a revista brazsdileira, 1880, t. 5
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BRAZILEIRA
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M e m ó r i a s
posthumas
d e
Braz
Cubas
(Continuação),
por
Machado
cie
Assis.
II .—
Orthographia
d a
Língua
Portugüeza,
pelo
Visconde
dô
Araguaya.
I I I .—
0 naturalismo,,
por
Urbano
Duarte.
IV._
Tu só,
T U ,
P U R O
AMOR....,
por
Machado
de
Assis.
V . —
A
collocàçãO
D O S
P R O N O M E S ,
por
Artliur
Barreiros,
Y I . —
Cornelio
Tácito,
por
Eunapio
Deiró.
yil._
Notas
Bibliographigas^
por
FVanlilin
Tavora,
u
V I U . —
D i ver sas
publicações.
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1 1
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EXLIBRIS
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1880.
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R E V I S T A
B R A Z I L E I R A
S E G U N D O
ANNO
T O M O
V
RIO
I>E
JAJtfEIHO
N .
M I D O S I ,
E d i t o r
ESCRIPTORIO
DA
R E VI S TA
B RAZ IL EIRA
Rüa
d e
Go nçal v es
Dias
47
M
D C C C
LXXX
-
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M E M Ó R I A S
P O S T H U M A S
D E
B R A Z
C UB AS
CAPITULO
XLIV
M A R Q U E Z A ,
P O R Q U E
Éü
S E R E I
M A È Ç Í Ü E Z
•ff-
,'
V,
-,.í -jíjíi
OUB
& *4
Positivam^^
iera
um diabre te
:VtegiMa,
um
diabrete^ng^U^v
s e
querem,
mas
e ra - oye
então,,
é
E entap
- $ 9 p % Ç j ^ g f t
o
Lobo
Neves,
um
homem
q ue
não
e ramais
esbçlto d o
que
eu,
nem
mais
elegante,
ne m
mais
lido,
nem
mais
sympathico,
e
todavia
f o i
quem
me
ar rebatou Virg i l i a
e
a
candidatura ,
dentro
d e
poucas
semanas,
c o m
um
Ímpeto
v e r d a d e i r a m e n t e
c e s a -
riano.
Não
precedeu
nenhum
despeito;
não
houve
a
menor
violência
d e
família.
O
Dutra
veiu
dizerr-me,
um
dia,
que
esperasse
outra
a r a ge m ,
porque
a
candi-
d atura
d e Lobo
Neves
era
apoiada
por grandes
influen-
cias.
Cedi;
e
tal
f o i
o
começo
d a
minha
der ro ta . U ma
semana
depois,
Virgi l ia
perguntou
a o
Lobo
Neves,
a
sorrir ,
quando
seria
elle
ministro .
—
Pela
minha
vontade,
já
;
pela
d o s
outros, d a q u i
a
um
anno.
-
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REVISTA
B R A Z I L E I R A
Virgi l ia
rep l icou:
Promette
que
algum d i a
m e fará
baroneza
?
Marqueza,
porque
e u
serei
marquez .
D e s d e
então
f i q u e i
perdido.
Virgil ia
comparou
a
águia
e
o
pavão,
e
elegeu
a águia ,
deixando
o
pavão
c o m
o
s e u
espanto,
o
s e u
despeito,
e
três
o u
quatro
beijos
que
lhe dera.
Talvez
c i n c o
beijos;
m a s
d e z
que
fossem
n ã o
queria
dizer
cousa
nenhuma.
O
lábio
do
homm
n ã o é
c o m o a
pata
d o cavallo
d e
Àttila,
que
esterilisava
o s o l o
e m
q u e
batia; ó
justamente
o
con-
trario.
CAPITULO
X L V
U M
C U B A S
M e u
p a e
f i c o u
attonito
c o m
o
desenlace,
e
quer-me
parecer
que
r i â ò
morreu
d e
outra
cousa. Eram
tantos
o s castellos
que
engenhara,
tantos
e
tantissimos
os
sonhos,
que
não
podia
vel-os
assim
esboroados,
sem
padecer
um
forte
abalo
n o
organismo.
A
principio
n ã o
quiz
crel-o.
U m
Cubas
u m
galho
d a
arvore
illus-
tre
d o s
Cubas
E
dizia
i s t o
c o m
tal
convicção,
que
e u,
já
então
informado
d a
nossa
tanoaria,
esqueci
u m
ins-
tante
a
volúvel
dama,
para
s ó
contemplar
aquelle
phe-
nomeno,
n ã o
raro,
m a s
curioso:
uma
imaginação
gra-
duada
em
consciência.
—
U m
Cubas
repetia-me
e l l e
n a
seguinte
m a n h ã ,
a o
almoço.
N ã o
f o i
alegre
o
almoço;
e u
próprio
estava
a
ca i r
d e
somno.
Tinha
velado
uma
parte
d a
noite.
D e
amor
*
Era
impossível;
n ã o
s e
ama
duas
vezes
a
mesma
mulher , e
e u , q u e
tinha
d e
amar
aquella,
tempos
depois,
n ã o
l h e
estava
agora
preso
p o r
nenhum
outro
vinculo,
além
d e
uma
phantasia
passageira ,
a lguma
obediência
e
muita
fatuidade.
E
i s t o
basta
a
e x p l i c a r
-
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M E M Ó R I A S
P O S T H U M A S
a
vigília;
era
despeito,
um
despeitosinho
agudo
como
ponta
d e
alfinete,
o
qual
s e
desfez,
c o m
charutos,
murros,
le i turas
t runcadas ,
até
romper
a
aurora ,
a
mais
tranquil la
das
auroras.
M a s
e u era
moço,
t inha
o
remédio
e m
mim
m e sm o .
Meu
paeéquenâo
pôds
suppor ta r
facilmente
a
pan-
cada.
Pensando
bem,
pode
ser
que
não
morresse
pre-
cisamente
d o
desas t re ;
mas
que
o
desas t re
lhe
c o m -
plicou
a s
ultimas
dores ,
é
positivo.
Mo r r e u
d a h i
a
quatro
m e z e s , — a c a b r u n h a d o ,
triste,
c o m
um a
preoccupação
intensa
e
continua,
á
semelhança
d e
remorso,
um
desencanto
mortal ,
que
lhe
substituiu
o s
rheumat ismos
e
tosses.
Teve
ainda
uma
meia
hora
d e
a l egr ia ;
f o i
quando
um
d o s
ministros
o
visitou.
Vi-lhe,—lembra-me
bem,—vi-lhe
o
grato
sorr iso
d e
outro
tempo,
e
n o s
olhos
uma
concentração
d e
luz,
que
era ,
por
assim
dizer ,
o
ultimo
lampejo
da
alma
expirante .
M a s
a
tr isteza
tornou
logo,
a tristeza
d e
morrer
s e m
m e
ver
posto
e m
algum logar
alto,
como
aliás
m e
c a bia .
U m
Cubas
Mo r r e u
alguns
dias
depois
d a
visita
d o
ministro ,
uma
manhã
d e
maio,
entre
o s
dois
filhos,
Sabina
e
eu,
e
mais
o
t i o
Ildefonso
e
meu
cunhado.
M o r r e u
s e m
lhe
poder
valer
a
sciencia
d o s
médicos,
nem
o
nosso
amor,
nem
o s
cuidados ,
que
foram
muitos,
ne m
cousa
nenhuma;
t inha
d e
morrer ,
morreu.
U m
Cubas
CA11TULO
XI / V1
XOTAS
Soluços,
l agr imas ,
casa
ar mad a ,
velludo
prelo
no s
portaes ,um
homem
que
veiu
vestir
o
cadáver ,
outro
que
tomou
a
medida
d o
caixão,
caixão,
eça,
to c he i ro s ,
-
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\
REVISTA
B R A Z I L E I R A
convites,
convidados
que
entravam, lentamente ,
a
passo
surdo,
e
aper tavam
a mão
á
família,
alguns
t r istes ,
todos
sérios
e calados ,
padre
e .sacr i s t ão ,
rezas,
aspersões
d 'agua
benta, o fechar
d o
ca ixão ,
a
prego e
martel lo ,
s e i s
pessoas
que
o
tomam
d a
eça,
e
o
le-
vantam,
e o
descem
a
custo
pela
escada ,
n ã o
obstante
o s
gritos,
soluços
e
novas
lag r imas
d a
familia,
e
vã o
até
o
coche
fúnebre ,
e
o collocam
e m
cima,
e
traspassam
e
aper tam
a s
corrêas ,
o roda r
d o
coche,
o r o d a r
d os
carros ,
um
a
um....
Isto
que
parece
um
simples
in-
ventar io ,
eram
notas
que
e u
havia
tomado
p a r a
um
capitulo
e x t r e m a m e n t e
succulento,
e m
que
provava
que
a . t e r ra
deve
continuar
a
gi ra r
e m
volta
d o
sol;
p o rqu an to :—
a )
a natureza
não
inventou
a
m o r t e ,
senão
com
o
f i m
d e
dar
vida
a
algumas
industrias,
—
a r m a d o r e s ,
segeiros ,
emprezas
funerá r ias ,
typo-
g r a ph i a s ,
e
outras
que
ella
sagazmente
previu
;
—
b)
mortas
essas
industr ias ,
pela
ausência
d a
morte
hu-
mana,
não
é
improvável
que
viessem
a
m or r e r
os
respect ivos
industr iaes ; .
o
que
dava
na
mesma.
M a s
tudo
isto
s ã o
apenas
notas
d e
um
capitulo,
que
nã o
e scr e vo .
CAPITULO
XLVII
A
H E R A N Ç A
y,
¦ •
Ve j a - n o s
agora
o
leitor ,
oito
dias
depois
d a
m o rte
d e meu
pae,
—
minha
i rmã
sentada
n'um
sophá
—
pouco
ad iante ,
o
Cotrim,
d e
pé,
encostado
a
um
consolo,
com
o s
braços
cruzados
e
a
m o rd e r
o
b i g od e
-
e u
a
passeiar
d e
um
lado
para
outro ,
c o m
o s
ol h os
no
chão.
Luto
pezado.
Profundo
silencio
-
Mas
afinal,
disseo
Cotrim;
esta casa
pouco
m ais
pôde
valer
d e
trinta
contos
;
demos
que
valha
tr inta
e
cinco...
-
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M E M Ó R I A S
POSTHUMAS
9
Vale
cincoenta,
pon d e r e i ;
a
Sabina
sabe
que
custou
cincoenta e
oito.
..
Podia
custar
até
sessenta ,
tornou
o
Cotrim
;
m a s
não
s e
segue
que
o s
valesse,
e
menos
ainda
que
os
valha
hoje.
Você
sabe
que
a s casas,
aqui
ha annos,
bai*
x a r a m
muito.
Olhe,
s < ?
esta
vale
o s cincoenta
contos ,
quantos
não vale
a
que
você
dese ja
para
s i , a
d o
Campo?
Não
fale nisso
U ma
casa velha.
V e l h a
ex c l a m o u
Sabina,
levantando
a s
m ã o s
aotecto.
Parece-lhe
nova,
aposto
?
Ora,
mano,
d e i x e- s e
dessas
cousas,
disse
Sabina ,
erguendo-se
d o
s o p h á ;
podemos
arranjar
tudo
e m
bo a
amizade ,
e
com
l isura.
Por
exemplo ,
o Cotrim
nã o
acei ta
o s
pretos,
quer
s ó o
boleeiro
d e
pa$ae
e o
Paulo...
O
boleeiro
não,
acudi
e u
;
f i c o
com
a
sege
e
nã o
hei
d e
i r
comprar
outro.
B e m
;
f i c o
com
o
Paulo
e o
Prudencio.
O
Prudencio
está
livre.
Livre?
H a
dois
annos .
Livre?
Como
seu
pae
arranjava
estas cousas
cá
por
casa,
s e m
dar
par te
a
ninguém
Está direito.
Quanto
á
prata...
creio
que
não
l ibertou
a
prata
?
Tínhamos
falado
na
pra ta ,
a
velha
p ra ta r i a
d o
tempo
d e
D . José
I ,
a
porção
mais
grave
c i a
herança,
j á
pelo
lavor ,
já
pela
vetustez,
já
pela
origem
d a
p r o p r i e d a d e ;
dizia
meu
pae
que
o conde
da
C u n ha ,
quando
vice-rei
d o
Brazil ,
a dera
d e
presente
a
m e u
bisavô
Luiz
Cubas .
Quanto
á
prata ,
continuou
o
Cotrim,
e u
não
faria
questão
nenhuma,
s e
não fosse
o
dese jo
que
sua
irmã
tem d e
ficar
com
elía;
e
acho- lhe razão .
Sabina
è
casada ,
e
precisa
d e
uma
copa
digna ,
apresentavel.
Você
é solteiro,
não
recebe ,
não...
M a s
posso
casar.
-
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10
REVISTA
B R A Z I L E I R A
- 1 —
Para
que?
interrompeu
Sabina.
Era
tão
sublime
esta
pergunta,
que
por
alguns
instantes
m e
f e z esquecer
o s interesses.
Sorri ;
p e g u e i
n a
m ã o
d e
Sabina, bati-lhe
levemente
n a
palma,
tudo
i s s o
c o m
tão
b o a
sombra,
que
o
Cotrim
interpretou
o
gesto
como
d e
acquiescencia,
e
agradeceu-mV>.
Q u e
é
lá?
r e d a r g u i ;
n ã o
c e d i
cousa
n en huma,
nem
c e d o .
N e m
c e d e ?
Abanei
a
cabeça.
D e i x a ,
Cotrim,
disse
minha
i rmã
a o
marido;
v ê
se
elle
quer
ficar
também
c o m
a
nossa
roupa
d o
c o r p o ;
ê
s ó
o
que
falta.
N ã o
falta
mais
nada.
Quer
a
sege,
quer
o
bo -
leeiro,
quer
a
prata ,
quer
tudo.
Olhe,
é
muito
mais
summario
citar-nos
a
juizo
e
provar
c o m
t e s tem unha s
que
Sabina
não
é
sua
irmã,
que
e u
n ã o
sou
seu
eu-
nhado,
e
que
Deus
n ã o
é
Deus.
Faça
isto,
e
não
p e r d e
nada,
nem
uma
colher inha.
Ora,
meu
amiiro,
outro
o f f i c i o
Estava
tão
agastado,
e
e u
não
menos,
que
entendi
offerecer
um
meio
d e
conciliação;
dividir
a
prata.
Riu-S3
e
perguntou-me
a
quem
caberia
o
bule
e
a
quem
o assucareiro
;
e
depois
desta
pergunta ,
declarou
que
teríamos
tempo
d e
l iquidar
a
pretenção,
quando
menos
e m
juizo.
Entretanto,
Sabina
fôra
até
á
janel la
que
dava
para
a
c h á c a r a , — e
depois
d e
um
instante,
voltou,
e
propoz
ceder
o Paulo
e
outro
preto,
c o m
a
condição
d e
ficar
c o m
a
prata;
e u
i a
dizer
que
não
me
convinha,
mas
o Cotrim
adiantou-se
e
disse
a
mesma
c o usa .
—Isso
nunca
n ã o
faço
esmolas
disse
e l le .
Jantámos
tristes.
Meu
t i o
conego
appareceu
á
so-
bremeza,
e
ainda
presenciou
uma
pequena
a l t e r c a c ã o
— Meus filhos,
disse
elle,
lembrem-se
que
meu'ir-
mão deixou
ura
p ã o
b e m
grande
para
ser
r e p a r t i d o
por
todos .
-
8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5
12/127
M E M Ó R I A S
P O S T H U M A S
1 1
M a s
o Cotrim:
—
Creio,
creio.
A
questão ,
porem,
não
é d e
pão,
é
d e
manteiga.
Pão
secco
é
que
e u
não
engulo.
Fizeram-se
finalmente
a s
par t i lhas ,
mas
nós
es ta-
vamos
brigados.
E
d ig o- lhes
que,
ainda
assim,
eus-
tou-me
muito
a
brigar
com
Sabina.
Éramos
tão
ami-
g o s
Jogos
pueris ,
fúr ias
d e
criança,
risos
e
tris-
tezas
d a
edade
ad ul ta ,
dividimos
muita
v e z
esse
p ã o
d a
alegria
e
d a
misér ia ,
i rmãmente ,
como
bons
i rmãos
que
éramos.
Mas
estávamos
brigados .
T a l
qual
a
belleza
d e
Mar ce l l a ,
que
s e
esvaiu
c o m
a s
be -
x i g a s .
CAPITULO
X L V I I 1
O
R E C L U S O
Marce l la , Sabina,
Virgilia...
ahi
estou
e u
a
fun-
dir
todos
o s contrastes,
como
s e
essas
nomes
e
pe ssoas
não
fossem
mais
d o
que
modos
d e
ser
d a
minha
affei-
ç ã o
interior.
Penna
d e
maus
costumes,
ata
uma
g r a -
vataaoteuestylo,
ves te - l he
um
collete
menos
sórdido
;
e
depois
sim,
depois
vem
commigo,
entra
nessa
casa,
es t i ra- te
nessa
r ede
que
m e
embalou
a
melhor
parte
dosannos
que
d e c o r r e r a m
desde
o
inventario
d e
m e u
pae
até
1842.
V e m ;
s e
te
che i rar
a
algum
aroma
d e
toucador,
não
cuides
que
o
mandei
d e r r a m a r
para
meu
regalo;
é
um
vestigio
d a
N .
o u
d a
Z .
o u
da U .
—
que
todas
essas
le t t rãs
maiúsculas
embalaram
ahi
a sua
elegante
abjecção.
Mas,
s e
além
d o
aroma,
quizeres
outra
cousa,
fica-te
c o m
o
desejo,
p o r -
que
e u
n ã o
guarde i
re t ra tos ,
nem
cartas ,
nem
memo-
r ias;
a
mesma
commoção
esvaiu-se,
e
s ó
m e
f icaram
a s
lettras
iniciaes .
Vivi
meio
recluso,
indo
d e longe
e m
longe
a
ai-
írum
baile,
o u
thea t ro ,
o u
palestra ,
mas
a
mór
parte
-
8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5
13/127
12
R E V I S T A
B R A Z I L E I R A
d o
tempo
passei-a
commigo
mesmo.
Vivia;
d e i x a v a -
m e
i r
a o
curso
e
recurso
d o s
successos
e
dos
d i a s ,
ora
belicoso,
ora
apathico,
entre
a ambição
e o
d e s a -
nimo.
Escrevia
política
e
fazia
l i t teratura.
M a n d a v a
artigos
e
versos
para
a s
folhas
publicas,
e
c h e g u e i
a alcançar
certa
reputação
d e
polemista
e
d e
p o e t a .
Quando
m e
lembrava
d o
Lobo
Neves,
que
era
já
de-
putado,
e
d e
Virgi l ia ,
futura
marqueza ,
pergun-
tava
a
mim
mesmo
porque
não
seria
melhor
d e p u t a d o
e
melhor
marquez
d o
que
o
L o b o
N e v e s , — e u ,
que
valia
mais,
muito
mais
d o
q u e
elle,—
e
dizia
isto
a
olhar
para
a
ponta
d o
nariz...
CAPITULO
XLIX
U M
P R I M O
D E
V I R G I L I A
—
Sabe
quem
chegou
hontem
d e
S.Paulo?
p e r g u n-
tou-me
uma
noite
o
Luiz
Dutra.
O
Luiz
Dutra
era
um
primo
d e
Virgi l ia ,
que
também
privava
c o m
a s
musas.
O s
versos
delle
a g r a d a v a m
e
valiam
mais
d o
que
o s
meus;
mas
elle
tinha
necess idade
d a
saneção
d e
alguns,
que
l h e
confirmasse
o
ap-
plauso
d o s
outros.
Como
fosse
acanhado ,
não
interro-
gava
a
ninguém;
mas
deleitava-se
c o m
ouvir
alguma
palavra
d e
apreço
;
então
criava
novas
forças
e
arre-
mett ía juvenümente
a o
trabalho.
Pobre
Luiz
Dutra
Apenas
publicava
a lguma
cousa
corna
á
mmha
casa,
e
entrava
a
girar
e m
volta
d e
mim
á
espreita
d e
um
juizo,
d e
uma
palavra ,
d e
um
gesto'
q u e l he a p p r o v a sse
a
recente
producção,
e
e u
fa lava- lhê
d e
mil
cousas
di lTerentes , -do
ultimo
baile
d o
Catte te
d a
discussão
das
câmaras,
d e
berlindas
e
cavallos
-dé
tudo,
menos
d o s
seus
versos
o u
prosas.
Elle
r espondia-
m e ,
a
pmcpio
c o m
animação,
depois
mais
frouxo,
-
8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5
14/127
M E M Ó R I A S
POSTHÜMAS 13
a
r é d e a d a conversa
para
o
seu
assumpto
delle ,
abria
um
livro,
perguntava-me
s e
t inha
algum
t r aba lho
novo
e
e u
dizia-lhe
que
sim o u
que
não, mas
torcia
a
rédea
para
o outro
lado,
e
l á i a elle atraz d e
mim,
até
que
e m p ac av a
d e
todo
e saía
triste.
M i nha
intenção
era
fazel-o
du v ida r
d e
s i mesAo,
desanimal-o,
eliminal-o.
E
tudo
isto
a
olhar
para
a
ponta
d o
nariz...
C A P I T U L O
L
A
P O N T A
D O
NARIZ
Nariz ,
consciência
sem
remorsos ,
tu m e
valeste
muito
na
vida...
Já
medi tas te
a lgum a
vez n o
des t ino
d o
nariz , amado
leitor
?
A
expl icação
d o
doutor
Pangloss
é
que
o
nariz
f o i
creado
para
uso
d o s
óculos ,—
e
tal
expl icação
confesso
que
até
certo
t em p o
m e
pareceu
definitiva;
mas
veiu
um
dia,
e m
q u e ,
estando
a ruminar
esse
e outros
pontos
obscuros
d e
phi losophia ,
atinei
com
a única, v e r d a d e i r a
e
definit iva
ex p l icaç ão .
*
Com
effeito,
bastou-me attentar
n o
costume
d o
fakir.
Sabe
o
lei tor
que
o
fakir
gas ta
longas
ho r a s
a
olhar
para
a
ponta
d o
nariz,
com
o
f i m
único d e
ver
a luz
celeste .
Quando
elle finca o s olhos
na
ponta
d o
nariz,
perde
o
sentimento
das
cousas
externas ,
embel leza-se
n o
invisivel,
a p p r e he n de
o
impalpavel ,
desvincula-se
d a
terra,
dissolve-se,
ether isa-se .
Essa
sublimação
d o
ser
pela
ponta
d o
nariz
é
o
phenomeno
mais
excelso
d o
espiri to;
e
a faculdade
d e
a obter
não
per tence
a o
fakir
somente;
é
universal.
Cada
homem tem neces-
s idade
e
poder
d e
contemplar
o seu
próprio
nariz,
para
o
f i m
d e
ver
a luz
celeste ;
e
tal
c on te m pl a ção ,
cujo
effeito
é a subordinação
d o
universo
a um
nariz
somente,
const ituo
o
equi l ibrio
das
sociedades.
S e
o s
-
8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5
15/127
14 REVISTA
B R A Z I L E I R A
narizes
s e
contemplassem
exclusivamente
uns
a os
outros,
o gênero
humano
n ã o
chegar ia
a
durar
dois
séculos :
extinguia-se
c o m
a s
primeiras
tribus.
Ouço
daqui
uma
objecção
d o
leitor
:
—Como
pode
ser
assim, d i z
elle,
s e nunca
jamais
ninguém
n ã o
viu
es tarem
o s homens
a
contemplar
o
s e u
próprio
nariz
?
Leitor
obtuso,
i s s o
prova
que
nunca
entraste
no
cérebro
d e
um
chapeleiro.
U m
chapeleiro
passa
^
por
uma
loja
d e
chapéus ;
é
a
loja
d e
um
rival,
que
a
abriu
h a
dois
ánnos;
tinha
então
duas
por-
tas,
hoje
tem
quat ro ;
promette
ter
s e i s
e
oito.
Nas
vidraças
ostentam-se
o s
chapéus
d o
rival;
p e l a s
portas
entram o s freguezes
d o
rival
;
e o
c h a p e -
leiro
compara
aquella loja
c o m
a
sua ,
que
é
mais antiga
e
tem
s ó duas
portas ,
e
aquelles
cha-
peus
com
o s
seus,
menos
buscados,
ainda
que
d e
egual
preço.
Mort if ica-se
natura lmente;
mas
va e
andando,
concentrado,
c o m o s
olhos
para
baixo
o u
para
a
frente,
a
indagar
a s
causas
d a
p r o s p e r i d a d e
d o
outro e
d o seu
próprio
atrazo,
quando
elle
cha-
pele i ro
é
muito
melhor
chapeleiro d o
que
o outro
chapele i ro . . . Nesse instante
é q u e
o s
olhos
s e
f ixam
n a
ponta
d o
nariz.
A conclusão,
portanto,
é
que
ha
duas
forças
ca-
pi taes :
o amor,
que
multiplica
a
espécie, e
o
nariz ,
que
a
subordina
a o individuo.
Procreação ,
equil íbr io .
''
J
C AP I TU L O LI
V I R G I L I A
C ASADA
— -
Quem
chegou
d e
S .
Paulo
f o i
minha
pr ima
Virg i l i a ,
casada
c o m
o Lobo
Neves,
continuou
o
Luiz
Dutra.
Ah
t
E
s ó
hoje
é
que
e u
soube
uma
cousa,
se u
m a g a n a o
-
8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5
16/127
M E M Ó R I A S
POSTHUMAS 15
Que
foi?
Que
você
quiz
casar
c o m
ella.
I d é a s d e m e u
pae.
Quem
lhe
disse i s s o
?
Ella
mesma.
Falei- lhe
muito
e m
você,
e
ella
então
contou-me
tudo.
N o
dia
seguinte,
estando
n a
rua
d o
Ouvidor, á
porta
d a
typographia
d o
Plancher ,
v i assomar ,
a
dis-
tancia,
uma
mulher
esplendida .
Era
ella; s ó
a
r e c o -
íiheci
a
poucos
passos,
tão
outra
estava,
a
tal
ponto
a
natureza
e
a
arte
lhe
haviam
dado
o
ultimo
apuro.
Corte-
j ámo-nos
;
ella
seguiu
;
entrou
c o m
o marido
n a car-
ruagera ,
que
o s
esperava
u m
pouco
acima;
e u
fiquei
attonito.
Oito
dias
depois,
encontrei-a
n'um
baile;
creio
que
chegámos
a
t rocar
duas
o u três
palavras .
M a s
n'outro
baile,
dado
dahi
a
um
mez,
e m
casa
d e
uma
s e n h o r a ,
que
ornara
o s salões
d o
primeiro
re inado,
e não
d e s -
ornava
então
o s
d o
segundo,
a
aproximação
fo i
maior
e mais
longa,
porque
conversámos
e
valsámos.
A
valsa
é
uma
deliciosa
cousa.
V als ámos ;
e não nego
que,
a o
conchegar
a o
meu
corpo
aquelle
corpo
flexível
e
magnífico,
tive
uma
singular
sensação,
uma
sen-
sação
d e
homem
r o u b a d o .
Está
muito
calor,
disse
ella,
logo
que
a c a b a -
mos.
Va mos
a o
terraço
?
Não;
pode
constipar-se .
Vamos
a outra sala.
N a
outra
sala
estava
o
Lobo
Neves,
que
m e
fe z
muitos
comprimentos,
acerca
d o s
meus
escriptos
p o -
liticos,
acerescentando
que
nada
dizia
d o s
litterarios,
por
não
entender
delles;
mas
o s
políticos
eram
e x c e l -
lentes,
b e m
pensados
e
bem
escriptos.
R e sp o n d i - l he
c o m
eguaes
esmeros
d e cortezia,
e
separámos-nos
con-
tentes
um
d o
outro.
Cerca
d e
três
semanas
depois
recebi
um
convite
de l le
para
uma
reunião
intima.
Fui
;
Virg i l i a
r e ce b e u - m e
c o m
esta
graciosa
p a l a v r a : — O
senhor
hoje
h a
d e
vai-
-
8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5
17/127
<
16 REVISTA
BRAZILEIRA
valsista
emérito;
não
admira
que
ella
me
preferisse.
Val s á m o s
uma
vez,
e
mais
outra
vez.
U m
livro
p e r d e u
Francesca;
c á
f o i
a
valsa
que
n o s
p erd eu .
Creio
que
nessa
noite
aper te i - lhe
a
mão
com
muita força,
e
ella
deixòu-a
ficar,
como
esquecida ,
e
e u
a aí)raçal-a,
e
todos
c o m
o s
olhos
e m
nós,
e
n o s
outros
que
t a m b é m
s e
abraçavam
e
giravam...
U m
delírio.
CAPITULO
LII
é
minha
E'
minha
disse
eu
commigo,
logo
que
a
passei fa
outro
cava l h e i ro ;
e
confesso
que
durante
o
resto
d a
noite, foi-se-me
a
idéa
ent ranhand o
n o
espirito,
. n ã o
á
força
d e
martel lo,
mas
d e
verruma,
que
é
mais
insi-
nuativa.
E'
m in ha
dizia
e u
a o
c he ga r
á
porta
d e
casa.
Mas
a h i 1 ,
como
s e
o
destino
o u
o
acaso,
o u
o
que
quer
que
fosse,
s e
l embrasse
d e
dar
algum
pasto
a os
meus
arroubos
possessor ios ,
luziu-me
n o
chão uma
cousa
r edonda
e
amare l l a .
A b a ixe i - m e ;
era
uma
moeda
d e
ouro,
u m a *
m e i a - d o b r a .
E '
minha
repet i
e u
a rir-me;
emetti-a
n o
bolso .
Nessa
noite
não
pensei
mais
n a
moeda;
mas
n o
d ia
seguinte,
r e c o r d a n d o
o
caso,
senti
uns
repel idas
d a
consciência,
e
uma
v o z
que
m e
perguntava
p o r q u e
diabo seria
minha
uma
moeda
que
e u
não
h e r d a r a
ne m
g a n h a r a ,
mas
somente
a c h a r a
n a
rua . Evident ement e
não
era minha
;
era
d e
outro,
daque l le
que
a
perdera,
rico
ou
pobre,
e talvez
fosse
pobre,
algum
o p e r á r i o
que
não ter ia
com
que
dar
d e
comer
á
mulher
e
a o s
filhos;
mas s e
fosse
rico,
o
meu
dever
ficava
o
m e s m o .
Cumpria
restituir
a
^
moeda,
e
o
melhor
meio,
o
único
meio,
era fazel-o
por
intermédio
d e
um
annuncio
ou
d apolicia.
Enviei
uma
car ta
a o
chefe
d e
policia,
remet .
-
8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5
18/127
M E M Ó R I A S
POSTHUMAS
17
tendo-lhe
o
ac h ad o ,
e r o g a n d o - l h e
que, pelos
meios
a
seu
alcance ,
fizesse
devolvel-o
á s
mãos
d o
verdadeiro
d o n o .
M an d e i
a
carta
e
almocei
tranquillo,
posso
até
dizer
que
jubiloso.
Minha consciência
valsa ra
tanto
na
ves-
pera ,
que
chegou
a
ficar
suffocada,
sem
respiração;
mas
a
resti tuição
da
meia
dobra
f o i uma
j anel la
que
s e
abriu
para
o
lado
d a
mora l ;
entrou
por
alli
uma
onda
d e
ar
puro,
e
a
pobre
dama
respi rou
á
larga.
Ve n t i l a e
a s consciências
não
vos
digo
mais nada. To-
d a
via,
despido
d e
qu a e s qu e r
outras circumstancias,'o
meu
acto
era
bonito,
porque
expr imia
um
justo
esc ru-
pulo,
um
sentimento
d e
alma
de l icada .
Era o
que
m e
dizia
a minha
dama inter ior , com
um
modo
austero
e
meigo
a
um
tempo
;
é
o
que
ella
me
dizia,
reclinada
a o
peitori l
da
janella
aberta.
—
Fizeste bem,
Cubas
;
a n da s t e
per f e i t ament e .
Este ar não
é
s ó
puro,
é balsamico,
é
uma
transpiração
dos eternos
j a rd ins .
Queres
ver
o
que
fizeste,
C ubas?
E
a
boa dama
sacou um
espelho
e
abriu-m'o
deante
d o s
olhos. Vi,
cla ramente vista,
a
meia dobra
da
véspera ,
r e do n da ,
brilhante,
nitida,
multipliçan-
do-se
por
s i m e s m a , — s e r
dez—depois
trinta—depois
quinh ent as ,—
expr imindo
assim
o
beneficio
que
m e
da r i a
na
vida
e
na
morte
o
simples
acto
d a restituição.
E
eu
es p ra iava
todo o
meu
ser
na
contemplação
„
daquel le
acto,
r ev ia -me
nelle,
a c ha v a - m e
bom,
talvez
grand e .
Uma
simples
moeda ,
hem?
V e ja m
o
que
éter
valsado
um
poucochinho
mais.
Assim,
eu,
Braz
Cubas, descobri
uma
l e i
sublime,
a
lei
da
equivalência
das
j ane l las ,
e estabeleci
que
o
modo
d e
compensar
uma
janella
f e c h a d a
é
abrir
outra,
afim
d e
que
a
moral
possa
a r e j a r
continuamente
a
consciência.
Talvez
não
entendas
o
que
ahi
fica
;
talvez
quei ras
uma
cousa
mais
concreta ,
um
embrulho,
por
e x e m p l o ,
um
embrulho
myster ioso .
Pois
toma l á
o
em brulho
mysterioso.
-
8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5
19/127
18 REVISTABRAZILEIRA
CAPITULO
LIII
0
E M B R U L H O
M Y ST ERIO SO
Foi
o c a s o
que,
alguns
dias
depois,
indo
e u
a
Bo-
tafogo,
tropecei
n'ura
embrulho,
que
estava
n a
praia.
N ã o digo
bem; houve
menos
tropeção
que
p o n t a p é .
Vendo
u m
embrulho,
não
grande,
mas
limpo
e
cor-
rectamente
feito,
atado
c o m
u m
barbante
rijo,
um a
cousa
que
parecia
alguma
cousa,
lembrou-me
bater-
lhe
c o m
o
p é ,
assim
por
experiência ,
e bati, e
o
embrulho
resistiu.
Relanceei
o s
olhos
e m volta
d e
mim
;
a
praia
estava
deser ta
;
a o longe
uns meninos
brincavam,
—
um
pescador
curava
a s
redes
ainda
mais
longe,
—
ninguém
que
pudesse
ver
a
minha
acção
;
inclinei-me,
apanhei
o
embrulho
e
s e g u i .
Segui, mas
não
s e m
receio.
Podia
ser
uma
pulha
d e
rapazes.
Tive
idéa
d e
devolver
o
achado á
p r a i a ,
mas
apalpei-o
e
rejeitei
a
idéa .
U m
pouco
a d e a n t e ,
desandei
o caminho
e
guiei
para
c a s a .
—
Vejamos,
disse
e u
a o
entrar
n o
gabinete .
E
hesitei
um
instante,
creio
que
por
vergonha;
assaltou-me
outra
v e z
o
receio
d a
pulha.
E'
certo
que
n ã o
havia
alli
nenhuma
tes temunha
externa;
mas
e u
tinha
dentro
d e
mim
mesmo
um
garoto,
que
havia
d e
assoviar,
guinchar ,
grunhir ,
patear ,
apupar,
cacare j a r ,
fazer
o
diabo,
s e
m e
visse
abrir
o
embrulho
e achar
dentro
uma
dúzia
d e lenços
velhos o u
d u a s
dúzias
d e
goiabas
verdes .
Mas
era
t a r d e ;
a
cur ios idade
estava
aguçada ,
c o m o
deve
estar
a
d o leitor
;
desfiz
o
embrulho,
e
vi...
achei...
contei...
recontei
nada
menos
d e cinco
contos
d e
reis.
N ad a
menos.
Talvez
um
d e z mil
reis
mais.
Cinco
contos
e m
boas
notas
e
dobras,
tudo
aceiadinho
e
ar ran jad inho ,
um
a c h a d o
ra ro.
Embrulhei-as
d e
novo.
A o
jantar
pareceu-me
que
um
d o s
moleques
falara
a
outro cornos
o l h e s .
-
8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5
20/127
M E M Ó R I A S
POSTHUMAS
1 9
Ter-jne-iam
espre i t a do
?
Inte r roguei-os
discretamente,
e
conclui
que
não. Sobre
o
jantar,
fui
outra
vez
a o
ga-
binete,
examine i
o
dinhei ro ,
e ri-me
dos
meus
c u i d a d o s
maternaes
a
respei to
d e
cinco
contos ,—eu,
que
era
abastado.
Para não
pensar
mais
naquillo
fui
c i e
noitefa
casa
d o
Lobo
Neves ,
que
instara
muito
commigo
não
d e i x a s s e
d e
f r eqü ent a r
a s
recepções
d a
mul h er .
Lá
encontrei
o
chefe
d e
policia;
fui-lhe
a p r e s e n t a do
;
elle
lembrou-
s e
logo
d a car ta
e
d a
meia
dobra
que
e u
lhe remettera
alguns
dias
antes.
Aventou
o
caso;
V irg i l i a
pareceu
sa b orea r
o
meu
procedimento ,
e cada
um
d o s
p r e s e n t e s
acertou
d e
contar
uma
anecdota
a n á log a ,
que
eu
ouvi
com
impaciei icias
d e
m u l he r
hysterica.
D e
noite, n o
dia
seguinte ,
e m
toda
aquellajsemana
pensei
o
menos
que
pude
nos
cinco
cop.tos,
e
até
con-
\
fesso
que
o s de ixe i
muito
quiet inhos
na
gaveta
d a
se -
cre ta r ia .
Gostava
d e
falar
d e
todasfas
cousas,
men os
d e dinhei ro ,
e
pr incipalmente
d e dinhei ro |
a ch a do;
e
todavia
não
era
crime
a ch a r
dinhe i ro ,
era^uma
feli-
cidade ,
um bom
acaso,
era
talvez
um
lance
d a
Pro-
videncia.
Não
podia
ser outra
cousa.
Não
s e
p e r d e m
cinco
contos,
como
s e
perde
um
lenço
d e
tabaco.
Cinco
contos
l evam-se
com
trinta
mil
sentidos,
a pa l pa m - s e
v
a
miúdo,
não
s e lhes
t i ram
o s
olhos
d e
cima,
nem
a s
mãos,
nem
o
pensamento ,
e
para
s e
p e r de r e m
assim
tolamente ,
n 'uma
pra ia ,
é
necessár io
que...
Crime
é
que
não
podia
ser
o
a c h a d o ;
nem crime,nem
deshonra,
nem
nada
que
embaciasse
o
caracte r
d e
um
h o m e m .
Era
um
a c h a d o ,
um
ace r to
feliz,
como
a
sorte
grande,
como
a s
apostas
d e
cavallo,
como
o s
ganhos
d e
um
jogo
honesto
;
e
ate
dire i
que
a
minha
fe l ic idade
e x ^ a
merec i da ,
porque
eu
não m e
sentia
mau,
nem
indigno
dos
benefícios
da
Providencia.
—
Estes
cinco
contos, dizia
eu
commigo,
três
se-
manas
depois ,
hei d e
empregal -os
e m
a lguma|acção
bo a ,
talvez
um
dote
a
a lgum a
menina
pobre ,
o u
outra
cousa
-
8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5
21/127
20 REV I S TA
Ê R A Z I L E I R A
¦
Nesse
mesmo
dia
levei-os
a o
Banco
d o Brazil .
Lá
m e
receberam
com
muitas
e
delicadas"
al lusões
a o
caso
d e
meia
dobra,
cuja
noticia
andava
jâ
espalhada
entre
a s
pessoas
d o
meu conhecimento.;
respondi
en-
fadado
que
a
cousa
não
valia
a
pena
d e
tamanho^es-
t rondo;
louvaram-me
entãof
a
1
modé s t i a , —
e
porque
e u m e
encoler isasse ,
repl ica ram-me
que
era sim-
plesmente
grande.
»
M a c h a d o
d e
Assis.
(
C o n l i n ú a )
-
8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5
22/127
O R T H O G R A P H I A
D
L Í N G U A
PORTUGUEZ
Não
ha
cousa
alguma
acerca
d a
qual
não
quest ionem
os
homens,
sempre
dispostos
a
descobrir
imperfeições
e m
tudo
e
a
indicar
correcções,
muitas
vezes
peiores
que
o s
defei tos;
e
nesta
época,
e m
que
abundam
o s
críticos
e
predomina
a
mania
d e
reformas
radicaes ,
não
admira
que
alguns
l i t teratos
le -
vantem
a
questão
d a
necessidade
d e
reformar
a
orthographia
etymologica
d a
lingua
por tugueza ,
substituindo-a
pela
que
denominam
sônica;
isto
é ,
que
cada
s o m
seja
r e p r e s e n t a d o
por
um
s ó
signal,
e
•
cada
signal
corresponda
sempre
a o
mesmo
som
Esses
illustres
r e fo rm adores
esquecem
que
a
orthographia
d e
uma
l ingua
nasce
c o m ella,
e
s 3
fixa
com
a s
obras
d o s
bons
escriptores
clássicos,
e
não
soífre
reformas
radicaes
p r o p o s t a s
por
um
o u
outro
critico.
Esquecem
que
a
o r t h o g r a p h i a
é
para
quem
aprende
a
ler
e
a
escrever
grammaticalmente ,
e
nã o
para
o s
ignorantes .
Estes,
que
muitas
vezes
falam
e
pronunciam
mal,
escrevam
como
puderem,
que
nada
s e
p e r d e r á
com
isso .
-
8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5
23/127
22 REVSTA
B R A ZI L E I R A
Nem
elles
g a n h a r ã o
cousa
a lguma s i
a s
obras
scientií icas
e
lit-
t e r a r ia s
forem
escr iptas
nessa
or t l iogr a phia
contrar ia
a o
uso
dos
c l áss icos .
Quanto
aos
es t rangei ros ,
n ã o
serão
cer tamente
o s
fran-
cezes,
o s
inglezes
e o s al lemâes
que
peçam
a mudança
d a
nossa
or t l iogr a phia ,
para
que
possam
a p r e n d e r
o
portuguez,
—elles
que
e m suas
l ínguas
conservam
a
or t l iog raph ia
etymo-
lógica.
Não
vejo
mesmo
poss ibi l idade
d e
sat isfazer
c o m p l e t a m e n t e ,
e d e
modo
razoável ,
a s
pretenções
e x a g e r a d a s
d o s
ortho-
gr a phis ta s
phoneticos;
porque
temos
e m
a nossa
língua
grande
quant id ad e
d e
palavras
que
significam
cousas
mui
diíferentes,
e
que
ent re t ranto ,
talvez
pela
m á
prosódia ,
s ó
s e
distinguem
quando
a s
escrevemos
,
como
por
exemplo
:
«
essa
e eça,
ora
e
hora ,
vós
e
voz,
massa
e
maça,
passo
e
paço, servo
e
cervo,
testo
e texto ,
sella
e cella,
cesto
e sexto,
fato
e facto,
sessão
e
secção,
annular
e
annullar ,
retratar
e
retractar,
pesar
e
pezar
» ,
e
muitas
outras
que
s ó
pela
or t l iog raph ia
s e
distin-
guem,
e
que
s e
não
devem
alterar.
Dado,
porém,
que
s e
adopte
essa
or t h og rapl i i a
que
exclue
let t ras
dob ra da s
e
differentes,
por
que
r azão ,
escrevendo
nós
«
este,
esta,
isto,
nós
e
vós
» ,
pa ssa r í a mos
a
escrever
«
eçe ,
eça,
iço,
noço
e
voço
» ,
e m
vez
d e
«
esse,
essa,
isso,
nosso
e
vosso
» ,
dobrando
o
s
é
fazendo-o
soar
?
Por
que
razão
sônica
nos
pluraes
e m
õ e s
d e
algumas
palavras
que
n o
singular
faze-
mos
te rminar
em
ão ,
como
«
coração,
corações
» ,
onde
o
e
è
mudo,
é
podia
ser
suppr imido ,
es crevend o -s e
«
coraçons
» ,
que
r ima
com «
sons
e tons
» ,
subst i tu i remos
esse
e
mudo
por
umi,
le t t ra
sibilante,
que
viciaria
a
prosódia ,
como
s e
p r o p õ e ?
Por
que
razão
sônica ,
sendo
o s
d ip h tho ngo s
sempre
longos' ,
pois que
não
podemos
pronunciar
duas
vogaes
unidas
em
uma
s ó emissão
d e
voz
sem
que
o
som
s e
a longue ,
conservar ,
contra
a
prosódia ,
o
diphthongo
ão
e m
palavras
em
que
elle
não
so a
escrevendo
«
amão,
virão,
fa la rão
, ,
em
vez
d e «
a m a m
viram,
fa la ram
» ,
como
fazem
o s
bons
escr ip tores ,
mesmo
para
distinguir
melhor
o s
diversos
tempos
dos
verbos ,
sem
necessi-
-
8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5
24/127
ORTHOGRAPHI A
D A
L Í NGUA
PORTUGUEZa
3
Reconheço
que
a
orthographia
etymologica
offerece
ás
vezes
a lgumas
dificuldades,
pr incipa lmente
nas
palavras
em
que
entra o ch,
que
ora
soa
como
x ,
ora
como
c ,
ora
como
k
ou
q .
Mas,
quando
s e
quizesse
evitar
essa
d i f i c u l d a d e ,
bastaria
es tabe lece r
como
r e g r a
geral
que
o
c h
soa
sempre
como
c o
;
suppr imir
o
h
nas
poucas
p a lavras
e m
que
o c h
soa
como
c ,
e
e m p r e g a r
o
q
naquellas
e m
que
s e
d á
esse
som
a o
ch ,
d o
q ue
ha
alguns
exemplos
e m
p a lavras
mais
vulgares.
O
que
s e
não
pôde
soífrer
é
que, por
amor
da
etymologia ,
se
escreva
«
creo,
creas ,
crea
» ,
quando
não
podemos
de i x a r
d e
pronunciar
«
crio,
crias,
cria
»
;
eque ,
por
amor
d a
má
p r o s ó d i a ,
s e
confunda
o
ad jectivo
gran,
contracção
d e
gr a n de ,
dos
doi s
gêneros ,
com
o
substantivo
g r ã o ,
e
s e escreva
«
G r ã o
Turco,
G r ã o s
Duques ,
e G r ã s
Duquezas ,
e m
vez
d e
«
Gran
Turco,
G r a n - D u q u e s
e
G r a n - D u q u e z a s
» .
Assim
também
antes
d o s
nomes
dos
santos
que
começam
por
let t ra
consoante
d e v i a m o s
esc rev e r
«
San
João,
San
Thomaz
» ,
como
s e escreve
«
Sa n
Tiago
» ,
e
não
«
S ã o
João
» ,
pois
que
são
e
sã
não
é
a
m e s m a
cousa
que
santo
e
a
contracção
san>
como
muitos
acerta-
damente
escrevem.
Julgo
também
d e s a c e r t a d a
a
pre tenção
que
a
orthographia
s e
guie
sempre
pela
prosódia ;
pois
que
esta
pôde
ser
viciosa ,
convindo
e m
tal
caso
que
ella
s e
guie
pela
orthographia.
Assim,
em
uma
gr a n de
quant id ad e
d e
palavras ,
fazemos
soar
o
pc,
opt,
o
et,
o s
dois
c
e
o s
dois
m,
como
em
« co ncep ç ão ,
apto,
effectivo,
acção
e
immorta l» ,
e
e m
outras
não,
por
pr e v a -
lecer
nessas
a
má
prosódia ,
que
não
deve
servir
d e r e g r a
á
orthographia.
Pre tend em
que
a
o r t h o g r a p h i a
sônica é
mais
p h i l o s o p h i c a
que
a
etymologica .
Mas
que phi losophia
é
essa
que
não
per-
mitteque
n a
l ingua
escr ipta
s e dis t ingam,
com
s ignaes
diffe-
i
rentes,
a s
p a lavras
homonymas
que
des ignam
cousas
diversas,
e
r ep ro va
que
e m
outras
p a lavras
conservemos
as le t t ras
que
r eve lam
a
sua
origem
?
P a r e c e
antes
que
a
phi losophia ,
p ro curand o
a
verdade
e
a or igem
d e
todas
a s
cousas ,
mesmo
das
l ínguas , no s
-
8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5
25/127
24
R E V I S T A
B R A Z I L E I R A
aconselha
que,
escrevendo,
conservemos
a etymologia
d a s
palavras.
i
Basta
que
a
l íngua
s e
corrompa
pela
m á
prosódia
d o
vulgo;
não
favoreçamos a
corrupção
c o m uma
o r t h o g r a p h i a
contraria
a o
caracter
latino
d a
bella língua
portugueza,
tão
zelosa d a
sua
o r i g e m .
Visconde d e
Aragüaya .
-
8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5
26/127
O
N A T U R A L I S M O
A
litteratura
d e
um
povoe
o
monumento
escripto
d a
sua
civilização,
d o
s e u
modo
d e
sentir,
pensar
e
obrarem
uma
d a d a
época,
s o b
a
acção
das
duas
grandes
inf luencias—histór ica
e
climater ica.
Esta
dá-lhe
o
cunho
caracterís t ico
d e
origmali-
dade ,
a
sua
feição
peculiar
e
inalienável,
affirma
o
seu eu,
oppondo-se
sempre
a o
cosmopolitismo
litterario.
A s
influencias
históricas
tem
re lação
c o m
o progresso
geral
das
idéas,
desenvolvem,
corrigem,
aperfeiçoam
e
completam
a
litteratura,
pondo-a
d e
acordo
c o m
o
t e m p o .
A
litteratura
d o s
povos
d o
Oriente,
que
vivem
s o b
o
impér io
d e
um
clima
ardente
e
d e
uma
natureza
gigantesca,
não
p o -
dendo
o u
não
sabendo
s e
livrar
desse
jugo
tão
poético
q u ã o
tyrannico, é estacionar ia .
A
natureza
exter ior
monopolisou
todas
a s
forças
poéticas
C e
milhares
d e
gerações
que
a
cantaram
e m
todos
o s
tons,
e
esses
cantos
s ã o o s
mais
bellos,
o s
mais
co -
loridos,
o s
mais
inspirados,
o s
mais
dignos
d a
excelsa
m ã e ;
mas
a
natureza
humana,
essa
maravi lha
c e m
v e z e s
mais
in-
teressante
que
o s
quadros
d a
magnificência
tropical ,
ames-
quinhou-se,
eliminou-se
comple tamente .
*,
-
8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5
27/127
2 6
R E V I S T A
B R A Z I L E I R A
O s
povos
d o
occidente,
porém,
que
junto
á s
forças
cegas
e
á s
influencias
naturaes ,
souberam
proclamar
e affirmar
o
s e u
p o d e r
e
soberania,
realizando
assim
o
celebre
preceito
d o
p e n s a d o r
britânico,
tem
uma
litteratura
necessariamente
progressiva,
essencialmente
evolutiva,
marchando
a
par
d e todas
a s
revo-
lucções
políticas
e
sociaes
que
sacudiram
a s
nações
civi l izadas .
A s
artes
plásticas,
d o
desenho
e d a
harmonia
seguem
t a m b é m ,
comquanto
a
maior
distancia,
visto seus
meios
l imitados
d ' ac-
ção,
o
movimento
geral
d o s
espír i tos .
Uma
obra
l i t terar ia ,
n o
sentido
mais
completo,
tem
que
satis-
fazer
a
duas
condições
vitaes,
n a
carência
das
quaes
será
fictícia
e
perecível :
1.°
Quen 'e l l a
seja
apresentada
a
face
eterna
d a
natureza
humana,
essa
face
idêntica
e m
todos
o s
tempos
e
e m
todas
a s
regiões,
que
nasceu
c o m
o
primeiro
homem,
para
assim
d i z e r
independente
d o
tempo
e
d o
espaço.
Através
d o
appare l h o
l i t terar io
e m
que
s e
acham
e ng a s t a da s
a s
obras
primas
antigas
e
modernas,
e
n o
fundo
mesmo
d e
todas
a s
concepções
artísticas,
lobrigamol-a
s e m
muito
custo
Por
mais
contrarias
e
inimigas
que
â
primeira
vista
n o s
pa-
Z„l
S C Í T Í 1 Í Z a S 3 e S '
a S
S U a S
o b ™
l i t t e r a r i a s
*
U m ú Â m
quando
procuram
pintar
a s
paixões
humanas;
podemos
até
por
abstraio
d o
meio,
transportais
d e
u
n a
par"
ouüt
época
o.entóo
veremos
que
s ó
a s
circunstancias
muda
a m
ós
eróes
d e
Moliêre ,
pertencentes
à
nobreza,
a o
clero
a
lebe
ercados
pelos
preconceitos
e
pela
i ímoranrh
n ~ /
P
'
hoie
• "
mas * i
* m
i- T
,
-
^noianc,a^
n a o
existem
mais
oje ,
mas
s i
e m
logar
d e
nobreza
dissermos
dinheiro
e em
og ar
d e
plebe
pobreza,
e tc ,
veremos
que
a
comedia
sociaH
empre
a
mesma
wueoa
ocial
é
2.°-a
representação
f i e l
e
animada
dessas
circumstancias
d o
estado
geral
d a
sociedade,
d o
homem
colleZTcZTò
enorme
actor
d o
d r a m a ^ m
que
s e
deve
ouvir iZ? *
a
poeema
desse
immenso
ĴZZẐZZ
terminavel
c o m
a
fa ta l idade .
Todas
a s
influenc
a s
mZn
naturaes
e
sociaes
devem
ser
ahi
e.postaspd
""
J*g*
es
e
vícios,
grandezas
e
misérias ,
crimes
mazela+
'/
mazellas>
*udo
-
8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5
28/127
O NATURALSMO 27
À
s incer idade ,
a
v e r d ad e , e i s
o
que
s e
deve
exig i r
e m
pri-
meiro logar.
Mas
quaes
devem
ser a s
cores ,
a s
d a
r e a l i d a d e o u
a s
d a
arte,
dando a
esta
pa l avra
a
significação
res t r ic ta
d o s
rhetoricos?
Eis
a
questão
sobre
a
qual
o s
pa r t idá r ios
e x t r e m o s
sedigladiam
s e m
q u e r e r
c h e g a r
a
um
acordo ,
aliás obvio.
A arte é a
rea l ização
d o
ideal ,
dizem
o s
idea l is tas .
Essa
definição
é
um
pouco
m etap hys ica
e
como tal incompreh en-
sivel,
s ó
sat isfazendo
completamente
aos
que
s e
encantonam
n o s
a r r a ia e s
azues d e
um
lyrismo
impossivel
hoje.
A
escola dita
rea l is ta não
tenta
definir
o
que
seja
a
arte,
contentando-se
e m
aflSrmar
que
uma obra
artís t ica
deve
se r
express i v a
e
bem
a ca b a da . P a ra
nós,
a
definição
d e Byron—
a
Arte
é a N a t u r e z a
at ravés d o
h o m e m — é
a
mais
genér ica , p o r -
que
a b ra n g e
todos
o s
gêneros
e escolas. Entre
a
r e a l i d a d e
nua
e crua
e
um
produ ct o
esthet ico
interpõe-se
ô
homem
como
in te rpre te ,
seja
mesmo
como
um
p h o t o g r a p h o ,
mas
um
photo-
g r a ph o
cuja
sciencia
é
e x t r e m a m e n t e difficil,
quando
pretende
pi lhar
o
original
a
geito,
e m
boa
posição
d e
propicia
luz.
A s
mais
br i lhantes
phantas ias
d a
imaginação
não
custam
á s
vezes
tanto
quanto
uma
simples scena
d a realidade.
Essa,
afim
d e
fixar-se
a
sua
imagem,
tem
que
a t ravessa r
para
ser
a p u r a d a , d e p u r a d a ,
unificada
e
color ida,
o
maravi-
lhoso
cadinho
que
s é chama
o cérebro
humano.
A
ar te
nã o
pode
viver
sém
a
l ibe rd ad e
;
o
gr a n de
e
legitimo modelo
é a
Naturez a ,
isto não
entra
mais e m
discussão ,
éumaxioma.
Todo
o
prob lema
está
e m
transformar
a
R e a l i d a d e
é m
Verdade
esthet ica
:
prob lema
que
s ó
p o d e r á
ser resolvido
pelos
h o m e n s
d e
v e r d a d e i r o
ta lento,
este iados
pelo
estudo e
pela
ob s e r v a ção
a ccu ra da
e
constante.
A
m e d i o c r i d a d e habi l idosa
econhecedora
d a
arte
d o savoirfaire
nunca
co ns egui rá
resolvel-o. Todos os
gêneros
possuem
obras
feitas
por
esse
precei to ,
mas
sempre
* d e
escr iptores
que
e m
tempo souberam
l ivrar-se
das
estheticas
a c a n h a d a s
e sys temat icas
d a
maldi ta
raça
dos
rhetoricos.
O
per íodo
litterario
que
a t raves s am o s
não tem
accen tuação
definida,
é
d e
t rans ição ,
d e
laboração ,
para
assim
dizer ,
chi-
mica.
Desse
eclect ismo,
dessa
mistura ,
ha
d e
surgir,
após
-
8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5
29/127
28
REVISTA
B R A Z I L E I R A
longa
e
incruenta
luta,
a
combinação
d e
todos
o s
elementos bons
dos
systemas
estheticos
que
nos
p r e c e de r a m ,
e
o s
pontos
d e
vista
hão
d e
ir
reunindo
n'um
s ó ,
grande ,
v e r d a d e i r o
e
e levado.
O
espirito
scientifico d o
século
fe c u n da r á a intelli-
gencia
dos
homens
d e le ttras ,
e dessa
benéfica
he m a t o s e
p r o -
virá
a
litteratura
naturalista,
o reino
d a
v e r d a d e
escripta,
o
estudo
racional ,
verídico,
e sobretudo inteiro , d o
homem
e
d a
sociedade , com
a expl icação
das causas
e
d o s
effeitos.
E'
isto
o
que
entendemos
por
naturalismo
na
arte. U m
livro se rá
um
livro.
Não
mais confundir-se-á
o
trigo
c o m
o
joio ,e p ar a
s e fazer
uma
obra será
preciso
mais
a lguma
cousa
que
penna,
papel,
tinta
e
um a
o u
mesmo
nenhuma
idéa.
Diminuirá
a
quanti-
d ad e ,
mas e m
proveito
da
qual idade .
Certo
que
isso
não
será
ainda
p a r a
o s
nossos
bisnetos,
mas,
como o
tempo,
e m todas
a s
lucubraçoes
humanas ,
está
sempre
n a
razão inversa
d o
tra-
balho
e
da
vontade ,
seria muito
dese jável
e
profícuo
que
a
critica
militante
doutr inasse
nesse
sentido.
Desgraçada-
mente
a
critica
militante ,
a
critica
es t ipendiada
e
quotidiana,
vive
por
tal
forma
enleiada
d e
interesses,
tão
s u b or d in a da ,
tã o
s u b or n a da ,
tão
desorg a n i z a da
e t ã o
descrente
que
torna-se
quasi
nulla.
Aos
que
não
fazem'profissão
d e
critica,
e
que
por-
tanto
tem
mais
de s a s s o m br o
e
coragem,
cabe
a tarefa.
O
classismo
morreu
anêmico,
o
romantismo
tísico,
o
satã-
nismo
apoplet ico ,
o neo-real ismo
parece
que
quer
m o rre r
s iphi-
litico.
Como
o
t iveram
a s
outras
escolas,
o
real ismo
tem
r a z ã o
d e
ser
na
força
mesma
das
cousas,
chegou
a tempo
e
á
h o r a
e
já
tem
p r o duz i do
importantes
fructos .
S i o
seu
pecúl io
é
já
considerável ,
não
basta
c o m
tudo
para
completar
a sua
contri-
buição
;
e
pena
é
que
s e
este ja
desnorteando
com
excessos
e
d e b o -
ches
que
lhe
gas tam
a
vita l idade e
o
fazem
confundir
com
ero-
tismo
ep r i ap i s m o ,
cousa
que
nem
o
mérito
d a
novidade
p o s s u e .
Não
ha
nada
mais
per igoso
d o
que
um
poeta
soi-disant
r e a -
lista
e
que
dispõe
d e
uma
imaginação
romântica.
Que
copie
p ro s a icam ente
a
r e a l i da de
como
ella é ,
d ê
um
toque
d e
mais
o u
d e
menos,
s e m
unidade,
sem
coh esã o ' en t re
a s
observações ,
produzindo
um
t rabalho
desenxabido , insipido
e
descon ch a v a do ,
vá
lá,
porque
o
l e r ã o .
-
8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5
30/127
o
nauralismo
29
Mas
pôr
uma
phantas ia
ardente
a o
serviço
desse
ultra-rea-
lismo
d e s b r a g a d o ,
que
s e
compraz
e m
alcouces
e
podr idões ,
é
um
crime
litterario;
todos
o
lêm,
at t ra ídos
pelo pomo
ve-
da do ,
mas
todos
e m
breve
sentem-se
saciados
e
e n o j a d o s .
N o
romance ,
onde
o
campo
por
e x p l o r a r
é
vastissimo
e
por-
tanto
mais
livre,
j á
o
processo
dessa
escola
tem
sido
e m p r e -
gado
com
muito
êxito
;
mas
n o
thea t ro ,
e m
que
o
descriptivo
está
quasi
banido 'e
onde
s ó
é
possivel
um
pequeno
numero
d e
quadros
escabrosos ,
o
gênero
é
difficilimo.
Parece-nos
mesmo
que
a
litteratura
dr a m á t i c a
não
pôde
ir
além
d o
ponto
a
que
chegou
Dumas
Filho.
Mas
até
ahi
ainda
r es tam
muitos
a ta lhos ,
escaninhos
e
ainda
e s t r ad as
ine x p l o r ad as .
Uma
peça
theatral
deve
ser
o
desenvolvi-
mento
d e
uma
these
social,
mas
um
desenvolvimento
vivo,
re levante ,
incisivo,
cheio
d e
quadros
reaes
e
per ipéc ias
con -
comitantes
d o
facto
principal ,
cr ivada
d e
ref lexões
m o r a e s ,
r áp i d a s
como
um
ap o p h t e g m a ,
e d e
satyras
finas
e
terriveis
como
a
lamina
d e
um
estylete ;
não
feito
somente
para
mover
o
coração ,
mas
o
espirito
todo.
Muitos
dizem
que
as
peças
d e
Dumas
Filho
são
sem
m o r a l i da de .
Certo
que
ellas
não
te m
apotheose ,
e m
que
o
anjo
d o
bem
supplanta
o
anjo
d o
mal
p o r
entre
fogos
d e
Bengala
e
a l e g r ia
dos
anjinhos.
A
m o r a l id ad e
d a
obra
jaz
n o
centro
mesmo
da
acção,
a
sua
força
provém
d a s
própr ias
forças
d o
vicio,
e
s i
embalde
p r o c u r a r d e s
e m
scena
o
r epresen t a n t e
d a
vir tude ,
olhae
p ar a
a
platéa ,
porque
ahi
en-
contra re i s
a
indignação,
e
essa
cur ios idade
d e
quem
quer
conhecer
a
v e r d a d e
sem
rodeios
em
scena
p ar a
poder
desl indal-a
na vida
real.
Como
Pois
então
descobr i r
e
apontar
vicios
e viciosos,
tratantadas,
e
tratantes
que
nós
não
conhecemos,
aos
quaes
t o d o s
o s
dias
t i ramos
respe i tosamente
o chapéo ,
não
é
moralizara
soc i edade
?
Ahi
onde
a
policia
pouco
p ôd e
intervir,
convém
que
s e
nos
desvendem
o s
olhos
e
que
nos
policiemos
a
nós
mesmos,
e
sabermos
o
que
pôde
produzir
a ambição
desenfreada,
o s
desejos
mal
contidos
e
mal
d i r ig idos ,
a
mà
fé,
a desconfiança
d e
s i
e
dos
outros,
etc,
etc.
O
e spe c ta d or
é
obr igado
a
reílèctir
e deduzi r
por
s i ,
sem
a intervenção
das
t i radas
d e
soporifera
-
8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5
31/127
30
R E V I S T A
BRAZILEIRA
m o r a l i da de .
O interesse
d a intriga
e
o
jogo
das
paixões
d e v e m
ter
o
p o der
d e
arrastar
o
espec tador
âté
o
ep iphonema
d a
these,
ponto
e m
que
publico
e
autor
chegam
a o
mais
r igoroso
a c o r d o .
E'
evidente
que
para
o
successo
nesse
gênero
torna-se
prec iso
um
immenso
talento.
Tudo
o
que
dissemos
refere-se
á
litteratura
propriamente
dita,
isto
é ,
a o
d r a m a
e a o
romance.
A
pura
poesia,
o
lyrismo,
que,
digam
o
que
quizerem,
ac o m p anh ar á
sempre
o
h o m e m
emquanto
este
t iver
um
coração;
que
é
essa
indefinivel
a s p i r a ç ã o
a
a lguma
cousa
d e
melhor
e
d e
mais
puro,
ar roubo
d a
alma
e m
momentos
s ingulares ,
viverá
sempre
independente
d o s
pro-
gressos
d a
sciencia;
não
s e
lhe
contrapõe ,
nem
collabora
com
ella;
viveu,
vive
e
viverá
n o
intimo
d o h o m e m .
U r b a n o
Duarte.
-
8/18/2019 A Revista Brazsdileira, 1880, t. 5
32/127
y
T U
S Ó ,
T I ,
P U R O
A M O R . . .
C O M E D I A
(*)
T u
s ó ,
tu,
puro
amor,
com
força
crua,
Que
o s
corações
humanos
tanlo
obriga...
(Luziadas,
3 , cxix.)
Pessoas
CAMÕE
D .
ANTÔNIO D E L I M A .
C A M I N H A .
D . MANOEL DE
P O R T U G A L .
D .
CATHARINA
DE
AT HAYDE.
D .
FRANCISGA D E
A R A G Ã O .
Sala
n o
paço .
SCENA
I
C A M I N H A ,
D .
M A N O E L
D E P O R T U G A L
(Caminha
vem
d o
fundo,
â
e sque rd a ;
vae
a
entra r
pela
porta
d a
direita,