universidade...
Post on 30-Nov-2018
212 Views
Preview:
TRANSCRIPT
0
UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP
STHEFANY CAROLINE BEZERRA DA CRUZ-SILVA
HISTÓRICO E USO DA BIODIVERSIDADE NA COMUNIDADE NEGRA
RURAL QUILOMBOLA CHÁCARA DO BURITI, CAMPO GRANDE, MATO
GROSSO DO SUL, BRASIL
CAMPO GRANDE – MS
2016
1
STHEFANY CAROLINE BEZERRA DA CRUZ-SILVA
Histórico e Uso da Biodiversidade na Comunidade Negra Rural
Quilombola Chácara do Buriti, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil
Tese apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Meio Ambiente e
Desenvolvimento Regional da
Universidade Anhanguera-Uniderp, como
parte dos requisitos para a obtenção do
título de Doutora em Meio Ambiente e
Desenvolvimento Regional.
Comitê de Orientação:
Profa. Dra. Rosemary Matias
Prof. Dr. Ademir Kleber Morbeck de
Oliveira
CAMPO GRANDE – MS
2016
4
AGRADECIMENTOS
A Deus que me iluminou e permitiu toda a minha caminhada.
Aos meus pais Joel Rodrigues da Cruz e Edna Bezerra da Cruz, fontes
da minha vida, formação e caráter, sem os quais não teria chegado até a
realização deste sonho, por sempre acreditarem em mim e não pouparem
esforços para a realização de todos os meus sonhos.
Aos meus irmãos, Guilherme Alexandre Bezerra da Cruz e Gyovanna
Giulia Bezerra da Cruz, importantes fontes de incentivo e companheirismo.
Ao Joanir Teodolino da Silva, pela paciência, amor, incentivo, dedicação,
paciência, carinho e principalmente pela cumplicidade de todos os momentos.
Aos avôs, avós, tios, tias, primos, primas, enfim todos os familiares, pelo
apoio, por acreditarem em mim e sempre colaborarem no possível, e fornecer
sempre momentos de felicidade e pura alegria na minha vida, que
recarregavam minhas energias nos momentos mais difíceis.
A equipe do laboratório de Hidroquímica/Produtos Naturais da
Universidade Anhanguera – Uniderp (Jéssica Muller, Bruna Andrade, Fernanda
Silva, Raquel Oliveira, Adriana, Suelen Gonçalves, José Pina, entre outros)
incluindo o Alci Corsino, fundamentais na conclusão deste e de outros estudos.
Em especial à Karen Santos. Karen, você é nosso porto seguro,
gerenciando e nos iluminando a cada análise neste Laboratório, meu muito
obrigada.
Ao Rafael Brugnolli Medeiros pela paciência e ajuda com os mapas.
Aos companheiros de turma do Doutorado em Meio Ambiente e
Desenvolvimento Regional, e de outras turmas também, em especial ao grande
amigo Valtecir Fernandes.
Aos colegas de trabalho das: Coordenadoria de Políticas para a
Educação Básica e Coordenadoria de Políticas para a Educação Profissional,
que nos últimos dois anos têm acompanhado minha jornada e tem entendido e
cooperado comigo nas execuções das minhas “demandas”. Em especial, aos
superintendente e gestores: Waldir Leonel, Hélio Daher, Davi de Oliveira
Santos, Erika Costa, Joseley Ortiz, Gilson Rodrigues, Alessandra Ferreira
Beker Daher e Rosângela Pereira Alves de Lemos, que entenderam minhas
necessidades e mesmo assim me ofereceram oportunidades únicas de
5
crescimento profissional e pessoal, colocando-se à disposição no que foi
preciso.
Aos moradores da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do
Buriti, primeiramente por permitir que eu me sentisse parte dessa família e que
eu participasse dessa história; e por aceitar e colaborar com a minha pesquisa,
meus mais profundos agradecimentos.
Ao Prof. Dr. Sandino Hoff pela incalculável ajuda e orientação nos
encaminhamentos do primeiro artigo desta tese.
A CAPES e ao Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e
Desenvolvimento Regional pela bolsa de estudos nos dois primeiros anos do
curso, sem a qual não iniciaria a jornada que agora termino.
A todo o corpo docente e coordenação do Programa de Pós-Graduação
em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional pela oportunidade de realizar
mais este sonho.
Aos professores membros das bancas do exame de qualificação e
defesa da minha tese, pela colaboração e pelas riquíssimas sugestões.
Aos professores orientadores Dra. Rosemary Matias e Dr. Ademir Kleber
Morbeck de Oliveira, exemplos valorosos para toda a vida.
A todos os meus amigos, os de perto e os de longe, os antigos e os
novos, que sempre torceram e que continuam torcendo por mim.
E a todos que, direta ou indiretamente, me ajudaram na conquista de
mais essa etapa da minha vida.
6
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à minha mãe, pai e
irmãos, pelo amor, paciência e incentivo
em todos os momentos da minha vida.
Ao Joanir, meu esposo, meu amor, por
todo o apoio, ajuda nos momentos
difíceis, dedicação, paciência e carinho.
Aos moradores da Comunidade Negra
Rural Quilombola Chácara do Buriti,
minha família também.
Aos professores, da graduação em
Ciências Biológicas, do Mestrado em
Produção e Gestão Agroindustrial e do
Doutorado em Meio Ambiente e
Desenvolvimento Regional, vocês me
inspiraram e me deram alicerces para
chegar aonde eu desejar.
Aos amigos e todos que moram no meu coração.
7
“Se consegui ver mais longe é porque
estava aos ombros de gigantes”.
(Isaac Newton)
“Existe uma história do povo negro sem o
Brasil. Mas não existe história do Brasil
sem o povo negro”.
(Januário Garcia)
“Se não houver frutos, valeu a beleza das
flores; se não houver flores, valeu a
sombra das folhas; se não houver folhas,
valeu a intenção da semente”.
(Henfil)
8
SUMÁRIO
1. Resumo Geral .............................................................................................. 10
2. General Summary ........................................................................................ 12
3. Introdução Geral ........................................................................................... 14
4. Revisão de Literatura ................................................................................... 17
4.1 Comunidades Tradicionais ...................................................................... 17
4.2 Kilombo, quilombos e comunidades remanescentes de quilombo .......... 23
4.3 Histórico da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti .... 28
4.4 Saberes e Conhecimentos Tradicionais .................................................. 30
4.5 Etnobotânica: a interface entre o Saber tradicional e a biodiversidade ... 33
4.6 Uso de Plantas Medicinais e Comunidades Tradicionais ........................ 34
5. Referências Bibliográficas ............................................................................ 36
6. Artigos .......................................................................................................... 46
Artigo I .............................................................................................................. 46
Negros e História de Ocupação de Mato Grosso Do Sul ................................. 46
Resumo ......................................................................................................... 46
Abstract ......................................................................................................... 46
Introdução ..................................................................................................... 47
Procedimentos Metodológicos ...................................................................... 48
Resultados e Discussão ................................................................................ 48
Considerações Finais .................................................................................... 66
Referências Bibliográficas ............................................................................. 67
Artigo II ............................................................................................................. 74
Análise Físico-ambiental e Multitemporal do território da Comunidade Negra
Rural Quilombola Chácara do Buriti, Campo Grande, Mato Grosso do Sul,
Brasil ................................................................................................................ 74
Resumo ......................................................................................................... 74
Abstract ......................................................................................................... 74
Introdução ..................................................................................................... 75
Procedimentos Metodológicos ...................................................................... 76
Resultados e Discussão ................................................................................ 78
Considerações Finais .................................................................................... 94
Referências Bibliográficas ............................................................................. 94
9
Artigo III ............................................................................................................ 99
Caracterização socioeconômica da Comunidade Negra Rural Quilombola
Chácara do Buriti, Campo Grande, Mato Grosso do Sul .................................. 99
Resumo ......................................................................................................... 99
Abstract ......................................................................................................... 99
Introdução ................................................................................................... 100
Procedimentos Metodológicos .................................................................... 102
Resultados e Discussão .............................................................................. 104
Conssiderações Finais ................................................................................ 113
Referências Bibliográficas ........................................................................... 113
Artigo IV ......................................................................................................... 117
Uso da biodiversidade vegetal na Comunidade Negra Rural Quilombola
Chácara do Buriti (Campo Grande – MS) ...................................................... 117
Resumo ....................................................................................................... 117
Abstract ....................................................................................................... 118
Introdução ................................................................................................... 119
Procedimentos Metodológicos .................................................................... 121
Resultados e Discussão .............................................................................. 124
Considerações Finais .................................................................................. 144
Referências Bibliográficas ........................................................................... 144
7. Conclusão Geral ......................................................................................... 152
APÊNDICE A .................................................................................................. 155
10
1. Resumo Geral
A Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti foi reconhecida em
2005 e é a única de Campo Grande-MS localizada em área rural, com isto
vários benefícios governamentais contemplaram a Comunidade, os quais
podem ter influenciado o saber tradicional dessa população. Assim o objetivo
deste estudo é delinear a participação dos negros na ocupação do Estado de
Mato Grosso do Sul, realizar uma análise multitemporal do uso e ocupação do
seu território, caracterizar a situação socioeconômica e os saberes populares
dos integrantes da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti, na
utilização das plantas na atenção primária à saúde, o que contempla a linha de
pesquisa Sociedade, Ambiente e Desenvolvimento Regional Sustentável. O
trabalho foi dividido em quatro artigos e a metodologia se concentrou em fontes
secundárias, especializadas na ocupação daregião e em relações históricas
dos negros nesta área. As imagens dos satélites GeoEye-1 e LANDSAT foram
ferramentas empregadas para levantar o processo de expansão territorial e
ocupação do solo; além da utilização de questionários sobre a situação
socioeconômica dos informantes e o uso de plantas para fins terapêuticos. O
Artigo 1 relata a utilização de escravos na exploração das minas e como
serviçais ou trabalhadores braçais nas fazendas ou nas vilas da época, sendo
os progenitores demestiços ou mulatos em toda região, ademais, após a
abolição ocorreu a migração de famílias negras que se instalaram em terras
sul-mato-grossensses, participando do seu desenvolvimento. Esses fatores
originaram 22 comunidades remanescentes de quilombo, dentre elas a
Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti. O Artigo 2 descreve a
evolução da relação da Comunidade com seu entorno, no período de 1985 –
2015, constatando-se que a região do córrego Buriti não possui vegetação
densa e está contaminado, havendo acréscimo das áreas com solo exposto,
áreas de lavoura e urbanizadas, além da retração da cobertura vegetal. Artigo
3 descreve sobre a caracterização socioeconômica da Comunidade, verifica-se
que a idade dos entrevistados está entre 18 e 91 anos, prevalecendo o sexo
feminino (71%), com ensino Fundamental Incompleto (45%) e 79% são
residentes na Comunidade desde que nasceram, sendo descendentes diretos
do fundador. Os homens são os responsáveis pela renda familiar em 68,42%
das residências participantes e a atividade produtiva de 60% dos entrevistados
11
está associada à agricultura familiar, com renda de até 1 salário mínimo
(88,6%). No artigo 4, é possível observar que a Comunidade possui um
conhecimento da biodiversidade de seu território com 89,5% dos entrevistados
fazendo uso de plantas medicinais, sendo 80 espécies citadas, a maioria
nativas, sendo que das que alcançaram os maiores VU (Valor de Uso) e IR
(Importância Relativa) (9) e nativas do Cerrado estão carqueja e jatobá.
Verifica-se com isso que as relações econômicas e sociais da trajetória
histórica da Comunidade Chácara do Buriti refletiram no uso dos recursos
naturais de seu território, contudo é necessário resgatar e fortalecer esse
saber.
Palavras-chave: Comunidades Tradicionais, Remanescentes de Quilombo,
Conhecimento tradicional, Uso e Ocupação do solo, Agricultura Familiar,
Etnobotânica.
12
2. General Summary
The Rural Black Quilombo Community Chácara do Buriti was recognized in
2005 and is the only of Campo Grande-MS located in a rural area, thus various
government benefits contemplated the Community, which may have influenced
the traditional knowledge of this population. So the aim of this study is to outline
the participation of blacks in the occupation of the State of Mato Grosso do Sul,
perform a multi-temporal analysis of the use and occupation of its territory, to
characterize the socioeconomic status and the popular knowledge of the
members of the Rural Black Community Quilombola Chacara do Buriti, in the
use of plants in primary health care, which includes the line Society research,
Environment and Sustainable Regional Development. The work was divided
into four articles and the methodology focused on secondary sources,
specialized in the occupation of the area and historical relations of black people
in this area. The images of GeoEye-1 and Landsat satellites were tools used to
raise the process of territorial expansion and occupation; besides the use of
questionnaires on the socioeconomic situation of the informants and the use of
plants for therapeutic purposes. The article 1 describes the use of slaves in the
exploitation of mines and as servants or laborers on farms or in villages of the
time, being the progenitors of mestizos and mulattos throughout the region, in
addition, after the abolition occurred migration of black families They settled in
south-mato-grossensses land, participating in its development. These factors
gave 22 remaining communities of quilombos, among them Rural Black
Quilombo Community Chácara do Buriti. Article 2 describes the evolution of the
relationship of the Community with its surroundings, in the period 1985 - 2015 to
noting that the Buriti Stream region does not have dense vegetation and is
contaminated, with increase in areas with exposed soil, crop areas and
urbanized, plus the retraction of vegetation. Article 3 describes on the
socioeconomic characteristics of the Community, it appears that the age of
respondents is between 18 and 91 years, whichever is female (71%), with
elementary school incomplete (45%) and 79% are resident in the Community
from born, being direct descendants of the founder. Men are responsible for
family income in 68.42% of the participating households and the productive
activity of 60% of respondents are associated with family farming, with up to 1
minimum wage (88.6%). In Article 4, it is observed that the Community has a
13
knowledge of the biodiversity of its territory with 89.5% of respondents making
use of medicinal plants, 80 species mentioned, the native majority, and of which
reached the highest VU (Value of Use) and IR (Relative Importance) (9) and
native Cerrado are gorse and jatoba. There is thus that economic and social
relations of the historical trajectory of Chacara do Buriti Community reflected in
the use of natural resources in their territory, but it is necessary to rescue and
strengthen this knowledge
Keywords: Traditional communities, Remnant Quilombo, Traditional
Knowledge, Use and Land cover, Family Agriculture, Ethnobotany.
14
3. Introdução Geral
A história político-geográfica e cultural do Brasil é marcada
profundamente pelo uso de mão-de-obra escrava durante o período colonial e
o império (1530-1888). Em seu auge, esse sistema chegou a importar milhares
de escravos, chegando à quantia provável de 4 milhões de indivíduos, tornando
o Brasil, segundo ANJOS (2014), a segunda maior nação com
afrodescendentes do mundo. No Brasil, os negros escravizados foram
utilizados no trabalho braçal das atividades desenvolvidas pela economia
colonial e imperialista, tais como lavoura de cana-de-açúcar e café e
mineração, além do tráfico negreiro que foi muito rentável. Esse sistema
incluía, recebendo até anuência de parte religiosa, humilhação, castigos físicos
e punições para os negros; em consequência disso houve em todas as
colônias da América movimentos de resistência (FUNARI, 1996;
ALBUQUERQUE e FRAGA FILHO, 2006). Entre os atos de resistência estava
a fuga, individual ou em grupos, para se juntar ou não a agrupamentos nos
sertões. Formavam-se então, o que foi chamado à época de “quilombo” (REIS
e GOMES, 1996; SCHMITT et al., 2002).
Paralelamente, ocorria a colonização e desenvolvimento de capitanias
no interior do Brasil através de expedições, que continham escravos, sendo os
territórios goiano e mato-grossense explorados a partir do século XVII. A
história da ocupação e colonização de Mato Grosso uno conta com uma
grande heterogeneidade sociocultural com contribuições indígenas (habitantes)
e de negros e brancos (migrantes) sendo ligada a três categorias
fundamentais: caminhos, comida e miscigenação populacional (SANTOS,
2010).
Participando do desbravamento da Província de Mato Grosso, muitos
escravos perceberam que a localização geográfica era uma oportunidade para
sucesso nas fugas. Aliando-se aos indígenas, procederam fugas chegando a
ultrapassarem o limite territorial português e adentrar em território espanhol e
terras bolivianas. Surgiram então, entre os séculos XVIII e XIX, muitos
quilombos no Mato Grosso como, por exemplo, Quilombo do Quariterê,
Sepotuba e Rio Manso (TERRA, 2011).
O surgimento e fortalecimento desses grupos (quilombos) foi
considerado uma ameaça à segurança pública, o que resultou em um grande
15
esforço para sua dissolução até a ocorrência da abolição, em 1888 (SOUZA,
1996; SILVA e SILVA, 2015).Os negros escravos que, quando da abolição em
1888, se encontravam nas fazendas, a maioria nelas permaneceram,
realizando as atividades das fazendas de gado e plantações, mas a partir
desse momento trabalhavam em troca de algum tipo de remuneração, como:
carne, aguardente, roupas e utensílios ou de pequenos salários (ALMEIDA,
2011).
Com a abolição ocorreu à transformação do quilombo de local de refúgio
pela luta de sobrevivência para o local em que seus moradores eram
considerados camponeses “pobres” e excluídos socialmente, condição que se
perpetuou aos ex-escravos e seus descendentes (LINDOSO, 2007).O negro,
agora ex-escravo e livre, se viu sem direito a terra onde estava, diante dessa
situação, muitos resolveram migrar para os ainda remanescentes sertões do
Brasil, chegando, ao fim do século XIX, grupos de Minas Gerais e Goiás na
região, onde hoje é localizado o Mato Grosso do Sul.
Como resultado dessa permanência e migração, o Brasil tem atualmente
2849 comunidades quilombolas, presentes em quase todos os Estados, sendo
que no Mato Grosso do Sul são encontradas 22 comunidades quilombolas ou
comunidades remanescentes de quilombo (FCP, 2016). Muitas dessas
comunidades tradicionais possuem uma relação íntima com a biodiversidade
que compõe o seu território e um reflexo disso é a utilização de plantas para
fins terapêuticos. Esse saber foi construído historicamente no Brasil através da
junção do repasse do sistema de classificação botânico africano e a inserção
de espécies nativas brasileiras em seu saber tradicional (ALMEIDA, 2011b).
Especificamente no município de Campo Grande, capital de Mato
Grosso do Sul, em área urbana, estão localizadas duas comunidades
remanescentes de quilombo: Comunidade Negra São João Batista e
Comunidade Eva Maria de Jesus - Tia Eva (Vila São Benedito), outrossim, em
área rural, a 18 km ao sul do limite urbano da cidade, está a Comunidade
Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti. O processo de reconhecimento
desta teve início em 2005 e foi finalizado em 2012, com o recebimento do título
definitivo de posse da terra (FCP, 2016).
Os registros do conhecimento tradicional das comunidades quilombolas
no Brasil ainda são escassos. Em se tratando da Comunidade Negra Rural
16
Quilombola Chácara do Buriti, por estar em área rural e, consequentemente,
distante do atendimento básico de saúde, o uso de espécies vegetais para o
tratamento de doenças é a primeira opção desta população, devido também a
sua crença na eficiência, sendo uma tradição da cultura local (GUERRA et al.,
2010). Em comunidades tradicionais, o uso de plantas medicinais está ligado
ao fazer, a uma vivência, a uma interferência no ambiente em que a
comunidade ocupa (DIEGUES et al., 2001).
Segundo SCHARDONG e CERVI (2000), a maior homogeneidade
cultural, preservação das tradições e uso dos recursos naturais em uma
comunidade tradicional possui relação com sua localização em área rural e
com sistema de produção baseado na prática da agricultura familiar. A
Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti ao explorar os recursos
naturais de seu território desde sua implantação na década de 1930 e ao
contemplar esses fatores, se faz alvo desta pesquisa.
Assim, o objetivo geral deste estudo foi diagnosticar as relações
histórico-sociais, territoriaise douso da biodiversidade pela Comunidade Negra
Rural Quilombola Chácara do Buriti, localizada em Campo Grande, Mato
Grosso do Sul. Como objetivos específicos foram:
● Delinear a participação dos negros na ocupação do sul do Estado de Mato
Grosso (hoje Mato Grosso do Sul);
● Avaliar o uso e ocupação do solo, assim como a qualidade dos recursos
hídricos, para caracterizar o ambiente e determinar como está sendo utilizado
e determinar qualidade para utilização pela comunidade e adequação as
legislações;
● Diagnosticar a situação socioeconômica da Comunidade Negra Rural
Quilombola Chácara do Buriti;
● Identificar espécies utilizadas pelos moradores locais, a fim de conhecer
suas formas de uso, modo de preparo, partes utilizadas e formas de difusão
dos conhecimentos relativos ao uso destas plantas e como acontece o
repasse desse conhecimento.
17
4. Revisão de Literatura
4.1 Comunidades Tradicionais
O termo Comunidade tem como significado: “um agrupamento de
pessoas que vivem dentro de uma mesma área geográfica (rural ou urbano),
cujos membros têm alguma atividade, interesse, objetivo ou função em comum,
com ou sem consciência de pertencimento, e de forma plural, com múltiplas
concepções ideológicas, culturais, religiosas, étnicas e econômicas”
(PEREIRA, 2001). Diante dessa definição que embarca pessoas, território e
herança cultural e histórica, surge o termo Comunidades ou Populações
Tradicionais.
Em fevereiro de 2007, ao instituir a Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais
(PNPCT), o Decreto n. 6.040 compreendeu como Povos e Comunidades
Tradicionais:
“aqueles grupos culturalmente diferenciados e que se
reconhecem como tais, que possuem formas próprias de
organização social, que ocupam e usam territórios e
recursos naturais como condição para sua reprodução
cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando
conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos pela tradição” (BRASIL, 2007).
Segundo SANTILLI (2011), em discussões para a instituição do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), antropólogos
definiram Comunidades Tradicionais como:
“populações que vivem em estreita relação com o ambiente
natural, dependendo de seus recursos naturais para a sua
reprodução sociocultural, por meio de atividades de baixo
impacto ambiental”
Sendo consideradas comunidades tradicionais, portanto, além das
indígenas, as comunidades extrativistas, comunidades de pescadores,
18
comunidades remanescentes de quilombos, entre outras.Essas populações
e/ou comunidades tiveram a capacidade de desenvolver formas únicas de
manejar os recursos naturais disponíveis em seu território, em primícias não
visando o lucro mas sim ao repasse cultural e social. Associada a isso,
desenvolveram também “percepções e representações em relação ao mundo
natural” que são marcadas por estarem associadas à natureza e a
dependência de seus ciclos (GRZEBIELUKA, 2012).
Em 2004, através do Decreto de 27 de dezembro de 2004 (modificado
pelo Decreto de 13 de julho de 2006), foi criada a Comissão Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais
(CNPCT). É a CNPCT que coordena e acompanha a implementação da
Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais (PNPCT), instituída pelo Decreto nº 6.040/07, além de propor os
princípios e diretrizes para políticas relevantes ao desenvolvimento sustentável
dos povos e comunidades tradicionais no âmbito do Governo Federal. Para
monitorar ações voltadas ao alcance dos objetivos específicos dessa política
pública, a CNPCT criou instâncias: Câmaras Técnicas Permanentes de
Infraestrutura, Fomento e Produção Sustentável, Inclusão Social e Acesso aos
Territórios e aos Recursos Naturais (BRASIL, 2015).
A Comissão é composta por 15 representantes de órgãos e entidades da
Administração Pública e Federal e 15 de organizações da Sociedade Civil, que
representam diversos segmentos de povos e comunidades tradicionais; e tem a
missão de pactuar pelo fortalecimento social, econômico, cultural e ambiental
dos povos e comunidades tradicionais (BRASIL, 2015; PORTAL YPADÊ,
2015).
Os objetivos da CNPCT são (PORTAL YPADÊ, 2015):
“I – Coordenar a elaboração e acompanhar a
implementação da Política Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais;
II – Propor princípios e diretrizes para políticas relevantes
para o desenvolvimento sustentável dos povos e
comunidades tradicionais no âmbito do Governo Federal,
19
observadas as competências dos órgãos e entidades
envolvidos;
III – Propor as ações necessárias para a articulação,
execução e consolidação de políticas relevantes para o
desenvolvimento sustentável de povos e comunidades
tradicionais, estimulando a descentralização da execução
destas ações e a participação da sociedade civil, com
especial atenção ao atendimento das situações que exijam
providências especiais ou de caráter emergencial;
IV – Propor medidas para a implementação,
acompanhamento e avaliação de políticas relevantes para
o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades
tradicionais;
V – Identificar a necessidade e propor a criação ou
modificação de instrumentos necessários à implementação
de políticas relevantes para o desenvolvimento sustentável
dos povos e comunidades tradicionais;
VI – Criar e coordenar câmaras técnicas ou grupos de
trabalho compostos por convidados e membros integrantes,
com a finalidade de promover a discussão e a articulação
em temas relevantes para a implementação dos princípios
e diretrizes da Política Nacional de que trata o inciso I,
observadas as competências de outros colegiados
instituídos no âmbito do Governo Federal;
VII – Identificar, propor e estimular ações de capacitação
de recursos humanos, fortalecimento institucional e
sensibilização, voltadas tanto para o poder público quanto
para a sociedade civil visando o desenvolvimento
sustentável dos povos e comunidades tradicionais; e
VIII – Promover, em articulação com órgãos, entidades e
colegiados envolvidos, debates públicos sobre os temas
relacionados à formulação e execução de políticas voltadas
para o desenvolvimento sustentável dos povos e
comunidades tradicionais.”
20
A garantia dos direitos das comunidades tradicionais, está resguardado
por legislações específicas (Quadro 1). A primeira legislação brasileira a tratar
de comunidades tradicionais é o Decreto nº 2519/98, que promulga a
Convenção da Diversidade Biológica e a mais recente é Decreto nº 7747/2012
que Institui a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras
Indígenas (PNGATI).
Quadro 1. Legislações (Decretos e Instruções Normativas) que atuam sobre
Povos e Comunidades Tradicionais no Brasil
Decretos Ação
Decreto nº 2519/1998:
Promulga a Convenção sobre Diversidade Biológica
(CDB), que traz em seu artigo 8º, elementos
relacionados ao acesso ao conhecimento tradicional
e repartição de benefícios.
Decreto nº 143/2002 Aprova o texto da Convenção nº 169 da
Organização Internacional do Trabalho sobre os
povos indígenas e tribais em países independentes
Decreto nº 4.887/ 2003 Regulamenta o procedimento para identificação,
reconhecimento, delimitação, demarcação e
titulação das terras ocupadas por remanescentes
das comunidades dos quilombos de que trata o art.
68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias.
Decreto Legislativo nº
5.051/2004
Promulga a Convenção nº 169 da Organização
Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos
Indígenas e Tribais.
Decreto nº 6.040/2007 Institui a Política Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais.
Decreto nº 6.261/2007 Dispõe sobre a gestão integrada para o
desenvolvimento da Agenda Social Quilombola no
âmbito do Programa Brasil Quilombola, e dá outras
providências.
21
Instrução Normativa nº
02/2007 (ICMBio)
Disciplina as diretrizes, normas e procedimentos
para a formação e funcionamento do Conselho
Deliberativo de Reserva Extrativista e de Reserva
de Desenvolvimento Sustentável.
Instrução Normativa nº
04/2008 (ICMBio)
Disciplina os procedimentos para a autorização de
pesquisas em Unidades de Conservação Federais
das categorias Reserva Extrativista (Resex) e
Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS)
que envolvam acesso ao patrimônio genético ou ao
conhecimento tradicional associado.
Instrução Normativa nº
49/2008
Decretada pelo MDA, regulamenta o procedimento
para identificação, reconhecimento, delimitação,
demarcação, desintrusão, titulação e registro das
terras ocupadas por remanescentes.
Decreto nº 7747/2012 Institui a Política Nacional de Gestão Territorial e
Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI)
Fonte: Elaborado pela autora.
As Comunidades Tradicionais (CT) brasileiras podem ser em todo
território nacional, atualmente são divididas em trinta segmentos com
características específicas sociais, culturais, econômicas e critério de auto
definição (PORTAL YPADÊ, 2015b).
Quadro 2. Comunidades Tradicionais encontradas nas Regiões do Território
Brasileiro
Comunidades Tradicionais Regiões
Comunidades quilombolas Centro-Oeste
Norte
Nordeste
Sul e
Sudeste
Extrativistas
Fundo e fecho de pasto
Geraizeiros
Pescadoras e pescadores artesanais
Povos e comunidades de terreiro
22
Povos indígenas
Povos Ciganos
Continuação da tabela 2...
Comunidade Endêmicas
Catadoras de mangaba Nordeste
Povos do Cerrado
Povos morroquianos Centro-Oeste
Apanhadores de flores sempre-vivas
Sudeste Caboclos
Vazanteiros
Veredeiros
Caatingueiros
Sul Cipozeiros
Ilhéus do Paraná
Caiçaras Centro-Oeste, Sudeste
Quebradeiras de coco babaçu Norte, Nordeste
Faxinalenses Norte, Centro-Oeste, Sul e
Sudeste Raizeiras
Pomeranos
Pantaneiros
Andiobeiras Norte, Centro-Oeste
Seringueiros
Retireiros do Araguai
Ribeirinhos Norte, Nordeste,
Centro-Oeste
Fonte: Adaptado das Cartas Abertas - Povos e Comunidades Tradicionais das
Regiões do Norte - Incluindo o Estado do Maranhão, Nordeste, Centro-Oeste,
Sudeste e Sul (PORTAL YPADÊ, 2015c) e Ministério do Meio Ambiente
(BRASIL, 2014).
23
Os povos e comunidades tradicionais possuem uma íntima relação com
a biodiversidade e os recursos do seu território, utilizando-os para manter e
reproduzir sua identidade, conhecimentos e práticas transmitidos
tradicionalmente (BRASIL, 2007). Essa relação resultou da evolução mútua
entre essas comunidades e seus territórios, refletindo na conservação tanto da
comunidade, quanto do seu ambiente natural (DIEGUES et al., 2001).
A interação com a natureza, seus recursos, a apropriação do seu
território, o repasse dessa cultura de geração em geração resulta na
construção de um saber próprio e único de cada Comunidade Tradicional que
pode ser denominado como Cultura ou Saber Tradicional (TERRA e DORSA,
2011). Para DIEGUES et al. (2001), esse conhecimento tradicional pode ser
definido como “o conjunto de saberes e saber-fazer a respeito do mundo
natural, sobrenatural, transmitido oralmente de geração em geração”.
4.2 Kilombo, quilombos e comunidades remanescentes de quilombo
Entre os 30 segmentos de povos e comunidades tradicionais
catalogados pela CNPCT, destacam-se as Comunidades Remanescentes de
Quilombo, que estão historicamente ligadas aos antigos agrupamentos
conhecidos como Quilombos, sendo seus moradores conhecidos como
quilombolas.
A palavra quilombo é um aportuguesamento do termo kilombo, uma
expressão pertencente à família linguística das línguas Bantu, que são um
conjunto de cerca de 400 grupos étnicos diferentes existentes na África e se
espalham pelos territórios de Camarões até à África do Sul e ao Oceano Índico,
esses grupos apresentarem costumes comuns (MILLER et al., 1976 apud
MUNANGA, 1996).
A significação da expressão kilombo para os povos bantu é ligada a uma
lenda envolvendo diversos povos e regiões entre o Zaire e a Angola, que
remete a grupos guerreiros com uma estrutura firme capaz de reunir grande
número de estranhos desvinculados de suas linhagens, vencidas, e uma
disciplina militar capaz de derrotar os grandes reinos que bloqueavam sua
progressão ao norte e ao oeste de Kwanza” (MILLER et al., 1976 apud
MUNANGA, 1996).
Para o antropólogo Kabengele Munanga (MUNANGA, 1996):
24
“o quilombo amadurecido é uma instituição transcultural
que recebeu contribuições de diversas culturas: lunda,
imbangala, mbundu, kongo, wovimbundu, etc. Os
ovimbundu contribuíram com a estrutura centralizada de
seus campos de iniciação, campos esses que ainda se
encontram hoje entre os mbundu e cokwe de Angola
central e ocidental”.
Portanto na etimologia bantu, a palavra kilombo significa “acampamento
guerreiro na floresta”, como também um:
“lugar afastado da vida societária, lugar secreto em que
homens se reúnem para estabelecer seus ritos de iniciação
e de preparação para enfrentar os inimigos [...] uma
associação de homens, aberta a todos sem distinção de
filiação a qualquer linhagem, na qual os membros eram
submetidos a dramáticos rituais de iniciação que os
retiravam do âmbito protetor de suas linhagens e os
integravam como guerreiros num regimento de super-
homens invulneráveis às armas de inimigos” (LEITE, 2008).
O significado da denominação “quilombo” no Brasil foi se desenvolvendo
como um dos resultados do desbravamento e colonização do território
brasileiro. O elevado tráfico de africanos entre os séculos XVI e XIX, que pode
ter alcançado o número de quatro milhões de indivíduos fez com que o Brasil
seja a segunda maior nação com afrodescendentes (ANJOS, 2014).A mão-de-
obra escravizada foi empregada em inúmeras atividades, sejam elas de
construções ou serviços, sendo esse trabalho sempre acompanhado por
humilhação, subjugação, castigos físicos e punições; porém, apesar, ou por
causa deles, a resistência ao sistema se apresentou latente nas colônias da
América (FUNARI, 1996; ALBUQUERQUE e FRAGA FILHO, 2006).
Para REIS e GOMES (1996), a resistência se apresentou de várias
formas: “o escravo negociava espaços de autonomia com os senhores ou fazia
25
corpo mole no trabalho, quebrava ferramentas, incendiava plantação, agredia
senhores e feitores, rebelava-se individualou coletivamente”. Entre essas
formas, a fuga e formação de grupos de escravos fugidos forama mais típica,
podendo ser individual ou em grupo, nos quilombos os fugitivos buscavam
nova vida longe da opressão e da violência de seus “donos” (REIS e GOMES,
1996).
Já em meados de 1740 o reconhecimento da importância desses
agrupamentos é percebido quando da correspondência entre o então Conselho
Ultramarino com o rei de Portugal, na qual definiu quilombo como “toda
habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada,
ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele”, tendo
como característica unicamente sua existência como “locais de resistência e de
isolamento da população negra” (SCHMITT et al., 2002). Em 1757, foram
denominados quilombos o agrupamento que fosse constituído por mais de seis
escravos arranchados e fortificados com vistas a se defenderem (VAINFAS,
2000). Essas características atribuídas ainda no Brasil Colônia, influenciaram
além de leis, relatórios, atos e decretos quando da referência a esses
agrupamentos onde se encontrava a insurreição ao sistema escravista como
também as reações em prol da abolição (LEITE, 2008).
Cabe ressaltar que essas características, resistência e isolamento, não
são cristalinas e definitivas para todas os quilombos formados, podendo ser
exemplo disso o caso de um quilombo no Maranhão denominado Frechal, que
tinha localização a cem metros da casa grande, ou ainda relatos de quilombos
dentro da própria senzala. Esses quilombos apresentavam formas de produção
autônoma principalmente quando do declínio de ciclos econômicos, fossem
agrícolas ou de mineração. Assim, esse termo pode ser reinterpretado,
definindo quilombo como qualquer situação:
“onde há autonomia, existe onde há uma produção
autônoma que não passa pelo grande proprietário ou pelo
senhor de escravos como mediador efetivo, embora
simbolicamente tal mediação possa ser estrategicamente
mantida numa reapropriação do mito do bom senhor, tal
26
como se detecta hoje em algumas situações de
aforamento” (ALMEIDA, 2011b).
A presença e o fortalecimento de quilombos eram tidos como um perigo
a segurança pública, uma vez que esses grupos eram responsabilizados por
qualquer tipo de assalto, roubo, invasões, desonras, entre outras questões,
levando as autoridades da época ao esforço épico no combate e destruição
desses agrupamentos rebeldes (SOUZA, 1996).Com a intensa perseguição,
muitos quilombos foram destruídos, como o maior: quilombo de Palmares, mas
muitos resistiram, chegando a alcançar a “libertação dos escravos”,
permanecendo em seus locais residentes independente da abolição,
perpetuando sua posição à margem da sociedade, criando novas formas de
resistência e luta (SILVA e SILVA, 2015).
A liberdade por alforria ou decorrente da abolição não mudou
drasticamente a situação social e política dos negros e muito mais dos
quilombolas, uma vez que não garantiu a essa, agora, parte da população
brasileira acesso à escola, terra e nem empregos; muitos livres inclusive
retornaram para os locais aonde eram escravos em troca de uma oportunidade
de trabalho mal remunerado, sendo possível encontras após várias décadas
descendentes daqueles que foram escravizados no mesma fazenda, sendo
que estes não apresentavam significativa melhora em relação aos seus
antepassados escravizados, o que só reforçou a exclusão, foi abolição não
resultou na igualdade efetiva, e sim uma igualdade determinada por lei que não
ocorria na prática do cotidiano (CARVALHO, 2003).
Os grupos que, apesar da falta de políticas fundiárias e muitas vezes em
confronto com essas políticas públicas, permaneceram nos locais dos antigos
quilombos ou que em posse de sua liberdade partiram em busca de terras
desabitadas na busca por novos meios e formas de vida, fizeram surgir as
Comunidades Remanescentes de Quilombo.
Essas comunidades se estabeleceram sob uma variedade de processos,
tais como ocupação de terras livres e isoladas, ou apropriação de terras como
resultado de heranças, doações ou pagamento de serviços ao Estado, assim
como a compra dessas terras (SCHMITT et al., 2002). Nesses territórios, ao
longo da sua peculiar trajetória histórica ocorreram experiências de luta e
27
resistências de mais diversas formas, no enfrentamento do desafio de se
conservar física e culturalmente (SILVA e SILVA, 2015).
Mesmo com lutas anteriores com o objetivo de assegurar a posse das
terras ocupadas historicamente por seus antepassados quilombolas ou
escravos libertos, o marco legal dessa luta foi à promulgação da Constituição
Brasileira de 1988. O art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias da Constituição Brasileira estabeleceu que “aos remanescentes
das comunidades de quilombo que estejam ocupando suas terras é
reconhecida à propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhe títulos
respectivos”.
Com o objetivo de fomentar os direitos e avalorização dos negros, foi
criada a Fundação Cultural Palmares - FCP, vinculada ao Ministério da Cultura,
instituída a partir da Lei nº. 7668, tendo como “finalidade de promover a
preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da
influência negra na formação da sociedade brasileira”.
A Lei n. 9.649/98 (com a redação dada pela Medida Provisória nº
2.123/28) em seu art.14 determina que cabe ao Ministério da Cultura “aprovar a
delimitação das terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos,
bem como, determinar as suas demarcações, que serão homologadas
mediante decreto. ”
Em 20 de novembro de 2003 foi regulamentado o Decreto nº 4887, que
regulamenta “o processo para identificação, reconhecimento, delimitação,
demarcação e obtenção de títulos dos territórios onde residiam/residem às
comunidades remanescentes de quilombos”, o decreto inclusive define as
competências dos órgãos envolvidos na implementação dessas políticas.
De acordo com o artigo 2º do Decreto 4.887/2003: “Consideram-se
remanescentes das comunidades dos quilombos, [...], os grupos étnico-raciais,
segundo critérios de auto atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de
relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra
relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. ” O Decreto
determina que o processo de busca pela demarcação e titularização das terras
é feito junto ao INCRA – Instituto de Colonização e Reforma Agrária, órgão
responsável pela titulação das terras quilombolas. Em atenção a isso em 24 de
março de 2004, o INCRA publicou a Instrução Normativa nº16, que em seu
28
artigo 7º determina que a “caracterização dos remanescentes das
comunidades quilombolas será atestada mediante a auto definição da
comunidade” e em seu parágrafo 1º determina que a “auto definição será
demonstrada através de simples declaração escrita da comunidade interessada
ou beneficiária com dados de ancestralidade negra, trajetória histórica,
resistência à opressão, culto e costumes”.
Essas comunidades tradicionais, doravante chamadas de Comunidades
Remanescentes de Quilombo, possuem um elevado saber tradicional
resultante de sua trajetória histórica e convívio quanto Quilombo com diversas
culturas, uma vez que o mesmo não era formado apenas por africanos ou
quilombolas, mas também por indígenas, mestiços e “brancos”; portanto essa
convivência influenciou na construção de tradições culturais ou saberes
tradicionais complexos e únicos (DIEGUES, 2000; TERRA e DORSA, 2011).
4.3 Histórico da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti
A Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti localiza-se a
18 quilômetros ao sul do limite urbano de Campo Grande, capital de Mato
Grosso do Sul, onde viviam 27 famílias (MAZZARO et al., 2011). A história
desta Comunidade está intimamente ligada a Comunidade Urbana Eva Maria
de Jesus Tia Eva (Vila São Benedito), podendo esta ser considerada uma
comunidade-irmã da Chácara do Buriti.A fundadora da Comunidade Urbana
Eva Maria de Jesus Tia Eva (Vila São Benedito), foi a ex-escrava Eva Maria de
Jesus Vida, que ficou conhecida como Tia Eva. Nascida aproximadamente em
1850 em Jataí, atual Goiás, cresceu em fazenda de Engenho, tornando-se livre
com a Lei Áurea em 1888. Ainda escrava tinha o sonho de adquirir terras no
sertão de Mato Grosso, de onde vinham notícias de terras sem donos.
Em 1904, Tia Eva formou comitiva junto a seu companheiro Adão e as
três filhas ex-escravas, (INCRA, 2007) e nesta comitiva, também havia outro
grupo de ex-escravos, estes vindos de Uberaba-MG também com destino a
Mato Grosso (MATOS, 2004).A comitiva formada pelos vários grupos de ex-
escravos, chegou no sertão mato-grossense em 1905, após passarem pela
região onde atualmente se encontram os municípios de Coxim e Camapuã, se
estabeleceram na Vila de Santo Antônio de Campo Grande (atual município de
Campo Grande). A comitiva de instalou em local ainda distante do centro da
29
Vila, uma área de mata rente ao córrego Segredo, local chamado de Olho
D’água, nesse local habitavam a época já alguns ex-escravos da Vila de Santo
Antônio (SANTOS, 2010).
Uma das filhas de Tia Eva, Sebastiana Maria de Jesus, após se casar
com Jerônimo Vida da Silva, em 1920 foi morar e trabalhar na fazenda “Buriti
Escuro”,onde tiveram ao todo contaram nove, entre eles João Antônio da Silva,
conhecido como João “Vida”, que se casou com Maria Theodolina de Jesus.
Algum tempo após se casarem o casal adquiriu uma área de 43 ha, onde se
localiza atualmente a Comunidade (MAZZARO et al., 2012). A comunidade
obteve registro pela Fundação Cultural Palmares e publicação no Diário Oficial
da União no dia 19/05/2005.
Inicialmente, a comunidade praticava agricultura de subsistência e
pecuária, até a década de 1950. Após este período, por 30 anos se dedicaram
a olaria. Com as mudanças da lei de impostos e a taxação da produção, além
do fato dos mais jovens não se interessarem pela atividade, já que as
máquinas eram primárias e o serviço em sua maioria era braçal e de muito
esforço, esta atividade foi extinta (INCRA, 2007).
Após este período, a fonte de renda da comunidade passou por uma
etapa de transição e os homens foram trabalhar em propriedades rurais
próximas a comunidade e algumas mulheres, com atividade doméstica. Em
2010 (FOSCACHES et al., 2010), das 27 famílias, oito atuam na agricultura no
local na produção de hortaliças (alface, rúcula, cebolinha, rabanete, cenoura,
quiabo, abóbora beterraba, berinjela, repolho e couve) e os demais trabalham
como diaristas dentro e fora da propriedade.
Segundo TERRA (2011), em junho de 2011, a Comunidade apresenta
majoritariamente por homens (36%) seguidos por crianças (34%) e mulheres
(30%) e os domicílios atendem ao critério de parentesco comum, onde as
casas estão próximas ao núcleo familiar principal e a regra é a “matrilocalidade
temporária”1. A escolaridade dos moradores em sua maioria é de Ensino
1 Matrilocalidade temporária é quando homem sai da casa paterna e reside na
casa ou propriedade dos pais da mulher até ter condições de construir a sua
própria casa, e também os casos dos homens e mulheres “de fora” que vão
morar nas casas dos pais (TERRA e DORSA, 2012).
30
Fundamental I, Ensino Médio e Ensino Fundamental II, sendo que as maiores
escolaridades são encontradas nos mais jovens. Dentre os sintomas com maior
preocupação citados pelos moradores está a hipertensão e problemas de
visão.
MAZZARO et al. (2012) relatam que a produção agrícola da comunidade
é agroecológica, uma vez que os produtores não empregam agrotóxicos,
queimadas e desmatamentos. Os produtos resultantes dessa produção são
vendidos em 2011 em feiras livres da capital sul-mato-grossense. A venda
nessas feiras do excedente da produção de hortaliças para a região de Campo
Grande e Anhandui – MS e narrativas de seus ascendentes é uma forma, que
a comunidade procura para dar continuidade a sua história de descendência,
procurando preservar seus conhecimentos tradicionais (TERRA, 2011).
Mas em 2010, FOSCACHES et al. (2010), ao analisarem a
sustentabilidade do projeto PAIS (Produção Agroecológica Integrada e
Sustentável) na Comunidade já haviam percebido que ele não pode ser
considerado uma forma de sustentabilidade social da comunidade, já que nem
todas as famílias são adeptas a ele e que a renda gerada é insuficiente para a
redução das diferenças sociais.
Segundo MONTELES e PINHEIRO (2007), as comunidades tradicionais
têm seus hábitos estreitamente condicionados aos ciclos naturais e se baseiam
em valores, símbolos, crenças e mitos, além de experiência e racionalidade
para apreender a realidade e a natureza. Durante séculos, o conhecimento
sobre o uso dos recursos naturais foram se acumulando nestas populações,
que podem oferecer informações valiosas sobre essa utilização com fins
terapêuticos (AMOROZO e GÉLY, 1988). Como as comunidades geralmente
são isoladas e tem dificuldades em se beneficiar do atendimento público de
saúde, o uso de plantas disponíveis no local se torna o meio mais utilizado no
tratamento primário de doenças que acometem seus moradores (GUERRA et
al., 2010).
4.4 Saberes e Conhecimentos Tradicionais
Pode-se conceituar Saber “como a capacidade de possuir um
conhecimento e consciência de alguma coisa; é apreender o objeto; é captar os
fenômenos em suas diversas manifestações”, estabelecendo-se uma relação
31
entre o sujeito e o objeto, onde “o sujeito apreende as qualidades do objeto; e o
objeto com a sua passividade deixa-se conhecer, seja ele material, cultural ou
espiritual e humano” (BASÍLIO, 2006).Para LIMA (2006) o Saber Tradicional
resulta das experiências de vida de pessoas de um determinado lugar, da
relação dessas pessoas com o ambiente natural e social além da memória
coletiva de um grupo refletida nas relações entre os sujeitos e seus pares,
somados.
A construção do Saber Tradicional está intimamente ligada à trajetória
histórica e ao relacionamento da comunidade com a biodiversidade do seu
território, como afirma BORGES DA SILVA (2005):
“Os conhecimentos tradicionais nada mais são do que
criações da mente, ou melhor, do intelecto coletivo ou
cultural de um povo, provenientes do estreito
relacionamento que possuem com a biodiversidade. Tais
saberes têm uma aplicação prática extremamente visível,
como, por exemplo, na fabricação de remédios, xampus,
alimentos, adubos, inseticidas dentre outros.”
Segundo DIEGUESet al. (2001), o saber tradicional tem como
característica o conhecimento profundo da natureza e dependência dos seus
ciclos, conhecimento esse transmitido oralmente entre as gerações, resultado
da residência e ocupação do território por sequentes gerações, mesmo
havendo trânsito, e posterior retorno ao território, de alguns membros para
áreas urbanas.
As Comunidades Tradicionais, mantém grande estima cultural da
comunidade pela unidade familiar doméstica ou comunal e às relações de
parentesco ou de compadrio para o exercício das atividades econômicas,
sociais e culturais; que utilizam tecnologias relativamente simples com baixo
impacto ao meio ambiente, prevalecendo o trabalho artesanal, dominando o
núcleo familiar durante todo o processo até o produto final; limitado pelo poder
político e principalmente o auto reconhecimento de pertencer a uma cultura
diferenciada (DIEGUES et al., 2001).
32
Por estar relacionada à vivência dos indivíduos com seus pares e com o
meio ambiente de seu território, além de depender do repasse às novas
gerações e do interesse destes em manter essa cultura, os saberes tradicionais
não são estáticos, e isso faz com que ao longo do tempo a sua identidade vá
se fortalecendo e refazendo. Segundo CERTEAU (1998), esse conhecimento
se constrói e reconstrói diariamente, por intermédio de pessoas comuns, de
usos comuns, que ao decorrer de sua trajetória se tornam os construtores da
história de uma comunidade, ressaltando a importância do repasse desse
saber tradicional para todos da comunidade, potencializados e valorizados por
agentes externos (TERRA e DORSA, 2011).
É possível inferir que o conhecimento tradicional, ou cultura e saber
tradicional contribui para a manutenção da biodiversidade dos ecossistemas,
uma vez que em sua maioria são resultado de uma co-evolução entre as
comunidades e meio natural de seu território, permitindo a conservação do
equilíbrio. Afinal, a comunidade, quanto homem, modificou paisagens,
implantando sistemas agrícolas, domesticando e diversificando fauna e flora
(DIEGUES et al., 2001).
Sendo o conhecimento tradicional “o conjunto de saberes e saber-fazer
a respeito do mundo natural, sobrenatural, transmitido oralmente de geração
em geração”, os povos e comunidades tradicionais “não só convivem com a
biodiversidade, mas também nomeiam e classificam as espécies vivas segundo
suas próprias categorias e nomes”, visualizando-as como algo domesticável e
manipulável, além de “um conjunto de seres vivos que tem um valor de uso e
um valor simbólico, integrado numa complexa cosmologia”, surgindo assim o
conceito de etno-biodiversidade, como sendo “a riqueza da natureza da qual
participam os humanos, nomeando-a, classificando-a, domesticando-a, mas de
nenhuma maneira selvagem e intocada” (DIEGUES et al., 2001).
No entanto, por depender da oralidade, esse conhecimento é
descentrado e fragmentado, embora seja claramente percebido nas
comunidades em seus membros mais antigos ou idosos, que por sua vez
receberam de seus ascendentes (HALL, 2003; GUARIN NETO, 2006).
33
4.5 Etnobotânica: a interface entre o Saber tradicional e a biodiversidade
Entre os saberes tradicionais locais está o uso de plantas nativas ou
exóticas, coletadas ou cultivadas, e até mesmo compradas, na prevenção e
tratamento primário às doenças. Essa forma de uso da etno-biodiversidade, já
foi e em muitos casos ainda é, a única ou mais rápida alternativa na atenção
primária à saúde, sendo repassado de geração em geração, incorporando ao
longo do tempo novos conhecimentos e novas práticas de uso (ALVES et al.,
2011).O resgate desse saber relacionado à flora do território dessas
comunidades é fundamental para contribuir com o resgate do conhecimento
tradicional e o sentimento de identidade na comunidade, resultando em uma
ímpar fonte de informação cultural, sociológica e antropológica, tornando essa
historicidade um instrumento de resgate da própria identidade cultural da
comunidade.
Além disso, apesar da sua não caracterização como conhecimento
científico, o saber tradicional tem a capacidade de direcionar ações técnicas na
área de conservação e manejo de espécies em cada hábitat; a prática
significativa da Educação Ambiental e essas informações recuperadas podem
servir de subsídio na procura de potenciais biomoléculas medicinais derivadas
da flora regional (GUARIN NETO, 2006; MAROTTA, 2011).
O entendimento de como as comunidades tradicionais utilizam esse
conhecimento da etno-biodiversidade depende do estudo desses saberes
tradicionais, resultando em uma conservação mais concreta da biodiversidade
(MAROTI, 2002; CHAGAS et al., 2007). PIMENTEL da SILVA e FRAXE (2013),
chegam a afirmar que o uso racional dos recursos naturais pode ser
considerado um requisito para a sustentabilidade dessas populações em seus
territórios, o que torna o saber tradicional uma relação mútua entre a
comunidade e seu entorno ambiental.
Para SILVA (2002) “o conhecimento tradicional etnobotânico pode servir
para indicar novos usos de plantas existentes, usos para plantas previamente
desconhecidas e novas fontes de fórmulas conhecidas e necessárias”.
Etnobotânica é o ramo da etnobiologia que estuda o conhecimento e
conceituações desenvolvidas por qualquer sociedade a respeito do mundo
vegetal, englobando tanto a maneira como um grupo social classifica as
plantas, como os usos que dá a elas (AMOROZO, 1996). É por intermédio dela
34
que se busca o conhecimento e o resgate do saber botânico tradicional próprio
relacionado ao uso dos recursos da flora disponíveis em um território (GUARIN
NETO et al., 2000).
4.6 Uso de Plantas Medicinais e Comunidades Tradicionais
Planta medicinal é qualquer planta que possua em um ou em vários de
seus órgãos, substâncias usadas com finalidade terapêutica, ou que estas
substâncias sejam ponto de partida para a síntese de produtos químicos e
farmacêuticos. A estas substâncias é dado o nome de princípios ativos, que
são os responsáveis pelo efeito terapêutico da planta (SIMÕES et al., 2004).
De um modo geral, devido à grande biodiversidade da flora nacional, a
população brasileira detém um saber significativo a respeito de métodos
alternativos para curar doenças mais comuns. No entanto é bem claro que as
comunidades tradicionais possuem uma bagagem maior a esse respeito,
porém esse conhecimento é ameaçado pela influência da medicina moderna e
principalmente, pelo pouco interesse no conhecimento tradicional apresentado
pelas novas gerações das comunidades, resultando da quebra do ciclo de
transmissão desse saber entre gerações (AMOROZO, 1996).
O uso de plantas para fins terapêuticos e rituais religiosos no Brasil é a
junção das diferentes contribuições culturais decorrentes de populações
nativas indígenas, e colonizadoras como seitas afro-brasileiras, e europeia
(BERG, 1993; SIMÕES et al., 1998). Em comunidades tradicionais essa
utilização está ligada ao fazer, a uma vivência, a uma interferência no ambiente
em que a comunidade ocupa (DIEGUES, 2001). Aliado a essa capacidade das
comunidades tradicionais está o fato do Estado de Mato Grosso do Sul ser
formado por um mosaico de formações vegetais, que inclui Pantanal, Cerrado e
o Chaco (SPICHIGER et al., 2004).
Vários autores relatam o uso de plantas com potencial fitoterápico na
região que compreende o Bioma Cerrado e entre eles pode-se citar SANTOS
(1992), que realizou levantamento de espécies nativas empregadas por
populações de Corumbá e Ladário; POTT e POTT (2004), que listaram plantas
comestíveis e medicinais da população da Nhecolândia no Pantanal Sul-mato-
grossense e OLIVEIRA et al. (2011), que realizaram levantamentos com
raizeiros de Miranda e Aquidauana (MS) o potencial das espécies do Bioma.
35
Há vários relatos na literatura de levantamentos já realizados em outras
comunidades quilombolas pelo Brasil, onde foram inventariados quantidades
significativas de espécies utilizadas e de saberes tradicionais em relação a flora
regional, como por exemplo, o que foi encontrado por SCHARDONG e CERVI
(2000), na Comunidade Quilombola São Benedito na área urbana de Campo
Grande (MS) que utiliza 182 espécies, por FRANCO e BARROS (2006), na
comunidade quilombola Olho D’água dos Pires, Esperantina (PI), com 82
espécies, SILVA (2002), com inventário Comunidade Quilombola de Curiaú
(Macapá-AP) onde identificou 144 espécies sendo utilizadas para fins
terapêuticos, VASCONCELLOS (2004) Comunidade de Praia Grande
(Iporanga-SP), 260 espécies, MONTELES e PINHEIRO (2007), no Quilombo
Sangrador (MA), 121 espécies, SILVA (2010), Comunidade do Cedro (GO), 94
espécies, MASSAROTTO (2009), ao investigar quatro comunidades rurais
Kalunga: Emas, Limoeiro, Ribeirão dos Bois e Engenho II, identificando 392
espécies sendo utilizadas.
Ainda há autores que se atém a uma ou mais famílias botânicas como
PEREIRA et al. (2007), que focaram nas espécies utilizadas das famílias
Piperaceae e Solanaceae, ou os que focam em uma única espécie como
BARROSO et al. (2010), que descreveram apenas a palmeira Juçara, mas
fazendo a sua etnoecologia e etnobotânica em várias comunidades
quilombolas da região do Vale do Ribeira: Ivaporunduva, Sapatu, Nhunguara,
Galvão, São Pedro e Pedro Cubas (Eldorado-SP) e Mandira (Cananéia-SP).
Pode-se verificar que o conhecimento tradicional está arraigado a estas
comunidades.
36
5. Referências Bibliográficas
ALBUQUERQUE, W. R.; FRAGA FILHO, W. Uma história do negro no
Brasil. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais e Brasília: Fundação
Cultural Palmares, 2006. 320p.
ALMEIDA, A. W. B. Os quilombos e as novas etnias. Manaus: UEA Edições,
2011. 196p.
ALMEIDA, M. Z. Plantas Medicinais e Ritualísticas. 3ed. Salvador: EDUFBA,
2011b. 192p.
ALVES, A. P. A. F.; TOMASI, T.; SAHR, C. L. L. A perspectiva etnográfica na
identificação e caracterização de elementos cotidianos de uma comunidade
quilombola. OBSERVATORIUM: Revista Eletrônica de Geografia,Uberlândia,
v.3, n.7, p.79-100, 2011.
AMOROZO, M. C. M. A abordagem etnobotânica na pesquisa de plantas
medicinais. In: DI STASI, L. C. (Org.). Plantas medicinais: arte e ciência – um
guia de estudo interdisciplinar. Botucatu: UNESP, 1996. p.47-68.
AMOROZO, M. C. M.; GÉLY, A. L. Uso de plantas medicinais por caboclos do
Baixo Amazonas. Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi, Belém, v.4,
n.1, p.47-131, 1988.
ANJOS, R. S. A. Geografia, Cartografia e o Brasil africano: algumas
representações. Revista do Departamento de Geografia, volume Especial,
p.332-350, 2014.
BARROSO, R. M.; REIS, A.; HANAZAKI, N. Ethnoecology and ethnobotany of
the juçara palm (Euterpe edulis Martius) in "quilombola" communities of the
Ribeira River Valley, São Paulo. Acta Botanica Brasilica, Belo Horizonte,
v.24, n.2, p.518-528, 2010.
37
BASÍLIO, G. Os saberes locais e o novo currículo do ensino básico. 2006.
139f. Dissertação (Mestrado em Educação/Currículo), Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo e Universidade Pedagógica de Moçambique, São Paulo.
BERG, M. E. Plantas medicinais na Amazônia – Contribuição ao seu
conhecimento sistemático. Belém: Museu paraense Emílio Goeldi, 1993. 207p.
BORGES DA SILVA, L. Os conhecimentos tradicionais das comunidades
indígenas e locais face aos direitos de propriedade intelectual. In: CARVALHO,
P. L. de. (Coord.) Propriedade intelectual: estudos em homenagem à
professora Maristela Basso. Curitiba: Juruá, 2005. p.352-387.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado,
1988.
BRASIL. MMA – Ministério do Meio Ambiente. Diálogo entre governo e
sociedade marca encontro em Curitiba. 2014. Disponível em:
<http://www.mma.gov.br/index.php/comunicacao/agencia-
informma?view=blog&id= 439> . Acesso em: 30 out. 2015.
BRASIL, MMA – Ministério do Meio Ambiente. Comissão Nacional de
Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais. 2015.
Disponível em: <http://www.mma.gov.br/desenvolvimento-rural/terras-ind %C3
%ADgenas,-povos-e-comunidades-tradicionais/comiss %C3 %A3o-nacional-
de-desenvolvimento-sustent %C3 %A1vel-de-povos-e-comunidades-
tradicionais>. Acesso em: 30 jul. 2015.
BRASIL. Decreto n. 4887, de 20 de novembro de 2003. Regulamenta o
procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e
titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos
quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias. Diário Oficial (da) República Federativa do Brasil, Poder
Executivo, Brasília, DF, 21 nov. 2003. Disponível em:
38
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4887.htm>. Acesso em: 25
ago. 2015.
BRASIL. Instrução normativa n. 16, de 24 de março de 2004. Regulamenta o
procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e
titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos
quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias. Diário Oficial (da) República Federativa do Brasil, Poder
Executivo, Brasília, DF, 26 abr. 2004. Seção 1, p.64.
BRASIL. Decreto n. 6040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional
de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.
Diário Oficial (da) República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília,
DF, 08 fev. 2007. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2007/Decreto/D6040.htm>. Acesso em: 10 set. 2015.
CARVALHO, J. M. de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 5ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 236p.
CERTEAU, M. A invenção do cotidiano:1. artes de fazer. 3ed. Petrópolis:
Vozes, 1998. 352p.
CHAGAS, E. C. O.; SALGADO, S. S.; MOTA, M. C. S.; MONTENEGRO, S. C.
S. Conhecimento popular sobre crustáceos de importância econômica e
nutricional em comunidades tradicionais lagunares – Coqueiro Seco, AL, Brasil.
In: Congresso de ecologia do Brasil, 8, 2007, Caxambu. Anais... Caxambu:
Sociedade de Ecologia do Brasil, 2007. p.1-2.
DIEGUES, A. C. A etnoconservação da natureza. In: DIEGUES, A. C. (Org.).
Etnoconservação: novos rumos para a conservação da natureza. São Paulo:
HUCITEC/NUPAUB-USP, 2000. p.1-46.
39
DIEGUES, A. C.; ARRUDA, R. S. V.; SILVA, V. C. F. D.; FIGOLS, F. A. B.;
ANDRADE, D. Saberes tradicionais e a biodiversidade no Brasil. São
Paulo: Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia
Legal / Coordenadoria da Biodiversidade – COBIO / Núcleo de Pesquisas
Sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas Brasileiras - NUPAUB /
Universidade De São Paulo, 2001. 176p.
FCP- FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES. Quadro Geral de Comunidades
Remanescentes de Quilombo (CRQ’s) por Estados e Regiões: Certidões
expedidas (Dados atualizados até a Portaria nº 104 de 20/05/2016). 2016.
Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/wp-
content/uploads/2016/06/QUADRO-RESUMO.pdf>. Acesso em: 14 set. 2016.
FOSCACHES, C. A. L.; CORDEIRO, K. W.; LOPES, J. C. J.; LIMA FILHO, D.
DE O.; FARIA, P. S. A tecnologia social PAIS como forma de sustentabilidade
social: o caso da comunidade quilombola da Chácara do Buriti. In: Encontro
Nacional de Engenharia de Produção - Maturidade e Desafios da Engenharia
de Produção: Competitividade das Empresas, Condições de Trabalho, Meio
Ambiente, 30., 2010, São Carlos. Anais... São Carlos: ABREPO, 2010, p.1-10.
FRANCO, E. A. P.; BARROS, R. F. M. Uso e diversidade de plantas medicinais
no Quilombo Olho D’água dos Pires, Esperantina, Piauí. Revista Brasileira de
Plantas Medicinais, Botucatu, v.8, n.3, p.78-88, 2006.
FUNARI, P. P. de A. A arqueologia de Palmares – Sua contribuição para o
conhecimento da história da cultura afro-americana. In: REIS, J. J.; GOMES, F.
dos (Org.). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996. p.26-51.
GRZEBIELUKA, D. Por uma tipologia das comunidades tradicionais brasileiras.
Revista Geografar, Curitiba, v.7, n.1, p.116-137, 2012.
40
GUARIN NETO, G.; SANTANA, S. R.; BEZERRA DA SILVA, J. V. Notas
etnobotânicas de espécies de Sapindaceae Jussieu. Acta botanica brasilica,
Belo Horizonte, v.14, n.3, p.327-334, 2000.
GUARIM NETO, G. O saber tradicional pantaneiro: as plantas medicinais e a
educação ambiental. Revista eletrônica do mestrado em educação
ambiental, Rio Grande, v.17, p.71-89, 2006.
GUERRA, A. M. N. D. M.; PESSOA, M. D. F.; SOUZA, C. S. M. D.;
MARACAJÁ, P. B. Utilização de plantas medicinais pela comunidade rural
Moacir Lucena, Apodi-RN. Bioscience Journal, v.26, n.3, p.442-450, 2010.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A
Editora, 2003. 104p.
INCRA – INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA.
SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DE MATO GROSSO DO SUL – SR – 16.
Relatório Antropológico de Identificação e Delimitação da Comunidade
Quilombola Chácara do Buriti (Campo Grande/MS). Brasília: Ministério do
Desenvolvimento Agrário. 2007. 273p.
LEITE, I. B. O Projeto Político Quilombola: Desafios, Conquistas e Impasses
Atuais. Estudos Feministas, Florianópolis, v.16, n.3, p.965-977, 2008.
LIMA, M. R.; SANTOS, M. R. A. Aspectos Etnobotânicos da Medicina Popular
no Município de Buritis. Revista Fitos, Rio de Janeiro, v.2, n.2, p.36-41, 2006.
LINDOSO, D. O poder quilombola. Maceió: UFAL, 2007. 94p.
MAROTI, P. S. Educação e interpretação ambiental junto à comunidade do
entorno de uma unidade de conservação. 2002. 145f. Tese (Doutorado em
Ecologia e Recursos Naturais) Universidade Federal de São Carlos - Centro de
Ciências Biológicas e Saúde, São Carlos.
41
MAROTTA, C. P. B. Levantamento Etnobotânico. Projeto Itamaraju - BA,
2011. 10p. Disponível:
<http://xa.yimg.com/kq/groups/18101135/664161248/name/PROJETO+ETNOB
OTANICA+BA.pdf> . Acesso em: 30 jul. 2015.
MASSAROTTO, N. P. Diversidade e uso de plantas medicinais por
comunidades Quilombolas Kalunga e urbanas, no nordeste do Estado de
Goiás - GO, Brasil.2009. 130f. Dissertação (Mestrado em Ciências Florestais)
Departamento de Pós-Graduação em Ciências Florestais, Universidade de
Brasília, Brasília.
MATOS, E. de. Comunidade São Benedito, Campo Grande/MS: patrimônio
cultural, turismo e desenvolvimento local. 2004. 95f. Dissertação (Mestrado
em DesenvolvimentoLocal). Universidade Católica Dom Bosco, Campo
Grande.
MAZZARO, F. B.; CASTILHO, M. A. de; SILVA, C. L. da. Atividades agrícolas
vivenciadas na Comunidade Quilombola Chácara do Buriti em Campo Grande
– MS. RDE - Revista de Desenvolvimento Econômico, Salvador, n.24,
p.146-154, 2011.
MAZZARO, F. B.; CASTILHO, M. A.; DA SILVA, C. L. Atividades agrícolas
vivenciadas na comunidade quilombola Chácara do Buriti em Campo Grande–
MS. RDE - Revista de Desenvolvimento Econômico, Salvador, v.13, n.24,
p.146-154, 2012.
MONTELES, R.; PINHEIRO, C. U. B. Plantas medicinais em um quilombo
maranhense: uma perspectiva etnobotânica. Revista de Biologia e Ciências
da Terra, Paraíba, v.7, n.2, p.38-48, 2007.
MUNANGA, K. Os Basanga de Shaba. Um Grupo Étnico do Zaire. São Paulo:
FFLCH-USP, 1986. 334p.
42
OLIVEIRA, A. K. M.; OLIVEIRA, N. A.; RESENDE, U. M.; MARTINS, P. F. R. B.
Ethnobotany and traditional medicine of the in habitants of the Pantanal Negro
sub-region and the raizeiros of Miranda and Aquidauna, Mato Grosso do Sul,
Brazil. Brazilian Journal of Biology, São Carlos, v.71, n.1, p.283-289, 2011.
PEREIRA, W. C. C. Nas trilhas do trabalho social e comunitário: teoria,
método e prática. Belo Horizonte: Vozes: PUC Minas, 2001. 336p.
PEREIRA, L. A.; LIMA, R. B.; GUIMARÃES, E. F.; ALMEIDA, M. Z.;
MONTEIRO, E. D. C. Q.; SOBRINHO, F. D. A. P. Plantas medicinais de uma
comunidade quilombola na Amazônia Oriental: Aspectos utilitários de espécies
das famílias Piperaceae e Solanaceae. Cadernos de Agroecologia, Cruz Alta,
v.2, n.2, p.1385-1388, 2007.
PIMENTEL DA SILVA, F. J.; FRAXE, T. J. Saberes de Populações
Tradicionais: Etnociência em Processos de Bioconservação. Contribuciones a
las Ciencias Sociales, Málaga, n.8, p.1-14, 2013.
PORTAL YPADÊ. Apresentação. 2015. Disponível em:
<http://portalypade.mma.gov.br/>. Acesso em: 30 jul. 2015.
PORTAL YPADÊ. Povos e Comunidades Tradicionais. 2015b. Disponível em:
<http://portalypade.mma.gov.br/povos-e-comunidades>. Acesso em: 30 ago.
2015.
PORTAL YPADÊ - Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos
Povos e Comunidades Tradicionais – CNPCT. Cartas Abertas - Povos e
Comunidades Tradicionais das Regiões. 2015c. Disponível em:
<http://portalypade.mma.gov.br/servidores>. Acesso em: 25 ago. 2015.
POTT, A.; POTT, V. J.; SOBRINHO, A. A. B. Plantas úteis à sobrevivência no
Pantanal. In: Simpósio sobre Recursos Naturais e Sócio-econômicos do
Pantanal, 4., 2004, Corumbá. Anais eletrônicos... Corumbá: EMBRAPA, 2004.
Disponível:
43
<http://www.cpap.embrapa.br/agencia/simpan/sumario/palestras/ArnildoPott.PD
F >. Acesso em: 26 jan. 2014.
REIS, J. J.; GOMES, F. dos S. Liberdade por um fio: história dos quilombos
no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 509p.
SANTILLI, J. A biodiversidade e as comunidades tradicionais. 2011.
Disponível em:
<http://www.ambiente.sp.gov.br/cea/files/2011/12/JulianaS.3.pdf>. Acesso em:
26 mar. 2015.
SANTOS, V. B. Plantas medicinais e nativas mais utilizadas em Corumbá e
Ladário. 1992. 27f. Monografia (Licenciatura Plena em Ciências Biológicas),
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Corumbá.
SANTOS, C A. B. P. da. Fiéis descendentes: redes-irmandades na pós-
abolição entre as comunidades negras rurais sul-mato-grossense. 2010.
477f. Tese (Doutorado em Antropologia Social). Universidade de Brasília,
Brasília.
SCHARDONG, R. M. F.; CERVI, A. C. Estudos etnobotânicos das plantas de
uso medicinal e místico na comunidade de São Benedito, Bairro São Francisco,
Campo Grande, MS, Brasil. Acta Biologica Paranaense, Curitiba, v.29, p.87-
217, 2000.
SCHMITT, A.; TURATTI, M. C. M.; CARVALHO, M. C. P. de. A atualização do
conceito de quilombo: identidade e território nas definições teóricas. Revista
Ambiente & Sociedade, São Paulo, v.5, n.10, p.1-8, 2002.
SCHWARZ, R. G. Trabalho Escravo: A abolição necessária. São Paulo: LTR.
2008. 264p.
44
SILVA, R. B. L. A etnobotânica de plantas medicinais da comunidade
quilombola de Curiaú, Macapá-AP, Brasil. 2002. 172f. Dissertação (Mestrado
em Agronomia). Universidade Federal Rural da Amazônia, Belém.
SILVA, J. Z. Análise sócio-espacial e conhecimento etnobotânico em uma
comunidade quilombola no sudoeste de Goiás. Revista Brasileira de
Agroecologia, Cruz Alta, v.5, n.2, p.306-307, 2010.
SILVA, G. S. da;SILVA, V. J. da. Quilombos Brasileiros: alguns aspectos da
trajetória do negro no Brasil.Mosaico, Rio de Janeiro, v.7, n.2, p.191-200,
2015.
SIMÕES, C. M. O.; MENTZ, L. A.; SCHENKEL, E. P.; IRGANG, B. E.;
STERHMANN, J. R. Plantas da medicina popular no Rio Grande do
Sul.5ed. Porto Alegre: Editora Universitária - UFRGS, 1998. 173p.
SIMÕES, C. M. O.; SCHENKEL, E. P.; GOSMAN, G; MELLO. J. C. P. de;
MENTZ, L. A.; PETROVICK, P. R. Farmacognosia da Planta ao
medicamento. 5ed. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2004. 833p.
SOUZA, L. de M. Violência e práticas culturais no cotidiano de uma expedição
contra quilombolas. In: REIS, J. J.; GOMES, F. dos (Org.). Liberdade por um
fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
p.193-212.
SPICHIGER, R.; CALENGE, C.; BISE, B. Geographical zonation in the
Neotropics of tree species characteristic of the Paraguay-Parana Basin.Journal
of Biogeography, Oxford, v.31, p.1489-1501, 2004.
TERRA, E. M. M. Territorialidade da comunidade rural quilombola Chácara
do Buriti e potencialidades do desenvolvimento local. 2011. 131f.
Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Local). Universidade Católica Dom
Bosco, Campo Grande.
45
TERRA, E. M.; DORSA, A. C. As comunidades tradicionais, história, tradições,
memória e perspectivas de desenvolvimento sustentável. In: Seminário dos
Povos Indígenas e Sustentabilidade, 4., 2011, Campo grande. Anais
eletrônicos... Campo Grande: Universidade Católica de Dom Bosco, 2011.
Disponível em:
<http://neppi.org/anais/Gestao%20territorial%20e%20sustentabilidade/As%20c
omunidades%20tradicionais,%20hist%F3ria,%20tradi%E7%F5es,%20mem%F
3ria%20e%20perspectivas%20de%20desenvolvimento%20sustent%E1vel.pdf>
. Acesso em: 16 dez. 2016.
VAINFAS, R. Dicionário do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA,
2000. 594p.
VASCONCELLOS, M. C. Um olhar etnobotânico para os usos dos recursos
vegetais dos terreiros de urna comunidade remanescente de quilombos
do Vale do Ribeira I. 2004. 141f. Dissertação (Mestrado em Agronomia).
Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Agronômicas,
Botucatu.
46
6. Artigos
Artigo I
Negros e História de Ocupação de Mato Grosso Do Sul
Sthefany Caroline Bezerra da Cruz-Silva
Resumo
Na historiografia sul-mato-grossensse poucos trabalhos que enfocam na
ocupação histórica por negros e negros escravos. Esta pesquisa coletou dados
em fontes secundárias, utilizando a historiografia especializada na ocupação da
região de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, além da historiografia negra
regional, objetivando, desse modo, contribuir para o reconhecimento da
participação dos negros na ocupação do Mato Grosso do Sul. Este artigo foi
publicado como capítulo do livro “Mato Grosso do Sul: perspectivas históricas,
educacionais e ambientais” (2016) e tem como objetivo analisar a história dos
afrodescendentes escravos, dos negros e dos mulatos no desenvolvimento de
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Em paralelo apresentar a formação de
quilombos. A história dos negros na ocupação do sul do Estado de Mato
Grosso, hoje denominado Mato Grosso do Sul, se inicia com os escravos
trazidos de outras regiões brasileiras e de famílias negras proprietárias que se
instalaram em terras sul-mato-grossensses. Há poucos registros existentes,
que são registros de nascimento ou de venda de negros escravos, utilizados
neste artigo a partir de fontes secundárias, de historiadores, além de memórias
orais narradas de geração em geração pelos mais velhos.
Palavras-chave: Colonizadores negros, Comunidade Tradicional,
Desenvolvimento Local, Quilombolas.
Abstract
In south-mato-grossensse historiography few studies that focus on historical
occupation by black and black slaves. This survey collected data on secondary
sources, using the historiography specialized in occupation of Mato Grosso and
Mato Grosso do Sul, as well as regional black historiography, aiming thereby to
contribute to the recognition of black participation in the occupation of Mato
Grosso do South. This article was published with the chapter of "Mato Grosso
do Sul: perspectivas históricas, educacionais e ambientais" (2016) and aims to
47
analyze the history of slaves African descent, of blacks and mulattos in the
development of Mato Grosso and Mato Grosso South. At the same time present
the formation of quilombos. The history of blacks in the occupation of the
southern state of Mato Grosso, now known as Mato Grosso do Sul, beginning
with the slaves brought from other regions of Brazil and proprietary black
families who settled in south-mato-grossensses land. There are few existing
records, which are records of birth or sale of black slaves used in this article
from secondary sources, historians, and oral memories narrated from
generation to generation by the elders.
Keywords: Black Settler, Traditional community, Local development, Quilombo.
Introdução
O Brasil foi descoberto em 1500, tornando-se colônia de Portugal. Sua
exploração iniciou-se na prática em 1530, com o intuito de colonizar e explorar
o novo território diversas expedições saíram do litoral brasileiro e,
posteriormente, do centro do país, a fim de desbravar o interior da colônia.
Essas expedições desbravadoras começaram a percorrer o sertão goiano e
mato-grossense no séc. XVII, e no século XVIII, com o descobrimento de ouro
em Cuiabá pelos bandeirantes paulistas atraiu força de trabalho na região,
principalmente escravos negros que foram a base braçal de fomento ao
desenvolvimento econômico das atividades da colônia do Novo Mundo
(ABREU, 1963; WOORTMANN e WOORTMANN, 1997; UMBELINO, 2014).
A história da ocupação e colonização de Mato Grosso conta com uma
grande heterogeneidade sociocultural, com contribuições de habitantes
originais, os índios e os imigrantes negros e brancos. Segundo SANTOS
(2010), a história de colonização do Estado está ligada a três fatores
fundamentais: caminhos (seus rios e territórios servindo de trilhas e estradas);
comida (nutrição das comitivas dos bandeirantes e das monções); e
miscigenação populacional (negro, índio e branco). A integração e influência
desses fatores estruturaram a organização sócio-política-econômica do Mato
Grosso, nos séculos XVIII, XIX e início do século XX.
Os trabalhos que relatam a presença do negro escravo na ocupação
histórica do sul de Mato Grosso são dispersos. São muito ricas as narrativas
orais de descendentes, que hoje moram em comunidades remanescentes de
48
quilombos, formadas por negros. Busca-se, neste trabalho, analisar o trabalho
e a vida dos negros escravos, negros e mulatos na região, cujo trabalho
colaborou para o desenvolvimento da região.
Procedimentos Metodológicos
As fontes da coleta de dados foram fontes secundárias, encontradas na
historiografia especializada sobre a ocupação do Sul de Mato Grosso e em
trabalhos publicados sobre territórios e comunidades quilombolas de Mato
Grosso do Sul. Os estudos teóricos utilizados como fonte secundária foram:
CAMPESTRINI (2001); BRAZIL (2002; 2006); SANTOS (2010) e HOFF (2015).
Foram utilizados também relatos e memórias.
O artigo foi dividido em três itens: o primeiro refletiu sobre a diferença,
comumente não feito pela historiografia, entre o modo de produção escravista e
a escravidão negra no Brasil, Haiti, Estados Unidos e em outros países. O
segundo item tratou da história dos negros escravos em Mato Grosso. O
terceiro item buscou entender a presença de negros e mulatos em Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul, depois da Abolição.
Resultados e Discussão
Modos de Produção e a Escravidão Negra
As relações estabelecidas em uma sociedade visam o trabalho e a
produção social e econômica. Para isso, definem-se algumas categorias: forças
produtivas são as condições materiais de produção, ou seja, objetos, matéria-
prima, instrumentos e máquinas, que variaram historicamente, conforme os
modos de produção; relações sociais definem-se como a forma capitalista de
produzir mercadorias. As forças produtivas e as relações de produção em uma
sociedade foram denominadas modo de produção (MARX, 1996; SELL, 2006).
Segundo SAVIANI (2003), no decorrer de sua trajetória histórica, a humanidade
passou por diversos modos de produção, sendo divididos em: modo
comunitário, o modo de produção asiático, o modo de produção escravista, o
modo de produção feudal e o modo de produção capitalista.
O modo de produção escravista sobrepôs-se ao modo primitivo de
produzir. Quando se introduziram a apropriação privada da terra e a divisão da
sociedade em classes: a classe dos proprietários e a dos não-proprietários
49
(SAVIANI, 2007). Na sociedade escravista, os homens livres consideravam a
ociosidade como a perfeição do homem (SAVIANI, 2007), baseados em uma
ideologia escravista, entendiam que na espécie humana há seres superiores e
inferiores, sendo que os inferiores foram predestinados à escravidão, ao
trabalho para produzir e reproduzir a vida material.
A fim de suprir suas necessidades era mister aumentar a produção,
necessitando aumentar a quantidade de escravos e de terras. Não ocorrendo
novas forças produtivas no cultivo do solo, as guerras resolviam o problema: os
povos vencidos e suas terras foram submetidos ao trabalho forçado e à
produção. Os proprietários eram livres para dedicar-se a outras atividades não
ligadas à produção, como o ócio para as artes, os esportes e a política. Para
sustentar o sistema, criou-se o Estado, com suas representações e legislações
que estabeleciam as leis e as punições e legitimavam a obediência dos
escravos (SAVIANI, 2007). Nesse modo de produção a maior parte do produto
do trabalho escravo ia para o senhor e uma parte pequena lhe é restituída em
forma de alimento, vestuário e abrigo (HOFF, 2015). O modo de produção
escravista terminou entre os séculos V e VI.
O modo de produção feudal se consolidou a partir desses séculos,
instituindo-se o trabalho do servo nas glebas do senhor feudal. Os servos
produziam na terra para uso próprio e para o sustento do senhor, entregando-
lhe uma parte do resultado de seu trabalho (BARBOSA, 2015). No longo
período feudal, permaneceram a propriedade privada, divisão de classes e o
Estado com suas leis e penas. Este modo de produção durou até 1642 na
Inglaterra e colônias; até 1789 na França, em mais países europeus e em
países americanos; e até 1870 na Alemanha e Itália. As datas assinalam as
revoluções burguesas que instalaram o capitalismo. No capitalismo é a troca
que determina o consumo e as classes sociais subsistem entre o dono dos
meios de produção e o trabalhador assalariado (HOFF, 2015). O avanço das
forças produtivas, que desenvolveu a economia e gerou excedentes de
produção, fortaleceu o comércio, o que não ocorria no feudalismo, que
raramente produzia excedentes (HOFF, 2015), não cabia mais nas relações de
produção e nas leis do feudalismo. Houve profundas e diversas alterações
econômicas, sociais e culturais, resultando no avanço de diversas ciências e
ampliação das rotas comerciais, inclusive marítimas (SCHWARZ, 2008;
50
UMBELINO, 2014). As relações sociais foram alteradas, uma vez que o
trabalhador não era mais escravo e também não pagava mais renda ao senhor.
O trabalhador produzia a mercadoria recebendo como pagamento de seu
trabalho um salário mensal. GAIGER (2003, p.187) escreve:
“O modo de produção capitalista nasce da reunião de
quatro características da vida econômica, até então
separadas: a) um regime de produção de mercadorias, de
produtos que não visam senão ao mercado; b) a separação
entre os proprietários dos meios de produção e os
trabalhadores, desprovidos e objetivamente apartados
daqueles meios; c) a conversão da força-de-trabalho
igualmente em mercadoria, sob forma de trabalho
assalariado; d) a extração da mais-valia, sobre o trabalho
assim cedido ao detentor dos meios de produção, como
meio para a ampliação incessante do valor investido na
produção” (GAIGER, 2003, p.187).
Segundo PINSKY (2000), no período do mercantilismo (a partir do
século XVI), a ação dos burgueses comerciantes, dirigia-se a captar negros
africanos, os exportavam em navios negreiros para a América e para as Ilhas
Atlânticas (Madeira, São Tomé, Açores e Cabo Verde), para um longo período
de escravidão negra: o trabalho do negro era uma mercadoria, como qualquer
outra mercadoria a negociar. A escravidão negra do século XVI ao XIX era uma
mercadoria capitalista e não pode ser enquadrada no modo de produção
escravista que acabara nos primeiros séculos do cristianismo. Foi, sim, uma
forma histórica de utilização de força de trabalho utilizada na produção
capitalista. O modo de produção reinante era o capitalista e o trabalho escravo
foi introduzido porque não havia outra força de trabalho disponível nas imensas
regiões dasabitadas das Américas. A África tornou-se fornecedora de mão-de-
obra barata para o crescimento da produção capitalista. O escravo nos países
de escravidão, inclusive no Brasil, era uma mercadoria capitalista.
51
Negros, Mulatos e Negros Escravos em Mato Grosso
Martim Afonso de Souza foi um dos primeiros a trazer ao Brasil escravos
negros africanos, adquiridos por ele mesmo (UMBELINO, 2014). Inicialmente, o
objetivo dos portugueses para Terra de Santa Cruz foi o trabalho da madeira
Pau Brasil para a exportação; depois, o polo de produção açucareira, à
semelhança com o ocorrido nas ilhas da Madeira e de São Tomé (SCHWARZ,
2008).
Os engenhos foram construídos majoritariamente com mão-de-obra
indígena, advinda dos ataques dos bandeirantes aos assentamentos jesuíticos.
A força de trabalho dos escravos africanos era utilizada nas atividades
especializadas, uma vez que seu custo chegava a ser três vezes maior que o
escravo índio. A partir de 1560, o negro escravo foi essencial para o
desenvolvimento da produção, servindo de reposição de força de trabalho.
Nessa época, proliferaram diversas epidemias, tais como sarampo e varíola,
que causou grande mortalidade de índios nos engenhos (SCHWARZ, 2008).
Os negros africanos chegaram ao Brasil pelos grandes portos do Rio de
Janeiro, Salvador, Recife, Fortaleza, Belém e São Luís. A partir desses locais,
foram levados para as demais regiões da colônia, como para o Maranhão,
Pará, Rio Amazonas e para o Mato Grosso (ALBUQUERQUE e FRAGA-
FILHO, 2006).
Em 1534, o rei de Portugal D. João III, dividiu o litoral brasileiro em
faixas territoriais denominadas Capitanias Hereditárias, com fins de ocupação,
de proteção e defesa da terra (HOLANDA, 1968; IBGE, 2015). O litoral da
Terra de Santa Cruz foi dividido em 15 lotes que se agrupavam em 12
capitanias, tendo como ponto de partida a Ilha de Marajó, a norte, até o sul do
Estado de Santa Catarina e, a oeste, a linha imaginária do Tratado de
Tordesilhas (INNOCENTINI, 2009; IBGE, 2015).
A Coroa portuguesa difundiu a proposta de que os beneficiados, sendo
donatários, deveriam arcar com custos da colonização. Ao se dar conta de que
a única fonte comprovada de lucros na nova colônia era o Pau-Brasil e que a
eles caberia a responsabilidade de povoar, desenvolver e proteger a terra, a
nobreza não se interessou em ser donatária (INNOCENTINI, 2009), priorizando
as bandeiras. A aristocracia empobrecida de Portugal no século XVIII, veio ao
Brasil e constituiu as bandeiras como oportunidade de enriquecer no Brasil e,
52
posteriormente, retornar a Portugal. Os bandeirantes organizaram bandeiras
em busca de ouro e de indígenas para vender no mercado (HOFF, 2015;
SIQUEIRA, 2009).
Para GUIMARÃES (1992) e BRAZIL (2006), as bandeiras paulistas
mantinham em suas expedições negros e índios mansos, cuja função era
carregar provisões e ser mão-de-obra nos trabalhos de extração do ouro. As
primeiras expedições paulistas dirigiram-se aos arraiais de Minas Gerais (Vila
Rica, Ouro Preto), e nas vilas, como Mariana, Congonhas do Campo e Sabará.
Seguidas de muitas outras. O fim da Guerra dos Emboabas, ocorrida entre
1707 e 1709, motivada pela disputa de exploração das minas de ouro recém-
descobertas na região das Minas Gerais e a cobrança do quinto imposto pela
Coroa, realizaram mudança das rotas de expedições paulistas que seguiram
para Mato Grosso e Goiás, longe do fisco e da fiscalização da Coroa.
Com a construção de pequenas aldeias ao redor dos locais de extração,
surgiram as monções, cuja produção de mantimentos foi realizada também por
negros escravos na região de Mato Grosso. Dessa forma, houve presença de
negros escravos tanto no trabalho das minerações quanto no das monções. No
ano de 1721, em contas da época, migraram para as minas cerca de 2.000
paulistas, utilizando maciçamente mão-de-obra negra e indígena escravizada
(TAUNAY, 1949; GUIMARÃES,1992; BRAZIL, 2006).
Com a exploração das minas formaram-se, também, pequenas aldeias e
arraiais a seu redor, no intuito de prover o abastecimento dos mineiros por
meio de cultivo da terra. Alguns produtos alimentícios e a cachaça provinham
de localidades próximas, enquanto os demais artigos como roupas, bebidas,
medicamentos, ferramentas de trabalho e o sal, vieram por sistema hidroviário.
Têm-se, assim, o roteiro dos bandeirantes feito por terra, e o roteiro das
monções feio por hidrovias. Junto aos artigos de abastecimento, famílias se
estabeleciam para produzi-los. A duração do percurso de São Paulo a Mato
Grosso era feita em 4 a 6 meses, por via fluvial, sendo que, havia necessidade
de ligar um rio a outro por terra, denominado varadouro, como, historicamente,
se conhece o varadouro de Camapuã, sendo necessária a força de trabalho de
índios e escravos negros para carregar as provisões nas costas (SIQUEIRA,
2009).
53
As rotas das monções eram praticamente três, todas partindo de
Aratiguaba (Porto Feliz, São Paulo), descendo até o Tietê e até o Paraná;
deste se dividiam os roteiros. Diferindo apenas em seu meio, as rotas se
davam pelos seguintes rios: Ivinhema, Rio Pardo, Camapuã, Miranda, Coxim,
Taquari, Paraguai, São Lourenço, e por fim o rio Cuiabá, onde se encontravam
as minas. Todas as rotas passavam por afluentes no sul de Mato Grosso e
foram responsáveis também pela introdução de bovinos neste território
(SODRÉ, 1941).
O primeiro núcleo populacional da região sul de Mato Grosso surgiu a
partir de um varadouro que interligava as cabeceiras dos rios Sanguessuga
(afluente do rio Pardo) e Camapuã (afluente do rio Taquary). Ali, iniciou-se uma
aldeia que abastecia os transeuntes, onde os irmãos Leme estabeleceram a
fazenda “Camapuã”, em 1723, tornando-se caminho obrigatório dos que se
dirigiam às minas de Cuiabá. A fazenda, localizada no varadouro, abastecia os
viajantes de açúcar bruto, aguardente, fumo de rolo, carnes, entre outras
mercadorias, para finalizar o transito até às minas (VALVERDE, 1972;
BANDEIRA, 1988). A fazenda mantinha negros escravos a seu serviço (HOFF,
2015).
Em 1727, o arraial do entorno das minas de Cuiabá, foi elevado a
categoria de Vila, a Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, constituída por
comerciantes, mineiros, pequenos agricultores, negros forros, índios
“civilizados”, índios escravos, e, também, de negros escravos. Contaram-se
2.607 escravos trabalhando nas atividades econômicas, especialmente nas
jazidas de ouro, durante o período de extração. Outra atividade econômica que
movimentava a Vila e as minas era o comércio realizado por negros forros,
mulatos e escravos, conhecido como “negros de tabuleiro”: vendiam diversos
produtos, tais como: bolos, doces, mel, banana, fumo e bebidas (COELHO,
1850 apud SANTOS, 2010; ABREU, 1963; CORRÊA FILHO, 1969; SAINT-
HILAIRE, 1972; FIGUEIREDO, 1993).
Em 1748, foi criada a Capitania de Mato Grosso, que tinha como capital
a Vila Bela da Santíssima Trindade, no vale do rio Guaporé e, de 1722 até
1750, recebeu 10.775 escravos, que foram utilizados nas minas e em outros
seguimentos (SILVA, 1995).
54
Durante as últimas décadas do séc. XVIII, objetivando controlar e
intensificar a exploração dessas minas o primeiro ministro de Portugal, o
Marquês de Pombal, mandou iniciar a construção de fortificações militares, tais
como: o Forte de Nossa Senhora dos Prazeres do Iguatemi (1767, na região
atual da cidade de Iguatemi-MS), o Forte Coimbra (1775, na região atual da
cidade Corumbá-MS), no Rio Paraguai, e o Forte Príncipe da Beira (1776), no
Rio Guaporé e a Vila Nossa Senhora de Conceição de Miranda. Com a
presença das tropas militares nesses fortes, construídos por escravos, houve a
necessidade de se estabelecer empreendimentos a fim de abastecê-las.
Surgiram as monções e, com elas, os povoados de Albuquerque e Corumbá,
em 1778.
A força de trabalho escrava foi utilizada de diversas formas, como na
retirada e transporte dos rochedos da região até o local da construção dos
fortes, na edificação das paredes, entre outros (BRAZIL, 2006). De acordo com
documentos oficiais, entre 1751 e 1768, já se encontravam 3.994 escravos em
todo o Mato Grosso, sendo que a maioria destes eram provenientes de São
Paulo (3.585) e uma menor parte do Pará (409) (SILVA, 1995). No primeiro
século de existência, a Província de Mato Grosso recebeu cerca de 15.380
escravos. (BRAZIL, 2002). Ocorreu um aumento significativo, também, de
negros forro e de mulatos, na região. Em 1800, segundo BRAZIL (2006), a
quantidade de escravos em Mato Grosso atingiu a marca de 11.910, entre
negros e mulatos. No ano de 1815, a província era constituída por 10.838
escravos e 16.377 indivíduos livres, divididos em pretos, brancos e pardos;
totalizando 27.265 pessoas. Em 1823 contava com 12.245 negros, população
total de 35.353 (CAMPESTRINI, 2002; BRAZIL, 2006).
Os escravos perceberam que a localização geográfica era uma
oportunidade para fugas. Aliaram-se aos nativos indígenas e procederam as
fugas, de forma individual ou em grupos que culminaram na formação de
agrupamentos de fugitivos. Surgiram muitos quilombos no Mato Grosso como,
por exemplo, Quilombo do Quariterê, Sepotuba e Rio Manso, Piolho,
Piraputanga, Mutuca, Pindaituba, Rio São Lourenço, Manso Sul, Rio Manso
(BRAZIL, 2006; TERRA, 2011), entre os séculos XVIII e XIX, sendo detectados
entre os anos de 1770 e 1879 (TERRA, 2011).
55
Em 1740, em correspondência entre o Conselho Ultramarino e o rei de
Portugal, quilombo foi conceituado como “toda habitação de negros fugidos,
que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos
levantados e nem se achem pilões nele”, arranchados e fortificados com vistas
a se defenderem. Portanto esses locais tinham como característica unicamente
como “locais de resistência e de isolamento da população negra” (VAINFAS,
2000; SCHMITT et al., 2002).
Em 1769 chegou a Mato Grosso o Capitão-general Luís Pinto de Sousa
Coutinho, afim de dar sequência à captura de escravos fugidos. Sob seu
comando foram destruídos vários núcleos de escravos, entre eles os quilombos
Sipotuba, Porridos e Piolho (denominado também de Quariterê, existente
desde a descoberta de minas na Província). Os fatores que garantiram a
sobrevivência dessas comunidades negras foram, além da riqueza de recursos
naturais, as plantas medicinais, a mataria erguida nos vales dos rios tributários
do rio Paraguai, em Cuiabá (BRAZIL, 2006).
A existência e o estabelecimento dessas aglomerações chegaram ao
conhecimento do governador da capitania de Mato Grosso, João
d’Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, que, em 1795, encaminhou uma
bandeira aos sertões, a fim de capturar escravos que se arrancharam em
quilombos. Percorreu as regiões de Serra dos Parecis e nascentes do rio
Guaporé, rios Galera, Sararé, Pindaituba e Piolho (BRAZIL, 2002).
Os núcleos populacionais da província foram formados a partir da
necessidade de formar residência fixa próximo às minas, e tinham a economia
balizada na extração do ouro e toda a população dependia direta ou
indiretamente dessa atividade. Em Camapuã havia 167 habitantes livres e 139
escravos (BRAZIL, 2002; CAMPRESTRINI, 2002). A estagnação das minas no
início do século XIX, reduziu o fluxo de pessoas para a Província de Mato
Grosso, e levou os habitantes estabelecidos a ocupar mais efetivamente o solo,
através da criação de gado, cultivo de açúcar, extrativismo de ipecacuanha,
seringueira e erva-mate, com amplo aproveitamento da mão-de-obra nativa e
cativa. Especificamente no Sul de Mato Grosso, desenvolveram-se as fazendas
de gado, constituídas por população reduzida, composta de brancos, índios e
mestiços.
56
Em 1829, na região sul de Mato Grosso chegavam famílias vindas de
Minas Gerais, tais como a composta por Joaquim Francisco Lopes e por seus
familiares com sobrenomes Garcia e Sousa, que tinham como principal fonte
econômica a criação de gado, resultando no estabelecimento de novas vias
terrestres e aquáticas que seriam usadas futuramente por outros exploradores
mineiros (SODRÉ, 1941). Outro clã a se estabelecer no sul da Província de
Mato Grosso, foi a família Barbosa, que criou fazendas nos Campos de
Vacaria, espalhando-se pela serra de Maracaju, às margens do rio Miranda e
pela área do rio Apa (SILVA, 1947).
O território de Mato Grosso contava, na primeira metade do século XIX,
com povoados nos arredores do presídio de Miranda, alcançando os campos
pioneiros; os campos do rio Negro, no Pantanal, junto à serra; os campos
firmes da foz do Nioaque até o cair da Serra de Maracaju; os campos ao cair
da mesma serra no vale do Apa; os campos junto às cabeceiras do rio
Brilhante; os campos do sertão dos Garcia e, finalmente, os Barros e Gomes
na Nhecolândia; sem contar os índios brasileiros, missionários e militares que
ocupavam a região de Albuquerque e o Forte de Coimbra. Albuquerque e
Miranda haviam sido elevados a freguesia em 1835 e Santana do Paranaíba
em 1838 (CAMPESTRINI, 2002).
O número de escravos foi diminuindo no século XIX, principalmente com
o fim das minerações em Cuiabá e no Guaporé, quando muitas famílias se
mudaram da região levando consigo os negros escravos (CAMPESTRINI,
2002). Segundo CAMPESTRINI (2002), porém, houve um aumento de
escravos fora da faixa de mineração. Em 1870 havia 142 escravos em Miranda,
275 em Corumbá e 354 em Paranaíba, totalizando somente nessas três
regiões 771 escravos, um aumento considerável, haja vista que em 1857 havia
no total 100 escravos em toda a área de Miranda até a fronteira. Em 1872 a
maior proporção da população de Santana de Paranayba era de mulatos,
sendo estes 1610, o resto se dividia em 354 escravos, 838 brancos, 692
negros e 84 caboclos (CAMPESTRINI, 2002).
A redução de escravos pode também ser confirmado com os dados de
importação de escravos para o Brasil, que mostra que entre 1848 e 1852, um
declínio, (Figura 1), que se deve à regulamentação da Lei nº 584, de 04 de
setembro, conhecida por Eusébio de Queiroz, que estabelecia punições para o
57
tráfico de africanos no Brasil. Com a Lei estabelecida, houve escassez de
cativos em todo o território refletindo no aumento dos preços de um escravo
(MALHEIRO, 1979; BRAZIL, 2006).
Figura 1. Variação da quantidade de escravos importados para o Brasil, entre
1845 e 1852. Fonte: Adaptado de MALHEIRO (1979).
A Lei de Terras (1850), regulamentada em 1854, pelo decreto nº 1.318,
instituiu o Registro Eclesiástico de Terras. As posses adquiridas até esse
período por concessão do poder público, ou por ocupação primária (sesmarias)
foram legitimadas e cada proprietário de imóvel rural demarcou suas grandes
extensões de terras. Neste cenário, os posseiros foram excluídos da
regularização fundiária e o acesso a terra só se daria por compra (SANTOS,
2010).
A partir de 1829, a região sul de Mato Grosso comportava três
municípios; Saint’Anna do Paranahyba (Paranaíba), Vila de Santa Cruz de
Corumbá (Corumbá), Vila de Nossa Senhora do Carmo de Miranda (Miranda),
cuja totalidade contava com 720 habitantes livres e 100 escravos: 400 pessoas
moravam no Povoado de Miranda, que possuía 41 casas de telha, 43 de palha,
1 igreja e 1 quartel (SILVA, 2010). A estes três juntou-se Santa Rita de
Levergésia (Nioaque) com maior destaque no sul de Mato Grosso no século
XIX. SILVA (2010) afirma que, entre 1838 e 1888, foram diversas as formas de
escravidão negra praticadas na região.
Havia escravos negros nesses municípios: alguns na Fazenda
Camapuã, em Santana do Parnaíba, outros em Miranda e em Corumbá.
58
Acrescente-se que na região da pecuária dos Campos da Vacaria não se
encontravam negros escravos, porque eles não tinham o ofício da pecuária e
porque as famílias Barbosa, Leal, Lopes e outras entraram pobres na região, a
partir de 1830, e, sem mercado para o gado que criavam. Somente, a partir de
1850, constituíram fazendas fixas e, somente a partir de 1880, houve ampla
comercialização de seus produtos, principalmente, couro e charque. Os
pecuaristas utilizavam preferencialmente o escravo indígena (ALVES, 2005;
HOFF, 2015)
Em 1994, Paulo Eduardo CABRAL (1994) publicou um levantamento
realizado nos Cartórios de Ofício e Paz e do Registro Civil de quatro núcleos
populacionais emergentes no início do século XIX do sul de Mato Grosso, a
saber, Sant’Anna do Paranahyba (Paranaíba), Villa de Santa Cruz de Corumbá
(Corumbá), Villa de Nossa Senhora do Carmo de Miranda (Miranda) e Santa
Rita de Levergésia (Nioaque). Neste levantamento Cabral (1994), encontrou
documentos que de 1838 a 1888 que faziam referência a escravos, tais como:
cartas de liberdade, revogações, hipotecas e escrituras de compra e venda de
escravos.
A maioria dos documentos encontrados alude a cartas de liberdade nas
quais os escravos, em sua maior parte, só gozariam liberdade após a morte de
seus proprietários, sendo essas cartas parecidas com as encontradas nos
cartórios da Bahia, de Minas Gerais ou Rio de Janeiro (CABRAL, 1994;
SANTOS, 2010). Nesses documentos encontrados nos cartórios dos núcleos
populacionais do sul de Mato Grosso, SILVA (2010) encontrou 147 citações
quanto à origem dos escravos, consistindo em 63 crioulos nascidos no Brasil,
mas sem naturalidade específica, 16 vindos de Minas Gerais, 19 naturais de
Mato Grosso, dois de Goiás e 47 da África. Dos africanos, um de Minas (atual
Gana), seis de Bengela, região correspondente a um porto no sul da atual
Angola, onde embarcava a maioria dos negros cativos com destino ao Brasil,
um de Ganguilo, quatro de Moçambique, um de Congo, dois de Angola e 11 de
Nação, região conhecida como Congo-Angola.
Ainda foi possível observar o reduzido número de escravos libertos que
sobreviveram, no Brasil, com o aluguel de sua força de trabalho, morando em
pequenos sítios de propriedade de seu ex-senhor, onde tinham pequenas
roças para sua subsistência em sistema de arrendamento, além do trabalho por
59
dia. Os escravos que possuíam função mais avançada como fiscal de engenho
e aqueles considerados bons trabalhadores continuavam a exercer essas
funções em fazendas vizinhas como trabalhadores livres (RUGENDAS, 1978).
A presença de negros no Brasil, no entanto, foi intensa, como se pode perceber
no relato de um viajante alemão chamado Robert Ave-Lallemant, em 1859, que
se impressionou com a quantidade de negros em Salvador:
Quando se desembarca na Bahia, o povo que se
movimenta nas ruas corresponde perfeitamente à confusão
das casas e vielas. De feito, poucas cidades podem haver
tão originalmente povoadas como a Bahia. Se não se
soubesse que ela fica no Brasil, poder-se-ia tomá-la sem
muita imaginação, por uma capital africana, residência de
poderoso príncipe negro, na qual passa inteiramente
despercebida uma população de forasteiros brancos puros.
Tudo parece negro: negros na praia, negros na cidade,
negros na parte baixa, negros nos bairros altos. Tudo que
corre, grita, trabalha, tudo que transporta e carrega é
negro; até os cavalos dos carros na Bahia são negros
(ROBERT AVE-LALLEMANT, 1980 apud ALBUQUERQUE
e FRAGA-FILHO, 2006, p. 67).
Entre 1864 e 1870 ocorreu a Guerra da Tríplice Aliança ou Guerra do
Paraguai, envolvendo, de um lado, Brasil, Argentina e Uruguai e, do outro, o
Paraguai. Excluindo o exército da Argentina, em todos os outros se
encontravam soldados negros, ex-escravos ou não, havendo inclusive
batalhões formados exclusivamente por negros. Ocorreu então a compra de
escravos para lutarem em nome de seus donos, a compra por parte do governo
de escravos para lutarem na guerra e a promessa de alforria ao que lutassem
na guerra, ressaltando aqui a indiferença em relação à fuga (REIS e GOMES,
1996). Pode-se aventar que esse fato pode ter contribuído para a presença dos
negros no território do (hoje) Mato Grosso do Sul.
Receosos com a Guerra, vários fazendeiros do Sul de Mato Grosso
fugiram de suas terras e, com o fim da guerra em 1870 e com o fim da guerra,
60
retornaram. Vários ex-combatentes fixaram-se nessas terras do sul de Mato
Grosso, aumentando a população na região. Ao fim da guerra ocorreu a
reabertura da bacia Platina, permitindo à Província de Mato Grosso exportar
produtos do extrativismo vegetal e da pecuária e importar produtos
industrializados, fez surgir a burguesia comercial, cidadãos proprietários das
chamadas Casas de Comércio. Essas Casas de Comércio surgiram nas
principais cidades portuárias: Cuiabá, Cáceres, Corumbá, Porto Murtinho, Bela
vista e Ponta Porã (CAMPESTRINI e GUIMARÃES, 2002; ALVES et al., 2012)
As relações sociais também sofreram alterações com o fim da guerra.
Com a estrutura de país arrasado, muitos paraguaios migraram para a
Província brasileira em busca de melhor qualidade de vida. Aqui, sofreram
xenofobia por parte da população (SIQUEIRA, 2009). Em primeiro momento, os
imigrantes paraguaios tentaram ocupar as terras devolutas, explorando mate e
criando gado, no entanto muitos foram expulsos, restando-lhes como modo de
sobrevivência ou a criminalidade ou vender sua força de trabalho. Foram então
incorporados como mão-de-obra das empresas ervateiras do sul de Mato
Grosso, principalmente a Companhia Erva Matte Laranjeira. A sua expulsão se
deve muito a lei de Terras promulgada em 1850, que limitou o acesso às terras
(CENTENO, 2000).
Neste cenário o Império iniciou a campanha a fim de demarcar
definitivamente os limites fronteiriços com o Paraguai, instituindo uma comissão
mista que finalizou as demarcações após quatro anos do fim do conflito armado
(CAMPESTRINI e GUIMARÃES, 2002).
Os Negros Libertos com a Abolição
Para VOLPATO (1993), a reabertura da Bacia Platina foi para os
empresários locais a oportunidade para o crescimento econômico e
consequente saída da crise econômica. Porém, com sua mão-de-obra baseada
em escravos (negros e indígenas) e assalariados locais, os empresários
acreditavam que a “falta de iniciativa” da população local atrasava o
desenvolvimento. Viram então a solução na importação de mão-de-obra.
Neste contexto, o sistema escravista brasileiro estava em crise, havendo
três linhas de pensamento sobressalientes: os emancipacionistas, que
defendiam a extinção lenta e gradual da escravidão; os abolicionistas, que
61
buscavam a libertação imediata e os escravistas, que defendiam o sistema
escravista (VOLPATO, 1993). Os defensores do fim do sistema escravista se
baseavam nos fatos de que o trabalho escravo tinha baixa produtividade e que
todos os indivíduos tinham direito a liberdade (VOLPATO, 1993). Além disso, o
sistema escravista foi abalado pelos acordos firmados entre Brasil e Inglaterra,
que tinham como objetivo extinguir o tráfico de africanos para o Brasil e libertar
os que foram importados ilegalmente, tendo como prazo três anos para
realização dessas ações acordadas (MARTINS, 2010).
Verifica-se, portanto, que o cenário aponta para a redução da utilização
de mão-de-obra escrava, uma vez que diante dos acordos e leis sua compra e
manutenção se mostrava cada vez mais cara; e propício para a extinção da
escravidão. Diante disso, os capitalistas passam a ver a imigração europeia
como solução à falta de escravos como mão-de-obra (CENTENO, 2000).
Em setembro de 1871, foi promulgada a Lei do Vente Livre, que instituía
que os filhos das escravas deveriam ficar sob a autoridade dos senhores de
suas mães até completarem oito anos, depois disso o senhor da mãe teria a
opção de receber indenização do Estado ou de utilizar os serviços da criança,
sem remunerá-la, até que ela completasse 21 anos de idade. Além disso, foi
reconhecia pela primeira vez o direito do escravo ao acúmulo monetário,
chamado de pecúlio, com fim a comprar sua própria liberdade. Pela lei ainda se
instituiu em cada município um fundo que receberia recursos do Império a fim
de classificar e alforriar escravos (BRAZIL, 2002).
Para CORRÊA FILHO (1957), após a promulgação da Lei do Ventre
Livre, a imigração para a Província de Mato Grosso se tornou mais intensa e
organizada, possibilitando seu desenvolvimento e a exportação de produtos do
extrativismo vegetal e da pecuária. Na região também havia os posseiros
gaúchos, imigrantes da região sul do Brasil. A maioria destes entraram em
conflito com as grandes empresas ervateiras pela posse de terras, perdendo
em muitos casos, tornou-se junto com a população indígena e os paraguaios
mais uma fonte de mão-de-obra.
Nesse cenário em paralelo à crise do sistema escravista, uma vez que
não era mais lucrativo comprar e manter escravos devido à diversa opção de
mão-de-obra barata continua-se a promulgação de leis “em favor” dos escravos
negros. Em 1885, foi promulgada a Lei n. 3.270, também conhecida como Lei
62
dos Sexagenários ou Lei Saraiva-Cotegipe, que regulava a extinção gradual da
escravidão e a garantialiberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade.
Finalmente, em 1888 foi promulgada a Lei Áurea, que extinguiu a escravidão
no Brasil. Aqueles que se encontravam nas fazendas, em sua maioria
permaneceram nela, realizando as atividades das fazendas de gado e
plantações, mas a partir desse momento trabalhavam em troca de algum tipo
de remuneração, como: carne, aguardente, roupas e utensílios – ou de
pequenos salários (ALMEIDA, 2011).
No século XIX, antes da Abolição, havia negros em Corumbá,
Paranaíba, Camapuã e Miranda. Mas, nos Campos de Vacaria (Jardim, Guia
Lopes, Rio Brilhante, Maracaju, Campo Grande) havia poucos negros escravos
(HOFF, 2015). Com a Lei Áurea o quilombo passou de local de refúgio pela luta
de sobrevivência para o local em que seus moradores eram considerados
camponeses “pobres” e excluídos socialmente, uma vez que foram excluídos
pela Lei de Terras de 1850, condição que se perpetuou aos ex-escravos e seus
descendentes (LINDOSO, 2007).
Os libertos que se encontravam nos territórios de seus senhores, mas
almejavam sair, não possuíam local para onde ir e sem condições de adquirir
qualquer terra uma vez que a remuneração agora recebida era baixa, muitos
resolveram migrar para os ainda remanescentes sertões do Brasil, chegando,
ao fim do século XIX, grupos de Minas Gerais e Goiás na região que hoje é o
Mato Grosso do Sul.
Após a abolição, grupos de libertos chegaram ao sul do Mato Grosso
procedente de Minas Gerais e Goiás. Essas migrações, associadas às fugas
do tempo de escravatura, resultaram na consolidação da presença de
afrodescendentes no sul de Mato Grosso, conforme a tabela 1. Essa presença
refletiu nos documentos historiográficos supracitados e posteriormente no
desenvolvimento de comunidades quilombolas (Quadro 1), sendo que em Mato
Grosso do Sul há atualmente registrado 22 comunidades quilombolas
reconhecidas oficialmente.
63
Quadro 1. Comunidades remanescentes de quilombo certificadas pela
Fundação Cultural Palmares e INCRA/MS em Mato Grosso do Sul, sua
localização e origem de seus fundadores
Localização da
Comunidade Nome da Comunidade
Ano de chegada dos fundadores/
compra das terras/lembrança
de presença
Origem dos fundadores
Aquidauana Furnas dos Baianos 1952 Bahia (migração)
Bonito Águas de Miranda 1976
Minas Gerais e Rio de Janeiro
(migração) e Mato Grosso do Sul
(divisão a partir de outra Comunidade Remanescente do
Estado)
Campo Grande/MS
Tia Eva (Vila São Benedito)
1904 Goiás (migração)
Campo Grande/MS
Chácara do Buriti** 1920 a 1930 Goiás (migração)
Campo Grande/MS
São João Batista s/i s/i
Corguinho/MS Furnas Boa Sorte** Entre 1875 e 1906 (pedido de posse
das terras)
Escravos de Minas Gerais e Rio de
Janeiro
Corumbá/MS Maria Theodora
Gonçalves de Paula 1920 migração
Corumbá/MS Ribeirinha Família Campos Correa
s/i s/i
Corumbá/MS Ribeirinha Família
Osório# s/i s/i
Dourados e Itaporã/MS
Picadinha** 1907 Minas Gerais
(migração)
Figueirão/MS Santa Tereza 1901 Minas Gerais
(migração)
Jaraguari/MS Furnas do Dionísio** Entre 1870 e 1900 Escravos de Minas
Gerais
Maracajú/MS Colônia São Miguel** ao redor de 1941 Província Mato
Grosso*
Nioaque/MS Família Araújo e
Ribeiro** ao redor de 1911 Goiás (migração)
Nioaque/MS Família Cardoso** primeiras décadas
do século XX
Minas Gerais e Rio de Janeiro
(migração) e Mato Grosso do Sul
(escravos -
64
testemunhas da Guerra do Paraguai)
Nioaque/MS Ribeirinha Família
Bulhões s/i s/i
Nioaque/MS Ribeirinhos Família Romano Martins da
Conceição s/i s/i
Pedro Gomes/MS
Família Quintino 1958 Goiás (migração)
Rio Brilhante/MS
Família Jarcem# s/i s/i
Rio Negro/MS Ourolândia 1958 Bahia (migração)
Sonora /MS Família Bispo#
primeiras décadas do século XX
Província Mato Grosso*
Terenos/MS Comunidade dos
Pretos 1945
Minas Gerais (migração)
Migração: fundadores foram escravos livres que migraram em busca de terras
devolutas. (*): fundadores foram filhos livres nascidos, de escravos ou ex-escravos, já
na Província de Mato Grosso. (**): Comunidade possui RTID. (#): RTID em finalização.
Fonte: Adaptado de VALENTE et al. (2001); BANDEIRA e DANTAS (2004); INCRA
(2007a); INCRA (2007b); INCRA (2007c); INCRA (2007d); FUNASA (2009); INCRA
(2013);
Dessas comunidades, apenas sete possuem Relatório Técnico de
Identificação e Delimitação (RTID) com seu respectivo Relatório Antropológico
finalizado e três em finalização (ainda não acessíveis), uma vez que o RTID só
é elaborado quando a Comunidade solicita posse do território historicamente
ocupado. O histórico de mais sete (além das que possuem RITD) está
disponível apenas em uma Coletânea publicada pela FUNASA (2009) e há
uma citação em um livro sobre religiosidade (Religiosidade e Performance -
Marcia Contins, 2015) sobre a fundação da Comunidade Remanescente Maria
Theodora Gonçalves de Paula, de Corumbá-MS.
De acordo com a tabela 1, podemos perceber que até o momento em
três comunidades remanescentes (Comunidades Furnas Boa Sorte-
Corguinho/MS, Furnas do Dionísio - Jaraguari/MS e Família Cardoso-
Nioaque/MS) os fundadores estavam na região de Mato Grosso do Sul antes
da abolição (1888). As demais tiveram como fundadores famílias de ex-
escravos que, entre o final século XIX e início do século XX, chegaram ou
65
casaram, nos sertões de Mato Grosso, na região Sul, com fins de aquisição de
propriedade agrícola.
A falta de documentos oficiais históricos sobre a época faz os
historiadores absterem-se de inferir forças de resistência no sul de Mato
Grosso, à época da escravidão. Documentos desapareceram, foram destruídos
ou foram malconservados. José Antônio Pimenta Boeno, Presidente da
Província, ainda em 1838, discursou sobre o assunto na Assembleia Legislativa
Provincial, relatando o péssimo estado de conservação e a falta de asseio nos
locais de armazenamento desses documentos (CABRAL, 1994).
É importante destacar que Rui Barbosa, então ministro da Fazenda da
Primeira República ordenou a queima de todos os arquivos referentes à
escravidão (SANTOS, 2010). Santos (2010) concluiu que a historiografia
tradicional advoga que o trabalho escravo no sul de Mato Grosso teve pouca
relevância. Um exemplo é a afirmação de Barbosa (2005), em seu livro sobre a
família Rodrigues na ocupação de Mato Grosso do Sul, relata que a
convivência era harmoniosa, além disso, Hildebrando CAMPESTRINI (2002)
relatou que os escravos eram como agregados, não tendo o mesmo tratamento
que tiverem em outras regiões escravocratas. Evidentemente, os autores
referem-se à Fazenda Camapuã e à Miranda. Na grande área dos Campos da
Vacaria houve pouquíssimos escravos negros. O trabalho familiar, ali, tinha no
trabalhador indígena/paraguaio a base da produção pecuária.
Desenvolveram-se assim no território histórico da Província de Mato
Grosso (Sul e Norte) conforme interesses dos atores sociais, quilombos, fortes,
presídios, arraiais, vilas e cidades, o que trouxe novas configurações espaciais
ao território, utilizando-se, também o trabalho das famílias negras, escravas ou
não. Esses atores foram fundamentais para a constituição sociocultural e
econômica nesses Estados. (SANTOS, 2010).
O reconhecimento da legitimidade e domínios dos povos quilombolas
sobre as terras em que moravam e trabalhavam só se iniciou a partir da
Constituição Federal de 1988, cujo artigo nº 68, do ato das Disposições
Constitucionais Transitórias deixa claro: “Aos remanescentes de comunidades
quilombolas que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade
definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos” (BRASIL,
1988).Esse ato garantiu direito à preservação de sua cultura, às terras
66
ocupadas, à autodeterminação, além da instituição da Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais,
Fundação Cultural Palmares, Programa Brasil Quilombola. Essas legislações
fortaleceram as comunidades quilombolas, assegurando acesso aos direitos
fundamentais de todos os cidadãos.
As legislações regionais, que tratam dos direitos da população das
comunidades remanescentes de quilombo em Mato Grosso do Sul, delegam a
Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural como responsável
pelas políticas de desenvolvimento, agricultura familiar e extensão rural às
comunidades tradicionais do Estado (Lei nº 3.345, de 22 de dezembro de 2006
e decreto nº 12.312, de 11 de maio de 2007), a criação de programas de
regularização fundiária (Decreto nº 11.493, de 3 de dezembro de 2003) e
acesso à assistência social (Decreto nº 11.587, de 20 de abril de 2004, Lei nº
3.039, de 05 de julho de 2005).
Para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação,
desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das
comunidades dos quilombos o INCRA-MS utiliza a Instrução Normativa nº 57,
de 20 de outubro de 2009 do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
Considerações Finais
A história dos negros na ocupação do sul do estado de Mato Grosso,
hoje denominado Mato Grosso do Sul, possui poucos registros documentais.
Os existentes são alguns registros de nascimentos ou de venda de negros
escravos, utilizados aqui como fontes secundárias, de historiadores. A literatura
existente sobre a colonização do estado de Mato Grosso, cita as famílias
colonizadoras e dirigem-se aos negros como serviçais ou trabalhadores braçais
nas fazendas ou nas vilas da época. Em grande parte das fazendas de gado
em MS quase não havia escravos negros; sim, escravos indígenas/paraguaios,
que conheciam a lida campeira de gado.
Percebe-se que a presença de negros escravos em MS está relacionada
com a exploração das minas, crescendo também, por consequência, a
quantidade de mestiços ou mulatos em toda região. Além disso, a partir de
1850, verifica-se a queda na quantidade de escravos negros e,
67
consequentemente, a diversificação da mão-de-obra, o que contribui, dentre
outros fatores nacionais para a Abolição em 1888. A historiografia desses
colonizadores negros está em sua maioria na forma de relatos contados, onde
são passados de geração em geração pelos mais velhos nas comunidades
remanescentes.
Cabe ressaltar que de acordo com as fontes consultadas, até o
momento, três comunidade reconhecidas no território de Mato Grosso do Sul, a
saber Comunidades Furnas Boa Sorte-Corguinho/MS, Furnas do Dionísio-
Jaraguari/MS e Família Cardoso-Nioaque/MS, foram formadas a partir de
escravos de Mato Grosso do Sul e as demais foram formadas a partir da
migração de pioneiros negros, ex-escravos e filhos de ex-escravos, vindos por
migrações, que aqui chegaram, estabeleceram residência e compraram ou
requereram posse de seu território.
Referências Bibliográficas
ABREU, J. C. de. Capítulos de história colonial (1500 – 1800) & Os
caminhos antigos e o povoamento do Brasil. 5ed. Brasília: Universidade de
Brasília, 1963. 402p.
ALBUQUERQUE, W. R.; FRAGA FILHO, W. Uma história do negro no
Brasil. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais e Brasília: Fundação
Cultural Palmares, 2006. 320p.
ALMEIDA, A. W. B. Os quilombos e as novas etnias. Manaus: UEA Edições,
2011. 196p.
ALVES, G. L.; CENTENO, C. V.; MIANUTTI, J.; BRITO, S. H. A. Relações
sociais e pesquisa ambiental no Pantanal Sul-Mato-Grossense: quando o
pesquisador precisa ser cidadão. In: ALVES, G. L.; MERCANTE, M. A.;
FAVERO, S. (Org.). Pantanal Sul-Mato-Grossense: ameaças e propostas.
1ed. Campinas-SP: Autores Associados, 2012, v.1, p.5-28.
BANDEIRA, M. de L. Território negro em espaço branco: estudo
antropológico de Vila Bela. São Paulo: Ed. Brasiliense/CNPq, 1988. 346p.
68
BARBOSA, J. C. A saga dos Rodrigues: 150 anos de história em Mato
Grosso do Sul. Campo Grande, MS: IHGMS-MS, 2005. 255p.
BARBOSA, W. Sociologia e Trabalho: Uma Leitura Sociológica Introdutória.
Instituto Federal de Goiás – IFGOIAS. 238p. Disponível em:
<http://www.goiania.ifgoias.edu.br/cienciashumanas/images/downloads/cadern
os/caderno_sociologia_trabalho.pdf> . Acesso em: 20 dez. 2015.
BRAZIL, M. do C. Fronteira negra: dominação, violência e resistência escrava
em Mato Grosso 1718-1888. Passo Fundo: Universidade de Passo Fundo,
2002. 176p.
BRAZIL, M. do C. Sonhos de liberdade: a escravidão e o fenômeno das fugas
além-fronteiras em Mato Grosso colonial. Revista História & Luta de Classes,
São Paulo, v.1, p.33-42, 2006.
CABRAL, P. E. “Como se de ventre livre nascido fosse...”: cartas de
liberdade, revogações, hipotecas e escrituras de compra e venda de escravos,
1838 a 1888.Campo Grande: Arquivo Público Estadual; SEJT, MS; SEEB, MS;
Ministério da Cultura/Fundação Cultural Palmares/Brasília, 1994. 343p.
CAMPESTRINI, H. Santana do Paranayba: De 1.700 a 2002. Campo Grande-
MS: IHGMS. 2 ed. 2002. 239p.
CAMPESTRINI, H.; GUIMARÃES, A. V. História de Mato Grosso do Sul.
Campo Grande: IHGMS, 2002. 270p.
CENTENO, C. V. A educação do trabalhador nos ervais de Mato Grosso
(1870–1930): crítica da historiografia regional, de suas concepções de
trabalho, história e cultura. 2000. 181f. Dissertação (Mestrado em
Educação), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande.
69
CORRÊA FILHO, V. Ervais do Brasil e ervateiros. Documentário da vida
rural, n° 12, Rio de Janeiro, Ministério da Agricultura/Serviço de Informação
Agrícola, 1957. 88p.
CORRÊA FILHO, V. História de Mato Grosso. Rio de Janeiro: Fundação Julio
Campos. 1969. v.4. 741p.
FIGUEIREDO, L. R. O avesso da memória: cotidiano e trabalho da mulher
em Minas Gerais no século XVIII. 2ed. Rio de Janeiro: José Olympo,1993.
249p.
FUNASA – Fundação Nacional da Saúde. Coletânea sobre as Comunidades
Negras Rurais Quilombolas de Mato Grosso do Sul. Campo Grande:
FUNASA. 2009. 77p.
GAIGER, L. I. G. A economia solidária diante do modo de produção capitalista.
CADERNO CRH, Salvador, n.39, p.181-211, 2003.
GUIMARÃES, A. V. Mato Grosso do Sul: história dos municípios. Campo
Grande, MS: Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, 1992. v.1.
207p.
HOLANDA, S. B. de. História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo:
DIFEL, 1968. 610p.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.
Capitanias Hereditárias. 2015. Disponível em:
<http://mapas.ibge.gov.br/escolares/publico-infantil/brasil/capitanias-
hereditarias>. Acesso: 25 set. 2015.
INCRA – INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA.
SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DE MATO GROSSO DO SUL – SR – 16.
Relatório Antropológico de Identificação e Delimitação da Comunidade
70
Quilombola Chácara do Buriti (Campo Grande/MS). Brasília: Ministério do
Desenvolvimento Agrário. 2007. 273p.
INCRA – INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA.
SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DE MATO GROSSO DO SUL – SR – 16.
Relatório Antropológico de Identificação e Delimitação Do Território da
Comunidade Quilombola Dezidério Felippe de Oliveira (Dourados/MS).
Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário. 2007b. 316p.
INCRA – INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA.
SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DE MATO GROSSO DO SUL – SR – 16.
Relatório Sócio-Histórico-Antropológico Comunidade Negra Colônia São
Miguel: quando o território se transforma em patrimônio. Brasília: Ministério do
Desenvolvimento Agrário. 2007c. 129p.
INCRA – INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA.
SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DE MATO GROSSO DO SUL – SR – 16.
Relatório antropológico de identificação e delimitação do território da
Comunidade Quilombola Família Cardoso (Nioaque/MS). Brasília: Ministério
do Desenvolvimento Agrário. 2007d. 209p.
INCRA – INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA.
SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DE MATO GROSSO DO SUL – SR – 16.
Relatório dos Estudos Antropológicos da Comunidade de Remanescente
de Quilombo Família Araújo e Ribeiro(Nioaque/MS). Brasília: Ministério do
Desenvolvimento Agrário. 2013. 318p.
INNOCENTINI, T. C. Capitanias Hereditárias: Herança colonial sobre
desigualdade e instituições. 2009. 57f. Dissertação (Mestrado em Economia
de Empresas), Fundação Getúlio Vargas - Escola de Economia de São Paulo,
São Paulo.
KNAPIK, M. C. O Trabalho Humano: Das sociedades comunais ao modo de
produção feudal. Curitiba: Gráfica Popular, 2004. 66p.
71
LINDOSO, D. O poder quilombola: a comunidade mocambeira e a
organização social quilombola. Maceió: UFAL- Universidade Federal de
Alagoas, 2007. 107p.
MARTINS, J. de S. O cativeiro na Terra. São Paulo: Editora Contexto, 2010.
288p.
MALHEIRO, P. A escravidão africana no Brasil. Cadernos de história.
Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, da Academia Paulista de Letras
e da Academia de História. São Paulo: Editora Parma Ltda.,1979. 128p.
MARX, K. Para a crítica da economia política. São Paulo: Editora Abril
Cultural,1996. Coleção Os Economistas, v.1. 473p.
PINSKY, J. A escravidão no Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 2000. 95p.
REIS, J. J.; GOMES, F. dos S. Liberdade por um fio: história dos quilombos
no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 509p.
RUGENDAS, J.M. Viagem pitoresca através do Brasil – 1835. São Paulo:
Círculo do Livro. 1978. 271p.
SAINT-HILLAIRE, A. Viagem à província de São Paulo e resumo das
viagens ao Brasil, província Cisplatina e missões do Paraguai. São Paulo:
Martins Editora, 1972. 309p.
HOFF, S. Modos de Produção Material. Campo Grande. Uniderp, 2015.
(Texto de aula).
SANTOS, C. A. B. P. dos. Fiéis descendentes: redes-irmandades na pós-
abolição entre as comunidades negras rurais sul-mato-grossense. 2010.
477f. Tese (Doutorado em Antropologia Social), Universidade de Brasília,
Brasília.
72
SAVIANI, D. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e históricos.
Revista Brasileira de Educação, Campinas, v.12, n.34, p.152-180, 2007.
SCHMITT, A.; TURATTI, M. C. M.; CARVALHO, M. C. P. de. A atualização do
conceito de quilombo: identidade e território nas definições teóricas. Revista
Ambiente & Sociedade, São Paulo, v.5, n.10, p.1-8, 2002.
SCHWARZ, R. G. Trabalho Escravo: A abolição necessária. São Paulo: LTR,
2008. 264p.
SELL, C. E. Introdução à Sociologia Política: política e sociedade na
modernidade tardia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. 215p.
SILVA, J. de M. Canaã do Oeste (sul de Mato Grosso). Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional. Rio de Janeiro, 1947. 184p.
SILVA, J. V. Mistura de cores: Política de povoamento e população na
Capitania de Mato Grosso – século XVIII. Cuiabá: Editora UFMT, 1995. 230p.
SILVA, M. C. A. de M. da. Empoderamento e potencialidades para
desenvolvimento local na tradicional comunidade negra “São João
Batista” de Campo Grande, MS. 2010. 223f. Dissertação (Mestrado em
Desenvolvimento Local), Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande.
SIQUEIRA, E. M. História de Mato Grosso: Seleção de Conteúdo para o
Concurso Público do Governo de Mato Grosso. Cuiabá: Entrelinhas, 2009. 7p.
SODRÉ, N. W. Oeste: ensaio sobre a grande propriedade pastoril. Rio de
Janeiro: José Olympio, 1941. 325p.
TAUNAY, A. de E. História Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1949. 396p.
73
TERRA, E. M. M. Territorialidade da comunidade rural quilombola Chácara
do Buriti e potencialidades do desenvolvimento local. 2011. 131f.
Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Local), Universidade Católica Dom
Bosco, Campo Grande.
UMBELINO, M. E. Trabalho escravo contemporâneo: exploração do
trabalho rural em Goiás. 2014. 144f. Dissertação (Mestrado em Direito),
Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia.
VAINFAS, R. Dicionário do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Objetiva LTDA,
2000. 594p.
VALENTE, A. L.; ARAÚJO, G. R.; QUIDA, H. C.; MODESTO, L. Comunidade
Negra Furnas de Boa Sorte: relatório antropológico, 2001. 136p.
BANDEIRA, M. de L.; DANTAS, T. de V. S. Furnas de Dionísio (MS)
Relatório Histórico Antropológico. Fundação Cultural Palmares e
Universidade de Cuiabá-MS, 2004. 54p.
VALVERDE, O. Fundamentos geográficos do planejamento rural do município
de Corumbá. Revista Brasileira de Geografia, Brasília, v.49, n.1, p.49-144,
1972.
VOLPATO, L. R. R. Cativos do sertão: vida cotidiana e escravidão em Cuiabá
em 1850-1888. São Paulo: Editora Marco Zero, 1993. 251p.
WOORTMANN, E. F.; WOORTMANN, K. O trabalho da terra: a lógica e a
simbólica da lavoura camponesa. Brasília: Editora Universidade de
Brasília,1997. 192p.
CRUZ-SILVA, S. C. B. da; FERNANDES, V.; HOFF, S.; MATIAS, R.;
OLIVEIRA, A. K. M. Negros e História de Ocupação de Mato Grosso do Sul. In:
FERREIRA, F. M. N. S.; BUENO, H. P. V.; BECK, M. C. (Org.). Mato Grosso
do Sul: perspectivas históricas, educacionais e ambientais. 1ed. Campo
Grande: Editora UFMS, 2016, v.4. p.87-118.
74
Artigo II
Análise Físico-ambiental e Multitemporal do território da Comunidade
Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti, Campo Grande, Mato Grosso
do Sul, Brasil
Sthefany Caroline Bezerra da Cruz-Silva
Resumo
As comunidades quilombolas possuem diferentes estruturas sócio-históricas-
territoriais. Em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, apenas uma comunidade
encontra-se em área rural, o que justifica realizar uma análise multitemporal do
uso e ocupação do território e retratar as relações históricas da “Comunidade
Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti”. Para mapear o uso do solo utilizou-
se de imagens de satélites (1985-2015), diagnóstico das relações territoriais e
trajetória histórica e determinou-se a qualidade da água do córrego Buriti e de
consumo. A história da ocupação inicia-se em 1930 com 3 núcleos familiares, a
base estrutural para a formação da atual população com 126pessoas. As
relações econômicas e sociais da trajetória histórica da Comunidade
influenciaram no uso dos recursos naturais, com acréscimo de solo exposto,
áreas urbanizadas, de lavoura irrigada e pastagem o que possivelmente refletiu
na contaminação do córrego, já a água do poço artesiano, para consumo
humano, atende a legislação vigente.
Palavras-chave: Comunidade Tradicional; Geoprocessamento; Uso e
Ocupação; Qualidade da água.
Abstract
Quilombola communities have different socio-historical-territorial structures. In
Campo Grande, Mato Grosso do Sul-Brazil, only one community is located in a
rural area, which justifies a multitemporal analysis of the use and occupation of
the territory and portrays the historical relations of the "Comunidade Negra
Rural Quilombola Chácara do Buriti". In order to map the land use, satellite
images (1985-2015) were used, as well as a diagnosis of territorial relations and
historical trajectory, and the water quality of Buriti stream and consumption was
determined. The history of occupation began in 1930 with 3 family nuclei, the
structural basis for the formation of the present population with 126 people. The
75
economic and social relations of the historical trajectory of the Community
influenced the use of natural resources, with the addition of exposed soil,
urbanized areas, irrigated agriculture and pasture, which possibly reflected in
the contamination of the stream, as well as artesian well water, for human
consumption, complies with current legislation.
Keywords: Traditional community; Geoprocessing; Use and occupation; Water
quality
Introdução
Em resposta ao sistema escravocrata brasileiro, que perdurou entre os
séculos XVI e XIX, os negros escravizados manifestaram sua resistência de
variadas formas, desde ações que influenciavam negativamente a
produtividade de seu trabalho, até fugas, individuais ou coletivas, para se juntar
ou não a agrupamentos nos sertões, originando os Quilombos (REIS e
GOMES, 1996).
Todo esse processo gerou a formação das, atualmente denominadas:
Comunidades Remanescentes de Quilombo, formadas a partir do agrupamento
de escravos fugidos ou por escravos libertos pela Lei Áurea que ocuparam
propriedades de menor custo ou consideradas a época terras devolutas.
No antigo Estado de Mato Grosso, a presença de negros escravos está
diretamente relacionada a exploração de minérios, tal como ouro, ou a pedras
preciosas, como os diamantes, que necessitavam de uma grande quantidade
de pessoas para sua exploração, já a agropecuária, em menor escala, também
utilizava os negros para o trabalho. Já na região do atual Estado de Mato
Grosso do Sul (desmembrado do Estado de Mato Grosso em 1977) o processo
de mineração foi mais disperso, com pouca produção, predominando,
inicialmente, a criação de gado extensiva, que demandava pouca mão de obra.
Além disto, mesmo as atividades mais extenuantes, com a necessidade de
muitos trabalhadores braçais, como a extração de erva-mate, utilizavam
preferencialmente a mão de obra indígena ou paraguaia. Desta maneira,
poucas comunidades são encontradas no Estado, em comparação com outras
unidades da federação e atualmente, são reconhecidas vinte e duas
comunidades quilombolas (CRUZ-SILVA et al., 2016).
76
Em Campo Grande, capital do Estado, existem três comunidades; duas
urbanas: São João Batista e a Eva Maria de Jesus, Tia Eva (Vila São Benedito)
e uma encontra-se em área rural, a Comunidade Negra Rural Quilombola
Chácara do Buriti, formada a partir da migração de ex-escravos e filhos de ex-
escravos, que chegaram ao Estado em 1905.
Essa cultura desenvolvida em comunidades negras rurais, como
resultado de sua identidade cultural, formada pela junção da sua identidade
étnica e a territorialidade, além da sua relação com a utilização dos recursos do
seu território, pode e deve ser valorizada, como parte integrante da
historiografia regional e brasileira.
Considerando que a elaboração de políticas públicas, visando a melhoria
da qualidade de vida e valoração dessa cultura deve levar em consideração as
informações do espaço geográfico (território) ocupado pelas comunidades
(SCHMITT et al., 2002), o objetivo deste estudo foi realizar uma análise
multitemporal do uso e ocupação do território, retratando as relações históricas
da “Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti” com seu
ambiente.
Procedimentos Metodológicos
Caracterização da Área de Estudo
O território da comunidade foi anteriormente delimitado pelo Relatório
Técnico de Identificação e Delimitação do Território da Comunidade
Quilombola (INCRA, 2007), finalizado em 2007 pelo Serviço de Regularização
de Territórios Quilombolas, setor especializado do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Superintendência Regional de Mato
Grosso do Sul, Brasil. No local existem 72 residências, com uma população de
cerca de 126 pessoas, estabelecidas em 43,008 ha.
A Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti está situada
no km 449 da BR 163, cerca de 18 km ao sul do limite urbano de Campo
Grande, capital de Mato Grosso do Sul, Brasil, tendo como ponto as
coordenadas20°44’41’.63’’S; 54°31’43’.13’’O. Possui como recurso hídrico o
Córrego Buriti (Figura 1), afluente do Córrego Cachoeirinha, Ribeirão
Cachoeira, Rio Anhanduí, Rio Pardo e por fim desagua no Rio Paraná.
77
O clima enquadra-se no tipo Clima Tropical de Savana, com duas
estações bem definidas: quente e úmida no verão e fria e seca no inverno
(KÖEPPEN, 1948) e está localizada no bioma Cerrado, com as fitofisionomias
encontradas sendo o Cerrado sensu stricto, Savana Arbórea Densa (cerradão),
Vereda de Buritizal (área úmida com presença de nascente) e Formação
Ripária (Mata de Galeria Inundável), com predominancia de latossolo roxo.
Análise multitemporal por sensoriamento remoto das imagens nos SIG’s
ArcGis 10 e Spring 5.2.6
Para a delimitação da área, utilizou-se de arquivos shape,
disponibilizados pelo Serviço de Regularização de Territórios Quilombolas,
setor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – SR/16 (INCRA-
MS).A análise da área de estudo foi baseada em quatro períodos, 1985, 1995,
2005 e 2015, utilizando-se os Sistemas de Informação Geográfica ArcGis 10 e
Spring 5.2.6, resultando na análise multitemporal de imagens de satélite
Landsat 5, do sensor TM (1985 e 1995) e imagens Digital Globe, do satélite
GeoEye-1 (2005 e de 2015).
Para elaboração dos mapas temáticos utilizou-se uma composição de
bandas RGB em todas as imagens adquiridas; os procedimentos iniciais foram
realizados em ambiente do SIG ArcGis 10; já os métodos elaborados para a
segmentação, classificação e mapeamento foram realizados no SIG Spring
5.2.6.No mapeamento foram identificadas nove classes temáticas: Água, Áreas
úmidas (áreas de brejo com solo hidromórfico), Áreas urbanizadas, Áreas
florestais (vegetação primária e secundária), Lavouras (culturas temporárias),
Pastagem, Pastagem degradada, Solo exposto e Vegetação campestre
(vegetação em recuperação, após abandono da pastagem). Assim, os mapas
temáticos foram confeccionados a partir das imagens classificadas; em
sequencia, foram obtidos os dados em quilômetros quadrados (Km²) de cada
classe temática resultante da classificação das imagens para cada ano, os
quais serviram de subsídios para a análise do uso e ocupação.
Para fins de análise do uso e ocupação do solo, pela Comunidade, a
classificação do uso foi realizada em proporção, já que nos anos 1985, 1995 e
2005, a área total era de 29,13 ha; já no ano 2015, 43,008 ha.
78
Para caracterizar o córrego Buriti, que limita a Comunidade ao sul, foram
realizadas coletas de amostras de água em 2 pontos: o ponto Pm localizado no
início do córrego dentro da Comunidade, o Ponto Pj na saída dos limites da
Comunidade. Foram feitas coletas de amostras de água do poço semi-
artesiano (P0), de onde é distribuída a água para todos os moradores e o
segundo ponto da caixa d´água de um dos moradores (P1).A rotina de coleta
(amostra composta), armazenamento e transporte das amostras de água
seguiu recomendações técnicas descritas em CETESB (1987) e as análises
físicas, químicas e microbiológicas segui APHA (2005). As analises foram
realizadas em triplicatas e a interpretação dos resultados com base na
Resolução do CONAMA 357/2005 (BRASIL, 2005) e nas Portarias do
Ministério da Saúde nº 518, de 25 de Março de 2004 e nº 2.914 de 12 de
dezembro de 2011 (BRASIL, 2004; BRASIL, 2011).
Entrevistas e caracterização da comunidade
Para completar o diagnóstico do uso e ocupação do território além das
informações do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Território
da Comunidade Quilombola (INCRA, 2007) finalizado em 2007 pelo Serviço de
Regularização de Territórios Quilombolas, Setor especializado do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Superintendência
Regional de Mato Grosso do Sul, realizou-se visitas in loco e entrevistas
dialogadas com três moradores, indicados pela Associação que representa a
Comunidade, por serem os mais antigos e conhecerem as relações históricas
da comunidade com o território.
Comitê de Ética
O presente estudo foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa
Envolvendo Seres Humanos, resolução n°196/1996 (CONSELHO NACIONAL
DE SAÚDE, 1996) e aprovado, sob parecer nº 1.354.762.
Resultados e Discussão
Caracterização do Território e Histórico
A história da Comunidade começa com a chegada em 1905 da comitiva
da ex-escrava Tia Eva, junto a seu companheiro Adão e as três filhas ex-
79
escravas, oriunda de Mineiro, Goiás, em conjunto com outros grupos familiares
oriundos de Uberaba, Minas Gerais (famílias dos ex-escravos Nortório e
Borges), no atual município de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, se
instalando às margens do Córrego Segredo (INCRA, 2007; MAZZARO et al.,
2011), um dos córregos principais formadores da cidade.
De acordo com a historiografia tradicional, os primeiros desbravadores a
se instalar na área, que hoje é o município, assim fizeram no final do século 19
e início do século 20 (WEINGÄRTNER, 1995). Conforme a historiografia oral
nessa época já existia uma comunidade negra, em local conhecido como
Cascudo, atual Bairro São Francisco. A região era conhecida por servir de
passagem para as minas de Mato Grosso, mais ao Norte, no entanto sua
ocupação e crescimento territorial ocorreu após o estabelecimento desses
núcleos familiares.
Neste local, que compreende 8 hectares, encontra-se hoje a
Comunidade Remanescente de Quilombo “Eva Maria de Jesus - Tia Eva”, onde
os filhos de tia Eva e dos outros núcleos familiares se estabeleceram, vivendo
até hoje (MAZZARO et al., 2011). Atualmente, no local onde está a
Comunidade Tia Eva está localizado o Bairro São Francisco. A revelia do
desenvolvimento do município, a Comunidade Tia Eva desenvolvia em seu
território atividades diárias de pequenos produtores, tais como: pequenos
roçados de subsistência e criação de animais; assim como era comum nos
locais da onde vieram, Mineiros-GO e Uberaba-MG. Tia Eva possuía três filhas,
que também foram escravas: Sebastiana Maria de Jesus, Joana Maria de
Jesus e Lazara Maria de Jesus. Sebastiana Maria de Jesus, era casada com
Jerônimo “Vida” da Silva, que era filho da africana Maria Antônia, uma das ex-
escravas que vieram na comitiva junto a Tia Eva e sua família (INCRA, 2007).
Posteriormente, Sebastiana (filha de Tia Eva, vinda na comitiva) junto ao
seu marido Jerônimo “Vida”, na década de 1920, foram trabalhar morar e na
fazenda “Buriti Escuro” de propriedade do Sr. Joaquim de Oliveira, que tinha
esse nome devido à grande quantidade de palmeiras Buriti na área, localizada
aproximadamente a 50 km ao sul de Campo Grande, atualmente denominada
Santa Euzélia. Nesta fazenda, durante seu tempo de trabalho, tiveram nove
filhos e entre eles, João Antônio da Silva, conhecido como João “Vida
80
João Vida casou-se com Maria Theodolina de Jesus, filha de Custódio
Antônio Nortório e Maria Antônia de Jesus (descendentes dos núcleos que
vieram na comitiva com Tia Eva) e segundo informações orais de Jair Vicente
da Silva (casado com Izalda Theodolina da Silva, neta de João “Vida”), após
alguns anos trabalhando na Fazenda Buriti Escuro, o casal passou a buscar
outra terra para se estabelecer. Ao encontrar o compadre Marcelo dos Santos,
João “Vida” negociou um pedaço de terra de 35ha em troca de 12 cabeças de
gado, pertencentes ao casal, já que não possuíam dinheiro. Ainda, segundo
Jair, a dívida não foi liquidada, sendo que João “Vida” ainda demorou mais dois
anos para terminar de pagar a terra, que foi realizado através da produção
pecuária e de milho na recém-adquirida área. Ainda, segundo informações
orais de Jair Vicente da Silva, por se parecer com a região da Fazenda Buriti
Escuro, inicialmente a nova área foi chamada de Buriti Claro; atualmente,
Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti (Figura 1).
Figura 1. Delimitação do território da Comunidade Negra Rural Quilombola
Chácara do Buriti, Campo Grande, Brasil, 2015.
Fonte: Adaptado pelos autores do Digital Globe, Satélite GeoEye-1.
Esse momento de transição de área está na memória de todos da
Comunidade Chácara do Buriti, pois, de acordo com o Relatório Técnico de
81
Identificação e Delimitação-RTID (INCRA, 2007), esta lembrança é “um marco
que deu início a sua territorialização”, conectando as diversas gerações e
formando sua identidade. Nesta nova propriedade, a fonte de renda da família
era basicamente a criação dos animais, agricultura de subsistência (arroz,
milho, feijão, mandioca, cana, abóbora) e como renda extra, o trabalho em
fazendas vizinhas, amansando gado e/ou realizando outros serviços.
Inicialmente as moradias foi construída com sapé e paredes de taipa, idêntico
ao encontrado em fazendas de gado no final do século XIX. Neste tipo rústico
de moradia, segundo informações orais de Izalda Theodolina da Silva, neta de
João “Vida”, as paredes eram de pau a pique com madeira roliça, que eram
revestidas com sabugo de milho e tampados com barro misturado à fezes de
vaca, ao final dessa etapa, denominada barriamento, jogava-se água de cinza,
com o objetivo de se imitar o efeito do cal.
Ao se estabelecer na nova área, João “Vida” convidou seu concunhado
Manoel Francisco Domingos e posteriormente Antônio Custódio (irmão de
Maria Theodolina), moradores na Fazenda Buriti Escuro, para residir no Buriti
Claro. Alguns anos depois, os três núcleos familiares iniciaram então a explorar
os recursos naturais da chácara, que possui uma área de solo úmido,
popularmente chamada brejo, da qual passaram a extrair argila e, com
equipamentos primitivos, exigindo muito trabalho braçal, começaram a produzir
tijolos através de sua olaria (INCRA, 2007).Como não possuíam o meio para
transportar a produção, os tijolos produzidos eram vendidos para fazendeiros
vizinhos que levavam até o centro urbano e vendiam aos depósitos de
materiais de construção. Os tijolos produzidos ainda foram muito utilizados
para substituição das paredes de taipa das moradias e na construção de novas
moradias.
Porém esta exploração, apesar de ser uma fonte de renda para a
comunidade, também gerou uma série de impactos ambientais de grande
porte, pois o brejo foi descaracterizado e desta maneira, o lençol freático
tornou-se mais profundo, levando a perda de parte do recurso hídrico.
Também o processo de queima dos tijolos exigia grande quantidade de
madeira, retirada das matas de região, levando a um desmatamento intenso e
perda da biodiversidade. Desta maneira, as matas da região entraram em
82
processo de sucessão secundária, indicando ação antrópica e levando a outras
consequências, com perda de fertilidade do solo e processo de erosão.
Por outro lado, a partir deste momento, as moradias passaram então a
serem construídas com “tijolinhos” fabricados na própria comunidade. O
trabalho era realizado por todos, homens, mulheres e crianças e estas, a partir
de seus oito anos já começavam a colaborar na produção dos cerca de trinta
mil tijolos por semana, que saíam com a gravação JAS, iniciais do nome oficial
de João “Vida”. Ainda, segundo informações orais de Joanir Teodolino da Silva,
bisneto de João “Vida”, a renda obtida com a venda da produção, não era
repartida igualmente, a produção era separada por porções, ficando a maior
parte para o filhos de João “Vida” que eram casados, o resto era divido entre os
filhos solteiros e ainda havia aqueles que recebiam pagamento pelo dia ou mês
trabalhado.
Apesar das várias décadas de ocupação da área, apenas em 1940 João
“Vida” conseguiu registrar a propriedade no Registro de Imóveis da 1ª
Circunscrição em Campo Grande, com uma área de 35 ha e 500 m². Nessa
época, a fonte de renda da Comunidade era baseada na pecuária de leite
(utilizado na fabricação de queijos), na agricultura (arroz, milho, feijão,
mandioca, cana, abóbora) e na olaria Cabe ressaltar que a obtenção de
dinheiro em espécie só ocorria na venda da produção de tijolos, a produção
das demais atividades (pecuária e agricultura) era utilizada prioritariamente
para suprir as necessidades de subsistência dos moradores da Comunidade e
o que sobrava era utilizado para adquirir outros mantimentos de vizinhos, mas
na base da troca, sem envolver dinheiro.
Segundo RESENDE (1999), na década de 1950 começaram as obras
para a construção de diversas rodovias federais, entre elas a BR-163, ligando
Campo Grande a Cuiabá, entre outras regiões. Porém esta rodovia dividiu o
território da Comunidade em duas áreas, uma com 6ha, que na época era de
mata, a direita da BR-163 (para quem vem de Campo Grande para a
Comunidade) e a outra a esquerda, de 29ha e 500m2, onde estavam
concentradas as plantações, residências e a olaria.
Para a divisão da propriedade em duas áreas, João “Vida” e seus
vizinhos não foram consultados e nem informados pelo órgão responsável na
época, o Departamento Nacional de Estradas e Rodagem (DNER). Esta era
83
uma situação normal, no período, pois a construção de estradas era
considerada um fator de integração e segurança nacional, onde o importante
era interligar as diferentes regiões brasileiras, não importando quais os
impactos causados.
No final da década de 1960, João Vida trocou os 6ha com seu vizinho
João Alves de Almeida, por 10ha de área contigua as terras da propriedade.
Com isto a área da Comunidade passa a ter então 40 ha e 500 m²; a diferença
da troca foi paga com o valor da época de 500 contos, o que significa em
valores atuais (INCRA, 2007).
Em 1960, conforme relatos orais de Izalda, João “Vida” faleceu, sendo
enterrado na própria Comunidade. Então, seu genro (casado com a filha
Arlinda, a penúltima), pai de Izalda, Sebastião Domingos da Silva, assumiu a
liderança da Comunidade e da Olaria. Visando regularizar a área permutada
com João Alves, mesmo com resistência de diversos moradores da área, que
não queriam se desfazer de terras, a Comunidade foi obrigada a vender parte
da área (cerca de 18ha), por Ncr$ 500,00 (Quinhentos cruzeiros novos) ao
proprietário vizinho, Antônio Lino, para obter recursos financeiros para pagar
um advogado para regularização.
Segundo relatos orais de Izalda, nesse período, concidente com o
desmembramento do Estado de Mato Grosso e criação do Estado de Mato
Grosso do Sul (1977), com a venda de parte do território a Comunidade
Chácara do Buriti possuía apenas 21 hectares. Este tamanho era considerado
insuficiente para que todos os moradores aptos praticassem a agricultura,
resultando em uma diáspora de pessoas, que passaram a buscar outras fontes
de renda fora da comunidade.
Aliada a esta situação de pouca disponibilidade de terras, a área era
pobre de recursos financeiros, com os moradores vivendo com dificuldade;
reflexo desta situação era a maneira como eram obtidas as roupas, feitas de
sacos de açúcar e/ou fabricados de algodão cru.
Nessa época, não havia luz elétrica e água encanada. Diante disto, a
água para consumo, dessedentação dos animais e irrigação era retirado de
poços rasos e do Córrego Buriti. A maioria dos alimentos consumidos não
necessitava de refrigeração, pois eram os grãos produzidos além dos legumes,
já as proteínas eram armazenadas de dois processos: desidratação e
84
conservação em latas. Ainda, conforme relato de Jair, a falta de água
encanada, energia elétrica e consequentemente refrigeração não causava
problemas de saúde aos moradores, ao contrário, nesse tempo eram muito
mais saudáveis do que hoje, sem a ocorrência de doenças como alta pressão
arterial, diabetes, câncer.
Até inicio de 1990, a Comunidade usava lampião a gás e/ou de
querosene e ferro de carvão. Apesar de iniciada na década de 1990, apenas
em 2003, com o Programa Luz para Todos do Governo Federal, todas as
residências tiveram acesso à energia elétrica e desta maneira, ocorreram
mudanças sociais e econômicas, com os moradores passando a adquirir bens
eletrônicos e a realizarem atividades no período noturno (INCRA, 2007).
Após 4 décadas da perda e do processo aberto no INCRA, ocorreu a
recomposição da área original, como explicado anteriormente, com a adição de
13 hectares, anteriormente vendidos com o intuito de obter condições
financeiras para a regularização fundiária da propriedade. Esta situação foi
resultado de um estudo favorável ao aumento, realizado pelo procurador
federal do INCRA, Adão Francisco de Novais, em 2005.
Uso e Ocupação do Território nas décadas de 1980, 1990, 2000 e 2010
Em 1985 é possível observar que o uso predominante da área da
Comunidade era majoritariamente explorada para pastagem, para a pecuária
de leite. No entanto, com a maior renda obtida com a olaria, a produção de
leite, com baixa produtividade (em torno de 30 litros no total de
aproximadamente 6 animais) era utilizada em sua maioria para a produção de
queijos, para consumo e venda entre os moradores e também, quando
sobrava, para os vizinhos.
Esta situação também é observada no entorno do local, com pastagens
predominando e indicando o uso pastoril da região. Também o volume hídrico
chama a atenção, indicando a origem do nome da comunidade, Buriti. Com a
quantificação da utilização do solo, feita a partir da imagem de satélite
geoprocessada do ano de 1985, foi possível perceber que a maior ocupação
era a Pastagem, seguida de Florestal e Áreas úmidas. A soma das áreas
florestais e das áreas úmidas garante a conservação de 49,86% da cobertura
vegetal.
85
Com a olaria em pleno funcionamento, a matéria-prima era retirada do
brejo, ou seja, das áreas úmidas, chamadas popularmente de veredas. As
Veredas de Buritizal são uma das fitofisionomias do Cerrado, conhecidas como
berços d’água, contém solos úmidos, argilosos ou arenosos e ácidos,
caracterizadas pelas formações da palmeira Mauritia flexuosa L.f. (Buriti) com
agrupamentos mais ou menos densos de espécies arbustivo-herbáceas
(RIBEIRO e WALTER, 1988; BOAVENTURA, 2007). Esses ambientes são
ricos em nascentes (olhos d’água), resultado de solos hidromórficos,
permanecendo a maioria do tempo alagado perenemente como consequência
do afloramento do lençol freático. Por isso, funcionam como bacias coletoras
ou vias de drenagem, sendo essenciais para a perenidade e regularidade dos
cursos
Na junção entre os Estados de Minas Gerais, Bahia e Goiás, os povos
tradicionais que habitam as veredas são denominados Veredeiros. Estes,
nesse ecossistema, exercem como fonte renda atividades agroextrativistas,
como criações de gado e plantio rotativo no campo ao redor da vereda, além
da extração de diversos itens, como o Buriti, o que caracteriza sua identidade
intimamente ligada ao seu território. Segundo o Ministério do Meio Ambiente a
identidade dos Veredeiros se construiu a partir da miscigenação de indígenas
com imigrantes europeus e depois com afrodescendentes (YPADÊ, 2015). Na
Comunidade Chácara do Buriti, segundo Jair, os primeiros moradores
utilizaram as folhas secas da palmeira Buriti, na cobertura de estruturas
denominadas Paiol (utilizada na criação de aves) e Rancho (estrutura utilizada
para armazenamento dos grãos de milho).
A preferência de grupos tradicionais por locais de veredas segundo
Borges et al. (2016), ocorre, pois, “em muitas regiões do Cerrado,
especialmente as formadas por solos arenosos, bem drenados e pobres em
nutrientes, a maior parte das atividades agrícolas são desenvolvidas em áreas
próximas a cursos d’água, em especial, nas veredas (brejos ou buritizais)”.
Estas informações podem justificar o estabelecimento dos descendentes de Tia
Eva, João “Vida” nas áreas de vereda. Tia Eva e sua família, assim como os
seus companheiros de comitiva, Nortório e Borges, possuem suas raízes em
Minas Gerais e Goiás; portanto pode-se aventar que era de seu conhecimento
o potencial das áreas de Veredas e esse conhecimento foi repassado a seus
86
descendentes, que quando se viram na oportunidade de obter uma área,
buscaram características que já conheciam.
A década de 1990 está marcada na memória de toda a Comunidade, por
fatos que transformaram sua estrutura econômica, como o fechamento da
olaria. Neste período, todas as famílias da Comunidade estavam envolvidas na
Olaria, desde os mais velhos até as crianças. É uma memória que unifica a
identidade da Comunidade, onde as crianças na época, hoje adultos, ainda
lembram claramente das etapas de produção, assim como da importância
financeira da Olaria para a sobrevivência dos mesmos.
Inicialmente a produção da Olaria era focada em suprir as necessidades
primárias da Comunidade, para a construção e melhorias das residências;
portanto não se pensava em lucro, mas sim na subsistência. No decorrer da
desta década, os oleiros da Comunidade se depararam com a necessidade de
pagamentos de impostos, tais como ICMS (Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços); além disso, os custos de produção, que incluíam a
aquisição de lenha e manutenção do maquinário, além da divisão do que
sobrava para a manutenção de necessidades básicas de moradores, tornaram
inviável a produção, obrigando os moradores a finalizar a produção de tijolos e
buscar novas fontes de renda (INCRA, 2007).
Com as mudanças da lei de impostos e a taxação da produção, além do
fato de os mais jovens não se interessarem pela atividade, já que as máquinas
eram primárias e a maioria do serviço era braçal e de muito esforço, a atividade
foi extinta (MAZZARO et al., 2011).
Conforme relatos orais do Sr. Jair, a desativação da Olaria causou
grande impacto. Desta maneira, o foco dos moradores se voltou para a
agricultura (arroz, milho, feijão, mandioca, cana, abóbora) e pecuária de leite;
no entanto a área de produção não era suficiente para todos da Comunidade,
resultando na evasão em busca de emprego, fora da Comunidade; grande
parte dos que ficaram se viram na necessidade de trabalhar em fazendas
vizinhas para suprir sua demanda financeira de subsistência.
Com a análise do mapa de uso e ocupação desta década, anos 90
(Figura 2A), é possível observar que nas classes de uso de solo ocorre um
aumento considerável das áreas com solo exposto e pastagem, em detrimento
das áreas florestais, que pode ser interpretado como resultado da necessidade
87
que a Comunidade teve de explorar outras áreas de seu território, com
agricultura ou pecuária.
Em relação à cobertura vegetal, verifica-se que somadas às áreas
florestais e das áreas úmidas, a porcentagem é de 39,21%, uma redução de
10,65% em relação a 1985. O uso do solo das propriedades que cercam a
Comunidade em 1995 (Figura 2B) não se alterou em relação a 1985 (Figura
2A), mantendo-se como pastagem, floresta e áreas úmidas.
Figura 2. Mapa de uso e ocupação do solo no território da Comunidade Negra
Rural Quilombola Chácara do Buriti (Campo Grande, Mato Grosso do Sul) em:
A: 1985, B: 1995, C: 2005 e D: 2015.
A década dos anos 2000 foi marcada por novas alterações na fonte de
renda da Comunidade, ocorrendo o abandono da pecuária e fortalecimento da
agricultura familiar. Conforme informações orais de Jair e da AQBURITI, no
ano de 2005 a pecuária ainda era uma das fontes de renda para a
Comunidade; no entanto já estava enfraquecida em razão da pouca área
disponível e da área necessária ao pastejo dos animais. A renda da maioria
dos moradores advinha do trabalho nas fazendas que cercavam o território
A
1985
B
1995
2005
C
2015
D
88
quilombola, assim como da produção da agricultura familiar, baseada no cultivo
de variedades de pimentas. O cultivo foi iniciado após conversa de alguns
moradores com comerciantes do Mercado Municipal de Campo Grande
“Antônio Valente”, que os instigaram a produção para vender a eles, dando
inclusive algumas orientações sobre o cultivo. No entanto, a maioria da
produção era vendida para comerciantes de Anhanduí (Distrito de Campo
Grande), o que fez reacender nos moradores a vocação para agricultura
familiar, o que também os fez visíveis aos olhos do governo municipal,
chamando à atenção para que futuramente fossem implantadas políticas de
incentivo a essas e a outras atividades.
Na imagem de 2005, também é possível observar o surgimento de áreas
urbanizadas que correspondem às residências dos moradores. Esse fato
resultou do aumento da população da Comunidade; como exemplo, o casal
Arlinda e Sebastião Domingos da Silva tiveram 12 filhos e a maioria
permaneceu na comunidade e lá tiveram seus filhos, aumentando assim a
população local.
Também pode ser observado um aumento no solo exposto nas
propriedades ao redor da Comunidade. A proporção de área com pastagem
degradada é significante, atingindo um quarto da área (28,13%); já solo
exposto aumentou cerca de 7,47% e a área com pastagem diminuiu 33,85%.
Se considerar-se que alguns moradores voltaram sua mão-de-obra para a
produção de pimentas, essas áreas com solos expostos poderiam ser áreas
em preparo para o estabelecimento da cultura (Figura 2C). Em relação a
cobertura vegetal, a soma das áreas úmidas e das florestas, a ocupação ficou
em 35,10%, uma redução de apenas 4,11% em relação a década anterior.
A década de 2005 também é marcada pelo reconhecimento da
Comunidade. Em 05 de julho a Comunidade obteve a Certidão de Auto
reconhecimento fornecida pela Fundação Cultural Palmares (Livro de Registro
Geral n. 003 da FCP, sob o n. 257, f. 63). Isto ocorreu após processos de
conscientização dos integrantes da Comunidade pelos representantes do
Movimento Negro de Mato Grosso do Sul, que requereram ao INCRA a posse
de sua terra. Em junho de 2004 iniciam-se os trabalhos para a Regularização
Fundiária da Comunidade Quilombola Chácara do Buriti, sob processo nº
54290.000405/2004-91.
89
Cabe lembrar, que o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias da Constituição Brasileira de 1988, já estabelecia que as
comunidades remanescentes de quilombo tivessem reconhecida sua
propriedade à terra ocupada, cabendo ao Estado emitir o título de posse. No
entanto, apenas em 2003, com a publicação do Decreto nº 4.887, houve a
regulamentação do procedimento para identificação, reconhecimento,
delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas.
O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Território (RTID)
da Comunidade, parte integrante do processo de regularização, foi concluído
em 2007; nele consta o território reivindicado com uma área de 43,008 ha, que
inclui a área em que a Comunidade estava estabelecida e de Antônio Lino, em
posse de Ana Lina de Menezes, sua filha. Após a finalização, emitiu-se Portaria
aprovando as conclusões do RTID e determinando a publicação de seu resumo
no Diário Oficial da União e do Estado e que essa publicação fosse afixada na
sede da Prefeitura Municipal de Campo Grande.
Entre o final de 2007 e início de 2008, a Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Econômico, Turismo, Ciência e Tecnologia e Agronegócio em
parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(SEBRAE-MS), contemplou os moradores da Comunidade com o programa
PAIS (Produção Agroecológica Integrada e Sustentável). O programa
incentivou a produção orgânica de hortaliças e incluiu assistência técnica e
direito dos produtores a vender sua produção em uma feira de orgânicos no
centro de Campo Grande.
Os quilombolas que aderiram ao programa receberam um kit, contendo
caixa d’água, canos, telas, arames, ferramentas, entre outros equipamentos,
para fomentar a produção. No entanto, os produtores não conseguiram se
adaptar totalmente a este novo modo de produção; segundo eles, “a dificuldade
em se adaptar as normas de produção e as dificuldades financeiras, uma vez
que os insumos destinados à produção orgânica são mais caros”.
Para FOSCACHES et al. (2010), apesar do objetivo do PAIS ser de
gerar renda, trabalho e meios sustentáveis para fixação do agricultor no campo,
no caso de Chácara do Buriti os autores observaram que esse projeto, mesmo
gerando renda às famílias, não poderia ser considerado uma forma de
sustentabilidade social. Isto ocorreu uma vez que a renda obtida não foi
90
suficiente para diminuir as diferenças sociais, além do fato de apenas sete
famílias serem beneficiadas com o kit. Ainda, afirmam que a Comunidade
precisava de uma melhor articulação entre seus autores sociais para buscar
uma alternativa sustentável para ela.
Nesta década, a agricultura mudou de padrão. O modo de produção
agora pode ser classificado como convencional com uso mínimo de insumos
químicos, com algumas práticas de agroecologia, como mão-de-obra familiar e
produção adaptada às condições locais. A produção se concentra nas culturas
de alface, couve, rúcula, salsa, cebolinha e abóbora; a venda é prioritariamente
para programas de incentivo a Agricultura Familiar da Prefeitura Municipal de
Campo Grande e do Governo Federal, pelo Programa de Aquisição de
Alimentos – PAA/CONAB. Os produtores possuem apoio e orientação técnica
da Prefeitura Municipal de Campo Grande.
Em 2012, a Comunidade recebeu a posse da área que pertencia a Ana
Lina de Menezes, que compreende aproximadamente 13 ha que foram
desapropriados pelo INCRA-MS sob a justificativa de que esta área atende ao
descrito no Decreto n. 4.887/2003, entendendo o território como um espaço
necessário à garantia de reprodução física, social, econômica e cultural da
Comunidade. O título foi emitido em nome da Associação Quilombola Chácara
do Buriti, entidade representante da Comunidade.
Após a oficialização da posse da terra, os moradores passaram a utilizar
esta parte da propriedade para a agricultura familiar, intensificando as áreas de
lavoura, como pode-se observar no mapa temático elaborado a partir de
imagem de satélite de 2015 (Figura 2D).
Deste modo, em 2015 (Figura 2D) é possível observar o aumento das
áreas de lavoura e área urbanizadas, tanto no território da Comunidade quanto
nas propriedades do entorno. Também visualiza-se o aparecimento da classe
vegetação campestre, que são os quintais dos moradores e as áreas
anteriormente de pastagem ou pastagem degradada, onde verifica-se a
tentativa de recomposição da vegetação.
Na análise quantitativa do mapa temático, é possível observar que em
relação ao ano de 1985 (Figura 2A), em 2015 (FIGURA 2D) a cobertura vegetal
diminui 13,30%, não há área para uso exclusivo de pastagem, em sua
substituição há 22,31% da área com pastagem degradada, vegetação
91
campestre, solo exposto e principalmente lavoura (Figura 3). O aumento das
áreas urbanizadas é justificado, uma vez que a partir do ano de 2012, os
moradores foram contemplados com três etapas do programa federal Minha
Casa Minha Vida, que no total propiciou a construção de 63 novas moradias.
Em relação ao aumento das áreas de lavoura, atualmente a produção é
vendida além dos programas já citados, também em feiras, supermercados e
revendedores. O aumento da área produtiva se deu em detrimento das áreas
de pastagem e não das áreas de preservação permanente e reserva legal.
Durante sua trajetória história, a Comunidade exerceu variadas
atividades como fonte de renda, com o foco ao longo dos anos podendo ser
dividido em momentos: (1) pecuária e agricultura de subsistência, (2) olaria,
pecuária e de subsistência, (3) pecuária, mão-de-obra à fazendas vizinhas e
agricultura de subsistência e (4) agricultura familiar e mão-de-obra à fazendas
vizinhas.
A partir de 2005 ocorre um aumento significativo tanto das áreas de
lavoura e das áreas de solo exposto, praticamente na mesma intensidade, o
que pode evidenciar o foco que a Comunidade passou a ter na agricultura
familiar, o que necessitaria de preparo de novas áreas para cultivo, que
aparecem como solo exposto no mapa temático (Figura 2C). Ao somar-se as
áreas florestais (vegetação nativa - RL) e as áreas úmidas (APP) o território a
Comunidade possui 36,56% de cobertura vegetal nativa (Figura 3), atendendo
o Código Florestal Brasileiro (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012). Em seu
Art. 3º, parágrafo único, prevê que o mesmo tratamento dispensado às
pequenas propriedades ou posses rurais familiares seja dado à propriedades e
posses rurais com até 4 (quatro) módulos fiscais (no município de Campo
Grande, cada módulo corresponde a 15 hectares) que desenvolvam atividades
agrossilvipastoris, e também as terras indígenas demarcadas e às demais
áreas tituladas de povos e comunidades tradicionais que façam uso coletivo do
seu território, não sendo especificado para estes últimos o limite de área.
A
92
Figura 3. Porcentagens das classes de uso e ocupação do solo, entre 1985 e
2015, no território da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti,
Campo Grande, Mato Grosso do Sul.
O código também institui que fora da Amazônia Legal, o percentual
mínimo da área com cobertura de vegetação nativa destinada à Reserva Legal
deve se manter em 20%, permitindo que Áreas de Preservação Permanente
sejam contadas no cálculo do percentual da Reserva Legal do imóvel. Diante
disso, a Comunidade, que é uma comunidade tradicional e possui menos que 4
módulos fiscais (2,86) atende a legislação florestal. Contudo, será necessário
ainda que a Comunidade proceda o registro da área através do Cadastro
Ambiental Rural (CAR), estabelecido pelo CFB, para que sua área de Reserva
Legal se torne consolidada.
Para a caracterização das condições ambientais atuais da Comunidade,
foram realizadas análises de qualidade da água para consumo (poço
semiartesiano) e de águas superficiais (córrego Buriti). Conforme relatam os
moradores, desde o estabelecimento dos pioneiros no território da
Comunidade, a fonte da água para consumo humana, dessedentação de
animais de criação e irrigação era proveniente de poços com profundidade até
15 metros, cavados pelos próprios moradores. Com a chegada da energia
elétrica, alguns poços passaram a ser utilizados com ajuda de uma bomba
elétrica para a retirada da água. Em 2007 foi inaugurado o sistema de
abastecimento de água e a Comunidade que passou a contar com um poço
93
tubular profundo, vazão de 10 mil litros/hora; o acionamento do bombeamento
é com sistema automático e em sequência, a água é direcionada à uma
unidade simples de tratamento com hipoclorito de sódio e armazenada em uma
caixa d’agua coletiva de 20 mil litros para posterior distribuição às casas. O
sistema foi construído pela FUNASA (Fundação Nacional da Saúde), em
parceria com a Prefeitura de Campo Grande, com recursos do PAC (Programa
de Aceleração do Crescimento).
Com o crescimento da produção agrícola na Comunidade, este poço não
conseguiu suprir a demanda e foi necessário perfurar outro poço, o qual
também foi construído pela FUNASA, que serve para consumo humano.
Visando diminuir a pressão sobre este poço comunitário, os produtores da
Comunidade investiram em alternativas para a irrigação, tais como obter água
do córrego Buriti e perfurar poços para cada produtor. Devido à legislação de
outorga do uso da água (BRASIL, 2004), atualmente os produtores obtém água
para irrigação de poços semi-artesianos localizados na própria área de
produção.
Os resultados das análises da água de consumo indicam que os
parâmetros avaliados atendem a Portaria 2914/11, do Ministério da Saúde
(BRASIL, 2011) para coliformes totais e coliformes termotolerantes (isentas),
cor (P0 = 2,5; P1= 2,5 mg PT-cor/L), pH (P0 = 6,7 ± 0,03; P1= 6,0 ± 0,04) e
Dureza total (P0 = 33,6 ± 1,24; P1= 25 ± 2,44 mg/L de CaCO3).Então, ao
atender a legislação, a qualidade que a água possui é suficiente para que ela
seja utilizada para consumo humano, sem prejuízo à saúde de quem consome.
Em relação ao Córrego Buriti, as amostras, independente da época de
coleta, apresentaram coliformes totais e termotolerantes superiores a 2400
N.M.P./100 mL, indicando contaminação do recurso hídrico antes mesmo que o
córrego adentre a área da Comunidade. Foi constatado in loco que o córrego
se encontra assoreado e atualmente não é utilizado para qualquer tipo de
atividade da Comunidade (pesca, consumo e irrigação). Conforme relato dos
morados entrevistado, antigamente o córrego era utilizado como fonte de água,
além de lavagem de roupas e louças e pesca, provavelmente devido ao fato de
nas propriedades vizinhas existirem criação de animais, como suínos e
bovinos, o que pode contribuir para essa contaminação.
94
Com base nestas informações e que o limite de coliformes
termotolerantes para classe 2 é até 1.000 N.M.P./100 mL em 80% das
amostras, pode-se inferir que o córrego está recebendo carga poluidora e que
o uso desta água para irrigação de hortaliças, atividade atual dos habitantes
locais, não é recomendada, já que possibilita o acometimento de doenças
provocadas por transmissão hídrica (VON SPERLING, 2014).
O uso e acesso a área está restrito desde 2014, quando a Comunidade
foi questionada sobre suas Reservas Legais pela Polícia Militar Ambiental de
Campo Grande e se comprometeu em cercar a área para recomposição natural
da vegetação.
Considerações Finais
A Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti tem uma
relação histórica com filhos de escravos libertos de Goiânia e seus
descendentes. As relações econômicas, sociais e históricas foram baseadas,
inicialmente, no uso dos recursos naturais de seu território, o que permitiu sua
sobrevivência, através das diferentes formas de uso, demonstrando adaptação
ao que era oferecido pelo meio.
Atualmente, as áreas de pastagem diminuíram, cedendo espaço para o
surgimento das áreas de lavoura, o que reflete a mudança da fonte de renda
dos moradores. As áreas úmidas e de água, permaneceram relativamente
constantes no período avaliado, ao contrário das áreas com cobertura vegetal
que diminuíram. A análise de uso e ocupação do solo por comunidades
tradicionais podem embasar formulações de políticas públicas voltadas para
fortalecer essas comunidades e ainda contribuir para o planejamento de futuros
estudos ambientais de áreas de interesse.
Referências Bibliográficas
AGUIAR, L. M. S.; CAMARGO A. J. A. Cerrado: ecologia e caracterização.
Planaltina: Embrapa Cerrados, 2004. 249p.
APHA. Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater,
20ed. Washington, D.C.: 1998. 1268p.
95
BOAVENTURA, R. S. Veredas berço das águas. Belo Horizonte:
Ecodinâmica, 2007. 264p.
BRASIL. Decreto n. 4.887, de 20 de novembro de 2003. Regulamenta o
procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e
titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos
quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias. Diário Oficial (da) República Federativa do Brasil, Poder
Executivo, Brasília, DF, 21 nov. 2003. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4887.htm>. Acesso em 20
jul. 2016.
BRASIL. Resolução n. 707, de 21 de dezembro de 2004. Dispõe sobre
procedimentos de natureza técnica e administrativa a serem observados no
exame de pedidos de outorga, e dá outras providências. Diário Oficial (da)
República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 22 dez. 2004.
Disponível em: <http://arquivos.ana.gov.br/resolucoes/2004/707-2004.pdf>.
Acesso em 20 jul. 2016.
BRASIL, Resolução n. 357, de 17 de março de 2005. Dispõe sobre a
classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu
enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento
de efluentes, e dá outras providências. Diário Oficial (da) República
Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 18 mar. 2005. p.58-63.
BRASIL, Decreto n. 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais. Diário Oficial (da) República Federativa do Brasil, Poder
Executivo, Brasília, DF, 8 fev. 2007. p.316.
BRASIL. Ministério da Saúde. Procedimentos de controle e de vigilância da
qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade.
Portaria nº 2914, de 12 de dezembro de 2011. Diário Oficial da União, Brasília,
DF.
96
BRASIL. Medida Provisória n. 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a
proteção da vegetação nativa; altera as Leis nos 6.938, de 31 de agosto de
1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de
2006; revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de
abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e
dá outras providências. Diário Oficial (da) República Federativa do Brasil,
Poder Executivo, Brasília, DF, 28 mai. 2012. p.10-11.
BRAZIL, M. do C. Sonhos de liberdade: a escravidão e o fenômeno das fugas
além-fronteiras em Mato Grosso colonial. Revista História & Luta de Classes,
São Paulo, v. 1, p. 33-42, 2006.
CRUZ-SILVA, S. C. B. da; FERNANDES, V.; HOFF, S.; MATIAS, R.;
OLIVEIRA, A. K. M. Negros e História de Ocupação de Mato Grosso do Sul. In:
FERREIRA, F. M. N. S.; BUENO, H. P. V.; BECK, M. C. (Org.). Mato Grosso
do Sul: perspectivas históricas, educacionais e ambientais. 1ed. Campo
Grande: Editora UFMS, 2016, v.4. p.87-118.
FOSCACHES, C. A. L.; CORDEIRO, K. W.; LOPES, J. C. J.; LIMA FILHO, D.
DE O.; FARIA, P. S. A tecnologia social PAIS como forma de sustentabilidade
social: o caso da comunidade quilombola da Chácara do Buriti. In: Encontro
Nacional de Engenharia de Produção - Maturidade e Desafios da Engenharia
de Produção: Competitividade das Empresas, Condições de Trabalho, Meio
Ambiente, 30., 2010, São Carlos. Anais... São Carlos: ABREPO, 2010, p.1-10.
INCRA. INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA.
Relatório Antropológico de identificação e delimitação do território da
Comunidade Quilombola Chácara do Buriti (Campo Grande/MS). Ministério
do Desenvolvimento Agrário. 2007. 273p.
KÖEPPEN, W. Climatologia: con um estúdio de los climas de la Tierra.
México: Fondo de Cultura Economica, 1948. 478p.
97
MAZZARO, F. B.; CASTILHO, M. A. de; SILVA, C. L. da. Atividades agrícolas
vivenciadas na Comunidade Quilombola Chácara do Buriti em Campo Grande
– MS. RDE - Revista de Desenvolvimento Econômico, Salvador, n.24,
p.146-154, 2011.
PORTAL YPADÊ - Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos
Povos e Comunidades Tradicionais – CNPCT. VEREDEIROS. 2015. Disponível
em: <http://portalypade.mma.gov.br/veredeiros/42-veredeiros >. Acesso em: 25
fev. 2015.
REIS, J. J.; GOMES, F. S. (Org.). Liberdade por um fio: história dos
quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 509p.
RESENDE, D. F.; VASQUES, A. C. Infra-estrutura urbana. In: MEDEIROS, L.
P.; CUNHA, M. L. P. Campo Grande: 100 anos de construção. Campo
Grande: Matriz Editora. p.63-98.
RIBEIRO, J. F.; WALTER, B. M. T. Fitofisionomias do bioma Cerrado. In:
SANO, S. M.; ALMEIDA, S. P. DE; RIBEIRO, J. F. Cerrado: ambiente e flora.
Brasília: EMBRAPA, 1998. p.89-166.
SCHMITT, A.; TURATTI, M. C. M.; CARVALHO, M. C. P. de. A atualização do
conceito de quilombo: identidade e território nas definições teóricas. Revista
Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 5, n. 10, p. 1-8, 2002.
TERRA, E. M. M. Territorialidade da comunidade rural quilombola Chácara
do Buriti e potencialidades do desenvolvimento local. 2011. 131f.
Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Local). Universidade Católica Dom
Bosco, Campo Grande.
VON SPERLING, M. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de
esgotos. 4ed. Belo Horizonte: Editora DESA/UFMG, 2014. 452p.
98
WEINGÄRTNER, A. A. dos S. Campo Grande - o impulso do desenvolvimento
nas rotas de gado, nos trilhos do trem e nos caminhos do Mercosul. Revista
Arca, Campo Grande, n. 5, p. 3-9, 1995.
99
Artigo III
Caracterização socioeconômica da Comunidade Negra Rural Quilombola
Chácara do Buriti, Campo Grande, Mato Grosso do Sul
Sthefany Caroline B. da Cruz-Silva
Resumo
Traçar o perfil socioeconômico de uma comunidade tradicional se mostra
importante para desenhar e desenvolver ações que preservem a identidade
cultural. Diante disso, o objetivo deste estudo foi caracterizar a situação
socioeconômica da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti,
Campo Grande – MS. Os dados dos aspectos sociais e econômicos da
população foram obtidos com base nas informações de 38 entrevistados
quanto a sexo, idade, grau de escolaridade, descendência, fonte de renda e
sistemas de produção. A Comunidade está estabelecida em 43,008 ha, com 50
residências e uma população de 180 pessoas. Dos informantes 60% tem a
renda diretamente associada a agricultura familiar. O modo de produção pode
ser classificado como convencional com uso mínimo de insumos químicos, com
algumas práticas de agroecologia, como mão-de-obra familiar e produção
adaptada aos recursos locais. Dos informantes, 71% são do sexo feminino, a
maioria descendentes diretos (bisnetos) do fundador João Vida,residentes no
local desde que nasceram (79%), com idade entre 18 e 91 anos, prevalecendo
a faixa etária de 18-30 anos (45%) e 43-55 anos (26%). No item escolaridade,
prevaleceu o Ensino Fundamental Incompleto (45%). É possível perceber que
os moradores da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti
possuem uma inter-relação com o meio natural de seu território, tornando-o
fundamental, principalmente nos últimos anos, para sua sobrevivência,
crescimento e desenvolvimento, por meio da agricultura familiar, tendo 60% da
comunidade envolvida nesta atividade.
Palavras-chave: Comunidades Tradicionais, Agricultura Familiar, Quilombos.
Abstract
Charting the socioeconomic profile of a traditional community proves important
to design and develop actions to preserve the cultural identity. Thus, the aim of
this study was to characterize the socioeconomic status of the Rural Black
100
Quilombo Community Chacara do Buriti, Campo Grande - MS. The data from
the social and economic aspects of the population were obtained based on 38
respondents information about gender, age, level of education, ancestry, source
of income and production systems. The Community is set at 43,008 ha, with 50
homes and a population of 180 people. Of respondents 60% have income
directly associated with family farming. The mode of production can be
classified as conventional with minimal use of chemical inputs, with some
agroecology practices, such as family hand labor and production adapted to
local resources. Of the respondents, 71% are female, most direct descendants
(great grandchildren) founder John Life, residents on site since birth (79%),
aged between 18 and 91 years, whichever the age group of 18-30 years (45%)
and 43-55 years (26%). In item education, elementary school Incomplete
prevailed (45%). You can see that the residents of Rural Black Community
Quilombola Chacara doBuriti have an interrelationship with the natural
environment of its territory, making it critical, especially in recent years, for their
survival, growth and development, through family farming, with 60% of the
community involved in this activity.
Keywords: Traditional communities, Family agriculture, Quilombos.
Introdução
A Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais (CNPCT), criada em 2004, pelo Governo Federal,
coordena e acompanha a implementação da Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais
(PNPCT). Além disso, a CNPCT é responsável por propor os princípios e
diretrizes para políticas relevantes ao desenvolvimento sustentável dos povos e
comunidades tradicionais no âmbito do Governo Federal e monitorar ações
voltadas ao alcance dos objetivos específicos da PNPCT (PORTAL YPADÊ,
2015).
A CNPCT reconhece a existência de 30 segmentos de povos e
comunidades tradicionais distribuídas por todas as regiões do território
brasileiro. Dentre estas comunidades temos os quilombolas, com 2849
comunidades distribuídas em todas as regiões do país, com maior número nas
regiões Nordeste e Sudeste, com 1804 e 402 comunidades respectivamente
101
(FCP, 2016). Na região Centro-Oeste existem 126 comunidades, destas, 22
estão localizadas em Mato Grosso do Sul, sendo três em Campo Grande,
capital do Estado. As Comunidades Negras São João Batista e Comunidade
Eva Maria de Jesus - Tia Eva (Vila São Benedito) estão na área urbana da
cidade enquanto a Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti está
localizada em área rural do município (FCP, 2016).
A trajetória histórica dessa comunidade inicia-se com a chegada, em
1905, da comitiva da ex-escrava Tia Eva (Goiás-GO) junto a outros núcleos
familiares oriundos de Uberaba-MG; na região dos Campos de Vacaria, atual
cidade de Campo Grande. As famílias e seus descendentes se estabeleceram
no município, na região onde atualmente é o Bairro São Benedito, onde fica a
Comunidade Remanescente de Quilombo “Eva Maria de Jesus - Tia Eva (Vila
São Benedito) ” (MAZZARO et al., 2011; INCRA, 2007). Entre as décadas de
1920 e 1930, descendentes de uma das filhas de Tia Eva se estabeleceram em
áreas rurais ao redor do município, às margens do córrego Buriti, onde está a
Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti, que obteve registro
pela Fundação Cultural Palmares e publicação no Diário Oficial da União no dia
19/05/2005.
Ao longo de sua trajetória histórica a Comunidade Chácara do Buriti
passou por diversas mudanças em sua conformação demográfica e
socioeconômica. Inicialmente, a comunidade praticava agricultura de
subsistência e pecuária, até a década de 1950, posteriormente uma das fontes
de renda foi a olaria, sendo a matéria-prima (argila) retirada da área de veredas
dentro da Comunidade. Com as mudanças da lei de impostos e a taxação da
produção, além do fato dos mais jovens não se interessarem pela atividade, já
que as máquinas eram primitivas e o serviço em sua maioria era braçal e de
muito esforço, esta atividade foi extinta (INCRA, 2007). Atualmente a
comunidade se dedica a agricultura familiar e é possível perceber ao analisar
trabalhos já realizados na Comunidade (INCRA, 2007; FOSCACHES et al.,
2010; MAZZARO et al., 2011; TERRA, 2011) e ao observar a sua
contemporaneidade que a Comunidade está em transição.
Na última década, a Comunidade sofreu transformações econômicas
que conduziram à um maior convívio com a população urbana. Essas
mudanças foram reflexo da maior atenção governamental que a comunidade
102
recebeu ao ser beneficiada com programas municipais de apoio à agricultura
familiar, estaduais e federais além de unidades habitacionais, refletindo na
situação econômica e consequentemente em outros aspectos sociais da
Comunidade.
Mesmo conservando sua identidade étnica, que deriva da sua
localização rural e reflete em sua organização social, as comunidades
tradicionais ao entrarem em contato com as chamadas sociedades
industrializadas ou urbanizadas, que possuem uma organização social e
cultural divergente da sua, modificam seu estilo de vida e seus padrões de
subsistência (SILVA e SILVA, 2015). Essas novas oportunidades vêm de
encontro com as tradições de organização social e cultural da comunidade.
Considerando-se que, o “estilo de vida, forma de ver, fazer e sentir o
mundo” estão relacionados com território e a identidade em uma comunidade
quilombola (SEPPIR, 2004), é importante traçar o perfil socioeconômico atual
da comunidade. Objetivando que, a partir dele seja possível sugerir ações que
preservem a identidade cultural assim como ações que supram as
necessidades atuais da Comunidade. Diante deste cenário o objetivo deste
trabalho foi diagnosticar o perfil socioeconômico da Comunidade Negra Rural
Quilombola Chácara do Buriti, analisando informações sobre a caracterização
do informante, seu grau de escolaridade, fonte de renda e sistemas de
produção.
Procedimentos Metodológicos
Caracterização da Área de Estudo
A CNRQ Chácara do Buritiestá localizada no km 449 da BR 163, a 18
km ao sul do limite urbano do município de Campo Grande, Mato Grosso do
Sul (S20°44’31.12” e O54°31’58.77”). Nessa localização a Comunidade está
sobre Bacia Hidrográfica do Rio Paraná, Sub-bacia do Rio Pardo, na
Microrregião Homogênea (MRH) de Campo Grande (AMARAL FILHO, 1989).
103
Figura 1. Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti em 2015.
Fonte: Adaptado de Digital Globe, satélite GeoEye-1, 2016 (CRUZ-SILVA,
2016).
O clima enquadra-se no tipo climático Aw (Clima Tropical de Savana),
com duas estações bem definidas: quente e úmida no verão e fria e seca no
inverno. A amplitude térmica é grande, nos meses de inverno a temperatura
pode cair drasticamente, sendo que a temperatura média está em torno de
22ºC. A precipitação média é de 1500mm ao ano, com variações para mais ou
para menos (KÖEPPEN, 1948).
Os dados foram obtidos com aplicação de questionários com membros
da Comunidade, contendo aspectos sociais e econômicos da população, dados
do informante, como seu grau de escolaridade, fonte de renda e sistemas de
produção.Em um primeiro momento houve reuniões com a diretoria da
Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti
(AQBURITI), representada por sua presidente, para a obtenção das devidas
permissões e esclarecimentos referente à pesquisa dentro do território.
Posteriormente realizou-se uma reunião com os moradores da
Comunidade onde foi realizada a leitura coletiva do Termo de Consentimento
104
Livre e Esclarecido. Após o esclarecimento de dúvidas referentes aos termos,
estes foram assinado por aqueles que concordaram em participar da pesquisa.
Este procedimento seguiu a solicitação do Conselho Nacional de Saúde por
meio do Comitê de Ética em Pesquisa, resolução n°196/1996 (CONSELHO
NACIONAL DE SAÚDE, 1996). Como envolve seres humanos, este trabalho foi
previamente submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade
Anhanguera – Uniderp e aprovado, sob parecer nº 1.354.762.
Os dados foram coletados no período entre agosto de 2015 e março de
2016. Foram visitadas todas as residências da comunidade, sendo entrevistado
um morador adulto (acima de 18 anos) por residência que se encontrava
presente no momento da visita. Os dados da pesquisa foram armazenados em
um banco de dados, utilizando-se o programa MS Excel® e foi utilizado a
ferramenta Solver para realizar a estatística descritiva dos dados.
Resultados e Discussão
Caracterização da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti
A Comunidade, está atualmente estabelecida em 43,008 ha, sobre os
quais existem 72 residências, com uma população de cerca de 180 pessoas.
Esse resultado demonstra o crescimento da mesma, uma vez que TERRA
(2011), relatou que, nesta data, os habitantes somavam 80 pessoas, divididas
em 21 habitações e em 50 núcleos familiares e encontrava-se em processo de
regularização da incorporação de novas áreas ao território da época, 30 ha.
O aumento do território ocorreu com a adição de 13 hectares, resultado
de um estudo favorável ao aumento realizado pelo procurador federal do
INCRA, Adão Francisco de Novais. Essa área havia sido propriedade da CNRQ
Chácara do Buriti, mas fora vendida com o intuito de obter condições
financeiras de iniciação da comunidade, em 2005; o procurador federal
entendeu que deveria ser restituída (INCRA, 2007).
Em entrevista com a presidente da Associação da Comunidade Negra
Rural Quilombola Chácara do Buriti - AQBURITI, Lucinéia de Jesus Domingos
Gabilão, esta relata que em 2012, a comunidade foi contemplada pelo
programa Minha Casa Minha Vida, e neste mesmo ano foram construídas 11
moradias. Antes dessa etapa, 10 moradias eram ocupadas por 80 moradores,
portanto havia residências com mais de um núcleo familiar. Os filhos do casal
105
progenitor, que construiu a moradia, se casavam e não tinham recursos para
construir sua própria residência e, por isso, continuavam junto aos pais. Nesse
sentido, essa primeira etapa resolveu este problema de superocupação das
residências (informação pessoal)2.
A comunidade ainda foi beneficiada por mais duas etapas do programa
Minha Casa Minha Vida, uma com a construção de 16 casas e, na outra, 36
casas. Na primeira e segunda etapa, os moradores não ficaram obrigados a
pagar pelas moradias; já na terceira etapa, foi assumido uma dívida no valor de
R$ 1.140,00 (mil cento e quarenta reais), pagas em parcelas anuais no valor
R$ 285,00, por quatro anos (informação pessoal)1.
A segunda e a terceira etapa contemplaram inicialmente algumas
famílias e membros que se encaixavam no caso de superpopulação de uma
residência. Os demais contemplados foram moradores que emigraram da
Comunidade, e que por direito reconhecido pelo Estatuto da Comunidade,
desejavam retornar ou que apenas desejavam ter uma moradia lá para ocupar
em finais de semana ou férias. Com isto, de 2012 a 2015 foram construídas 68
novas moradias (informação pessoal)1.
A fonte de renda da comunidade em seus primórdios era advinda da
agricultura de subsistência, pecuária e de uma olaria de propriedade dos
moradores. Após uma série de adversidades a maioria dos moradores
passaram a ter como fonte de renda o trabalho como peão em fazendas
vizinhas, postos de combustíveis e também em empresas vizinhas à
comunidade. Assim apenas uma pequena parcela da população continuou se
dedicando a agricultura familiar, principalmente no cultivo de pimentas, e a
criação de pequenos animais para consumo e venda.
No final de 2007 e início de 2008, a Comunidade começou a participar
do programa PAIS (Produção Agroecológica Integrada e Sustentável) junto a
Prefeitura Municipal de Campo Grande – MS. Dentro desse projeto, alguns
produtores da comunidade foram contemplados com um kit para fomentar a
produção orgânica de hortaliças. O apoio da Prefeitura também incluiu
assistência técnica e posteriormente, direito de a comunidade vender sua
2 Informação fornecida por Lucineia de Jesus Domingos Gabilão, presidente da
Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti – AQBURITI, durante a pesquisa.
106
produção em uma feira de orgânicos no centro de Campo Grande. Deste
programa apenas 1 morador conseguiu a certificação de produtos orgânicos,
os demais produtores não se adaptaram a este modo de produção, fato este
atribuído a eles a dificuldade de seguir as normas de produção de orgânicos e
dificuldades financeiras.
Cabe ressaltar que, segundo FOSCACHES et al. (2010), apesar do
objetivo do PAIS ser de gerar renda, trabalho e meios sustentáveis para fixação
do agricultor no campo, no caso de Chácara do Buriti os autores observaram
que esse projeto, mesmo gerando renda às famílias, ele não poderia ser
considerado uma forma de sustentabilidade social. Uma vez que a renda obtida
não era suficiente para diminuir as diferenças sociais, além do fato de apenas
sete famílias serem beneficiadas com o kit, fazendo com que essa suposta
sustentabilidade social não possa ser estendida a comunidade. Ainda, afirmam
que a Comunidade precisava de uma melhor articulação entre seus autores
sociais para buscar uma alternativa sustentável para ela.
Hoje, o modo de produção pode ser classificado como convencional
com uso mínimo de insumos químicos, com algumas práticas de agroecologia,
como mão-de-obra familiar e produção adaptada aos recursos locais.
Perfil socioeconômico
De acordo com o mais recente levantamento realizado pela AQBURITI,
a Comunidade conta atualmente com 72 residências construídas. Destas, 22
não estão habitadas ou pertencem a descendentes que a utilizam apenas nos
finais de semana ou férias, restando, portanto, 50 casas habitadas. Destas 50
residências habitadas permanentemente foram entrevistados moradores em 38
moradias e 12 representantes se recusaram a participar da pesquisa. Parte da
desistência ocorreu após a leitura do TCLE e outra parte durante o
preenchimento dos questionários, alegando motivos diversos.
Dos 38 informantes prevaleceu o sexo feminino (71%). Outros trabalhos
realizados na região Centro-Oeste também tiveram as mulheres como
principais informantes nas comunidades (RODRIGUES e CARLINI, 2003;
PASA et al., 2015), assim como na Comunidade São Benedito (Campo
Grande-MS) (SCHARDONG e CERVI, 2000), que foi fundada pela Tia Eva, ex-
escrava avó do fundador da CNRQ Chácara do Buriti.
107
Ao manter diversas tradições históricas, as comunidades quilombolas
preservam o valor histórico e cultural do papel da mulher em uma família.
Responsável pelas atividades domésticas, muitas vezes as mulheres, com a
saída do homem em busca de renda, se tornam responsável pelo espaço no
entorno de sua residência como horta, roça e pomares (PASTORE et al., 2006;
OLIVEIRA e DALCIN, 2008), desempenhando as funções de “produtoras de
alimentos, administradoras dos recursos naturais, angariadoras de receitas e
zeladoras da alimentação doméstica e da segurança nutricional das pessoas”
(QUISUMBING e MEIZEN-DICK, 2001).
A idade dos entrevistados ficou entre 18 e 91 anos, prevalecendo a faixa
etária de 18-30 anos (45%) e 43-55 anos (26%) (Figura 2). A prevalência de
entrevistados com idade entre 18 e 30 anos é reflexo da nova conformação
habitacional alcançada pelo benefício do Programa Minha Casa Minha Vida.
Diante do beneficiamento da Comunidade, pelas unidades habitacionais,
muitos jovens solteiros e recém-casados saíram da residência de seus pais e
empreenderam nova moradia, formando um novo núcleo familiar.
A prevalência de escolaridade dos entrevistados foi a de Ensino
Fundamental Incompleto, com 45%, seguido de Ensino Médio Completo,
Ensino Médio Incompleto, Ensino Superior Incompleto e em menor proporção,
com 8%, estão os entrevistados que não frequentaram a escola (Figura 3).
Figura 2. Idade dos entrevistados. Comunidade Negra Rural Quilombola
Chácara do Buriti, Campo Grande-MS, 2016.
108
Mesmo não estando muito distantes de um município, que inclusive é a
capital do Estado, os membros da CNRQ Chácara do Buriti enfrentaram
durante sua trajetória muitas dificuldades para evoluir em seus estudos. Na
década de 1940 o fundador da Comunidade, João Vida, chegou a contratar um
professor particular para proporcionar educação formal a todas as crianças da
Chácara do Buriti, mas diante das dificuldades financeiras foi forçado a abdicar
da atividade. As crianças passaram então a frequentar uma escola rural que
ficava cerca de sete quilômetros da Chácara, na região conhecida como
Cachoeirinha (INCRA, 2007).
A baixa escolaridade da maioria dos informantes pode ser justificada
pela dificuldade enfrentada pelos moradores da Comunidade para escolarizar-
se há décadas. Em tempos em que a única forma de locomoção era a pé ou
em carroças, a educação formal foi deixada em segundo plano, conforme relato
dos moradores. O esforço para o deslocamento e a distância até a escola,
além de falta de recursos para aquisição dos materiais necessários, fizeram
com que muitos não tivessem oportunidade de concluir o ensino fundamental.
Figura 3. Escolaridade dos entrevistados. Comunidade Negra Rural
Quilombola Chácara do Buriti. Campo Grande-MS, 2016.
Somado a isso, ainda há o fato de que as crianças e jovens, naquela
época, também contribuíam com mão-de-obra para a principal atividade
econômica na Chácara do Buriti, a produção de tijolos. A partir da idade de oito
anos as crianças já eram admitidas para ajudar na produção de cerca de dez
109
mil tijolos diariamente, que possuíam a gravação JAS, iniciais do nome oficial
de João Vida (INCRA, 2007).
A iniciação precoce como mão-de-obra e a dificuldade de locomoção
que reflete na baixa escolaridade dos mais velhos, também é percebida em
diversas comunidades quilombolas, como por exemplo, da Comunidade São
Benedito, em Campo Grande-MS (SCHARDONG e CERVI, 2000),
Comunidade Quilombola de Kalunga de Cavalcante-GO (FERREIRA et al.,
2015) e Comunidade Mata Cavalo de Baixo, em Nossa Senhora do
Livramento-MT (PASA et al., 2015).
Além disso, pode-se aventar que, somado a essas dificuldades,
conforme ANJOS e CYPRIANO (2006), o conteúdo ministrado pelas escolas
não considerava as especificidades da comunidade. Fato esse que pode ser
observado ainda na contemporaneidade, o que pode refletir no baixo
rendimento dos escolares contemporâneos da Comunidade.
Devido ao fato de verificar-se que, mesmo estando em vigor a Lei nº
10.639/03, que institui a obrigatoriedade do ensino da temática "História e
Cultura Afro-Brasileira" (que inclui os tópicos: História da África e dos Africanos,
a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da
sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política pertinentes à História do Brasil) na Rede de Ensino
Brasileira, isso não reflete nem na Escola mais próxima da CNRQ Chácara do
Buriti, a Escola Municipal José do Patrocínio frequentada por todos os
escolares da Comunidade, que cursam o ensino fundamental (CRUZ-SILVA et
al., 2015).
Mesmo a escolha do nome dessa Escola Municipal ser uma homenagem
a Comunidade, já que José do Patrocínio foi um jornalista abolicionista, as
crianças da comunidade desconhecem a história do nomeador da Escola,
assim como a relação da comunidade com essa escolha.
Além disso, 75% das crianças afirmam já terem estudado sobre os
negros na Escola, mas quase 40% afirmam que não ouviram falar na Escola
sobre os conhecimentos (cultura) trazidos pelos negros ao Brasil, dos que
afirmaram já ter ouvido falar 60% afirmaram como conhecimento apenas a
capoeira e a feijoada, o que demostra um conhecimento superficial sobre a
cultura afrodescendente repassada pela educação formal (CRUZ-SILVA et al.,
110
2015). Nesse sentido, ressalta-se a importância de docentes estarem atentos
às concepções prévias dos estudantes, uma vez que as salas de aula são
espaços multiculturais, de modo a facilitar o processo de aprendizagem
(BAPTISTA, 2010).
Percebe-se, portanto, que é necessário que sejam realizadas ações no
sentido de propiciar oportunidades para que esses membros menos
escolarizados possam, mesmo que minimamente, serem alfabetizados, ainda
mais é necessário que se busque resgatar às novas gerações o histórico da
comunidade e fazer com que os responsáveis pela educação formal das novas
gerações percebam a necessidade de um ensino/aprendizagem interdisciplinar
e contextualizada que propicia uma relação entre ensino e as questões étnico-
raciais, resgatando e validando os conhecimentos prévios e tradicionais dos
estudantes.
O alto índice de parentesco entre os membros de uma comunidade
resulta em maior homogeneidade cultural, preservação e uso dos recursos
naturais, características importantes em comunidades tradicionais, segundo
SCHARDONG e CERVI (2000). Dos informantes, 79% são descendentes
diretos do fundador. Dos descendentes diretos, uma (3,3%) é filha de João
Vida, uma (3,3%) é tataraneta, doze (40,0%) são netos e a maioria, 53,3%
(dezesseis) são bisnetos.
Dos informantes, 3%, apesar de serem descendentes direto de João
Vida, só passaram a residir permanentemente na Comunidade depois da última
etapa de construção de habitações pelo programa Minha Casa Minha Vida,
18% passou a residir na comunidade após se casar com um membro local e
79% são residentes da Comunidade desde que nasceram. Destes, 61%
sempre moraram no local e o restante em algum momento residiu fora da
comunidade, buscando melhores condições de renda, e depois retornaram,
permanecendo no local.
Os entrevistados que passaram a morar recentemente e os que voltaram
ao local depois de um período fora, alegam que o motivo da volta é por
considerar que na comunidade há mais chances de uma vida melhor, sem
necessidade de pagar aluguel e com melhores oportunidades de trabalho, tanto
dentro da comunidade como em seu entorno.
111
A ocupação do território por várias gerações, mesmo havendo êxodo
eventual e retorno de alguns membros, a relevância do núcleo familiar e as
relações de parentesco nas atividades econômicas e a auto-identificação de
pertencer a uma cultura diferente, são alguns dos elementos que caracterizam
comunidades tradicionais (DIEGUES, 2001) e estão presentes na CNRQ
Chácara do Buriti.
Como responsáveis pelos domicílios, 68,42% apontaram os homens e
31,58% apontaram que eram mulheres as principais responsáveis. Pode-se
observar que mesmo a maioria dos presentes na reunião de assinatura do
TCLE e dos informantes serem mulheres, a maioria das residências tem o
homem, como principal responsável. Esse resultado confirma a posição de
PASTORE et al. (2006), que afirmam que no meio rural ao se conservar as
tradições de valores patriarcais, o homem é superior a mulher, tornando-o
“chefe de família, cuidando dos negócios enquanto a mulher é responsável
pela “lida do lar”, mas sem a figura de responsabilidade.
A importância dada aos núcleos familiares é um dos elementos que
caracterizam as comunidades tradicionais, segundo DIEGUES (2001). Na
Comunidade a importância da família, do núcleo familiar, quanto instituição é
percebida quando se observa que os solteiros são 31,57% e a maioria
(68,41%) dos informantes possuem ou já possuíram relação conjugal. Do total,
57,89% são casados, 5,26% viúvos e 5,26% vive sob união estável.
Atualmente 60,0% dos informantes tem sua renda diretamente associada à
agricultura familiar, seguidos pelos aposentados (20%), empregados de
particulares e autônomos (14,3%) e em menor proporção encontram-se
aqueles que não possuem fonte de renda própria (5,7%) (Figura 4).
A produção da agricultura familiar se concentra nas culturas de: alface,
couve, rúcula, salsa, cebolinha, abóbora; e a venda é prioritariamente para
programas de incentivo a Agricultura Familiar da Prefeitura Municipal de
Campo Grande e do Governo Federal, pelo Programa de Aquisição de
Alimentos – PAA/CONAB. A maioria dos informantes, 88,6%, possuem renda
de até 1 salário mínimo. É possível verificar o quanto hoje a renda da
Comunidade está ligada ao desenvolvimento da agricultura familiar.
112
Figura 4. Fonte de renda dos informantes. Comunidade Negra Rural
Quilombola Chácara do Buriti. Campo Grande, MS.
É possível perceber a importância das atividades de subsistência,
mesmo apresentando canais para venda da produção, muito do que é
produzido está ligada a subsistência do núcleo familiar. Essa característica
aliada à tecnologia de produção simples, com mão-de-obra familiar
predominando no processo são mais dois elementos caracterizantes de
comunidades tradicionais, segundo DIEGUES (2001).
Em curto espaço de tempo, levando-se em consideração os estudos de
FOSCACHES et al. (2010), MAZZARO et al. (2011) e TERRA (2011), foi
restituída à Comunidade parte de seu território, seus membros duplicaram
assim como quantidade de residências.
Observou-se que a Comunidade alcançou segurança jurídica quanto ao
seu território e utilizando-o como principal fonte de renda consegue
desenvolver a atividade econômica que acreditam ter vocação, a agricultura
familiar. Para tanto superaram, através da força de união e tradição, percalços
como o insucesso do programa PAIS, que se mostrou inviável para a realidade
econômica naquele momento e como alertado por FOSCACHES et al. (2010),
insustentável como ferramenta de para diminuir as diferenças sociais.
113
Conssiderações Finais
Conclui-se que no contexto histórico o perfil socioeconômico da
Comunidade foi se alterando principalmente com o incentivo da agricultura
familiar e mais recentemente com o benefício do programa Minha Casa Minha
Vida, que possibilitou o retorno de descendentes dos fundadores da
Comunidade.
Apesar das mudanças observadas na organização desta população, a
maioria da população reside no local desde nasceram e são descendentes
diretos do fundador. Constata-se uma baixa escolaridade na Comunidade
(ensino fundamental incompleto) homens são os responsáveis pela renda
familiar que é de até 1 salário mínimo.
Referências Bibliográficas
AMARAL FILHO, Z. P. Macrozoneamento geoambiental do Estado de Mato
Grosso do Sul. Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral, Fundação
Instituto de Apoio ao Planejamento do Estado, Coordenadoria de Geografia e
Cartografia, Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.Campo
Grande: IBGE, 1989. 242p.
ANJOS, R. S. A.; CYPRIANO A. Quilombolas: tradições e cultura da
resistência. São Paulo: Aori, 2006. 240p.
BAPTISTA, G. C. S. Importância da Demarcação de Saberes no Ensino de
Ciências para Sociedades Tradicionais. Ciência & Educação, Bauru, v.16, n.3,
p.679-694, 2010.
BRASIL. Decreto n. 4.887, de 20 de novembro de 2003. Regulamenta o
procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e
titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos
quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias. Diário Oficial (da) República Federativa do Brasil, Poder
Executivo, Brasília, DF, 21 nov. 2003. Seção 1, p. 29514.
114
CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução n. 196 de 10 de outubro de
1996. Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres
Humanos. Brasília: Ministério da Saúde, 1996. Disponível em:
<http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/saude/
resolucoes/Resolucao_CNS_196.1996>. Acesso em: 01 fev. 2015.
CRUZ-SILVA, S. C. B. DA; DOMINGOS, M.; MATIAS, R.; DAHER, A. F. B.;
GARCIA, J. S. Uso de plantas para fins terapêuticos por escolares da
Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti, Campo Grande,
Mato Grosso do Sul. In: Encontro Regional de Ensino de Biologia, 7, 2015,
Niterói. Anais... Niterói: Associação Brasileira de Ensino de Biologia
(SBEnBIO) – Regional 2, 2015. p.1-8.
CRUZ-SILVA, S. C. B. Saberes Tradicionais e Uso da Biodiversidade na
Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti, Campo Grande, Mato
Grosso do Sul, Brasil. In: Análise Físico-ambiental e Multitemporal do
território da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti,
Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. 2016.
DIEGUES, A. C. O Mito Moderno da Natureza Intocada. São Paulo. 3ed.
Hucitec, 2001. 162p.
FCP- FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES. Quadro Geral de Comunidades
Remanescentes de Quilombo (CRQ’s) por Estados e Regiões: Certidões
expedidas (Dados atualizados até a Portaria nº 104 de 20/05/2016). 2016.
Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/wp-
content/uploads/2016/06/QUADRO-RESUMO.pdf>. Acesso em: 14 set. 2016.
FERREIRA, A. L. de S.; DOS SANTOS BATISTA, C. A.; PASA, M. C. Uso de
plantas medicinais na comunidade quilombola Mata Cavalo em Nossa Senhora
do Livramento–MT, Brasil. Biodiversidade, Rondonópolis, v.14, n.1, p.152-
160, 2015.
FOSCACHES, C. A. L.; CORDEIRO, K. W.; LOPES, J. C. J.; LIMA FILHO, D.
DE O.; FARIA, P. S. A tecnologia social PAIS como forma de sustentabilidade
115
social: o caso da comunidade quilombola da Chácara do Buriti. In: Encontro
Nacional de Engenharia de Produção - Maturidade e Desafios da Engenharia
de Produção: Competitividade das Empresas, Condições de Trabalho, Meio
Ambiente, 30., 2010, São Carlos. Anais... São Carlos: ABREPO, 2010, p. 1-10.
INCRA – INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA.
Relatório Antropológico de identificação e delimitação do território da
Comunidade Quilombola Chácara do Buriti (Campo Grande/MS). Ministério
do Desenvolvimento Agrário. 2007. 273p.
KÖEPPEN, W. Climatologia: con um estúdio de los climas de la Tierra.
México: Fondo de Cultura Economica, 1948. 478p.
MAZZARO, F. B.; CASTILHO, M. A. de; SILVA, C. L. da. Atividades agrícolas
vivenciadas na Comunidade Quilombola Chácara do Buriti em Campo Grande
– MS. RDE - Revista de Desenvolvimento Econômico, Salvador, n.24,
p.146-154, 2011.
OLIVEIRA, S. V.; DALCIN, D. O papel da mulher rural na segurança alimentar:
o caso da comunidade de Santo Antão, Santa Maria – RS. In: Seminário
Internacional Fazendo Gênero 8: Corpo, Violência e Poder, 8, 2008,
Florianópolis. Anais... Florianópolis: UFSC, 2008. p.1-7.
PASA, M. C.; DE DAVID, M.; DE ÁVILA, F. G.; NARDEZ, T. M. B.; MAZIERO,
E. L. A Etnobotânica na Comunidade Quilombola em Nossa Senhora Do
Livramento, Mato Grosso, Brasil. Biodiversidade, Rondonópolis, v.14, n.2, p.
2-18, 2015.
PASTORE, E.; POLESE, N. C.; PASTORE, L. M. O papel da mulher na
agricultura diversificada e agroecológica: influências e mudanças nas relações
de gênero. In: Seminário Internacional Fazendo Gênero 7: Gênero e
Preconceitos, 7, 2006, Florianópolis. Anais... Florianópolis: UFSC, 2008. p.1-7.
116
PORTAL YPADÊ. Povos e Comunidades Tradicionais. 2015. Disponível em:
<http://portalypade.mma.gov.br/povos-e-comunidades>. Acesso em: 30 ago.
2015.
QUISUMBING, A.; MEIZEN-DICK, R. S. Empowering women to achieve food
security. Washington: International Food Policy Research Institute, 2001.
Disponível em:
<http://ageconsearch.umn.edu/bitstream/16032/1/vf010006.pdf>. Acesso em:
25 out. 2015.
RODRIGUES, E.; CARLINI, E. L. de A. Levantamento etnofarmacológico
realizado entre um grupo de quilombolas do Brasil. Arquivos Brasileiros de
Fitomedicina Científica, São Paulo, v.1, n.2, p.80-87, 2003.
SCHARDONG, R. M. F.; CERVI, A. C. Estudos etnobotânicos das plantas de
uso medicinal e místico na comunidade de São Benedito, Bairro São Francisco,
Campo Grande, MS, Brasil. Acta Biológica Paranaense, Curitiba, v. 29,
p.187-217, 2000.
SEPPIR – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
Programa Brasil Quilombola. Brasília: Editorial Abaré, 2004. 48p.
SILVA, C. S. P. As plantas medicinais no município de Ouro Verde, GO,
Brasil: uma abordagem etnobotânica. 2007. 153f. Dissertação (Mestrado em
Botânica), Universidade de Brasília, Brasília.
SILVA, G. S. da; SILVA, V. J. da. Quilombos Brasileiros: alguns aspectos da
trajetória do negro no Brasil. Mosaico, Rio de Janeiro, v.7, n.2, p.191-200,
2015.
TERRA, E. M. M. Territorialidade da comunidade rural quilombola Chácara
do Buriti e potencialidades do desenvolvimento local. 2011. 131f.
Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Local), Universidade Católica Dom
Bosco, Campo Grande.
117
Artigo IV
Uso da biodiversidade vegetal na Comunidade Negra Rural Quilombola
Chácara do Buriti (Campo Grande – MS)
Sthefany Caroline B. da Cruz-Silva
Resumo
A Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti é a única de Campo
Grande, Mato Grosso do Sul, localizada em área rural. Esse fato associado ao
alto nível de parentesco entre os moradores e a relação histórica estabelecida
pela Comunidade com seu território, resulta no uso dos recursos naturais
desse como parte de sua identidade cultural, sendo o saber etnobotânico um
dos reflexos deste uso. Assim, o presente artigo tem como objetivo realizar o
estudo etnobotânico das plantas utilizadas na medicina tradicional aliada aos
saberes populares pelos integrantes desta Comunidade. A coleta dos dados
ocorreu em entrevistas utilizando roteiro semiestruturado. As indicações de uso
foram agrupadas com base na classificação de doenças proposta pela OMS e
Após a catalogação e tabulação, foram calculados os índices de Valor de Uso
(VU) e Importância Relativa (IR). Dos entrevistados, 89,5% utilizam plantas
medicinais para prevenir e tratar enfermidades, relatando o uso de 80 espécies,
com maior frequência das famílias Asteraceae (13,75%), Fabaceae (8,75%) e
Lamiaceae (7,5%), com 40% cultivada, 31,25% coletada e 20% comprada. O
principal modo de uso é a forma de chá (33,96%), seguido do emplasto
(15,09%) e o suco (7,55%), com a parte mais empregada nas preparações
sendo a folha, seguido de raiz e casca do caule. As únicas espécies que
apresentaram valores de VU e IR acima da média, simultaneamente são: Ruta
graveolens (arruda), Mentha spicata (hortelã), Baccharis crispa (carqueja),
Costus spicatus (cana de macaco/cana do brejo), Gymnanthemum
amygdalinum (boldo), Hymenaea courbaril (jatobá), Kielmeyera speciosa (folha-
santa), Matricaria chamomilla (camomila) e Momordica charantia (melão-de-
São-Caetano). A maioria (22,29%) das plantas são indicadas para tratamento
de sinais e sintomas gerais; doenças dos sistemas respiratório e genito-urinário
(16,56%) e, sistema digestivo (14,01%). Os resultados demonstram que a
Comunidade Chácara do Buriti tem um conhecimento da biodiversidade de seu
território e que o uso dessas plantas é repassado oralmente pelos mais antigos
118
da Comunidade, contudo verifica-se que há necessidade de resgatar e
fortalecer esse saber, garantindo sua posse às gerações futuras.
Palavras-chave: Comunidade tradicional, Quilombos, Etnobotânica, Espécies
terapêuticas.
Abstract
The Community Rural Black Quilombo Chacara doBuriti is the only Campo
Grande, Mato Grosso do Sul, located in a rural area. This fact associated with
high levels of relationship between the residents and the historical relationship
established by the Community on their territory, results in the use of natural
resources such as part of their cultural identity, and the ethnobotanical
knowledge of the consequences of this use. Thus, this article aims to conduct
ethnobotanical study of plants used in traditional medicine combined with the
popular knowledge by members of this community. Data collection occurred in
interviews using semistructured script. The instructions for use were grouped
based on the classification proposed by WHO and diseases After cataloging
and tabulation were calculated indexes of Use Value (VU) and Relative
Importance (IR). Of the respondents, 89.5% use medicinal plants to prevent and
treat diseases, reporting the use of 80 species, most often of the Asteraceae
(13.75%), Fabaceae (8.75%) and Lamiaceae (7.5%), cultured with 40%,
31.25% and 20% purchased collected. The main mode of use is in the form of
tea (33.96%), followed by poultice (15.09%) and the juice (7.55%), with the
most used in the preparations of the sheet being followed root bark and the
stem. The only species showing VU values and IR above average, both are:
Ruta graveolens (arruda),Mentha spicata (hortelã), Baccharis crispa (carqueja),
Costus spicatus (cana-de-macaco/cana-do-brejo), Gymnanthemum
amygdalinum (boldo), Hymenaea courbaril (jatoba), Kielmeyera speciosa (folha-
santa), Matricaria chamomilla (camomila) and Momordica charantia (melão-de-
São-Caetano). The majority (22.29%) of plants are suitable for the treatment of
general symptoms and signs; respiratory and urogenital systems (16,56%) and
digestive system (14.01%). The results show that the Community Chacarado
Buriti has a knowledge of the biodiversity of its territory and that the use of
these plants is passed on orally by the oldest of the Community, but it turns out
119
that there is need to rescue and strengthen this knowledge, ensuring their
possession to future generations.
Keywords: Traditional community, Quilombos, Ethnobotany, Therapeutic
species.
Introdução
Em países em desenvolvimento, 80% da população faz uso dos
conhecimentos tradicionais para os cuidados básicos de saúde, utilizando de
plantas medicinais ou preparações (WHO, 2001); principalmente para
comunidades isoladas, pode ser a única opção terapêutica (OLIVEIRA et al.,
2011; SHARMA et al., 2012). O Brasil, dentre os países em desenvolvimento, é
rico em diversidade de espécies vegetais, com a exploração de recursos
genéticos de plantas medicinais relacionada, em grande parte, ao uso popular
(ALBUQUERQUE e FRAGA FILHO, 2006). O conhecimento indígena,
associado à influência europeia (com plantas introduzidas como medicamento
e ervas aromáticas) e africana, com plantas trazidas pelos negros para serem
usadas como medicinais e em parte nos ritos religiosos propiciou uma vasta
lista de espécies utilizadas regularmente pelas comunidades tradicionais
(DIEGUES et al., 2001).
Muitas dessas espécies são utilizadas na atualidade e uma das
contribuições para a continuidade desta cultura vem das comunidades
tradicionais (CT), as quais detém em grande parte este conhecimento. Porém
este conhecimento sofre ameaça constante devido à influência direta da
medicina ocidental moderna e pelo desinteresse dos jovens das comunidades,
interrompendo assim o processo de transmissão do saber entre as gerações
(AMOROZO, 2002).
Dentre as CT’s brasileiras estão os quilombolas e as áreas
remanescentes de quilombo, que são frutos de um processo histórico da
formação da nação brasileira, originada na colonização portuguesa no século
XVI (TERRA, 2011). Essas comunidades têm seus hábitos estreitamente
condicionados aos ciclos naturais; desta forma, o conhecimento sobre o uso
dos recursos naturais foi se acumulando nestas populações, as quais detém
informações valiosas de espécies empregadas para fins terapêuticos
(SARAIVA et al., 2015). Atualmente, há 2849 comunidades remanescentes de
120
quilombos em todo o país (FCP, 2016). No Estado de Mato Grosso do Sul, são
reconhecidas 22 comunidades quilombolas e em Campo Grande, capital do
Estado, estão localizadas duas comunidades na área urbana e uma na área
rural. A comunidade rural, chamada de Comunidade Negra Rural Quilombola
Chácara do Buriti está localizada no Centro-Oeste, em área do bioma Cerrado
(FCP, 2015; INCRA, 2015).
A história desta Comunidade teve início no final do século XIX, com
registro pela Fundação Cultural Palmares em 2005 (INCRA, 2007).
Inicialmente, a comunidade praticava agricultura de subsistência e pecuária até
a década de 1950. Após este período, por 30 anos se dedicaram a olaria e
pecuária e atualmente a fonte de renda dos moradores advém da produção
agrícola local e de empregos fora da Comunidade (FOSCACHES et al., 2010).
Como essa comunidade está localizada em área rural, mais distante dos polos
de atendimento público de saúde, os moradores ainda priorizam o uso de
plantas no tratamento primário de doenças (INCRA, 2007; GUERRA et al.,
2010). Além disso, existe ainda um elevado índice de parentesco entre seus
integrantes, o que para SCHARDONG e CERVI (2000), permite maior
homogeneidade cultural, preservação das tradições e uso dos recursos
naturais.
Cabe ressaltar que, estudos etnofarmacológicos e etnobotânicos são as
principais abordagens para selecionar essas plantas com potencial terapêutico,
além de esses estudos possuírem baixo impacto biológico, econômico e social
(ALBUQUERQUE e FRAGA-FILHO, 2006).
Diante disso, o objetivo deste estudo é realizar o estudo etnobotânico
das plantas utilizadas pelos integrantes da Comunidade Negra Rural
Quilombola Chácara do Buriti, no município de Campo Grande, Mato Grosso
do Sul, Brasil. As informações obtidas permitirão conhecer suas formas de uso,
modo de preparo, partes utilizadas, bem como sua identificação botânica, além
do valor de uso e importância relativa atribuído a cada espécie, como forma de
resgatar o conhecimento tradicional local.
121
Procedimentos Metodológicos
Caracterização da Área de Estudo
A Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti (CNRQ
Chácara do Buriti) está situada a cerca de 18 km do limite urbano da Capital do
Estado de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, Brasil, tendo como ponto as
coordenadas S20°44’31.12”; O54°31’58.77”, no km 449 da BR 163 (Figura 1).
Figura 1. Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti em 2015.
Fonte: Adaptado de Digital Globe, satélite GeoEye-1, 2016. Fonte: CRUZ-
SILVA (2016).
O clima enquadra-se no tipo Clima Tropical de Savana, com duas
estações bem definidas: quente e úmida no verão e fria e seca no inverno. A
amplitude térmica é grande e nos meses de inverno, a temperatura pode cair
drasticamente, sendo que a temperatura média está em torno de 22ºC. A
precipitação média é de 1500 mm ao ano, com variações para mais ou para
menos (KÖEPPEN, 1948).
A Comunidade está localizada no bioma Cerrado (BRASIL, 2016) e as
fitofisionomias encontradas são: Cerrado sensu stricto; Savana Arbórea
Densa (cerradão); Vereda de Buritizal e Mata de Galeria Inundável, com solos
latossolo roxo distrófico e eutrófico (INCRA, 2007).
122
Coleta de dados e do material botânico
Inicialmente recorreu-se a liderança da Comunidade, na forma da
presidente da AQBURITI (Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola
Chácara do Buriti), onde em reunião foi esclarecido os objetivos do estudo e
buscou-se apoio e permissão para desenvolvimento do trabalho. Em um
segundo momento, foi realizada uma reunião com os moradores da
Comunidade e feita a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE), conforme solicitação pelo Conselho Nacional de Saúde por meio do
Comitê de Ética em Pesquisa, Resolução n°196/1996 (CONSELHO NACIONAL
DE SAÚDE, 1996). Como envolve seres humanos, este trabalho foi
previamente submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade
Anhanguera – Uniderp e aprovado, sob parecer nº 1.354.762.
A Comunidade, atualmente está estabelecida em 43,0080 ha, sobre os
quais existem 72 residências, com uma população de cerca de 180 pessoas.
Desse total de residências, 22 não estão habitadas ou pertencem a
descendentes que a utilizam apenas nos finais de semana ou férias, restando,
portanto, 50 casas habitadas. Os dados foram obtidos com aplicação de
questionários, no período entre agosto e setembro de 2015. Foram visitadas as
38 residências, as quais seus representantes aceitaram participar da pesquisa;
foi entrevistado um morador adulto (acima de 18 anos) que se encontrava
presente no momento da visita, que ocorreram em diversos dias da semana.
Os representantes das casas restantes (12) não aceitaram participar da
pesquisa, parte da desistência ocorreu após a leitura do TCLE e outra parte
durante o preenchimento dos questionários, alegando motivos diversos.
O questionário foi composto de 5 perguntas sobre a utilização ou não
de plantas para fins terapêuticos, as variáveis avaliadas foram como as
doenças eram tratadas, uso de plantas medicinais e a origem do
conhecimento, sendo a última questão uma tabela onde foram colocadas as
seguintes informações: nome da planta medicinal, órgão vegetal utilizado,
indicação, modo de preparo, se é coletada, cultivada ou comprada, local de
coleta, cultivo ou compra. As entrevistas foram conduzidas de forma livre,
utilizando a linguagem regional, para evitar possíveis constrangimentos dos
entrevistados.
123
As indicações de uso foram agrupadas com base na classificação de
doenças proposta pela Organização Mundial da Saúde (WHO, 2010) e os
sinais ou sintomas que não puderam ser inclusos nesta classificação, foram
agrupadas na categoria “sintomas e sinais gerais”.
Para identificação das plantas citadas, após fichamento, foram levados
até os informantes livros, como: Angiosperm Phylogeny Group III (APG, 2009),
SANO e ALMEIDA (1998) e POTT e POTT (1994, 1999); que continham
imagens de espécies nativas e cultivadas com os nomes populares citados
pelos moradores na comunidade, uma vez que muitas espécies não se
encontravam disponíveis para coleta e identificação.
Após identificação das espécies, suas características tais como:
habitat, domínio fitogeográfico e endemismo foram confirmados no banco de
dados “Flora do Brasil 2020” pertencente ao programa REFLORA. As espécies
não encontradas na base de dados foram consideradas exóticas. Além da
confirmação no “Flora do Brasil 2020”, o nome científico das espécies também
foi confirmado no site “The Plant List” (www.theplantlist.org).
A origem das espécies citadas foram classificadas em 5 grupos: (1)
cultivada: exóticas ou nativas, cultivadas no quintal do entrevistado; (2)
coletada: quando o informante busca na vegetação nativa a espécie; (3)
comprada: quando a espécie é comprada fora da comunidade; (4) coletada
e/ou cultivada: quando o informante esporadicamente pode ter cultivado em
seu quintal, mas também tem a possibilidade de adentrar a mata para a coleta
e (5) cultivada e/ou comprada: quando o informante esporadicamente pode ter
cultivado em seu quintal, mas também tem a possibilidade ou prefere comprar
a planta fora da comunidade.
Paralelamente, após a catalogação e tabulação dos resultados, foram
calculados os índices de Valor de Uso (VU), adaptado por ROSSATO et al.
(1999) e Importância Relativa (IR) (BENNETT e PRANCE, 2000). O VU indica
a importância de uma espécie a partir do número de usos informado pela
comunidade, já o IR leva em conta a versatilidade de uma espécie no
tratamento doenças dos sistemas corporais.
Para o cálculo do VU, seguiu-se a fórmula VU=∑U/N, onde tem-se o
somatório de número de usos dado pelo informante (U) dividido pelo número
total de informantes (N), que será no máximo dois. Para o índice IR utilizou-se
124
a fórmula: IR=NSC/NP, onde NSC é o número de sistemas corporais e NP é o
número de propriedades.
Para chegar-se ao NSC, utiliza-se a fórmula NSC=NSCE/NSCEV, onde
NSCE é o número de sistemas corporais tratados por uma determinada
espécie, NSCEV, o número total de sistemas corporais tratados pela espécie
mais versátil. Já para chegar-se ao valor de NP, a fórmula é NP=NPE/NPEV,
onde NPE é o número de propriedades atribuídas à determinada espécie e
NPEV, número total de propriedades atribuídas a espécie mais versátil.
Resultados e Discussão
Do total de 38 entrevistados da Comunidade, 89,5% fazem uso de
plantas medicinais para prevenir e tratar enfermidades; todos afirmaram que o
conhecimento das plantas advém do conhecimento familiar tradicional. Dos
entrevistados que não utilizam de plantas para fins terapêuticos (10,5%); os
motivos alegados são: falta de interesse, incredulidade da eficácia de plantas
medicinais, alto crédito aos tratamentos convencionais ou nunca ficaram
doentes.
Comparando estas informações com os dados é possível perceber que
conforme as novas gerações surgem e os mais velhos falecem, há perdas
desse saber tão singular. Segundo FRANCO e BARROS (2006), vários fatores
contribuem para que ocorra perda desse saber, relacionado ao repasse desses
conhecimentos pelas pessoas mais idosas. Por ser oral, é mais lento; e as
novas gerações tem pressa em adquirir conhecimento; também existe o
desinteresse das novas gerações, reflexo da nova forma de interação com a
sociedade e provavelmente devido às alterações antrópicas pelas novas
formas de apropriação e uso da terra.
Os informantes relataram o uso medicinal de 80 espécies (Tabela 1,
pg. 142), sendo a maioria(52,5%) espécies nativas. Os dados indicam que mais
de 50% das espécies utilizadas tem como um de seus domínios fitogeográficos
o Cerrado, demonstrando a relação entre o conhecimento tradicional e os
recursos naturais locais.
125
Em consulta à Lista Vermelha3 do Centro Nacional de Conservação da
Flora–CNCFLORA (http://cncflora.jbrj.gov.br/portal/), verificou-se que das
espécies nativascitadas (41), 73,17% não possui avaliação quanto àameaça de
extinção (categoria NE), 21,95% estão na categoria “menos preocupante” (LC),
por encontrarem-se abundantes e amplamente distribuídas e 4,87% (2), estão
classificadas “quase ameaçadas” (NT), portanto próximas ou suscetíveis a
serem consideradas ameaçadas de extinção, a saber: assa-peixe
(Lessingianthus grandiflorus) e amburana (Amburana cearensis).
Esses dados demonstram que a maioria das espécies não tem seu
risco de extinção avaliado; contudo, os moradores relataram a dificuldade de
encontrar atualmente as espécies nativas citadas pela Comunidade, o que os
levam a cultivar as espécies domesticadas e/ou adquirí-las junto aos raizeiros
no Mercado Municipal Antonio Valente, em Campo Grande-MS.
A dificuldade relatada pelos moradores de encontrar as espécies pode
ser um sinal de extinção local dessas espécies. A extinção local é quando não
há indivíduos de uma determinada espécie em uma localidade, e pode ser
causada tanto pela menor plasticidade fenotípica e fisiológica da espécie
quanto pela fragmentação de seu habitat no local (MANOR e SALTZ, 2008). A
redução da cobertura vegetal do território da Comunidade Chácara do Buriti, se
apresenta durante sua trajetória histórica, que se diversificou demográfica e
socioeconômicamente, desde sua primeira fonte de renda, agricultura de
subsistência e pecuária, passando pela produção de tijolos a partir do solo de
suas áreas úmidas, até a atividade atual na Comunidade, a agricultura familiar.
Essas atividades implicam necessariamente na redução da cobertura vegetal,
que associado a uma possível menor plasticidade fenotípica e fisiológica,
contribui para a extinção local das espécies.
Ao visualizar-se a possível extinção local de algumas espécies citadas e
o desinteresse das novas gerações em aprender profundamente o
conhecimento tradicional em relação a flora, verifica-se a necessidade de 3Com o objetivo de atender a meta 2 da “Estratégia Global de Conservação de Plantas”, o Centro
Nacional de Conservação da Flora – CNCFLORA instituiu uma equipe multiprofissional da área de Ciências da Natureza para avaliar o risco de extinção de espécies da flora do Brasil. Como resultado a equipe gerou a “Lista Vermelha”, onde é possível consultar todas as fichas de análise e avaliação de risco de extinção para as espécies que já foram avaliadas. As espécies já avaliadas são divididas em 8 categorias: Criticamente em Perigo (CR), Em perigo (EN), Vulnerável (VU), Quase ameaçada (NT), Menos preocupante (LC), Dados insuficientes (DD), Extinta (EX) e Extinta na natureza (EW); a descrição do critério pode ser consultada em http://cncflora.jbrj.gov.br/portal/pt-br/listavermelha. As espécies não avaliadas possuem a designação NE.
126
alguma ação que fortaleça e recupere este saber ancestral. É necessário o
engajamento para formulação de projetos, em parceria ou não com instituições
públicas ou privadas, a fim de desenvolver ações como por exemplo,
elaboração de catálogos, implantação de hortas medicinais ou farmácias vivas,
que podem ser atividades individuais ou coletivas, de modo a fomentar as
relações de convivência entre as gerações.
O total de plantas utilizadas é superior quando comparados as
Comunidades do Quilombo Senhor do Bonfim, de Areia, Paraíba, que utiliza 37
espécies (SALES et al., 2009), Comunidade Quilombola Kalunga - Engenho II,
município de Cavalcante, Goiás, com 40 espécies (DE TORRES, 2014);
Comunidade Carreiros, de Mercês, Minas Gerais, que faz uso de 62 plantas
(FERREIRA et al., 2014) e Comunidade Quilombola do Cedro, de Mineiros,
Goiás, com 49 plantas citadas; e similar a quantidade citadas por moradores
do Quilombo Sesmaria Mata-Cavalos, de Nossa Senhora do Livramento, Mato
Grosso, com 80 plantas (RODRIGUES e CARLINI, 2003). Já em relação ao
Quilombo Sangrador, em Presidente Juscelino (Maranhão), que relatou o uso
de 121 espécies (MONTELES e PINHEIRO, 2007); foi inferior, assim como em
relação à Comunidade Quilombola de Curiaú (Macapá), que citaram 144
espécies (SILVA, 2002); Comunidade São Benedito, de Campo Grande (Mato
Grosso do Sul), que com 178 espécies (SCHARDONG e CERVI, 2000).
As Comunidades que apresentaram maior número de espécies citadas
são Comunidades mais antigas em seu território, a maioria desde o tempo da
escravidão (1530 - 1888), com maior número de moradores e especialistas em
plantas medicinais, além de, possuírem um território maior e também
conservarem a tradição de benzimentos e rezas. Diferentemente da
Comunidade Chácara do Buriti, que se estabeleceu na década de 30 e que,
além de possuir um território considerado enxuto (43,0080 ha), atualmente a
maioria pratica a religião cristã apostólica, abandonando a execução de rituais
ancestrais; esse fator pode ter contribuído para a perda do etnoconhecimento
em relação as plantas com atividades terapêuticas.
O número superior de espécies em relação à outras Comunidades
estabelecidas desde o período de escravidão, como Quilombola Kalunga,
Comunidade Carreiros e Comunidade Quilombola do Cedro, também
localizadas em áreas de Cerrado, o que pode indicar uma relação mais intima
127
com seu território, mas mesmo assim em desenvolvimento, visto a data de
fundação da Comunidade. Em relação as famílias botânicas, foram
identificadas 41, sendoas famílias com maior frequência Asteraceae (13,75%),
Fabaceae (8,75%) e Lamiaceae (7,5%). Resultados semelhantes foram
encontrados por SILVA (2002), no Quilombo de Curiaú, em Macapá-AP, onde
assim como na CNRQ Chácara do Buriti, as famílias com maior representação
foram Asteraceae, seguida por Lamiaceae e Fabaceae, com mesma
frequência.
Asteraceae e Lamiaceae possuem entre suas representantes plantas
consideradas ervas aromáticas, cultivadas no Brasil e dentre elas Mentha
pulegium(poejo), Ocimum basilicum (alfavaca), Plectranthus barbatus (boldo),
Rosmarinus officinalis (alecrim), Mentha spicata (hortelã), espécies citadas
pelos informantes da CNRQ Chácara do Buriti (Tabela 1).
À família Fabaceae, são atribuídas principalmente atividades frente à
agentes infecciosos e parasitários e está constantemente presente entre as
espécies mais citadas em estudos etnobotânicos, inclusive em estudos
publicados em períodos que focam esse tipo de estudo, como por exemplo, a
Journal of Ethnopharmacology (GOTTLIEB e BORIN, 2003). A prevalência
pode estar relacionada ao fato da família ser uma das mais bem representadas
em regiões tropicais e no Cerrado, é a com maior número e diversidade de
espécies (SOUZA, 2007).
Assim como no Quilombo Olho D’água dos Pires, de Esperantina – PI
(FRANCO e BARROS, 2006), foi possível constatar que na CNRQ Chácara do
Buriti, dentre as plantas citadas, as indicações de uso são as mesmas, tais
como: acerola, guaco e laranja para gripes e infecções, goiaba para diarreia,
berinjela para emagrecer e eucalipto para sinusite e bronquite.
No quilombo de Mata-Cavalos, localizado em Nossa Senhora do
Livramento-MT, a família Asteraceae também apresentou maior diversidade de
espécies, seguidas de Caesalpiniaceae (Fabaceae), Myrtaceae,
Malpighiaceae, Euphorbiaceae, Mimosaceae e Sterculiaceae (RODRIGUES e
CARLINI, 2003). Na Comunidade Quilombola São Benedito, localizada em área
urbana de Campo Grande – MS a família com maior representação também foi
a Asteraceae (SCHARDONG e CERVI, 2000).
128
Das espécies citadas, 40% são cultivadas, 31,25% coletadas, 20%
compradas, 6,25% cultivadas e/ou compradas e em última proporção, 2,5%,
coletadas e/ou cultivadas. É possível observar que para 80% das plantas
utilizadas, que correspondem as espécies das categorias cultivadas, coletadas,
cultivadas e/ou compradas e coletadas e/ou cultivadas, há a possibilidade de
obtenção in loco em ambientes no território da Comunidade. A coleta das
espécies ocorre em áreas de vegetação nativa (campo/cerrado/brejo), sendo
que do total, nove são consideradas pelos informantes infestantes ou
espontâneas; o cultivo das plantas é realizado nos quintais das residências e a
compra é realizada principalmente de raizeiros independentes ou do Mercado
Municipal Antônio Valente, localizado no centro do município (Campo Grande-
MS).
A comunidade de caboclos do Baixo Amazonas, em Barcarena (PA),
também passou a cultivar cerca de 50% das plantas utilizadas por eles em
quintais, visando facilitar assim sua obtenção (AMOROZO e GÉLY, 1988). O
cultivo das plantas utilizadas como medicamentosas também foi relatada por
SCHARDONG e CERVI (2000), para a comunidade quilombola São Benedito,
em Campo Grande.
Nesse estudo, foram citadas 16 formas de uso e preparações das
plantas (Tabela 1), incluindo desde xampu (Sh), sumo (PJ), pomada (O),
sabonete (S) e supositório (Sp), entre outros. Não foi indicada nenhuma
preparação com a junção de duas ou mais espécies. Do total de plantas, 54
(67,5%) tiveram apenas um modo de uso, 22 (27,5%) tiveram dois modos,
quatro plantas (5%) tiveram três e apenas 1 (1,25%), utilizada de 4 modos
diferentes. O principal modo de uso foi o chá (T) (33,96%), seguido do
emplasto (P) (15,09%) e o suco (J) (7,55%) (Tabela 1).
O chá é a forma de uso mais comum também em estudos realizados por
FRANCO e BARROS (2006), na comunidade quilombola Olho D’água dos
Pires, assim como na Comunidade São Benedito (SCHARDONG e CERVI,
2000) e na Comunidade quilombola Senhor do Bonfim (SALES et al., 2009) e
na Comunidade quilombola Mata Cavalo de Baixo (PASA et al., 2015).
Os informantes indicaram 13 partes vegetais utilizadas. As folhas (L) são
as partes com maior número de emprego medicinal, com 60 indicações, em
sequência a raiz (R), com 23, casca do caule (BS), com nove, seguidos de fruto
129
(F), planta inteira (WP), látex (Lx), semente (S), batata/tubérculo (T), buchinha
(fruto seco) (DF), feijão (Be) e caroço (C). A parte mais utilizada pelas
comunidades é uma característica muito relevante do saber tradicional, pois
farmacologicamente, cada parte da planta pode conter uma diversidade e
quantidade variada de fitoconstituintes (SCHARDONG e CERVI, 2000). Das
plantas citadas pela Comunidade, de 56 espécies apenas uma parte tem
emprego medicinal, de 20 espécies são empregadas duas partes e quatro
espécies, possuem três partes são utilizadas em algum tipo de tratamento.
As folhas também foram indicadas como parte mais utilizada em várias
comunidades, entre elas: comunidade quilombola urbana São Benedito
(SCHARDONG e CERVI, 2000), comunidade quilombola Senhor do Bonfim
(SALES et al., 2009), Quilombo Sangrador (MONTELES e PINHEIRO, 2007) e
no Quilombo de Mata Cavalo (FERREIRA et al., 2015). O uso das folhas na
maior parte das plantas medicinais pode estar relacionado ao fato de sua maior
disponibilidade durante todo o ano; além disso, há relatos apontando que nas
folhas concentram-se grande parte dos princípios ativos (GONÇALVES e
MARTINS, 1998; CASTELLUCCI et al., 2000).
As plantas indicadas pelos informantes foram classificadas no
tratamento de doenças em 12 categorias: 11 sistemas corporais e 1 categoria
de sinais e sintomas gerais, conforme classificação CID-10 (versão 2016) da
Organização Mundial da Saúde (WHO, 2010). A categoria sinais e sintomas
gerais é uma categoria destinada a manifestações de distúrbios que não se
consegue categorizar como de algum sistema específico, tais como febre, dor
no corpo em geral, dor de cabeça, queda de cabelo, aparecimento de piolho,
inflamação, infecção, dentre outros citados pela comunidade.
A maioria das plantas (22,29%) são indicadas para tratamento de sinais
e sintomas gerais, isso demonstra a utilização de plantas para busca do bem-
estar geral. Após sinais e sintomas, as categorias que apresentaram maior
proporção de tratamentos são: doenças dos sistemas respiratório (16,56%),
genito-urinário (16,56%) e sistema digestivo (14,01%).
Resultados semelhantes foram observados na Comunidade São
Benedito (SCHARDONG e CERVI, 2000), com maior número de plantas
indicadas para tratamento de doenças do sistema respiratório e digestivo.
Assim como nas comunidades: Quilombo Sangrador (MONTELES e
130
PINHEIRO, 2007), Quilombo Olho D’água dos Pires (FRANCO e BARROS,
2006), comunidades quilombolas de Casinhas e Baixa dos Quelés (ALMEIDA,
2011) e comunidade quilombola Mata Cavalo de Baixo (PASA et al., 2015).
Vários autores, em estudos desenvolvidos em diferentes comunidades
tradicionais do Brasil, observaram que diversas espécies vegetais são mais
citadas para problemas dos sistemas respiratório e gastrintestinal, incluindo
doenças parasitárias, como verminoses (AMOROZO, 2002; BEGOSSI et al.,
2002; MEDEIROS et al., 2004; BUENO et al., 2005). Isto indica uma certa
frequência nas enfermidades que atingem essas comunidades relativamente
isoladas. Podemos supor que isso se deve as condições insalubres das
residências e das criações de animais, como porcos e galinhas, que sem os
devidos cuidados permitem e facilitam a contaminação de seres humanos,
fazendo-os sofrer de doenças parasitárias e infecciosas.
Em relação ao VU e IR as únicas espécies que alcançaram
simultaneamente os maiores valores são: Ruta graveolens (arruda), Mentha
spicata (hortelã), Baccharis crispa (carqueja), Costus spicatus (cana de
macaco/cana do brejo), Gymnanthemum amygdalinum (boldo), Hymenaea
courbaril (jatobá), Kielmeyera speciosa (folha-santa), Matricaria chamomilla
(camomila) e Momordica charantia (melão-de-São-Caetano), isso indica que
essas espécies são mais relevantes tanto pela quantidade de indicações de
usos, quanto pela diversidade de sistemas corporais que tratam.
Posterior aos estudos etnobotânicos deve-se realizar os estudos
fitoquímicos, que validam (ou não) a utilização das plantas conforme o
conhecimento popular, objetivando a identificação e quantificação dos
princípios ativos, além de estudos farmacológicos, para determinar a
inocuidade ou toxicidade destas substâncias (LIMA e SANTOS, 2006).
Das espécies que alcançaram maiores VU e IR simultaneamente apenas
duas são nativas: Baccharis crispa (carqueja) e Hymenaea courbaril
(jatobá),portanto, elas mostraram ser significativas tanto nos cálculos que
levam em consideração a quantidade de indicações (VU) quanto no que
ressalta o tratamento do maior número de sistemas corporais (IR).
A carqueja (Baccharis crispa), utilizada na forma de chá das folhas, é
empregada na Comunidade para tratar diabetes, cólicas e distúrbios
estomacais, entre eles a azia. Esta espécie faz parte da Relação Nacional de
131
Plantas Medicinais de Interesse ao SUS (RENISUS), uma lista de espécies
vegetais que apresentam potencial para gerar produtos de interesse ao SUS
(Sistema Único de Saúde brasileiro). De acordo com Agência Nacional de
Vigilância Sanitária-ANVISA (BRASIL, 2011), a carqueja é indicada para tratar
dificuldades de digestão (atividade antidispéptica) e seu uso não é
recomendado para aqueles que utilizam medicamentos para hipertensão e
diabetes e para gestantes e lactantes. Segundo VERDI et al. (2005), sua
constituição química é formada por compostos fenólicos, di e triterpenos,
flavonoides, saponinas, taninos, e óleos essenciais. Resultados de estudos
científicos evidenciam suas bioatividades, entre elas a inibição da secreção de
ácido gástrico (BIONDO et al., 2011) e sua atividade antibiótica frente à
Staphylococcus aureus (HAAG et al., 2014).
O chá ou xarope da casca do caule do jatobá (Hymenaea courbaril), é
utilizado pelos moradores no tratamento de tosse, gripe, diabetes e inflamação.
Estudos científicos têm demonstrado atividades da casca do caule, tais como
ação antibacteriana frente à Staphylococcus aureus resistentes e sensíveis à
meticilina respectivamente (GARCIA et al., 2011) e Staphylococcus aureus,
cepa oxacilina sensíveis (SALES et al., 2014), além de atividade antioxidante,
anti-inflamatóriadas vias aéreas e miorrelaxante da musculatura lisa traqueal
(BEZERRA et al., 2013). Segundo NOGUEIRA et al. (2001), os
quimioconstituintes da espécie são: diterpenos, óleos essenciais, taninos,
xiloglucanas, galactomananas, oligossacarídeos e ácidos graxos.
132
Tabela 1. Lista das espécies citadas pela Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti, com seus respectivos modos de
uso, Valor de Uso e Importância Relativa Continua...
Família/ Espécie
N/E Endêmica
Nome popular
Local de coleta/com
pra
coletada ou
comprada
Parte Utilizada
Modos de uso
Indicações terapêuticas
VU IR domínio
fitogeográ-fico
Fitofisiono-mia-
Tipo de Vegetação
Avaliação de risco de
extinção
Adoxaceae
Sambucus nigra L.
E não sabu-gueiro
Quintal da residência
(CV) e Mercado
Municipal e raízeiros
(PR)
CV/PR L T, O sarampo,
tosse, calmante
0,107 2,25
1 NE
Alismataceae Echinodorus grandiflorus (Cham. & Schltr.) Micheli
N não chapéu
de couro
Mercado Municipal e
raízeiros (PR)
PR L T antibiótico 0,036 2,25 Caa, Crr,
MAt 22 NE
Amaranthaceae Alternanthera brasiliana (L.) Kuntze
N não terra-micina
Quintal da residência
(CV) CV L, R T
cólicas, infecção, garganta
0,107 2,25 Amz, Caa, Crr, MAt
1, 2, 7, 9, 10, 15 17, 18, 20, 21, 23
NE
Dysphania ambrosioides (L.) Mosyakin & Clemants
E não
mastrus/ erva de santa maria
Quintal da residência
(CV) / Infestante/es
pontânea (CL)
CL/CV L, R T, PJ, M, P
vermífugo, quebradura,
torções, luxações, diabetes,
gases
0,214 1,13
Amz, Caa, Crr, MAt
1, 2, 9 NE
Anacardiaceae Myracrodruon urundeuva
N não aroeira Quintal da residência
CV/PR BS T perda de voz 0,036 2,25 Caa, Crr,
MAt 1, 2, 10, 16 NE
133
Allemão (CV) e Mercado
Municipal e raízeiros
(PR) Annonaceae
Annona muricata L.
E não graviola
Mercado Municipal e
raízeiros (PR)
PR L T câncer,
pressão alta 0,071 2,25
NE
Apiaceae Petroselinum crispum (Mill.) Fuss
NR
salsa Quintal da residência
(CV) CV L, R T infecção 0,036 2,25
Apocynaceae Hancornia speciosa Gomes
N não mangava (manga-
ba)
Campo/Crr (CL)
CL Lx T problemas de
coluna 0,036 2,25
Amz, Caa, Crr, MAt
7, 9, 21 NE
Asparagaceae Sansevieria trifasciata Prain.
NR
espada de São Jorge
Quintal da residência
(CV) CV L P, PJ
reumatismo, inchaço
0,071 2,25
Asteraceae Gymnanthe-mum amygdalinum (Delile) Sch.Bip. ex Walp.
E não boldo Quintal da residência
(CV) CV L T, J, S
distúrbios estomacais,
vesícula, cólicas, micoses
0,143 1,69 Amz, Crr,
MAt 1 NE
Matricaria chamomilla L.
E
camo-mila
Mercado Municipal e
raízeiros (PR)
PR L, R T
gases, cólicas,
dores gerais, dor de
0,143 1,69
NE
134
cabeça Achyrocline satureioides
N não marcela Campo/Crr
(CL) CL L, R T infecção 0,036 2,25
Crr, MAt, Pmp
1, 4, 6, 7, 20 NE
Ageratum conyzoides L.
N não men-trasto
Quintal da residência
(CV) CL L T cólicas 0,036 2,25
Amz, Caa, Crr, MAt, Pmp, Ptl
1, 9 NE
Baccharis crispa Spreng.
N não carqueja
Mercado Municipal e
raízeiros (PR)
PR L T
distúrbios estomacais,
diabetes, cólicas, azia
0,143 1,69 Caa, Crr, MAt, Pmp
1, 4, 6, 7, 9, 17, 18, 20,
23 NE
Lessingianthus grandiflorus (Less.) H.Rob.
N não assa peixe
Mercado Municipal e
raízeiros (PR)
PR L T, O ácido úrico,
feridas, dores musculares
0,107 1,50 Crr 9 NT
Mikania glomerata Spreng.
N não guaco Quintal da residência
(CV) CV L T, Sy
tosse, gripe, dores gerais,
cólicas, inflamação
0,179 1,35 Crr, MAt 9, 10, 17, 18 LC
Sphagneticola trilobata (L.) Pruski
N não arnica Quintal da residência
(CV) CV L P
hematomas, contusões
0,071 1,13 Amz, Caa, Crr, MAt, Pmp, Ptl
1, 20 NE
Artemisia absinthium L.
E não losna Quintal da residência
(CV) CV L T, P gripe, cólica 0,071 2,25
Amz, Caa, Crr, MAt, Pmp, Ptl
1 NE
Bidens pilosa E não picão Infestante/es
pontânea (CL)
CL L, WP T hepatite, infecção
0,071 2,25
Amz, Caa, Crr, MAt, Pmp, Ptl
1, 14 NE
Tithonia diversifolia (Hemsl.) A.Gray
E não flor do amazo-
nas
Infestante/espontânea
(CL) CL L T
distúrbios estomacais
0,036 2,25 Amz, Crr,
MAt 1 NE
135
Bignoniaceae Jacaranda caroba (Vell.) DC.
N não carobi-
nha Campo/Crr
(CL) CL R T depurativo 0,036 2,25 Crr, MAt 9 NE
Brassicaceae
Rorippa Scop. E não agrião Quintal da residência
(CV) CV L T, P
gases, vermífugo
0,071 2,25 Amz, MAt,
Pmp 1, 4, 5, 6 NE
Brassica oleracea variedade acephala
NR
couve Quintal da residência
(CV) CV L J
anemia, ação diurética
0,071 1,13
Celastraceae Maytenus ilicifolia Mart. ex Reissek
N não canco-rosa
Quintal da residência
(CV) CL L, R T depurativo 0,036 2,25
Crr, MAt, Pmp
9, 10, 16, 18 LC
Cochlospermaceae Cochlosper-mum regium
N não Algodão-
zinho Campo/Crr
(CL) CL L, S, WP T
dor, gripe, infecção
0,107 1,50 Amz, Caa,
Crr, Ptl 2, 6, 7, 9, 21 LC
Convolvulaceae
Mandevilla illustris (Vell.) Woodson
N não Jalapa
Mercado Municipal e
raízeiros (PR)
PR R T derrame 0,036 2,25 Caa, Crr,
MAt 6, 9 NE
Crassulaceae
Bryophyllum pinnatum (Lam.) Oken
E não Folha Santa
Quintal da residência
(CV) CV L O, PJ
tosse, gastrite,
bronquite, rins
0,143 1,69 Amz, Caa, Crr, MAt,
Pmp 1, 2, 20, 23 NE
Cucurbitaceae Luffa operculata (L.) Cogn.
N não Buxinha Mercado
Municipal e raízeiros
PR DF
(buchi-nha)
I (alcool)
sinusite 0,036 2,25 Crr, MAt 17 NE
136
(PR)
Momordica charantia L.
E não Melão de
São Caetano
Infestante/espontânea
(CL) CL L T, B
gripe, cólicas,
quebradura 0,143 1,69 Amz, Crr 17 NE
Equisetaceae
Equisetum sp L.
N não cavalinha
Mercado Municipal e
raízeiros (PR)
PR R T infecção 0,036 2,25 Crr, MAt 1, 9, 16, 17,
20 NE
Euphorbiaceae Croton matourensis Aubl.
N não sangria d'água
Campo/Crr (CL)
CL BS T depurativo,
infecção 0,071 1,13 Amz
3, 10, 11, 12, 21
NE
Phyllanthus niruri L.
N não quebra pedra
Campo/Crr (CL)
CL L T
rins, diabetes,
anti-inflamatório
0,107 2,25 Amz, Caa, Crr, MAt
1, 2, 3, 5, 6, 9, 17, 20
NE
Fabaceae
Hymenaea courbaril L.
N não jatobá Quintal da residência
(CV) CL BS T, Sy
tosse, gripe, diabetes,
inflamação 0,143 1,69
Amz, Caa, Crr, MAt,
Ptl
1, 9, 10, 12, 17, 20
NE
Pterodon emarginatus Vogel
N não sucupira Campo/Crr
(CL) CL S T
reumatismo, tireoide
0,071 2,25 Amz, Caa,
Crr, Ptl 9, 10, 16 NE
Stryphnoden-dron adstringens (Mart.) Coville
N sim Barbati-
mão
Campo/Crr (CL) e
Mercado Municipal e
raízeiros (PR)
CL/PR BS T, B micose,
inflamação, infecção
0,107 1,50 Caa, Crr 7, 9 LC
Senna macranthera (DC. ex
N não Fedegoso Campo/Crr
(CL) CL R T
gripe, purgativo
0,071 2,25
Caa, Crr, MAt
1, 2, 8, 9, 10, 17
NE
137
Collad.) H.S.Irwin & Barneby
Cajanus cajan (L.) Millsp.
E não Feijão andu
Quintal da residência
(CV) CV L, Be T
tosse, pneumonia
0,071 1,13 Amz, Caa, Crr, MAt, Pmp, Ptl
1 NE
Erythrina dominguezii Hassl.
N não maleito-
so
Quintal da residência
(CV) CL BS T
distúrbios estomacais
0,036 2,25 Crr 9, 16 NE
Amburana cearensis (Allemão) A.C.Sm.
N não ambu-rana
Mercado Municipal e
raízeiros (PR)
PR BS T distúrbios
estomacais 0,036 2,25
Caa, Crr, MAt
2, 14, 16 NT
Iridaceae
Crocus sativus NR
assa-frão Quintal da residência
(CV) CV T T
tosse, garganta, colesterol
0,107 1,50
Lamiaceae Leonotis nepetifolia (L.) R.Br.
E não rubinho Campo/Crr
(CL) CL L T infecção 0,036 2,25
Amz, Caa, Crr, MAt,
Ptl
1, 2, 8, 9, 10, 13, 17, 20
NE
Mentha pulegium L.
E não poejo/ vick
Quintal da residência
(CV) CV L T, Sy
cólicas, tosse, dores
gerais 0,107 2,25
Amz, Crr, MAt
1 NE
Mentha spicata L.
E não hortelã Quintal da residência
(CV) CV L, R T, Sy
vermífugo, dores gerais,
dor de barriga, cólicas
0,143 1,69 Amz, Crr,
MAt 1 NE
Ocimum gratissimum L.
E não manjeri-
cão
Quintal da residência
(CV) CV L, R T, Sy
gases, tosse, garganta,
gripe, cólica, aumenta o
0,214 1,50 Amz, Caa, Crr, MAt
1, 10, 17, 20 NE
138
leite materno
Origanum majorana
NR manje-rona
Quintal da residência
(CV) CV L, F T
calmante, analgésico
0,071 2,25
Rosmarinus officinalis
NR alecrim Quintal da residência
(CV) CV L, R, WP T
tosse, gripe, falta de ar, cólicas, má circulação,
pressão alta,
0,214 1,13
Lauraceae
Persea americana Mill.
E não Abacate Quintal da residência
(CV) CV L T
problemas de bexiga
0,036 2,25 MAt 1 NE
Liliaceae
Aloe vera (L.) Burm. f.
NR babosa Quintal da residência
(CV) CV L
P, Sh, Sp
cicatrizante, queimaduras
0,071 1,13
Lythraceae
Punica granatum L.
NR
Romã Quintal da residência
(CV) CV F T garganta 0,036 2,25
Cuphea carthagenensis (Jacq.) J.Macbr.
N não sete
sangria
Mercado Municipal e
raízeiros (PR)
PR R T pressão alta 0,036 2,25 Amz, Caa, Crr, MAt, Pmp, Ptl
1 NE
Malvaceae Malvastrum americanum (L.) Torr.
N não malva / malva-branca
Infestante/espontânea
(CL) CL L M
infecção, dor de dente, garganta
0,107 2,25
Caa, MAt 1, 2, 17 LC
Sida spinosa L. N não Guanxum
a
Mercado Municipal e
raízeiros (PR)
PR L T, Sh pressão alta 0,036 2,25 Caa, Crr,
MAt 1, 20 NE
139
Moraceae
Brosimum guadichaudii Trécul.
N não mamica
de cadela
Mercado Municipal e
raízeiros (PR)
PR F T infecção 0,036 2,25 Amz, Caa, Crr, MAt
1, 9, 21 NE
Morus nigra NR
Amora Quintal da residência
(CV) CV L, Lx T, Plx
pressão alta, dor de dente
0,071 2,25
Musaceae
Musa paradisíaca
E não bananeira Quintal da residência
(CV) CV L T labirintite 0,036 2,25 Amz, MAt
NE
Myristicaceae
Myristica fragrans Houtt.
NR
Noz moscada (caroço)
Mercado Municipal e
raízeiros (PR)
PR C T dores gerais 0,036 2,25
Myrtaceae
Eugenia uniflora L.
N não Pitanga Campo/Crr
(CL) CL L T
pressão alta, diabetes
0,071 2,25 Crr, MAt,
Pmp
1, 9, 10, 15 16, 17, 18,
20 NE
Psidium guajava
E não Goiaba Quintal da residência
(CV) CV BS T diarreia 0,036 2,25
Amz, Caa, Crr, MAt
NE
Syzygium cumini (L.) Skeels
E não Jamelão Quintal da residência
(CV) CV L T diabetes 0,036 2,25
Amz, Crr, MAt, Ptl
NE
Corymbia citriodora (Hook.) K.D.Hill & L.A.S.Johnson
NR
Eucalipto Quintal da residência
(CV) CV L, BS T, I
dor de cabeça, sinusite, bronquite
0,107 1,50
140
Passifloraceae
Passiflora edulis Sims
N não maracujá Quintal da residência
(CV) CV L T, J, G
cólicas, dor de cabeça
0,071 2,25 Amz, Caa, Crr, MAt,
Ptl
1, 9, 10, 16, 17, 18, 20
LC
Piperaceae
Piper peltatum L.
N não capeva
Mercado Municipal e
raízeiros (PR)
PR L T pra tudo 0,321 1,33 Amz, Crr,
MAt 1, 9, 10, 17,
20 NE
Plantaginaceae
Scoparia dulcis N não Vas-
sourinha Campo/Crr
(CL) CL L, WP JP, T vistas (olhos) 0,036 2,25
Amz, Caa, Crr, MAt, Pmp, Ptl
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15 16, 17, 18, 19, 20, 21, 23
NE
Plantago major L.
E não Tans-sagem
Infestante/espontânea
(CL) CL L, R, WP T
infecção, inflamação
0,071 1,13 Amz, Caa, Crr, MAt,
Pmp 1 NE
Poaceae Cymbopogon citratus (DC.) Stapf
E não Erva
Cidreira
Quintal da residência
(CV) CV L, R T calmante 0,036 2,25
Amz, Caa, Crr, MAt
1 NE
Rosaceae Acaena eupatoria Cham. & Schltdl.
N não Carra-picho
rasteiro
Quintal da residência
(CV) CL L, R T, P
corrimentos, diarreia, infecção
0,107 2,25 Crr, MAt,
Pmp 4, 6 NE
Rubiaceae
Rudgea viburnoides (Cham.) Benth.
N não Con-
gonha de Bugre
Mercado Municipal e
raízeiros (PR)
PR L T pressão alta, problemas de
coluna 0,071 2,25
Amz, Caa, Crr
3, 6, 8, 9, 10, 12, 21
NE
141
Rutaceae
Ruta graveolens
E
arruda Quintal da residência
(CV) CV L T, O
má digestão, cólicas,
coceiras, dor de cabeça
0,179 1,80
NE
Citrus sinensis L.
E não laranje-ira Quintal da residência
(CV) CV L T gripe 0,036 2,25 Crr, MAt 1, 9, 16, 18 NE
Smilacaceae
Smilax elastica Griseb.
N sim Jape-canga
Quintal da residência
(CV) CV L, R T, D
depurativo, artrite
0,071 2,25 Crr, MAt 1, 4, 7, 10, 16, 17, 20
NE
Smilax longifolia Rich.
N não Salsa
parrilha
Mercado Municipal e
raízeiros (PR)
PR L T rins, diabetes 0,071 2,25 Amz
LC
Smilax goyazana A. DC.
N não Doura-dinha
Campo/Crr (CL)
CL L T infecção 0,036 2,25 Caa, Crr,
Ptl 2, 7, 9, 10 LC
Solanaceae
Solanum melongena
E não beringela Quintal da residência
(CV) CV F J emagrecedor 0,036 2,25
1
Solanum paniculatum L.
N não Jurube-ba
Quintal da residência
(CV) / Infestante/es
pontânea (CL)
CL/CV L, R, F T, F diabetes,
inflamação 0,071 2,25
Amz, Caa, Crr, MAt
1, 17 NE
142
Urticaceae Cecropia pachystachya Trécul
N não Em-
baúba
Quintal da residência
(CV) CL L T
sinusite, pressão
0,071 2,25 Amz, Caa, Crr, MAt,
Ptl
9, 10, 12, 16, 17, 18, 20
NE
Verbenaceae Bouchea pseudogervao (A.St.-Hil.) Cham.
N sim Carrapi-chinho
Infestante/espontânea
(CL) CL L, R T infecção 0,036 2,25
Amz, Crr, MAt
1, 9, 10, 16, 17, 18
LC
Stachytarpheta cayennensis (Rich.) Vahl
N não Gervão Infestante/es
pontânea (CL)
CL L, R T
dores gerais, cólicas,
inflamação, infecção
0,143 1,13 Amz, Caa, Crr, MAt,
Ptl
1, 2, 4, 7, 8, 9, 10, 12, 16,
17, 20 NE
Zingiberaceae
Alpinia zerumbet (Pers.) B.L.Burtt & R.M.Sm.
E não Noz
moscada-folha
Quintal da residência
(CV) CV L T
dores gerais, dor de
barriga, gripe,
problemas de bexiga,
prisão de ventre,
distúrbios estomacais,
empachamento, hepatite,
infecção
0,321 1,00 Amz, Caa, Crr, MAt
1 NE
Zingiber officinale Roscoe
E não gengibre Quintal da residência
(CV) CV Sk T
gripe, resfriado
0,071 1,13
NE
143
Costus spicatus E
Cana de Macaco / cana do
brejo
Campo/Crr (CL) e
Mercado Municipal e
raízeiros (PR)
CL/PR L, R T, J, P
infecção, feridas,
furúnculos, rins
0,143 1,69
NE
Legenda: N/E – nativa ou exótica, N – nativa, E – exótica, NR – não encontrada no “Flora do Brasil 2020”;Do – não ocorre; N –
não, S – sim; CL – coletada, PR – comparada, CV/PR – cultivada e comprada, DF – fruto seco, T – tubérculo/batata, F – fruto, C –
caroço, B – casca, S – caule, B – feijão, Lx – Látex, L – folha, R – raiz, BS – casca do caule, WP – planta inteira, S – semente, F –
alimento, B – banho, M – bochecho, T – chá, P – emplasto, Plx – emplasto com o látex, G – gargarejo, I – inalação, M –
maceração, O – pomada, S – sabonete, J – suco, PJ – sumo, D – tintura, Sh – xampu, Sy – xarope, Sp – supositório, Amz–
Amazônia, Caa – Caatinga, Crr – Cerrado , Mat – Mata Atlântica, Pmp – Pampa, Ptl – Pantanal, 1 – Área Antrópica, 2 – Caatinga
(stricto sensu), 3 – Campinarana, 4 – Campo de Altitude, 5 – Campo de Várzea, 6 – Campo Limpo, 7 – Campo Rupestre, 8 –
Carrasco, 9 – Cerrado (lato sensu), 10 – Floresta Ciliar ou Galeria, 11 – Floresta de Igapó, 12 – Floresta de Terra Firme, 13 –
Floresta de Várzea, 14 – Floresta Estacional Decidual, 15 – Floresta Estacional Perenifólia, 16 – Floresta Estacional Semidecidual,
17 – Floresta Ombrófila (= Floresta Pluvial), 18 – Floresta Ombrófila Mista, 19 – Palmeiral, 20 – Restinga, 21 – Savana Amazônica,
22 – Vegetação Aquática, 23 – Vegetação Sobre Afloramentos Rochosos,NE – ameaça de extinção não avaliada, LC – risco de
extinção menos preocupante, NT - quase ameaçada.
144
Considerações Finais
Conclui-se que parte dos moradores da Comunidade Negra Rural
Quilombola Chácara do Buriti utilizam da medicina tradicional, das 80 espécies
citadas com fins terapêuticos a maioria é nativa do Cerrado, ambiente onde
localiza-se seu território, demonstrando o conhecimento sobre a natureza em
sua volta e a dependência dos recursos naturais, direta e/ou indiretamente,
além das plantas cultivadas para suas práticas de cura.
Ao se verificar a dificuldade de encontrar as plantas na Comunidade,
pode-se afirmar que será necessário que ela se organize de forma à buscar
alternativas para resgatar e valorizar esse saber particular e constante
mudanças, de modo a garantir as próximas gerações a posse desse
conhecimento.
Referências Bibliográficas
ALBUQUERQUE, W. R.; FRAGA FILHO, W. Uma história do negro no
Brasil. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais e Brasília: Fundação
Cultural Palmares, 2006. 320p.
ALMEIDA, V. S. Uso, manejo e estrutura da vegetação da caatinga por
duas comunidades quilombolas do município de Jeremoabo, Bahia,
Brasil. 2011.161f. Tese (Doutorado em Botânica) – Universidade Estadual de
Feira de Santana, Feira de Santana.
AMOROZO, M. C. M. Uso e diversidade de plantas medicinais em Santo
Antônio do Leverger, MT, Brasil. Acta Botanica Brasilica, Belo Horizonte,
v.16, p.189-203, 2002.
AMOROZO, M. C. M.; GÉLY, A. L. Uso de plantas medicinais por caboclos do
baixo Amazonas, Barcarena, PA, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio
Goeldi, Belém, v.1, p.47-131, 1988.
BRASIL. ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Formulário de
Fitoterápicos da Farmacopéia Brasileira. Brasília: ANVISA, 2011. 126p.
145
APG III. An update of the Angiosperm Phylogeny Group classification for the
orders and families of flowering plants. Botanical Journal of the Linnean
Society, London, v.161, p.105-121, 2009.
BEGOSSI, A.; HANAZAKI, N.; TAMASHIRO, Y. Medicinal plants in the Atlantic
Forest (Brazil): Knowledge, use and conservation. Human Ecology, New York,
v.30, p.281-299, 2002.
BENNETT, B. C.; PRANCE, G. T. Introduced plants in the indigenous
pharmacopeia of Northern South America. Economic Botany, New York, v.54,
n.1, p.90-102, 2000.
BEZERRA, G. P.; DA SILVA GÓIS, R. W.; DE BRITO, T. S.; DE LIMA, F. J. B.;
BANDEIRA, M. A. M.; ROMERO, N. R.; MAGALHÃES, P. J. C.; SANTIAGO, G.
M. P. Phytochemical study guided by the myorelaxant activity of the crude
extract, fractions and constituent from stem bark of Hymenaea courbaril L.
Journal of ethnopharmacology, Londres, v.149, n.1, p.62-69, 2013.
BIONDO, T. M. A.; TANAE, M. M.; DELLA COLETTA, E.; LIMA-LANDMAN, M.
T. R.; LAPA, A. J.; SOUCCAR, C. Antisecretory actions of Baccharistrimera
(Less.) DC aqueous extract and isolated compounds: Analysis of underlying
mechanisms. Journal of Ethnopharmacology, Leiden, v.136, n.2, p.368-373,
2011.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado,
1988.
BRASIL. Decreto n. 4.887, de 20 de novembro de 2003. Regulamenta o
procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e
titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos
quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias. Diário Oficial (da) República Federativa do Brasil, Poder
Executivo, Brasília, DF, 21 nov. 2003. Seção 1, p. 29514.
146
BRASIL. MMA – Ministério do Meio Ambiente. Mapa Interativo: i3geo.
Disponível em:
<http://mapas.mma.gov.br/i3geo/mma/openlayers.htm?r32q35t4ska2acpkarjhnr
upb2>. Acesso em: 29 abr. 2016.
BUENO, N. R.; CASTILHO, R. O.; COSTA, R. B. D.; POTT, A.; POTT, V. J.;
SCHEIDT, G. N.; BATISTA, M. D. S. Medicinal plants used by the Kaiowá and
Guarani indigenous populations in the Caarapó Reserve, Mato Grosso do Sul,
Brazil. Acta Botanica Brasilica, Belo Horizonte, v.19, n.1, p.39-44, 2005.
CASTELLUCCI, S.; LIMA, M. I.; NORDI, N.; MARQUES, J. G. Plantas
medicinais relatadas pela comunidade residente na Estação Ecológica de Jataí,
município de Luís Antonio - SP; uma abordagem etnobotânica. Revista
Brasileira de Plantas Medicinais, Botucatu, v.3, n.1, p.51-60, 2000.
CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução n. 196 de 10 de outubro de
1996. Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres
Humanos. Brasília: Ministério da Saúde, 1996. Disponível em:
<http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/saude/
resolucoes/Resolucao_CNS_196.1996>. Acesso em: 01 fev. 2015.
CRUZ-SILVA, S. C. B. Saberes Tradicionais e Uso da Biodiversidade na
Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti, Campo Grande, Mato
Grosso do Sul, Brasil. In: Análise Físico-ambiental e Multitemporal do
território da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti,
Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. 2016.
DE TORRES, C. C. Análise linguística das plantas medicinais utilizadas na
comunidade Kalunga Engenho ll- Município de Cavalcante – Goiás. 2014.
54f. Monografia (Graduação em Educação do Campo), Faculdade UNB
Planaltina, Universidade de Brasília, Planaltina.
DIEGUES, A. C. O Mito Moderno da Natureza Intocada. São Paulo. 3ed.
Hucitec, 2001. 162p.
147
FCP - FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES. Comunidade quilombolas.
Certidões Expedidas às Comunidades Remanescentes de Quilombos (CRQs)
Atualizada até a Portaria Nº 84, de 8 De Junho De 2015. 2015. Disponível em:
<http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2015/07/Lista-das-CRQs-
Certificadas-Portaria-n %C2 %B0-84-08-06-2015.pdf>. Acesso em: 29 set.
2015.
FERREIRA, F. M.; LOURENÇO, F. J. D. C.; BALIZA, D. P. Levantamento
etnobotânico de plantas medicinais na comunidade quilombola Carreiros,
Mercês–Minas Gerais. Revista Verde de Agroecologia e Desenvolvimento
Sustentável, Pombal, v.9, n.3, p.205-212, 2014.
FERREIRA, A. L. S.; DOS SANTOS BATISTA, C. A.; PASA, M. C. Uso de
plantas medicinais na comunidade quilombola Mata Cavalo em Nossa Senhora
do Livramento–MT, Brasil. Biodiversidade, Rondonópolis, v.14, n.1, p.151-
160, 2015.
FOSCACHES, C. A. L.; CORDEIRO, K. W.; LOPES, J. C. J.; LIMA FILHO, D.
DE O.; FARIA, P. S. A tecnologia social PAIS como forma de sustentabilidade
social: o caso da comunidade quilombola da Chácara do Buriti. In: Encontro
Nacional de Engenharia de Produção - Maturidade e Desafios da Engenharia
de Produção: Competitividade das Empresas, Condições de Trabalho, Meio
Ambiente, 30., 2010, São Carlos. Anais... São Carlos: ABREPO, 2010, p. 1-10.
FRANCO, E. A. P.; BARROS, R. F. M. Uso e diversidade de plantas medicinais
no Quilombo Olho D’água dos Pires, Esperantina, Piauí. Revista Brasileira de
Plantas Medicinais, Botucatu, v.8, n.3, p.78-88, 2006.
GARCIA, C. S.; UEDA, S. M. Y.; MIMICA, L. M. J. Avaliação da atividade
antibacteriana in vitro de extratos hidroetanólicos de plantas sobre
Staphylococcusaureus MRSA e MSSA. Revista do Instituto Adolfo Lutz, São
Paulo, v.70, n.4, p.589-598, 2011.
148
GONÇALVES, M. I. A.; MARTINS, D. T. O. Plantas medicinais usadas pela
população do município de Santo Antônio de Leverger, Mato Grosso, Brasil.
Revista Brasileira de Farmácia, Rio de Janeiro, v.79, n.3/4, p.56-61, 1998.
GOTTLIEB, O. R. E.; BORIN, M. R. DE M. B. Quimiossistemática como
ferramenta na busca de substâncias ativas. In: SIMÕES, C. M. O.; SCHENKEL,
E. P.; GOSMANN, G.; MELLO, J. C. P.; MENTZ, L. A.; PETROVICK, P. R.
Farmacognosia: da planta ao medicamento. 5ed. Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2003. p.91-105.
GUERRA, A. M. N. D. M.; PESSOA, M. D. F.; SOUZA, C. S. M. D.;
MARACAJÁ, P. B. Utilização de plantas medicinais pela comunidade rural
Moacir Lucena, Apodi-RN. Bioscience Journal, Uberlândia, v.26, n.3, p.442-
450, 2010.
HAAG, G. O.; VALLE, M. E. D.; DEBENEDETTI, S. L.; MARÍN, G.;
BRIGNOLES, P.; MAGARIÑOS, M. D. C. Antimicrobial activity of latin american
medicinal plant extracts. Journal of Science, Chennai, v.4, n.2, p.128-131,
2014.
INCRA – INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA.
Relatório Antropológico de identificação e delimitação do território da
Comunidade Quilombola Chácara do Buriti (Campo Grande/MS). Ministério
do Desenvolvimento Agrário. 2007. 273p.
INCRA – INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA.
Comunidades certificadas. Atualização em 20/out./2015. 2015. Disponível
em: <http://www.incra.gov.br/sites/default/files/uploads/estrutura-fundiaria/
quilombolas/ comunidades-certificadas/comunidades_certificadas_08-06-
15.pdf>. Acesso em: 21 out. 2015.
KÖEPPEN, W. Climatologia: con um estúdio de los climas de la Tierra.
México: Fondo de Cultura Economica, 1948. 478p.
149
LIMA, M. R.; SANTOS, M. R. A. Aspectos Etnobotânicos da Medicina Popular
no Município de Buritis. Revista Fitos, Rio de Janeiro, v.2, n.2, p.36-41, 2006.
MANOR, R; SALTZ, D. Conservation implications of competition between
generalist and specialist rodents in Mediterranean afforesied Iandscape.
Biological Conservation, Massachusetts, v.17, p.2513-2523, 2008.
MEDEIROS, M. F. T.; FONSECA, V. S.; ANDREATA, R. H. P. Plantas
medicinais e seus usos pelos sitiantes da Reserva Rio das Pedras,
Mangaratiba, RJ, Brasil. Acta Botanica Brasilica, Belo Horizonte, v.18, p.391-
399, 2004.
MONTELES, R.; PINHEIRO, C. U. B. Plantas medicinais em um quilombo
maranhense: uma perspectiva etnobotânica. Revista de Biologia e Ciências
da Terra, São Cristóvão, v.7, n.2, p.38-48, 2007.
NOGUEIRA, R. T.; SHEPHERD, G. J.; LAVERDE JR, A.; MARSAIOLI, A. J.;
IMAMURA, P. M. Clerodane-type diterpenes from the seed pods of Hymenaea
courbaril var. stilbocarpa. Phytochemistry, v.58, n.8, p.1153-1157, 2001.
OLIVEIRA, A. K. M.; OLIVEIRA, N. A.; RESENDE, U. M.; MARTINS, P. F. R. B.
Ethnobotany and traditional medicine of the in habitants of the Pantanal Negro
sub-region and the raizeiros of Miranda and Aquidauana, Mato Grosso do Sul,
Brazil. Brazilian Journal of Biology, São Paulo, v.71, p.283–289, 2011.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE - OMS. CID - 10: Classificação estatística
Internacional de doenças e problemas relacionados à saúde. 10.ed. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo. 2000. 354p.
PASA, M. C.; DE DAVID, M.; DE ÁVILA, F. G.; NARDEZ, T. M. B.; MAZIERO,
E. L. A Etnobotânica na Comunidade Quilombola em Nossa Senhora do
Livramento, Mato Grosso, Brasil. Biodiversidade, Rondonópolis, v.14, n.2, p.2-
18, 2015.
POTT, A.; POTT, V. J. Plantas do pantanal. Brasília: EMBRAPA, 1994. 404p.
150
POTT, A.; POTT, V. J. Flora do Pantanal – listagem atual de fanerógamas. In:
Simpósio sobre Recursos Naturais e Sócio-Econômicos do Pantanal, Manejo e
Conservação, 2, 1996, Corumbá. Anais... Corumbá: Embrapa Pantanal, 1999.
p.297-325.
RODRIGUES, E.; CARLINI, E. L. de A. Levantamento etnofarmacológico
realizado entre um grupo de quilombolas do Brasil. Arquivos Brasileiros de
Fitomedicina Científica, São Paulo, v.1, n.2, p. 80-87, 2003.
ROSSATO, S. C.; LEITÃO-FILHO, H.; BEGOSSI, A. Ethnobotany of caiçaras of
the Atlantic Forest Coast (Brazil). Economic Botany, New York, v.53, p.387-
395, 1998.
SALES, G. P. dos SANTOS; DE ALBUQUERQUE, H. N.; CAVALCANTI, M. L.
F. Estudo do uso de plantas medicinais pela comunidade quilombola Senhor do
Bonfim–Areia-PB. Revista de biologia e ciências da terra, v.1, p.31-36, 2009.
SALES, G. W. P.; BATISTA, A. H. D. M.; ROCHA, L. Q.; NOGUEIRA, N. A. P.
Efeito antimicrobiano e modulador do óleo essencial extraído da casca de
frutos da Hymenaea courbaril L. Revista de Ciências Farmacêuticas Básica
e Aplicada, Araraquara, v.35, n.4, p.709-715, 2014.
SANO, S. M.; ALMEIDA, S. M. Cerrado: ambiente e flora. Planaltina: Embrapa-
CPAC. 1998. 556p.
SARAIVA, M. E., DE ALENCAR ULISSES, A. V. R.; RIBEIRO, D. A.; DE
OLIVEIRA, L. G. S.; DE MACÊDO, D. G.; DE SOUSA, F. D. F. S.; DE
MENEZES, I. R. A.; SAMPAIO, E. V. de S. B.; de Almeida Souza, M. M. Plant
species as a therapeutic resource in áreas of the savanna in the state of
Pernambuco, Northeast Brazil. Journal of ethnopharmacology, London,
v.171, p.141-153, 2015.
SCHARDONG, R. M. F.; CERVI, A. C. Estudos etnobotânicos das plantas de
uso medicinal e místico na comunidade de São Benedito, Bairro São Francisco,
151
Campo Grande, MS, Brasil. Acta Biológica Paranaense, Curitiba, v.29, p.87-
217, 2000.
SHARMA, U. K.; PEGU, S.; HAZARIKA, D.; DAS, A. Medico-religious plants
used by the Hajong community of Assam, India. Journal of
Ethnopharmacology, London, v.143, p.787–800, 2012.
SILVA, R. B. L. A etnobotânica de plantas medicinais da comunidade
quilombola de Curiaú, Macapá-AP, Brasil. 2002. 172f. Dissertação (Mestrado
em Agronomia), Universidade Federal Rural da Amazônia, Belém.
SOUZA, L. F. Recursos vegetais usados na medicina tradicional do Cerrado
(comunidade de Baús, Acorizal, MT, Brasil). Revista Brasileira de Plantas
Medicinais, Botucatu, v.9, n.4, p.44-54, 2007.
TERRA, E. M. M. Territorialidade da comunidade rural quilombola Chácara
do Buriti e potencialidades do desenvolvimento local. 2011. 131f.
Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Local), Universidade Católica Dom
Bosco, Campo Grande.
VERDI, L. G.; BRIGHENTE, I. M. C; PIZZOLATTI, M. G.; Gênero Baccharis
(Asteraceae): Aspectos Químicos, Econômicos e Biológicos. Química Nova,
São Paulo, v.28, n.1, p.85–94, 2005.
WHO - World Health Organization. Legal status of traditional medicine and
complementary/alternative medicine. Geneva: World Health Organization,
2001. 199p.
WHO - World Health Organization. International statistical classification of
diseases and related health problems.10ed. v.2. Geneva: World Health
Organization, 2010. 201p.
152
7. Conclusão Geral
Apesar da crença popular de que os negros escravizados foram
passivos a esse sistema desumano de empoderamento capitalista, houve
resistência, algumas vezes implícitas, como “corpo mole”, quebra de
ferramentas, banzo; mas também de forma explícita, com agressões e fugas. A
fuga tinha um destino, um objetivo, viver fora do domínio do senhor, do dono,
do feitor e da igreja que agia fechando os olhos para os maus tratos e
oprimindo a cultura nativa do africano.
Ao fugir em busca do sonho da liberdade, o negro encontrava seus
pares, aqueles que como ele se ergueram contra o sistema. Ao agruparem-se
formaram uma fortaleza, um local de refúgio e sobrevivência, que ficou
conhecido como quilombo, local muito combatido por forças oficiais e mal visto
pela população em geral, mas que sobreviveu e hoje é uma das mais
características formas de comunidades tradicionais no país, alcunhadas de
comunidades quilombolas, ou mais recentemente como comunidades
remanescentes de quilombo.
Outra forma de surgimento das comunidades remanescentes de
quilombo foi a migração após a assinatura da Lei Áurea em 1888. Ao se verem
livres, sem emprego e sem prestígio, muitos núcleos familiares se aventuraram
em comitivas em busca de terras devolutas pelo interior do país, inclusive na
província de Mato Grosso.
A presença do negro, escravo, depois ex-escravo e por fim livre, na
história de colonização do Estado de Mato Grosso do Sul se mostra claramente
quando se analisa documentos historiográficos de época, onde se constata que
os negros escravos foram trazidos de outras regiões brasileiras, servindo à
exploração das minas, crescendo também, por consequência, a quantidade de
mestiços ou mulatos em toda região. O negro também se faz parte da
historiografia do Estado, com a migração de famílias negras que se instalaram
em terras sul-mato-grossensses, após a abolição. O reflexo dessa participação
na ocupação é a existência de 22 comunidades remanescentes de
quilombolas, dentre elas a Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do
Buriti, objeto desse estudo.
Entre as comitivas vindas para explorar o sertão da Província de Mato
Grosso, estava a comitiva de Eva Maria de Jesus, conhecida como Tia Eva e
153
avó de João Vida, que se casou com Maria Theodolina de Jesus, e juntos
compraram uma pequena área às margens do Córrego Buriti, onde está
localizada a Comunidade que recebeu o mesmo nome do córrego,
Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti.
Ao longo de sua trajetória histórica, a Comunidade Chácara do Buriti,
estabeleceu relações econômicas e sociais com seu território, que sofreu
transformações, no entanto sem uma profunda modificação em suas
características ambientais. Verificou-se através da análise de imagens de
satélites que no período estudado (1985-2015), se mantiveram constantes as
áreas úmidas e com água, ao passo que houve acréscimo das áreas com solo
exposto e urbanizadas. Além disso, as áreas de pastagem diminuíram cedendo
espaço para o surgimento das áreas de lavoura, o que reflete a mudança da
fonte de renda dos moradores. Ainda observa-se que a área de cobertura
vegetal demonstrou um leve aumento na última imagem avaliada (2015), fato
que pode ser resultado da regeneração das áreas de Reserva Legal e Área de
Preservação Permanente.
As relações sociais e econômicas que a Comunidade estabeleceu em
seu território e em seu entorno, modificaram drasticamente seu perfil
socioeconômico, que é uma característica chave para a elaboração e
desenvolvimento ações e políticas que preservem a identidade cultural de uma
sociedade. Inicialmente os moradores praticaram a pecuária e agricultura de
subsistência, chegaram a possuir uma olaria, explorando um recurso natural
disponível na propriedade (solo hidromórfico – área de Veredas de Buritizal)
com a presença de dois núcleos familiares e atualmente a comunidade possui
cerca de 120 moradores, descendentes de seus fundadores ou casados com
descendentes. Dos moradores entrevistados 60% estão envolvidos com a
agricultura familiar, resultado da inter-relação da Comunidade com o meio
natural de seu território, o utilizando para sua sobrevivência, crescimento e
desenvolvimento.
As relações estabelecidas entre uma comunidade tradicional e seu
território se manifestam na forma de diversos saberes, entre eles o saber
etnobotânico, com a utilização de plantas nativas ou exóticas, coletadas ou
cultivadas na prevenção e tratamento primário às doenças. A Comunidade
Chácara do Buriti cita o uso de 80 plantas para fins terapêuticos, dessas a
154
maioria são espécies nativas, cultivadas ou coletadas e utilizadas em sua
maioria na forma de chá das folhas. Através dos índices calculados neste
trabalho as espécies nativas que apresentaram maior significância para a
Comunidade foram a carqueja (Baccharis crispa) e o jatobá (Hymenaea
courbaril).
Conclui-se, portanto que as relações que a Comunidade Chácara do
Buriti estabeleceu com seu território ao durante sua trajetória histórica
refletiram na construção de sua identidade cultural e histórica, assim como em
seus saberes tradicionais.
155
APÊNDICE A
PESQUISA: SABERES TRADICIONAIS E USO DA BIODIVERSIDADE NA
COMUNIDADE NEGRA RURAL QUILOMBOLA CHÁCARA DO BURITI,
CAMPO GRANDE, MATO GROSSO DO SUL, BRASIL
CARACTERIZAÇÃO DO ENTREVISTADO
1) Nome/Apelido:_________________________________________________
2) Sexo:
( )Feminino
( ) Masculino
3) Idade:____
4) Escolaridade:
( ) Abandonou a escola. Qual série:_______________________
( ) Nunca foi a escola
( ) Ensino fundamental incompleto
( ) Ensino fundamental completo
( ) Ensino médio incompleto
( ) Ensino médio completo
( ) Ensino superior incompleto. Qual:______________________
( ) Ensino superior completo. Qual:_______________________
5) É descendente direto dos fundadores da Comunidade (filho(a) ou neto(a))?
( )Sim. Qual?_________
( )Não
6) Desde quando mora na comunidade? Já morou e foi embora? Porque
voltou? Se nunca morou antes, porque esta agora (casamento, trabalho)
_______________________________________________________________
156
7) O principal responsável pelo domicílio é:
( )Homem
( ) Mulher
8) Qual a sua religião?
( )Católico
( )Cristão Apostólico
( )Outra:__________
9) Situação civil?
( ) Casado
( )Solteiro
( ) Separado ou divorciado
( )Viúvo
10) Qual a sua principal fonte de renda?
( ) Público - Federal ( ) Público - Estadual ( ) Público - Municipal
( ) Conta Própria (autônomo, agricultor). Qual?
___________________________
Se agricultor, quais as principais
culturas?________________________________
Em que local/programa entrega?
_______________________________________
( ) Empregado de particular ( ) Aposentado/Bolsa de Auxílio
11) Qual a principal fonte de renda dos moradores dessa casa?
( ) Público - Federal ( ) Público - Estadual ( ) Público - Municipal
( ) Conta Própria (autônomo, agricultor). Qual? _________________________
Se agricultor, quais as principais culturas?_____________________________
Em que local/programa entrega? ____________________________________
( ) Empregado de particular ( ) Aposentado/Bolsa de Auxílio
12) Qual a sua renda? (1 salário mímino= R$788,00)
( )Até 1 Salário Mínimo ( )De 1 a 2 Salários Mínimos
157
( )De 2 a 3 Salários Mínimos ( )De 3 a 4 Salários Mínimos
( )De 4 a 5 Salários Mínimos ( )De 5 a 10 Salários Mínimos
( )Mais de 10 Salários Mínimos
13) Qual a renda total da casa? (1 salário mímino= R$788,00)
( )Até 1 Salário Mínimo ( )De 1 a 2 Salários Mínimos
( )De 2 a 3 Salários Mínimos ( )De 3 a 4 Salários Mínimos
( )De 4 a 5 Salários Mínimos ( )De 5 a 10 Salários Mínimos
( )Mais de 10 Salários Mínimos
CONHECIMENTO ETNOBOTÂNICO
14) Em caso de doença na família aonde recebe tratamento
( ) Posto médico ou hospital
( )Outra cidade
( )Trata com remédios naturais
( )Não faz nada
( )Outra:________________
Você pode marcar diversas casas.
15) Quais as doenças mais comuns na família?
( )Malária ( )Tuberculose ( )Verminose ( )Gripe ( )Diabetes
( )Febre amarela ( )Leishmaniose ( )Diarréia ( )Gastrite ( )Sarampo
( )Lepra(Hanseníase) ( )Catapora ( )Problemas do coração
( )Pressão Alta ( )Anemia ( ) Outras:______________________
16) Faz uso de plantas medicinais?
( )Sim
( )Não, Por que?___________
17) De onde vem o conhecimento de uso de plantas medicinais?
( )Do conhecimento tradicional da família
( )outras pessoas ou veículos de informação (rádio, TV, jornal)
( )Médicos, enfermeiros, biológos, professores
( ) Outros:_________________________________________
158
18) Qual pessoa da Comunidade você acha que possui grande conhecimento
sobre plantas
medicinais?____________________________________________________
19) Estaria disponível para uma caminhada (turnê guiada) para coleta das
plantas que utiliza?( ) Sim ( ) Não
20) Quais as plantas utilizadas pela família? (Fazer listagem na tabela)
159
TABELA DE PLANTAS UTILIZADAS
Nome Popular
Parte Usada
Indicação Medicinal Popular
Modo de Uso (chá,
pomada, emplasto...)
Qual a quantidade utilizada? Tem jeito certo, ou
hora certa, ou época do ano
certa pra colher?
Tem algum efeito
colateral? (dor de barriga, gosto
amargo, cheiro forte,
aumenta pressão,
baixa pressão)
Alguém não pode usar?
(grávida, idoso,
criança, mãe que
amamenta, pessoa com problema de
pressão, diabete,
etc...)
É coletada, comprada
ou cultivada?
Aonde coleta?
Hoje é fácil encontrar?
Aonde compra?
Quais as principais caracteristicas da planta?
Pode utilizar outras
partes da planta?
Se não, por que?
Se sim, por que
não usa?
Tem outro
nome?
top related