo. O
Desembargador relator Mota e Silva seguiu o mesmo raciocínio da anterior
Desembargadora ao dizer que:
Para haver a mais límpida e verdadeira promoção da justiça, é de fundamental importância realizar a adaptação do ordenamento jurídico às técnicas medicinais advindas com a evolução do tempo.
124 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação. Antecipação terapêutica do parto de feto anencefálico. Afronta à dignidade da pessoa humana. Ausência de vida. Apelação n. 1.0297.07.006271-8/001. Apelante Ministério Público e Apelada Camila Euripa Pereira. Relator Desembargador Mota e Silva. 17 de janeiro de 2008. Disponível em: <http://www.tjmg.gov.br>.
70
Vale dizer, o direito não é algo estático, inerte, mas sim uma ciência evolutiva, a qual deve se adequar à realidade.
Ambos afirmam que o Direito necessita evoluir juntamente com a sociedade,
para que, em casos como este, que têm se tornado comum nos dias de hoje, a
gestante não tenha que requisitar autorização judicial para interromper a sua
gravidez. O Desembargador ainda deixou claro que o termo ‘aborto’, utilizado nestes
casos, é somente usado em linguagem coloquial, pois o produto da concepção não
trás qualquer possibilidade de sobrevida e, da mesma forma que foi dito no acórdão
do caso anterior, a proibição do aborto é com o intuito de proteger a vida, e não a
“falsa vida”.
Por outro lado, apresenta-se uma decisão do Superior Tribunal de Justiça,
onde a Ministra Relatora Laurita Vaz reformou a decisão do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro, proferida liminarmente em sede de Apelação,
desautorizando o aborto. Vale lembrar que o termo correto a ser utilizado não é
aborto e sim, interrupção da gravidez por não existir vida a ser protegida no caso de
feto anencéfalo. Eis a ementa:
HABEAS CORPUS . PENAL. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DE ABORTO. NASCITURO ACOMETIDO DE ANENCEFALIA. INDEFERIMENTO. APELAÇÃO. DECISÃO LIMINAR DA RELATORA RATIFICADA PELO COLEGIADO DEFERINDO O PEDIDO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IDONEIDADE DO WRIT PARA A DEFESA DO NASCITURO. 1. A eventual ocorrência de abortamento fora das hipóteses previstas no Código Penal acarreta a aplicação de pena corpórea máxima, irreparável, razão pela qual não há se falar em impropriedade da via eleita, já que, como é cediço, o writ se presta justamente a defender o direito de ir e vir, o que, evidentemente, inclui o direito à preservação da vida do nascituro. 2. Mesmo tendo a instância de origem se manifestado, formalmente, apenas acerca da decisão liminar, na realidade, tendo em conta o caráter inteiramente satisfativo da decisão, sem qualquer possibilidade de retrocessão de seus efeitos, o que se tem é um exaurimento definitivo do mérito. Afinal, a sentença de morte ao nascituro, caso fosse levada a cabo, não deixaria nada mais a ser analisado por aquele ou este Tribunal. 3. A legislação penal e a própria Constituição Federal, como é sabido e consabido, tutelam a vida como bem maior a ser preservado. As hipóteses em que se admite atentar contra ela estão elencadas de modo restrito, inadmitindo-se interpretação extensiva, tampouco analogia in malam partem. Há de prevalecer, nesse casos, o princípio da reserva legal. 4. O Legislador eximiu-se de incluir no rol das hipóteses autorizativas do aborto, previstas no art. 128 do
71
Código Penal, o caso descrito nos presentes autos. O máximo que podem fazer os defensores da conduta proposta é lamentar a omissão, mas nunca exigir do Magistrado, intérprete da Lei, que se lhe acrescente mais uma hipótese que fora excluída de forma propositada pelo Legislador. 5. Ordem concedida para reformar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, desautorizando o aborto; outrossim, pelas peculiaridades do caso, para considerar prejudicada a apelação interposta, porquanto houve, efetivamente, manifestação exaustiva e definitiva da Corte Estadual acerca do mérito por ocasião do julgamento do agravo regimental 125. (grifo meu)
Em 1º grau, o Magistrado indeferiu o pedido por falta de amparo legal, não
sendo a hipótese de interrupção da gravidez de feto anencéfalo prevista no artigo
128 do Código Penal, julgando extinto o processo. A Apelação foi interposta e, a
Desembargadora Relatora autorizou a interrupção da gravidez.
Não contente com a decisão, o presidente da Pró-Vida, Luiz Carlos Lodi da
Cruz, interpôs Habeas Corpus, requerendo a revogação da liminar que autorização a
interrupção. O Ministério Público Federal opinou pela concessão da segurança,
afirmando a ilegalidade na decisão que autoriza a interrupção e ainda, que o feto
possui direito à vida, “na perspectiva ineliminável da acolhida do carinho e do amor”.
A própria Ministra Relatora tem consciência de que se trata de uma questão
delicada e que as questões pessoais não podem influir nas decisões:
O tema em debate é bastante controverso, porque envolve sentimentos diretamente vinculados a convicções religiosas, filosóficas e morais. Advirta-se, desde logo, que, independente de convicções subjetivas pessoais, o que cabe a este Superior Tribunal de Justiça é o exame da matéria posta em discussão tão-somente sob o enfoque jurídico.
Porém, contesta a liminar deferida aduzindo que a inviabilidade de vida
extra-uterina do feto não está prevista na legislação penal. Quando algo não é
encontrado na Lei, declara que limites devem ser impostos em casos similares, caso
contrário, “espaço à odiosa arbitrariedade” será aberto.
125 BRASÍLIA. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus. Pedido de autorização de aborto. Nascituro acometido de anencefalia. Inexistência de previsão legal. Habeas Corpus n. 32.159. Impetrante Luiz Carlos Lodi da Cruz e Impetrada Desembargadora Relatora da Apelação n. 200305005208. Relatora Ministra Laurita Vaz. 18 de dezembro de 2003. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>.
72
Como visto na ementa, a Ministra ainda atesta sua decisão supondo que o
legislador, no ano de 1940, excluiu propositadamente a possibilidade de se
interromper a gravidez de feto anencéfalo ao redigir o disposto no artigo 128 do
Código Penal.
Filósofa no decorrer de sua decisão, declarando:
Espera-se mesmo que o Juiz não seja um mero expectador das mudanças da vida cotidiana, mas, sim, um efetivo membro da sociedade, apto a exercer sua jurisdição com bom senso e equilíbrio, sempre buscando uma exegese consentânea com a realidade em que vive.
De fato, é o que se espera, entretanto, não é o que se vê no decorrer do
acórdão.
Em uma análise muito mais profunda, Marcos Valentin Frigério e outros
autores, no Instituto de Medicina Fetal e Genética Humana, estudaram duzentos e
sessenta e três pedidos de autorização para a interrupção da gravidez quando o feto
apresenta uma anomalia grave, entre os anos de 1989 e 1999. Mesmo estando
defasada, a pesquisa mostrou que o embasamento jurídico que as autorizações
levaram acolhem tudo o que foi exposto ao longo deste trabalho 126.
Dos duzentos e sessenta e três pedidos, duzentos e cinqüenta restaram
deferidos ao longo destes dez anos. Entre estes, setenta e oito foram
fundamentados no artigo 5º da Constituição Federal e sessenta e três na
preservação da higidez psíquica da gestante. Os outros foram autorizados aplicando
por analogia o disposto no artigo 128 do Código Penal, na inexigibilidade de conduta
diversa, por não encontrar amparo no direito normativo e por não existir crime em
realizar o aborto sendo que não há vida a ser tutelada.
Aqueles que indeferiram o pedido, fundamentaram na não configuração do
estado de necessidade, na inviolabilidade do direito à vida e também, por não
encontrar amparo no direito normativo.
Entre os pedidos de autorização judicial, a anencefalia ficou em primeiro
lugar, ocupando cento e quatro pedidos, enquanto outras anomalias congênitas não
foram tão expressivas.
126 GOLLOP, Thomaz Rafael et al. Aspectos bioéticos e jurídicos do abortamento seletivo no Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Fetal. Instituto de Medicina Fetal e Genética Humana, [S.I.], v. 7, abril de 2001.
73
O que se pode ver é que a divergência não é tão grande quanto se pensa,
levando a crer que, de fato, a gestante não teria a necessidade de pedir ao
Judiciário uma autorização para interromper a sua própria gravidez quando esta é
acometida de uma anomalia grave onde o feto não possui perspectiva de vida fora
do útero. Tem-se levado em conta as saúdes mental e física da gestante e de sua
família, exigindo mais ainda, uma atualização do Judiciário e definitivamente, menos
influência religiosa neste.
74
CONCLUSÃO
Vimos que a condição de um feto anencéfalo é irreversível e que este
permanecerá estático, sem a constatação de movimentos voluntários, equivalendo à
morte cerebral em um grau mais elevado, já que, ainda dentro do útero, pode vim a
falecer. Da mesma forma, esta realidade, o Poder Judiciário jamais poderá alterar.
Ao observar os conceitos existentes de vida: manifestação de funções
orgânicas, produto de concepção expulso ou extraído completamente do ventre
materno, ausência de morte; ou mesmo, de acordo com os termos jurídicos, é a
força interna que dá ação própria aos seres organizados e aos seus respectivos
estado de atividade.
Englobando somente a característica de um humano, o feto anencéfalo não
possui a essência de pessoa. Isso porque, como vimos no primeiro capítulo, a sua
personalidade civil se dá a partir do nascimento com vida, representando a Teoria
Natalista, inserida na primeira parte do artigo 2º do Código Civil.
Contudo, a partir do conceito de vida abordado, vimos que o feto anencéfalo
não é dotado de vida, equivalendo-se à pessoa já adulta que é acometida de morte
cerebral. Não há pessoa sem vida, como também, não há morte cerebral com
personalidade. Ou seja: o feto anencéfalo não tem vida, não é pessoa e não possui
personalidade. Não é uma “coisa”, simplesmente é “humano”.
Fala-se, ainda, a respeito da personalidade jurídica do nascituro que, em
confronto, possuirá certos direitos que dependerão do seu nascimento com vida,
como a herança e a doação, mas, ao mesmo tempo, tem direitos absolutos da
personalidade, como o direito à vida, à integridade física, à saúde e a alimentos,
independente de nascer com vida ou não. É onde foi abordado a Teoria Natalista
Condicional e a Teoria Concepcionista, respectivamente.
A Teoria Concepcionista está elencada na segunda parte do artigo 2º do
Código Civil, pois esta salvaguarda os direitos do nascituro desde a sua concepção.
Direitos estes absolutos, que, como foi dito acima, não dependem do seu
nascimento com vida para que sejam adquiridos. Por outro lado, a Teoria Natalista
Condicional, mais parecendo uma junção das Teorias Concepcionista e Natalista,
75 considera o nascituro um sujeito de direitos, mas com a condição de que o
nascimento deste se dê com vida.
Não sendo o feto anencéfalo possuidor de personalidade civil e de vida, não
há que se falar em aborto. Assim, como abordado no segundo capítulo, o Código
Penal protege única, e exclusivamente, na parte ‘Dos Crimes Contra a Vida’, a
própria vida. E a punição para aqueles que realizam o aborto é justamente por
atentarem contra a vida. Se não há vida, não há legislação penal que possa protegê-
la, ou ainda, enquadrar como a ação aborto. O Código Penal pune a gestante e o
médico que praticam o aborto e, somente não há ação tipificada quando o aborto é
cometido para se salvar a vida da gestante, não existindo outro meio para tanto.
A Justiça, nestes casos, leva em consideração o direito à vida que a mãe
possui, por já ser, legalmente, um ser vivo, uma pessoa, possuidora de
personalidade. Uma vez que o feto, por não ter nascido ainda, não seja considerado
da mesma forma, dá-se a prioridade ao direito de vida da gestante, já que é esta que
está em risco.
Leva-se em consideração que, em 1940, ano de publicação do Código
Penal, não havia ciência tão exata que pudesse atestar a inviabilidade do feto
anencéfalo. O que não pode ser passível de aceitação é que, sessenta e oito anos
mais tarde, a Justiça tenha “fechado os olhos”, não enxergando as evoluções da
ciência e, principalmente, as evoluções da sociedade em que ela atua.
Ao analisar-se, também, vários debates dirigidos com o tema em questão,
onde estiveram reunidos autoridades no assunto e pessoas dotadas de grandes
conhecimentos sobre o assunto, vê-se que a maioria julga-se a favor da
possibilidade de legalização da interrupção da gravidez de feto anencéfalo, dadas as
devidas circunstâncias em favor da saúde e bem-estar da gestante, e analisando as
informações que, hoje, podem ser obtidas com a evolução da medicina e das
pesquisas constantemente realizadas.
Diante de tantas lacunas, a solução encontrada, de fato, mostrada no
terceiro capítulo, é a real aplicação dos princípios constitucionais que visam garantir
para a mulher, de forma integral, a liberdade e a dignidade, com o intuito de esta
poder escolher entre manter a sua gravidez ou interrompê-la, sem ter a imposição
por parte do Estado de uma das opções e, sem deixar a autonomia de decisão da
mulher de lado, estabelecendo também que, como promulga a Constituição da
76 República Federativa do Brasil de 1988, o Brasil é um Estado laico e, assim, deve
agir como tal, não devendo existir religiosidade, tanto nas decisões de primeiro grau,
quanto nas decisões dos Tribunais Superiores.
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REFERÊNCIAS
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