media+igual - boletim 8 - abril 2014
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Boletim Informativo
Integra uma selecção de notícias
publicadas de 1 a 30 de Abril de 2014,
a partir da monitorização de nove
títulos de imprensa escrita portugue-
sa:
- dois de âmbito regional:
As Beiras
Diário de Coimbra
- sete de âmbito nacional:
Correio da Manhã
Diário de Notícias
Público
Caras
Maria
Happy Woman
Men’s Health
Nesta edição:
1. Editorial
2/3. Em análise: representações do 25
de Abril
4/5. Pela positiva
6/7. Assimetrias: política formal
8/9. Violência doméstica
10. Assimetrias várias
11. Em poucas palavras
12. A fechar/ Agenda/ Ler+
Boletim Informativo Escrita Igualitária nos Media Abril de 2014 08
MEDIA +igual
Em recta final do projecto MEDIA+Igual, a monitorização de imprensa do mês
de Abril é indissociável das comemorações da Revolução dos Cravos. Foi pela
positiva que notámos que, entre os vários artigos jornalísticos sobre o tema, a
questão da igualdade de género não foi esquecida— sendo abordada numa
perspectiva de evolução nas últimas 40 décadas. No entanto, não podemos
deixar de notar que, no percurso desta evolução, a igualdade de género surge
como uma questão já alcançada e normalizada. É com preocupação que olha-
mos para essa perspectiva, que remete para a sombra mediática todas as assi-
metrias ainda existentes.
Fora da esfera temática do 25 de Abril, os artigos ligados à violência doméstica
continuam a marcar a agenda mediática no que diz respeito a questões de
igualdade de género. Não obstante, foi possível analisar também a forma como
os jornais monitorizados apresentaram vários aspectos de política formal no
âmbito do projecto MEDIA+Igual. Foi disso exemplo a cobertura da proposta
de legislação sobre maternidade de substituição; mas também da formação,
por indicação do Governo, de uma equipa de especialistas destinada a traba-
lhar políticas de promoção da natalidade, como pode ser lido nas páginas se-
guintes.
02
Por ocasião do 40.º aniversá-
rio da revolução de 25 de Abril
de 1974, a presença do tema
no espaço mediático foi con-
tante. Das várias abordagens e
perspectivas encontradas du-
rante a monitorização do mês
de Abril, ganhou destaque os
artigos que enfatizaram, parti-
cularmente, os direitos das
mulheres e a evolução dos
mesmos nos 40 anos de demo-
cracia portuguesa.
Nos exemplos encontrados, nota
positiva para a relevância dada à
igualdade de género no quadro da
análise à democracia portuguesa.
No entanto, não podemos deixar de
notar — e dar um parecer negativo
— à forma como esse enquadra-
mento é feito. Nomeadamente, no
que concerne à disseminação de
uma mensagem de que a igualdade
plena na sociedade é uma realidade
incontestável, mas também no que
diz respeito a um discurso jornalís-
tico que recai em estereótipos de
género para analisar os impactos da
democracia na vida das mulheres
portuguesas.
No caso do artigo abaixo apresenta-
do, “Igualdade do género conquis-
tada aos poucos” (Diário de Coim-
bra, edição de 25 de Abril), a análi-
se aos 40 anos de democracia é fei-
ta, exclusivamente, sob o foco da
igualdade de género. Neste âmbito,
é pertinente e positivo que sejam
elencadas discriminações de género
existentes antes de Abril de 1974 e,
também, o “demorado caminho pa-
ra a igualdade de género” em Por-
tugal. O discurso mediático dá tam-
bém destaque às várias conquistas
alcançadas na esfera pública
(quotas para mulheres nas listas
eleitorais ou maior presença em
empresas e no ensino superior).
Não obstante, a mensagem que se
pode concluir deste artigo é a de
que a igualdade plena já foi alcan-
çada e que há até certas áreas em
que a desigualdade pende agora a
benefício das mulheres. Tal é notó-
rio no destaque escolhido do artigo:
“mulheres estão hoje em maioria na
vida profissional e académica e são
as que mais resistem ao abandono
escolar”. Desta forma, o discurso
mediático remete à invisibilidade as
assimetrias ainda existentes, não
contrapondo, a título de exemplo,
que apesar da maior presença das
em análise: representações do 25 de Abril
03
em análise: representações do 25 de Abril
mulheres na vida profissional,
continuam a existir profundas de-
sigualdades a nível salarial entre
homens e mulheres.
Também a revista Maria colocou o
tema da igualdade de género no
centro da cobertura do aniversário
da Revolução de Abril. Sob o título
“40 anos de vitórias”, este artigo
de quatro páginas descreve as mu-
danças para as mulheres portu-
guesas trazidas pelas quatro déca-
das de democracia, abordando um
leque de temas mais diversificados
do que o artigo do Diário de Coim-
bra. O texto retoma, no entanto,
os mesmos problemas já enuncia-
dos: a invisibilidade perante as
assimetrias existentes leva à con-
clusão de que estes “40 anos de
vitórias” levaram a uma igualdade
plena.
Além disso — e de forma também
problemática —, as categorias de
análise do artigo da revista Maria
reduzem-se, na sua maioria, a es-
tereótipos de género, através dos
quais é reduzida a realidade das
mulheres em Portugal. É disso
exemplo a recorrente associação
das mulheres à esfera privada (na
sua relação de maternidade e ges-
tão da casa), mas também a ques-
tões de imagem e consumo. Aliás,
as imagens existentes ao longo do
artigo (crianças, saltos altos e
compras) reforçam essas conota-
ções estereotipadas de género, que
associam o universo feminino a
áreas e ocupações específicas, ao
invés de apostar numa abordagem
mais plural e diversificada.
Estes aspectos problemáticos são
reforçados ao longo do artigo, so-
bretudo no que diz respeito à legi-
timação de estereótipos entre o
género feminino e a preocupação
com o aspecto físico (“a busca da
perfeição é o objectivo da maioria
das mulheres, numa era em que a
beleza ocupa um lugar de desta-
que” / “a imagem é uma das gran-
des preocupações da mulher do
século XXI”). Trata-se da manu-
tenção de visão limitadora e gene-
ralizadora da mulher, que a asso-
ciam a um conjunto de estereóti-
pos inquestionáveis. Repare-se
que, mesmo quando são elencados
os avanços tecnológicos das últi-
mas décadas, os mesmos acabam
por vincar este discurso estereoti-
pado (“[...] desde informações so-
bre como proceder em certas situ-
ações com os filhos, até formas,
entre blogs e sites, de se mante-
rem na moda”). Estamos, por isso,
perante um retrato mediático re-
dutor das mulheres portuguesas.
04
Na edição de Abril da Happy
Woman, o artigo “The Rain-
bow families” destaca-se pela
positiva, ao desconstruir um
conjunto de estereótipos as-
sociados à parentalidade de
casais homossexuais, contri-
buindo assim para diminuir
preconceitos na opinião pú-
blica. É, no seu global, um ar-
tigo inclusivo, que transmite
uma visão plural sobre o te-
ma, procurando a opinião de
diversos/as especialistas.
Ao longo de várias perguntas, ela-
boradas em função de várias ideias
discrimatórias e estereotipadas a
que se associam os pais/as mães
homossexuais, o discurso jornalís-
tico vai procurando respostas. Seja
com recurso a fontes documentais
ou a especialistas nacionais e es-
trangeiros/as, o artigo desconstrói
mitos através de factos, sem preju-
dicar a abordagem jornalística do
tema.
É também positiva a inclusão de
uma referência específica à reali-
dade portuguesa. Através de uma
entrevista à ILGA Portugal, a
Happy apresenta um testemunho
de uma associação da sociedade
civil que representa o universo
LGBT e, desta forma, cria um dis-
curso na primeira pessoa (ao invés
de optar apenas por um artigo que
trata do tema na terceira pessoa).
Desta forma, reforça-se o carácter
inclusivo do texto.
Nota final para as imagens que,
como já notado em anteriores arti-
gos da revista Happy, não se ade-
quam à informação veiculada.
pela positiva
Áo longo de duas páginas, o jornal
Público apresentou, a 14 de Abril,
uma entrevista à investigadora em
estudos de género Maria do Mar
Pereira. Pela visibilidade que traz
ao tema da (des)igualdade de gé-
nero, revela-se um artigo positivo,
uma vez que elenca várias assime-
trias existentes, desde questões
relacionadas com educação até
estereótipos e papéis de género
transversais à sociedade.
Apesar do propósito do projecto
MEDIA+Igual incidir sobre o
discurso jornalístico—e não sobre
opiniões veiculadas através da im-
prensa — considera-se que, inde-
pendentemente das considerações
em nome próprio de Maria do Mar
Pereira, é particularmente relevan-
te que este tema tenha chegado à
agenda jornalística do jornal Pú-
blico, que lhe confere importância.
O mote da reportagem surge com
o Prémio Internacional para o Me-
lhor Livro em Investigação Quali-
tativa, atribuído exactamente a
Maria do Mar Pereira. Contudo, a
entrevista acaba por não se focar
apenas na investigação e no pré-
mio recebido. Tal é notório, por
exemplo, em perguntas como “Há
diferenças entre Inglaterra e Por-
tugal no que respeita às questões
de género?” ou “Na adolescência
nunca se sentiu contaminada pelas
representações que existem na so-
ciedade?”. Esta abrangência na
escolha das perguntas — tanto so-
bre temas mais vastos, como sobre
a própria experiência pessoal da
investigadora na sua adolescência
— permite, de certa forma, que a
igualdade de género deixe de ser
apresentada somente como tema
de uma investigação académica e,
em termos de representação me-
diática, passe a ser elencada como
uma questão socio-cultural.
Não obstante, esta proximidade,
na maneira como a entrevista é
conduzida, entre o percurso pesso-
al de Maria do Mar Pereira e a in-
vestigação que tem feito, resulta
também num ponto problemático.
A forma como a questão relaciona-
da com diferenças biológicas é
elencada (“Há estudos científicos
sobre a diferença entre o cérebro
das mulheres e dos homens. [...]
Estas conclusões acerca das dife-
renças biológicas entre homens e
mulheres incomodam-na?”) de-
monstra uma atitude crítica da
jornalista perante o tema, numa
formulação que remete para uma
‘provocação’ à entrevistada, en-
trando no campo pessoal. Além
disso, a jornalista assume estes
estudos biológicos como categóri-
cos, dando-lhes legitimidade me-
diática, muito embora as suas con-
clusões tenham sido controversas
na comunidade científica.
03
05
pela positiva
A votação de uma proposta
legislativa conjunta do PS e
PSD na Assembleia da Repú-
blica, que permite a materni-
dade de substituição a casais
heterossexuais, deu origem a
vários artigos sobre o assun-
to, na imprensa diária. Exem-
plo disso são estes dois arti-
gos do Diário de Notícias e do
Público, que permitem leitu-
ras diversas do tema, do pon-
to de vista da igualdade de gé-
nero.
Em “‘Barriga de aluguer’ mais per-
to de ser legalizada em Portu-
gal” (Diário de Notícias, edição de
29 de Abril) a imagem ilustrativa
representa uma mulher dentro de
um carrinho de compras. Trata-se
de uma alegoria com leituras ne-
gativas para o tema da igualdade
de género, uma vez que assemelha
a mulher a um produto de super-
mercado, menorizando o seu papel
(reforçando a objectificação do seu
corpo) e retirando seriedade ao
tema. A própria expressão ‘barriga
de aluguer’ - sendo notoriamente
reconhecida ao nível do senso co-
mum para abordar a temática da
materidade de substituição — aca-
ba por potencializar leituras nega-
tivas ao nível da objectificação da
mulher. Seria importante proble-
matizar, ao nível do discurso jor-
nalístico, quais as implicações do
uso desta expressão na formação
da opinião pública em relação ao
corpo da mulher — e ponderar o
uso de novos referenciais mais in-
clusivos, como por exemplo a no-
menclatura ‘maternidade de subs-
tituição’. De referir, ainda, que no
artigo é dada visibilidade positiva à
abrangência possível da materni-
dade de substituição a mulheres
solteiras e casais do mesmo sexo.
No entanto, esta questão só é men-
cionada no contexto de uma pro-
posta alternativa feita pelo Bloco
de Esquerda, dois anos antes, fal-
tando uma problematização real
da heteronormatividade vinculada
pela proposta legislativa.
Por outro lado, o artigo
“Legalização de ‘barrigas de alu-
guer deverá ser votada em
Maio” (Público, edição de 21 de
Abril) apresenta uma imagem me-
nos problemática para ilustrar o
artigo. Não obstante, registe-se
que o artigo mantém o uso inques-
tionável da expressão ‘barrigas de
aluguer’ e omite qualquer referên-
cia à exclusão de casais homosse-
xuais e mulheres solteiras na pro-
posta, remetendo este tema à invi-
sibilidade mediática.
assimetrias: política formal
06
assimetrias: política formal
07
No artigo do Diário de Notí-
cias “Mulheres dominam
equipa de natalidade do
PSD”, de 04 de Abril, verifica-
mos que continua a existir a
tendência, no discurso mediá-
tico, para a categorização das
mulheres em cargos públicos
em função do seu género.
Desta forma, num tema que
se foca na política formal –
nomeadamente a nomeação,
por parte do Governo, de uma
equipa encarregue de debater
a promoção da natalidade –
assiste-se à completa menori-
zação do perfil profissional
dos membros da equipa face
ao género.
Tal foco é notório tanto no título
escolhido, como na entrada, que
reforça a composição da equipa
por géneros: “seis mulheres e qua-
tro homens”.
Para além desta assimetria eviden-
te na forma como o masculino e o
feminino são retratados no discur-
so dos media, a opção por este tí-
tulo é particularmente problemáti-
ca no tema em causa.
Tratando-se de uma equipa que vai
analisar tendências de natalidade,
a importância atribuída ao género
dos/as especialistas/as vai, clara-
mente, reforçar estereótipos entre
natalidade e maternidade, associa-
do a mulher ao papel de mãe.
No entanto, a leitura do artigo na
íntegra acaba por contrariar o títu-
lo escolhido, na medida em que o
foco, ao longo do texto, acaba por
residir no percurso profissional de
cada um/a dos participantes da
equipa. Nesse sentido, considera-
se que seria mais relevante terem
sido escolhidos aspectos deste con-
texto profissional para figurar no
título do artigo.
Uma alternativa viável, por exem-
plo, seria referir no título a ten-
dência, na escolha dos membros
da equipa, para percursos ligados à
defesa da família tradicional e con-
servadora. Uma vez que 0 posicio-
namento profissional dos/as espe-
cialistas tem impacto directo na
orientação de políticas para a pro-
moção da natalidade e a sua rela-
ção com a parentalidade, a intro-
dução no título da notícia dos per-
cursos e valores defendidos pelos/
as profissionais seria mais relevan-
te do que a menção redutora ao
género predominante na equipa.
No dia 15 de Abril, o jornal
Público dedicou uma página
da sua edição diária ao artigo
“Baixos níveis de glucose po-
dem ser uma causa de violên-
cia doméstica”. A notícia re-
flecte os resultados de um es-
tudo que conclui que a dimi-
nuição de glucose no sangue
contribui para uma maior ir-
ritabilidade e propensão para
a violência nos indivíduos da
amostra, sublinhando que es-
ta questão pode mesmo ser
uma das razão para a violên-
cia doméstica.
Trata-se de um artigo problemáti-
co, que, ao enfatizar um suposto
papel da glucose como ‘gatilho’ da
violência doméstica, remete à invi-
sibilidade questões sócio-culturais
de desigualdade de género. Trata-
se, por isso, de um reforço de es-
tigmas e pressupostos estereotipa-
dos ligados à problemática (à se-
melhança, por exemplo, do que
acontece quando se refere, errone-
amente, o alcoolismo como causa
da violência doméstica, ignorando-
se as assimetrias sociais na forma
como a relação entre géneros é as-
sumida), que não desconstrói estes
factores como potencializadores (e
não causadores per si) da violên-
cia, agindo com base em assimetri-
as já existentes.
Nesse sentido, a generalização pre-
sente no título pode contribuir pa-
ra a invisibilidade da violência do-
méstica como problemática social.
Além disso, o próprio subtítulo
contribui para aligeirar o tema nu-
ma linguagem de pendor cómico,
retirando-lhe seriedade (“se for-
mos ter uma conversa difícil com a
nossa cara-metade, talvez conve-
nha comer qualquer coisa primei-
ro”).
O texto carece ainda de uma análi-
se genderizada aos resultados do
estudo descrito. Ou seja, se os
comportamentos agressivos verifi-
cados na amostra científica foram
atestados independentemente do
género do individuo.
Esta questão seria importante nu-
ma abordagem à violência domés-
tica tendo em conta a (des)
igualdade de género. Mesmo que
tal análise genderizada não conste
do estudo descrito no artigo, seria
relevante que o discurso mediático
problematizasse esta eventual au-
sência – como forma de promover
um maior espírito crítico nos/as
leitores/as em relação ao tema da
violência doméstica e das assime-
trias de género.
violência doméstica
08
violência doméstica
09
Numa perspectiva por norma
invisível nas páginas do jor-
nal, da violência doméstica, o
Diário de Notícias dedicou
um artigo à realidade do pós-
encarceramento dos agresso-
res. Intitulada “Vítimas de
maus-tratos fazem visitas ín-
timas aos agressores” (10 de
Abril), a notícia expõe, sobre-
tudo, a realidade complexa
entre vítimas e a agressores,
É de realçar, pela positiva, a visibi-
lidade dada ao tema e o esforço, ao
longo da construção discursiva,
para não apresentar uma perspec-
tiva única sobre o tema. Perante o
“fenómeno de visitas recorrentes
[das vítimas] aos seus agressores”,
como o jornal descreve o tema, há
uma tentativa de ouvir – e trans-
mitir aos/às leitores/as – diversas
perspectivas sobre o caso, não ad-
mitindo respostas e julgamentos
únicos à situação. Desta forma,
realça-se, como já adiantado, a
complexidade destas relações, em
que não é possível tecer soluções
que sirvam todos os casos identifi-
cados.
Denunciando que, em “alguns ca-
sos”, há uma continuidade de
agressões nos estabelecimentos
prisionais, ao abrigo da privacida-
de de que são dotadas as visitas
conjugais, o DN problematiza qual
será a solução a adoptar. O discur-
so apresenta primeiro a posição da
Procuradoria-Geral Distrital de
Lisboa, que defende a possibilida-
de da proibição de contactos entre
agressor e vítima. Não obstante, a
jornalista não se contenta com a
visão institucional e procura tam-
bém a perspectiva da APAV – As-
sociação Portuguesa de Apoio à
Vítima, pela ‘voz’ do técnico Daniel
Cotrim. Nesta diversidade de fon-
tes, destaque para a posição da as-
sociação que esta “não é uma rela-
ção normal entre criminoso e víti-
ma”, já que está ligada “a contex-
tos de intimidade”. É, portanto,
um reforço da não-linearidade da
problemática da violência domésti-
ca, que ganha – de forma positiva
– espaço no discurso mediático.
É também importante valorizar a
informação contextualizada que
enriquece o conteúdo do artigo. A
encimar o artigo, uma caixa de tex-
to pormenoriza a legislação em
vigor para visitas íntimas nos esta-
belecimentos prisionais. Mas há
também informação adicional so-
bre estatísticas pós-queixa de vio-
lência doméstica, com destaque
para dados sobre o número de
condenados em 2013, de presos
preventivos, de agressores com
pulseira electrónica e de tele-
-assistências a vítimas de maus-
tratos. O conjunto destas informa-
ções permite, desta forma, um arti-
go mais aprofundado sobre o tema
da violência doméstica.
assimetrias várias
10
O artigo “Anúncios oferecem
casas para arrendar a troco
de sexo” (Diários de Notícias,
19 de Abril) apresenta uma
visibilidade positiva sobre a
vulnerabilidade económica
das mulheres em altura de
crise— e de como tal dá ori-
gem a este tipo de situações
assimétricas de género e de
poder. No caso específico des-
ta notícia, é retratada prática
de anúncios de arrendamento
de casa a troco de favores se-
xuais.
Perante a problemática, o discurso
jornalístico apresenta um conjunto
diverso de fontes e perspectivas.
Nesse contexto, são citados juris-
tas que reforçam a legalidade da
prática, mas também associações
da sociedade civil e especialistas
em sociologia. É por isso positivo o
balanço feito a esta construção jor-
nalística, que tenta ser inclusiva e
plural nos pontos de vista apresen-
tados.
Nesta pluralidade presente no dis-
curso jornalístico, há que enfatizar
o contributo de Ana Cristina San-
tos, do Centro de Estudos Sociais
da Universidade de Coimbra (e
também da “Não te Prives”, uma
das entidades integrantes do pro-
jecto MEDIA+Igual), que explica
que o verdadeiro problema desta
questão não é a prestação de servi-
ços sexuais, mas a assimetria de
poder e a vulnerabilidade econó-
mica. “Não se trata de um contrato
laboral entre iguais, mas sim de
uma actividade não regulada, mui-
to permeável a riscos de explora-
ção”, em que a carência económica
“tem um impacto considerável so-
bre a capacidade individual de de-
cidir sobre o seu próprio corpo e os
usos que dele se entende fazer”,
afirma Ana Cristina Santos, citada
pelo Diário de Notícias, numa
perspectiva importante que assim
ganha visibilidade nos media.
em poucas palavras
11
O título reforça, de forma redundante, o termo
“gay”, quando a palavra “amante” bastaria para
descrever uma relação passional. A opção usada é,
sem dúvida, mais sensacionalista. Por outro lado,
há uma construção discursiva negativa reforçada
pelo uso repetido do verbo “engatar”, ao longo do
texto, que não torna claro o tipo de relação em cau-
sa: se uma relação fortuita ocasional ou um caso de
prostituição. Não que essa distinção seja relevante
para o crime, mas é notória a diferença de trata-
mento noticioso, em termos de linguagem, perante
relações homossexuais e heterossexuais.
Mais uma vez,
assistimos a
uma generali-
zação de com-
portamentos,
expectativas e
objectivos das
mulheres (e,
consequemen-
te, dos ho-
mens) no dis-
curso da Men’s
Health. Neste caso específico, reforça-se o estereó-
tipo abusivo de que ‘as mulheres se fazem difíceis’,
mas que isso seria uma estratégia para “conhecer o
grau de compromisso” dos homens e “aumentar a
atracção sexual”. Acaba por ser um estereótipo
sexista perigoso, já que promove o desrespeito pe-
lo “não” das mulheres, visto como um subterfúgio,
potencializando casos de assédio e abuso sexual.
Este artigo é ilustrado
com uma foto da
agressora em bikini,
numa objectificação
do seu corpo (não re-
lacionada com a notí-
cia). Por outro lado, a
redução da vítima ao
seu estatuto económi-
co origina uma série
de conotações relacio-
nadas com o motivo
do crime, que não es-
tão provadas. No tex-
to, as diferenças eco-
nómicas aliadas às di-
ferenças de idades da
agressora e vítima ser-
vem também para cri-
ar um retrato estereo-
tipado dos factos.
É irrelevante a menção específica a “prostituta”
no título deste artigo. A vítima não foi burlada
nesse contexto e, portanto, está a ser reduzida na
sua identidade à categorização de “prostituta” -
um uso da linguagem que pode até contribuir pa-
ra a sua menorização pública e da queixa que
apresentou. Uma vez que estamos perante várias
vítimas de um esquema criminoso de burla e que
apenas esta actividade de prostituição foi nomea-
da, conclui-se que o título foi escolhido apenas
por uma questão de sensacionalismo.
Correio da Manhã, 03/04/2014 Men’s Health, Abril 2014
Correio da Manhã , 11/04/2014 Correio da Manhã, 13/04/2014
042
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créditos
Edição: IEBA—Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais, Abril 2014 Revisão: ULAI—Unidade Local de Análise de Imprensa - APPACDM Coimbra, APAV, GRAAL, NÃO TE PRIVES, SOS RACISMO, UMAR Contactos: IEBA Parque Industrial Manuel Lourenço Ferreira, Lote 12—Apartado 38, 3450-232 Mortágua | ieba@ieba.org.pt
08
a fechar
A violência doméstica ganhou
destaque principal na impren-
sa diária nacional no mês de
Abril, com contornos dramá-
ticos. Tratou-se do caso de
Manuel Pinto Baltazar, que
disparou sobre a ex-
companheira, a filha e outras
duas familiares destas, fugin-
do às forças policiais durante
vários dias.
O caso, pela cobertura mediática
de que foi alvo e dimensão nacio-
nal que obteve, é sintomático da
forma como a violência doméstica
é retratada no discurso mediático.
Rapidamente aquele que foi um
caso de violência doméstica — em
contexto de violência continuada—
foi retratado pelos media na sua
vertente de perseguição policial.
Desta forma, a tendência por uma
narrativa romanceada e pelo exa-
cerbar do sensacionalismo acabou
por predominar nas páginas dos
jornais, remetendo à invisibilidade
as assimetrias socio-culturais, ine-
rentes à violência doméstica, e o
próprio contexto de violência. Nota
final para a nomenclatura
“monstro”, que, usada predomi-
nantemente nos jornais, contribui
para uma visão distorcida dos
agressores de violência doméstica
como seres atípicos.
agenda
Seminário Final MEDIA+Igual
30 de Junho Coimbra
ler +
“Homoparentalidades: Perspetivas Psicológicas”
Da autoria de Jorge Gato, o livro “Homoparentalidades: Perspectivas Psicológicas” é pioneira em
examinar as atitudes em Portugal face à homoparentalidade. A análise, resultante de uma tese de
doutoramento, permitiu investigar as atitudes de futuros profissionais das áreas do direito, saúde
e educação, bem como da população geral, no que concerne à homoparentalidade, desconstruindo
mitos e estereótipos.
Publicado pela editora Almedina e com uma abordagem científica no campo da psicologia, o livro
foi apresentado a 30 de Junho, em Coimbra.
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