amarante, m. c. et al. mortalidade por violências

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Mortalidade por violências: aplicação de técnicas de análise exploratória em área metropolitana da região sudeste do Brasil, 1979 -1987* Mortality due to violence: application of exploratory analysis techniques on data from an urban area of southeastern Brazil, 1979 -1987 Cristina M.C. Amarante**, Edinilsa R. de Souza**, Maristela G. do Couto *** AMARANTE, C.M.C et al. Mortalidade por violências: aplicação de técnicas de análise exploratória em área metropolitana da região sudeste do Brasil, 1979 - 1987. Rev. Saúde Pública, 28: 178-86, 1994. Realizou-se análise exploratória das taxas brutas de mortalidade por causas externas, nos municípios da Baixada Fluminense e no Município do Rio de Janeiro, Brasil, no período de 1979 a 1987. Objetivou-se verificar a tendência da mortalidade na área e período especificados para investigar a premissa de que a violência vem crescendo. Os resultados obtidos mostraram que as taxas de mortalidade apresentaram tendência de crescimento não linear ao longo de todo o período. Observou-se decréscimo de 1979 a 1983, seguido de crescimento a partir de 1984 quando as taxas atingem patamares mais elevados. Descritores: Violência. Mortalidade. Causa da morte. Introdução A violência na realidade brasileira tem sido tema de destaque nos debates dos mais variados setores da sociedade, sobretudo na última década. Presente no cotidiano da população, a violência constitui um fenômeno social complexo que se ex- pressa sob diversas facetas afetando não só o modo de viver mas também interferindo na forma de morrer dessa população. Suas origens devem ser buscadas nas estruturas sociais que, ao se constituírem de forma desigual e injusta, geram violência estrutural. Esta, por sua vez, engendra e articula uma rede de tipos específicos de violência presentes nas relações domésticas, dos dis- tintos grupos sociais, entre os gêneros e raças, e nas instituições sociais. Trata-se de uma rede na qual todos são, ao mesmo tempo, sujeito e objeto da violência (Boulding 2 ,1981;Domenach 5 ,1981 e Minayo 9 ,1990). * Pesquisa financiada pela Organização Panamericana de Saúde. ** Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitati- vos em Saúde e do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública - Rio de Janeiro, RJ - Brasil *** Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública - Rio de Janeiro, RJ - Brasil Separatas/Reprints: C.M.C. Amarante-Av. Leopoldo Bulhões, 1480/8 o Manguinhos-21041-210-Rio de Janeiro, RJ - Brasil Estudos como os de Mello Jorge 8 (1988); Szwarcwald 16 (1989); Souza 15 (1991); Souza e Assis 14 (1989); Assis e col. 1 (1991), e da publicação DADOS 13 (1990), têm alertado para o crescimento da violência. Esses autores analisaram especificamente a violência urbana, cuja expressão pode ser observada nas regiões metropolitanas brasileiras. Uma parcela da violência que ocorre nas urbes se traduz na mortalidade e que através dela tem sido tradicionalmente analisada. Suas vítimas são preferentemente jovens, do sexo masculino, de cor parda ou negra, com baixa escolaridade e pouca qualifi- cação profissional. Costumamser mortos por acidentes de trânsito ou outros tipos de acidentes, pelos homicídios e pelos suicídios. Todas essas causas são agrupadas pela Classificação Internacional de Doença (CID 11 , 1990), sob a denominação de Causas Externas. No Brasil, na década de 80, entre as três princi- pais causas de óbito, as causas externas passaram a ocupar o terceiro lugar. Em primeiro encontram-se as Doenças do Aparelho Circulatório e em segundo as Neoplasias. Em algumas capitais, como o Rio de Janeiro, em 1989, as causas externas chegaram a ser a segunda causa de morte, perdendo para as Doenças Cardiovasculares. Sua importância é ainda maior na faixa dos 5 aos 49 anos de idade, onde passa a ser a primeira causa de óbito (Minayo e Souza 10 ,1992). A violência urbana, entretanto, tem maior inten- sidade em determinadas áreas periféricas das capitais brasileiras, conforme é o caso da Baixada Fluminense. Esta área é constituída por municípios concentradores de uma população carente social, econômica e politi- camente, o que a torna, em princípio, vítima de forte

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MARANTE, M. C. Et Al. Mortalidade Por Violências

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Page 1: AMARANTE, M. C. Et Al. Mortalidade Por Violências

Mortalidade por violências:aplicação de técnicas de análise exploratória em área metropolitana da regiãosudeste do Brasil, 1979 -1987*

Mortality due to violence:application of exploratory analysis techniques on data from an urban area of southeasternBrazil, 1979 -1987

Cristina M.C. Amarante**, Edinilsa R. de Souza**, Maristela G. do Couto ***

AMARANTE, C.M.C et al. Mortalidade por violências: aplicação de técnicas de análise exploratória emárea metropolitana da região sudeste do Brasil, 1979 - 1987. Rev. Saúde Pública, 28: 178-86, 1994.Realizou-se análise exploratória das taxas brutas de mortalidade por causas externas, nos municípios daBaixada Fluminense e no Município do Rio de Janeiro, Brasil, no período de 1979 a 1987. Objetivou-severificar a tendência da mortalidade na área e período especificados para investigar a premissa de que aviolência vem crescendo. Os resultados obtidos mostraram que as taxas de mortalidade apresentaramtendência de crescimento não linear ao longo de todo o período. Observou-se decréscimo de 1979 a 1983,seguido de crescimento a partir de 1984 quando as taxas atingem patamares mais elevados.

Descritores: Violência. Mortalidade. Causa da morte.

Introdução

A violência na realidade brasileira tem sido temade destaque nos debates dos mais variados setores dasociedade, sobretudo na última década.

Presente no cotidiano da população, a violênciaconstitui um fenômeno social complexo que se ex-pressa sob diversas facetas afetando não só o modo deviver mas também interferindo na forma de morrerdessa população.

Suas origens devem ser buscadas nas estruturassociais que, ao se constituírem de forma desigual einjusta, geram violência estrutural. Esta, por sua vez,engendra e articula uma rede de tipos específicos deviolência presentes nas relações domésticas, dos dis-tintos grupos sociais, entre os gêneros e raças, e nasinstituições sociais. Trata-se de uma rede na qual todossão, ao mesmo tempo, sujeito e objeto da violência(Boulding2,1981;Domenach5,1981 e Minayo9,1990).

* Pesquisa financiada pela Organização Panamericana deSaúde.

** Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitati-vos em Saúde e do Centro Latino-Americano de Estudosde Violência e Saúde da Escola Nacional de SaúdePública - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

*** Centro Latino-Americano de Estudos de Violência eSaúde da Escola Nacional de Saúde Pública - Rio deJaneiro, RJ - Brasil

Separatas/Reprints: C.M.C. Amarante-Av. Leopoldo Bulhões,1480/8o Manguinhos-21041-210-Rio deJaneiro, RJ - Brasil

Estudos como os de Mello Jorge8 (1988);Szwarcwald16 (1989); Souza15 (1991); Souza e Assis14

(1989); Assis e col.1 (1991), e da publicação DADOS13

(1990), têm alertado para o crescimento da violência.Esses autores analisaram especificamente a violênciaurbana, cuja expressão pode ser observada nas regiõesmetropolitanas brasileiras. Uma parcela da violência queocorre nas urbes se traduz na mortalidade e que atravésdela tem sido tradicionalmente analisada. Suas vítimassão preferentemente jovens, do sexo masculino, de corparda ou negra, com baixa escolaridade e pouca qualifi-cação profissional. Costumam ser mortos por acidentes detrânsito ou outros tipos de acidentes, pelos homicídios epelos suicídios. Todas essas causas são agrupadas pelaClassificação Internacional de Doença (CID11, 1990), soba denominação de Causas Externas.

No Brasil, na década de 80, entre as três princi-pais causas de óbito, as causas externas passaram aocupar o terceiro lugar. Em primeiro encontram-se asDoenças do Aparelho Circulatório e em segundo asNeoplasias. Em algumas capitais, como o Rio deJaneiro, em 1989, as causas externas chegaram a ser asegunda causa de morte, só perdendo para as DoençasCardiovasculares. Sua importância é ainda maior nafaixa dos 5 aos 49 anos de idade, onde passa a ser aprimeira causa de óbito (Minayo e Souza10,1992).

A violência urbana, entretanto, tem maior inten-sidade em determinadas áreas periféricas das capitaisbrasileiras, conforme é o caso da Baixada Fluminense.Esta área é constituída por municípios concentradoresde uma população carente social, econômica e politi-camente, o que a torna, em princípio, vítima de forte

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violência estrutural. No entanto, a Baixada Fluminen-se também é um espaço social no qual as relaçõesinterpessoais também estão impregnadas de intensaviolência. Aí são impetrados muitos dos crimes noti-ciados pela imprensa escrita e falada e informadospelas estatísticas oficiais. Tais dados parecem indicaro crescimento da violência, sobretudo na sua formafatal. Foi, portanto, a partir da realidade vivenciada edos indicadores epidemiológicos da violência, que seefetuou o presente estudo, o qual pretende investigar,através de técnicas estatísticas, se de fato a violênciavem crescendo.

Com este objetivo, pretende-se realizar análiseda mortalidade por causas externas, na BaixadaFluminense, durante o período de 1979 a 1987, utili-zando técnicas de Análise Exploratória de Dados,inicialmente desenvolvidas por Tukey17 (1977).

Material e Método

O material utilizado foi constituído dos óbitospor causas externas (correspondentes aos códigosE900-E999 da Classificação Internacional de Doen-ças), ocorridos em residentes dos municípios da Bai-xada Fluminense e do Município do Rio de Janeiro, noperíodo de 1979 a 1987. Este último município foiutilizado no estudo para efeito de comparação.

Os dados sobre mortalidade foram obtidos apartir das informações cedidas pela Secretaria Esta-dual de Saúde. As populações utilizadas para o cálculodas taxas de mortalidade foram estimadas a partir dasPesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios(PNAD).

A partir destes dados foram calculadas as taxasbrutas de mortalidade por causas externas para osmunicípios estudados.

Inicialmente, desconhecida a distribuição da va-riável em questão, foi utilizado um teste não paramé-trico baseado em postos (Lehmann e D'Abrera7,1975) para verificar a hipótese de igualdade de taxasmédias de mortalidade anuais contra a alternativa dehaver uma tendência de crescimento ao longo dotempo. O teste utiliza a soma dos quadrados das diferen-ças entre os postos atribuídos às taxas médias anuais(Ri) e os postos correspondentes à alternativa de cres-cimento (Ti). Calculou-se a Estatística-Teste D2 obti-da pelo somatório das parcelas (Ri - Ti)

2, i = l,....,9. Foiadotado o nível de 5% de significância para o teste.

Para melhor explicitar informações relevantes sobreo fenômeno em estudo foram aplicadas algumas técni-cas de Análise Exploratória de Dados, tais como: gráfi-co-caixa e polimento da mediana. Este conjunto detécnicas de manipulação estatística foi proposto porTukey17 em "Exploratory Data Analysis". Esta análiseé constituída por um conjunto de técnicas de manipula-ção de dados que, sem maiores preocupações com

justificativas matemáticas, se propõe a auxiliar o pes-quisador no seu trabalho de extrair, de uma massa dedados, informações relevantes sobre o fenômeno emestudo. Exemplos do uso desta fase exploratóriaantes de iniciar a fase inferencial podem ser encon-trados em Pinheiro12 (1988), Erikson e Nosanchuk6

(1979), Dachs3,4 (1978, 1980). Esta técnica, seriaportanto, um primeiro passo no sentido da obtençãode modelos mais aderentes aos dados que constituís-sem as evidências sobre a realidade investigada. Aabordagem proposta por esta análise está baseada emestatísticas robustas, a saber, a mediana e os quartis.As estatísticas robustas não são afetadas por valoresespúrios da distribuição da variável em questão, o quenão ocorre, por exemplo, com a média aritmética e odesvio-padrão.

A construção de figuras permitiu representar osdados graficamente e extrair, na fase inicial da análise,evidências capazes de auxiliar o desenvolvimento doestudo. Nesse sentido, a construção do gráfico-caixa conduziu a uma nova formulação da hipótesealternativa para o teste estatístico baseado empostos. Na nova formulação testou-se a hipótesede estabilidade contra a hipótese de decréscimo dataxa média de mortalidade até 1983, seguido decrescimento a partir de 1984 em patamares maiselevados.

O polimento da mediana, destinado a determinarefeitos em tabelas de contingência, é uma técnicaiterativa envolvendo sucessivas subtrações da media-na em relação às observações da variável em questão,com o objetivo de calcular o efeito dos fatores emestudo. Sua aplicação foi útil para confirmar a hipótesealternativa aceita pelo teste de Lehmann. É similar auma análise de variância a dois fatores, e baseia-senum modelo geral que expressa cada observação davariável como soma das seguintes parcelas:

- um valor comum (similar a uma grande média)- um efeito da linha na qual o valor é locado- um efeito da coluna na qual o valor é locado- um resíduoPara esta análise, foram mantidos somente os

quatro municípios da Baixada Fluminense. Comopara todos houve aparentemente, comportamento se-melhante, pôde-se abordar o problema de analisarconjuntamente anos e municípios como dois fatoresde classificação. A taxa no i-ésimo município no j-ésimo ano é representada por xij, que se decompõe deforma:

Xij = m + ai + bj + eij

onde xij - taxa de mortalidade observada no i-ésimomunicípio no j-ésimo anom - valor comum (média ou mediana)ai - efeito do i-ésimo municípiobj - efeito no j-ésimo anoeij - erro aleatório

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Uma vez efetuado o polimento da mediana,seguiu-se a etapa de ajuste final. Os valores ajustadosforam obtidos segundo o modelo abaixo:

X'ij = m' + a'i + b'jonde X'ij - taxa de mortalidade estimada

m' - mediana globala'i - soma das medianas de linhas extraídas em

cada passob'j - soma das medianas de colunas extraídas em

cada passoCom o objetivo de verificar se o ajuste proposto

foi razoável realizou-se uma análise de resíduos. Osresíduos do ajuste foram calculados da forma seguinte:

eij = X'ij - Xij

Resultados

Na Figura l pode-se verificar que, a partir de1985, a mortalidade proporcional por causas externasna Baixada Fluminense passa a ocupar o segundolugar perdendo somente para as doenças cardiovascu-lares. As doenças do aparelho respiratório, os neoplas-mas e as doenças infecciosas e parasitárias (DIP's)ocupam, nesta ordem, as demais posições entre ascinco principais causas de óbitos.

Na Figura 2 pode-se verificar mais detalhada-mente a importância deste grupo de causas nos quatro

municípios da Baixada Fluminense.Na Tabela l encontram-se os dados utilizados

para a análise da mortalidade por causas externas,nos municípios estudados.

O primeiro passo para a investigação proposta foianalisar os dados através da aplicação de testes paraverificar a hipótese de igualdade das taxas médias demortalidade anuais (H0) contra a alternativa de havertendência de crescimento ao longo do tempo (H1).

Para a realização do teste não-paramétrico deLehmann e D'Abrera7 são apresentados, na Tabela 2,os postos das taxas médias anuais (Ri), os postos de l

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a 9 da hipótese alternativa de crescimento (Ti), emordem crescente, e as diferenças (Ri - Ti)

2.A Estatística do teste (D2) assumiu o valor de 46.

Utilizando-se aproximação assintótica, obteve-se:

P (D 2 <46)<0 .05

Portanto, ao nível de 5% de significância, rejeita-se a hipótese de igualdade de médias em favor dealternativa de crescimento.

A análise estatística poderia terminar neste pon-to, talvez acrescida de uma análise análoga para cadamunicípio considerado.

Na tentativa de detectar alguns comportamentosnão verificados, até então, das taxas de mortalidade,foram aplicadas algumas técnicas de AnáliseExploratória de Dados.

Na Figura 3 encontra-se construído o múltiplo-gráfico-caixa para as taxas anuais de mortalidade porcausas externas dos municípios e período considera-dos. Como, para cada ano, dispõe-se apenas de cincoobservações, o objetivo do múltiplo-gráfico-caixa res-tringiu-se à verificação, visual, das tendências dastaxas de mortalidade. Não houve, nesse sentido, atentativa de resumir informações.

Percebe-se que, embora a Figura 3 indique umcrescimento das taxas de mortalidade, ao longo dos anos,este crescimento não apresenta tendência linear. Naverdade, verifica-se a existência de dois patamares. Oprimeiro até o ano de 1983 e o segundo a partir de 1984.

Examinando mais cuidadosamente cada um dos

municípios, percebe-se que há uma alternativa maisrazoável que a de crescimento linear. Essa alternativaé mostrada nos gráficos da Figura 4, onde são repre-sentados os postos (não os valores) relativos a cadaano. Com o único objetivo de visualizar os dois

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distintos patamares conformados por estes postos,foram traçados ajustes do tipo "curve". Este ajusteressalta a ausência de um crescimento linear ao longo doperíodo. Verifica-se, então, um comportamento seme-lhante para os quatro municípios da Baixada Fluminen-se: tendência de decrescimento de 1979 a 1983, e outrade crescimento, entre 1984 a 1987, sendo que nesseperíodo as causas externas situam-se em patamares bemmais elevados do que os dos anos anteriores.

O Rio de Janeiro apresentou um comportamentodiferente dos demais municípios, com as taxas de morta-lidade oscilando, não sendo possível identificar qual-quer tendência. São João de Meriti não apresentou parao segundo período investigado (1984-87) uma tendênciaclara, como se pode observar na distribuição dos postos.

De acordo com a verificação visual, na Figura 4,surgiu uma nova suposição: decrescimento das taxasde mortalidade até o ano de 1983, seguido de cresci-mento a partir do ano de 1984 com valores em pata-mares mais elevados (H2).

O teste D2 de igualdade de médias foi utilizadomais uma vez, visto que, uma das vantagens deste testeé a possibilidade de aplicação para diferentes hipóte-ses alternativas, desde que sejam reordenados os pos-tos referentes à hipótese em questão (Ti's). Na Tabela3 são apresentados os postos para cada um dos cincomunicípios e os Ti' s correspondentes à alternativaagora considerada.

Pode-se, assim, testar para cada município:H0 : estabilidade contraH1 : crescimento

ou

H2: decréscimo até 1983 seguido de crescimentoa partir de 1984 em patamares mais elevados

Têm-se, então,d = S(R i j-T i)

2ed'= S(Rij-T'i)

2

1 = 1,....,9onde Rij representa o posto do município j no ano i.Na Tabela 4 são apresentadas, para cada municí-

pio, as estatísticas d e d' referentes, respectivamente,às hipóteses alternativas H1 e H2, suas probabilidadesde significância (p) e a decisão de aceitação (A) ourejeição (R) da hipótese nula H0 em favor da alterna-tiva considerada.

Verifica-se que os municípios de Duque de Ca-xias e São João de Meriti que aceitavam H0, contra H1,passam a rejeitá-la em favor de H2, apresentando,portanto, tendência crescente não linear. Os municípi-os de Nilópolis e Nova Iguaçu que rejeitavam H0, emfavor de H1 continuam rejeitando-a, porém com pro-babilidades de significância ainda menores em favorde H2, ou seja, a tendência de crescimento não linearé mais evidente. Para o Município do Rio de Janeiro ahipótese nula é aceita em ambas alternativas, pois ocomportamento demonstrado pelas taxas de mortalida-de não se encaixa em nenhuma das hipóteses H1 ou H2.

Com o objetivo de confirmar a hipótese alterna-tiva aceita pelo teste de Lehmann e D'Abrera7, apli-cou-se a técnica do polimento da mediana.

O Município do Rio de Janeiro foi excluído apartir de então, tendo em vista que o seu comportamen-to não se adequa às análises que serão feitas a seguir.

Foram empregadas medianas de forma iterativa

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até polir a tabela de modo que, tanto as medianas delinhas como as de colunas sejam praticamente nulas.

A Tabela 5 apresenta a mediana global, para todasas taxas de mortalidade, no canto esquerdo superior.

O primeiro passo do polimento é mostrado naTabela 6, onde pode ser visto o resultado da subtraçãoda mediana global em relação à cada valor, obtendo-se, assim, a mediana de cada linha. Nos dados aquiapresentados, a taxa 11.743 referente ao ano de 1979em Duque de Caxias foi subtraída pela mediana glo-bal (9.207) e se obteve o valor de 2.536. Após asubtração de todos os valores da primeira linha calcu-lou-se a mediana desta linha que foi de 2.450.

O segundo passo do polimento consiste em subtrair

de cada célula a mediana da linha correspondente. Deacordo com a Tabela 7, do valor 2.536 subtraiu-se amediana de linha (2.450) obtendo-se o valor 86. A partirdos novos valores são obtidas as medianas das colunas.

Nos próximos passos são encontradas as media-nas de linhas e colunas que são, sucessivamente,subtraídas das células correspondentes. O objetivofinal é obter o maior número possível de medianasiguais a zero nas linhas e nas colunas, o que pode servisto na Tabela 8.

Encerrado o último passo, os valores ajustadosforam calculados e encontram-se na Tabela 9. Obser-vam-se, nas marginais, os efeitos dos municípios e dosanos. Mais uma vez pode-se confirmar a hipótese

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alternativa H2 através do efeito observado nas colunasque correspondem aos anos que integram o período.Claramente, nota-se um decréscimo de 1979 a 1983,seguido de crescimento a partir de 1984 em nível bemmais elevado,pois de-1.145, em 1983,passa-se a 369,em 1984, contrastando com o início do período, em1979, onde o efeito estimado foi 62.

Os resíduos do ajuste, calculados através dadiferença entre a taxa de mortalidade observada ea taxa de mortalidade estimada, encontram-se naTabela 10.

Na Figura 5 encontra-se um gráfico-caixa dosresíduos para esses 36 valores. Pode-se consideraruma distribuição razoavelmente aleatória em torno dozero, apresentando apenas quatro pontos discrepantes,confirmando a adequação do modelo utilizado.

Discussão e Conclusões

Muitas vezes, ao efetuar uma análise de dados, opesquisador depara com o problema de não conhecero comportamento dos mesmos. Desconhece a distri-buição de probabilidade da variável em questão; assuposições usuais de normalidade, homocedastici-dade e outras, podem não ser válidas; casos excepci-onais podem ocorrer representados por valores

aberrantes não sendo conveniente agrupar com os de-mais. Por essas razões, é muito importante iniciar umtrabalho de análise de dados por uma fase exploratória.

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No presente trabalho conseguiu-se demonstraraspectos interessantes desta fase exploratória. Semesta fase, poder-se-ia conceber um crescimento linearpara a violência na Baixada Fluminense. Após autilização de técnicas exploratórias constatou-seque a violência nesta área vem crescendo, porém nãode forma linear. As tendências das taxas de mortalida-de por causas externas apresentaram um decréscimode 1979 a 1983, seguido de crescimento a partir de1984 em patamares mais elevados.

O Município do Rio de Janeiro, no período con-siderado, apresentou comportamento diferente dosmunicípios da Baixada Fluminense, não permitindodetectar qualquer tendência de crescimento nas taxasde mortalidade. Este é, no mínimo um fato curioso,tendo em vista que nenhuma modificação foi feita noregistro desses óbitos que possa justificar um nãocrescimento da violência no município, apesar daexperiência cotidiana contradizer este resultado. Talfato mereceria estudo mais detalhado, com dados maisatualizados, abrangendo uma série histórica maior.Também se poderia aprofundar a análise em relaçãoàs especificidades de cada um dos municípios aquiinvestigados.

Diante dos resultados observados, pode-se con-cluir que a violência na Baixada Fluminense, se inten-sificou. Considerando que a morte é apenas uma formaterminal de um processo muito mais amplo de violên-cia, pode-se entender por que a Baixada Fluminense éconsiderada pela ONU como uma das áreas maisviolentas do mundo.

Não é objetivo do presente trabalho aprofundar aanálise das origens do processo de violência na áreainvestigada. Entretanto, algumas considerações mere-cem ser feitas no sentido de contribuir para acontextualização dos dados aqui apresentados.

A Baixada Fluminense é uma área urbana perifé-rica da capital do Rio de Janeiro, concentradora deuma população trabalhadora, em sua maioria, poucoescolarizada, pouco qualificada profissionalmente e,em conseqüência, com baixa renda. Carente de infra-estrutura básica como esgoto, abastecimento de água,moradia, transporte e lazer; com os aparatos sociaisdos setores de saúde, educação, política e justiça,dentro outros, prestando serviços inadequados e aquémdas necessidades da população; servindo de rede paracertas contravenções, como o jogo do bicho, e detransação para membros do crime organizado, a

Baixada Fluminense constitui, hoje, palco privilegia-do onde se articulam todos os fatores que engedrama rede de violência.

Diante de uma realidade, em que a BaixadaFluminense é vítima e ao mesmo tempo autora do seuprocesso de violência, percebe-se que aí estão presen-tes a violência estrutural (na forma de má distribuiçãode renda, subemprego e desemprego; inadequadas,(quando não-inexistentes) políticas públicas de saúde,educação, moradia, transporte, segurança e lazer)); aviolência da delinqüência (expressa na freqüência dasmortes por assassinato, principal responsável pelastaxas aqui mostradas, e ainda pelas inúmeras ocorrên-cias de eventos não mortais, como roubo, furto, agres-são, ameaça, estupro, e outras, impetradas isolada-mente ou por membros de grupos de extermínio e docrime organizado em torno do narcotráfico); e, final-mente, encontra-se também na área a violência daresistência, ou seja, a luta da população que individu-almente ou organizada em instituições civis procuradenunciar e transformar as condições de opressão einjustiças às quais está submetida.

Na década de 80, com o empobrecimentomundial e o crescimento da crise econômica brasileira,observa-se o aprofundamento dos conflitos sociais,que, diante da concentração de renda nas mãos de umapequena parcela da população e da intensificação doempobrecimento da sua grande maioria, vem contribuirpara o acirramento dos conflitos de classes sociais,sobretudo nas áreas mais urbanizadas e superpovoadasdo país. A Baixada Fluminense vive este processo geral,com o agravante das condições específicas de áreaperiférica com as características acima referidas.

Neste contexto pode-se situar melhor o cresci-mento da mortalidade por violência na área, fruto doacirramento dos conflitos pessoais e classistas, mastambém da deteriorização das condições de vida, daprecariedade do funcionamento das instituições soci-ais, dando espaço, e até mesmo aliando-se à organiza-ção criminal, cujas vítimas são elos fracos e cada vezmais jovens dessa cadeia de violência que se forja emmeio à miséria, à falta de oportunidades sociais deascensão, à omissão e conivência das autoridadeslegais e à impunidade, levando a crer que o crimecompensa e que a vida humana tem muito pouco valor,principalmente quando esta vida é de alguém paraquem o sistema já decretou a morte social e política.

Estas são as considerações que se desejava fazer,

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no sentido de estimular novas propostas de estudosque atualizem a informação e associem os indicadoressocioeconômicos aos de violência, aprofundando aanálise e o conhecimento do tema.

AMARANTE. CMC. et al. [Mortality due to violence: appli-cation of exploratory analysis techniques on data from an urbanarea of southeastern Brazil, 1979 -1987]. Rev. Saúde Pública,28:178 - 86,1994. An exploratory analysis of gross death ratesdue to external reasons was carried out in the area of the "BaixadaFluminense", and in the Rio de Janeiro city, covering the 1979-1987 period. The main goal was to verify mortality trends in thearea and period of time specified, in an attempt to investigate apremiss according to wich violence rates have been increasing.Results obtained have show that death rates presented tendencyto a non-linear increase throughout this period. A decrease wasobserved from 1979 to 1983, followed by an increase, since1984, on to a higher level.

Keywords: Violence. Mortality. Cause of death.

Referências Bibliográficas

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12. PINHEIRO, J.I.D. Análise estatística de dados. Rio de Janeiro,Editora do Instituto de Matemática-UFRJ, 1988.

13. REGIÕES metropolitanas: violência na vida e na morte. Rio deJaneiro, Radis Dados. (11), 1990.

14. SOUZA, E.R. & ASSIS. S.G. Violência e mortalidade naAmérica Latina: um estudo das causas externas de 1968 a1986. Rio de Janeiro, 1989. [Trabalho apresentado ao l2

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15. SOUZA, E.R. Violência velada e revelada: estudo epidemiológicoda mortalidade por causas externas em Duque de Caxias -RJ. Rio de Janeiro, 1991. [Dissertação de Mestrado - EscolaNacional de Saúde Pública/FIOCRUZ].

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Recebido para publicação em 30.3.1993Reapresentado em 28.2.1994

Aprovado para publicação em 24.3.1994