a revista brazsdileira, 1880, t. 5

Upload: jeanne

Post on 07-Jul-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    1/127

    >irJu\ih\̂ ,m }\m*u? -*¦

    * ¦ - ¦—^

    I

    «¦ -

    te'.''

    ->

    *S v

    /-

    e à

    -

    /

    " * *

    V.Jr '

    .. .

    ; _ ; «

    STA

    -'-.«

    ¦

    B R

    A

    Z

    HE

    í̂..**

    jT'

    ¦

    •»-

    IR A

    v«*1 '¦:;

    i'-V

    . - ' >

    •¦

    rs :

    v;¦

    ¦¦ ¦¦

    ,*.*.

     .

    *-*

    '.*

    «*j'

    . .

    T O M O

    V

    I ; fj

     -*.•::.*

     

    .

     

    '

    "

    ¦

    • l

     

    DE

    JULHO

    DE:

    1880

    * V -

    •9'

    RIO

    DE

    JAKEIRO

    ' . ¦ ¦ ¦ - , ¦

    1 U I I D 0 S I ,

    E d i t o r

    ,

    E SCR IPTOR IO

    D A

    R E V I S T A

    BRAZILEIRA

    H ü a

    d e

    Gonçalves

    Dias

    47

    M D C C G

    L X X X

    V..'

    J

    .-

    <

    PSBiJSPWf

    .>

    ¦

    W:

    "

    -%&$

    t¥í.

    ,;*»

    ^géí

    1

    *c

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    2/127

    j0

    â

    :X* '

    . ^ * '

    «h"*"

    _^^"

    S U M M A R 1 0

    it-

    I .—

    M e m ó r i a s

    posthumas

    d e

    Braz

    Cubas

    (Continuação),

    por

    Machado

    cie

    Assis.

    II .—

    Orthographia

    d a

    Língua

    Portugüeza,

    pelo

    Visconde

    Araguaya.

    I I I .—

    0 naturalismo,,

    por

    Urbano

    Duarte.

    IV._

    Tu só,

    T U ,

    P U R O

    AMOR....,

    por

    Machado

    de

    Assis.

    V . —

    A

    collocàçãO

    D O S

    P R O N O M E S ,

    por

    Artliur

    Barreiros,

    Y I . —

    Cornelio

    Tácito,

    por

    Eunapio

    Deiró.

    yil._

    Notas

    Bibliographigas^

    por

    FVanlilin

    Tavora,

    u

    V I U . —

    D i ver sas

    publicações.

     

    i

    1 1

    ::

     

    'a^ í̂

    EXLIBRIS

    ¦̂ ¦>-v:.̂ r̂ î̂ |MW Ĵ

    ^S^&^^^^y;i^'Pv^^^^A

    c

    wwwbüsjvra//

    i

    L

    Pr

    IKl

    Vi

    PORTO

    v

    C-.S-C-̂ /̂ T -̂̂ B

    L

    < fí

    i

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    3/127

    :*:

    ¦

     

    t'~

    yffft+.d

    O

    f r

     

    i

    ü ;"

    *

    ••

    K

    >*

    ;*.

    I

    1

    1

    I

    v*

    R E V I S T A

    B R A Z I L E I R A

    •*-•

    SE GU ND O

    Á N N O

    ,; s

    i*

    . 4 . »

    I:

    T o m o

    V.~

    I.o

    d e

    julho,

    1880.

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    4/127

     

    1 & f l 0*Ê m0*i m*tm> 0é i m»**+ mm

    m

    mmi

    MMAAMHWâ MnMMMMMWWMWMm

    Rio

    d e

    Janeiro

    —Ty po g ra ph ia

    Nac iona l

    —1880*

     

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    5/127

    R E V I S T A

    B R A Z I L E I R A

    S E G U N D O

    ANNO

    T O M O

    V

    RIO

    I>E

    JAJtfEIHO

    N .

    M I D O S I ,

    E d i t o r

    ESCRIPTORIO

    DA

    R E VI S TA

    B RAZ IL EIRA

    Rüa

    d e

    Go nçal v es

    Dias

    47

    M

    D C C C

    LXXX

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    6/127

    M E M Ó R I A S

    P O S T H U M A S

    D E

    B R A Z

    C UB AS

    CAPITULO

    XLIV

    M A R Q U E Z A ,

    P O R Q U E

    Éü

    S E R E I

    M A È Ç Í Ü E Z

    •ff-

    ,'

    V,

    -,.í -jíjíi

    OUB

    & *4

    Positivam^^

    iera

    um diabre te

    :VtegiMa,

    um

    diabrete^ng^U^v

    s e

    querem,

    mas

    e ra - oye

    então,,

    é

    E entap

    - $ 9 p % Ç j ^ g f t

    o

    Lobo

    Neves,

    um

    homem

    q ue

    não

    e ramais

    esbçlto d o

    que

    eu,

    nem

    mais

    elegante,

    ne m

    mais

    lido,

    nem

    mais

    sympathico,

    e

    todavia

    f o i

    quem

    me

    ar rebatou Virg i l i a

    e

    a

    candidatura ,

    dentro

    d e

    poucas

    semanas,

    c o m

    um

    Ímpeto

    v e r d a d e i r a m e n t e

    c e s a -

    riano.

    Não

    precedeu

    nenhum

    despeito;

    não

    houve

    a

    menor

    violência

    d e

    família.

    O

    Dutra

    veiu

    dizerr-me,

    um

    dia,

    que

    esperasse

    outra

    a r a ge m ,

    porque

    a

    candi-

    d atura

    d e Lobo

    Neves

    era

    apoiada

    por grandes

    influen-

    cias.

    Cedi;

    e

    tal

    f o i

    o

    começo

    d a

    minha

    der ro ta . U ma

    semana

    depois,

    Virgi l ia

    perguntou

    a o

    Lobo

    Neves,

    a

    sorrir ,

    quando

    seria

    elle

    ministro .

    Pela

    minha

    vontade,

    ;

    pela

    d o s

    outros, d a q u i

    a

    um

    anno.

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    7/127

     

    REVISTA

    B R A Z I L E I R A

    Virgi l ia

    rep l icou:

      Promette

    que

    algum d i a

    m e fará

    baroneza

    ?

     

    Marqueza,

    porque

    e u

    serei

    marquez .

    D e s d e

    então

    f i q u e i

    perdido.

    Virgil ia

    comparou

    a

    águia

    e

    o

    pavão,

    e

    elegeu

    a águia ,

    deixando

    o

    pavão

    c o m

    o

    s e u

    espanto,

    o

    s e u

    despeito,

    e

    três

    o u

    quatro

    beijos

    que

    lhe dera.

    Talvez

    c i n c o

    beijos;

    m a s

    d e z

    que

    fossem

    n ã o

    queria

    dizer

    cousa

    nenhuma.

    O

    lábio

    do

    homm

    n ã o é

    c o m o a

    pata

    d o cavallo

    d e

    Àttila,

    que

    esterilisava

    o s o l o

    e m

    q u e

    batia; ó

    justamente

    o

    con-

    trario.

    CAPITULO

    X L V

    U M

    C U B A S

    M e u

    p a e

    f i c o u

    attonito

    c o m

    o

    desenlace,

    e

    quer-me

    parecer

    que

    r i â ò

    morreu

    d e

    outra

    cousa. Eram

    tantos

    o s castellos

    que

    engenhara,

    tantos

    e

    tantissimos

    os

    sonhos,

    que

    não

    podia

    vel-os

    assim

    esboroados,

    sem

    padecer

    um

    forte

    abalo

    n o

    organismo.

    A

    principio

    n ã o

    quiz

    crel-o.

    U m

    Cubas

    u m

    galho

    d a

    arvore

    illus-

    tre

    d o s

    Cubas

    E

    dizia

    i s t o

    c o m

    tal

    convicção,

    que

    e u,

    então

    informado

    d a

    nossa

    tanoaria,

    esqueci

    u m

    ins-

    tante

    a

    volúvel

    dama,

    para

    s ó

    contemplar

    aquelle

    phe-

    nomeno,

    n ã o

    raro,

    m a s

    curioso:

    uma

    imaginação

    gra-

    duada

    em

    consciência.

    U m

    Cubas

    repetia-me

    e l l e

    n a

    seguinte

    m a n h ã ,

    a o

    almoço.

    N ã o

    f o i

    alegre

    o

    almoço;

    e u

    próprio

    estava

    a

    ca i r

    d e

    somno.

    Tinha

    velado

    uma

    parte

    d a

    noite.

    D e

    amor

    *

    Era

    impossível;

    n ã o

    s e

    ama

    duas

    vezes

    a

    mesma

    mulher , e

    e u , q u e

    tinha

    d e

    amar

    aquella,

    tempos

    depois,

    n ã o

    l h e

    estava

    agora

    preso

    p o r

    nenhum

    outro

    vinculo,

    além

    d e

    uma

    phantasia

    passageira ,

    a lguma

    obediência

    e

    muita

    fatuidade.

    E

    i s t o

    basta

    a

    e x p l i c a r

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    8/127

    M E M Ó R I A S

    P O S T H U M A S

    a

    vigília;

    era

    despeito,

    um

    despeitosinho

    agudo

    como

    ponta

    d e

    alfinete,

    o

    qual

    s e

    desfez,

    c o m

    charutos,

    murros,

    le i turas

    t runcadas ,

    até

    romper

    a

    aurora ,

    a

    mais

    tranquil la

    das

    auroras.

    M a s

    e u era

    moço,

    t inha

    o

    remédio

    e m

    mim

    m e sm o .

    Meu

    paeéquenâo

    pôds

    suppor ta r

    facilmente

    a

    pan-

    cada.

    Pensando

    bem,

    pode

    ser

    que

    não

    morresse

    pre-

    cisamente

    d o

    desas t re ;

    mas

    que

    o

    desas t re

    lhe

    c o m -

    plicou

    a s

    ultimas

    dores ,

    é

    positivo.

    Mo r r e u

    d a h i

    a

    quatro

    m e z e s , — a c a b r u n h a d o ,

    triste,

    c o m

    um a

    preoccupação

    intensa

    e

    continua,

    á

    semelhança

    d e

    remorso,

    um

    desencanto

    mortal ,

    que

    lhe

    substituiu

    o s

    rheumat ismos

    e

    tosses.

    Teve

    ainda

    uma

    meia

    hora

    d e

    a l egr ia ;

    f o i

    quando

    um

    d o s

    ministros

    o

    visitou.

    Vi-lhe,—lembra-me

    bem,—vi-lhe

    o

    grato

    sorr iso

    d e

    outro

    tempo,

    e

    n o s

    olhos

    uma

    concentração

    d e

    luz,

    que

    era ,

    por

    assim

    dizer ,

    o

    ultimo

    lampejo

    da

    alma

    expirante .

    M a s

    a

    tr isteza

    tornou

    logo,

    a tristeza

    d e

    morrer

    s e m

    m e

    ver

    posto

    e m

    algum logar

    alto,

    como

    aliás

    m e

    c a bia .

      U m

    Cubas

    Mo r r e u

    alguns

    dias

    depois

    d a

    visita

    d o

    ministro ,

    uma

    manhã

    d e

    maio,

    entre

    o s

    dois

    filhos,

    Sabina

    e

    eu,

    e

    mais

    o

    t i o

    Ildefonso

    e

    meu

    cunhado.

    M o r r e u

    s e m

    lhe

    poder

    valer

    a

    sciencia

    d o s

    médicos,

    nem

    o

    nosso

    amor,

    nem

    o s

    cuidados ,

    que

    foram

    muitos,

    ne m

    cousa

    nenhuma;

    t inha

    d e

    morrer ,

    morreu.

      U m

    Cubas

    CA11TULO

    XI / V1

    XOTAS

    Soluços,

    l agr imas ,

    casa

    ar mad a ,

    velludo

    prelo

    no s

    portaes ,um

    homem

    que

    veiu

    vestir

    o

    cadáver ,

    outro

    que

    tomou

    a

    medida

    d o

    caixão,

    caixão,

    eça,

    to c he i ro s ,

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    9/127

    \

     REVISTA

    B R A Z I L E I R A

    convites,

    convidados

    que

    entravam, lentamente ,

    a

    passo

    surdo,

    e

    aper tavam

    a mão

    á

    família,

    alguns

    t r istes ,

    todos

    sérios

    e calados ,

    padre

    e .sacr i s t ão ,

    rezas,

    aspersões

    d 'agua

    benta, o fechar

    d o

    ca ixão ,

    a

    prego e

    martel lo ,

    s e i s

    pessoas

    que

    o

    tomam

    d a

    eça,

    e

    o

    le-

    vantam,

    e o

    descem

    a

    custo

    pela

    escada ,

    n ã o

    obstante

    o s

    gritos,

    soluços

    e

    novas

    lag r imas

    d a

    familia,

    e

    vã o

    até

    o

    coche

    fúnebre ,

    e

    o collocam

    e m

    cima,

    e

    traspassam

    e

    aper tam

    a s

    corrêas ,

    o roda r

    d o

    coche,

    o r o d a r

    d os

    carros ,

    um

    a

    um....

    Isto

    que

    parece

    um

    simples

    in-

    ventar io ,

    eram

    notas

    que

    e u

    havia

    tomado

    p a r a

    um

    capitulo

    e x t r e m a m e n t e

    succulento,

    e m

    que

    provava

    que

    a . t e r ra

    deve

    continuar

    a

    gi ra r

    e m

    volta

    d o

    sol;

    p o rqu an to :—

    a )

    a natureza

    não

    inventou

    a

    m o r t e ,

    senão

    com

    o

    f i m

    d e

    dar

    vida

    a

    algumas

    industrias,

    a r m a d o r e s ,

    segeiros ,

    emprezas

    funerá r ias ,

    typo-

    g r a ph i a s ,

    e

    outras

    que

    ella

    sagazmente

    previu

    ;

    b)

    mortas

    essas

    industr ias ,

    pela

    ausência

    d a

    morte

    hu-

    mana,

    não

    é

    improvável

    que

    viessem

    a

    m or r e r

    os

    respect ivos

    industr iaes ; .

    o

    que

    dava

    na

    mesma.

    M a s

    tudo

    isto

    s ã o

    apenas

    notas

    d e

    um

    capitulo,

    que

    nã o

    e scr e vo .

    CAPITULO

    XLVII

    A

    H E R A N Ç A

    y,

    ¦ •

    Ve j a - n o s

    agora

    o

    leitor ,

    oito

    dias

    depois

    d a

    m o rte

    d e meu

    pae,

    minha

    i rmã

    sentada

    n'um

    sophá

    pouco

    ad iante ,

    o

    Cotrim,

    d e

    pé,

    encostado

    a

    um

    consolo,

    com

    o s

    braços

    cruzados

    e

    a

    m o rd e r

    o

    b i g od e

    -

    e u

    a

    passeiar

    d e

    um

    lado

    para

    outro ,

    c o m

    o s

    ol h os

    no

    chão.

    Luto

    pezado.

    Profundo

    silencio

    -

    Mas

    afinal,

    disseo

    Cotrim;

    esta casa

    pouco

    m ais

    pôde

    valer

    d e

    trinta

    contos

    ;

    demos

    que

    valha

    tr inta

    e

    cinco...

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    10/127

    M E M Ó R I A S

    POSTHUMAS

     

    9

     

    Vale

    cincoenta,

    pon d e r e i ;

    a

    Sabina

    sabe

    que

    custou

    cincoenta e

    oito.

    ..

      Podia

    custar

    até

    sessenta ,

    tornou

    o

    Cotrim

    ;

    m a s

    não

    s e

    segue

    que

    o s

    valesse,

    e

    menos

    ainda

    que

    os

    valha

    hoje.

    Você

    sabe

    que

    a s casas,

    aqui

    ha annos,

    bai*

    x a r a m

    muito.

    Olhe,

    s < ?

    esta

    vale

    o s cincoenta

    contos ,

    quantos

    não vale

    a

    que

    você

    dese ja

    para

    s i , a

    d o

    Campo?

      Não

    fale nisso

    U ma

    casa velha.

     

    V e l h a

    ex c l a m o u

    Sabina,

    levantando

    a s

    m ã o s

    aotecto.

      Parece-lhe

    nova,

    aposto

    ?

     

    Ora,

    mano,

    d e i x e- s e

    dessas

    cousas,

    disse

    Sabina ,

    erguendo-se

    d o

    s o p h á ;

    podemos

    arranjar

    tudo

    e m

    bo a

    amizade ,

    e

    com

    l isura.

    Por

    exemplo ,

    o Cotrim

    nã o

    acei ta

    o s

    pretos,

    quer

    s ó o

    boleeiro

    d e

    pa$ae

    e o

    Paulo...

     

    O

    boleeiro

    não,

    acudi

    e u

    ;

    f i c o

    com

    a

    sege

    e

    nã o

    hei

    d e

    i r

    comprar

    outro.

      B e m

    ;

    f i c o

    com

    o

    Paulo

    e o

    Prudencio.

     

    O

    Prudencio

    está

    livre.

      Livre?

      H a

    dois

    annos .

      Livre?

    Como

    seu

    pae

    arranjava

    estas cousas

    por

    casa,

    s e m

    dar

    par te

    a

    ninguém

    Está direito.

    Quanto

    á

    prata...

    creio

    que

    não

    l ibertou

    a

    prata

    ?

    Tínhamos

    falado

    na

    pra ta ,

    a

    velha

    p ra ta r i a

    d o

    tempo

    d e

    D . José

    I ,

    a

    porção

    mais

    grave

    c i a

    herança,

    j á

    pelo

    lavor ,

    pela

    vetustez,

    pela

    origem

    d a

    p r o p r i e d a d e ;

    dizia

    meu

    pae

    que

    o conde

    da

    C u n ha ,

    quando

    vice-rei

    d o

    Brazil ,

    a dera

    d e

    presente

    a

    m e u

    bisavô

    Luiz

    Cubas .

      Quanto

    á

    prata ,

    continuou

    o

    Cotrim,

    e u

    não

    faria

    questão

    nenhuma,

    s e

    não fosse

    o

    dese jo

    que

    sua

    irmã

    tem d e

    ficar

    com

    elía;

    e

    acho- lhe razão .

    Sabina

    è

    casada ,

    e

    precisa

    d e

    uma

    copa

    digna ,

    apresentavel.

    Você

    é solteiro,

    não

    recebe ,

    não...

      M a s

    posso

    casar.

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    11/127

    10

     

    REVISTA

    B R A Z I L E I R A

    - 1 —

    Para

    que?

    interrompeu

    Sabina.

    Era

    tão

    sublime

    esta

    pergunta,

    que

    por

    alguns

    instantes

    m e

    f e z esquecer

    o s interesses.

    Sorri ;

    p e g u e i

    n a

    m ã o

    d e

    Sabina, bati-lhe

    levemente

    n a

    palma,

    tudo

    i s s o

    c o m

    tão

    b o a

    sombra,

    que

    o

    Cotrim

    interpretou

    o

    gesto

    como

    d e

    acquiescencia,

    e

    agradeceu-mV>.

      Q u e

    é

    lá?

    r e d a r g u i ;

    n ã o

    c e d i

    cousa

    n en huma,

    nem

    c e d o .

      N e m

    c e d e ?

    Abanei

    a

    cabeça.

      D e i x a ,

    Cotrim,

    disse

    minha

    i rmã

    a o

    marido;

    v ê

    se

    elle

    quer

    ficar

    também

    c o m

    a

    nossa

    roupa

    d o

    c o r p o ;

    ê

    s ó

    o

    que

    falta.

     

    N ã o

    falta

    mais

    nada.

    Quer

    a

    sege,

    quer

    o

    bo -

    leeiro,

    quer

    a

    prata ,

    quer

    tudo.

    Olhe,

    é

    muito

    mais

    summario

    citar-nos

    a

    juizo

    e

    provar

    c o m

    t e s tem unha s

    que

    Sabina

    não

    é

    sua

    irmã,

    que

    e u

    n ã o

    sou

    seu

    eu-

    nhado,

    e

    que

    Deus

    n ã o

    é

    Deus.

    Faça

    isto,

    e

    não

    p e r d e

    nada,

    nem

    uma

    colher inha.

    Ora,

    meu

    amiiro,

    outro

    o f f i c i o

    Estava

    tão

    agastado,

    e

    e u

    não

    menos,

    que

    entendi

    offerecer

    um

    meio

    d e

    conciliação;

    dividir

    a

    prata.

    Riu-S3

    e

    perguntou-me

    a

    quem

    caberia

    o

    bule

    e

    a

    quem

    o assucareiro

    ;

    e

    depois

    desta

    pergunta ,

    declarou

    que

    teríamos

    tempo

    d e

    l iquidar

    a

    pretenção,

    quando

    menos

    e m

    juizo.

    Entretanto,

    Sabina

    fôra

    até

    á

    janel la

    que

    dava

    para

    a

    c h á c a r a , — e

    depois

    d e

    um

    instante,

    voltou,

    e

    propoz

    ceder

    o Paulo

    e

    outro

    preto,

    c o m

    a

    condição

    d e

    ficar

    c o m

    a

    prata;

    e u

    i a

    dizer

    que

    não

    me

    convinha,

    mas

    o Cotrim

    adiantou-se

    e

    disse

    a

    mesma

    c o usa .

    —Isso

    nunca

    n ã o

    faço

    esmolas

    disse

    e l le .

    Jantámos

    tristes.

    Meu

    t i o

    conego

    appareceu

    á

    so-

    bremeza,

    e

    ainda

    presenciou

    uma

    pequena

    a l t e r c a c ã o

    — Meus filhos,

    disse

    elle,

    lembrem-se

    que

    meu'ir-

    mão deixou

    ura

    p ã o

    b e m

    grande

    para

    ser

    r e p a r t i d o

    por

    todos .

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    12/127

    M E M Ó R I A S

    P O S T H U M A S

    1 1

    M a s

    o Cotrim:

    Creio,

    creio.

    A

    questão ,

    porem,

    não

    é d e

    pão,

    é

    d e

    manteiga.

    Pão

    secco

    é

    que

    e u

    não

    engulo.

    Fizeram-se

    finalmente

    a s

    par t i lhas ,

    mas

    nós

    es ta-

    vamos

    brigados.

    E

    d ig o- lhes

    que,

    ainda

    assim,

    eus-

    tou-me

    muito

    a

    brigar

    com

    Sabina.

    Éramos

    tão

    ami-

    g o s

    Jogos

    pueris ,

    fúr ias

    d e

    criança,

    risos

    e

    tris-

    tezas

    d a

    edade

    ad ul ta ,

    dividimos

    muita

    v e z

    esse

    p ã o

    d a

    alegria

    e

    d a

    misér ia ,

    i rmãmente ,

    como

    bons

    i rmãos

    que

    éramos.

    Mas

    estávamos

    brigados .

    T a l

    qual

    a

    belleza

    d e

    Mar ce l l a ,

    que

    s e

    esvaiu

    c o m

    a s

    be -

    x i g a s .

    CAPITULO

    X L V I I 1

    O

    R E C L U S O

    Marce l la , Sabina,

    Virgilia...

    ahi

    estou

    e u

    a

    fun-

    dir

    todos

    o s contrastes,

    como

    s e

    essas

    nomes

    e

    pe ssoas

    não

    fossem

    mais

    d o

    que

    modos

    d e

    ser

    d a

    minha

    affei-

    ç ã o

    interior.

    Penna

    d e

    maus

    costumes,

    ata

    uma

    g r a -

    vataaoteuestylo,

    ves te - l he

    um

    collete

    menos

    sórdido

    ;

    e

    depois

    sim,

    depois

    vem

    commigo,

    entra

    nessa

    casa,

    es t i ra- te

    nessa

    r ede

    que

    m e

    embalou

    a

    melhor

    parte

    dosannos

    que

    d e c o r r e r a m

    desde

    o

    inventario

    d e

    m e u

    pae

    até

    1842.

    V e m ;

    s e

    te

    che i rar

    a

    algum

    aroma

    d e

    toucador,

    não

    cuides

    que

    o

    mandei

    d e r r a m a r

    para

    meu

    regalo;

    é

    um

    vestigio

    d a

    N .

    o u

    d a

    Z .

    o u

    da U .

    que

    todas

    essas

    le t t rãs

    maiúsculas

    embalaram

    ahi

    a sua

    elegante

    abjecção.

    Mas,

    s e

    além

    d o

    aroma,

    quizeres

    outra

    cousa,

    fica-te

    c o m

    o

    desejo,

    p o r -

    que

    e u

    n ã o

    guarde i

    re t ra tos ,

    nem

    cartas ,

    nem

    memo-

    r ias;

    a

    mesma

    commoção

    esvaiu-se,

    e

    s ó

    m e

    f icaram

    a s

    lettras

    iniciaes .

    Vivi

    meio

    recluso,

    indo

    d e longe

    e m

    longe

    a

    ai-

    írum

    baile,

    o u

    thea t ro ,

    o u

    palestra ,

    mas

    a

    mór

    parte

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    13/127

    12

    R E V I S T A

    B R A Z I L E I R A

    d o

    tempo

    passei-a

    commigo

    mesmo.

    Vivia;

    d e i x a v a -

    m e

    i r

    a o

    curso

    e

    recurso

    d o s

    successos

    e

    dos

    d i a s ,

    ora

    belicoso,

    ora

    apathico,

    entre

    a ambição

    e o

    d e s a -

    nimo.

    Escrevia

    política

    e

    fazia

    l i t teratura.

    M a n d a v a

    artigos

    e

    versos

    para

    a s

    folhas

    publicas,

    e

    c h e g u e i

    a alcançar

    certa

    reputação

    d e

    polemista

    e

    d e

    p o e t a .

    Quando

    m e

    lembrava

    d o

    Lobo

    Neves,

    que

    era

    de-

    putado,

    e

    d e

    Virgi l ia ,

    futura

    marqueza ,

    pergun-

    tava

    a

    mim

    mesmo

    porque

    não

    seria

    melhor

    d e p u t a d o

    e

    melhor

    marquez

    d o

    que

    o

    L o b o

    N e v e s , — e u ,

    que

    valia

    mais,

    muito

    mais

    d o

    q u e

    elle,—

    e

    dizia

    isto

    a

    olhar

    para

    a

    ponta

    d o

    nariz...

    CAPITULO

    XLIX

    U M

    P R I M O

    D E

    V I R G I L I A

    Sabe

    quem

    chegou

    hontem

    d e

    S.Paulo?

    p e r g u n-

    tou-me

    uma

    noite

    o

    Luiz

    Dutra.

    O

    Luiz

    Dutra

    era

    um

    primo

    d e

    Virgi l ia ,

    que

    também

    privava

    c o m

    a s

    musas.

    O s

    versos

    delle

    a g r a d a v a m

    e

    valiam

    mais

    d o

    que

    o s

    meus;

    mas

    elle

    tinha

    necess idade

    d a

    saneção

    d e

    alguns,

    que

    l h e

    confirmasse

    o

    ap-

    plauso

    d o s

    outros.

    Como

    fosse

    acanhado ,

    não

    interro-

    gava

    a

    ninguém;

    mas

    deleitava-se

    c o m

    ouvir

    alguma

    palavra

    d e

    apreço

    ;

    então

    criava

    novas

    forças

    e

    arre-

    mett ía juvenümente

    a o

    trabalho.

    Pobre

    Luiz

    Dutra

    Apenas

    publicava

    a lguma

    cousa

    corna

    á

    mmha

    casa,

    e

    entrava

    a

    girar

    e m

    volta

    d e

    mim

    á

    espreita

    d e

    um

    juizo,

    d e

    uma

    palavra ,

    d e

    um

    gesto'

    q u e l he a p p r o v a sse

    a

    recente

    producção,

    e

    e u

    fa lava- lhê

    d e

    mil

    cousas

    di lTerentes , -do

    ultimo

    baile

    d o

    Catte te

    d a

    discussão

    das

    câmaras,

    d e

    berlindas

    e

    cavallos

    -dé

    tudo,

    menos

    d o s

    seus

    versos

    o u

    prosas.

    Elle

    r espondia-

    m e ,

    a

    pmcpio

    c o m

    animação,

    depois

    mais

    frouxo,

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    14/127

    M E M Ó R I A S

    POSTHÜMAS  13

    a

    r é d e a d a conversa

    para

    o

    seu

    assumpto

    delle ,

    abria

    um

    livro,

    perguntava-me

    s e

    t inha

    algum

    t r aba lho

    novo

    e

    e u

    dizia-lhe

    que

    sim o u

    que

    não, mas

    torcia

    a

    rédea

    para

    o outro

    lado,

    e

    l á i a elle atraz d e

    mim,

    até

    que

    e m p ac av a

    d e

    todo

    e saía

    triste.

    M i nha

    intenção

    era

    fazel-o

    du v ida r

    d e

    s i mesAo,

    desanimal-o,

    eliminal-o.

    E

    tudo

    isto

    a

    olhar

    para

    a

    ponta

    d o

    nariz...

    C A P I T U L O

    L

    A

    P O N T A

    D O

    NARIZ

    Nariz ,

    consciência

    sem

    remorsos ,

    tu m e

    valeste

    muito

    na

    vida...

    medi tas te

    a lgum a

    vez n o

    des t ino

    d o

    nariz , amado

    leitor

    ?

    A

    expl icação

    d o

    doutor

    Pangloss

    é

    que

    o

    nariz

    f o i

    creado

    para

    uso

    d o s

    óculos ,—

    e

    tal

    expl icação

    confesso

    que

    até

    certo

    t em p o

    m e

    pareceu

    definitiva;

    mas

    veiu

    um

    dia,

    e m

    q u e ,

    estando

    a ruminar

    esse

    e outros

    pontos

    obscuros

    d e

    phi losophia ,

    atinei

    com

    a única, v e r d a d e i r a

    e

    definit iva

    ex p l icaç ão .

    *

    Com

    effeito,

    bastou-me attentar

    n o

    costume

    d o

    fakir.

    Sabe

    o

    lei tor

    que

    o

    fakir

    gas ta

    longas

    ho r a s

    a

    olhar

    para

    a

    ponta

    d o

    nariz,

    com

    o

    f i m

    único d e

    ver

    a luz

    celeste .

    Quando

    elle finca o s olhos

    na

    ponta

    d o

    nariz,

    perde

    o

    sentimento

    das

    cousas

    externas ,

    embel leza-se

    n o

    invisivel,

    a p p r e he n de

    o

    impalpavel ,

    desvincula-se

    d a

    terra,

    dissolve-se,

    ether isa-se .

    Essa

    sublimação

    d o

    ser

    pela

    ponta

    d o

    nariz

    é

    o

    phenomeno

    mais

    excelso

    d o

    espiri to;

    e

    a faculdade

    d e

    a obter

    não

    per tence

    a o

    fakir

    somente;

    é

    universal.

    Cada

    homem tem neces-

    s idade

    e

    poder

    d e

    contemplar

    o seu

    próprio

    nariz,

    para

    o

    f i m

    d e

    ver

    a luz

    celeste ;

    e

    tal

    c on te m pl a ção ,

    cujo

    effeito

    é a subordinação

    d o

    universo

    a um

    nariz

    somente,

    const ituo

    o

    equi l ibrio

    das

    sociedades.

    S e

    o s

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    15/127

    14 REVISTA

    B R A Z I L E I R A

    narizes

    s e

    contemplassem

    exclusivamente

    uns

    a os

    outros,

    o gênero

    humano

    n ã o

    chegar ia

    a

    durar

    dois

    séculos :

    extinguia-se

    c o m

    a s

    primeiras

    tribus.

    Ouço

    daqui

    uma

    objecção

    d o

    leitor

    :

    —Como

    pode

    ser

    assim, d i z

    elle,

    s e nunca

    jamais

    ninguém

    n ã o

    viu

    es tarem

    o s homens

    a

    contemplar

    o

    s e u

    próprio

    nariz

    ?

    Leitor

    obtuso,

    i s s o

    prova

    que

    nunca

    entraste

    no

    cérebro

    d e

    um

    chapeleiro.

    U m

    chapeleiro

    passa

     

    ^

    por

    uma

    loja

    d e

    chapéus ;

    é

    a

    loja

    d e

    um

    rival,

    que

    a

    abriu

    h a

    dois

    ánnos;

    tinha

    então

    duas

    por-

    tas,

    hoje

    tem

    quat ro ;

    promette

    ter

    s e i s

    e

    oito.

    Nas

    vidraças

    ostentam-se

    o s

    chapéus

    d o

    rival;

    p e l a s

    portas

    entram o s freguezes

    d o

    rival

    ;

    e o

    c h a p e -

    leiro

    compara

    aquella loja

    c o m

    a

    sua ,

    que

    é

    mais antiga

    e

    tem

    s ó duas

    portas ,

    e

    aquelles

    cha-

    peus

    com

    o s

    seus,

    menos

    buscados,

    ainda

    que

    d e

    egual

    preço.

    Mort if ica-se

    natura lmente;

    mas

    va e

    andando,

    concentrado,

    c o m o s

    olhos

    para

    baixo

    o u

    para

    a

    frente,

    a

    indagar

    a s

    causas

    d a

    p r o s p e r i d a d e

    d o

    outro e

    d o seu

    próprio

    atrazo,

    quando

    elle

    cha-

    pele i ro

    é

    muito

    melhor

    chapeleiro d o

    que

    o outro

    chapele i ro . . . Nesse instante

    é q u e

    o s

    olhos

    s e

    f ixam

    n a

    ponta

    d o

    nariz.

    A conclusão,

    portanto,

    é

    que

    ha

    duas

    forças

    ca-

    pi taes :

    o amor,

    que

    multiplica

    a

    espécie, e

    o

    nariz ,

    que

    a

    subordina

    a o individuo.

    Procreação ,

    equil íbr io .

    ''

      J

     

    C AP I TU L O LI

    V I R G I L I A

    C ASADA

    — -

    Quem

    chegou

    d e

    S .

    Paulo

    f o i

    minha

    pr ima

    Virg i l i a ,

    casada

    c o m

    o Lobo

    Neves,

    continuou

    o

    Luiz

    Dutra.

      Ah

    t

     

    E

    s ó

    hoje

    é

    que

    e u

    soube

    uma

    cousa,

    se u

    m a g a n a o

     

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    16/127

    M E M Ó R I A S

    POSTHUMAS  15

     

    Que

    foi?

     

    Que

    você

    quiz

    casar

    c o m

    ella.

     

    I d é a s d e m e u

    pae.

    Quem

    lhe

    disse i s s o

    ?

      Ella

    mesma.

    Falei- lhe

    muito

    e m

    você,

    e

    ella

    então

    contou-me

    tudo.

    N o

    dia

    seguinte,

    estando

    n a

    rua

    d o

    Ouvidor, á

    porta

    d a

    typographia

    d o

    Plancher ,

    v i assomar ,

    a

    dis-

    tancia,

    uma

    mulher

    esplendida .

    Era

    ella; s ó

    a

    r e c o -

    íiheci

    a

    poucos

    passos,

    tão

    outra

    estava,

    a

    tal

    ponto

    a

    natureza

    e

    a

    arte

    lhe

    haviam

    dado

    o

    ultimo

    apuro.

    Corte-

    j ámo-nos

    ;

    ella

    seguiu

    ;

    entrou

    c o m

    o marido

    n a car-

    ruagera ,

    que

    o s

    esperava

    u m

    pouco

    acima;

    e u

    fiquei

    attonito.

    Oito

    dias

    depois,

    encontrei-a

    n'um

    baile;

    creio

    que

    chegámos

    a

    t rocar

    duas

    o u três

    palavras .

    M a s

    n'outro

    baile,

    dado

    dahi

    a

    um

    mez,

    e m

    casa

    d e

    uma

    s e n h o r a ,

    que

    ornara

    o s salões

    d o

    primeiro

    re inado,

    e não

    d e s -

    ornava

    então

    o s

    d o

    segundo,

    a

    aproximação

    fo i

    maior

    e mais

    longa,

    porque

    conversámos

    e

    valsámos.

    A

    valsa

    é

    uma

    deliciosa

    cousa.

    V als ámos ;

    e não nego

    que,

    a o

    conchegar

    a o

    meu

    corpo

    aquelle

    corpo

    flexível

    e

    magnífico,

    tive

    uma

    singular

    sensação,

    uma

    sen-

    sação

    d e

    homem

    r o u b a d o .

      Está

    muito

    calor,

    disse

    ella,

    logo

    que

    a c a b a -

    mos.

    Va mos

    a o

    terraço

    ?

     

    Não;

    pode

    constipar-se .

    Vamos

    a outra sala.

    N a

    outra

    sala

    estava

    o

    Lobo

    Neves,

    que

    m e

    fe z

    muitos

    comprimentos,

    acerca

    d o s

    meus

    escriptos

    p o -

    liticos,

    acerescentando

    que

    nada

    dizia

    d o s

    litterarios,

    por

    não

    entender

    delles;

    mas

    o s

    políticos

    eram

    e x c e l -

    lentes,

    b e m

    pensados

    e

    bem

    escriptos.

    R e sp o n d i - l he

    c o m

    eguaes

    esmeros

    d e cortezia,

    e

    separámos-nos

    con-

    tentes

    um

    d o

    outro.

    Cerca

    d e

    três

    semanas

    depois

    recebi

    um

    convite

    de l le

    para

    uma

    reunião

    intima.

    Fui

    ;

    Virg i l i a

    r e ce b e u - m e

    c o m

    esta

    graciosa

    p a l a v r a : — O

    senhor

    hoje

    h a

    d e

    vai-

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    17/127

    <

    16  REVISTA

    BRAZILEIRA

    valsista

    emérito;

    não

    admira

    que

    ella

    me

    preferisse.

    Val s á m o s

    uma

    vez,

    e

    mais

    outra

    vez.

    U m

    livro

    p e r d e u

    Francesca;

    c á

    f o i

    a

    valsa

    que

    n o s

    p erd eu .

    Creio

    que

    nessa

    noite

    aper te i - lhe

    a

    mão

    com

    muita força,

    e

    ella

    deixòu-a

    ficar,

    como

    esquecida ,

    e

    e u

    a aí)raçal-a,

    e

    todos

    c o m

    o s

    olhos

    e m

    nós,

    e

    n o s

    outros

    que

    t a m b é m

    s e

    abraçavam

    e

    giravam...

    U m

    delírio.

    CAPITULO

    LII

    é

    minha

    E'

    minha

    disse

    eu

    commigo,

    logo

    que

    a

    passei fa

    outro

    cava l h e i ro ;

    e

    confesso

    que

    durante

    o

    resto

    d a

    noite, foi-se-me

    a

    idéa

    ent ranhand o

    n o

    espirito,

    . n ã o

    á

    força

    d e

    martel lo,

    mas

    d e

    verruma,

    que

    é

    mais

    insi-

    nuativa.

      E'

    m in ha

    dizia

    e u

    a o

    c he ga r

    á

    porta

    d e

    casa.

    Mas

    a h i 1 ,

    como

    s e

    o

    destino

    o u

    o

    acaso,

    o u

    o

    que

    quer

    que

    fosse,

    s e

    l embrasse

    d e

    dar

    algum

    pasto

    a os

    meus

    arroubos

    possessor ios ,

    luziu-me

    n o

    chão uma

    cousa

    r edonda

    e

    amare l l a .

    A b a ixe i - m e ;

    era

    uma

    moeda

    d e

    ouro,

    u m a *

    m e i a - d o b r a .

      E '

    minha

    repet i

    e u

    a rir-me;

    emetti-a

    n o

    bolso .

    Nessa

    noite

    não

    pensei

    mais

    n a

    moeda;

    mas

    n o

    d ia

    seguinte,

    r e c o r d a n d o

    o

    caso,

    senti

    uns

    repel idas

    d a

    consciência,

    e

    uma

    v o z

    que

    m e

    perguntava

    p o r q u e

    diabo seria

    minha

    uma

    moeda

    que

    e u

    não

    h e r d a r a

    ne m

    g a n h a r a ,

    mas

    somente

    a c h a r a

    n a

    rua . Evident ement e

    não

    era minha

    ;

    era

    d e

    outro,

    daque l le

    que

    a

    perdera,

    rico

    ou

    pobre,

    e talvez

    fosse

    pobre,

    algum

    o p e r á r i o

    que

    não ter ia

    com

    que

    dar

    d e

    comer

    á

    mulher

    e

    a o s

    filhos;

    mas s e

    fosse

    rico,

    o

    meu

    dever

    ficava

    o

    m e s m o .

    Cumpria

    restituir

    a

    ^

    moeda,

    e

    o

    melhor

    meio,

    o

    único

    meio,

    era fazel-o

    por

    intermédio

    d e

    um

    annuncio

    ou

    d apolicia.

    Enviei

    uma

    car ta

    a o

    chefe

    d e

    policia,

    remet .

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    18/127

    M E M Ó R I A S

    POSTHUMAS

     

    17

    tendo-lhe

    o

    ac h ad o ,

    e r o g a n d o - l h e

    que, pelos

    meios

    a

    seu

    alcance ,

    fizesse

    devolvel-o

    á s

    mãos

    d o

    verdadeiro

    d o n o .

    M an d e i

    a

    carta

    e

    almocei

    tranquillo,

    posso

    até

    dizer

    que

    jubiloso.

    Minha consciência

    valsa ra

    tanto

    na

    ves-

    pera ,

    que

    chegou

    a

    ficar

    suffocada,

    sem

    respiração;

    mas

    a

    resti tuição

    da

    meia

    dobra

    f o i uma

    j anel la

    que

    s e

    abriu

    para

    o

    lado

    d a

    mora l ;

    entrou

    por

    alli

    uma

    onda

    d e

    ar

    puro,

    e

    a

    pobre

    dama

    respi rou

    á

    larga.

    Ve n t i l a e

    a s consciências

    não

    vos

    digo

    mais nada. To-

    d a

    via,

    despido

    d e

    qu a e s qu e r

    outras circumstancias,'o

    meu

    acto

    era

    bonito,

    porque

    expr imia

    um

    justo

    esc ru-

    pulo,

    um

    sentimento

    d e

    alma

    de l icada .

    Era o

    que

    m e

    dizia

    a minha

    dama inter ior , com

    um

    modo

    austero

    e

    meigo

    a

    um

    tempo

    ;

    é

    o

    que

    ella

    me

    dizia,

    reclinada

    a o

    peitori l

    da

    janella

    aberta.

    Fizeste bem,

    Cubas

    ;

    a n da s t e

    per f e i t ament e .

    Este ar não

    é

    s ó

    puro,

    é balsamico,

    é

    uma

    transpiração

    dos eternos

    j a rd ins .

    Queres

    ver

    o

    que

    fizeste,

    C ubas?

    E

    a

    boa dama

    sacou um

    espelho

    e

    abriu-m'o

    deante

    d o s

    olhos. Vi,

    cla ramente vista,

    a

    meia dobra

    da

    véspera ,

    r e do n da ,

    brilhante,

    nitida,

    multipliçan-

    do-se

    por

    s i m e s m a , — s e r

    dez—depois

    trinta—depois

    quinh ent as ,—

    expr imindo

    assim

    o

    beneficio

    que

    m e

    da r i a

    na

    vida

    e

    na

    morte

    o

    simples

    acto

    d a restituição.

    E

    eu

    es p ra iava

    todo o

    meu

    ser

    na

    contemplação

    daquel le

    acto,

    r ev ia -me

    nelle,

    a c ha v a - m e

    bom,

    talvez

    grand e .

    Uma

    simples

    moeda ,

    hem?

    V e ja m

    o

    que

    éter

    valsado

    um

    poucochinho

    mais.

    Assim,

    eu,

    Braz

    Cubas, descobri

    uma

    l e i

    sublime,

    a

    lei

    da

    equivalência

    das

    j ane l las ,

    e estabeleci

    que

    o

    modo

    d e

    compensar

    uma

    janella

    f e c h a d a

    é

    abrir

    outra,

    afim

    d e

    que

    a

    moral

    possa

    a r e j a r

    continuamente

    a

    consciência.

    Talvez

    não

    entendas

    o

    que

    ahi

    fica

    ;

    talvez

    quei ras

    uma

    cousa

    mais

    concreta ,

    um

    embrulho,

    por

    e x e m p l o ,

    um

    embrulho

    myster ioso .

    Pois

    toma l á

    o

    em brulho

    mysterioso.

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    19/127

    18  REVISTABRAZILEIRA

    CAPITULO

    LIII

    0

    E M B R U L H O

    M Y ST ERIO SO

    Foi

    o c a s o

    que,

    alguns

    dias

    depois,

    indo

    e u

    a

    Bo-

    tafogo,

    tropecei

    n'ura

    embrulho,

    que

    estava

    n a

    praia.

    N ã o digo

    bem; houve

    menos

    tropeção

    que

    p o n t a p é .

    Vendo

    u m

    embrulho,

    não

    grande,

    mas

    limpo

    e

    cor-

    rectamente

    feito,

    atado

    c o m

    u m

    barbante

    rijo,

    um a

    cousa

    que

    parecia

    alguma

    cousa,

    lembrou-me

    bater-

    lhe

    c o m

    o

    p é ,

    assim

    por

    experiência ,

    e bati, e

    o

    embrulho

    resistiu.

    Relanceei

    o s

    olhos

    e m volta

    d e

    mim

    ;

    a

    praia

    estava

    deser ta

    ;

    a o longe

    uns meninos

    brincavam,

    um

    pescador

    curava

    a s

    redes

    ainda

    mais

    longe,

    ninguém

    que

    pudesse

    ver

    a

    minha

    acção

    ;

    inclinei-me,

    apanhei

    o

    embrulho

    e

    s e g u i .

    Segui, mas

    não

    s e m

    receio.

    Podia

    ser

    uma

    pulha

    d e

    rapazes.

    Tive

    idéa

    d e

    devolver

    o

    achado á

    p r a i a ,

    mas

    apalpei-o

    e

    rejeitei

    a

    idéa .

    U m

    pouco

    a d e a n t e ,

    desandei

    o caminho

    e

    guiei

    para

    c a s a .

    Vejamos,

    disse

    e u

    a o

    entrar

    n o

    gabinete .

    E

    hesitei

    um

    instante,

    creio

    que

    por

    vergonha;

    assaltou-me

    outra

    v e z

    o

    receio

    d a

    pulha.

    E'

    certo

    que

    n ã o

    havia

    alli

    nenhuma

    tes temunha

    externa;

    mas

    e u

    tinha

    dentro

    d e

    mim

    mesmo

    um

    garoto,

    que

    havia

    d e

    assoviar,

    guinchar ,

    grunhir ,

    patear ,

    apupar,

    cacare j a r ,

    fazer

    o

    diabo,

    s e

    m e

    visse

    abrir

    o

    embrulho

    e achar

    dentro

    uma

    dúzia

    d e lenços

    velhos o u

    d u a s

    dúzias

    d e

    goiabas

    verdes .

    Mas

    era

    t a r d e ;

    a

    cur ios idade

    estava

    aguçada ,

    c o m o

    deve

    estar

    a

    d o leitor

    ;

    desfiz

    o

    embrulho,

    e

    vi...

    achei...

    contei...

    recontei

    nada

    menos

    d e cinco

    contos

    d e

    reis.

    N ad a

    menos.

    Talvez

    um

    d e z mil

    reis

    mais.

    Cinco

    contos

    e m

    boas

    notas

    e

    dobras,

    tudo

    aceiadinho

    e

    ar ran jad inho ,

    um

    a c h a d o

    ra ro.

    Embrulhei-as

    d e

    novo.

    A o

    jantar

    pareceu-me

    que

    um

    d o s

    moleques

    falara

    a

    outro cornos

    o l h e s .

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    20/127

    M E M Ó R I A S

    POSTHUMAS

    1 9

    Ter-jne-iam

    espre i t a do

    ?

    Inte r roguei-os

    discretamente,

    e

    conclui

    que

    não. Sobre

    o

    jantar,

    fui

    outra

    vez

    a o

    ga-

    binete,

    examine i

    o

    dinhei ro ,

    e ri-me

    dos

    meus

    c u i d a d o s

    maternaes

    a

    respei to

    d e

    cinco

    contos ,—eu,

    que

    era

    abastado.

    Para não

    pensar

    mais

    naquillo

    fui

    c i e

    noitefa

    casa

    d o

    Lobo

    Neves ,

    que

    instara

    muito

    commigo

    não

    d e i x a s s e

    d e

    f r eqü ent a r

    a s

    recepções

    d a

    mul h er .

    encontrei

    o

    chefe

    d e

    policia;

    fui-lhe

    a p r e s e n t a do

    ;

    elle

    lembrou-

    s e

    logo

    d a car ta

    e

    d a

    meia

    dobra

    que

    e u

    lhe remettera

    alguns

    dias

    antes.

    Aventou

    o

    caso;

    V irg i l i a

    pareceu

    sa b orea r

    o

    meu

    procedimento ,

    e cada

    um

    d o s

    p r e s e n t e s

    acertou

    d e

    contar

    uma

    anecdota

    a n á log a ,

    que

    eu

    ouvi

    com

    impaciei icias

    d e

    m u l he r

    hysterica.

    D e

    noite, n o

    dia

    seguinte ,

    e m

    toda

    aquellajsemana

    pensei

    o

    menos

    que

    pude

    nos

    cinco

    cop.tos,

    e

    até

    con-

    \

    fesso

    que

    o s de ixe i

    muito

    quiet inhos

    na

    gaveta

    d a

    se -

    cre ta r ia .

    Gostava

    d e

    falar

    d e

    todasfas

    cousas,

    men os

    d e dinhei ro ,

    e

    pr incipalmente

    d e dinhei ro |

    a ch a do;

    e

    todavia

    não

    era

    crime

    a ch a r

    dinhe i ro ,

    era^uma

    feli-

    cidade ,

    um bom

    acaso,

    era

    talvez

    um

    lance

    d a

    Pro-

    videncia.

    Não

    podia

    ser outra

    cousa.

    Não

    s e

    p e r d e m

    cinco

    contos,

    como

    s e

    perde

    um

    lenço

    d e

    tabaco.

    Cinco

    contos

    l evam-se

    com

    trinta

    mil

    sentidos,

    a pa l pa m - s e

    v

    a

    miúdo,

    não

    s e lhes

    t i ram

    o s

    olhos

    d e

    cima,

    nem

    a s

    mãos,

    nem

    o

    pensamento ,

    e

    para

    s e

    p e r de r e m

    assim

    tolamente ,

    n 'uma

    pra ia ,

    é

    necessár io

    que...

    Crime

    é

    que

    não

    podia

    ser

    o

    a c h a d o ;

    nem crime,nem

    deshonra,

    nem

    nada

    que

    embaciasse

    o

    caracte r

    d e

    um

    h o m e m .

    Era

    um

    a c h a d o ,

    um

    ace r to

    feliz,

    como

    a

    sorte

    grande,

    como

    a s

    apostas

    d e

    cavallo,

    como

    o s

    ganhos

    d e

    um

    jogo

    honesto

    ;

    e

    ate

    dire i

    que

    a

    minha

    fe l ic idade

    e x ^ a

    merec i da ,

    porque

    eu

    não m e

    sentia

    mau,

    nem

    indigno

    dos

    benefícios

    da

    Providencia.

    Estes

    cinco

    contos, dizia

    eu

    commigo,

    três

    se-

    manas

    depois ,

    hei d e

    empregal -os

    e m

    a lguma|acção

    bo a ,

    talvez

    um

    dote

    a

    a lgum a

    menina

    pobre ,

    o u

    outra

    cousa

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    21/127

    20 REV I S TA

    Ê R A Z I L E I R A

    ¦

    Nesse

    mesmo

    dia

    levei-os

    a o

    Banco

    d o Brazil .

    m e

    receberam

    com

    muitas

    e

    delicadas"

    al lusões

    a o

    caso

    d e

    meia

    dobra,

    cuja

    noticia

    andava

    espalhada

    entre

    a s

    pessoas

    d o

    meu conhecimento.;

    respondi

    en-

    fadado

    que

    a

    cousa

    não

    valia

    a

    pena

    d e

    tamanho^es-

    t rondo;

    louvaram-me

    entãof

    a

    1

    modé s t i a , —

    e

    porque

    e u m e

    encoler isasse ,

    repl ica ram-me

    que

    era sim-

    plesmente

    grande.

     »

    M a c h a d o

    d e

    Assis.

    (

    C o n l i n ú a )

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    22/127

    O R T H O G R A P H I A

    D

    L Í N G U A

    PORTUGUEZ

    Não

    ha

    cousa

    alguma

    acerca

    d a

    qual

    não

    quest ionem

    os

    homens,

    sempre

    dispostos

    a

    descobrir

    imperfeições

    e m

    tudo

    e

    a

    indicar

    correcções,

    muitas

    vezes

    peiores

    que

    o s

    defei tos;

    e

    nesta

    época,

    e m

    que

    abundam

    o s

    críticos

    e

    predomina

    a

    mania

    d e

    reformas

    radicaes ,

    não

    admira

    que

    alguns

    l i t teratos

    le -

    vantem

    a

    questão

    d a

    necessidade

    d e

    reformar

    a

    orthographia

    etymologica

    d a

    lingua

    por tugueza ,

    substituindo-a

    pela

    que

    denominam

    sônica;

    isto

    é ,

    que

    cada

    s o m

    seja

    r e p r e s e n t a d o

    por

    um

    s ó

    signal,

    e

    cada

    signal

    corresponda

    sempre

    a o

    mesmo

    som 

    Esses

    illustres

    r e fo rm adores

    esquecem

    que

    a

    orthographia

    d e

    uma

    l ingua

    nasce

    c o m ella,

    e

    s 3

    fixa

    com

    a s

    obras

    d o s

    bons

    escriptores

    clássicos,

    e

    não

    soífre

    reformas

    radicaes

    p r o p o s t a s

    por

    um

    o u

    outro

    critico.

    Esquecem

    que

    a

    o r t h o g r a p h i a

    é

    para

    quem

    aprende

    a

    ler

    e

    a

    escrever

    grammaticalmente ,

    e

    nã o

    para

    o s

    ignorantes .

    Estes,

    que

    muitas

    vezes

    falam

    e

    pronunciam

    mal,

    escrevam

    como

    puderem,

    que

    nada

    s e

    p e r d e r á

    com

    isso .

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    23/127

    22 REVSTA

    B R A ZI L E I R A

    Nem

    elles

    g a n h a r ã o

    cousa

    a lguma s i

    a s

    obras

    scientií icas

    e

    lit-

    t e r a r ia s

    forem

    escr iptas

    nessa

    or t l iogr a phia

    contrar ia

    a o

    uso

    dos

    c l áss icos .

    Quanto

    aos

    es t rangei ros ,

    n ã o

    serão

    cer tamente

    o s

    fran-

    cezes,

    o s

    inglezes

    e o s al lemâes

    que

    peçam

    a mudança

    d a

    nossa

    or t l iogr a phia ,

    para

    que

    possam

    a p r e n d e r

    o

    portuguez,

    —elles

    que

    e m suas

    l ínguas

    conservam

    a

    or t l iog raph ia

    etymo-

    lógica.

    Não

    vejo

    mesmo

    poss ibi l idade

    d e

    sat isfazer

    c o m p l e t a m e n t e ,

    e d e

    modo

    razoável ,

    a s

    pretenções

    e x a g e r a d a s

    d o s

    ortho-

    gr a phis ta s

    phoneticos;

    porque

    temos

    e m

    a nossa

    língua

    grande

    quant id ad e

    d e

    palavras

    que

    significam

    cousas

    mui

    diíferentes,

    e

    que

    ent re t ranto ,

    talvez

    pela

    m á

    prosódia ,

    s ó

    s e

    distinguem

    quando

    a s

    escrevemos

    ,

    como

    por

    exemplo

    :

    «

    essa

    e eça,

    ora

    e

    hora ,

    vós

    e

    voz,

    massa

    e

    maça,

    passo

    e

    paço, servo

    e

    cervo,

    testo

    e texto ,

    sella

    e cella,

    cesto

    e sexto,

    fato

    e facto,

    sessão

    e

    secção,

    annular

    e

    annullar ,

    retratar

    e

    retractar,

    pesar

    e

    pezar

    » ,

    e

    muitas

    outras

    que

    s ó

    pela

    or t l iog raph ia

    s e

    distin-

    guem,

    e

    que

    s e

    não

    devem

    alterar.

    Dado,

    porém,

    que

    s e

    adopte

    essa

    or t h og rapl i i a

    que

    exclue

    let t ras

    dob ra da s

    e

    differentes,

    por

    que

    r azão ,

    escrevendo

    nós

    «

    este,

    esta,

    isto,

    nós

    e

    vós

    » ,

    pa ssa r í a mos

    a

    escrever

    «

    eçe ,

    eça,

    iço,

    noço

    e

    voço

    » ,

    e m

    vez

    d e

    «

    esse,

    essa,

    isso,

    nosso

    e

    vosso

    » ,

    dobrando

    o

    s

    é

    fazendo-o

    soar

    ?

    Por

    que

    razão

    sônica

    nos

    pluraes

    e m

    õ e s

    d e

    algumas

    palavras

    que

    n o

    singular

    faze-

    mos

    te rminar

    em

    ão ,

    como

    «

    coração,

    corações

    » ,

    onde

    o

    e

    è

    mudo,

    é

    podia

    ser

    suppr imido ,

    es crevend o -s e

    «

    coraçons

    » ,

    que

    r ima

    com «

    sons

    e tons

    » ,

    subst i tu i remos

    esse

    e

    mudo

    por

    umi,

    le t t ra

    sibilante,

    que

    viciaria

    a

    prosódia ,

    como

    s e

    p r o p õ e ?

    Por

    que

    razão

    sônica ,

    sendo

    o s

    d ip h tho ngo s

    sempre

    longos' ,

    pois que

    não

    podemos

    pronunciar

    duas

    vogaes

    unidas

    em

    uma

    s ó emissão

    d e

    voz

    sem

    que

    o

    som

    s e

    a longue ,

    conservar ,

    contra

    a

    prosódia ,

    o

    diphthongo

    ão

    e m

    palavras

    em

    que

    elle

    não

    so a

    escrevendo

    «

    amão,

    virão,

    fa la rão

    , ,

    em

    vez

    d e «

    a m a m

    viram,

    fa la ram

    » ,

    como

    fazem

    o s

    bons

    escr ip tores ,

    mesmo

    para

    distinguir

    melhor

    o s

    diversos

    tempos

    dos

    verbos ,

    sem

    necessi-

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    24/127

    ORTHOGRAPHI A

    D A

    L Í NGUA

    PORTUGUEZa

    3

    Reconheço

    que

    a

    orthographia

    etymologica

    offerece

    ás

    vezes

    a lgumas

    dificuldades,

    pr incipa lmente

    nas

    palavras

    em

    que

    entra o ch,

    que

    ora

    soa

    como

    x ,

    ora

    como

    c ,

    ora

    como

    k

    ou

    q .

    Mas,

    quando

    s e

    quizesse

    evitar

    essa

    d i f i c u l d a d e ,

    bastaria

    es tabe lece r

    como

    r e g r a

    geral

    que

    o

    c h

    soa

    sempre

    como

    c o

    ;

    suppr imir

    o

    h

    nas

    poucas

    p a lavras

    e m

    que

    o c h

    soa

    como

    c ,

    e

    e m p r e g a r

    o

    q

    naquellas

    e m

    que

    s e

    d á

    esse

    som

    a o

    ch ,

    d o

    q ue

    ha

    alguns

    exemplos

    e m

    p a lavras

    mais

    vulgares.

    O

    que

    s e

    não

    pôde

    soífrer

    é

    que, por

    amor

    da

    etymologia ,

    se

    escreva

    «

    creo,

    creas ,

    crea

    » ,

    quando

    não

    podemos

    de i x a r

    d e

    pronunciar

    «

    crio,

    crias,

    cria

    »

    ;

    eque ,

    por

    amor

    d a

    p r o s ó d i a ,

    s e

    confunda

    o

    ad jectivo

    gran,

    contracção

    d e

    gr a n de ,

    dos

    doi s

    gêneros ,

    com

    o

    substantivo

    g r ã o ,

    e

    s e escreva

    «

    G r ã o

    Turco,

    G r ã o s

    Duques ,

    e G r ã s

    Duquezas ,

    e m

    vez

    d e

    «

    Gran

    Turco,

    G r a n - D u q u e s

    e

    G r a n - D u q u e z a s

    » .

    Assim

    também

    antes

    d o s

    nomes

    dos

    santos

    que

    começam

    por

    let t ra

    consoante

    d e v i a m o s

    esc rev e r

    «

    San

    João,

    San

    Thomaz

    » ,

    como

    s e escreve

    «

    Sa n

    Tiago

    » ,

    e

    não

    «

    S ã o

    João

    » ,

    pois

    que

    são

    e

    não

    é

    a

    m e s m a

    cousa

    que

    santo

    e

    a

    contracção

    san>

    como

    muitos

    acerta-

    damente

    escrevem.

    Julgo

    também

    d e s a c e r t a d a

    a

    pre tenção

    que

    a

    orthographia

    s e

    guie

    sempre

    pela

    prosódia ;

    pois

    que

    esta

    pôde

    ser

    viciosa ,

    convindo

    e m

    tal

    caso

    que

    ella

    s e

    guie

    pela

    orthographia.

    Assim,

    em

    uma

    gr a n de

    quant id ad e

    d e

    palavras ,

    fazemos

    soar

    o

    pc,

    opt,

    o

    et,

    o s

    dois

    c

    e

    o s

    dois

    m,

    como

    em

    « co ncep ç ão ,

    apto,

    effectivo,

    acção

    e

    immorta l» ,

    e

    e m

    outras

    não,

    por

    pr e v a -

    lecer

    nessas

    a

    prosódia ,

    que

    não

    deve

    servir

    d e r e g r a

    á

    orthographia.

    Pre tend em

    que

    a

    o r t h o g r a p h i a

    sônica é

    mais

    p h i l o s o p h i c a

    que

    a

    etymologica .

    Mas

    que phi losophia

    é

    essa

    que

    não

    per-

    mitteque

    n a

    l ingua

    escr ipta

    s e dis t ingam,

    com

    s ignaes

    diffe-

    i

    rentes,

    a s

    p a lavras

    homonymas

    que

    des ignam

    cousas

    diversas,

    e

    r ep ro va

    que

    e m

    outras

    p a lavras

    conservemos

    as le t t ras

    que

    r eve lam

    a

    sua

    origem

    ?

    P a r e c e

    antes

    que

    a

    phi losophia ,

    p ro curand o

    a

    verdade

    e

    a or igem

    d e

    todas

    a s

    cousas ,

    mesmo

    das

    l ínguas , no s

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    25/127

    24

    R E V I S T A

    B R A Z I L E I R A

    aconselha

    que,

    escrevendo,

    conservemos

    a etymologia

    d a s

    palavras.

    i

    Basta

    que

    a

    l íngua

    s e

    corrompa

    pela

    m á

    prosódia

    d o

    vulgo;

    não

    favoreçamos a

    corrupção

    c o m uma

    o r t h o g r a p h i a

    contraria

    a o

    caracter

    latino

    d a

    bella língua

    portugueza,

    tão

    zelosa d a

    sua

    o r i g e m .

    Visconde d e

    Aragüaya .

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    26/127

    O

    N A T U R A L I S M O

    A

    litteratura

    d e

    um

    povoe

    o

    monumento

    escripto

    d a

    sua

    civilização,

    d o

    s e u

    modo

    d e

    sentir,

    pensar

    e

    obrarem

    uma

    d a d a

    época,

    s o b

    a

    acção

    das

    duas

    grandes

    inf luencias—histór ica

    e

    climater ica.

    Esta

    dá-lhe

    o

    cunho

    caracterís t ico

    d e

    origmali-

    dade ,

    a

    sua

    feição

    peculiar

    e

    inalienável,

    affirma

    o

    seu eu,

    oppondo-se

    sempre

    a o

    cosmopolitismo

    litterario.

    A s

    influencias

    históricas

    tem

    re lação

    c o m

    o progresso

    geral

    das

    idéas,

    desenvolvem,

    corrigem,

    aperfeiçoam

    e

    completam

    a

    litteratura,

    pondo-a

    d e

    acordo

    c o m

    o

    t e m p o .

    A

    litteratura

    d o s

    povos

    d o

    Oriente,

    que

    vivem

    s o b

    o

    impér io

    d e

    um

    clima

    ardente

    e

    d e

    uma

    natureza

    gigantesca,

    não

    p o -

    dendo

    o u

    não

    sabendo

    s e

    livrar

    desse

    jugo

    tão

    poético

    q u ã o

    tyrannico, é estacionar ia .

    A

    natureza

    exter ior

    monopolisou

    todas

    a s

    forças

    poéticas

    C e

    milhares

    d e

    gerações

    que

    a

    cantaram

    e m

    todos

    o s

    tons,

    e

    esses

    cantos

    s ã o o s

    mais

    bellos,

    o s

    mais

    co -

    loridos,

    o s

    mais

    inspirados,

    o s

    mais

    dignos

    d a

    excelsa

    m ã e ;

    mas

    a

    natureza

    humana,

    essa

    maravi lha

    c e m

    v e z e s

    mais

    in-

    teressante

    que

    o s

    quadros

    d a

    magnificência

    tropical ,

    ames-

    quinhou-se,

    eliminou-se

    comple tamente .

    *,

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    27/127

    2 6

    R E V I S T A

    B R A Z I L E I R A

     

    O s

    povos

    d o

    occidente,

    porém,

    que

    junto

    á s

    forças

    cegas

    e

    á s

    influencias

    naturaes ,

    souberam

    proclamar

    e affirmar

    o

    s e u

    p o d e r

    e

    soberania,

    realizando

    assim

    o

    celebre

    preceito

    d o

    p e n s a d o r

    britânico,

    tem

    uma

    litteratura

    necessariamente

    progressiva,

    essencialmente

    evolutiva,

    marchando

    a

    par

    d e todas

    a s

    revo-

    lucções

    políticas

    e

    sociaes

    que

    sacudiram

    a s

    nações

    civi l izadas .

    A s

    artes

    plásticas,

    d o

    desenho

    e d a

    harmonia

    seguem

    t a m b é m ,

    comquanto

    a

    maior

    distancia,

    visto seus

    meios

    l imitados

    d ' ac-

    ção,

    o

    movimento

    geral

    d o s

    espír i tos .

    Uma

    obra

    l i t terar ia ,

    n o

    sentido

    mais

    completo,

    tem

    que

    satis-

    fazer

    a

    duas

    condições

    vitaes,

    n a

    carência

    das

    quaes

    será

    fictícia

    e

    perecível :

    1.°

    Quen 'e l l a

    seja

    apresentada

    a

    face

    eterna

    d a

    natureza

    humana,

    essa

    face

    idêntica

    e m

    todos

    o s

    tempos

    e

    e m

    todas

    a s

    regiões,

    que

    nasceu

    c o m

    o

    primeiro

    homem,

    para

    assim

    d i z e r

    independente

    d o

    tempo

    e

    d o

    espaço.

    Através

    d o

    appare l h o

    l i t terar io

    e m

    que

    s e

    acham

    e ng a s t a da s

    a s

    obras

    primas

    antigas

    e

    modernas,

    e

    n o

    fundo

    mesmo

    d e

    todas

    a s

    concepções

    artísticas,

    lobrigamol-a

    s e m

    muito

    custo

    Por

    mais

    contrarias

    e

    inimigas

    que

    â

    primeira

    vista

    n o s

    pa-

    Z„l

    S C Í T Í 1 Í Z a S 3 e S '

    a S

    S U a S

    o b ™

    l i t t e r a r i a s

    *

    U m ú Â m

    quando

    procuram

    pintar

    a s

    paixões

    humanas;

    podemos

    até

    por

    abstraio

    d o

    meio,

    transportais

    d e

    u

    n a

    par"

    ouüt

    época

    o.entóo

    veremos

    que

    s ó

    a s

    circunstancias

    muda

    a m

    ós

    eróes

    d e

    Moliêre ,

    pertencentes

    à

    nobreza,

    a o

    clero

    a

    lebe

    ercados

    pelos

    preconceitos

    e

    pela

    i ímoranrh

    n ~ /

    P

    '

    hoie

    • "

    mas * i

    * m

    i- T

    ,

    -

    ^noianc,a^

    n a o

    existem

    mais

    oje ,

    mas

    s i

    e m

    logar

    d e

    nobreza

    dissermos

    dinheiro

    e em

    og ar

    d e

    plebe

    pobreza,

    e tc ,

    veremos

    que

    a

    comedia

    sociaH

    empre

    a

    mesma

    wueoa

    ocial

    é

    2.°-a

    representação

    f i e l

    e

    animada

    dessas

    circumstancias

    d o

    estado

    geral

    d a

    sociedade,

    d o

    homem

    colleZTcZTò

    enorme

    actor

    d o

    d r a m a ^ m

    que

    s e

    deve

    ouvir iZ? *

    a

    poeema

    desse

    immenso

    ĴZZẐZZ

    terminavel

    c o m

    a

    fa ta l idade .

    Todas

    a s

    influenc

    a s

    mZn

     

    naturaes

    e

    sociaes

    devem

    ser

    ahi

    e.postaspd

    ""

    J*g*

    es

    e

    vícios,

    grandezas

    e

    misérias ,

    crimes

    mazela+

    '/

    mazellas>

    *udo

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    28/127

    O NATURALSMO  27

    À

    s incer idade ,

    a

    v e r d ad e , e i s

    o

    que

    s e

    deve

    exig i r

    e m

    pri-

    meiro logar.

    Mas

    quaes

    devem

    ser a s

    cores ,

    a s

    d a

    r e a l i d a d e o u

    a s

    d a

    arte,

    dando a

    esta

    pa l avra

    a

    significação

    res t r ic ta

    d o s

    rhetoricos?

    Eis

    a

    questão

    sobre

    a

    qual

    o s

    pa r t idá r ios

    e x t r e m o s

    sedigladiam

    s e m

    q u e r e r

    c h e g a r

    a

    um

    acordo ,

    aliás obvio.

    A arte é a

    rea l ização

    d o

    ideal ,

    dizem

    o s

    idea l is tas .

    Essa

    definição

    é

    um

    pouco

    m etap hys ica

    e

    como tal incompreh en-

    sivel,

    s ó

    sat isfazendo

    completamente

    aos

    que

    s e

    encantonam

    n o s

    a r r a ia e s

    azues d e

    um

    lyrismo

    impossivel

    hoje.

    A

    escola dita

    rea l is ta não

    tenta

    definir

    o

    que

    seja

    a

    arte,

    contentando-se

    e m

    aflSrmar

    que

    uma obra

    artís t ica

    deve

    se r

    express i v a

    e

    bem

    a ca b a da . P a ra

    nós,

    a

    definição

    d e Byron—

    a

    Arte

    é a N a t u r e z a

    at ravés d o

    h o m e m — é

    a

    mais

    genér ica , p o r -

    que

    a b ra n g e

    todos

    o s

    gêneros

    e escolas. Entre

    a

    r e a l i d a d e

    nua

    e crua

    e

    um

    produ ct o

    esthet ico

    interpõe-se

    ô

    homem

    como

    in te rpre te ,

    seja

    mesmo

    como

    um

    p h o t o g r a p h o ,

    mas

    um

    photo-

    g r a ph o

    cuja

    sciencia

    é

    e x t r e m a m e n t e difficil,

    quando

    pretende

    pi lhar

    o

    original

    a

    geito,

    e m

    boa

    posição

    d e

    propicia

    luz.

    A s

    mais

    br i lhantes

    phantas ias

    d a

    imaginação

    não

    custam

    á s

    vezes

    tanto

    quanto

    uma

    simples scena

    d a realidade.

    Essa,

    afim

    d e

    fixar-se

    a

    sua

    imagem,

    tem

    que

    a t ravessa r

    para

    ser

    a p u r a d a , d e p u r a d a ,

    unificada

    e

    color ida,

    o

    maravi-

    lhoso

    cadinho

    que

    s é chama

    o cérebro

    humano.

    A

    ar te

    nã o

    pode

    viver

    sém

    a

    l ibe rd ad e

    ;

    o

    gr a n de

    e

    legitimo modelo

    é a

    Naturez a ,

    isto não

    entra

    mais e m

    discussão ,

    éumaxioma.

    Todo

    o

    prob lema

    está

    e m

    transformar

    a

    R e a l i d a d e

    é m

    Verdade

    esthet ica

    :

    prob lema

    que

    s ó

    p o d e r á

    ser resolvido

    pelos

    h o m e n s

    d e

    v e r d a d e i r o

    ta lento,

    este iados

    pelo

    estudo e

    pela

    ob s e r v a ção

    a ccu ra da

    e

    constante.

    A

    m e d i o c r i d a d e habi l idosa

    econhecedora

    d a

    arte

    d o savoirfaire

    nunca

    co ns egui rá

    resolvel-o. Todos os

    gêneros

    possuem

    obras

    feitas

    por

    esse

    precei to ,

    mas

    sempre

    * d e

    escr iptores

    que

    e m

    tempo souberam

    l ivrar-se

    das

    estheticas

    a c a n h a d a s

    e sys temat icas

    d a

    maldi ta

    raça

    dos

    rhetoricos.

    O

    per íodo

    litterario

    que

    a t raves s am o s

    não tem

    accen tuação

    definida,

    é

    d e

    t rans ição ,

    d e

    laboração ,

    para

    assim

    dizer ,

    chi-

    mica.

    Desse

    eclect ismo,

    dessa

    mistura ,

    ha

    d e

    surgir,

    após

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    29/127

    28

     

    REVISTA

    B R A Z I L E I R A

    longa

    e

    incruenta

    luta,

    a

    combinação

    d e

    todos

    o s

    elementos bons

    dos

    systemas

    estheticos

    que

    nos

    p r e c e de r a m ,

    e

    o s

    pontos

    d e

    vista

    hão

    d e

    ir

    reunindo

    n'um

    s ó ,

    grande ,

    v e r d a d e i r o

    e

    e levado.

    O

    espirito

    scientifico d o

    século

    fe c u n da r á a intelli-

    gencia

    dos

    homens

    d e le ttras ,

    e dessa

    benéfica

    he m a t o s e

    p r o -

    virá

    a

    litteratura

    naturalista,

    o reino

    d a

    v e r d a d e

    escripta,

    o

    estudo

    racional ,

    verídico,

    e sobretudo inteiro , d o

    homem

    e

    d a

    sociedade , com

    a expl icação

    das causas

    e

    d o s

    effeitos.

    E'

    isto

    o

    que

    entendemos

    por

    naturalismo

    na

    arte. U m

    livro se rá

    um

    livro.

    Não

    mais confundir-se-á

    o

    trigo

    c o m

    o

    joio ,e p ar a

    s e fazer

    uma

    obra será

    preciso

    mais

    a lguma

    cousa

    que

    penna,

    papel,

    tinta

    e

    um a

    o u

    mesmo

    nenhuma

    idéa.

    Diminuirá

    a

    quanti-

    d ad e ,

    mas e m

    proveito

    da

    qual idade .

    Certo

    que

    isso

    não

    será

    ainda

    p a r a

    o s

    nossos

    bisnetos,

    mas,

    como o

    tempo,

    e m todas

    a s

    lucubraçoes

    humanas ,

    está

    sempre

    n a

    razão inversa

    d o

    tra-

    balho

    e

    da

    vontade ,

    seria muito

    dese jável

    e

    profícuo

    que

    a

    critica

    militante

    doutr inasse

    nesse

    sentido.

    Desgraçada-

    mente

    a

    critica

    militante ,

    a

    critica

    es t ipendiada

    e

    quotidiana,

    vive

    por

    tal

    forma

    enleiada

    d e

    interesses,

    tão

    s u b or d in a da ,

    tã o

    s u b or n a da ,

    tão

    desorg a n i z a da

    e t ã o

    descrente

    que

    torna-se

    quasi

    nulla.

    Aos

    que

    não

    fazem'profissão

    d e

    critica,

    e

    que

    por-

    tanto

    tem

    mais

    de s a s s o m br o

    e

    coragem,

    cabe

    a tarefa.

    O

    classismo

    morreu

    anêmico,

    o

    romantismo

    tísico,

    o

    satã-

    nismo

    apoplet ico ,

    o neo-real ismo

    parece

    que

    quer

    m o rre r

    s iphi-

    litico.

    Como

    o

    t iveram

    a s

    outras

    escolas,

    o

    real ismo

    tem

    r a z ã o

    d e

    ser

    na

    força

    mesma

    das

    cousas,

    chegou

    a tempo

    e

    á

    h o r a

    e

    tem

    p r o duz i do

    importantes

    fructos .

    S i o

    seu

    pecúl io

    é

    considerável ,

    não

    basta

    c o m

    tudo

    para

    completar

    a sua

    contri-

    buição

    ;

    e

    pena

    é

    que

    s e

    este ja

    desnorteando

    com

    excessos

    e

    d e b o -

    ches

    que

    lhe

    gas tam

    a

    vita l idade e

    o

    fazem

    confundir

    com

    ero-

    tismo

    ep r i ap i s m o ,

    cousa

    que

    nem

    o

    mérito

    d a

    novidade

    p o s s u e .

    Não

    ha

    nada

    mais

    per igoso

    d o

    que

    um

    poeta

    soi-disant

    r e a -

    lista

    e

    que

    dispõe

    d e

    uma

    imaginação

    romântica.

    Que

    copie

    p ro s a icam ente

    a

    r e a l i da de

    como

    ella é ,

    d ê

    um

    toque

    d e

    mais

    o u

    d e

    menos,

    s e m

    unidade,

    sem

    coh esã o ' en t re

    a s

    observações ,

    produzindo

    um

    t rabalho

    desenxabido , insipido

    e

    descon ch a v a do ,

    lá,

    porque

    o

    l e r ã o .

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    30/127

    o

    nauralismo

     

    29

    Mas

    pôr

    uma

    phantas ia

    ardente

    a o

    serviço

    desse

    ultra-rea-

    lismo

    d e s b r a g a d o ,

    que

    s e

    compraz

    e m

    alcouces

    e

    podr idões ,

    é

    um

    crime

    litterario;

    todos

    o

    lêm,

    at t ra ídos

    pelo pomo

    ve-

    da do ,

    mas

    todos

    e m

    breve

    sentem-se

    saciados

    e

    e n o j a d o s .

    N o

    romance ,

    onde

    o

    campo

    por

    e x p l o r a r

    é

    vastissimo

    e

    por-

    tanto

    mais

    livre,

    j á

    o

    processo

    dessa

    escola

    tem

    sido

    e m p r e -

    gado

    com

    muito

    êxito

    ;

    mas

    n o

    thea t ro ,

    e m

    que

    o

    descriptivo

    está

    quasi

    banido 'e

    onde

    s ó

    é

    possivel

    um

    pequeno

    numero

    d e

    quadros

    escabrosos ,

    o

    gênero

    é

    difficilimo.

    Parece-nos

    mesmo

    que

    a

    litteratura

    dr a m á t i c a

    não

    pôde

    ir

    além

    d o

    ponto

    a

    que

    chegou

    Dumas

    Filho.

    Mas

    até

    ahi

    ainda

    r es tam

    muitos

    a ta lhos ,

    escaninhos

    e

    ainda

    e s t r ad as

    ine x p l o r ad as .

    Uma

    peça

    theatral

    deve

    ser

    o

    desenvolvi-

    mento

    d e

    uma

    these

    social,

    mas

    um

    desenvolvimento

    vivo,

    re levante ,

    incisivo,

    cheio

    d e

    quadros

    reaes

    e

    per ipéc ias

    con -

    comitantes

    d o

    facto

    principal ,

    cr ivada

    d e

    ref lexões

    m o r a e s ,

    r áp i d a s

    como

    um

    ap o p h t e g m a ,

    e d e

    satyras

    finas

    e

    terriveis

    como

    a

    lamina

    d e

    um

    estylete ;

    não

    feito

    somente

    para

    mover

    o

    coração ,

    mas

    o

    espirito

    todo.

    Muitos

    dizem

    que

    as

    peças

    d e

    Dumas

    Filho

    são

    sem

    m o r a l i da de .

    Certo

    que

    ellas

    não

    te m

    apotheose ,

    e m

    que

    o

    anjo

    d o

    bem

    supplanta

    o

    anjo

    d o

    mal

    p o r

    entre

    fogos

    d e

    Bengala

    e

    a l e g r ia

    dos

    anjinhos.

    A

    m o r a l id ad e

    d a

    obra

    jaz

    n o

    centro

    mesmo

    da

    acção,

    a

    sua

    força

    provém

    d a s

    própr ias

    forças

    d o

    vicio,

    e

    s i

    embalde

    p r o c u r a r d e s

    e m

    scena

    o

    r epresen t a n t e

    d a

    vir tude ,

    olhae

    p ar a

    a

    platéa ,

    porque

    ahi

    en-

    contra re i s

    a

    indignação,

    e

    essa

    cur ios idade

    d e

    quem

    quer

    conhecer

    a

    v e r d a d e

    sem

    rodeios

    em

    scena

    p ar a

    poder

    desl indal-a

    na vida

    real.

    Como

    Pois

    então

    descobr i r

    e

    apontar

    vicios

    e viciosos,

    tratantadas,

    e

    tratantes

    que

    nós

    não

    conhecemos,

    aos

    quaes

    t o d o s

    o s

    dias

    t i ramos

    respe i tosamente

    o chapéo ,

    não

    é

    moralizara

    soc i edade

    ?

    Ahi

    onde

    a

    policia

    pouco

    p ôd e

    intervir,

    convém

    que

    s e

    nos

    desvendem

    o s

    olhos

    e

    que

    nos

    policiemos

    a

    nós

    mesmos,

    e

    sabermos

    o

    que

    pôde

    produzir

    a ambição

    desenfreada,

    o s

    desejos

    mal

    contidos

    e

    mal

    d i r ig idos ,

    a

    fé,

    a desconfiança

    d e

    s i

    e

    dos

    outros,

    etc,

    etc.

    O

    e spe c ta d or

    é

    obr igado

    a

    reílèctir

    e deduzi r

    por

    s i ,

    sem

    a intervenção

    das

    t i radas

    d e

    soporifera

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    31/127

    30

    R E V I S T A

    BRAZILEIRA

    m o r a l i da de .

    O interesse

    d a intriga

    e

    o

    jogo

    das

    paixões

    d e v e m

    ter

    o

    p o der

    d e

    arrastar

    o

    espec tador

    âté

    o

    ep iphonema

    d a

    these,

    ponto

    e m

    que

    publico

    e

    autor

    chegam

    a o

    mais

    r igoroso

    a c o r d o .

    E'

    evidente

    que

    para

    o

    successo

    nesse

    gênero

    torna-se

    prec iso

    um

    immenso

    talento.

    Tudo

    o

    que

    dissemos

    refere-se

    á

    litteratura

    propriamente

    dita,

    isto

    é ,

    a o

    d r a m a

    e a o

    romance.

    A

    pura

    poesia,

    o

    lyrismo,

    que,

    digam

    o

    que

    quizerem,

    ac o m p anh ar á

    sempre

    o

    h o m e m

    emquanto

    este

    t iver

    um

    coração;

    que

    é

    essa

    indefinivel

    a s p i r a ç ã o

    a

    a lguma

    cousa

    d e

    melhor

    e

    d e

    mais

    puro,

    ar roubo

    d a

    alma

    e m

    momentos

    s ingulares ,

    viverá

    sempre

    independente

    d o s

    pro-

    gressos

    d a

    sciencia;

    não

    s e

    lhe

    contrapõe ,

    nem

    collabora

    com

    ella;

    viveu,

    vive

    e

    viverá

    n o

    intimo

    d o h o m e m .

    U r b a n o

    Duarte.

  • 8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5

    32/127

    y

    T U

    S Ó ,

    T I ,

    P U R O

    A M O R . . .

    C O M E D I A

    (*)

    T u

    s ó ,

    tu,

    puro

    amor,

    com

    força

    crua,

    Que

    o s

    corações

    humanos

    tanlo

    obriga...

    (Luziadas,

    3 , cxix.)

    Pessoas

    CAMÕE 

    D .

    ANTÔNIO D E L I M A .

    C A M I N H A .

    D . MANOEL DE

    P O R T U G A L .

    D .

    CATHARINA

    DE

    AT HAYDE.

    D .

    FRANCISGA D E

    A R A G Ã O .

    Sala

    n o

    paço .

    SCENA

    I

    C A M I N H A ,

    D .

    M A N O E L

    D E P O R T U G A L

    (Caminha

    vem

    d o

    fundo,

    â

    e sque rd a ;

    vae

    a

    entra r

    pela

    porta

    d a

    direita,