alvim, roberto. pinokio

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pinokio por roberto alvim – 2010

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Texto "Pinokio", do dramaturgo Roberto Alvim

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pinokio      

por  roberto  alvim  –  2010

 

   

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pinokio

por roberto alvim – 2010

   

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“Lá no fundo teu pai jaz com seus ossos de coral nos olhos pérolas traz pois o seu corpo mortal foi transformado no mar em tesouro singular.” A Tempestade, W. Shakespeare

figuras

A MULHER VELHA O HOMEM VELHO

O MENINO A MULHER DE AZUL

O GRILO FALANTE A AGENTE DA LEI

em um salão vazio

   

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escuridão

   

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O GRILO FALANTE. no princípio um boneco veioseivasmadeira do jardim a madeira e o vento lá fora só o céu raízes no céu vazio e as raízes raízes no céu no ventre as raízes do céu no princípio um só do jardim um eco e a vertigem vertigem perguntas?

   

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A MULHER VELHA. só o que falta é undar-se à máquina quer ele unar tudo urdir-me à máquina ele disse quero untir-me pode a máquina só satisfanar no dreno vastos bolsões vastos drenando drenindo à máquina unzar-me ele disse O HOMEM VELHO. lá sentado em sua terra lugarnenhum nenhum lugar seus planos para ninguém em ritorno não + há nada atrás nadanada + paratrás? nãonada mas em frente + nafrente ou fora FORA + porque de onde se vê nada para ver mas fora talvez A MULHER VELHA. mas sulcando sapados talvez crescendo em satélites saposdesatélites de girinosbaleias em outrosoutros códices linhas de outras fugas crescendo ou paisagens outras do corpo da mente da alma paisagens novas do espíritocorpo mas em outro qual? ela disse outro O HOMEM VELHO. o fim de algo é também um começo?

   

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O MENINO. você está lá a casa sua minha casa a casa que é dele minha sua vocêeu estou lá aqui ele está você sempre esteve eu sempre aqui na casa lá que é dele minha casa sua nasceu nela cresceu ela cresceu com ele em você neleemmim esta casa onde estamos agora canos dutos tubulações escoam os restos de você detritos restos meus seus restos dele escoam pelos canos intestinos vísceras tubulações da casa o esgoto água encanada saliva e suor e restos e detritos seu ventre OLHE EM VOLTA sala quartos paredes pode ver? ele pode eu posso? infiltrações nas paredes estrias na pele da casa em sua pele minha crescendo como rugas o tempo? eu digo o tempo ele responde e o porão rãs no porão sapos vivem lá vivemmorrem procriam aqui nas poças do porão as ovas girinos se alimentando da umidade que + cresce se expande musgotecido + se espalha é o tempo que passa você diz que cresce ele fala dentro da casa eu respondo a chave? vocêeuele pergunta da casa a chave? mas é só que que não há não há chave só agora você só agora percebe compreende você que não há chave não veio com a casa não chave? não há só agora eu compreende? está trancadoele eu compreendo dentro vocêvocê compreendeu? mesmo?

   

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porque a casa enfim porque a casa finalmente a casa porque é o corpo celacorpo cubículo carne lacrada prisão da pele os órgãos algemas para sempre e para sempre? você pergunta ainda mas você pergunta de dentro como se corpomuro celacubículoroto infiltrações tubos vísceras cárcere testículos veias e um ovário a pele correntes e não há saída possível não há casacelacorpo + o tempo saída? o tempo e a casa e não há ou não havia ou não havia saída do corpo do tempo fuga possível nãonão há saída ou não havia ou não havia fuga do corpo saída possível nãonão não havia fuga saída até agora

   

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A MULHER DE AZUL. o parque é negro daqui um parque todo negro as árvores é porque são escuras as árvores olhando daqui no rio escuro à beira o corpo do peixe no rio escuro tem na boca o gosto da boca no hospital é só impressão? os pés e pernas e doem que as pernas mas sem gritos estão inchadas? gritando também as mãos e os olhos e a cabeça a minha não é engraçado? porque está crescendo ou? está crescendo é só impressão? não é engraçado? por causa da dor é só? a cabeça minha uma impressão? não venta mais não o tumor está dentro lá acordado em silêncio o tumor está a salvo aqui dentro mesmo quando venta nunca dorme o tumor que cresce sempre a salvo na cabeça crescendo em silêncio o tumor trabalha enquanto uma mulher de azul passaatravessa o parque o parque negro como o tumor que cresce sem gritos olhando daqui isso tudo aconteceu ANTES

   

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escuridão

   

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O GRILO FALANTE. farpa pedaço soltosolto uma lasca daquilo solto lascafarpa solta daquilo e agora O MENINO. debaixo embaixo daquela vê? nessa ponte na ponte e debaixo dela lusco fusco reboco que cai ali assim sentadinho na terra os grilos animaizinhos as formigas todas elas uma rã também estes todos animaizinhos capturados aqui embaixo ele na terra sou eu sentadinho ali agora bichos de estimação é para mim meus bichos meus pra estimação é uma rã? duas formigas quatro o grilo aleijado é que falta só uma uma perna é uma só? aleijados comem grama dou pra eles a grama é pedacinhos suficiente não vão morrer de fome é assim? não comigo agora eu dou não é assim? a comida da ponte embaixo cai a água do teto goteiras é pura em gotas caindo são goteira de beber pingando aqui embaixo e nos pés é o rio barulho nos pés correndo devagar acalma sempre desde que dá pra ouvir o barulho é o rio correndosempre mamãe?

   

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é bem de comer peixe eu é tudo bem de comer eles não sentem eles não esses peixes nenhuma não é? os peixes nenhuma dor papai? não é assim? lusco fusco escuta olha olhaolha paimãegrilorã é alguém? alguma coisa um alguém? uma coisa é alguémcoisa EI? alguma coisa está vindo pra cá A MULHER VELHA. se com rurbôtos do espelho + não rostes de purcados por onte vertens em vãos de chão só no alto nada de não + RUR EM PEDAÇOS MAS UNANDO sem temponão mas encarnado em aço carne encarnado um corpo A MULHER DE AZUL. só?

   

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O HOMEM VELHO. casulo ainda A MULHER VELHA. as rostes em ordas conspurcados é metamorfose falanges em corpoquimeras corpo da rã o corpo do sapo a baleiamorcego girinos de larva A MULHER DE AZUL. é de um corpo só que fala? A MULHER VELHA. eu a larva ou elevocê O HOMEM VELHO. ou menino? A MULHER DE AZUL. não A MULHER VELHA. o menino a larva? O MENINO. na ponte aqui A MULHER VELHA. é o menino? O MENINO. na ponte embaixo alguém está vindo coisaalguém

   

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A MULHER VELHA. O MENINO O MENINO. coisaalguém láaqui O HOMEM VELHO. larva ova O MENINO. pra cá? A MULHER DE AZUL. NÃO

( ) O GRILO FALANTE. que nãonão é maldição? não mas graça + benção mentealmaexcrescência a alma? verruga um cancro a mente do corpo porque o tumor cerebral é é é comocomo convite o convitetumor do outro um começo a cabeça? excrescência VERRUGA A MULHER VELHA. eu então sua mãe eu mamãeelaeu ele seu pai papaiali agora aqui

   

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O HOMEM VELHO. o homem velho caminha pelas ruas dentro pelas ruas caminhou mas agora nas de dentro caminha ele vê a mulherdeazul uma mendiga? perguntava ainda vivedorme no parque corroída a mulherdeazul ele vê se corrói por estar ali não no parque mas dentro presa uma prisioneira em seu corpo o próprio presa da doença ela grita corroída por estar dentroprisioneira o homem velho caminha pelas ruas de dentro ao seu lado a mulher velha vê também é a mendiga? ela pergunta e ele repara depois ela sorri a mulher velha vendo também ele repara a mulher velha sorri um sorriso MENINO. EI? A MULHER VELHA. sou eu MENINO. mamãe? A MULHER VELHA. e ela sorri filho? e elaeu sorrindo finalmente enfim sorri agora meu filho o que você vê? MENINO. o menino olha olhaolha e vê

   

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é o amor? no fim? eu vejo mamãe eu o amor mas ouço gritos os gritos da queda antes vejo a fumaça nas torres antes os óculos dos velhos quebrados por botas os velhos mulheres crianças caídas cercadas vejo a doença nas ruas os vidros partidos das vitrines EXPULSOS todos os homens expulsos e vejo o amor no fim toda a sua glória em sua do amor toda perfeita A MULHER VELHA. me dê sua mão feche os seus olhos A MULHER VELHA / O MENINO (acompanhando A MULHER VELHA num sussurro). MOSTRAI-ME SENHOR A VOSSA FACE E O SENHOR RESPONDERÁ EIS A ALIANÇA A GRAÇA A IMAGEM EIS A SEMELHANÇA ENFIM RESTAURADA EIS AQUI A FACE DE DEUS

   

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escuridão

   

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A MULHER DE AZUL. de onde vem a dor? ela grita de onde vem? grita ela sozinha no parque porque não pode perceber compreender ela não nenhum de nós ninguém até agora que a dor não vem da doença não que a doença é o caminho para além da dor e ela grita sem percebercompreender que o tumor é um bebê que pare um corpo sem cabeça O HOMEM VELHO. ele Adão A MULHER VELHA. ela Eva O HOMEM VELHO. este lugar este tempo o paraíso reencontrado redescoberto A MULHER VELHA. construído inventado

entra A AGENTE DA LEI caminha

pára hesita

caminha hesita pára

caminha hesitante para o que vê

   

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A AGENTE DA LEI. Um corredor imundo. Comecei a andar devagar, muito devagar, comecei a me aproximar devagar da porta pesada de madeira que estava aberta, entreaberta, eu podia ver agora. E cada passo era dor porque minha pele estava gelada, porque um frio terrível fazia doer cada osso do meu corpo, cada músculo. Difícil respirar, o coração quase explodindo. Era medo. Era terror. Porque havia alguma coisa atrás da porta. Mas havia também o dever, a Lei, e eu empurrei e empurrei a mim mesma e entrei. E o que havia estava lá. O que estava lá tinha a ver com aço e carne, nervos e motores, expostos. Sangue e óleo, circulando em tubos infinitos. Pedaços acoplados, em cicatrizes, ligados uns aos outros, os pedaços, costurados, nascendo, brotando uns dos outros, glândulas e metal, músculos, tendões, circuitos. Mas não uma cabeça, não, cabeça não, nenhum rosto, só partes. De um corpo. Uma criança? E os tubos, os fios, e o sangue, espécie de sangue, negro, sangue negro, óleo e sangue, circulando nos tubos, pelos canos, misturados em dutos. E o que estava lá, aqui, diante de mim, à frente, tinha a ver com imortalidade também. E sexo. Orgasmos? Não – sexo. Eternamente. É um menino? O GRILO FALANTE. efeito fantasma perder um membro braço perna língua sentir o membro mesmo depois de perdido e se você sente o pedaço então o pedaço perdido decepado separado então o pedaço a parte também SENTE VOCÊ A AGENTE DA LEI. Uma máquina? A MULHER DE AZUL. porque não era o corpo a prisão o corpo? não a prisão era a alma ela compreende finalmente antes de morrer e o tumor um bebê ela compreende um instante antes de morrer parindo o corpo novo sem cabeça

   

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A MULHER VELHA. o corpo em corpo hibridado três dias em fim glorioso o corpoanfíbio surgindo do mar eterno sobe à terra desce dos céus espíritoemcorpo encarnado glorioso A AGENTE DA LEI. O que era aquilo?, ela se perguntou ainda, antes de deixar de ser, para sempre, quem ela foi um dia. Aquilo, isto, o que é? O QUE? O GRILO FALANTE. no princípio do princípio é o que eu sou agora O HOMEM VELHO. tantas mortes para uma única vida plena em eternidade tantos cadáveres para um único último corpo A MULHER VELHA. ressuscitado glorioso

cai de joelhos A AGENTE DA LEI A AGENTE DA LEI. meu amor

   

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escuridão

   

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fim