a relevancia da pragmatica na pragmatica da relevancia
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A RELEVNCIA DA PRAGMTICA
NA PRAGMTICA DA RELEVNCIA
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Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul
Chanceler:Dom Dadeus Grings
Reitor:Joaquim Clotet
Vice-Reitor:
Evilzio TeixeiraConselho Editorial:
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EDIPUCRS:Jernimo Carlos Santos Braga DiretorJorge Campos da Costa Editor-chefe
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Jorge Campos
A RELEVNCIA DA PRAGMTICA
NA PRAGMTICA DA RELEVNCIA
Porto Alegre2008
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EDIPUCRS, 2008
Capa: Josianni dos Santos Nunes
Preparao de originais: Daniela Origem e Grasielly Hanke Angeli
Diagramao: Josianni dos Santos Nunes
Reviso: do autor
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
C837r Costa, Jorge Campos daA relevncia da pragmtica na pragmtica da relevncia
[recurso eletrnico] / Jorge Campos da Costa. Dadoseletrnicos. Porto Alegre : EDIPUCRS, 2008.
135 p.
Modo de Acesso: World Wide Web:
ISBN 978-85-7430-834-0 (on-line)
1. Lingstica. 2. Pragmtica. 3. Semntica. I. Ttulo.
CDD 410
Ficha Catalogrfica elaborada peloSetor de Tratamento da Informao da BC-PUCRS
Av. Ipiranga, 6681 - Prdio 33Caixa Postal 1429
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SUMRIO
APRESENTAO ..................................................................................................... 6
INTRODUO ........................................................................................................... 8
1 FUNDAMENTOS HISTRICO-TERICOS DA PRAGMTICA........................ 12
1.1 As Revolues Lingsticas e as Origens da Pragmtica ............................ 12
1.2 Pragmtica Definio, Objeto e Questes Metatericas............................ 21
1.3 A Pragmtica como Paradigma Pr-Revolucionrio ..................................... 41
2 A Teoria Inferencial das Implicaturas: Descrio do Modelo Clssico de
Grice ........................................................................................................................ 47
2.1 A Teoria Inferencial das Implicaturas: Perspect ivas e Limi taes do Modelo
Clssico de Grice ................................................................................................... 60
2.2 A Relevncia da Relevncia para o Modelo Clssico Ampliado .................. 86
3 O MODELO DE GRICE AMPLIADO - UMA CLASSE DE APLICAES........1033.1 Aspectos Comunicacionais do Slogan Pol tico ............................................103
3.2 O Dito e o Implicado no Slogan Poltico Observaes Tericas..............106
3.3 O Dito e o Implicado no Slogan Poltico: O Clculo das Implicaturas ........109
CONCLUSO .........................................................................................................125
BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................128
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APRESENTAO
O ensaio que se segue , com pequenas alteraes, o resultado de minha
dissertao de mestrado apresentada em 1984. Ela representa trs pretendidas
contribuies: caracterizar uma breve investigao histrico-terica sobre a evoluo
da Pragmtica enquanto possvel ruptura ao desenvolvimento clssico da
Lingstica; propor um refinamento ao modelo da Teoria das Implicaturas devidas a
Grice (67-75) em que a noo de relevncia alada categoria de supermxima,
com a inteno de tornar tal teoria mais eficiente e, ao mesmo tempo, intacta seu
quadro conceitual bsico; e, finalmente, tratava-se de uma proposta de possvel
aplicao ao discurso poltico tipo slogan para avaliar a potencialidade do modelo,
ento, refinado. Paralelamente, ainda na primeira metade da dcada de 80,
Sperber&Wilson iniciavam seus artigos sobre o mesmo tema da Pragmtica, em
que, tambm partindo do trabalho de Grice, iriam redundar numa teoria cognitiva
que viria a ser conhecida como Teoria da Relevncia, cuja primeira verso de
1986. Sua forma de abordagem distinguia-se da minha pela inteno de um novo
modelo comunicativo no escopo das cincias cognitivas e pela superao muito
mais ampla da proposta griceana. Meu trabalho tinha a idia, bem mais simples, depreservar Grice e de, apenas, retific-lo intrateoricamente. A coincidncia que
tanto a TR como minha dissertao, em suas origens, tinham a intuio de que a
noo de relevncia era mais poderosa do que parecia, como, alis, o prprio Grice
insinuara.
De l para c, muita coisa mudou e, exatamente por isso, permitiu-nos uma
adequada reavaliao do trabalho em pauta. Primeiramente, a proposta de
Pragmtica como ruptura, no sentido Kuhniano, do paradigma tradicional daLingstica, mostrou-se apropriada. De fato, a evoluo da interface
Semntica/Pragmtica, hoje, atrai um enorme esforo terico e uma centralizao
da pesquisa sobre a questo do significado e da inferncia na linguagem natural. A
Pragmtica, nesse contexto, foi, sem dvida, a disciplina que mais cresceu em
mbito internacional e mais evoluiu metodologicamente. Num segundo momento,
cabe considerar que, tanto verdade que a noo de relevncia era um espcie de
supermxima a subir na rvore hierrquica conceitual, que a proposta de S&W, comtal noo no centro, tornou-se extremamente bem-sucedida, especialmente em
relao s pesquisas interdisciplinares. Por fim, o potencial de aplicao do modelo
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griceano cada vez mais reconhecido e no seria exagero apont-lo como um dos
candidatos mais fortes ao topo das investigaes em Filosofia da Linguagem, ao
lado de contribuies como as de Frege, Russell e Wittgenstein.
O presente ensaio, modesto em suas pretenses e origens, tambm se
justifica em sua publicao por uma razo particular: um sem-nmero de
dissertaes e teses tm sido desenvolvidas, em que o carter apologtico
tradicional de defesa de uma teoria tem sido substitudo por um esprito crtico mais
saudvel e produtivo, coisa que a minha dissertao original pretendia. Parecia-me,
na poca, que uma proposta de fascinantes e elucidativos insights como a de Grice
deveria ser abordada, num primeiro momento, atravs de uma crtica construtiva, em
que possveis dificuldades fossem contornadas por algum tipo de refinamento.Muitas vezes, na perspectiva de academicismo oportunista, idias de alto poder
descritivo e explanatrio so pretensamente demolidas por contra-exemplificaes
precipitadas.
Dezenas de estudantes que assistiram aos meus cursos na Ps-Graduao
em Lingstica da PUCRS me deram a sensao de que compartilhavam desse
esprito ao comearem sua trajetria de investigadores. A eles, na verdade, devo a
coragem de publicar, quase na ntegra, um trabalho de mais de vinte anos atrs,quando o mundo era to diferente e ainda no conhecamos a proliferao
vertiginosa das reflexes em rede e seu impacto sobre as teorias.
Jorge Campos
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INTRODUO
A lingstica do sculo XX atravessou importantes momentos de convulses
metodolgicas. Aps duas grandes revolues em que o Estruturalismo de Saussure
e Bloomfield e o Gerativismo de Chomsky produziram, como teorias cientficas,
expressivas contribuies nos nveis morfolgicos, fonolgicos e sintticos, a
pesquisa lingstica continuou enfrentando srias dificuldades diante dos problemas
altamente complexos que envolvem o fenmeno da significao em linguagem
natural.
A partir do intenso debate envolvendo os textos clssicos de Frege (1892),
Russell (1905), Strawson (1950), Wittgenstein (1953), Grice (1957-1967), Austin
(1962) e Searle (1969), entre outros, as teorias do significado se desenvolveram
excepcionalmente. Conseqncia disso, nos ltimos quarenta anos, as subteorias
lingsticas, Semntica e Pragmtica, constituem-se no palco de uma expressiva
batalha metaterica, especialmente ao nvel da interface, em que se busca uma
abordagem sistemtica de problemas relativos ao significado em linguagem natural,
abundantemente introduzidos pelos filsofos recm mencionados. Nas comunidades
mais tipicamente lingsticas, a investigao sobre o significado tambm se tornouum centro de conflitos, como o famoso debate provocado pelas problemticas
relaes entre o componente sinttico e o semntico, dentro do chamado Modelo
Padro de Chomsky (1965). As crticas a tal modelo propostas pela tendncia
reconhecida como Semntica Gerativa passaram histria como um dos momentos
de maior disputa terica na segunda metade do sculo passado, inaugurando uma
agenda intensa de compromissos metodolgicos no tratamento da significao.
Dentro desse quadro de origens modernas da abordagem do significado, oque os anos recentes tm presenciado uma proliferao de tendncias tericas
sustentadas por diferentes concepes e fundamentos. Assim, podem-se identificar,
ao nvel da Semntica, direes mais formalistas, naturalistas, ou ainda sociais, para
citar apenas as mais tpicas. Em decorrncia disso, tambm se pode supor uma
teoria pragmtica, cuja natureza seja a de complementar ou, at, de fundamentar a
Semntica, dada a existncia de fenmenos significativos heteromrficos que
justifiquem a necessidade de duas diferentes disciplinas. Historicamente, o que sepode evidenciar na relao entre uma Semntica de base lgica frege-russelliana e
uma Pragmtica modelo Grice. Assumindo-se, no caso, uma diferena fundamental
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entre acarretamentos e implicaturas, enquanto inferncias de natureza diversa,
parece razovel aceitar-se que a Semntica se encarregue das primeiras e a
Pragmtica, complementarmente, d conta das segundas. Da mesma forma, pode-
se supor - Montague teria pensado, assim -uma Pragmtica formal de diticos
necessria para a constituio de uma Semntica tambm formal. De fato, no
sendo dessa maneira, cai-se na dificuldade de uma disciplina formalmente
desejvel, que se apresente como inadequada para o tratamento de corriqueiras
inferncias comunicativas da linguagem natural, ou mesmo de uma Semntica de
Condies-de-Verdade incapaz de tratar proposies com diticos. Isso no significa
que no possa haver tratamentos mais especficos fora da interface semntico-
pragmtica. o que ocorre com Semnticas de base cognitiva, como a proposta porJackendoff, cujo roteiro de investigao est mais determinado pela interface com a
Sintaxe. De maneira anloga, no outro lado, aparecem abordagens essencialmente
pragmticas, como o caso da clssica Teoria dos Atos de Fala de Searle (1969) na
tradio de Austin (1962), Grice (1957-75) e, entre as mais recentes, Levinson
(1983).
Seja como for, o que parece razoavelmente consensual a intuio original
griceana de que h uma diferena essencial entre o dito - o que vai ser decodificado- e o implicado - aquilo que vai ser inferido. Se isso assim, trata-se de investigar a
interface semntico-pragmtica em seus aspectos mais bsicos para fundamentar a
necessidade das duas disciplinas, ou reduzi-las, radicalmente, uma outra. A nossa
opo a primeira, e o que se segue a tentativa de argumentar em favor dela.
Dado o contexto acima, o ensaio que se segue abordar questes em trs
nveis diferentes:
1 Histrico/Terico - Nesse nvel estaro situadas as discusses sobre ateoria pragmtica, sua histria, sua posio atual dentro do contexto lingstico e sua
interface com a semntica. A nossa hiptese, aqui, a de que a interface semntico-
pragmtica representa, na inspirao de Kuhn (1962), um pr-paradigma de
transio emergente na pesquisa sobre a significao em linguagem natural.
2 Terico/Metodolgico - Nessa parte sero apresentados o modelo
pragmtico de Grice (1967-1975), em sua potencialidade terica e seus pontos
crticos, e uma proposta de refinamento de seu ncleo estrutural. Nesse nvel, a
nossa hiptese a de que o modelo de Grice refinado consistente para explicar
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um tipo de inferncia que se situa alm do dito, autorizada pelo remetente, captada
pelo destinatrio e denominada implicatura, na interface com a semntica do dito.
3 Lingstico/Discursivo - Nesse plano, completaremos a nossa
investigao sobre o modelo pragmtico de Grice, tal como reformulado, checando,
no mesmo momento, a sua potencialidade de aplicao. A classe de enunciados
escolhida o discurso poltico sob a forma de slogan, e a nossa hiptese, aqui, a
de que esse tipo de fragmento uma forma discursiva que depende,
essencialmente, de abordagens pragmticas que possam dar conta, como o modelo
de Grice o faz, de inferncias implcitas ditas implicaturas.
Para atingir o nosso objetivo nesses trs nveis, o ensaio organizado em
trs captulos que se referem a cada uma das hipteses, sem que a unidadetemtica seja perdida. No primeiro captulo ser discutido o cenrio histrico-terico
que subjaz s pesquisas sobre a Pragmtica, seu objeto e seus limites, levando-se
em considerao o modelo de histria da cincia de T. S. Kuhn (1962), para a
caracterizao do conceito de pr-paradigma de transio. No que se refere ao
objeto da pragmtica e sua posio dentro do quadro das teorias da significao
em linguagem natural, assumiremos idias de Grice (1975), Gazdar (1979), Sperber
e Wilson (1982) e Levinson (1983), aparecendo tambm alguma contribuio deGivn (1982).
No segundo captulo, desenvolveremos a proposta de Grice (1967-1975)
expressa em Logic and Conversation. A discusso da potencialidade terica do
modelo, bem como o de seus pontos crticos, ser feita levando-se em considerao
Thomason (1973), Kempson (1975), Sadock (1976), Karttunen e Peters (1979),
Gazdar (1979), Sperber e Wilson (1982), Levinson (1983). Na terceira seo deste
captulo, apresentaremos um refinamento do modelo de Grice, no sentido de torn-lomais eficiente descritiva e explanatoriamente. Para isso, levaremos em conta
reformulaes das mximas de quantidade e qualidade, devidas a Gazdar, a
reduo do conceito de pressuposio ao de implicatura devida a Karttunen e Peters
(1979) e desenvolveremos, ns mesmos, uma crtica s mximas e uma
reorganizao do conceito de relevncia, aproveitando sugestes de Sperber e
Wilson (1982) e M. Dascal (1982)1. Tal conceito, em toda a sua complexidade,
ocupar uma posio terica decisiva em nosso ensaio.
1 Cabe registrar, aqui, o artigo de M. Dascal "Relevncia Conversacional" de 1977, como um dosraros trabalhos em portugus sobre a pragmtica de Grice. Cabe, tambm, a Dascal o mrito de ter
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No ltimo captulo, a anlise de dez slogans polticos pelo modelo de Grice
refinado ser o objeto atravs do qual devero ser atingidos dois propsitos:
- checar a adequao descritiva do modelo sob avaliao e a capacidade
explanatria da teoria pragmtica que ele representa;
- trazer elucidaes descritivas e explanatrias significao extraliteral do
discurso poltico;
Uma expectativa de contribuio especial, nesse captulo, diz respeito
modelagem da propriedade griceana de calculabilidade para descrever implicaturas
encadeadas. Tais cadeias inferenciais, identificadas e descritas, permitem avanar-
se, solidamente, na direo da objetividade dos implcitos tipo implicaturas.
Em seu conjunto, o presente ensaio tem a inteno de servir como umareferncia terica para os debates sobre a pragmtica entre os lingistas e os
filsofos da linguagem, bem como sugerir uma investigao mais extensa sobre as
propriedades do discurso poltico, mais particularmente aquelas que parecem ter um
papel determinante na fora ilocutria e perlocutria desse tipo de mensagem. Em
suma, estamos tentando desenvolver, com nosso texto, a pesquisa terica de
inferncias no-triviais e a aplicao ao tipo de discurso talvez mais interessante,
pelas suas conseqncias - aquele capaz de levar ao gesto poltico.
organizado a coleo "Fundamentos Metodolgicos da lingstica" onde aparece traduzido o textoclssico "Logic and Conversation" de H. P. Grice, por J.W.Geraldi.
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1 FUNDAMENTOS HISTRICO-TERICOS DA PRAGMTICA
1.1 As Revolues Lingst icas e as Origens da Pragmtica
A anlise da Pragmtica como uma das tendncias mais recentes da
lingstica contempornea no pode ser feita sem uma contextualizao histrica
que permita compreend-la em toda a sua extenso. Os historiadores da lingstica,
com raras excees, trabalham, infelizmente, dentro de uma concepo tradicional e
relatam os principais acontecimentos lingsticos como se a cincia evolusse pela
acumulao de conhecimentos.
Mesmo em Meyerson, um dos precursores da nova filosofia da cincia, fica
implcita a idia de que as teorias novas representam uma seqncia das anteriores,
como se o progresso cientfico fosse contnuo2. Hoje, entretanto, os filsofos so
praticamente unnimes ao condenar essa concepo de cincia cumulativa, como
equivocada3.
Uma das obras mais ilustres dentro da filosofia da cincia contempornea
A Estrutura das Revolues Cientficas de T. S. Kuhn (1962). Atravs dela,
possvel um exame mais sistemtico da seqncia de transformaes tericas na
histria da lingstica4.
Uma cincia, para Kuhn, pode ser entendida como uma atividade de
resoluo de enigmas do tipo quebra-cabeas. Num perodo de estabilidade, uma
comunidade cientfica vai resolvendo os problemas que surgem, mediante um
conjunto de regras que subjazem pesquisa e que constituem o modelo de
investigao compartilhado pelos cientistas daquela comunidade. Kuhn chama esse
modelo de Paradigma5.Diz-se que uma cincia atravessa uma fase de normalidade, medida que
os problemas esto sendo resolvidos dentro de um paradigma bem sucedido. No
2 Emile Meyerson, Identity and Reality, 1930.3 Bachelard, Popper, Kuhn, Lakatos, Feyeraband, entre outros, so filsofos da cincia que, nasegunda metade do nosso sculo, defendem, apesar das inmeras divergncias entre si, umaconcepo de evoluo cientfica fundada na descontinuidade das teorias.4 Marcelo Dascal, no seu artigo "As Convulses Metodolgicas da Lingstica Contempornea",tambm aplicou o sistema de Kuhn para investigar as relaes entre a teoria padro de 1965 e a
semntica gerativa. (In: Fundamentos Metodolgicos da Lingstica Contempornea, So Paulo,1978). Searle tambm utiliza os conceitos de Kuhn em seu artigo "La Revolucin Chomskyana en laLingstica", In: "Sobre Noam Chomsky: Ensayos Crticos", Madrid, 1971, pgina. 17.5 cf. Tomas Kuhn, A Estrutura das Revolues Cientficas, pgina 30.
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momento, entretanto, em que um desses problemas persiste, desafiando o
paradigma vigente e transformando-se numa anomalia, ocorre um perodo de crise.
A comunidade cientfica v abalado o seu modelo de pesquisa, percebe os limites de
seu paradigma, e comea aquilo que Kuhn conceitua como perodo de cincia
extraordinria. Nessa fase, diz ele, comum que surjam especulaes de diversos
tipos, propostas metafsicas, tentativas de resoluo do problema por hiptese ad
hoc, ampliao ou reviso do modelo em crise, etc. Pode surgir, ento, um
paradigma rival que se proponha resolver o problema at ali insolvel. Trava-se uma
verdadeira batalha de paradigmas e, por diversas razes, surge um paradigma
vitorioso que define uma nova fase da cincia normal para uma comunidade
cientfica. Kuhn denomina essa descontinuidade no progresso do conhecimento derevoluo cientfica6.
As idias de T. S. Kuhn no se esgotam, obviamente, assim, de maneira to
simplificada. Trata-se de um quadro terico bastante frtil em sugestes histricas e
metacientficas e, por isso mesmo, continua merecendo a ateno dos melhores
filsofos da cincia. O debate entre suas idias e as de Popper um dos momentos
mais expressivos do sculo XX para a fundamentao do conhecimento cientfico7.
Contrariando um pouco as crticas de Popper, a histria da Lingstica , semdvida, um exemplo privilegiado da eficcia terica do modelo kuhniano para
explicar o movimento de uma teoria cientfica.
De Saussure a Chomsky, passando por Hjelmslev, Jakobson, Bloomfield,
Lakoff, Katz, Montague, entre outros, a lingstica, do sculo XX para c, tem sido
uma sucesso de fases em que, aps um perodo relativamente curto da cincia
normal, surgem problemas anmalos que colocam em crise o modelo vigente;
aparecem as tentativas de ampliao, a fase da cincia extraordinria, e finalmente,um paradigma revolucionrio que inaugura uma nova etapa de cincia lingstica
normal. Foi assim com o modelo estrutural, com o gerativo-transformacional, e est
por se definir, assim, no nosso entendimento, com o modelo de interface
Semntica/Pragmtica.
exatamente por isso que faremos, nesta seo, uma retomada da histria
das revolues lingsticas inspirados pela interpretao de T. Kuhn. Parece-nos
6 Ibid, pgina 142.7 Esse debate entre kuhnianos e popperianos a base da obra "A Crtica e o Desenvolvimento doConhecimento", Cultrix, 1975.
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possvel, atravs dela, demonstrar, com clareza, que a interface
Semntica/Pragmtica representa, dentro de um contexto de cincia extraordinria,
um candidato tpico a um paradigma de transio.
Nesse sentido, examinaremos os modelos mais expressivos da lingstica
contempornea e, para poder corroborar a nossa hiptese, tentaremos destacar a
questo-problema que, para ns, est subjacente s rupturas metodolgicas
anteriores e continua a produzir anomalias na lingstica: o significado em linguagem
natural e a forma de abord-lo.
Inicialmente diremos que das origens da pesquisa lingstica, entre os
gregos, at o sculo XX identificamos um perodo pr-paradigmtico e,
conseqentemente, pr-cientfico, pelo menos num sentido mais forte da palavracincia. A Gramtica Normativa, a Filologia e a Gramtica Comparativa no
delimitaram seu objeto de investigao nem constituram um mtodo prprio.
Saussure (1916), no seu clssico trabalho Cours de Linguistique Gnerle,observou
que, por isso, no se podia falar da cincia lingstica at ali8. Foram essas
consideraes ao nvel da Filosofia da Lingstica que permitiram a ele estabelecer o
primeiro paradigma de cientificidade para a disciplina. Definiu-a como cincia da
linguagem humana e props suas famosas dicotomias como duplas de conceitosorganizados para a constituio de seu mtodo. A fim de no se perder na
heterogeneidade de aspectos envolvidos no fenmeno da linguagem humana,
Saussure, com uma lucidez cientfica surpreendente para sua poca, considerou
que a linguagem poderia ser abordada a partir de seus dois componentes: a
Langue, o componente essencial, social por natureza, e a Parole, o componente
secundrio, cuja natureza era a manifestao individual da Langue. Com essa
operao metaterica, Saussure conseguiu definir a lingstica, em sentido restrito,como a disciplina cientfica da Langue, conjunto de signos organizados entre si que
representa a estrutura social da linguagem.
O paradigma, dito, ento, estrutural, iria caracterizar a comunidade cientfica
europia, no que se refere s pesquisas sobre a linguagem, durante um longo
tempo. A escola fonolgica de Praga e a teoria de Hjelmslev conhecida como
Glossemtica foram, apenas, tentativas de aplicaes do paradigma saussuriano, no
8 F. de Saussure, Curso de Lingstica Geral, pgina 10.
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sentido de reafirmar o carter formal da lngua em oposio substncia da fala e
do pensamento9.
Ainda aqui, nota-se a eficincia do modelo de T. Kuhn para a histria da
Lingstica. Quando se est em fase de cincia normal, o progresso no deixa de
acontecer, uma vez que os especialistas enriquecem o ncleo estrutural da teoria e
aumentam a sua potencialidade de aplicao, como aconteceu com a contribuio
de Trubetzkoy em 1926 e de Hjelmslev em 194310.
preciso ressaltar, agora, um aspecto importante da histria do paradigma
estrutural. As ampliaes tericas que ele sofreu buscaram reforar o que
poderamos denominar viso formalista da linguagem enquanto objeto de descrio
terica. A prova maior disso est no fato de que, em Hjelmslev, a questo dosignificado totalmente reduzida ao plano das relaes intralingsticas, atravs da
noo de forma e substncia.11 No h nem em Saussure, nem em seus seguidores,
qualquer semntica como conexo linguagem-mundo.
J nos Estados Unidos, a lingstica estrutural no foi apenas uma variao
da europia. Bloomfield (1926), por exemplo, critica o psicologismo do tipo
saussuriano e defende uma posio behaviorista, ao contrrio de Sapir, defensor da
tendncia mentalista. O radicalismo bloomfieldiano tinha, na poca, entretanto, umafinalidade muito clara: era preciso evitar o subjetivismo e a metafsica que surgiriam,
inevitavelmente, com as investigaes interdisciplinares em termos de Lingstica,
Fisiologia, Neurologia, Psicologia, etc. A questo do significado, para ele, era um
ponto crucial das investigaes, uma vez que s poderia ser resolvida com o
progresso do conhecimento extralingstico. A conseqncia dessa posio que,
entre 1930 e 1955, a Semntica foi praticamente excluda da Lingstica nos
Estados Unidos como, de resto, j o fora na Europa. Harris (1955), por exemplo,como j o fizera Hjelmslev na Europa, tenta reforar o paradigma bloomfieldiano
retirando o sentido como critrio para distinguir elementos, a fim de aumentar o rigor
do procedimento formal12.
9 cf. Louis Hjelmslev, Prolegmenos a uma Teoria da Linguagem, pgina 55.10 A Escola de Praga e a de Copenhague no foram seno o que chamamos de ampliao do modeloSaussuriano.11 L. Hjelmslev, op. cit. pgina 61.12 A sua obra Methods in Structural Linguistics fez de Harris o grande terico do distribucionalismo,ltima fase do estruturalismo americano. Harris pode ser considerado um dos mais bem conceituadosrepresentantes da segunda gerao bloomfieldiana.
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Uma sntese, para os fins deste ensaio, das propriedades da lingstica
estrutural poderia ser a que se segue:
Essas no so, obviamente, as nicas propriedades do modelo estrutural,
mas aquelas que so pertinentes aos objetivos desse ensaio.
E foi nos Estados Unidos que a crise do estruturalismo se manifestou de
maneira mais clara, ainda no interior da prpria sintaxe. Os artigos de Harris (1955-
1957) j prenunciavam a necessidade de uma mudana nos rumos da pesquisa,
tendo em vista que o paradigma vigente se defrontava com alguns problemas como
estes, por exemplo:
a) no dava conta das relaes sistemticas entre frases como no caso da
ativa e passiva;
b) no explicava fenmenos como a supresso, a adio, a redundncia,
etc.;
c) no conseguia sistematizar a distino entre tipos de frases como a
interrogativa e a afirmativa, por exemplo;
d) no era capaz de evitar frases anmalas como o po comeu o menino;
e) no conseguia descrever as ambigidades de maneira rigorosa.
Em 1957, apareceu a tese de Chomsky: Estruturas Sintticas. Essa obra
sistematizou a crise do paradigma estrutural, levantou contra-exemplos e
candidatou-se a resolver os problemas at ali insolveis. Aps um perodo deindefinies no campo da lingstica, surgia uma proposta de paradigma
Paradigma Estrutural (Saussure e Bloomfield)
a) Objeto: A lngua (linguagem humana enquanto abstrao social)
b) Mtodo: indutivo (da observao dos fatos lingsticos particulares para a
generalizao ao nvel das lnguas)
c) Finalidade: descrever a estrutura de lnguas particulares enquanto cdigos
sociais e comportamentos (Psicologia Social na Europa, Psicologia Behaviorista nos
Estados Unidos)
d) Teorias fortes: Fonologia e Morfologia (os aspectos formais da linguagem)
e) Problemas anmalos: como tratar o significado (a Semntica praticamente
excluda da Lingstica) e como descrever relaes sintticas mais profundas.
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revolucionrio que iria abrir uma etapa de dcadas de cincia normal: A Gramtica
Gerativo-Transformacional.
O modelo de 1957, enquanto teoria, absorveu o paradigma anterior num
fenmeno que se poderia chamar de reduo estrutural e trouxe mudanas,
principalmente na sintaxe. Dentro do novo programa, as estruturas sintticas
deveriam ser investigadas de forma autnoma para que se pudesse construir uma
teoria gramatical slida e rigorosa. A gramtica seria vista, a partir da, como um
mecanismo destinado a especificar todas as frases gramaticais de uma lngua e
nenhuma agramatical. Quanto Semntica, Chomsky limitou-se a caracteriz-la
como necessria, mas prematura, apontando para as indesejveis obscuridades que
a noo de significado poderia atrair para a regio da sintaxe.A normalizao da pesquisa dentro da comunidade lingstica veio a
apresentar seu primeiro grande progresso em 1965, quando surgiu a obra Aspectos
da Teoria da Sintaxe em que Chomsky, aproveitando sugestes de Lees, Katz,
Fodor e Postal, entre outros, elaborou a ento denominada Teoria Padro. O
objetivo principal, na poca, era descrever e explicar todas as relaes lingsticas
entre o sistema fonolgico e o semntico de uma dada lngua. Dentro dessa teoria,
as regras de sintaxe eram de natureza diferente em relao s fonolgicas e ssemnticas. Enquanto a Sintaxe era gerativa, a Fonologia e a Semntica eram
interpretativas. Um outro aspecto que se destacava era o tratamento sistemtico de
noes como competncia e performance, estrutura profunda e estrutura superficial.
De volta ao modelo de Kuhn, poder-se-ia dizer que, nesse momento,
completava-se a revoluo chomskyana, iniciada em 1957. A fundamentao
histrico-terica e metodolgica da Gramtica Gerativo-Transformacional revelava,
agora, mudanas profundas em relao ao estruturalismo de Saussure e Bloomfield.As principais caractersticas do paradigma Gerativo-Transformacional em
seu incio poderiam ser assim resumidas:
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A Relevncia da Pragmtica na Pragmtica da Relevncia
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Paradigma Gerativo-Transformacional
a) Objeto: a competncia (a capacidade humana, de base inata, para a linguagem)
b) Mtodo: hipottico-dedutivo (de um conjunto de suposies assumidas derivava-se ateoria da linguagem, em parte pela abstrao, em parte pela observao de diversas
lnguas/indutivismo)
c) Finalidade: - descrever as regras, ou princpios internos que um falante ideal usa para
produzir e compreender infinitas oraes gramaticais;
- buscar propriedades universais nas diversas lnguas (Gramtica Universal)
d) Teoria forte: a sintaxe
e) Problemas anmalos: o significado (o componente semntico e sua posio no modelo)
J em Aspectos, Chomsky continua a observar o carter provisrio da
pesquisa sobre a Semntica13. As tentativas de Katz e Fodor (1964) e Katz e Postal
(1964) no eram suficientemente fortes para que o paradigma chomskyano
resistisse s presses sobre a fragilidade do seu modelo quanto ao problema do
significado, exata funo do componente semntico e sua relao com o sinttico.
Entre 1964 e 1968, um verdadeiro movimento de bastidores foi intensamente
praticado. Lingistas como Lakoff, Postal, Ross, McCawley e Fillmore, entre outros,
atacavam o modelo padro e propunham inmeros contra-exemplos que abalavam a
comunidade dos gerativistas14.
O termo Semntica Gerativa, sugerido por Lakoff (1963), foi adotado como
representando o conjunto de crticas teoria padro. Era o comeo de uma crise do
paradigma Gerativo-transformacional e o incio de uma fase de cincia
extraordinria.
No incio, a divergncia fundamental era quanto autonomia da sintaxeproposta por Chomsky (1965). Os adeptos da Semntica Gerativa sustentavam a
inexistncia de uma fronteira ntida entre a sintaxe e a semntica e, por isso, no
viam nenhuma razo para que se separassem os dois tipos de fenmenos. Para
13 Cf. Noam Chomsky, Aspectos da Teoria da Sintaxe, pgina 239.14 As obras Toward Generative Semantics, de G. Lakoff (1963), Linguistics Anarchy Notes, dePostal (1967) e Is Deep Structure Necessary?, de Lakoff e Ross (1968) so algumas das crticas da
poca, s publicadas em 1976 sob o ttulo de Notes from the Linguistic Undergroundcorrespondente ao volume 7 da srie Syntax Semantics, sob a responsabilidade de J. McCawley.Na mesma linha, Fillmore (1966-1967-1969-1971) defende a sua conhecida Gramtica dos Casos,como uma crtica ao conceito padro de estrutura profunda.
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eles, as estruturas sintticas eram formalmente idnticas s semnticas, e, assim,
propunham um nico sistema de regras, fazendo desaparecer a distino entre
transformaes e regras de interpretao semntica. Postal (1971) disse tratar-se
da adoo do princpio da homogeneidade das representaes e das regras
sintticas e semnticas. A partir da, outras divergncias foram surgindo. Se o
componente sinttico no era autnomo, ento no haveria uma estrutura sinttica
profunda, mas uma representao semntica subjacente completa da orao,
caracterizada como forma lgica, constituda no de sintagmas nominais e verbais,
mas de um predicado e um ou mais argumentos. Como as divergncias
aumentassem, Chomsky (1972) ainda tentou alguns reajustamentos, aceitando que
certos aspectos do significado eram determinados pela estrutura superficial.15Props, ento, o desdobramento da estrutura superficial em dois nveis, o sinttico e
o semntico, ligados entre si por regras de reajustamento, abandonando a distino
entre categorias lexicais e traos. A partir da, todos os smbolos da gramtica
seriam conjuntos de traos, e as categorias sintticas seriam representadas por uma
nova teoria formulada como a Teoria X Barra. Chomsky tentava, de todas as
maneiras, proteger o seu paradigma, criando dispositivos que reforassem o ncleo
terico do seu modelo. Estava convicto de que as diferenas entre a semnticagerativa e a interpretativa eram, apenas, de cunho terminolgico.
J eram quase dez anos de especulaes e Chomsky (1975/76/77) ainda
faria algumas revises na teoria Padro Ampliada16. Reformulou o conceito de
representao semntica, adotou a tese de que a estrutura superficial era base da
interpretao semntica e admitiu que seu modelo poderia ir alm da gramtica de
orao, mediante novas regras para esse tipo de interpretao. Era o problema
anmalo da significao persistindo em mais um paradigma na histria dalingstica. No decorrer dos anos seguintes, duas foram as direes com relao
interface sintaxe/semntica. Por um lado, o programa de pesquisa gerativista
estabilizou-se com o fortalecimento de uma sintaxe autnoma, movimento que
Chomsky vem trazendo ao longo do modelo de Princpios e Parmetros e proposta
Minimalista. Em tais modelos, basicamente, o que foi o componente semntico
15 A Teoria padro foi ampliada em Language and Mind (1972) e nos trs trabalhos reunidos na obra
Studies on Semantics in Generative Grammar, tambm de 1972.16 As obras que marcam essa tentativa so Conditions on Transformations (1973), Reflections onLanguage (1975), Questions of Form and Interpretation (1975), Conditions on Rules of Grammar(1976) e Filter and Control (1977).
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reduziu-se noo de forma lgica na interface conceptual-intencional. Por outro
lado, os que pretendiam investigar, centralmente, a significao em linguagem
natural passaram a dedicar-se interface semntico-pragmtica, dentro da qual a
sintaxe estilo gerativista cumpre inexpressivo papel. A idia de uma lgica da
linguagem natural em pessoas como Lakoff e McCawley acabou-se esvaziando
entre um certo tipo de empirismo que se anexou aos abstratos modelos iniciais
chomskyanos de um lado, e a atrao pela intencionalidade comunicativa, de outro.
Ainda que as comunidades lingsticas tentassem normalizar o processo, a questo
do significado continuou gerando uma enorme inquietao metodolgica, e o
conseqente aparecimento de novos paradigmas de investigao.
Com relao a esse perodo de cincia extraordinria, Kuhn observa, commuita propriedade, que normal a retomada de reflexes filosficas, o
questionamento das bases epistemolgicas do paradigma agonizante e, inclusive, o
recurso pesquisa interdisciplinar como sada para as anomalias que desafiam os
especialistas. Isso explica por que, de repente, a Lingstica, a Psicologia, a
Sociologia e a Filosofia estavam todas na mesma encruzilhada terica durante os
anos setenta e, tambm, por que houve uma proliferao de teorias lingsticas
dentro de uma disciplina de pouco mais de um sculo de investigaes sistemticas.E foi desse encontro de filsofos e lingistas que comeou a se delinear a idia, j
definida anteriormente, de paradigma pr-revolucionrio: a Pragmtica interface
Semntica.
Na histria da Filosofia da Linguagem, a Pragmtica aparece, inicialmente,
como um campo verdadeiramente interdisciplinar. Na tentativa de sistematiz-la,
encontramos um grande nmero de tericos e tendncias, de diversas reas, que
tratam de fenmenos ditos pragmticos. Frege (1892) parece ter sido um dosprimeiros a detectar, em suas investigaes lgicas, o problema da pressuposio e
sua relao com o contexto. Peirce, no final do sculo XIX, referiu-se relao dos
signos com seus interpretantes, como uma das partes da semitica, e parece ter
sido o inspirador do trabalho de Morris (1938), que lanou a Pragmtica,
oficialmente, como a rea da Semitica que estudaria a relao entre os signos e
seus usurios. Em seu trabalho sobre a Lgica e Matemtica, de 1939, Carnap
tambm sublinha a necessidade de uma disciplina como a Pragmtica sendo um
dos ramos da Semitica, ao lado da Semntica e da Sintaxe. As Investigaes
Filosficas, obra inovadora de Wittgenstein (1953), foi uma das primeiras a
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caracterizar a importncia do contexto para a significao. O seu conceito de jogos
de linguagem uma das origens epistemolgicas das teorias contemporneas
sobre o sentido das palavras. Na sua linha, Austin (1962) produziu os seus Atos de
Fala que Searle (1969) aprofundaria numa das mais divulgadas tendncias da
moderna Filosofia da Linguagem. Ao contestar o famoso texto de Russell (1905),
Strawson (1950) tambm acusou a existncia da Pragmtica ao retomar o fenmeno
da pressuposio, definido por Frege (1892), Lakoff (1971), McCawley (1971),
Fillmore (1971), entre outros lingistas da chamada Semntica Gerativa que
chegaram compreenso da Pragmtica como uma alternativa para a Lingstica
em crise. Grice (1967/1975), com seu princpio da cooperao e suas mximas da
conversao, props uma das mais fortes teorias pragmticas contemporneas.Stalnaker (1974), Sadock (1974), Kripke (1977), Donnellan (1978), Karttunen e
Peters (1979), Gazdar (1979), Sperber e Wilson (1981) e Levinson (1983), entre
outros expressivos nomes da Filosofia, da Lgica e da Lingstica, discutiram
fenmenos ditos pragmticos em seus textos17. Trata-se realmente, de uma das
mais interessantes reas da pesquisa recente sobre a linguagem e, por isso,
aparece em nosso ensaio como a possibilidade de mais uma revoluo lingstica,
dentro desse quadro tpico de cincia extraordinria que ainda hoje estamospresenciando.
Para justificar, entretanto, a nossa hiptese da existncia de um paradigma
pr-revolucionrio nessa Pragmtica embrionria, devemos suspender,
provisoriamente, a nossa anlise da histria das revolues lingsticas, para
examinar, detidamente, as caractersticas desse novo modelo em relao ao
estrutural e gerativo-transformacional, perfeitamente conhecidos. Ao tratar da
Pragmtica, devemos colocar todos os detalhes numa espcie de microscpioterico para oferecer uma viso to precisa quanto possvel dessa disciplina.
1.2 Pragmtica Definio, Objeto e Questes Metatericas
Na primeira seo tentamos avaliar as origens da Pragmtica dentro do
contexto histrico das pesquisas sobre a linguagem. Para isso, fizemos uma
17 Faa-se justia, aqui, ao texto de Keenan (1972), Two Kinds of Presupposition in NaturalLanguage, um dos primeiros a apontar, na rea da lingstica, para o estudo da pressuposioenquanto fenmeno pragmtico.
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A Relevncia da Pragmtica na Pragmtica da Relevncia
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reconstruo, um tanto detalhada, das duas grandes revolues lingsticas a
estrutural e a gerativo-transformacional, pelo modelo de Kuhn.
Nesta parte, entraremos na discusso de questes metatericas, tendo em
vista que pretendemos desenvolver tpicos que implicam problemas metodolgicos
ligados Pragmtica.
Como se disse anteriormente, as pesquisas sobre a linguagem
desenvolvem-se, hoje, num ambiente terico tpico de cincia extraordinria.
Diversas disciplinas disputam os mesmos fenmenos lingsticos. Nesse contexto, a
definio de Pragmtica esbarra em inmeros problemas. Tentemos contorn-los.
A histria da filosofia e da lingstica parecem demonstrar que h, pelo
menos, dois grandes momentos na vida terica da Pragmtica: o primeiro refere-ses obras que apontam e, at, exigem a existncia dessa disciplina sem, entretanto, ir
muito alm disso. Chamaremos a esse momento de clssico. O segundo refere-se
ao contexto contemporneo em que a abordagem de fenmenos pragmticos
comea a ocorrer, e os tericos, ento, se lanam em busca de uma definio que
delimite o objeto especfico de uma teoria pragmtica. Chamaremos a esse segundo
momento de perodo moderno ou da busca da autonomia.
No sentido de organizar os problemas que enfrentamos para uma definioda Pragmtica e uma delimitao do seu objeto, sugerimos a obra de Austin (1962)
How to Do Things with Words como uma linha divisria entre o perodo clssico e o
da autonomia. Trata-se, indiscutivelmente, de um trabalho que, pela primeira vez,
tenta sistematizar os fenmenos pragmticos e vai alm das puras sugestes,
propondo um modelo de abordagem, hoje conhecido como Atos de Fala.
No perodo clssico, do final do sculo XIX at 1962, a Pragmtica foi
definida de maneira no homognea por Peirce (1897), Morris (1938), Carnap(1939) e Bar-Hillel (1954). Frege (1898) e Wittgenstein (1953) tiveram uma grande
intuio dos fenmenos pragmticos, mas no chegaram a acusar a existncia
terica de disciplina.
No perodo moderno, de 1962 at hoje, surgiu uma grande quantidade de
autores e definies. Destacam-se, entre outros, Searle (1969), Thomason (1973),
Stalnaker (1974), Montague (1974), Kempson (1975), Grice (1967/75), Smith e
Wilson (1979), Gazdar (1979), Sperber e Wilson (1982), Levinson (1983, 2000),
Bach(87), Turner(99), Carston(99), Bianchi(2004), Jaszczolt(2006) e Recanati(2004).
As tentativas desse perodo buscam definir o campo prprio da pesquisa pragmtica
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e uma metodologia rigorosa e especfica que permitam caracteriz-la como
disciplina cientfica, pelo menos altura do que a Sintaxe e a Semntica j
construram em termos de arquitetura formal.
Examinemos, inicialmente, as definies do perodo clssico.
Peirce (1897) parece ter sido um dos primeiros a acusar a existncia da
Pragmtica. Embora ele se refira mais exatamente ao pragmatismo, dentro de outra
concepo; dele que Morris (1938) retira a sugesto para o seu famoso tringulo
semitico. Ao lado da Sintaxe e da Semntica, a Pragmtica seria a disciplina
encarregada de estudar a relao entre os signos e seus usurios18.
Na mesma linha de Morris, Carnap (1919) defende a existncia de
Pragmtica como uma disciplina emprica que se utilizaria dos conhecimentos deoutras cincias como a Biologia, a Psicologia, a Fsica e, principalmente, das
Cincias Sociais19. Stalnaker (1972) observa que, nos textos tericos iniciais, h
bastante obscuridade, ainda, na definio do objeto da Pragmtica, o que torna
difcil a sua delimitao20. O que caracteriza essa fase, sem dvida, o fato de que
os tericos como Morris ou Carnap, compreenderam a necessidade de
investigaes que sistematizassem os fenmenos ligados ao uso da linguagem,
antes de estabelecer, com clareza, os limites desse fenmeno e o aparatoconceptual dessa investigao.
O primeiro grande passo no sentido de definir o objeto da Pragmtica foi
dado, sem dvida, por Bar-Hillel (1954). No seu artigo clssico, Expresses
Indiciais, ele trata de avaliar o papel do contexto para a determinao da referncia
de uma sentena21. Examinando trs tipos de sentenas,
(1) O gelo flutua sobre a gua(2) Est chovendo
18 Desde Peirce (1897), a semitica dividida em trs reas, considerando-se a definio de signocomo relao tridica. No seu clebre tringulo, Gramtica caberia o estudo do representamen, ousigno primeiro, nas suas relaes entre si; Lgica, o estudo da relao entre o representamen e oobjeto; e Retrica, a investigao das relaes entre representamen e interpretante. Morris (1938),realmente, aproximou-se de Peirce e definiu a Semitica constituda da Sintaxe (relao dos signosentre si), da Semntica (relao dos signos com seus objetos) e da Pragmtica (relao dos signoscom os seus usurios).19 R. Carnap, Fundamentos de Lgica e Matemtica, 1975, p. 21.20
E.C. Stalnaker, Pragmtica (In: Pragmtica Problemas, Crticas, Perspectivas da Lingstica,1982, Org. M. Dascal), p. 59.21 Este artigo considerado um dos mais importantes na histria da Pragmtica exatamente porcaracterizar, pela primeira vez, o contexto gramaticalizado atravs dos elementos indiciais.
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(3) Estou com fome
ele observa que, enquanto (1) pode ser perfeitamente entendida e avaliada, (2) e (3)
apresentam problemas quanto determinao do estado-de-coisas a que se
referem, provocados pela presena de elementos indiciais que remetem a
significao a uma dependncia do contexto.
Para que (2) possa ser avaliada em toda a sua extenso, necessita-se saber
o lugar e momento de sua produo. No caso da sentena (3), alm do momento em
que produzida, necessrio que se saiba quem a proferiu.
A partir da, Bar-Hillel, para distingui-los, chamar (1) de assero e (2) e (3)
de sentenas indiciais, desde que (1), emparelhada a qualquer contexto, formejuzos que se refiram sempre mesma proposio e que (2) e (3) sejam sentenas
declarativas no equvocas22.
O importante desta distino est no fato de que (1) pode ser avaliada como
verdadeira ou falsa, independente de informaes do contexto, o que no ocorre
com (2) e (3). Pela bem conhecida frmula de Tarski, O gelo flutua sobre a gua
verdadeira se, e somente se, o gelo flutua sobre a gua. Isto quer dizer, em poucas
palavras, que (1) verdadeira, uma vez que corresponde, realmente, a um estadodo mundo. (2) e (3), entretanto, s poderiam receber um valor-verdade a partir de
informaes quanto ao tempo, ao espao e produo da sentena. Bar-Hillel
observa que possvel atribuir-se um valor-de-verdade a sentenas como (2) e (3),
mas sempre levando-se em considerao o par ordenado sentena-ocorrncia-
contexto. (3) depende ainda mais do contexto, tendo em vista que, mesmo
produzida por uma nica pessoa em duas ocorrncias distintas, j no ter a mesma
referncia por causa da mudana do tempo T1 para T2.A argumentao de Bar-Hillel prende-se tentativa de demonstrar que deve
haver um esforo terico para a Pragmtica, pelo menos em dois aspectos
diferentes: uma Pragmtica descritivista capaz de investigar o carter indicial da
linguagem e uma Pragmtica pura capaz de construir sistemas lingsticos
indiciais23.
Duas contribuies indiscutveis esto presentes no texto de Bar-Hillel. Em
primeiro lugar, ter caracterizado, de maneira clara, a importncia do contexto, sob a
22 Cf. Expresses Indiciais, p. 31.23 Ibid., p. 31.
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forma de expresses indiciais, para a interpretao semntica. A Pragmtica estaria,
por isso, articulada Semntica das Condies-de-Verdade. Alm disso, Bar-Hillel
teve de definir o contexto como Descries-de-Contexto, para que ele fosse
considerado como entidade lingstica e, assim, pudesse formar, junto com a
sentena, um par ordenado de elementos de mesma natureza.
Passemos, agora, anlise das concepes mais modernas, ou seja, da
fase em que os tericos buscam uma posio mais definida para a Pragmtica.
Aqui, cabe fazer referncia obra de Austin (1962), que propusemos ser um
marco divisrio entre as duas fases. Sero algumas idias suas que iro influenciar
profundamente os tericos modernos.
Seguindo a tradio do segundo Wittgenstein (1953), que viu a necessidadede se examinar a significao da linguagem natural dentro do seu contexto-de-uso,
Austin procurou estabelecer relaes entre a funo de certos enunciados e a
linguagem enquanto ato comunicativo.
Para ele, todo proferimento um ato complexo ou um complexo de atos,
envolvendo trs aspectos fundamentais do uso da linguagem24:
a) O aspecto locucionrio consiste no proferimento de uma sentena com
um certo sentido e uma certa referncia. constitudo de trs atos distintos: o atofontico (phonetic act), isto , os sons pronunciados; o ato fsico (phatic act), que
consiste em pronunciar determinados vocbulos em determinada ordem de acordo
com o lxico e a gramtica de uma lngua, e o ato rtico (rhetic act) em que os
vocbulos usados expressam um sentido e referem-se a alguma coisa.
b) O aspecto ilocucionrio consiste no ato que o locutor realiza ao
praticar um ato locucionrio, ou seja, a fora com que o enunciado foi empregado.
Ao afirmar Eu prometo te ajudar, o locutor est realizando uma promessa. Poderiaser uma ordem ou uma advertncia, por exemplo.
c) O aspecto perlocucionrio consiste no ato que um locutor realiza por
meio de seu ato ilocucionrio. Diz respeito ao efeito que o locutor pretende, com seu
ato ilocucionrio, provocar no seu ouvinte. Ao fazer uma promessa, por exemplo, o
locutor poderia estar acalmando o ouvinte.
24 J. Austin, How to Do Things with Words, p. 95-100.
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Searle (1969), no seu clssico Speech Acts, retoma as idias de Austin e
as amplia. Ele defende a idia de que significado e ato ilocucionrio no devem ser
tratados como a mesma coisa (Falcia do ato de fala).
Um enunciado como Passe-me o po pode ser perfeitamente entendido no
seu significado, embora o ouvinte possa ter dificuldade de saber se se trata de um
pedido ou uma ordem.
Rejeitando a distino austiniana, entre o ato ilocucionrio e locucionrio,
Searle reformula a tipologia dos atos de fala da seguinte maneira25:
a) Atos de proferimento (utterance acts) atos de articulao da cadeia
sonora apenas
b) Atos proposicionais (propositional acts) pelos quais o locutor refere-sea um objeto e predica algo dele
c) Atos ilocucionrios (illocutionary acts) asseres, promessas, pedidos,
advertncias, etc.
d) Atos perlocucionrios (perlocutionary acts) as conseqncias e os
efeitos provocados pelos atos ilocucionrios. Uma das idias mais interessantes de
Searle a que consiste em definir-se a referncia como o resultado de um ato de
fala, ou seja, no a frase que expressa uma proposio, mas o locutor que,atravs dela, pratica o ato proposicional.
Austin e Searle so, sem dvida, pioneiros da Pragmtica em sua fase
moderna, embora no situem suas investigaes iniciais dentro desse rtulo
disciplinar.
Montague (1970) adotou, em parte, a proposta de Bar-Hillel observando que
ela, realmente, havia esclarecido, um pouco mais, a definio de Pragmtica sem,
contudo, elucidar de que forma se daria esse tipo de abordagem. Para Montague, aPragmtica, pelo menos em seu nvel inicial, deveria seguir os passos da
Semntica, em sua viso mais moderna, a teoria dos modelos, que poderia vir a
trabalhar no s com os conceitos de verdade e satisfao, ao nvel da
interpretao, bem como no de contexto-de-uso26.
Para isso, seria necessrio determinar o conjunto de todos os contextos-de-
uso possveis ou aspectos relevantes dos possveis contextos tomados como
ndices, ou pontos de referncia na terminologia de D. Scott (1970). Alm disso,
25 J. Searle, Actos de Langages, p. 61.26 R. Montague, Formal Philosophy, p. 96.
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seria preciso especificar para cada ponto de referncia (1) o conjunto de objetos
presentes com respeito a ele, bem como a intenso de cada predicado e constante
individual da linguagem L, o que implicaria especificar a denotao ou extenso de
uma constante c com relao (1). Finalmente, a Pragmtica de Montague exigiria
uma interpretao dos operadores de L.
O que fica claro que Montague e seus colaboradores aceitaram a
Pragmtica como disciplina formal que investiga as expresses indiciais, ou seja,
aquelas cujos valores semnticos dependem do contexto-de-uso. Dentro do seu
modelo, a Pragmtica e a Semntica deveriam ser equivalentes em sua
metodologia, ampliando-se, apenas, ao nvel semntico, a noo de mundo possvel
para ajustar-se de contexto-de-uso, mantendo-se as diferenas entre ambos osconceitos.
Aqui, a Pragmtica poderia ser definida como uma disciplina capaz de
sistematizar os aspectos relevantes do contexto para que uma sentena com
elementos indiciais pudesse ser interpretada semanticamente. Esta definio,
embora mantenha a Pragmtica como rea de pesquisa ligada Semntica, ou
seja, sem autonomia, representa, pelo menos, uma disciplina lingstica, na
interveno de Bar-Hillel e seu conceito de descries-de-contexto.Na dcada de 60, ao contrrio, principalmente dentro das linhas
transformacionalistas, havia uma tendncia de identificar a Pragmtica como uma
teoria de performance, dedicada, exclusivamente, ao uso da linguagem, sem
competncia para tratar da estrutura lingstica27. Essa posio, embora tenha
representantes qualificados, at hoje, (Kempson, 1975 e Smith e Wilson, 1975), no
foi muito desenvolvida, tendo em vista apresentar dificuldades difceis de serem
superadas como, por exemplo, a determinao da fronteira entre gramticaindependente-do-contexto e interpretaes dependentes-de-contexto. Pelo contrrio,
os especialistas em fenmenos pragmticos esto, especialmente, interessados na
relao entre as estruturas lingsticas e os princpios do uso da linguagem.
Nesse sentido, uma definio ampliada daquela sugerida por Bar-Hillel
(1954) poderia ser esta: A Pragmtica o estudo daquelas relaes entre linguagem
e contexto que so gramaticalizadas, ou decodificadas na estrutura da linguagem28.
27 J. Katz, Propositional Structure and Illocutionary Force, p. 19.28 S. Levinson, Pragmatics, p.9.
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Essa definio abre um pouco mais o espectro da Pragmtica porque,
atravs dela, no s os fenmenos diticos, mas a pressuposio e os atos de fala
poderiam ser abordados. Quanto a isso, embora essa definio seja bastante
razovel, ela excluiria do objeto da Pragmtica os fenmenos conhecidos, depois de
Grice (1967), como implicaturas, e que so, indiscutivelmente, interessantes na
anlise da significao lingstica. Alm disso, haveria muitos problemas
decorrentes da necessidade de se distinguir uma simples correlao entre formas
lingsticas e contexto dos casos em que os fatores contextuais so absorvidos,
organicamente, na estrutura lingstica. Isso sem contar o fato de que as lnguas
particulares podem codificar de forma diferente os elementos contextuais, o que
exigiria uma Pragmtica universal, distinta daquela, para lnguas especficas.Stalnaker (1972) defendeu uma definio semelhante, ento mais ampliada. Para
ele o mais importante fornecer uma lista de problemas que exigem a interveno
de uma teoria pragmtica. Essa teoria seria, assim, o estudo da dixis, da
pressuposio, da implicatura, dos atos de fala e aspectos da estrutura do
discurso29. Para Stalnaker, a Sintaxe estuda as sentenas, a Semntica estuda as
proposies e a Pragmtica investiga o estudo dos atos lingsticos e dos contextos
nos quais so executados. Seria necessrio definir os tipos relevantes dos atos defala como os ilocucionrios, por exemplo, bem como caracterizar os traos do
contexto, indispensveis para determinar a proposio como, por exemplo, os
indiciais. Stalnaker no pretende, no caso, dar autonomia Pragmtica, mas
garantir-lhe um espao terico, mediante o levantamento de fenmenos lingsticos,
inequivocamente dependentes de contexto.
Uma outra tendncia bastante significativa e que permite ajustar a
pragmtica dentro de uma teoria da linguagem defendida por lingistas como VanDijk (1976). Assim como a Semntica se estabelece no estudo das condies-de-
verdade, a Pragmtica poderia ser definida em relao s condies-de-adequao.
Ela seria assim, como queria Hymes (1971), o estudo da competncia comunicativa,
ou seja, da habilidade dos falantes em usar sentenas adequadas a um determinado
contexto. Essa posio, porm, se defronta com vrios problemas. No permite a
distino clara entre Pragmtica e Sociolingstica, continua, como no modelo de
Chomsky, na dependncia de uma lngua ideal ou teria que se desdobrar em n
29 R. C. Stalnaker, op. cit., p. 80.
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tipos para abranger cada dialeto. Alm disso, finalmente, no seria capaz de explicar
os fenmenos pragmticos em que a quebra de regras conversacionais ,
exatamente, a maneira intencional de informar algo mais30.
Mais recentemente, uma definio tem sido bastante discutida nos meios
lingsticos e filosficos. Deve-se, em sua origem, a G. Gazdar (1979). Para ele, a
Pragmtica igual ao significado menos as condies-de-verdade31.
Nesse trabalho, a posio de Gazdar, aparentemente simples, uma das
mais significativas dentro das reflexes contemporneas sobre a definio do objeto
da Pragmtica. Na sua concepo, a Semntica das Condies-de-Verdade , das
teorias semnticas, a mais aceitvel e, portanto, uma tentativa de esclarecer o
campo da Pragmtica deve considerar o significado como um complexo defenmenos em que a questo da proposio e das condies-de-verdade se
distingue dos outros aspectos significativos. A Semntica do tipo Tarski para a
linguagem natural continuaria, como o deseja Davidson (1970), em sua caminhada
de poucas, mas rigorosas, conquistas tericas, e a Pragmtica ficaria encarregada
dos outros aspectos que compem o significado de um enunciado.
Dessa forma, considerando-se dois enunciados como
(4) Tancredo gosta de Brizola
(5) At Tancredo gosta de Brizola
observa-se que as condies-de-verdade so as mesmas para os dois enunciados.
(5), porm, parece dizer que, alm de Tancredo, outras pessoas gostam de Brizola e
que ele, Tancredo, no seria o mais provvel a ser atribudo esse sentimento.
Caberia Semntica, ento, considerar as condies-de-verdade e deixar para umateoria pragmtica a descrio e a explicao do excesso de significado.
Gazdar entende, tambm, que muito difcil tratar a Semntica de maneira
autnoma. Discutindo exemplos de Kamp (1976) e Dretske (1972), ele demonstra
que o mesmo enunciado pode apresentar proposies falsas ou verdadeiras de
acordo com as informaes do contexto. Consideremos os exemplos abaixo
(6) O povo escolheu Lula para Presidente por um equvoco
30 Aqui, estamos pensando na quebra de regras no sentido griceano.31 G. Gazdar, Pragmatics: Implicature, Presupposition and Logical Form, p. 2.
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(7) O povo escolheu Lula para Presidente por um equvoco
em que a informao do contexto refere-se acentuao maior do enunciado no
lugar sublinhado. Para que (6) seja verdadeira, o povo escolheu Lula por um
equvoco, porque deveria ter escolhido outro candidato. J para (7) ser verdadeira, o
equvoco do povo est no fato de t-lo escolhido para aquele cargo.
Isto significa, em ltima anlise, que, em situaes como essa, para se
estabelecer a condio-de-verdade, depende-se de informaes contextuais. A
Semntica, nesse caso, deve trabalhar de forma conjugada com a Pragmtica,
tendo em vista que os aspectos significativos diversos na constituio de um
enunciado no se separam no estabelecimento das condies-de-verdade.Katz (1977) argumentou que se poderia considerar a diferena entre
Pragmtica e Semntica, tomando-se em considerao o exemplo de uma carta
annima como ponto de referncia para um contexto nulo. Searle (1979) e Gazdar
(1979) recusam a propriedade do exemplo de Katz. Realmente, impossvel anular-
se o contexto assim. Katz parece ter insinuado que, numa carta annima, o
remetente est neutralizado. verdade, mas como indivduo real, no como
indivduo possvel. E esse possvel j tem uma propriedade que no se teridentificado. Em outras palavras, uma carta annima j indica uma caracterstica do
remetente: seu anonimato. Tanto verdade que essa caracterstica pode at acabar
denunciando seu produtor. O destinatrio efetua, sem dvida, juzos sobre quem
teria escrito a carta. Alm disso, existem outras propriedades do contexto que no
so eliminadas pelo carter annimo da carta. Imaginemos a seguinte situao:
Joo recebe um bilhete assim:
(8) Jobim o candidato do povo
mesmo no identificando o remetente diretamente, Joo pode julgar que se trata de
um integrante do governo ou, quem sabe, de um ardil do prprio Jobim. Essa
especulao j revela como difcil livrar-se do contexto ou neutraliz-lo, como
queria Katz.
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Por outro lado, como observa Levinson (1983), o contedo semntico parece
ser a base sobre a qual outras manifestaes do sentido ocorrem32. Isso quer dizer,
em ltima anlise, que tambm a autonomia da Pragmtica pouco provvel.
Tomemos, novamente, o enunciado (8).
(9) Jobim o candidato do povo
se trocssemos o nome prprio por uma descrio do tipo O candidato do PT, o
enunciado
(10) O candidato do PT o candidato do povo
apresentaria uma variao de sentido que o tornaria ambguo. Dentro da linha de
Donnellan (1966), a anlise poderia ser assim:
Uma primeira interpretao mostra a descrio apenas com o valor
referencial Jobim, identificando, portanto, (8) e (9); a segunda revela o valor
atributivo da descrio: Jobim seria o candidato do povo por ser apoiado pelo PT.
Parece evidente que a variao de significado de (8) e (9) poderia ser tarefada Pragmtica, j que as condies-de-verdade no se alteraram. Mas, como o
prprio exemplo sugere, no poderia dispensar o trabalho da Semntica sobre a
determinao da referncia. As variaes de significado se estabelecem sobre uma
base proposicional e, por isso, no possvel consider-las sem interpretar essa
base.
Aqui estamos ao lado dos que defendem a interao entre Semntica e
Pragmtica como uma sada altamente frtil para os inmeros problemas designificao que ocorrem quando se aborda a linguagem natural33.
Alm da posio de Gazdar, que situa a Pragmtica, mediante uma
definio negativa, em relao Semntica, cabe considerar, ainda, as tendncias
que a encaram como teoria da compreenso dos enunciados. O objetivo
fundamental, nesse sentido, de uma teoria pragmtica seria explicar como um
falante (A) e um ouvinte (B) dialogam e se entendem dentro de um contexto (C).
32 S. Levinson, Pragmatics, p. 124.33 J. Atlas & S. Levinson, It Clefts, Informativeness and Logical Form (In: Radical Pragmatics Cole(org.)), p. 56.
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Colocada a questo desse modo, um modelo terico de um ato comunicativo bem-
sucedido deve apreender as relaes entre esses trs elementos, A, B e C.
Esse tipo de abordagem tambm depende, obviamente, de uma
conceituao clara de contexto34. Trata-se, ento, de caracteriz-lo, teoricamente,
nas suas propriedades, bem como nas propriedades que decorrem das relaes dos
interlocutores com ele.
Lewis (1969) e Shiffer (1972) identificam a noo de contexto com a de
conhecimento mtuo35. Aqui, entretanto, ele no visto, apenas, como
conhecimento compartilhado em que o cdigo lingstico comum a A e B. Se fosse
assim, estaramos de volta ao modelo estrutural e noo de Langue em
Saussure. O conhecimento mtuo, enquanto contexto de um enunciado, diz respeito interseco de base lingstica e pragmtica que permite a A e B reconhecerem-se
em estado de comunicao, ou seja, compreenderem-se reciprocamente no que
dito e no que inferido.
O modelo clssico de representao este36:
(1) A sabe que P (4) B sabe que (1)
(2) B sabe que P (5) A sabe que (4)(3) A sabe (2) (6) B sabe (3)
e, assim, infinitamente.
Este conceito de conhecimento mtuo tem tido muitos defensores e tambm
muitas crticas. Para Sperber e Wilson (1982), um dos primeiros problemas que
surgem est na dificuldade de distino entre o conhecimento mtuo e o que no
mtuo. Como se observa, na realidade, os interlocutores no podem, numaquantidade limitada de tempo, processar um conjunto infinito de informaes, e uma
teoria precisa de um modelo restrito que d conta desse fenmeno, mediante
procedimentos finitos37. Alm disso, no so raros os casos em que contexto e
conhecimento comum no se identificam, conforme estes enunciados demonstram:
34 D. Sperber e D. Wilson, Theories of Comprehension, p. 61.35 Ibid., p. 61.36
Clark e Marshall (1981) e Clark e Carlson (1983) defendem a possibilidade de utilizao desseconceito como uma estratgia indutiva. Sobre essa questo, a crtica mais rigorosa est em Sperbere Wilson (1982).37 D. Sperber e D. Wilson, op. cit., p. 63.
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(11) Eu vou votar no candidato socialista
(12) Eu vou votar no candidato que est falando agora
O enunciado (10) no parece ser de mais difcil compreenso do que a de
(11), embora o conhecimento mtuo seja mais difcil de estabelecer indutivamente.
Sperber e Wilson (1982) observam que, na relao do conhecimento mtuo
com o contexto, parece haver dois problemas fundamentais:
(a) O conhecimento mtuo no condio suficiente para pertencer ao
contexto
(b) O conhecimento mtuo no condio necessria para pertencer ao
contexto.38Dizer que o conhecimento mtuo no condio suficiente para ser
pertencente ao contexto implica dizer que uma proposio pode ser mutuamente
conhecida sem fazer parte do contexto. Uma sentena que possua uma expresso
como a casa pode ser perfeitamente entendida, e a referncia pode ser procurada
no contexto, sem que o conhecimento mtuo que os interlocutores tenham sobre as
referncias de diversos casos intervenham. Isto quer dizer que o contexto real usado
na compreenso de uma sentena pode ser bem menor que o conhecimento comumou mtuo.
Alm disso, uma proposio pode pertencer ao contexto sem ser
mutuamente conhecida. Parece claro que a perfeita compreenso de um enunciado
exige o conhecimento mtuo como condio necessria, mas a comunicao diria
permite uma forma imperfeita que entendida como suficiente para aquela situao.
Imaginemos um dilogo entre dois polticos, Fernando Henrique Cardoso (FHC) e
Maluf, em que aquele, acreditando que este no tem um avio prprio, pergunta dequalquer maneira para incomod-lo:
(13) Voc tem viajado muito no seu avio particular?
e Maluf que, realmente, tem um avio prprio, responde:
S quando viajo por motivos oficiais.
38 Ibid, p. 65.
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FHC, nesse momento, infere que estava enganado e que Maluf tem um
avio. Nessa situao os interlocutores esto sendo levados a assumir algo como
conhecimento mtuo, sem que isso tivesse sido condio necessria para o
entendimento. Pelo contrrio, foi o entendimento que gerou o conhecimento mtuo.
A partir de contra-exemplos como esse, Sperber e Wilson (1982) propem,
ento, um modelo pragmtico prprio, ainda como teoria da compreenso.
Para eles, seria possvel aproveitar algumas das sugestes de Grice (1975)
para organizar um sistema mais simples e rgido de abordagem pragmtica que o
daquele filsofo, sistema esse em que o conceito de relevncia proposto como
uma espcie de mxima geral e nica, atravs da qual uma inferncia quasi-
dedutiva pode ser calculada a partir da relao entre um enunciado e um contexto.Esse tipo de inferncia no-trivial denominado por Sperber e Wilson de
Implicao Contextual39.
J que se trata de um dos modelos mais recentes e interessantes de
pragmtica, cabe um exemplo ilustrativo de clculo de uma implicao pragmtica.
(14) (A) Voc est apoiando a eleio do Serra?
(B) Eu? Sou do PT
(13) (B) parece ser um tanto estranha, j que os termos utilizados para a negativa
no parecerem ser suficientes. Dado o contexto (14), entretanto, podemos operar
com o modelo de Sperber e Wilson.
(15) a) Serra candidato do PSDB presidncia
b) O PT tem candidato prprioEntretanto, 13 (B), como enunciado, somado (14) a) e b), enquanto
contexto, permite a implicao contextual de que o locutor de 13 (B) no pode ser
considerado favorvel eleio de Serra.
Dentro do modelo de Sperber e Wilson, a teoria pragmtica uma espcie
de teoria da compreenso de inferncias, autorizadas ou no pelo locutor, mas
dependentes do par ordenado enunciado-contexto.
39 Ibid. p. 73
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A essas alturas, depois de termos apresentado as definies do perodo
clssico e algumas sugestes mais interessantes da fase moderna, cabe-nos um
posicionamento mais decisivo com relao definio de pragmtica e delimitao
do seu objeto.
Levinson (1983) observa, com muita propriedade, que existem, hoje,
inmeros fenmenos de significao que a abordagem semntica no tem
condies de explicar40. Ao nvel da conversao, por exemplo, enquanto prtica
comunicativa concreta, a significao pode ser excepcionalmente carregada de
inferncias ainda no totalmente descritas. As recentes teorias sobre a anlise do
discurso e da conversao, em contribuies como as de Sacks e Schegloff (1979),
Goodwin (1977) ou Gumperz (1977), revelam as vrias tendncias que a Pragmticapode assumir. O prprio Levinson (1983), alis, apresenta um quadro bastante
ilustrativo sobre os diversos componentes do contedo comunicacional de um
enunciado. Atravs dele, possvel compreender melhor a necessidade de uma
teoria pragmtica bem como a heterogeneidade dos fenmenos que parecem recair
sob a sua rbita.
Como se v, se a semntica das condies-de-Verdade pretende serrigorosa tratando apenas do primeiro aspecto, como possvel uma teoria
pragmtica coesa, rigorosa e formalizvel, com fenmenos to heterogneos sob
seu alcance terico?
Realmente, a posio de Gazdar (1979) a mais coerente e ns a
endossamos aqui. Pragmtica = significado menos as Condies-de-Verdade. Esse
poderia ser, sem dvida, o objeto da Pragmtica. Caberia a ela, ento, diante dos
problemas decorrentes da multiformidade de seu objeto, buscar uma metodologia
40 S. Levinson, op. cit., p. 38.
Elementos do Contedo Comunicacional de um Enunciado
1 Condies-de-verdade ou acarretamentos2 Implicaturas Convencionais3 Pressuposies4 Condies de Adequao5 Implicaturas Conversacionais generalizadas6 Implicaturas Conversacionais particularizadas7 Inferncias baseadas na estrutura conversacional
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adequada que permitisse a adequada tenso entre o descritivo e o explanatrio.
Essa posio, entretanto, envolve inmeros problemas de ordem metaterica. As
relaes entre Semntica e Pragmtica so bem mais complexas e preciso
investig-las mais profundamente se quisermos entender, com clareza, a
possibilidade de uma teoria pragmtica homognea como centro de um paradigma
revolucionrio.
Passemos, ento, anlise de questes metatericas subjacentes s
tentativas de definio da Pragmtica bem como a delimitao de seu objeto.
No resta dvida de que, dentro do atual contexto de pesquisa sobre a
linguagem, os fenmenos pragmticos so de indiscutvel relevncia. Isso significa
que, ou outras disciplinas os absorvem, ou a Pragmtica tem seu espao tericogarantido. Tudo est no fato de que, conforme j vimos anteriormente, sendo esse
um perodo de cincia extraordinria, suas relaes com a Semntica, com a
Psicolingstica e com a Sociolingstica ainda no esto bem definidas41.
Exatamente por isso, as diversas tentativas de definio recaem em dificuldades, at
ento, intransponveis.
Givn (1982) traa um paralelo entre os diversos sistemas lgico-dedutivos e
a Pragmtica, para afirmar que, ao nvel da significao em linguagem natural, algica dedutiva no tem as melhores condies j que o sistema significativo das
lnguas humanas inerentemente pragmtico. Isso quer dizer que o significado
implica, necessariamente, fatores do contexto na sua constituio.
O que ocorre, aqui, que a linguagem natural possui uma base lgica
indiscutvel que se pode observar em qualquer silogismo bem formado. Essa base
lgica, entretanto, est numa relao de indeterminao com as variaes
significativas do contexto. atravs dessa relao da sentena com o contexto queo enunciado se adapta em sua ocorrncia s exigncias comunicacionais. A questo
que diz respeito produo de novas informaes, por exemplo, s pode ser
resolvida por uma teoria pragmtica j que, desde Peirce (1897) e Wittgenstein I
(1921), sabe-se que a lgica no pode expressar informaes novas, somente
tautologias ou contradies. A comunicao lingstica, por sua vez, opera sempre
41 T. Givn, Logic versus Pragmatics, with Human Language As the Referee: Toward Na EmpiricallyViable Epistemology, p. 84.
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entre dois extremos. O grau de redundncia ou de novidade no pode ser
apreendido dedutivamente, mas inferido de forma pragmtica42.
Givn levanta trs argumentos significativos para demonstrar que a
linguagem natural trabalha com aspectos pragmticos inapreensveis pelos sistemas
dedutivos:
a) A dependncia do contexto Para os lgicos, duas sentenas como
Joo presidente; ele presidente (tautologia)
Joo presidente; ele no presidente (contradio)
representam sistemas fechados, entretanto o uso da linguagem em um contexto
comunicativo sempre aberto num sentido genrico, pelos dados culturais
potencialmente implcitos no lxico, ou num sentido imediato, onde a relao dofalante com o ouvinte pode determinar significados.
b) A relao falante-ouvinte Para os lgicos, o contexto objetivo, uma
lista aberta de premissas. A linguagem em seu uso eu e tu. Eu fao
julgamentos que, provavelmente, sejam o contexto para ti. Os sistemas
dedutivos nunca se sentem confortveis diante do eu e tu.
c) A relevncia-tpica Aqui, ocorre que, s pragmaticamente, possvel
julgar a relevncia de um determinado tpico na comunicao.O argumento de Givn parece ajustar-se bem s inmeras questes que so
levantadas entre Semntica Lgica ou das Condies-de-Verdade e Pragmtica.
Parece indiscutvel, num primeiro momento, que Gazdar (1979) colocou bem o
problema, definindo a Pragmtica como o significado (menos) as condies-de-
verdade. Com isso, ele estava, tanto quanto Givn, reservando Semntica Lgica
somente o tratamento das proposies enquanto condies-de-verdade, restando
para a Pragmtica todas as outras manifestaes do sentido. Givn, porm, ressaltao carter imanentemente pragmtico de linguagem natural e at sugere que os
sistemas lgico-dedutivos nunca poderiam, por isso, tratar de todos os aspectos da
linguagem natural.
Para ns, no resta nenhuma dvida de que os fatores pragmticos da
linguagem humana so, hoje, inquestionveis, mas impossvel que eles no se
estabeleam sobre uma base lgica da linguagem em termos de significao. O
segundo Wittgenstein foi genial ao perceber os jogos da linguagem, mas foi ctico
42 Ibid, p. 122.
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demais ao supor que eles representassem uma proliferao infinita de significados.
Existe, sem dvida, o conhecimento mtuo como conjunto de crenas, como
memria enciclopdica, como regras da lngua, como regras de inferncia, como
intenes comunicativas, como presena fsica do contexto, etc. Mas esse
conhecimento mtuo permanece, no ato comunicativo, no momento do enunciado
em estado potencial. Nesse momento, s os fatores relevantes do contexto para
aquele ato comunicativo interagem com a base lgico-significativa do enunciado.
Desta forma, cabe Semntica Lgica investigar a proposio, mesmo das
linguagens naturais, porque essa base realmente deve ser assumida. O exemplo
mais ilustrativo disso o fato de que, ao formularmos um clculo lgico, podemos
traduzi-lo normalmente, em linguagem natural. Alm disso, inmeras sentenas deuma lngua qualquer podem ser formalizadas sem problemas. O que ocorre, aqui,
a dificuldade em serem verificados os limites claros entre a Semntica e a
Pragmtica.
Cabe, ento, uma reflexo ao nvel metaterico, sobre esses limites. Se a
Semntica das Condies-de-Verdade para a linguagem natural pretende manter o
mesmo rigor da Semntica Formal, ela no poder se defrontar com aspectos do
contexto que intervm na significao total de um enunciado. E aqui, sim, voltamos aGivn para insistir no fato de que a linguagem natural fundamentalmente
pragmtica. Uma vez, entretanto, que as informaes do contexto sejam fornecidas
por uma teoria pragmtica, no h razes que impeam o desenvolvimento de uma
semntica para a linguagem natural. O que pretendemos, com Givn, denunciar a
absoluta impossibilidade, at agora, de uma Semntica das Condies-de-Verdade,
autnoma, para a linguagem humana.
s vezes, o enunciado s parece independer completamente do contexto, eisso que torna um tanto obscura a fronteira entre semntica e pragmtica43.
Parece, no entanto, bastante claro, que possvel tratar logicamente de
enunciados em linguagem natural por sistemas dedutivos clssicos. Esse
tratamento, entretanto, s pode ser feito, exaustivamente, num nico contexto: o
43 Quando Russell (1905) e Strawson (1950) se defrontam com a sentena O rei da Frana calvo,o que realmente ocorre que este enunciado, uma vez num contexto terico, est neutralizando aspropriedades de contexto reais.
As divergncias comeam medida que Russell leva at a ltima instncia a sua coerncia e noadmite a interferncia de fatores pragmticos. Strawson, por sua vez, devolve ao enunciadopropriedades do contexto no-terico e abre um problema terico que, em Russell, no tinha razode existir.
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terico, ou seja, aquele em que o enunciado pode ser substitudo por variveis, em
que as propriedades de outros contextos reais ou possveis que ele carrega so
destitudas de valor comunicacional. evidente que, nesse caso, a operao de
neutralizao de contextos em um enunciado terico estar justificada por axiomas
pragmticos na constituio das teorias.
Num manual de lgica proposicional, por exemplo, as sentenas que ali
esto, para satisfazer as operaes demonstradas, encontram-se destitudas da
significao que receberiam de outros contextos. Essas sentenas, contudo, embora
guardem propriedades intencionais ligadas ao lxico e pragmtica, esto
reduzidas sua forma lgica. evidente que, nesse caso, a linguagem natural no
mais o ato comunicativo, mas fragmento de linguagem objeto. O papel de uma teoriada linguagem, alis, talvez seja exatamente isolar, dentro do contexto terico,
apenas as propriedades com que pode trabalhar44.
Aps essas consideraes sobre a natureza da teoria e sobre as fronteiras
entre a Semntica e a Pragmtica na abordagem da linguagem natural, podemos
dizer que a nossa proposta tambm considera que, embora as duas disciplinas se
ocupem, em princpio, do mesmo objeto, a natureza dos fenmenos especficos de
que tratam parece determinar uma metodologia prpria. Givn sugere, e tem razo,que entre sistemas dedutivos e os pragmticos existem diferenas importantes e
irredutveis45.
Sistemas pragmticos
abertosdependentes de contextocontnuo/no discretoindutivo/abdutivo
Sistemas lgico-dedutivos
fechadoscontexto livrediscretodedutivo
Nesse sentido, a Pragmtica pode ser entendida de acordo com a proposta
de Gazdar (1979), mas estar, tanto quanto Semntica, sem autonomia para tratar
da linguagem natural.
A partir da, poderiam ser colocadas duas posies alternativas para a
Pragmtica.
44 Russell estava certo. Donnellan (1977) tentou demonstrar o contrrio, mas Kripke (1977) nopermitiu. Para mais detalhes ver o artigo de Kripke Speakers Reference and Semantic Referencede 1977.45 T. Givn, op. cit., p. 83.
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a) Disciplina complementar da Semntica das Condies-de-Verdade
(referncia) cabe a ela descrever os componentes do significado
dependentes de contexto para que a Semntica possa absorv-los e
formaliz-los.
b) Disciplina da significao total da linguagem natural (atos
comunicativos sentido e referncia)
Nesse caso, ela depender da Semntica, j que os componentes do
significado de que trata parecem estabelecer-se sobre a base da referncia (pelo
menos, as questes relativas a essa possvel base se encontram em estado mais
adiantado de formalizao).
Aqui, cabe, finalmente, tentar resumir a nossa posio para uma definiopositiva da Pragmtica e para a delimitao do seu objeto.
Consideremos, para esse fim, trs tipos de inferncias contextuais:
a) o contexto lingstico (o lxico e a gramtica de uma dada lngua)
ele que permite o sentido na concepo fregeana e as implicaturas
conversacionais, por exemplo.
b) o contexto possvel (lexicalizado ou gramaticalizado) ele que
aparece no caso das pressuposies existenciais e, tambm, no casodas expresses indiciais.
c) o contexto real (o contexto de produo do enunciado) Se o
enunciado-objeto est sendo considerado um fragmento retirado de
uma conversao, ento as propriedades do ato comunicativo devem
ser consideradas. ele que possibilita os atos de fala, as implicaturas
conversacionais, etc.
Pragmtica, ento, caberia a tarefa de descrever fenmenos designificao em que os trs tipos de contexto interferissem. Em outras palavras, a
Semntica seria a disciplina das condies-de-verdade dos enunciados, a
Semntica da Referncia. A pragmtica seria a disciplina das condies
comunicativas dos enunciados; Pragmtica do sentido, das implicaturas e dos atos
de fala.
Poder-se-ia, tambm, esclarecer as diferenas entre Semntica e
Pragmtica usando-se a diferena entre o dito e o implicado. O dito est na
relao do enunciado com o contexto comunicacional.
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