a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

247
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO - PROPPEC CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – PPCJ CURSO DE DOUTORADO EM CIÊNCIA JURÍDICA - CDCJ A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIDADE CIVIL SOLIDÁRIA DO PROPRIETÁRIO FIDUCIÁRIO POR ATOS ILÍCITOS COMETIDOS PELO POSSUIDOR DIRETO, À LUZ DA POLÍTICA JURÍDICA DIEGO RICHARD RONCONI Tese submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, para o Doutorado em Ciência Jurídica. Orientador: Professor Doutor Zenildo Bodnar Co-orientador: Professor Doutor Paulo Márcio Cruz ITAJAÍ (SC), fevereiro de 2013.

Upload: lamthu

Post on 14-Feb-2017

220 views

Category:

Documents


5 download

TRANSCRIPT

Page 1: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO - PROPPEC CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – PPCJ CURSO DE DOUTORADO EM CIÊNCIA JURÍDICA - CDCJ

A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIDADE CIVIL SOLIDÁRIA DO

PROPRIETÁRIO FIDUCIÁRIO POR ATOS ILÍCITOS COMETIDOS

PELO POSSUIDOR DIRETO, À LUZ DA POLÍTICA JURÍDICA

DIEGO RICHARD RONCONI

Tese submetida à Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI, para o Doutorado em Ciência

Jurídica.

Orientador: Professor Doutor Zenildo Bodnar

Co-orientador: Professor Doutor Paulo Márcio Cruz

ITAJAÍ (SC), fevereiro de 2013.

Page 2: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Meus agradecimentos

A todos os Professores e colegas do Doutorado Acadêmico em Ciência Jurídica,

pela amizade e lições de vida;

Ao Professor Dr. Zenildo Bodnar, Orientador dessa Tese e de várias lições de vida,

pelo exemplo de humildade científica e disponibilidade, jurista cujo sucesso e

dedicação são exemplos a serem seguidos;

Ao Professor Dr. Paulo Márcio Cruz, grande incentivador da Ciência Jurídica e

pessoa indispensável ao desenvolvimento dessa Ciência e da comunidade

Itajaiense.

Page 3: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Dedico este trabalho

A Deus, Sabedoria Infinita, por todos os momentos, tristes e felizes, que me tem

proporcionado, fazendo da minha vida uma felicidade constante;

À minha esposa Roslaine Netipanyj Ronconi, exemplo de dedicação e amor,

agradecendo sua presença constante ao meu lado, compreensão e estímulo em

todas as lutas, fortalecendo a cada dia mais o sentimento que nos une;

Aos meus filhos Thiago Richard Netipanyj Ronconi e Thaysa Netipanyj Ronconi,

expressões mais altas do amor, razões de ser de minha felicidade;

Aos meus pais, Paulo Gonçalo Ronconi e Norma Helena Beckert, e aos irmãos Julio

César, Paolo, Marilúcia e Paola, família amável e formidável, agradecendo o eterno

amor, amizade e carinho;

Page 4: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

“Se o direito é uma realidade social, é também uma teoria ativa da sociedade, uma

avaliação do que existe cuja meta é determinar o que deverá existir” (Louis Assier-

Andrieu, p. XI).

“(...) um direito só é efetivo quando sua prática está assegurada; não ter direito e tê-

lo sem o poder exercer são uma coisa só” (José de Aguiar Dias, v.1. p. 61).

Page 5: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Esta Tese foi julgada APTA para a obtenção do título de Doutor em Ciência Jurídica

e aprovada, em sua forma final, pela Coordenação do Curso de Pós-Graduação

Stricto Sensu em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí [CPCJ –

UNIVALI].

Prof. Dr. Zenildo Bodnar

Orientador

Prof. Dr. Paulo Márcio Cruz

Coordenador do CPCJ

Apresentada perante a Banca Examinadora composta dos Professores:

Prof. Dr. Zenildo Bodnar (UNIVALI)

Prof. Dr. Jorge Renato dos Reis (UNISC) Prof. Dra. Ivone Lixa (FURB) Prof. Dr. André Lippi Pinto Bastos Lupi (UNIVALI) Prof. Dr. Osvaldo Agripino de Castro Junior (UNIVALI).

Itajaí [SC], fevereiro de 2013.

Page 6: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente Tese apresentada para a obtenção do título de

Doutor em Ciência Jurídica pelo CPCJ/PDCJ/UNIVALI, elaborada pelo doutorando

Diego Richard Ronconi, sob o título A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIDADE

CIVIL SOLIDÁRIA DO PROPRIETÁRIO FIDUCIÁRIO POR ATOS ILÍCITOS

COMETIDOS PELO POSSUIDOR DIRETO, À LUZ DA POLÍTICA JURÍDICA, foi

submetida em 20 de dezembro de 2012 à Banca Examinadora composta pelos

seguintes Professores: Prof. Dr. Zenildo Bodnar (UNIVALI), Prof. Dr. Jorge Renato

dos Reis (UNISC), Prof. Dra. Ivone Lixa (FURB), Prof. Dr. André Lippi Pinto Bastos

Lupi (UNIVALI) e Prof. Dr. Osvaldo Agripino de Castro Junior (UNIVALI) , e aprovada

com a nota 9,4 (nove vírgula quatro).

Itajaí, fevereiro de 2013.

Prof. Dr. Paulo Márcio Cruz

Coordenador do CPCJ

Page 7: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total

responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a

Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, a Coordenação do Curso de Pós-

Graduação stricto sensu em Ciência Jurídica [CPCJ – UNIVALI] ou a Coordenação

do Curso de Direito, a Banca Examinadora, o Orientador e o Co-Orientador de toda

e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí [SC], 20 de fevereiro de 2013.

Diego Richard Ronconi

Page 8: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Alienação Fiduciária em Garantia : forma de Propriedade Fiduciária, que, por sua

vez, é forma de Propriedade Resolúvel em que ocorre “(...) a transferência, ao

credor, do domínio e posse indireta de uma coisa, independentemente de sua

tradição efetiva, em garantia do pagamento de obrigação a que acede, resolvendo-

se o direito do adquirente com a solução da dívida garantida” 1.

Atos Ilícitos : atos “(...) que promanam direta ou indiretamente da vontade e

ocasionam efeitos jurídicos, mas contrários ao ordenamento” 2.

Ciência Jurídica : “(...) atividade de pesquisa que tem como Objeto o Direito, como

Objetivo principal a descrição e/ou prescrição sobre o Direito ou fração temática

dele, acionada Metodologia que se compatibilize com o Objeto e o Objetivo e sob o

compromisso da contribuição para a consecução da Justiça”3.

Consciência Jurídica Social : tradição pré-normativa da Sociedade como “(...)

readequação de valores prevalentes em seu estrato político (o estrato da

consciência, da experiência, da cidadania)”4.

Constituição : “(...) sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula

a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do

poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos

fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o

1 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil : posse, propriedade, direitos reais de fruição, garantia e aquisição. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v. 4. p. 273. 2 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 4. p. 22. 3 PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 7. ed. Florianópolis: OAB/SC editora, 2002. p. 82. 4 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito . Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, p. 22.

Page 9: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado”5.

Credor-Fiduciário (Credor, ou Fiduciário, ou Propri etário Fiduciário) : titular do

domínio (ou Propriedade), a qual se resolverá com o implemento da obrigação

(ocorrência do termo ou condição), operando-se a transferência da Propriedade,

então, para o Devedor-Fiduciante.

Dano : efetivo prejuízo experimentado pela vítima do comportamento ilícito do

agente, a qual teve algum desconforto comportamental ou dor psíquica (dano

moral), ou desequilíbrio patrimonial (dano material), tratando-se de “(...) lesão a um

interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não – causado por ação ou omissão do

sujeito infrator” 6.

Despatrimonialização dos Bens Jurídicos : “(...) avaliação qualitativa do momento

econômico e a disponibilidade de encontrar, na exigência de tutela do homem, um

aspecto idôneo, não a ‘humilhar’ a aspiração econômica, mas, pelo menos, a

atribuir-lhe uma justificativa institucional de suporte ao livre desenvolvimento da

pessoa. (...)”7.

Devedor-Fiduciante (Devedor, ou Fiduciante) : “(...) ‘possuidor direto, com

responsabilidade de depositário’ (caput do art. 66 da Lei n º 4.728) e não proprietário

do veículo, (...)”8 .

Dignidade da Pessoa Humana : “(...) a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser

humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do

Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e

deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de

cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições

5 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 39-40. 6 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil : São Paulo: Saraiva, 2003, v. 3. p. 40. 7 PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil. Tradução de Maria Cristina de Cicco. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 33. 8 RESTIFFE NETO, Paulo. Garantia fiduciária . 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 139.

Page 10: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua

participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em

comunhão com os demais seres humanos”9.

Direito : “(...) complexo de condições vitais da sociedade no sentido mais amplo,

assegurados pelo poder público mediante coação exterior”10.

Direitos Fundamentais : “(...) todas aquelas posições jurídicas concernentes às

pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu

conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material) integradas ao texto

da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes

constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e

significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material,

tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material

do Catálogo” 11.

Estado Democrático de Direito : Estado “(...) que intervém nos domínios

econômico, social e cultural, obedecidos os parâmetros mínimos de cidadania

política, justiça, representatividade, legalidade e legitimidade”12.

Estado Social, Estado Contemporâneo Democrático : Estado que “(...) intervém

na Sociedade para garantir oportunidades iguais a seus cidadãos nos âmbitos

econômico, social e cultural, sendo este caráter intervencionista o principal

diferencial deste Estado”13.

Estado : “ordem jurídica soberana, que tem por fim o bem comum de um povo

9 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988 . 2. ed Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 62. 10 JHERING, Rudolf von. A finalidade do direito . Tradução de Heder K. Hoffmann. Campinas: Bookseller, 2002. p. 338. T. I . 11 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais . 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 82. 12 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia & estado contemporâneo . 3. ed. Curitiba: Juruá,

2002. p. 153. 13 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia & estado contemporâneo , p. 152-153.

Page 11: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

situado em determinado território” 14.

Função Social : “(...) ações que – por dever para com a Sociedade – o Estado

executa, respeitando, valorizando e envolvendo o seu Sujeito (que é o homem

individualmente considerado e inserido na Sociedade), correspondentemente ao seu

Objeto (conjunto de áreas de atuação que dão causa às ações estatais, e cumprindo

o seu Objetivo (o Bem Comum ou Interesse Coletivo, fixado dinamicamente pelo

todo social)”15.

Função Social da Propriedade : consiste na utilização, gozo, disposição e

reivindicação dos bens e/ou direitos de alguém, afastando-se interesses

eminentemente privatísticos prejudiciais em detrimento do benefício maior de uma

coletividade, de forma que, para haver tal equilíbrio, o Estado limitará e/ou

estabelecerá regras à sua utilização na conformidade do Bem Comum16.

Instituições Financeiras: “pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham

como atividade principal ou acessória a (1) coleta, (2) intermediação ou (3) aplicação

de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira,

e a (4) custódia de valor de propriedade de terceiros”17.

Irracionalidade : inadequação entre o comportamento dos destinatários e os desejos

ou intenções do editor da norma18.

Justiça Social : circunstância em que “(...) o todo contribui para com cada um, não

como uma dádiva generosa e paternalista, mas como um dever decorrente de sua

condição inalienável de parte do todo, provedor e beneficiário potencial e efetivo” 19.

14 DALLARI, Dalmo de Abreu. O futuro do estado . São Paulo: Saraiva, 2001. p. 49. 15 PASOLD, Cesar Luiz. Função social do estado contemporâneo. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003. p. 92-93. 16 RONCONI, Diego Richard. Falência & recuperação de empresas : análise da utilidade social de ambos os institutos. Itajaí: Editora da Univali, 2002. p. 54. 17 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 3. p. 656. 18 ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoria de la legislación . Madrid: Editorial Civitas S/A, 1997. p. 44. 19 PASOLD, Cesar Luiz. Função social do estado contemporâneo , p. 96-97.

Page 12: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Lei Material : ato através do qual se estabelece como elemento definidor o conteúdo,

não mais a sua forma, consistindo em Leis somente as normas que regulamentam

determinadas matérias.

Mútuo Feneratício : contrato oneroso de empréstimo em que há o pagamento de

juros sobre o capital emprestado.

Nexo Causal : vínculo que liga o dano à conduta do agente (vínculo entre a ação e o

prejuízo), sendo elemento indispensável à Responsabilidade Civil20.

Obrigação Solidária : “vínculo de direito pelo qual alguém (sujeito passivo) se

propõe a dar, fazer ou não fazer qualquer coisa (objeto), em favor de outrem (sujeito

ativo)”21, onde há pluralidade de credores, ou devedores, ou ainda de uns e de

outros, tendo cada um direito, ou obrigação pelo total da dívida22.

Política Jurídica : disciplina ou uma área autônoma de conhecimentos e estratégias,

que procura identificar, através de uma pesquisa ordenada e consciente, sua

importância, objeto e objetivos para o Direito23.

Processo Legislativo : Conjunto dos procedimentos que resultam na edição de uma

lei.

Propriedade Fiduciária : Propriedade Resolúvel de coisa móvel (fungível ou

infungível), ou imóvel (infungível) que, se for móvel, se constitui somente através de

registro do contrato no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor

ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento,

fazendo-se a anotação no certificado de registro, e se imóvel, mediante registro, no

competente Registro de Imóveis do contrato que lhe serve de título, havendo o

desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário

20 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4. p. 39. 21 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil : parte geral das obrigações. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 2. p. 3-4. 22 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil : direito das obrigações. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 4. p. 151. 23 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica . Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1994. p. 24-47.

Page 13: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

possuidor indireto da coisa.

Propriedade : direito de uso, gozo e disposição e reivindicação de todos os bens

e/ou direitos de alguém, respeitados os limites impostos pelo Estado, a fim de

garantir a perfeita convivência do grupo social em que se inserem.

Propriedade Resolúvel (ou Revogável) : Propriedade não definitiva, em que o

advento da condição ou termo final pode acarretar a resolução ou a perda da

Propriedade, fazendo-a retornar ao patrimônio do proprietário anterior.

Racionalidade : capacidade ou método de pensamento que permite solucionar

problemas que vão além do simples discurso, utilizando-se de uma lógica que

objetiva estabelecer consequências aos fenômenos 24.

Razão: faculdade própria do homem de captar a essência ou natureza das coisas,

estabelecendo os nexos entre os entes de um conjunto (Razão = capacidade

humana de estabelecer pensamentos vinculados a outros fenômenos) 25.

Repersonalização do Direito : afirmação segundo a qual “patrimônio e pessoa não

estão absolutamente entrelaçados, nem ocupa um primeiro plano a relação entre

eles”26.

Responsabilidade Civil : “(...) situação de indenizar o dano moral ou patrimonial,

decorrente de inadimplemento culposo, de obrigação legal ou contratual, ou imposta

por lei”27.

Responsabilidade Civil Objetiva : Responsabilidade Civil que é “(...) apurada

independentemente de culpa do agente causador do dano, pela atividade perigosa

por ele desempenhada”28.

24 ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoria de la legislación , p. 78 e 85. 25 ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoria de la legislación , p. 78 e 85. 26 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo . Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 42. 27 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações . 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 273. 28 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 2. p. 195.

Page 14: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Responsabilidade Civil Subjetiva : obrigação do ressarcimento em virtude de atos

ilícitos que tenham ocorrido por comportamento culposo ou doloso do agente.

Sociedade : “(...) Conjunto de pessoas permanentemente associadas em diferentes

grupos (família, igreja, clube, sindicato, etc.) e que apresentam padrões culturais

comuns, garantindo a continuidade do todo e a consecução dos ideais

pretendidos”29.

Sociedade Civil : “(...) conjunto das relações materiais entre indivíduos numa arena

de disputas (espaço público) onde diversos grupos lutam para conquistar a

hegemonia; (...)”30.

Sociedade Empresária: “(...) contrato celebrado entre pessoas físicas ou jurídicas,

ou somente entre pessoas físicas (art. 1.039), por meio do qual estas se obrigam

reciprocamente a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade

econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços.”31

Subsidiariedade (ou Responsabilidade Subsidiária) : responsabilidade segundo a

qual “uma das pessoas tem o débito originário e a outra tem apenas a

responsabilidade por esse débito. Por isso, existe uma preferência (dada pela lei) na

‘fila’ (ordem) de excussão (execução): no mesmo processo, primeiro são

demandados os bens do devedor (porque foi ele quem se vinculou, de modo pessoal

e originário, à dívida); não tendo sido encontrados bens do devedor ou não sendo

eles suficientes, inicia-se a excussão de bens do responsável em caráter subsidiário,

por toda a dívida.” 32.

Validade Formal : é o atributo que a norma adquire ao ser colocada em vigor,

relacionada com os procedimentos para que a norma seja válida do ponto de vista

externo, desconsiderada a sua materialidade.

29 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico . São Paulo: Saraiva, 1998. v. 4. p. 395-396. 30 CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade administrativa no estado constitucional de direito . Curitiba: Juruá, 2001. p. 60. 31 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa . 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 235. 32 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil . São Paulo: Saraiva, 2002. v. 2. p. 87-88.

Page 15: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Validade Material : “(...) a qualidade da norma em mostrar-se compatível com o

socialmente desejado e basicamente necessário ao homem, enquanto indivíduo e

enquanto cidadão” 33.

Veículo Automotor de Via Terrestre : “todo veículo a motor de propulsão que

circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de

pessoas e coisas, ou para tração viária de veículos utilizados para o transporte de

pessoas e coisas”34, tais como motocicletas, automóveis, microônibus, ônibus,

caminhonete, caminhão, e todos aqueles cuja tração se dê em virtude de algum

motor.

33 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 20. 34 BRASIL. Código de Trânsito brasileiro: Lei n º 9.503, de 23 de setembro de 1997. Emílio Sabatovski, Iara Fontana e Tânia Saiki. Curitiba: Juruá, 1997. p. 68.

Page 16: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................ 1

CAPÍTULO 1. A POLÍTICA JURÍDICA, FUNÇÃO LEGISLATIVA E

FUNÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO........................ .................. 7

1.1. A FINALIDADE E AS FUNÇÕES DO

ESTADO...................................................................................................... 7

1.2. O ESTADO DE DIREITO E O ESTADO SOCIAL: O SURGI MENTO DO

ESTADO CONTEMPORÂNEO............................... .................................... 11

1.3. O ESTADO CONSTITUCIONAL DE DIREITO E A DEMOCRA CIA.... 16

1.4. A SEPARAÇÃO DOS PODERES ...................... ................................. 23

1.5. A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO E OS DIREITOS

FUNDAMENTAIS....................................... .................................................. 25

1.6. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PES SOA HUMANA

...................................................................................................................... 29

1.7. A POLÍTICA JURÍDICA: CONCEITO, OBJETO E OBJETIVOS.. ...... 33

1.7.1. Conceito de Política Jurídica............... ........................................... 34

1.7.2. Objeto da Política Jurídica................. ............................................. 35

1.7.3. Objetivos da Política Jurídica.............. ........................................... 37

1.8. FONTES POLÍTICAS E SOCIAIS DA NORMA JURÍDICA.. ............... 38

1.9. O CONCEITO DE LEI, A FUNÇÃO LEGISLATIVA E SEU ASPECTO

POLÍTICO-JURÍDICO.................................. ............................................... 41

1.10. CONCEITO DE FUNÇÃO JUDICIÁRIA................ ............................. 47

1.11. A FUNÇÃO JUDICIÁRIA COMO ABORDAGEM DA DOGMÁTI CA

JURÍDICA........................................... .......................................................... 48

1.12. A DOGMÁTICA JURÍDICA E A POLÍTICA JURÍDICA... .................... 49

Capítulo 2. A PROPRIEDADE E SUA FUNÇÃO SOCIAL...... ... 54

2.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PR OPRIEDADE E

SEU CONCEITO......................................................................................... 54

2.2. O DIREITO REAL DE PROPRIEDADE................. ............................... 62

2.3. A INFLUÊNCIA DO DIREITO CANÔNICO NA FUNÇÃO SOC IAL DA

Page 17: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

PROPRIEDADE........................................................................................... 66

2.4. A DICOTOMIA DIREITO PÚBLICO/PRIVADO........... ........................ 68

2.5. A PROPRIEDADE NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO E A

CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PRIVADO............ ................... 72

2.6. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO......................................... ...................................................... 75

2.6.1. Um conceito operacional de Função Social.... .............................. 78

2.6.2. A Função Social da Propriedade no Estado Con temporâneo e seus

objetivos.......................................... ........................................................... 80

2.7. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA CRFB/88..... ............... 85

2.8. ABRANGÊNCIA DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE... ......... 86

Capítulo 3. A PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA E A ALIENAÇÃO

FIDUCIÁRIA EM GARANTIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO CIVI L

BRASILEIRO......................................... ...................................... 92

3.1. HISTÓRICO ACERCA DA PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA.... ............... 92

3.2. CONCEITO DA PROPRIEDADE RESOLÚVEL E SEUS EFEIT OS ENTRE

ALIENANTE E PROPRIETÁRIO RESOLÚVEL................. ......................... 94

3.3. CONCEITO DE PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA............ ........................ 97

3.4. A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA NA LEGISLAÇ ÃO

BRASILEIRA......................................... ...................................................... 102

3.5. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA ALIENAÇÃO FIDUCI ÁRIA EM

GARANTIA........................................... ....................................................... 103

3.6. NATUREZA JURÍDICA E REQUISITOS DA ALIENAÇÃO FI DUCIÁRIA EM

GARANTIA........................................... ................................................ 106

3.6.1. Requisitos Subjetivos da Alienação Fiduciári a em Garantia...... 108

3.6.2. O empréstimo de dinheiro na Alienação Fiduci ária em

Garantia........................................... ........................................................... 111

3.6.3. Requisitos objetivos da Alienação Fiduciária em Garantia........ 114

3.6.4. Requisitos formais.......................... ................................................ 115

3.7. DEVERES DO FIDUCIANTE (DEVEDOR OU ALIENANTE).. ............ 116

3.8. DEVERES DO FIDUCIÁRIO (CREDOR OU ADQUIRENTE).. ............ 122

Page 18: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

3.9. ALTERAÇÕES DA LEI N º 10.931 NA ALIENAÇÃO FIDU CIÁRIA EM

GARANTIA........................................... ....................................................... 123

3.9.1 Alterações da Lei n º 10.931, de 2 de agosto de 2004 na Lei n º

4.728/65....................................................................................................... 124

3.9.2 Alterações da Lei n º 10.931, de 2 de agosto de 2004 no Decreto-Lei nº

911/69..................................................................................................... 128

3.9.3 Alterações da Lei n º 10.931, de 2 de agosto de 2004 na Lei n º 10.406/02

(Código Civil)..................................... ...................................... 129

3.10. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA NA FORMA DE

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA E A PROPOSTA DE

TESE............................................................................................................. 130

Capítulo 4. A RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO

BRASILEIRO......................................... ................................ 136

4.1. CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL............ ............... 136

4.2. OBJETIVO E REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVI L..... 137

4.2.1. Ação (conduta humana) ...................... ......................................... 138

4.2.2. O Nexo Causal (Nexo etiológico, relação de c ausalidade ou liame de

causalidade) ...................................... ....................................................... 140

4.2.2.1. Teoria da Equivalência das Prestações..... ................................ 142

4.2.2.2. Teoria da Causalidade Adequada............ ................................. 144

4.2.2.3. Teoria da Causalidade Direta ou Imediata.. .............................. 147

4.2.3. Dano........................................ .......................................................... 148

4.3. CONCEITO E REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVI L

SUBJETIVA........................................ . ...................................................... 150

4.3.1. O Ato Ilícito............................... ........................................................ 150

4.3.2. Culpa....................................... ......................................................... 151

4.4. CONCEITO E REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVI L

OBJETIVA........................................... ................................................. 153

4.4.1. A Responsabilidade Civil Objetiva e a ativid ade de Risco........ 156

4.4.2. A Teoria do Risco........................... .................................................. 159

4.4.2.1. Teoria do Risco Proveito............................................................... 163

Page 19: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

4.4.2.2. A teoria do Risco Criado.............................................................. 165

4.5. OS VEÍCULOS AUTOMOTORES E SUA CONDIÇÃO DE

PERICULOSIDADE..................................... ............................................... 167

4.6. A RESPONSABILIDADE POR FATO DE OUTREM E PELO F ATO DA COISA

NO DIREITO BRASILEIRO.............................. .......................................... 172

4.7. AS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJE TIVA E

OBJETIVA........................................... ....................................................... 176

4.7.1. Legítima defesa própria e de terceiro....... .................................... 177

4.7.2. Estado de necessidade próprio e de terceiro. ............................. 177

4.7.3. Exercício regular do direito e o estrito cum primento do dever

legal.............................................. .............................................................. 178

4.7.4. A culpa exclusiva da vítima................. .......................................... 179

4.7.5. O fato de terceiro.......................... .................................................. 180

4.7.6. O caso fortuito e a força maior............. ......................................... 180

Capítulo 5. RESPONSABILIDADE CIVIL SOLIDÁRIA, MAS

SUBSIDIÁRIA, DO PROPRIETÁRIO FIDUCIÁRIO: A PREDIÇÃO

LEGAL E A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL DESSA

PROPOSTA................................................................................ 183

5.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE A JUSTIÇA SOCIAL.......... .................... 183

5.1.1. A Justiça Social e atributos para sua config uração..................... 185

5.2. O papel Corretivo da Política Jurídica no proc esso legislativo e de

interpretação do Direito........................... .................................................. 187

5.3. CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS CAPÍTULOS ANTERIORES. ...... 188

5.4. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PRIVADO E A VINCULAÇÃO

DAS RELAÇÕES PRIVADAS AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.... ......... 202

5.5. A PROPOSTA DE INTERPRETAÇÃO JUDICIAL DA RESPON SABILIDADE

CIVIL DO PROPRIETÁRIO FIDUCIÁRIO DE VEÍCULOS

AUTOMOTORES......................................................................................... 207

CONCLUSÃO.......................................... ................................................... 210

REFERÊNCAS DAS FONTES CITADAS...................... ............................ 215

Page 20: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

RESUMO

A presente Tese objetiva identificar os principais aspectos necessários à atribuição da Responsabilidade Civil, de forma solidária, mas subsidiária, ao Credor-Fiduciário, na Propriedade Fiduciária de Veículos Automotores de Via Terrestre, por Atos Ilícitos cometidos pelo Devedor-Fiduciante durante o período de vigência do contrato de Alienação Fiduciária em Garantia. O Credor-Fiduciário encontra-se na qualidade de proprietário do bem alienado fiduciariamente e, diante da Função Social da Propriedade e outros elementos próprios da relação envolvendo os Contratos de Alienação Fiduciária em Garantia de Veículos Automotores, além de possível, faz-se necessária a Responsabilidade Civil do titular do domínio, na Propriedade Fiduciária, por Atos Ilícitos praticados pelo Possuidor Direto do Veículo Automotor de Via Terrestre objeto do contrato. Tal situação objetiva a segurança jurídica, com o fim de satisfazer os créditos oriundos de Atos Ilícitos causados pelo Possuidor Direto da referida coisa, especialmente quando o Devedor-Fiduciante (Possuidor Direto) for insolvente, ou seja, não possua patrimônio suficiente para satisfação do crédito judicial em que foi condenado a pagar à vítima. Para tanto, diante da função corretiva da Política Jurídica, a interpretação judicial nesse sentido é necessária para que seja respeitada a Dignidade da Pessoa Humana vitimada. Sugere-se, desta forma, a proposta de interpretação judicial de Responsabilidade Civil Solidária, mas Subsidiária, do Credor-Fiduciário, proprietário resolúvel de um Veículo Automotor colocado na Sociedade, diante de Ato Ilícito cometido pelo Possuidor Direto do bem, em razão da Função Social da Propriedade, como forma de satisfação do crédito da vítima. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação, foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e o Relatório dos Resultados expresso na presente Tese é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do referente, da categoria, dos conceitos operacionais, da Pesquisa bibliográfica e do fichamento.

Palavras-chave : Alienação Fiduciária em Garantia – Propriedade Fiduciária – Função Social da Propriedade – Racionalidade – Obrigação Solidária – Política Jurídica – Propriedade Fiduciária – Responsabilidade Civil Objetiva – Responsabilidade Civil Subsidiária – Veículo Automotor de Via Terrestre.

Page 21: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

SUMMARY

This thesis aims to identify the main aspects necessary for the allocation of Liability, in solidarity, but subsidiary, the Lender-Trust, the Property Trustee of Motor Land Vehicles, by Unlawful Acts committed by the debtor-trustor during the period of contract in Fiduciary Warranty. The Lender-Trust is acting as owner trustee and sold well before the Social Function of Property and other particular factors to respect contracts involving the Pledge Guarantee for Motor Vehicles, as well as possible, it is necessary to charge the owner of the domain, the Property Trustee, for Wrongful Acts committed by the Motor Land Vehicle Direct Possessor of the contract. This objective situation of legal certainty, in order to satisfy claims arising from Unlawful Acts caused by Direct Possessor of that thing, especially when the debtor-trustor (Possessor Direct) is insolvent, ie, do not have goods enough to pay the credit that he was sentenced to pay the victim. Therefore, before the corrective function of Legal Policy, the judicial interpretation is necessary for this effect is respected Human Dignity victimized. It is suggested, therefore, the proposed judicial interpretation Liability Partnership but Subsidiary, Lender-Trust, owner of a Land Motor Vehicle resolvable placed in the Society, before Illicit Act committed by Direct Possessor of good, because the Civil Social Property as a way of satisfying the claim of the victim. Regarding the methodology used, is recorded that in Phase Research, was used Inductive Method in Phase Treatment Method Cartesian data, and report the results expressed in this thesis consists in inductive logic base. In the various stages of the search, were driven from the Technical referent category, operational concepts, the literature search and cataloging.

Keywords: Fiduciary Warranty - Property Trust - Social Function of Property - Rationality - Solidary Obligation - Legal Policy - Property Trust - aims Liability - Subsidiary Liability – Land Motor Vehicle

Page 22: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

RÉSUMÉ

Cette thèse vise à identifier les principaux aspects nécessaires pour l'attribution de la responsabilité, de solidarité, mais subsidiaires, le prêteur en fiducie, le fiduciaire de la propriété des véhicules à moteur terrestre, par actes illicites commis par le débiteur-trustor pendant la période de contrat de garantie fiduciaire. Le prêteur-Trust s’agit à titre de fiduciaire propriétaire et, avant la fonction sociale de la propriété et d'autres facteurs propres à respecter les contrats impliquant la garantie Engagement pour les véhicules automobiles, ainsi que des possibles, il est nécessaire de Responsabilité du propriétaire du domaine, le fiduciaire de la propriété, pour les actes fautifs commis par le Possesseur des véhicules automobiles directe des terres du contrat. Cette situation objective de la sécurité juridique, afin de satisfaire les réclamations découlant d'actes illicites causés par le possesseur direct de cette chose, surtout lorsque le débiteur fiduciant (possesseur direct) est insolvable, c'est à dire, ne pas avoir suffisamment de fonds propres pour obtenir le crédit la cour où il a été condamné à payer à la victime. Par conséquent, avant que la fonction de correction de la politique juridique, l'interprétation judiciaire est nécessaire à cet effet est respectée la dignité humaine des victimes. Il est suggéré, par conséquent, le projet de interprétation de la responsabilité civil partenariat, mais filiale, prêteur-Trust, propriétaire d'un véhicule à moteur résolu placé dans la société, avant l’act illicite commis par le Possesseur directe du bien, en raison de la Fonction Sociale de la Proprieté comme un moyen de satisfaire la demande de la victime. En ce qui concerne la méthodologie utilisée, est enregistré que dans la phase de recherche, a été utilisé Méthode Inductive en phase de traitement des données méthode cartésienne, et présenter les résultats exprimés dans cette thèse consiste à la base logique inductive. Dans les différentes étapes de la recherche, ont été chassés de la catégorie référent technique, les concepts opérationnels, la recherche documentaire et catalogage. Mots-clés: Garantie fiduciaire - Property Trust - fonction sociale de la propriété - Rationalité - Obligation solidaire - Politique juridique - Droit de propriété - Responsabilité - Responsabilité subsidiaire - véhicules à moteur terrestre.

Page 23: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

INTRODUÇÃO

A presente Tese1 tem como objeto o estudo da Alienação

Fiduciária em Garantia de Veículos Automotores de Via Terrestre2, enquanto

espécie de Propriedade Fiduciária, a Função Social desta forma de Propriedade e a

Responsabilidade Civil do Proprietário Fiduciário à luz da Política Jurídica, a partir

das funções Legislativa e Judiciária do Estado.

O objetivo institucional é produzir Tese de Doutorado para a

obtenção do título de Doutor em Ciência Jurídica pelo Curso de Doutorado em

Ciência Jurídica – CDCJ vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu

em Ciência Jurídica – CPCJ – da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI.

O seu objetivo geral é demonstrar a possibilidade de

Responsabilidade Civil Solidária do titular da Propriedade Fiduciária diante da

Função Social da Propriedade, a fim de que seja satisfeito o direito de crédito judicial

da vítima de Ato Ilícito provocado pelo Possuidor Direto do bem, pretendendo,

assim, oferecer instrumentos para atribuição dessa espécie de responsabilidade

Os seus objetivos específicos são:

a) Demonstrar que a Responsabilidade Civil da Empresa titular da Propriedade

Fiduciária não é afastada pela exclusão expressa da responsabilidade firmada entre

a Empresa titular do domínio e o Possuidor Direto do bem em Registro de Títulos e

Documentos, mas que pode ser solidária do titular do domínio;

b) Demonstrar que a hipótese anterior é possível diante do princípio constitucional

maior da Função Social da Propriedade, que se sobrepõe a tais situações de

exclusão de responsabilidade;

c) Demonstrar que, pelo fato do titular do domínio, no caso de Propriedade

Fiduciária, se tratar de Empresa, sujeita que está ao risco da atividade empresarial,

deve persistir a sua Responsabilidade Civil solidariamente pelos Atos Ilícitos

1 “Produto Científico com o qual se conclui o Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu no nível de Doutorado.”, in PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 7. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2002. p. 181. 2 Doravante simplesmente chamados Veículos Automotores.

Page 24: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

causados pelo possuidor direto do bem, sem que se observe a culpa da Empresa no

fato (Responsabilidade Objetiva);

d) Demonstrar que, diante dos riscos oferecidos pelos veículos automotores, objetos

do contrato de Alienação Fiduciária em Garantia, colocados no mercado pela

Empresa que ainda é titular do domínio de tal bem neste caso, deve responder

solidariamente pelo direito de crédito da vítima do ilícito causado pelo Possuidor

Direto do bem (Devedor-Fiduciante).

e) Sugerir a proposta de interpretação judicial da Responsabilidade Civil Solidária do

Credor-Fiduciário, proprietário resolúvel de um bem (veículo) colocado no mercado,

por Ato Ilícito cometido pelo Possuidor Direto do bem, diante da Função Social da

Propriedade, como forma de satisfação do crédito da vítima.

Para o desenvolvimento da pesquisa, são formuladas as

seguintes perguntas:

a) Diante da atual Função Social da Propriedade, é possível a responsabilidade civil

solidária do titular do Domínio (credor-fiduciário), na Propriedade Fiduciária, em

razão de Atos Ilícitos causados pelo possuidor direto do bem (devedor-fiduciante)?

b) O registro de contrato dispondo sobre a posse direta do bem a outrem, que não o

titular do domínio, no Registro de Títulos e Documentos, possibilita o afastamento da

Responsabilidade Civil deste último por atos daquele frente a terceiros?

c) A legislação civil brasileira possibilita a exclusão da responsabilidade do titular do

domínio? Em caso positivo, quais as circunstâncias?

d) Aplica-se a Responsabilidade Objetiva da Empresa ao Credor-Fiduciário, em

função da Teoria do Risco, a fim de que possa responder civilmente por Ato Ilícito do

Devedor-Fiduciante?

São desenvolvidas as seguintes hipóteses para a pesquisa:

Page 25: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

a) Seria possível e necessária a Responsabilidade Solidária do titular do domínio, na

Propriedade Fiduciária, por Atos Ilícitos praticados pelo Possuidor Direto da coisa,

em razão da função social da propriedade e da responsabilidade objetiva

envolvendo tais casos.

b) Diante da Função Social da Propriedade, além de possível através de uma

interpretação judicial, seria necessária a Responsabilidade Civil do titular do

domínio, na Propriedade Fiduciária, por Atos Ilícitos praticados pelo Possuidor Direto

do respectivo bem objeto do contrato, pois se objetivaria dar segurança jurídica, com

o fim de satisfazer os créditos oriundos de Ato Ilícito causados pelo Possuidor

Direto, mormente quando este for insolvente, ou seja, não possua meios

econômicos para satisfação do crédito judicial que foi condenado a pagar.

O primeiro capítulo trata de noções de Política Jurídica, da

Função Legislativa e da Função Judiciária do Estado. Objetiva-se observar o Estado

Constitucional, surgido com a Revolução Francesa, a partir da Constituição

Francesa de 1791, dando ênfase ao Estado Contemporâneo, os preceitos deste

Estado, os Direitos Fundamentais e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

inserido na Constituição da República Federativa do Brasil de 19883. Com tal estudo,

pretende-se demonstrar, pela análise do princípio da Dignidade da Pessoa Humana,

que o Estado, especialmente a partir das Constituições do México (1917) e de

Weimar (1919), preocupou-se com o desenvolvimento social e com a valorização

daqueles indivíduos considerados socialmente inferiorizados, passando o Estado a

ser agente do desenvolvimento e Justiça Social. Tratar-se-á, ainda, da Função

Judiciária do Estado e a função da hermenêutica no processo de interpretação e

aplicação da lei. Neste capítulo será ainda indicado o conceito, objeto e objetivos da

Política Jurídica, com a finalidade de identificar suas noções, bem como para a

abordagem da influência da Política Jurídica na Teoria da Produção Legislativa e na

Função Judiciária.

No segundo capítulo, estudar-se-á o direito de Propriedade e a

3 Doravante denominada simplesmente Constituição Federal ou CRFB/88.

Page 26: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Função Social do mesmo, versando, inicialmente, sobre algumas considerações

acerca da evolução histórica da Propriedade, seu conceito e noções a respeito do

direito real da Propriedade. Na continuidade do desenvolvimento histórico do

instituto, abordar-se-á a influência do Direito Romano no Direito Positivo, culminando

na dicotomia do direito em direito público e privado. Após, será tratado o direito de

Propriedade no Direito Civil brasileiro, bem como o surgimento do fenômeno

conhecido como Constitucionalização do direito privado. Segue o Capítulo

apresentando a Função Social da Propriedade, no ordenamento jurídico brasileiro,

conceituando-a e estabelecendo as suas finalidades no Estado Contemporâneo e,

na sequência, a Função Social da Propriedade na CRFB/88 e a abrangência do que

se entende por Função Social da Propriedade.

Nesses capítulos há uma compilação doutrinária que se faz

necessária, a fim de que se dê suporte suficiente para a proposta da Tese. A atitude

reflexiva, unindo-se o aporte teórico desses capítulos com a proposição da Tese,

passa a ser desenvolvida, com maior ênfase, adiante.

No terceiro capítulo será tratada a Alienação Fiduciária em

Garantia como forma de Propriedade Fiduciária, no ordenamento jurídico brasileiro.

Neste capítulo se fará um breve histórico da Propriedade Fiduciária, apresenta-se o

conceito de Propriedade Resolúvel e seus efeitos entre alienante e proprietário

resolúvel. Após esta análise, conceituar-se-á a Propriedade Fiduciária, restringindo-

se à modalidade de Alienação Fiduciária em Garantia, a qual será abordada sob a

égide da legislação brasileira. Depois de conceituar e estabelecer as características

e natureza jurídica da Alienação Fiduciária em Garantia, ingressar-se-á no estudo de

seus requisitos subjetivos e objetivos, fazendo-se referência ao empréstimo em

dinheiro em tal modalidade de Propriedade Fiduciária. Seguidamente, apresenta-se

o estudo dos requisitos formais da Propriedade Fiduciária, deveres do Fiduciante e

Fiduciário e da Função Social da Propriedade Fiduciária na espécie de Alienação

Fiduciária em Garantia.

No capítulo 4, serão trazidas noções sobre a Responsabilidade

Civil Subjetiva e Objetiva no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente acerca

Page 27: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

da Teoria do Risco, das atividades de Risco e da condição de periculosidade dos

Veículos Automotores de Via Terrestre. Também será registrado sobre a

Responsabilidade Civil direta e indireta, enfatizando-se esta última, quando se

estuda a Responsabilidade por fato de outrem e pelo fato da coisa no direito

brasileiro, encerrando-se com o estudo das causas excludentes de

Responsabilidade Civil Subjetiva e objetiva.

Encerrando a pesquisa, o Capítulo 5 tratará, efetivamente,

acerca da proposta no sentido de Responsabilização Civil do Proprietário Fiduciário

(Credor-Fiduciário) de forma solidária ao Devedor Fiduciante, iniciando-se com o

estudo acerca da Justiça Social e, com base nos elementos trazidos nos capítulos

anteriores, estruturar a conclusão da proposta.

O Relatório de Pesquisa se encerra com as Conclusões, nas

quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à

continuidade dos estudos e das reflexões sobre a função corretiva da Política

Jurídica, na sua dimensão operacional, apresentando, ao final, a proposta oferecida

com a presente Tese, com a confirmação, ou não, das hipóteses e variáveis da

pesquisa.

A Linha de Pesquisa é a Principiologia Constitucional e Política

do Direito, e a Área de Concentração é Constitucionalismo, Transnacionalidade e

Produção do Direito.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de

Investigação, foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o

Método Cartesiano, e o Relatório dos Resultados expresso na presente Tese é

composto na base lógica Indutiva.

Page 28: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as técnicas

do referente4, da categoria5, dos conceitos operacionais6, da pesquisa bibliográfica7

e do fichamento8.

É conveniente ressaltar, enfim, que, seguindo as diretrizes

metodológicas do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica-

CPCJ/UNIVALI, no presente trabalho as Categorias fundamentais são grafadas,

sempre, com a letra inicial maiúscula e seus Conceitos Operacionais apresentados,

em relação, no início da Tese e também ao longo do texto.

Registra-se, ainda, que, conforme orientação de Colzani9, as

citações em outro idioma serão registradas no corpo do texto no idioma original,

adiantando-se que todas as citações realizadas em língua estrangeira se encontram

traduzidas pelo doutorando em nota de rodapé.

4 “explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica , cit., p. 209. 5 “palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica , cit., p. 197. 6 “definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, com o propósito de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica , cit. p. 198. 7 “Técnica de Investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica , cit. p. 207. 8 “Técnica que tem como principal utilidade otimizar a leitura na Pesquisa Científica, mediante a reunião de elementos selecionados pelo Pesquisador que registra e/ou resume e/ou reflete e/ou analisa de maneira sucinta, uma Obra, um Ensaio, uma Tese ou Dissertação, um Artigo ou uma aula, segundo Referente previamente estabelecido”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica , cit. p. 201 e 202. 9 COLZANI, Valdir Francisco. Guia para redação do trabalho científico. Curitiba: Juruá, 2001. p. 91 (“(...) a critério do pesquisador e face a relevância da citação, pode ela ser registrada no texto em seu idioma original, quando, obrigatoriamente, deve ser traduzida em nota de rodapé, com a informação de que se trata de tradução do Autor”).

Page 29: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Capítulo 1

A POLÍTICA JURÍDICA, FUNÇÃO LEGISLATIVA E FUNÇÃO

JUDICIÁRIA DO ESTADO

O objetivo deste capítulo não consiste em analisar todas as

fases pelas quais passou o Estado (sobre a Teoria do Estado de forma

aprofundada), mas identificar, no Estado Constitucional (desenvolvido pela

Revolução Francesa a partir da Constituição Francesa de 1791) e, principalmente,

no Estado Contemporâneo, o conteúdo de seus preceitos, os Direitos Fundamentais

e, em especial, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, inserido na

Constituição da República Federativa do Brasil de 198810. A preocupação principal,

neste norte, é identificar, pela análise do princípio anteriormente referido, que o

Estado, em especial, a partir das Constituições do México (1917) e de Weimar

(1919), passou a se preocupar com o desenvolvimento social e com a valorização

daquelas pessoas consideradas socialmente inferiorizadas, passando o Estado a ser

agente do desenvolvimento e Justiça Social11-12.

Pretende, igualmente, este capítulo indicar o conceito, objeto e

objetivos da Política Jurídica, a fim de que se tenha uma noção da mesma para, em

capítulo posterior, abordar a influência da Política Jurídica na Função Legislativa e

na Função Judiciária do Estado.

1.1. A FINALIDADE E AS FUNÇÕES DO ESTADO

Ao iniciar este capítulo, faz-se necessária uma abordagem

prévia sobre qual a finalidade e as funções do Estado. A partir dessa visão inicial,

poderá se observar, sinteticamente, o objetivo da criação do Estado e quais suas

atribuições, alcançando o atual estágio de Estado Constitucional de Direito, que

muito importará para a presente Tese.

10 Doravante denominada simplesmente Constituição Federal ou CRFB/88. 11 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público . 3.ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 54 12 Categoria esta que será tratada no próximo capítulo.

Page 30: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Para Engels13, o Estado surgiu como uma instituição

necessária para assegurar as novas riquezas individuais em detrimento dos

costumes e tradições gentílicas, objetivando consagrar a Propriedade,

reconhecendo, ainda, novas formas de aquisição desta. Em função da crescente e

acelerada acumulação de riquezas, o Estado apareceu, então, como uma instituição

que teria a pretensão de, além de perpetuar a divisão da Sociedade em classes,

também, a intenção de perpetuar o direito da classe possuidora de exercer domínio

sobre e explorar a classe não-possuidora14.

A gênese do Estado deriva do jusnaturalismo, ou seja, de um

estado de natureza, surgindo como fator racional da dicotomia “estado de

natureza/sociedade civil”. Sua origem se estabelece como antítese do estado de

natureza, consistente este numa situação de insegurança, faltando um poder

comum, em que os elementos que constituem tal Estado são indivíduos singulares

que não se encontram associados, mas que são associáveis. Esta passagem do

estado de natureza para o estado civil decorre de certas “convenções”, ou seja, de

atos espontâneos e intencionais de indivíduos que pretendiam se retirar do estado

de natureza, formando um estado civil, considerado este como um ente artificial que

se originava da cultura, e não da natureza15. Esse acordo, em que há o

consentimento de todos na renúncia de seu próprio poder, transferindo-o para uma

só pessoa, a qual impedirá que os demais exerçam o seu poder individual em

prejuízo dos demais, caracteriza a origem do Estado. A função primordial do Estado,

assim, consiste na garantia da paz social, com a instituição de um poder soberano.

No estudo acerca da finalidade do Estado, classificam-se,

inicialmente, seus fins em objetivos e subjetivos. Na qualidade de fins objetivos,

atenta-se à análise do papel que o Estado representa no desenvolvimento da

história da humanidade, dividindo-se estes em fins universais e particulares: aqueles

13 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do es tado. Tradução de

Leandro Konder. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p. 120. 14 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do es tado, p. 120. 15 BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes . Tradução de Carlos Nélson Coutinho. Rio de Janeiro:

Campus, 1991. p. 1-2.

Page 31: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

seriam os comuns a todos os Estados e de todos os tempos; nestes, cada Estado

possui seus fins próprios, resultantes das circunstâncias de sua gênese e evolução,

condicionantes de sua história16.

Quanto aos fins subjetivos, analisa-se o encontro da relação

entre os fins individuais e os do Estado, devendo a finalidade do Estado ser o

resumo dos fins individuais, que nascem e se transformam influenciados pela

vontade humana e que visam a atingir objetivos17.

Na ordem de relacionamento dos Estados com os indivíduos,

há teorias que estabelecem determinados comportamentos daqueles, estabelecidos

em consideração aos fins que pretendem atingir, podendo ser tais fins expansivos ,

ou seja, que estabelecem que o crescimento do Estado deva ser sem medidas,

anulando-se o indivíduo. Inclui-se, nestes fins, a teoria Utilitária18, ao indicar como

bem maior o máximo desenvolvimento material, ainda que com o sacrifício da

liberdade e demais valores fundamentais do homem, estando aí relacionado o

Estado do Bem-Estar, adiante tratado. Também se inclui na teoria dos fins

expansivos a teoria Ética, que pugna pela supremacia dos fins éticos, o que pode

acarretar num exacerbado moralismo, entendendo-se por regras morais do Estado a

vontade dos governantes. Tais teorias são bases para os estados totalitários19.

Por outro lado, a corrente dos fins limitados estabelece a

redução, ao mínimo, das atividades do Estado, limitando suas iniciativas,

especialmente no que diz respeito à matéria econômica, reservando alguns adeptos

dessa teoria a atividade exclusiva de manutenção da segurança dos indivíduos.

Outros adeptos dessa teoria preconizam que a função do Estado é de proteção

16 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado . 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 88. 17 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado, p. 88. 18 Amartya Sen explica que o Utilitarismo (ou teoria Utilitária), na sua forma clássica, desenvolvida por Jeremy Bentham, definia a utilidade como prazer, felicidade ou satisfação, de forma que tudo girava em torno dessas realizações mentais. Porém, “(...) Nas formas modernas do utilitarismo, a essência da ‘utilidade’ freqüentemente é vista de outro modo: não como prazer, satisfação ou felicidade, mas como a satisfação de um desejo ou algum tipo de representação do comportamento de escolha de uma pessoa. (...)”, in SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade . Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 75. 19 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado, p. 89.

Page 32: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

exclusiva da liberdade individual, teoria esta adotada pelo Estado liberal20. Outra

teoria, inserida nos fins limitados do Estado, decorre das teorias contratualistas,

lapidada no Estado de Direito, determinando que a função do Estado consiste

unicamente na rigorosa aplicação do Direito, o que resulta no seu aspecto

meramente formalista, pois o que realmente interessa é a obediência aos preceitos

jurídicos formais, pouco importando se há ou não injustiças21.

Na teoria dos fins do Estado, inclui-se, também, a teoria dos

fins relativos , a qual preconiza a necessidade de uma nova atitude dos indivíduos

que integram a Sociedade, seja em seu relacionamento recíproco, seja no seu

relacionamento com o Estado, reduzindo a vida do Estado nas categorias conservar,

ordenar e ajudar22. Tem por base a teoria solidarista, a qual estabelece que as

ações do homem expressam um sentimento de solidariedade que é próprio dos

indivíduos, e somente quando este sentimento se externa é que se insere nas

atividades essenciais do Estado23.

Dallari24, sintetizando as correntes dispostas sobre a finalidade

do Estado, ensina que o Estado possui uma finalidade geral, enquanto sociedade

política, fim este que é o meio para que os indivíduos e a Sociedade possam

alcançar os seus fins particulares. Essa finalidade geral do Estado é o Bem-Comum,

ou seja, o “conjunto de todas as condições de vida social que consintam e

favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana” (Papa João

XXIII)25.

Sobre o conceito de Estado, ensina Dallari26 que, por enquanto,

um conceito cuja aceitação seja geral é praticamente impossível, mas o identifica

como uma “ordem jurídica soberana” que possui uma finalidade geral a atingir,

20 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado, p. 90. 21 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 90. 22 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 90-91. 23 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado, p. 90. 24 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 91. 25 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 91. 26 DALLARI, Dalmo de Abreu. O futuro do estado . São Paulo: Saraiva, 2001. p. 47-48.

Page 33: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

envolvendo o interesse comum de todos os seus participantes. Sinteticamente, a

finalidade do Estado consiste na busca do “bem comum de um certo povo, situado

em determinado território.(...)”27.

Assim, para o conceito de Estado para a presente Tese, adota-

se aquele de Dallari28, consistente na “ordem jurídica soberana, que tem por fim o

bem comum de um povo situado em determinado território.”.

1.2. O ESTADO DE DIREITO E O ESTADO SOCIAL: O SURGI MENTO DO

ESTADO CONTEMPORÂNEO

O Estado de Direito tem suas origens no Liberalismo, ou seja,

em uma corrente de pensamento que se fixou, a partir das revoluções burguesas,

decorrentes do século XVIII, cujo objetivo era a defesa de maior nível de liberdade

individual diante do Estado, cuja posição deveria ser neutra29. A partir dessa

concepção, o indivíduo passou a ser considerado o núcleo de proteção do Estado,

idéia essa que acompanhou o desenvolvimento do capitalismo, principalmente no

que diz respeito à proteção conferida à Propriedade privada, considerando-a

absoluta. Neste sentido, qualquer pessoa poderia fazer o que quisesse com sua vida

privada, até mesmo podendo alienar a própria liberdade, através de contrato de

trabalho, em troca de dinheiro30. A defesa, portanto, dos interesses da classe

burguesa, frente ao absolutismo monárquico que vigorava, fez com que houvesse,

por parte do Estado, a necessidade premente de preservar os interesses daquela

classe, especialmente no que dizia respeito à Propriedade, passando este Estado a

ser um instrumento a serviço do homem.

Para Hobbes e Locke, a propriedade privada é a base da

filosofia liberal, por acreditarem que o efetivo cumprimento das leis era a única razão

27 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 91. 28 DALLARI, Dalmo de Abreu. O futuro do estado , p. 49. 29 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia & estado contemporâneo . 3. ed. Curitiba: Juruá, 2002. p. 89. 30 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia & estado contemporâneo, p. 93.

Page 34: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

de existir do Poder estatal31.

Conforme Cruz32, Kant teorizou o exercício do Poder por uma

autoridade que tivesse autorização advinda de consenso da Sociedade33 que, em

conformidade com os anseios desta, estaria legitimada para tal exercício, autoridade

tal que seria o Estado. E, adiante, Cruz ensina que Kant, além de teorizar o Estado

de Direito como fator de impulsão às idéias liberais, ainda ensinou que a liberdade é

a obediência às leis. Com isso, estabeleceu o constitucionalismo, a opinião pública e

o direito de voto como fundamentos para o desenvolvimento da Democracia 34.

Por Estado de Direito, entende Bobbio,35 ser aquele em que o

sistema de garantias dos direitos humanos funciona regularmente, de forma que o

poder é exercido no limite das regras jurídicas que determinam a competência do

Estado e orientam suas decisões36 .

O Estado de Direito, fundado sob as bases do Liberalismo

(também conhecido como Estado Liberal ou Legislativo) distinguiu o “ser” do “dever

ser”, não aproximando o âmbito da realidade social do Direito. Isso fez com que

essa visão liberal passasse a ser entendida como a crise da Lei e do Direito,

enquanto formas de regulação, controle e programação social37. Daí a necessidade

de se atentar para a carga axiológica que deveria revestir tal Estado. Ao lado desse

fator, contribuiu para a reestruturação do Estado de Direito Liberal a idéia que este

tinha com relação a um Direito neutro e a realidade social, entendendo-se que a Lei

31 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia & estado contemporâneo, p. 97. 32 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia & estado contemporâneo , p. 102. 33 Aqui entendida como o “(...) Conjunto de pessoas permanentemente associadas em diferentes

grupos (família, igreja, clube, sindicato, etc.) e que apresentam padrões culturais comuns, garantindo a continuidade do todo e a consecução dos ideais pretendidos.”, in DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico . São Paulo: Saraiva, 1998. p. 395-396, v. 4.

34 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia & estado contemporâneo , p. 102. 35 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 9. ed. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 41. 36 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 148. 37 CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade administrativa no estado constitucional de direito . Curitiba: Juruá, 2001. p. 60.

Page 35: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

participa do conflito social38. Tais elementos contribuíram para o surgimento de um

modelo estatal novo, ou seja, o Estado Constitucional de Direito, o qual se

caracterizou por estabelecer que as Constituições passavam a ter um caráter

normativo, por integrar um nível jurídico de superioridade em relação às demais

regras. Passava a Constituição a ser considerada como parâmetro que vinculava

todos os Poderes do Estado 39. A abordagem sobre o Estado Constitucional será

objeto a ser tratado no próximo item desta Tese. Nele será abordada a importância

de certos princípios constitucionais que devem comandar todo o sistema jurídico de

um país. Dentre estes princípios estão a Função Social da Propriedade e aquele

considerado o norte de todo o ordenamento jurídico brasileiro: o princípio da

Dignidade da Pessoa Humana.

Com o Socialismo da segunda metade do século XX, que

passou a ter um caráter predominantemente democrático, surgiu o Estado

Contemporâneo, com o objetivo de ser um ponto de equilíbrio entre o Estado

Socialista e o Estado Liberal em crise, especialmente àquele Estado Liberal da

segunda metade do século XIX40.

Ao Estado Social41 pode-se considerar também a expressão

Estado Contemporâneo Democrático, por compreender aquele Estado que intervém

na Sociedade para assegurar aos seus integrantes iguais oportunidades em

diversos setores, como o econômico, o social e o cultural, sendo este caráter

intervencionista o principal diferencial deste Estado42. O Estado Social foi o resultado

da reforma do Estado Liberal clássico. Sua intenção passou a ser a de superação da

crise de legitimidade do modelo clássico de Estado Liberal, sem que a estrutura

jurídico-política deste fosse abandonada43. Segundo Cademartori44, portanto,

38 CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade administrativa no estado constitucional de direito . Curitiba: Juruá, 2001. p. 62-63. 39 CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade administrativa no estado constitucional de direito , p. 62-63. 40 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia & estado contemporâneo , p. 152. 41 Também entendido como Estado Social de Direito, Estado de Bem-Estar ou Estado Social-Democrata. 42 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia & estado contemporâneo , p. 152-153. 43 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia & estado contemporâneo , p.163.

Page 36: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

consiste naquele em que as influências da Sociedade e do Estado foram recíprocas,

respeitando-se muitos interesses que eram assegurados pelo Estado Liberal, mas

ampliando-se a proteção da coletividade, em detrimento do individualismo

patrimonial.

A origem do Estado Social teve como fator propulsor de suas

idéias vários aspectos relativos à Revolução Industrial como, a busca de assistência

dos trabalhadores, os quais passaram a se reunir em sindicatos; o crescente nível

de pobreza que assolava a Sociedade da época, em virtude do desenvolvimento

urbano, fazendo com que se forçasse o Estado a intervir em tal situação, para

assistir tais necessidades; a responsabilidade compartilhada entre empregador e

empregado em virtude dos acidentes de trabalho, intervindo o Estado na

regulamentação dessas responsabilidades, o que fez com que a mínima

interferência do Estado nas relações privadas, característica do liberalismo clássico,

passasse a ser questionada45.

As constituições do México (1917) e de Weimar (1919) foram

as primeiras a prever, expressamente, a intervenção estatal nos âmbitos social e

econômico, e também a Constituição brasileira de 1934, que, desse período, deu

origem à expressão Estado Social. A intervenção do Estado buscou assegurar a

liberdade e adequação social e econômica aos cidadãos46.

A origem do Estado Contemporâneo pode ser atribuída às

mudanças sociais ocorridas ao longo do século XX, em especial, aquelas vinculadas

aos direitos dos proletários47, conforme visto anteriormente. Um dos grandes

dilemas do Estado Contemporâneo, para Dallari48, está em que ele pretende se

sobrepor a todos os demais poderes, inclusive àqueles que lhe conferem a própria

existência, a fim de buscar a máxima eficiência para atingir os seus fins gerais. Isto

44 CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade administrativa no estado

constitucional de direito , p. 65. 45 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia & estado contemporâneo , p. 172-173. 46 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia & estado contemporâneo , p. 210-211. 47 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia & estado contemporâneo , p. 159. 48 DALLARI, Dalmo de Abreu. O futuro do estado , p. 46.

Page 37: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

quer dizer que este Estado regula comportamentos dos integrantes da Sociedade

Civil49 e dele mesmo, seja perante a própria Sociedade Civil, seja para consigo

mesmo, a fim de atender aos fins sociais pelos quais foi criado, pois o objetivo do

Estado é assegurar o bem comum de uma determinada Sociedade. O Estado tem se

utilizado de vários mecanismos para garantir este bem comum, como a interferência

em assuntos que, até então, pertenciam exclusivamente ao interesse individual.

Pasold50 ensina que o Estado Contemporâneo surgiu a partir

da Constituição Mexicana (1917) e da Constituição de Weimar (1919). Esse Estado

deve eleger comportamentos que se coadunem com a primazia do ser humano, de

modo que o social deve se sobrepor ao econômico51.

Para Dallari52, o Estado de Bem-Estar é uma realidade e

atende a uma tendência de aplicabilidade em escala mundial, sendo o “futurível”, ou

seja, uma das situações mais prováveis de acontecimento no futuro, e apresenta,

ainda, algumas tendências que os Estados Contemporâneos têm adotado: a) a

integração crescente do povo nos fins do Estado; b) a racionalização objetiva da

organização e do funcionamento do Estado, implicando formas autoritárias de

governo; c) a homogeneização relativa dos Estados; d) orientação

predominantemente nacionalista53.

Para Pasold54, se o Estado é criação da Sociedade, aquele

deve servir aos anseios sociais desta, e se o Estado Contemporâneo não se

comportar de forma compatível com essa condição, as causas que decorrem deste

fato necessitam de identificação, competindo à Sociedade retomar o domínio do

49 Aqui entendida como “(...) conjunto das relações materiais entre indivíduos numa arena de disputas

(espaço público) onde diversos grupos lutam para conquistar a hegemonia; (...)”, in CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade administrativa no estado constitucional de direito , p. 60.

50 PASOLD, Cesar Luiz. Função social do estado contemporâneo . 3. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003. p. 57. 51 PASOLD, Cesar Luiz. Função social do estado contemporâneo , p. 62. 52 DALLARI, Dalmo de Abreu. O futuro do estado, p. 136. 53 DALLARI, Dalmo de Abreu. O futuro do estado , p. 180-181. 54 PASOLD, Cesar Luiz. Função social do estado contemporâneo , p. 54-55.

Page 38: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Estado, em um compromisso com o interesse da coletividade55 ou do bem comum.

Tais situações são importantes para o aspecto legislativo, pois

atendem a um anseio da Sociedade em busca da manutenção do bem comum. Isso

torna segura a aplicação de uma legislação e a sua obediência a esta legislação

pela Sociedade, na qual será aplicada.

1.3. O ESTADO CONSTITUCIONAL DE DIREITO E A DEMOCRA CIA

O Estado Constitucional de Direito (ou Estado Constitucional,

simplesmente), é considerado mais que um Estado de Direito56, pois estabelece

parâmetros que asseguram o pleno desenvolvimento humano e que vinculam todas

as demais normas jurídicas à obediência destes paradigmas.

Entende-se por Estado Constitucional o Estado que se

enquadra num sistema de normas fundamentais57, cuja gênese se deu em virtude da

queda do sistema político da Idade Média, atingindo seu auge no século XVIII, com

o surgimento de documentos legislativos chamados de “Constituições”. Esse modelo

de Estado fez com que houvesse uma ampliação da proteção dos Direitos

Fundamentais, fazendo prevalecer, na ordem constitucional, direitos fundamentais

com ênfase social e com formas de intervenção na ordem econômica58.

A gênese do constitucionalismo, conforme a doutrina, deu-se

com a Magna Carta, assinada por João Sem Terra, em 1215, tendo adquirido uma

consistência maior, somente a partir do século XVII. No século XVIII, ocorre o

surgimento de diversas Constituições, principalmente a Constituição do Estado de

Virgínia (1776), a Constituição dos Estados Unidos da América (1787) e a

Constituição Francesa (1789), que afirmavam a superioridade do indivíduo, o qual

possuía direitos naturais considerados inalienáveis e que deveriam ser protegidos 55 Aqui identificada como sinônimo de Sociedade. 56 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição . 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 95. 57 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 168. 58 CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade administrativa no estado constitucional de direito , p. 65.

Page 39: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

pelo Estado59. Aliás, todos esses movimentos político-sociais, a partir da Revolução

Inglesa, foram preponderantes para a fixação dos princípios do Estado Democrático

de Direito, pois a afirmação de tais princípios enfraqueceria o poder absoluto dos

monarcas para o crescimento político da burguesia60.

O objetivo de assegurar a supremacia do indivíduo, a limitação

dos poderes dos governantes e a racionalização do poder culminou no

constitucionalismo, na base do Estado Constitucional. Tal fato coincidiu com a

divulgação da doutrina liberalista, de forma que se revelou a doutrina do liberalismo

político. Adotou-se a defesa dos direitos e liberdades individuais, observando-se nas

Constituições seu sentido material e formal61. Ao se tratar da Constituição, em seu

sentido material, deve-se identificar nela a sua substância, seu conteúdo, ou seja, a

expressão dos valores de convivência e da realidade social em que se aplica62; no

âmbito formal, a Constituição é um “conjunto de regras jurídicas dotadas de máxima

eficácia, concernentes à organização e ao funcionamento do Estado. (...)”63. Passa o

Estado Constitucional a ser visto como o conjunto de princípios, diretrizes, garantias

e instituições que restaurem a operacionalidade do Estado, e não como somente

aquele conjunto de normas de caráter geral e individual descrito por Kelsen64.

Peña Freire65, parafraseando Andrés Ibañez, define o Estado

Constitucional de Direito, a partir de três fatores relevantes: “(...) a) la supremacía

constitucional y de los derechos fundamentales, sean de naturaleza liberal o social,

b) la consagración del principio de legalidad como sometimiento efectivo al derecho

de todos los poderes públicos y c) por la funcionalización de todos los poderes del

Estado a la garantía del disfrute de los derechos de carácter liberal y a la efectividad

59 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 169. 60 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 123-128. 61 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 170. 62 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 170. 63 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 171. 64 CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade administrativa no estado

constitucional de direito , p. 67. 65 PEÑA FREIRE, Antonio Manuel. La garantía en el Estado constitucional de derecho , p. 37.

Page 40: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

de los sociales (...)”66. Peña Freire ensina que o Estado Constitucional não é

somente um ser, mas um dever ser que compreende elementos diversos, fins,

valores, imperativos ou exigências definidoras da constituição deste Estado,

entendido como uma concentração institucional com um sentido preciso originado de

seu próprio modelo normativo. Este modelo normativo, por sua vez, é constituído

por uma forte carga axiológica que almeja projeção e realização nas diversas ordens

jurídicas e políticas existentes67.

Para Aristóteles68, a Democracia existe quando homens livres

detêm o poder soberano e somente quando cidadãos pobres e livres, que formem a

maioria, passam a ser senhores do governo. Ensina ainda o mesmo filósofo69 que há

algumas espécies de democracia: uma em que a igualdade é o bem supremo, o

fundamento, significando igualdade a situação em que não há privilégios políticos

entre ricos e pobres e que nenhum deles é soberano de forma exclusiva, mas todos

o são em igual proporção, fazendo autoridade a opinião da maioria70.

Ensina Aristóteles71 que há mais três espécies de democracia:

A segunda espécie está determinada pelo modo de eleição que ela adotou. Todos aqueles que são irrepreensíveis, do lado do nascimento, têm direito de participar dos negócios do governo, embora não tenham tempo para deles se ocupar. As leis ainda são soberanas nesta espécie de democracia, porque os cidadãos não possuem fortuna. A terceira espécie admite às funções públicas todos os homens livres, mas a razão que acabamos de expor inibe-os de exercer seu direito; forçosamente, pois, a lei ainda é soberana nesse governo. A quarta espécie é aquela que se estabeleceu por último nos Estados, segundo a ordem cronológica.

A identidade das idéias de Aristóteles com a idéia moderna de

66 “(...) a) a supremacia constitucional e dos direitos fundamentais, sejam de natureza liberal ou social, b) a consagração do princípio da legalidade como submissão efetiva ao direito de todos os poderes públicos e c) pela funcionalização de todos os poderes do Estado à garantia da fruição dos direitos de caráter liberal e a efetividade dos sociais (...)”. 67 PEÑA FREIRE, Antonio Manuel. La garantía en el Estado constitucional de derecho , p. 38. 68 ARISTÓTELES. A política . Tradução de Nestor Silveira Chaves. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. p.

115. 69 ARISTÓTELES. A política , p. 117. 70 ARISTÓTELES. A política , p. 117. 71 ARISTÓTELES. A política , p. 119.

Page 41: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Democracia converge na noção de governo do povo, divergindo, contudo, quanto à

noção do povo que deveria governar72.

Como já observado, o Estado Democrático teve sua gênese na

revolta da classe burguesa contra o absolutismo, em busca da afirmação dos

Direitos Fundamentais do homem. Embora os documentos da Constituição do

Estado de Virgínia (1776) e da Constituição dos Estados Unidos da América (1787)

contivessem afirmações de tais direitos, foi com a Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão (1789), que prevaleceu no sentido de universalização destes

direitos. Tal fato decorreu da necessidade de unidade dos franceses, em virtude da

instabilidade interna de seus líderes, diante da monarquia (o que colaborou para o

surgimento da idéia de “nação”), bem como do conflito entre Igreja e Estado73.

Com a Declaração de 1789 os homens passam a ser

considerados livres e iguais em direitos, estabelecem-se certos direitos humanos

naturais e imprescritíveis como a liberdade, a propriedade , a segurança e a

resistência à opressão74. Não se pode limitar qualquer desses direitos ao indivíduo,

senão por intervenção da Lei. Essa Lei, que é a vontade geral, é formada pelos

cidadãos ou por seus representantes.

Aliás, é o que diz o artigo II, da referida Declaração: “O fim de

toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do

homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade , a segurança e a resistência

à opressão” (grifado). Observa-se o direito à Propriedade aí já assegurado como um

direito do homem, o que importará substancialmente para esse estudo. Bobbio75

observa que, dos quatro direitos do homem assegurados na Declaração (liberdade,

propriedade, segurança e resistência à opressão), somente o direito à liberdade é

definido. Diz o autor, no entanto, que a Propriedade não necessitava ser definida,

pois “a ela se refere apenas o último artigo, que estabelece um princípio geral de

direito absolutamente óbvio, o de que a propriedade, sendo um direito sagrado e 72 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 124. 73 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 127. 74 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 127. 75 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 123.

Page 42: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

inviolável, não pode ser limitada a não ser por razões de utilidade pública. (...)”.

Como se identificará adiante, por mais que o direito de Propriedade seja

considerado um Direito Fundamental, há outros direitos fundamentais que se

sobrepõem a esse, identificando, alguns autores, que sequer se trata a Propriedade

de Direito Fundamental. Tais considerações serão tratadas com maior profundidade

posteriormente, em Capítulo próprio sobre o Direito de Propriedade (Capítulo 2).

Os seguintes princípios passam a orientar os Estados como

necessários para a existência da democracia: supremacia da vontade popular,

preservação da liberdade e igualdade de direitos76. Tais princípios passaram a ser

considerados como ideais utópicos num Estado, pois se considera importante motivo

de crise do Estado Contemporâneo o fato de que as concepções do Século XVIII,

respeitantes à organização e objetivos de um Estado, ainda prendem o homem do

século XX, não se identificando com a realidade atual77. Isto porque, no século XVIII,

no surgimento da República e, mais tarde, com a exaltação da autoridade do Poder

Legislativo como garantia contra o governo absoluto, apareceu o impasse relativo

aos representantes do povo. Com a ascensão do industrialismo, fazendo com que o

uso da Propriedade e o regime de produção se concentrasse nas mãos de alguns

em detrimento de outros, tais conflitos fizeram com que o Processo Legislativo se

tornasse lento e imperfeito, tecnicamente, entendendo-se, inconveniente, a

participação do povo e sua exclusão, antidemocrática78.

Além disso, a supremacia da liberdade e da igualdade gerou

uma segunda crise: primar pela liberdade, ou pela igualdade? Preferida a liberdade,

poderiam ser criadas desigualdades injustas; primar pela igualdade de todos,

assegurada por uma organização rígida e coativa, poderia sacrificar a liberdade de

todos. Ambas as situações contrariam o ideal de Estado Democrático79.

Outro impasse foi manter o Estado Democrático vinculado a

somente uma forma, que poderia disfarçar uma ditadura, ou afastar a exigência de 76 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 128. 77 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 254. 78 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 255. 79 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 256.

Page 43: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

forma diversa, abolindo o controle e possibilitando a concentração do poder,

tornando arbitrária sua utilização80.

Dallari81 ensina que o Estado Democrático pode ser alcançado,

desde que sejam considerados os seguintes aspectos: a) eliminação da rigidez

formal, fazendo com que a forma como os valores fundamentais de um povo,

variável de época para época, faça com que o Estado seja flexível, adaptando-se à

nova realidade social; b) que a supremacia da vontade do povo seja respeitada, de

forma que as políticas fundamentais do Estado sejam decididas pelos próprios

governados por uma vontade livremente formada e livremente externada,

preservando-se o direito desse povo divergir, prevalecendo, sempre, o desejo da

maioria; c) que a liberdade seja preservada, levando-se em consideração o

relacionamento entre os indivíduos componentes dessa Sociedade, implicando aos

mesmos deveres e responsabilidades; d) a preservação da igualdade não apenas

como um direito, mas como uma possibilidade, admitindo que, na vida real, há

desigualdades entre os homens82.

Assim, o Estado Democrático de Direito consiste naquele “(...)

que intervém nos domínios econômico, social e cultural, obedecidos os parâmetros

mínimos de cidadania política, justiça, representatividade, legalidade e

legitimidade”83. Sobre o princípio da intervenção da Sociedade no individual,

assevera Mill84 que a finalidade única do intervencionismo de um homem no aspecto

individual e coletivo, na liberdade de ação de alguém, se justifica pela autoproteção,

ou seja, com o objetivo de “impedir dano a outrem”. Contudo, não pode o interesse

público interferir nos gostos e interesses particulares dos indivíduos85.

A intervenção do Estado nas relações privadas tem importância

80 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 256. 81 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 257-259. 82 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 259. 83 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia & estado contemporâneo , p. 153. 84 MILL, John Stuart. Sobre a liberdade. Tradução de Alberto da Rocha Barros. 2. ed. Petrópolis:

Vozes, 1991. p. 53. 85 MILL, John Stuart. Sobre a liberdade, p. 128.

Page 44: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

para a presente Tese, pois acompanha a evolução das gerações86 de direito. Isto

porque o direito de Propriedade, assegurado com a primeira geração de direitos, se

baseou nos direitos individuais, de relações estritamente privadas. No atual estágio

de gerações de direitos, no entanto, tal relação, que antes era de caráter particular,

passa a ter um reflexo social, intervindo o Estado neste aspecto, fazendo com que a

Propriedade deva ter uma Função Social.

Com o fenômeno da industrialização apareceram vários

setores sociais que precisavam de melhores condições de vida, surgindo daí

diversos conflitos, fazendo com que houvesse a necessidade de intervenção e

regulação do Estado para o bom andamento do mercado e a satisfação da

Sociedade prejudicada com a expansão do fenômeno da industrialização87. Mill88, no

entanto, esclarece que há argumentos contrários à interferência do público (Estado)

na condução dos interesses particulares. O mais forte argumento é o fato de que,

quando há interferência do poder público, ele interfere de forma e no lugar errados.

Além disso, Mill89 estabelece três gêneros de objeções à

interferência governamental: 1) não há alguém em maior condição de dirigir algum

negócio ou determinar como ou quem deva conduzi-lo do que aquele que está

diretamente interessado nele, havendo coisas que são mais adequadas a serem

feitas pelos indivíduos do que pelo governo; 2) ainda que o indivíduo não faça tão

bem a coisa que pretende, é preferível que seja feita pelo indivíduo do que pelo

governo, sendo esta forma um meio para educação mental daquele; 3) como maior

razão para limitar a interferência do governo deve-se evitar aumentar,

desnecessariamente, o poder do mesmo.

86 Ou, como prefere Sarlet, “dimensões” de direitos, pois “(...) o uso da expressão ‘gerações’ pode

ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo ‘dimensões’ dos direitos fundamentais, posição esta que aqui optamos por perfilhar, na esteira da mais moderna doutrina (...).”, além de conduzir ao “(...) entendimento equivocado de que os direitos fundamentais se substituem ao longo do tempo, não se encontrando em permanente processo de expansão, cumulação e fortalecimento. (...)”, in SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais , p. 49.

87 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional . 1. ed. Curitiba: Juruá, 2002, p. 197.

88 MILL, John Stuart. Sobre a liberdade, p. 126. 89 MILL, John Stuart. Sobre a liberdade, p. 152-153.

Page 45: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Após a II Guerra Mundial, o caráter intervencionista do Estado

foi estimulado, de forma que este assumiu o encargo de garantia da prestação dos

serviços considerados fundamentais a todos os indivíduos, aumentando a sua

interferência na Sociedade90. Disso resultou um novo intervencionismo do Estado na

vida da Sociedade, fazendo com que houvesse o desaparecimento entre público e

privado, passa, então, o Estado a servir como financiador, consumidor e sócio,

principalmente daquelas associações que mais contrariavam a idéia deste

intervencionismo91.

1.4. A SEPARAÇÃO DOS PODERES

A partir do princípio de que “Tudo estaria perdido se o mesmo

homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres ou do povo exercesse os

três poderes (...)”92, a concentração dos Poderes no Estado poderia degenerar em

despotismo. Neste sentido, a divisão dos Poderes do Estado foi estabelecida em

três funções diversas, ou seja, executiva, legislativa e judiciária. Esta divisão tinha a

intenção precípua de limitar a extensão do poder atribuído ao monarca, assegurando

a liberdade do indivíduo como bem maior a ser preservado.

Ensina Dallari93 que a separação dos Poderes em Executivo,

Legislativo e Judiciário já constava na Declaração de Direitos da Virgínia (1776), a

qual, em seu parágrafo 5o, determinava “que os poderes executivo e legislativo do

Estado deverão ser separados e distintos do judiciário”. Também assevera o autor

que essa exigência é mais enfática na Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão, aprovada na França em 1789, “declarando-se em seu artigo XVI: ‘Toda

sociedade na qual a garantia dos direitos não está assegurada, nem a separação

dos poderes determinada, não tem Constituição’”.

A função legislativa clássica é decorrente do Estado Liberal de Direito

originado pelas revoluções do final do século XVIII e começo do século XIX, 90 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 237. 91 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 238. 92 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis , p. 171. 93 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 184.

Page 46: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

vinculando-se à teoria clássica da separação dos Poderes de Montesquieu94. Aliás,

já Aristóteles95 ensinava que não é justo que o poder fique nas mãos de um só.

Para Cruz96, esta fórmula de divisão dos Poderes em três

espécies distintas tem servido como “elemento definidor do constitucionalismo”,

embora o desenvolvimento do constitucionalismo modificasse os pressupostos

originais do princípio da separação dos poderes, continuando, no entanto, relevante

pelos seguintes motivos:

1) ao se diferenciar os Poderes Legislativo e Executivo, preserva-se a peculiaridade

do Processo Legislativo, pois a discussão e publicidade permitem que as minorias

participem e controlem as atividades governamentais, permanecendo o Poder

Legislativo como “foco de controle e crítica, assim como de discussão pública, entre

as diversas alternativas políticas”;

2) preserva-se a independência do Poder Judiciário relativamente aos demais

poderes do Estado.

Porém, esta divisão clássica do Poder do Estado pode não

mais atender à complexidade do mundo contemporâneo, às necessidades do

próprio Estado e da Sociedade, havendo, na doutrina, propostas de discussão de

uma nova divisão do Poder do Estado em quatro, cinco ou mais poderes97.

O Poder Legislativo não exerce somente a atividade de

produção normativa, mas, ao lado da sua independência relativamente aos demais

Poderes, possui função orçamentária, prevendo receitas e autorizando despesas do

Estado; função de controle, pois o controle parlamentar é exercido sobre o Poder

Executivo; função de foro de debate político, onde as opiniões se expressam de

forma pública, considerando-se a opinião pública, projetos e reações da

94 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis . Tradução de Cristina

Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 171. 95 ARISTÓTELES. A política , p. 72. 96 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional , p. 100-101. 97 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional, p. 101-102.

Page 47: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Sociedade98. Para Cruz99, a função legislativa, enquanto elaboração de normas que

têm caráter geral e que vinculam cidadãos e poderes, submetidas somente à

Constituição, é a principal função parlamentar.

No entanto, as leis são estáticas e, por vezes, não acompanham a

evolução da Sociedade, necessitando, por isso, de uma resposta imediata do

Estado, sem se olvidar do conteúdo justo que deve prevalecer nas situações fáticas

que se apresentam no cotidiano. Daí, a necessidade de o Estado, através do Poder

Judiciário, ajustar a Lei às necessidades sociais, não aplicando somente a lei ao

caso concreto, mas moldando o conteúdo legal com todo o aparato normativo à

disposição do Estado, utilizando os princípios jurídicos e demais fontes para tornar o

direito proclamado, justo.

1.5. A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO E OS DIREITOS FUN DAMENTAIS

Antes de ingressar na temática da Constituição Brasileira,

importa retratar no que consistem os chamados Direitos Fundamentais. Observou-se

que, na evolução do Estado, a afirmação de certos direitos de ordem natural foram

imprescindíveis para a limitação dos poderes existentes no Absolutismo, então

vigente. As declarações de direitos que passaram a surgir de tais revoltas contra a

Monarquia fizeram com que tais Direitos fossem consolidados, muitos em

documentos escritos, outros, ainda que não escritos, existentes no ordenamento

jurídico. No continente europeu, onde se desenvolveu e originou a maior parte da

cultura ocidental, sentiu-se a necessidade de se proclamar a soberania do povo e a

liberdade dos oprimidos pelo regime absolutista que os governos imprimiam à

Sociedade da época. Daí que as idéias iluministas, tão mais à frente daquela

realidade e da necessidade social, tiveram grande influência na Revolução Francesa

de 1789, manifestando-se tais pensamentos na Declaração dos Direitos do Homem

e do Cidadão, aprovada pela Assembléia Nacional da França, em 26 de agosto de

1789.

98 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional, p. 107. 99 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional, p. 104.

Page 48: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

A maior conquista dos direitos humanos ocorreu com a

Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia-Geral das

Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, a qual pode ser considerada como a

maior prova histórica de consenso humano sobre um certo sistema de valores,

proclamando o art. 1º, da referida Declaração: “Todos os homens nascem livres e

iguais em dignidade e direitos” 100. Bobbio101, ao comentar o referido artigo, retrata

que o fato de o homem nascer livre e igual é exigência da razão, mas não uma

constatação fática ou histórica, pois, na realidade, não nasce livre nem igual. A

gênese de tal princípio, portanto, é ideal, não histórica.

Hoeffe102 estabelece que há entre os direitos humanos e os

Direitos Fundamentais igualdade no seu conteúdo, mas diferem quanto a sua

existência, pois os direitos humanos consistem em padrões morais que subordinam

alguma ordem jurídica, os Direitos Fundamentais são estes direitos humanos que

são efetivamente reconhecidos por uma dada ordem jurídica.

Os Direitos Fundamentais podem ser entendidos como direitos

subjetivos públicos, decorrentes de liberdades públicas, que consistem num conjunto

de direitos e garantias que passaram do direito natural para o direito positivo,

conquistados especialmente com as revoluções burguesas dos séculos XVII e

XVIII103. Tais Direitos Fundamentais estão escritos nos artigos 5o a 17, da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, porém não de forma

exaustiva104.

Os Direitos Fundamentais, numa perspectiva histórica, como

visto, tiveram sua configuração nos documentos escritos surgidos com as revoluções

burguesas, asseguradoras dos direitos humanos. Dentre as principais Declarações,

100 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos , p. 27. 101 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos , p. 118. 102 HOEFFE, Otfried. Justiça política : fundamentação de uma filosofia crítica do direito e do estado.

Tradução de Ernildo Stein. Petrópolis: Vozes, 1991. 404 p. 103 CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade administrativa no estado

constitucional de direito , p. 71. 104 CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade administrativa no estado

constitucional de direito , p. 72.

Page 49: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

a Déclaration des droits de l´homme et du citoyen (Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão), de 1789, reconheceu uma série de princípios e direitos que

eram representações do ideário burguês como a igualdade, liberdade, segurança,

resistência à opressão, soberania nacional, participação política, garantia de direitos,

separação de Poderes, legalidade das penas, presunção de inocência e Propriedade

(esta última categoria, que interessa para o presente estudo). Porém, muitos dos

direitos reconhecidos por tais documentos transmitiam a conveniência de algumas

classes em determinada época, como, por exemplo, o direito de Propriedade, de

cunho eminentemente econômico e que se estendeu na Déclaracion Universal de

1948105.

Segundo Sarlet106, os Direitos Fundamentais são:

(...) todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material) integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do Catálogo).

Para Peña Freire107, os Direitos Fundamentais são “(...)

expresión jurídica de un valor o complejo de valores que una vez incorporados al

ordenamiento adquieren un sentido prospectivo o abierto respecto del desarollo

normativo y político. (...)”;”108, não se tratando somente de normas jurídicas frutos de

uma decisão política, mas incorporando uma carga axiológica muito forte projetada

no ordenamento jurídico109.

105 SAUCA, José Maria (Coord). Problemas actuales de los derechos fundamentales. Universidad

Carlos III de Madrid. Boletín oficial del Estado: Madrid, 1994, p. 53-64. 106 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais , p. 82. 107 PEÑA FREIRE, Antonio Manuel. La garantía en el Estado constitucional de derecho , p. 86-87. 108 PEÑA FREIRE, Antonio Manuel. La garantía en el Estado constitucional de derecho , p. 109:

“(...) expressão jurídica de um valor ou complexo de valores que, uma vez incorporados ao ordenamento, adquirem um sentido prospectivo ou aberto a respeito do desenvolvimento normativo e político. (...)”.

109 Aqui entendido como o “(...) contexto de normas com relações particulares entre si (...)”, in BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico . Tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 10. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997. p. 19.

Page 50: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

O termo “Direitos Fundamentais” se refere aos direitos

humanos reconhecidos e positivados no direito constitucional positivo de um

Estado110, somente podendo se desenvolver quando são garantidos e transformados

em normas de direito positivo111.

Os Direitos Fundamentais podem ser divididos em sentido

formal e material. Direitos Fundamentais em sentido formal consistem nas posições

jurídicas que o Legislador-Constituinte, de forma expressa, consagrou sobre a

pessoa, considerada individual, coletiva ou socialmente, no catálogo dos Direitos

Fundamentais. Direitos Fundamentais, em sentido material , consistem naqueles

direitos que, embora situados fora do catálogo de direitos elaborado pelo Legislador-

Constituinte, em razão da sua importância e conteúdo são equiparados aos direitos

formal e materialmente fundamentais112.

A Constituição é o “(...) simples modo de ser do Estado”, sendo

sua Lei fundamental, o documento organizador dos seus elementos essenciais113.

Consiste, portanto, em um

(...) sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado114.

Kelsen115 ensina que, na construção escalonada dos diversos

níveis de normas jurídicas, a Constituição (no sentido material, ou seja, mecanismo

que regula a produção das normas jurídicas gerais), está no nível mais elevado do

110 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais , p. 33. 111 ALEXY, Robert. Teoria del discurso y derechos humanos . Tradução de Luis Villar Borda.

Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 1995. p. 93. 112 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais , p. 85-86. 113 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo . 20.ed. São Paulo: Malheiros,

2002, p. 39. 114 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , p. 39-40. 115 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito . 6. ed. Tradução João Baptista Machado. São Paulo:

Martins Fontes, 1998, p. 247.

Page 51: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Direito positivo e, adiante, leciona116:

“A Constituição, que regula a produção de normas gerais, pode também determinar o conteúdo das futuras leis. E as Constituições positivas não raramente assim procedem ao prescrever ou ao excluir determinados conteúdos. No primeiro caso, geralmente, apenas existe uma promessa de leis a fixar e não qualquer obrigação de estabelecer tais leis, pois, já mesmo por razões de técnica jurídica, não pode facilmente ligar-se uma sanção ao não-estabelecimento de leis com o conteúdo prescrito. Com mais eficácia, porém, podem ser excluídas pela Constituição leis de determinado conteúdo. O catálogo de direitos e liberdades fundamentais, que forma uma parte substancial das m odernas constituições, não é, na sua essência, outra coisa senão uma tentativa de impedir que tais leis venham a existir . (...)”. (grifado).

A autêntica Constituição será aquela que conseguir conjugar e

maximizar valores individuais e sociais, selecionados pelo povo através da

experiência117. A Constituição tem supremacia relativamente a outras normas e

condiciona todo o sistema jurídico. Dependem da sua obediência os atos que

pretendem produzir efeitos jurídicos dentro do sistema118.

Neste sentido, a Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988 consagra, em seu artigo 60, § 4o, IV, que os direitos e garantias individuais

(ou Direitos e Garantias Fundamentais) não serão objeto de deliberação de proposta

de emenda que tenda a aboli-los. Os Direitos Fundamentais, assim, possuem

significado especial na CRFB/88, outorgando-lhes imediata eficácia (art. 5o, § 1o,

CRFB/88) e inserindo a cláusula de imutabilidade que lhes garante eternidade,

constituindo direitos subjetivos e elementos fundamentais do ordenamento jurídico

brasileiro119.

1.6. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PES SOA HUMANA

O estudo do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, no

contexto da presente Tese, reside na sua importância como princípio embasador 116 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito ,p. 249. 117 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 172. 118 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado , p. 173. 119 LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas hermenêuticas dos direitos humanos e f undamentais no

Brasil . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 187.

Page 52: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

dos Direitos Fundamentais e do Estado Democrático de Direito, estabelecido no

Brasil. Neste sentido, importante antecipar que se considera o princípio da

Dignidade da Pessoa Humana o fundamento do sistema de direitos fundamentais,

pois estes são “exigências, concretizações e desdobramentos da dignidade da

pessoa humana e que com base nesta devem ser interpretados.”120. Este princípio

constitui valor-guia para toda a ordem jurídica, justificando-se, para muitos, como

“princípio constitucional de maior hierarquia axiológico-valorativa”121.

A Dignidade da Pessoa Humana é um princípio estruturante,

indicativo e constitutivo das idéias de todo o ordenamento jurídico constitucional e

nacional, aplicando-se como indicador de todo este ordenamento, de forma que

fulmina de inconstitucionalidade qualquer preceito conflitante com tal princípio122.

Várias Constituições já haviam estabelecido o Princípio da

Dignidade da Pessoa Humana em seu conteúdo, citando-se como exemplos a

Constituição de Weimar (1919), no artigo 151, I; a Constituição Portuguesa (1933),

em seu artigo 6o, n º 3 e a Constituição da Irlanda (1937), em seu preâmbulo123.

A Dignidade da Pessoa Humana é um dos conceitos que foram

recuperados pelo constitucionalismo havido no pós-guerra, no contexto da

reabilitação do direito natural, considerando-se a dignidade como “(...) el efecto de la

afirmación personal frente al poder y, en el derecho, como la resultante de ese

posicionamiento central de la persona en el contexto jurídico-político”124. Os Direitos

Fundamentais, neste sentido, são mecanismos institucionais que o direito expressa

a centralidade da pessoa, vinculando-a ao ambiente social, de forma que tais

direitos estão fundamentados na Dignidade da Pessoa Humana na qualidade de

dado externo, que se torna indisponível ao poder e ao direito, mas que em ambos 120 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais , p. 115. 121 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na

constituição Federal de 1988 . 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 74. 122 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo . Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.

191. 123 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais , p. 101. 124 PEÑA FREIRE, Antonio Manuel. La garantía en el Estado constitucional de derecho , p. 82-83

(“(...) o efeito da afirmação pessoal frente ao poder e, no direito, como a resultante deste posicionamento central da pessoa no contexto jurídico-político”).

Page 53: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

deve se refletir125.

O ideal da Dignidade da Pessoa Humana, no âmbito do

ordenamento jurídico brasileiro, é colocar a pessoa humana como finalidade da

Sociedade brasileira, não somente com a finalidade de alcançar outros objetivos

como o econômico, por exemplo126. Neste norte, o patrimônio e o Direito devem ser

colocados a serviço da pessoa com fundamento no respeito ao ser humano127.

Também importa considerar que existem Direitos

Fundamentais que não possuem um conteúdo aferível em dignidade, mas

constituem, tais Direitos Fundamentais, exigências e concretizações com

intensidades diversificadas relativamente à dignidade128.

Sarlet129 cita lição de Pérez Luño no sentido de que o princípio

da Dignidade da Pessoa Humana assegura, além do desenvolvimento da

personalidade dos indivíduos que compõem a Sociedade, também que estas não

sofrerão ofensas ou humilhações. Enfim, trata-se a Dignidade da Pessoa Humana

de “(...) um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do

homem, desde o direito à vida”130. É qualidade inerente à pessoa humana,

irrenunciável e inalienável, inseparável do ser humano.

Entende a doutrina ser difícil conceituar o Princípio da

Dignidade da Pessoa Humana, haja vista que se trata de um conceito que está em

constante processo de construção e desenvolvimento, não se podendo conceituá-lo

de forma hermética, em razão da diversidade de valores que as Sociedades

125 PEÑA FREIRE, Antonio Manuel. La garantía en el Estado constitucional de derecho , p. 83. 126 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional . São Paulo: Celso Bastos, 2002. p. 248-

249. 127 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo , p. 258. 128 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na

constituição Federal de 1988 , p. 133. 129 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais , p. 112. 130 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo , p. 105.

Page 54: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

democráticas contemporâneas manifestam131. No entanto, com a lição de Sarlet132

tem-se o seguinte conceito operacional133 para Dignidade da Pessoa Humana:

(...) a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Este princípio obriga o Estado a impor o dever de respeito,

proteção e promoção das condições que tornem viável e possibilitem a remoção dos

obstáculos que possam impedir a vida das pessoas com dignidade134.

Como a presente Tese versa sobre a Propriedade Fiduciária,

na sua forma de Alienação Fiduciária em Garantia, em especial sua Função Social,

observou-se que o direito de Propriedade, conforme consagrado na CRFB/88 foi

elevado à condição de Direito Fundamental. Porém, tal Direito Fundamental, além

de estar atrelado a uma Função Social, deve estar em conformidade com o princípio

da Dignidade da Pessoa Humana.

O Direito de Propriedade sempre se encontrou no âmbito das

relações privadas, em que o absolutismo da propriedade reinava. Porém, com a

constitucionalização desse direito, atualmente o mesmo deve ser contemplado em

observância dos demais direitos e princípios constitucionais, dentre eles o Princípio

da Dignidade da Pessoa Humana, pois “(...) todas as entidades privadas e os

particulares encontram-se diretamente vinculados pelo princípio da dignidade da

131 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na

constituição Federal de 1988 , p. 41. 132 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na

constituição Federal de 1988 , p. 62. 133 Conceito Operacional consiste numa “(...) definição para uma palavra ou expressão, com o desejo

de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos, (...)”, in PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica : idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 7. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2002. p. 45.

134 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição Federal de 1988 , p. 112.

Page 55: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

pessoa humana. (...)”135.

Assim, não somente o Estado deve estar configurado na

moldura de garantidor das liberdades e Direitos Fundamentais, mas também os

integrantes da Sociedade em suas relações privadas. Isto porque, diante da situação

de globalização da economia, com privatizações, por exemplo, ocorre um

considerável crescimento do poder que grandes corporações exercem nas relações

com o Estado e com a própria Sociedade, por possuírem um poder econômico,

algumas vezes, superior ao de muitos Estados, interferindo, portanto, diretamente

nos Direitos Fundamentais136. O princípio da Dignidade da Pessoa Humana atua,

concomitantemente, como “(...) limite dos direitos e limite dos limites, isto é, barreira

última contra a atividade restritiva dos direitos fundamentais”137.

Conforme o que foi disposto até o momento, observa-se que o

ordenamento jurídico infraconstitucional deve estar em conformidade com as

disposições constitucionais, seja relativamente às suas regras, seja aos seus

princípios estruturantes, a fim de que o conteúdo da regra jurídica alcance o que a

Consciência Jurídica Social (categoria tratada no item a seguir) almeja. É neste

enfoque, portanto, que se passa ao item seguinte, ao tratar sobre a Política Jurídica.

1.7. A POLÍTICA JURÍDICA: CONCEITO, OBJETO E OBJETIVOS

Este item desponta como uma observação necessária do que

consiste a Política Jurídica, haja vista que a proposta dessa Tese se localiza no

papel de correção da norma exercido pela Política Jurídica, na dimensão

operacional, isto é, no “(...) agir, que é a operação do fazer, a realização de uma

idéia, de um querer”138. Liga-se, especialmente à tarefa de produção do Direito

135 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na

constituição Federal de 1988 , p. 112. 136 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na

constituição Federal de 1988 , p. 113-114. 137 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na

constituição Federal de 1988 , p. 123. 138 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito . Porto Alegre: Sérgio Antônio

Fabris Editor, 1998. p. 71.

Page 56: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Positivo, e da Política Jurídica no âmbito da produção judiciária.

1.7.1. Conceito de Política Jurídica

No entendimento de Roubier139, a Política Jurídica consiste na

disciplina necessária para a constituição do conteúdo da norma jurídica. É ela que

conhece qual é o melhor conteúdo de uma regra de direito, postula um julgamento

de valor e, assim, supõe um ideal que serve de ponto de comparação, de forma que

este ideal é a justiça. Roubier140 ensina que a Política Jurídica deve se socorrer de

algumas disciplinas auxiliares como a moral, a história, o direito comparado etc., a

fim de que possam ser analisados os elementos da vida em Sociedade para se

saber quais são suas diversas necessidades e quais devem realizar a satisfação das

instituições humanas. Na qualidade de um trabalho científico, o objeto de

observação é o meio social.

A Política Jurídica pretende assegurar certos valores que se

encontram, ou não, no ordenamento jurídico, a fim de legitimar um Direito justo que

a proposta dogmática não consegue alcançar141.

Entende-se a Política Jurídica como uma disciplina, uma área

autônoma de conhecimentos e estratégias, que procura identificar, através de uma

pesquisa ordenada e consciente, sua importância, objeto e objetivos para o Direito.

Daí se abstrai a idéia principal de que a Política Jurídica se constitui um instrumento

de meio, de mecanismos para a consecução de fins socialmente e juridicamente

desejáveis, num contexto de utilidade do conteúdo material da norma142. Pode a

Política Jurídica se entendida, ainda, como um acontecimento de ruptura entre o

“direito que é”, e o “direito que deve ser”, sendo um instrumento que o jurista possui

para direcionar as mudanças sociais, pois que se estuda a validade material da

norma, seu conteúdo, a fim de que possa ter uma adesão social em função de sua 139 ROUBIER, Paul. Théorie Générale du droit - histoire des doctrines juridiques et philosophie des

valeurs sociales. 2. Ed. Paris: Libreirie du recueil Sirey. 1951. p. 198. 140 ROUBIER, Paul. Théorie Générale du droit - histoire des doctrines juridiques et philosophie des

valeurs sociales, p. 198. 141 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica . 1. ed. Porto Alegre: Sergio

Antônio Fabris Editor, 1994. p. 84. 142 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 24-47.

Page 57: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

utilidade em determinado momento, buscando alcançar, assim, o Direito justo143.

Preocupa-se essa disciplina (Política Jurídica), não com o

direito vigente, mas com o direito que se intenta alcançar, aquele que se encontra

mais próximo das necessidades e satisfações atuais da Sociedade, buscando o

valor “justiça” para justificar a norma jurídica144. Dias145 ensina que, partindo-se da

perspectiva da Política Jurídica, “(...) poder-se-ia questionar a ordem social a qual o

Direito serve, indagando-se se o Direito é justo ou injusto. Enquanto, à Ciência

Jurídica, cabe apenas conhecer seu objeto, o Direito, e não questioná-lo quanto a

suas determinações ou objetivos, ou seja, ela não atribui juízos de valor”.

1.7.2. Objeto da Política Jurídica

A preocupação da Política Jurídica pela norma jurídica inicia

desde as suas mais remotas manifestações na Sociedade, sendo as principais

preocupações da Política Jurídica os valores, fundamentos e conseqüências da

norma no meio social146.

São objetos da Política Jurídica a adequação entre os fins e

meios de regulação da vida social humana, aliada à aplicação dos valores “justiça” e

“utilidade social”147; o humanismo que possua por fundamento as possibilidades e

interesses do ser humano, o qual venha a resultar numa “postura ética universal”148;

a norma, seja sua análise ou justificação realizada numa dimensão axiológica, ou

pragmática, a qual será operacionalizada com seu ingresso ou exclusão do sistema

legal do país com o uso da técnica jurídica149; os valores e os fins alcançáveis pelo

Direito150; o grau de necessidades e interesses que estejam embutidos na emissão

do juízo de valor, para o entendimento do vínculo havido entre “(...) o desejo da 143 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 114. 144 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 129. 145 DIAS, Maria da Graça Santos. A justiça e o imaginário social . Florianópolis: Momento Atual, 2003. p. 29-30. 146 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito , p. 19. 147 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 27 e 81. 148 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 65. 149 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 92. 150 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 105 e 107.

Page 58: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

coisa e o valor a ela atribuído”151.

Outro importante objeto da Política Jurídica consiste no

conteúdo agregado pela comunidade, através das experiências que esta acumulou,

suas tradições e valores adotados com o passar do tempo, ou seja, a chamada

“Consciência Jurídica Social”, categoria da maior importância para a Política

Jurídica152. Consiste esta categoria “(...) não só como a tradição pré-normativa da

sociedade, mas ainda como readequação de valores prevalentes em seu estrato

político (o estrato da consciência, da experiência, da cidadania)”153.

Segundo Melo154:

(...) a consciência jurídica teria a ver com o senso comum valorativo do indivíduo ou da sociedade no que se refere à capacidade de decidir sobre o justo ou o injusto, o que seja socialmente útil ou inútil, com incidência sobre as normas de conduta. Tal entendimento pode nos dar a dimensão das representações jurídicas na projeção da norma que deva ser e como deva ser.

É na Consciência Jurídica Social que as representações

jurídicas que dizem respeito às normas desejáveis orientam as normas que “devam

ser”155. Por isso, a Política Jurídica desenvolve suas atividades com base em

predições de “(...) novas realidades desejadas e possíveis, e não com previsão de

certezas. (...)”156.

Ripert157 ensina que a incerteza de determinadas questões

jurídicas tem proveniência na insuficiência da construção técnica, lecionando, a

seguir, que “(...) A arte de legislar tem as suas regras. A querer lançar no mundo

preceitos de justiça ideal sem ter em conta a organização social existente, far-se-á

151 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 107. 152 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito , p. 23. 153 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito , p. 22. 154 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito , p. 26. 155 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito , p. 25. 156 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito , p. 71. 157 RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis . Tradução de Osório de Oliveira. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2002. p. 386.

Page 59: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

obra vã. (...)”.

1.7.3. Objetivos da Política Jurídica

Ao se estabelecer os objetivos da Política Jurídica, deve-se

atentar para o fato de que esta serve como um “(...) processo produtor de uma

subjetividade coletiva em permanente estado de mutação, vendo-a como um lugar

da mutação da subjetividade coletiva”158.

Além disso, podem ser observados os seguintes objetivos da

Política Jurídica: servir como instrumento mediador entre as práticas administrativas

de justiça e a efetiva realização da cidadania159; servir como instrumento integrador

da “(...) crítica da normatividade meta-jurídica e a normatividade positiva”160; diante

das necessidades sociais, servir como instrumento de construção de territórios

éticos, comprometidos com tais necessidades161; intercomunicar a Política e o

Direito162; servir como disciplina auxiliar com o objetivo de alcançar normas eficazes

e socialmente desejadas, atendendo aos desejos e consecução das necessidades

sociais163, além de orientadora para os administradores do Direito (juízes,

doutrinadores, autoridades judiciárias e legislativas)164; servir como instrumento de

seleção de normas mais úteis e justas, atentando-se para os direitos humanos como

alvo de apreciação165; servir como instrumento para equacionar causas e

conseqüências baseadas em firmes estratagemas, objetivando assegurar uma

legislação social e econômica com vistas à manutenção e preservação da dignidade

do ser humano166; servir de instrumento para a realização de decisões criativas aos

juízes de normas estabelecidas, a fim de solucionar “(...) o impasse gerado por

158 WARAT, Luis Alberto, in MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 12. 159 WARAT, Luis Alberto, in MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 13-14. 160 WARAT, Luis Alberto, in MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 14. 161 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 20. 162 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 21 e 27. 163 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 40. 164 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 42. 165 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 101 e 132. 166 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 104.

Page 60: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

normas legisladas, enquanto o legislador não tome a iniciativa da necessária

revogação de norma superada por nova verdade”167; servir como instrumento de

análise da validade material da norma analisada sob o âmbito da utilidade e

justiça168 (o que muito importa para a presente Tese); servir como disciplina, além de

descritiva, também prescritiva, comprometendo-se com as necessidades do ser

humano sob pressupostos deontológicos e axiológicos169.

O fim mediato da Política Jurídica consiste na construção de

ambientes para que novas possibilidades jurídicas sejam construídas com liberdade

e criatividade, reconstruindo-se o Direito com fundamento na Ética, que é

instrumento capaz de harmonizar conflitos que se consideram insolúveis diante da

dogmática legislativa e jurisprudencial que se tem aplicado170.

Desta forma, os objetivos da Política Jurídica direcionam-se,

todos, à consecução dos interesses manifestados pela Consciência Jurídica Social,

categoria esta tratada anteriormente, com a necessidade de satisfação dos direitos

inerentes ao ser humano para assegurar sua dignidade.

1.8. FONTES POLÍTICAS E SOCIAIS DA NORMA JURÍDICA

A fonte formal é a fonte direta do Direito. Entre as formas do

Direito expressar-se aos seus destinatários destacam-se a Lei e o costume. Sendo o

Brasil um país que segue a tradição romano-germânica, a principal forma de

expressão que adota é o Direito Escrito, ou seja, aquele manifestado em leis e

códigos. O costume consiste em fonte complementar e a jurisprudência, não uma

fonte formal, mas apenas a interpretação do Direito diante de casos concretos171.

167 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 113. 168 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 118. 169 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 130. 170 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 132-133. 171 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito . 17 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 167.

Page 61: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Diferente é a classificação de Montoro172, que indica como

fontes formais do Direito, a legislação, o costume jurídico, a jurisprudência e a

doutrina.

Porém, o que se pretende neste estudo, são as fontes sociais e

políticas da norma jurídica.

Roubier173, sobre a origem da norma, ensina que a regra de

direito deve levar em conta os dados da ordem social, sob pena de o legislador

realizar obra inútil. Roubier, ainda com relação às normas jurídicas, ensina que

François Gény estabelece divisões do Direito em Direito “dado” e “construído”,

distinguindo quatro espécies de dados da vida social para esta divisão (reais,

históricos, racionais e ideais), considerados como fontes sociais da norma jurídica.

Adiante expõe-se cada um desses dados174:

a) Dados Reais (ou materiais): são as condições de fato nas quais a

humanidade se encontra situada, consistindo em dados da natureza física

(clima, produções do sol etc.) ou humanas (constituição anatômica e

fisiológica, desejos morais etc.), dados estes que, conforme François Gény, a

legislação relativa ao casamento e provas de filiação deve considerar. São

dados biológicos, psicológicos, fisiológicos, que não constituem regras, mas

influenciam para a formação do Direito175;

b) Dados Históricos: são apoiados pela experiência, resultantes do trabalho da

evolução do mundo, estabelecendo um quadro de preceitos que dificilmente a

humanidade pode se libertar, incluindo-se neste grupo as regras relativas à

Propriedade individual ou à sucessão legítima. São dados representados pela

conduta do homem no tempo, ao produzir este certos comportamentos que se

172 MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito . 25 ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1999. p. 323. 173 ROUBIER, Paul, Théorie Générale du droit - histoire des doctrines juridiques et philosophie des

valeurs sociales, p. 194-195. 174 ROUBIER, Paul, Théorie Générale du droit - histoire des doctrines juridiques et philosophie des

valeurs sociales, p. 194-195. 175 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. A ciência do direito . 2. ed. São Paulo: Atlas, 1980. p. 65.

Page 62: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

sedimentam aos poucos176;

c) Dados Racionais: consiste no conjunto de preceitos decorrentes da natureza

humana e que são demonstrados pela razão, reencontrando o conteúdo

substancial do direito natural no seu aspecto clássico. Sob este postulado se

discute o reconhecimento, com fundamento na razão, do que deverá ser

regra jurídica. São dados representados pela reflexão do homem acerca da

experiência da vida, o que possibilita estabelecer regras universais e a melhor

conexão entre os meios e fins177;

d) Dados Ideais: concentram os desejos humanos diante do progresso

incansável do direito positivo, discutindo-se simplesmente as tendências

necessárias para que as relações jurídicas estejam, da forma desejada,

devidamente organizadas. Advêm tais dados de crenças, sentimentos e

intuições determinantes de várias regras jurídicas, confessando Gény parecer

difícil de destinar a este dado ideal uma característica estritamente científica.

Estes dados são representados pelos diversos desejos do homem,

estabelecidos na forma de postulados ou fórmulas de valor178.

Já o “construído”, que trata de fontes formais do Direito, tem o

significado das construções e elaborações realizadas pela técnica dos juristas, os

quais têm por labor o manejo dos dados “substanciais” (dados reais, históricos,

racionais e ideais). Exemplifica-se este âmbito do “construído” com “as formas

solenes e as regras probatórias de procedimento, que se expressam em Leis, Leis

costumeiras, regulamentos, decretos, sentenças etc.”179.

Wolkmer180, ao tratar dos movimentos sociais como fonte de

produção do Direito, entende que a principal fonte jurídica está relacionada às

interações sociais e às necessidades fundamentais queridas pelo ser humano,

176 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. A ciência do direito , p. 65. 177 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. A ciência do direito , p. 65. 178 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. A ciência do direito , p. 65. 179 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. A ciência do direito, p. 65. 180 WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico : fundamentos de uma nova cultura no direito. 2.

ed. São Paulo: Editora Alfa Omega, 1997. p. 137.

Page 63: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

próprias à forma de produção de vida material e cultural. O manancial desta

produção jurídica não se limita às instituições ou órgãos estatais. Isso porque o

Direito, por ser produto das práticas sociais e por estar inserido na Sociedade, se

origina de diversos centros de produção da norma, “(...) tanto na esfera supra-estatal

(organizações internacionais) como nível infra-estatal (grupos associativos,

organizações comunitárias, corpos intermediários e movimentos sociais)”,

entendendo por “corpos intermediários” as “(...) corporações de classe, associações

profissionais, conselhos de fábrica, sindicatos, cooperativas, agremiações esportivas

e religiosas, fundações educacionais e culturais etc. (...)”181.

Conforme observado, todos os dados são importantes para a

construção de uma norma jurídica que seja materialmente desejável, ou seja, cujo

conteúdo seja aquele que a Sociedade, diante de sua consciência jurídica, tanto

almejou para que seus anseios fossem efetivamente alcançados. Na qualidade de

norma jurídica, a Lei tem a necessidade de estar imbuída deste conteúdo material.

1.9. O CONCEITO DE LEI, A FUNÇÃO LEGISLATIVA E SEU ASPECTO

POLÍTICO-JURÍDICO

Os costumes, as Leis, as relações sociais, o Direito, todos são

elementos dinâmicos na Sociedade. Assim, as Leis pretendem governar os

costumes e estes mudam diante da pressão daquelas. As relações sociais, por sua

vez, são alteradas, pois os costumes são modificados. Novamente surgem as Leis

com a função transformadora e disciplinadora dos costumes, que novamente

modificam as relações sociais e o Direito, de forma a se tratar de um verdadeiro

ciclo. Esta pressão exercida na Lei pelos costumes, e o próprio direito Ocidental, que

tem influenciado vários sistemas jurídicos baseados nas suas proposições, faz

prevalecer Leis, por vezes, com interesses alheios àqueles da comunidade, aos

costumes e à cultura de uma determinada Sociedade.

A Lei pretende ser um local em que esteja fixada a expressão

de valores fundamentais da Sociedade, devendo ser vista como uma fonte e 181 WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico : fundamentos de uma nova cultura no direito, p.

139-140.

Page 64: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

instrumento orientador do progresso social182.

A crise no conceito de Lei é um fator evidente, quando se

analisa o fenômeno sociológico no qual ela está inserida. Ora, analisado o ciclo

referido acima, a Sociedade está em eterna mutação conforme se modificam,

ampliam, ou diminuem seus conhecimentos, o que exige uma transformação no

ordenamento daquela Sociedade. Se o objetivo da Lei é organizar um

comportamento geral em detrimento do particular, a fim de que haja uma

organização social bem delineada, a estagnação da Lei e de seu próprio conceito

podem ser prejudiciais àquele complexo de pessoas e coisas para a qual foi

realizada. Por isso, a cada contexto, a cada tempo da humanidade, vários conceitos

são mutáveis, pois devem adequar-se às influências recíprocas entre o homem, a

tecnologia, a natureza e as coisas.

Uma das principais idéias sobre o conceito de Lei é o de que, a

partir do momento em que o Estado é concebido como um mecanismo artificial, a

Lei surge como a garantia do funcionamento deste Estado. Assim, ela permeia o

Estado e a Sociedade, Poder e Direito, ligando as Instituições, representando a

supremacia do público sobre o particular com finalidade de organização social.

As Leis dependem de um poder soberano, consistente no

desejo da vontade geral e que se forma esta pela representação legislativa,

responsável pela elaboração deste desejo geral, impondo-se como obrigatória para

todos os Poderes do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário).

Segundo Cabo Martin183 o conceito de Lei pode ser tomado no

sentido formal, material e geral. No sentido formal, Lei consiste no ato através do

qual adquirem forma as decisões do Parlamento, aqui sem se questionar acerca de

seu conteúdo, unicamente revestindo a forma pela qual serão representadas estas

decisões, criticando o referido autor esta consideração conceitual. No âmbito

material, o conceito de Lei estabelece como elemento definidor o conteúdo, não

182 LLOYD, of Hampstead, Dennis Loyd, Baron. A idéia de lei . Tradução de Álvaro Cabral. 2. ed. São

Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 172. 183 CABO MARTIN, Carlos de. Sobre el concepto de ley . Madrid: Trotta, 2000. p. 33. 116 p.

Page 65: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

mais a sua forma, consistindo em Leis somente as normas que regulamentam

determinadas matérias.

No sentido geral de Lei, estabelece Cabo Martin184, antes de

tudo, a característica da sua generalidade, esta que se constitui na qualidade da Lei

em considerar os seus destinatários de forma genérica e às condutas a que se

aplica a Lei, de forma abstrata. Para Cabo Martin, a generalidade da Lei procede da

única garantia para o cumprimento dos princípios básicos do Estado de Direito: o de

participação (direitos e liberdades) e o de distribuição (divisão dos poderes), e,

conseqüentemente, a Lei é geral enquanto só assim pode servir aos fins próprios do

Estado de Direito. Esta última concepção é própria do Estado Liberal de Direito185.

A importância do conceito de Lei reflete no entendimento do

princípio da Legalidade e no da Reserva legal. No primeiro, entendido como a

primazia da Lei, subordinando todos os poderes públicos às Leis gerais e abstratas

que organizam sua forma de exercício, estabelece-se a dedução das conseqüências

derivadas do conceito democrático de Lei, expressando, ainda, a submissão ao

modo estabelecido de produção jurídica. Já com relação ao princípio da Reserva da

Lei, consistente na orientação constitucional que determina a regulação pela Lei de

certas matérias, pressupõe a concepção material da Lei, opondo-se à concepção

formal186.

O debate acerca do conceito de Lei não reside apenas em tais

fatores. Há muitas outras causas determinantes desta mutação, como causas

internas e externas ao ordenamento jurídico. Pode-se citar como causas externas a

quebra dos supostos culturais, instrumentais e legitimadores, haja vista a

dinamicidade social e fatores como a crise da representação e a degeneração

partidária (relativamente à origem da Lei), perda do tradicional conteúdo da Lei

(relativamente ao aspecto material) e a falta de intervenção do Estado diante da

violação da norma jurídica (relativamente à eficácia). Quanto às causas internas,

pode-se citar a perda de importância da hierarquia das Lei (desenvolvimento do

184 CABO MARTIN, Carlos de. Sobre el concepto de ley , p. 47. 185 CABO MARTIN, Carlos de. Sobre el concepto de ley , p. 53. 186 CABO MARTIN, Carlos de. Sobre el concepto de ley , p. 60.

Page 66: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

direito comunitário e internacional), a tendência de hiper-constitucionalização do

sistema e o controle constitucional pelos tribunais de justiça, o que acarreta

insegurança jurídica por relativizar algum entendimento que, pelo aspecto objetivo

da Lei, é interpretado187.

Conclui Cabo Martin188 que há uma crise de conceituação da

Lei e da própria Lei, de forma a estabelecer que seu conceito não seria nem formal,

nem material, mas deve ser “expressão do Princípio Democrático do Estado (social)

e do princípio jurídico – garantista – do Estado de Direito”.

Conceituar uma Lei pelo seu aspecto formal é muito vago, pois

não assume o âmbito que deve alcançar. Conceituar uma Lei pelo seu aspecto

somente material é desconsiderar outros fatores importantes que fazem o conteúdo

da Lei depender. Conceituar a Lei pelo seu âmbito geral é estabelecer uma

generalidade incompreensível do que realmente consiste a Lei. Assim, entende-se

não haver crise no conceito da Lei e nem na própria Lei. Esta crise é e sempre foi

uma conseqüência própria da Lei, faz parte de sua “personalidade”. Aliás, é esta

crise que permite que, constantemente, mudem-se as Leis, que elas se adaptem à

realidade social e atendam aos anseios sociais.

É importante anotar, portanto, a interferência que os fatores

externos exercem sobre o conceito de Lei. Aliás, sobre a própria Ciência Jurídica189.

Dentre estes fatores pode-se observar a influência da Sociologia e da Antropologia

na Ciência Jurídica. Neste sentido, importa trazer à baila a opinião de Lévy-Bruhl190

sobre o Direito (objeto da Ciência Jurídica) que, para a Sociologia, consiste,

prioritariamente, num fenômeno social, definindo-o o autor como “(...) o conjunto das

normas obrigatórias que determinam as relações sociais impostas a todo momento

187 CABO MARTIN, Carlos de. Sobre el concepto de ley , p. 98. 188 CABO MARTIN, Carlos de. Sobre el concepto de ley , p. 101. 189 Entendida como a “(...) atividade de pesquisa que tem como Objeto o Direito, como Objetivo

principal a descrição e/ou prescrição sobre o Direito ou fração temática dele, acionada Metodologia que se compatibilize com o Objeto e o Objetivo e sob o compromisso da contribuição para a consecução da Justiça.”, in PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica , p. 82.

190 LÉVY-BRUHL, Henri. Sociologia do direito. 2. ed. Tradução de Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 20.

Page 67: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

pelo grupo ao qual se pertence”, retirando dessa idéia, na continuidade, três

elementos: a) normas que são obrigatórias; b) a imposição destas normas pelo

grupo social e c) a modificação incessante de tais normas. Conforme Lloyd191, “(...)

O Direito, como os sociólogos nos ensinaram, não pode deixar de ser um reflexo –

ainda que parcial e imperfeito – da sociedade em que opera, e se essa sociedade

contém contradições inerentes, estas serão manifestadas na contextura do próprio

direito (...)”.

O legislador e o magistrado devem extrair da observação dos

fatos sociais a linha de conduta a ser seguida, pois no caso específico desta Tese,

“Quando se estuda a responsabilidade civil, o enriquecimento sem causa, a

obrigação de assistência, imagina-se que o método sociológico permite fornecer o

preceito”192.

A Lei (espécie de regra) constitui, ao lado dos princípios,

modalidades do gênero Normas193. As Normas Jurídicas, por sua vez – também

para fins sociológicos – não possuem estabilidade e perpetuidade, evoluindo

conforme a humanidade modifica seus comportamentos e ações. Assim, Lévy-

Bruhl194 entende que o direito se origina do grupo social e as normas jurídicas

exprimem o modo como o grupo aceita que as relações sociais entre ele devam ser

ordenadas, exprimindo o direito, então, a vontade do corpo social.

Para Assier-Andrieu195 a experiência contenciosa dos fatos

tornou-se uma das áreas preferidas da Sociologia Jurídica e da Antropologia

Jurídica, principalmente com o estudo do surgimento das pendências (no sentido de

divergências de interesses), seus caracteres e as formas utilizadas para dirimi-las. A

classificação de tais soluções destinadas à resolução de tais contendas

(pendências) torna íntima a pesquisa de Sociologia ou de Antropologia dos

191 LLOYD, of Hampstead, Dennis Loyd, Baron. A idéia de lei , p. 281. 192 RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis , p. 389. 193 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios

Constitucionales, 1986. p. 81. 194 LÉVY-BRUHL, Henri. Sociologia do direito, p. 29-31. 195 ASSIER-ANDRIEU, Louis. O direito nas sociedades humanas . Tradução de Maria Ermantina

Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 137 e 172.

Page 68: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

fenômenos jurídicos. O Direito é, portanto, no sentido sociológico196:

(...) um conjunto de regras sociais que prescrevem condutas externas e que são consideradas passíveis de aplicações judiciárias. Noutras palavras, é na associação de um sistema de interpretação dos fatos com um corpo de normas que dispõe para o futuro que reside a identidade empírica do direito. Uma norma em si pode não ser jurídica. Ela torna-se jurídica se serve para avaliar a natureza de um ato e para determinar o perfil dos atos esperados pelo corpo social.

Adota-se, para esta pesquisa, o conceito de Jhering197 para

Direito, ou seja, “(...) é o complexo de condições vitais da sociedade no sentido mais

amplo, assegurados pelo poder público mediante coação exterior”.

O Direito, quanto à sua finalidade, constitui um método de

indução relativo a comportamentos certos, fazendo uso da sanção como instrumento

de pressão a fim de que a conduta desejada seja efetivamente alcançada198.

Para Bobbio199 há duas tarefas essenciais na Sociologia do

Direito: a) investigar qual sua função diante da mudança social, “tarefa que pode ser

sintetizada na fórmula ‘o direito na sociedade’”; e b) análise da aplicação maior ou

menor das normas jurídicas em uma certa Sociedade, “incluindo a maior ou menor

aplicação das normas dos Estados particulares, ou do sistema internacional em seu

conjunto, relativas aos direitos do homem, tarefa que se resume na fórmula ‘a

sociedade no direito’”.

A Lei deve estar relacionada com o sistema de valores

reconhecido pela comunidade em que venha a funcionar, podendo diferir no tempo e

espaço200. Para Lloyd201, ao retratar sobre a finalidade da lei, “(...) Pode ser

enfatizado que a idéia de lei sempre esteve associada à idéia de justiça, e se se 196 ASSIER-ANDRIEU, Louis. O direito nas sociedades humanas , p. 146. 197 JHERING, Rudolf von. A finalidade do direito . Tradução de Heder K. Hoffmann. Campinas:

Bookseller, 2002. p. 338. T. I . 198 DIAS, Maria da Graça Santos. A justiça e o imaginário social , p. 29. 199 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 73. 200 LLOYD, of Hampstead, Dennis Loyd, Baron. A idéia de lei , p. 137. 201 LLOYD, of Hampstead, Dennis Loyd, Baron. A idéia de lei , p. 137.

Page 69: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

concordar que isso representa o objetivo supremo que a lei deve esforçar-se por

atingir, então poderemos chegar mais diretamente à finalidade da lei, sem nos

vermos emaranhados nos valores de certas sociedades, com todos os seus conflitos

e incertezas. (...)”.

1.10. CONCEITO DE FUNÇÃO JUDICIÁRIA

Desde a Constituição Brasileira republicana de 1891 o

Brasil aderiu ao sistema de separação de Poderes, estabelecendo o Poder

Judiciário como um dos Poderes da República e que, identicamente aos Poderes

Legislativo e Executivo, é autônomo e reciprocamente independente202.

Na tarefa da mediação de interesses, que é a função

principal do Poder Judiciário, o juiz deve valorizar os conflitos que lhe são

apresentados de forma a dar seu arbítrio sem importar quem sejam as partes203.

Para a Política Jurídica são interessantes três

possibilidades do tratamento da produção da norma, pois influenciam na

produção de normas jurídicas: a função legislativa e a função judiciária (estas

que são objetos da Dogmática Jurídica), e o pluralismo jurídico. A produção

legislativa, como técnica ou processo legislativo, e a produção judiciária, como

interpretação e aplicação da lei204. A criação judicial do direito, no entanto, se dá

através da interpretação e aplicação da lei205.

A Função Judiciária se fundamenta, portanto, na

decidibilidade dos conflitos com o objetivo de manutenção da paz social,

afastando-se, de modo geral, a possibilidade de exercício arbitrário do direito e

atraindo ao Estado o poder de equacionar os conflitos jurídicos. Tal

equacionamento, entretanto, não pode ocorrer ao mero alvitre do julgador, mas

deverá ser fundamentado com bases lógicas identificadas por instrumentos

202 DALLARI. Dalmo de Abreu. O poder dos juízes . 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 101. 203 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 97. 204 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica . Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor/CPGD-UFSC, 1994. p. 71. 205 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 74.

Page 70: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

previamente selecionados pelo próprio Estado para dirimir litígios, a fim de dar

segurança jurídica aos direitos individuais e/ou coletivos envolvidos.

1.11. A FUNÇÃO JUDICIÁRIA COMO ABORDAGEM DA DOGMÁTI CA

JURÍDICA

A Dogmática, para Warat, significa “(...) uma atividade que

não só acredita produzir um conhecimento neutralizado ideologicamente, mas

também desvinculado de toda a preocupação, seja de ordem sociológica,

antropológica, econômica ou política.”206.

Conforme Ferraz Junior, os problemas jurídicos envolvem o

estudo de diversas alternativas possíveis para que sejam solucionados, surgindo,

daí, diversas teorias que, pela sua função social e natureza tecnológica, não são

apenas explicações dos fenômenos, mas doutrinas, ou seja, ensinam e

estabelecem o que e como deve ser feito. Para o autor207, “(...) O agrupamento

de doutrinas em corpos mais ou menos homogêneos é que transforma, por fim, a

Ciência do Direito em Dogmática Jurídica.”, entendendo que “Dogmática é,

nesse sentido, um corpo de doutrinas, de teorias que têm sua função básica em

um ‘docere’ (ensinar)”.

Segundo Ferraz Junior as questões ditas “dogmáticas”

identificam o ato de opinar e ressalvam algumas opiniões, tratando-se de

questões tipicamente tecnológicas. Para esse autor208, as questões dogmáticas:

“visam possibilitar uma decisão e orientar a ação. De modo geral, as questões jurídicas são ‘dogmáticas’, sendo sempre restritivas (finitas) e, neste sentido, ‘positivistas’ (de positividade). As questões jurídicas não se reduzem, entretanto, às ‘dogmáticas’, à medida que as opiniões postas fora de dúvida – os dogmas – podem ser submetidas a um processo de questionamento, mediante o qual se exige uma fundamentação e uma justificação delas, procurando-se, através do estabelecimento de novas conexões, facilitar a orientação da

206 WARAT, Luiz Alberto. Introdução geral ao direito : a epistemologia jurídica da modernidade. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1995. p. 41. 207 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito . 2. Ed. São Paulo: Atlas, 1980. p. 108. 208 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito . 2. Ed. São Paulo: Atlas, 1980. p. 46.

Page 71: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

ação. (...)”.

Como ensina Warat209, “As dogmáticas positivistas se

baseiam em conceitos e princípios que extraem dos textos legais. Encontram os

sistemas a partir das normas. Em troca, uma teoria geral do direito percorre um

caminho inverso: vai da teoria à norma”.

Para Melo, a visível função essencial da Dogmática Jurídica

está na decidibilidade dos conflitos, de forma que “(...) o desejado pelo legislador

vai ganhar vida nas decisões de quem julga.”210, dirigindo-se o pensamento

dogmático não só à sistematização do Direito, mas como forma de persuasão,

com o estabelecimento de “(...) proposições que visam orientar, com alto grau de

certeza, as decisões dos tribunais”211.

Desta forma, a função fundamental da Dogmática Jurídica é

o de estabelecer a segurança jurídica, que é o objetivo superior da legislação e

que, conforme Maximiliano212, “(...) depende mais dos princípios cristalizados em

normas escritas do que da roupagem mais ou menos apropriada em que os

apresentam. (...)”.

1.12. A DOGMÁTICA JURÍDICA E A POLÍTICA JURÍDICA

O pensamento dogmático cada vez mais se submete a

críticas perturbadoras, em razão da insistência na fonte normativa para a decisão

sobre a norma, limitando-se tão somente ao estudo do Direito vigente, extraindo

da interpretação qualquer juízo de valor, “(...) como se bastante fosse explicar e

ampliar a norma sem justificá-la. (...)”213. No entanto, “(...) O fim da norma jurídica

não é constante, absoluto, eterno, único. Valerá como justificativa deste asserto

209 WARAT, Luiz Alberto. Introdução geral ao direito : a epistemologia jurídica da modernidade. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1995. p. 20. 210 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito . Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor/CPGD-UFSC, 1998. p. 69. 211 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito . Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor/CPGD-UFSC, 1998. p. 69. 212 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito . 19. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 101. 213 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito . Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor/CPGD-UFSC, 1998. p. 68.

Page 72: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

o fato, referido por vezes, de corresponder o sistema de Hermenêutica às idéias

vitoriosas a respeito da concepção do próprio Direito. (...)”214.

O aplicador do Direito deve, na aplicação da lei ao caso

concreto, “(...) transportar-se, em espírito, ao momento e ao meio em que

surgiu a lei, e aprender a relação entre as circunstâncias ambientes, entre outros

fatos sociais e a norma; a localização desta na série dos fenômenos

sociológicos, todos em evolução constante”215.

A Ciência Jurídica surge como um fenômeno decorrente do

comportamento humano que, por seu comportamento, gera certos conflitos de

interesses, de forma que tal Ciência pretende criar normas para solucionar tais

impasses, decidi-los ou renegar suas decisões. Para isso, dentre os modelos

utilizados para decidir conflitos, recorre ao modelo hermenêutico.

O modelo hermenêutico utilizado pela Ciência Jurídica

encara a questão da decidibilidade dos conflitos de interesses o seu principal

aspecto. Como ensina Ferraz Junior216:

“Trata-se de uma relação entre a hipótese de conflito e a hipótese de decisão, tendo em vista o seu sentido. Pressupõe-se, neste caso, que o ser humano é um ser cujo agir tem um significado, ou seja, os seus menores gestos, mesmo os seus mecanismos involuntários, os seus sucessos e os seus fracassos têm um sentido que lhe dá unidade. A ciência do Direito, neste caso, se assume como atividade interpretativa, construindo-se como um sistema compreensivo do comportamento humano. (...)”.

Importante salientar que a Hermenêutica, aqui, não é vista

somente como “(...) a interpretação a partir das fontes do Direito, mas também

ela mesma como fonte de Direito, ao mediar conflitos e colaborar para

harmonizar a lei com a realidade social.”217.

214 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito . 19. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 125. 215 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito . 19. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 122. 216 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito . 2. Ed. São Paulo: Atlas, 1980. p. 48. 217 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 74.

Page 73: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Aliás, a harmonização da lei com a realidade social é um dos

grandes objetivos da Política Jurídica, disciplina esta que possui uma tarefa que “(...)

não seria de natureza descritiva, mas sim configurada num discurso prescritivo,

comprometido com as necessidades e interesses sociais”218. Essa disciplina se

compromete com o agir, “que é sua dimensão operacional. Toda ação corretiva e

criativa recairá sobre o sistema normativo vigente, influindo na sua permanente

adequação e aperfeiçoamento”219.

Relembrando-se, dentre os objetos da Política Jurídica,

destacam-se alguns: a norma (o direito que deve ser e como deve ser feito); a

Consciência Jurídica Social; os valores (principalmente os valores justiça e utilidade

social); o humanismo, o que os aproximam, em muito, com as idéias proclamadas

pelos autores, referidos anteriormente, a respeito do Direito.

Relativamente aos objetivos da Política Jurídica, também,

como já observado, dentre vários, destacam-se o esforço de integração crítica da

normatividade meta-jurídica (aquilo que deveria ser) e a normatividade positiva

(aquilo que é)220; edificação de territórios éticos, comprometidos com as

necessidades sociais; comprometimento com o Justo, o Ético, o Legítimo e o

Necessário, atenta às tendências indesejáveis, efetuando propostas de correções

adequadas para alterações de tais tendências221; auxiliar no alcance de normas que

sejam eficazes e socialmente desejadas, refletindo, desta forma, justiça e utilidade

como respostas adequadas às demandas sociais222; a seleção de normas mais

justas e úteis, visando respeitar sempre os direitos humanos223; oferecimento de

subsídios ao magistrado para que este decida de forma criativa a partir de normas

concretas que possam solucionar o impasse ocasionado por normas já legisladas,

enquanto não parta do legislador a iniciativa da necessária revogação de norma que

218 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito , p. 14. 219 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito , p. 16. 220 WARAT, Luis Alberto, in MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 14. 221 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 22. 222 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 40. 223 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 104.

Page 74: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

já está superada pela nova verdade224, verdade esta que se modifica com a

dinâmica social e a nova realidade.

Ainda, no âmbito da Ciência Jurídica, em especial no estudo da

Política Jurídica, observa-se que, no referente à Sociologia Jurídica, possui esta

conteúdos que são apreciados pela Política Jurídica, como as utopias sociais, com o

ressurgimento do justo e do útil atribuídos como valores culturais resultantes das

experiências da vida; a Consciência Jurídica Social que consiste na categoria que se

reputa da mais alta importância nos estudos político-jurídicos.

Neste capítulo tratou-se de algumas noções sobre a finalidade

e funções do Estado; o Estado de Direito e o Estado Social, analisando-se o

surgimento do Estado Contemporâneo; o Estado Constitucional de Direito e o

Estado Democrático de Direito; a Separação dos Poderes e as Funções Legislativa

e Judiciária do Estado; a supremacia da Constituição e os Direitos Fundamentais e o

Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana; a Política Jurídica, com

seu conceito, objeto e objetivos; as fontes políticas e sociais da norma jurídica e, por

fim, o conceito de Lei, sua função e aspecto político-jurídico, o conceito de Função

Judiciária, a abordagem da Dogmática Jurídica e da Política Jurídica.

O tema da presente Tese é a Alienação Fiduciária (como forma

de Propriedade Fiduciária) de Veículos Automotores de Via Terrestre, bem como a

Responsabilidade Civil do Proprietário Fiduciário diante da Função Social da

Propriedade, à luz da Política Jurídica e no seu papel corretivo, especialmente

quanto às funções Legislativa e Judiciária do Estado. Para tanto, foram coletadas

informações que pudessem servir de fundamento ao objetivo proposto,

principalmente na busca histórica acerca da evolução do Estado Contemporâneo e

da análise do direito de Propriedade como Direito Fundamental, incorporado nas

Declarações de direitos, desde 1789. Também, importante a análise do princípio da

Dignidade da Pessoa Humana como base de vários Direitos Fundamentais que

devem assegurar a sua plena aplicação. Foi visto, ainda, o conceito, objeto e

objetivos da Política Jurídica, para que se tivesse noção da mesma, a fim de se

224 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 113.

Page 75: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

abordar a influência da Política Jurídica na Teoria da Produção Legislativa e na

Função Judiciária do Estado.

No próximo capítulo tratar-se-á sobre o direito de Propriedade

e sua Função Social.

Page 76: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Capítulo 2

A PROPRIEDADE E SUA FUNÇÃO SOCIAL

O presente capítulo versará, inicialmente, sobre algumas

considerações acerca da evolução histórica da Propriedade, seu conceito e noções

sobre o direito real da Propriedade, a influência do Direito Romano no Direito

Positivo, que culmina na dicotomia do direito em direito público e privado. Após, será

tratado o direito de Propriedade, no Direito Civil brasileiro, bem como o surgimento

do fenômeno conhecido como Constitucionalização do direito privado. Segue-se a

Função Social da Propriedade no ordenamento jurídico brasileiro, conceituando-a e

estabelecendo-se suas finalidades no Estado Contemporâneo e, na sequência, a

Função Social da Propriedade na CRFB/88 e as características desse instituto.

2.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PR OPRIEDADE E

SEU CONCEITO

As comunidades primitivas desconheciam a Propriedade

privada, mas conheciam a Propriedade coletiva, ou seja, aquela comum a todos, de

forma que bens móveis ou imóveis pertenciam a todos, inexistindo Propriedade

particular.

Na linha evolutiva do direito de Propriedade, deve-se atentar

para o fato de que a Sociedade atual não firma mais os pressupostos para a sua

consolidação naqueles princípios estabelecidos pelas Sociedades antigas, havendo,

até mesmo, raças que nunca estabeleceram a propriedade privada. Prova disso são

os tártaros, os quais admitiam o direito de propriedade sobre rebanhos, mas não

sobre o solo. Da mesma forma os antigos germanos, aos quais não havia o direito

de propriedade da terra, mas todo ano era designado um lote para cultivo a um

integrante da tribo, havendo mudança do lote no ano seguinte. O indivíduo era

proprietário da colheita, mas não do solo225.

225 FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga : estudos sobre o culto, o direito e as

instituições da Grécia e de Roma. Tradução de Edson Bini. 2. ed. Bauru: Edipro, 1999, p. 55.

Page 77: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Em grande parte das Sociedades primitivas o direito de

Propriedade, bem como a instituição família, foram estabelecidas com base na

religião, estando todas interligadas226.

O Direito Romano, que tratava do direito de propriedade,

somente foi conhecido a partir das Doze Tábuas. Nessa época, a venda da

Propriedade era permitida, mas, nos primórdios de Roma e na Itália, ainda antes de

Roma existir, houve inalienabilidade da terra como havia na Grécia227. Isso

porque228:

(...) A lei das Doze Tábuas, deixando no túmulo o caráter de inalienabilidade, isentou o campo de tal princípio. Permitiu-se depois que a propriedade fosse dividida no caso da existência de diversos irmãos, mas sob a condição da realização de uma nova cerimônia religiosa: a religião tão somente podia repartir aquilo que a religião havia outrora proclamado como indivisível.

E prossegue o autor229:

(...) Enfim permitiu-se que o domínio fosse vendido, mas ainda com a necessidade de formalidades de cunho religioso. A ocorrência da venda só era permissível com a presença do libriprens e mediante todos os ritos simbólicos da mancipação. Algo análogo observa-se na Grécia: a venda de uma casa ou de bens de raiz era acompanhada de um sacrifício aos deuses. Parece que toda mudança de propriedade precisava ser autorizada pela religião.

A constituição gentílica grega estabelecia a propriedade

comum dos bens, mas, na evolução da “constituição grega da época heróica”, tal

situação passou a mudar. Fatores como o direito paterno, atribuindo a herança aos

filhos, acumulando a riqueza nas famílias e não nas gens; a diferenciação de

riquezas, com o surgimento de uma nobreza hereditária e uma monarquia; a

escravidão, inclusive de membros da própria tribo, foram algumas das situações em

226 FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga : estudos sobre o culto, o direito e as

instituições da Grécia e de Roma, p. 56. 227 FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga : estudos sobre o culto, o direito e as

instituições da Grécia e de Roma, p. 63. 228 FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga : estudos sobre o culto, o direito e as

instituições da Grécia e de Roma, p. 63. 229 FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga : estudos sobre o culto, o direito e as

instituições da Grécia e de Roma, p. 63.

Page 78: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

que se constata a decadência da constituição gentílica tradicional230. Em resumo: “a

riqueza passa a ser valorizada e respeitada como bem supremo e as antigas

instituições da gens são pervertidas para justificar-se a aquisição de riquezas pelo

roubo e pela violência.”231.

Para Engels232, entre os gregos, o surgimento da Propriedade

privada dos objetos luxuosos e rebanhos fez com que o comércio individual e a

transformação dos produtos em mercadorias se desenvolvesse, não permanecendo

mais nas mãos dos proprietários, mas, comercializando-os, desaparecessem de sua

titularidade.

Engels233, sobre a Sociedade ateniense, ensina que a mesma

deveria aprender que, com a comercialização dos produtos, “(...) o produto vem a

dominar o produtor. Com a produção de mercadorias, surgiu o cultivo individual da

terra e, em seguida, a propriedade individual do solo. Mais tarde veio o dinheiro, a

mercadoria universal pela qual todas as demais podiam ser trocadas (...)”. A

evolução da Propriedade fez com que aparecesse a Propriedade privada, que

passou a constituir um marco de status social na Sociedade ateniense, de modo que

“(...) Os direitos e os deveres dos cidadãos do Estado eram determinados de acordo

com o total de terras que possuíam e, na medida em que ia aumentando a influência

das classes abastadas, iam sendo abandonadas as antigas corporações

consangüíneas (...)”234.

Estabelecendo-se a imprescindibilidade da regência do grupo

por um representante de seus integrantes, surgiu, concomitantemente, a

Propriedade privada, a qual, originariamente, pertencia somente a este

representante da comunidade. Relativamente ao objeto, a evolução da Propriedade

privada teve início sobre os bens móveis, partindo, ulteriormente, para os bens

230 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do es tado. Tradução de

Leandro Konder. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p. 119-120. 231 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do es tado, p.120. 232 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do es tado, p. 124-125. 233 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do es tado, p. 125. 234 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do es tado, p. 128-129.

Page 79: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

imóveis235.

Mais tarde, o Código de Napoleão estabeleceu o absolutismo

da Propriedade privada, dizendo se tratar a mesma no: “(...) direito de gozar e de

dispor das coisas da maneira mais absoluta”. Com a evolução dos tempos e, no

mundo atual, nega-se licitude à abusividade no uso da Propriedade privada, pois a

Propriedade, nos termos atuais, funda-se em princípios de ordem pública, de modo

que o proprietário deve exercer de maneira útil a sua Propriedade. Caso este

proprietário não a use, use-a de forma ilícita, abandona-a, a consequência por tais

atos será a perda deste direito, de acordo com o ideal da sua Função Social (artigo

5o, XXII e XXIII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988).

Conforme se retratou em capítulo anterior, o direito de

Propriedade teve seu reconhecimento como Direito Fundamental, a partir da

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.

Importa considerar, na discussão acerca do Direito

Fundamental da Propriedade, se esta pode, efetivamente, ser considerada, nos dias

atuais, um Direito Fundamental. Discute-se, a partir de Gregório Peces-Barba236,

sobre a abundância de certos bens na chamada “idade de ouro”, decorrente do

estado de natureza, em que a natureza saciava com seus bens as necessidades

humanas, não havendo a noção do “meu” e do “seu”. Desta forma, não haveria

necessidade do Direito, pois “una de las razones de la necesidad del Derecho deriva

de esa escasez relativa de bienes, que exige unos criterios de reparto, que no son

los que derivan de las reglas de la economia, sino que suponen razones Morales

que, en nuestra visión del Derecho, son asumidas por el poder y trasladadas a la

organización de la vida social que lo jurídico supone ”237.

235 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito , p. 324-325. 236 SAUCA, José Maria (Coord). Problemas actuales de los derechos fundamentales. Universidad

Carlos III de Madrid. Boletín oficial del Estado: Madrid, 1994, p.193-213. 237 SAUCA, José Maria (Coord). Problemas actuales de los derechos fundamentales, p. 198-199,

(“(...) uma das razões da necessidade do Direito deriva dessa escassez relativa de bens, que exige critérios de divisão, que não são os que derivam das regras de economia, se não que supõem razões Morais que, em nossa visão do Direito, são assumidas pelo poder e trasladadas à organização da vida social que o jurídico supõe (...)”).

Page 80: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Assim, a escassez de bens constitui uma razão justificadora do

Direito válido, pois as necessidades humanas (alimentação, vestuário etc.)

demandam que os homens adquiram uma certa Propriedade de bens que não estão

mais em abundância. Segundo Hart238, vivendo o homem em Sociedade, observa-se

que seu objetivo é, em termos gerais, viver. E, para viver em paz, para recolher os

bens necessários à sua subsistência, deve haver um controle social, havendo “(...)

certas regras de conduta que qualquer organização social deve conter, para ser

viável (...) Tais princípios de conduta reconhecidos universalmente, que têm como

base as verdades elementares respeitantes aos seres humanos, ao seu ambiente

natural, e às suas finalidades, podem ser considerados o conteúdo mínimo do

Direito Natural (...)”239. Esta escassez de bens para sobrevivência, sua repartição

correta, a correção da desor-dem e a organização dos homens entre si fazem com

que o Direito seja a solução para estes problemas, a fim de que os bens sejam

devidamente distribuídos, gerando segurança social nas relações sociais240.

Essa escassez consiste num termo fundamentalmente

econômico, que pode ser entendida como “(...) diferencia entre las necesidades y los

médios disponibles para paliarlas – (...)”241, ou seja, falta daquilo que é necessário

para subsistência. Segundo Gregório Peces-Barba242:

La escasez ha sido base de la argumentación para la explicación de la aparición del Derecho y esta primera reflexión se ha movido en el ámbito del Derecho válido, del Derecho que es. En segundo lugar ha aparecido como un hecho que genera reflexiones valorativas que fundamentan criterios morales para justificar una acción positiva a través de derechos que redistribuyan esos bienes escasos o, por el contrario, para deslegitimar esos procedimientos. Aquí la escasez, en relación con los derechos, se há situado en el ámbito del Derecho justo, del Derecho que debe ser.

238 HART, Herbert L. A. O conceito de direito . 2. ed. Tradução de A. Ribeiro Mendes. Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, 1986. p. 209. 239 HART, Herbert L. A. O conceito de direito , p. 209. 240 SAUCA, José Maria (Coord). Problemas actuales de los derechos fundamentales, p. 200. 241 SAUCA, José Maria (Coord). Problemas actuales de los derechos fundamentales, p. 229, (“(...)

diferença entre as necessidades e os meios disponíveis para evitá-las (...)”. 242 SAUCA, José Maria (Coord). Problemas actuales de los derechos fundamentales, p. 229, (“A escassez tem sido a base da argumentação para a explicação da aparição do Direito e esta primeira reflexão moveu-se no âmbito do Direito válido, do Direito que é. Em segundo lugar apareceu como um fato que gera reflexões valorativas que fundamentam critérios morais para justificar uma ação positiva através de direitos que redistribuam estes bens escassos, ou, pelo contrário, para deslegitimar estes procedimentos. Aqui a escassez, em relação com os direitos, situou-se no âmbito do Direito justo, do Direito que deve ser”).

Page 81: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Entende Peces-Barba243 que o direito de Propriedade é um

direito individual garantidor da proteção de seu titular, e neste direito a escassez de

bens é contundente, sendo, por conseguinte, impossível tê-lo como Direito

Fundamental, tecnicamente, pois, não podendo a Propriedade ser eficaz a todos,

consiste somente numa instituição de direito privado, mas não num Direito

Fundamental. A escassez, assim, é uma barreira para a eficácia da Propriedade ser

tida como Direito Fundamental, confirmando Peces-Barba244:

(...) Asi una pretensión moral (justicia), a mi juicio, para ser plenamente un derecho fundamental, tiene que ser suceptible de incorporarse a las categorias técnicas del Derecho positivo, derecho subjetivo, libertad, potestad o inmunidad (validez) y ser posible en la realidad (eficacia). Probablemente la escasez sea uno de los obstáculos más grandes a la eficacia de los derechos.

Para Rogelio Perez Perdomo245, no constitucionalismo

contemporâneo o direito de Propriedade perdeu o seu glamour como Direito

Fundamental não em decorrência do aumento de sua escassez, mas pela sua

relativa abundância, se comparada com a situação do início do século XIX, quando

tal direito foi consagrado na Declaração Universal dos direitos do Homem e do

Cidadão, de 1789. Lembra o mesmo autor246 que “(...) La experiencia histórica

muestra más bien que la concepción de un derecho como fundamental tiene más

relación con un proyecto político. (...) Pero lo que deseo destacar es que la

propiedad y el trabajo fueron, en épocas determinadas, derechos fundamentales.

(...)”.

A história do processo de constitucionalização dos direitos

humanos e da sua transformação em Direitos Fundamentais é uma demonstração

243 SAUCA, José Maria (Coord). Problemas actuales de los derechos fundamentales, p. 210-211. 244 SAUCA, José Maria (Coord). Problemas actuales de los derechos fundamentales, p. 211,

(“Assim uma pretensão moral (justiça), ao meu juízo, para ser plenamente um direito fundamental, tem que ser suscetível de incorporar-se às categorias técnicas do Direito positivo, direito subjetivo, liberdade, poder ou imunidade (validez) e ser possível na realidade (eficácia). Provavelmente a escassez seja um dos maiores obstáculos à eficácia dos direitos”).

245 SAUCA, José Maria (Coord). Problemas actuales de los derechos fundamentales, p. 262. 246 SAUCA, José Maria (Coord). Problemas actuales de los derechos fundamentales, p. 262, (“A

experiência histórica melhor mostra que a concepção de um direito como fundamental tem mais relação com um projeto político. (...) Mas o que desejo destacar é que a propriedade e o trabalho foram, em épocas determinadas, direitos fundamentais”).

Page 82: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

de que há exigências sociais que buscam proteção em momentos históricos

diversos. A essas exigências, a consciência ética de uma determinada Sociedade

estabelece a sua definição de dignidade humana, que diz respeito aos interesses

individuais ou coletivos em certo ambiente socioeconômico247. Aí se insere o direito

de Propriedade. Diante da ameaça sofrida pela burguesia, como conseqüência das

represálias da monarquia francesa, o surgimento das idéias liberais fez com que a

Propriedade fosse considerada Direito Fundamental e sustentada, enquanto tal, até

hoje, em muitas Constituições, especialmente na Constituição Brasileira.

Para Santos248, o direito de Propriedade tem um caráter

relativo, não se podendo tê-lo como um direito absoluto, pois é contraditório se dizer

que é absoluto e que também pode sofrer limitação: “ou o direito de propriedade é

absoluto e não se impõe a ele qualquer restrição, ou se reconhece sua relatividade,

de modo a servir a interesses harmonizados com outros direitos do ser humano,

notadamente o direito à vida digna e saudável e ao emprego, dentro de uma

sociedade livre, justa e solidária, como preconiza a Constituição da República”.

No ordenamento jurídico brasileiro, contudo, deve-se

considerar que o Direito de Propriedade foi catalogado na qualidade de Direito

Fundamental249.

Conforme o Direito (“(...) um sistema de normas que regulam o

comportamento humano. (...)”250) procura se adequar às necessidades atuais e

prementes da Sociedade, também os conceitos dos institutos se moldam a esta

situação, como é o caso da Propriedade. Pelo Código Napoleão, conforme se

antecipou, no artigo 544, a Propriedade era um direito ilimitado (“La propriété est le

droit de jouir et disposer des choses de la manière plus absolue”)251. No entanto, em

função dessas mudanças sociais, a instituição da Propriedade alterou-se,

247 LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas hermenêuticas dos direitos humanos e f undamentais no

Brasil . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 198. 248 SANTOS, Eduardo Sens dos. A função social do contrato . Florianópolis: OAB/SC Editora, 2004.

p. 138. 249 CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade administrativa no estado

constitucional de direito , p. 72. 250 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 5. 251 “A propriedade é o direito de usar e dispor das coisas da maneira mais absoluta”.

Page 83: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

necessitando se amoldar conforme os ditames de caráter social, não se tornando

mais absoluta.

É o afastamento do individualismo patrimonial, um

redirecionamento da importância das relações jurídicas. O centro das relações

jurídicas passa a ser não mais a “propriedade”, mas o retorno da “pessoa” como o

núcleo de tais relações. Segundo Fachin252, este fenômeno conhecido como

“repersonalização” do Direito Civil “(...) somente encontrou explícita guarida na

Constituição Federal de 1988, não só porque explicitou o princípio da dignidade da

pessoa humana como um dos pilares da República, mas também porque a matéria

cível foi diretamente constitucionalizada”.

Para o presente estudo, compreende-se por Propriedade: o

direito de uso, gozo e disposição e reivindicação de todos os bens e/ou direitos de

alguém, respeitados os limites impostos pelo Estado, a fim de garantir a perfeita

convivência do grupo social em que se inserem. Pasold253, ao retratar sobre a opção

da Propriedade como fonte do poder, entende que esta escolha pode ter o

significado de tornar predominante o econômico sobre o humano e o social. Dessa

forma, valores como a honestidade, senso de utilidade social, caridade completa,

espírito nacional passam a ser considerados inferiores aos comportamentos das

práticas egoístas e consumistas, disseminando a miséria social e econômica, bem

como determinando o enfraquecimento da política e da cultura254. Para Pasold255,

ainda:

Evidente que não se pode ser contra a que alguém use e goze das propriedades que, com sacrifício e honestidade, adquiriu. Contudo, se este alguém pretende utilizar-se delas como fonte de poder, deve, antes de tudo, ter em mente que, na vida coletiva, somente quando o social predomina sobre o econômico, quando o humano prepondera sobre o material, há chances reais de possibilidade da Felicidade.

252 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo . Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.

99. 253 PASOLD, Cesar Luiz. Reflexões sobre o poder e o direito . Florianópolis: Estudantil, 1986. p. 16. 254 PASOLD, Cesar Luiz. Reflexões sobre o poder e o direito , p. 16. 255 PASOLD, Cesar Luiz. Reflexões sobre o poder e o direito , p. 16.

Page 84: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

É, portanto, sobre este norte que passam a ser estudados os

itens seguintes.

2.2. O DIREITO REAL DE PROPRIEDADE

Primeiramente, importa dizer que a Propriedade consiste no

principal direito das coisas (ou direito real), de onde os demais direitos reais se

desdobram. Direito das coisas são aqueles que “atribuem ao sujeito uma dominação

direta sobre o objeto, ora abrangendo todas as suas qualidades, ora uma parte

delas”256, apresentando-se como um vínculo entre pessoa e coisa. Os direitos reais

podem recair tanto sobre coisas próprias, ou sobre coisas alheias, quando se

referem ao objeto em que recaem. Quando se refere à sua finalidade, podem ser

divididos em direitos reais de gozo e direitos reais de garantia257. Tais direitos reais

são clausulados pelo Código Civil, em seu artigo 1.225. Ensina Venosa258 que os

direitos reais somente podem ser criados pela lei, devendo se considerar, além dos

direitos reais descritos no artigo 1.225, do Código Civil, também todos aqueles que

tiverem a mesma natureza em outros diplomas legais, como a garantia fiduciária.

Dentre os direitos reais citados pelo artigo 1.225, do Código

Civil, têm-se: a Propriedade, a superfície, as servidões, o usufruto, o uso, a

habitação; o direito do promitente comprador do imóvel, o penhor, a hipoteca e a

anticrese. Importante, também, salientar que a Lei n. 9.514/97 trata acerca da

propriedade fiduciária de bens imóveis.

Rodrigues259 e Lisboa260 entendem a Propriedade como

sinônimo de “domínio”, lecionando o primeiro tratar-se de “um direito que recai

diretamente sobre a coisa e que independe, para o seu exercício, de prestação de

256 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense,

1999. v. 1, p. 31. 257 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das coisas. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 3-5. v.

5. 258 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil : direitos reais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 5. p. 549-

550. 259 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das coisas, v. 5, p. 76-77. 260 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : direitos reais e direitos intelectuais.

2. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 94. v. 4.

Page 85: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

quem quer que seja (...)”, distinguindo-se dos demais direitos reais por incidir sobre

a coisa própria , enquanto que os outros direitos reais possuem por objeto coisa

alheia.

Miranda261, no entanto, entende que Propriedade “(...) é tudo

que se tem como próprio (...)”, sendo que “(...) é próprio nosso tudo que é parte do

nosso patrimônio, que é o nome que se emprega para designar o todo composto dos

bens reunidos sob a pessoa a que pertence. (...)”. Para o mesmo autor, “Se

disséssemos ‘minha propriedade’, não aludiríamos a esse todo. O patrimônio é

coextensivo às propriedades de alguém, quer se trate de direitos reais, quer de

direitos pessoais. O domínio, não.”. Aliás, por “domínio”, entende que consiste no

“(...) direito limitado, quanto ao conteúdo, mas, dentro desse, ilimitado, de poder

sobre a coisa”.

Para Miranda262, há dois sentidos de Propriedade: a)

amplíssimo, consistindo no domínio ou qualquer direito patrimonial, abrangendo,

inclusive, direitos pessoais (direito de crédito); b) estritíssimo, sendo só o domínio.

Bessone263, ao tratar do domínio e da Propriedade, ensina que

há duas correntes que tratam da identidade de ambos os termos: uma, dizendo que

ambos são sinônimos; outra, que têm significados diversos com base em diferença

objetiva, haja vista que a Propriedade possui objeto mais amplo que o domínio, ou

seja, o objeto daquela pode ser coisa corpórea ou incorpórea, enquanto o objeto do

domínio somente pode ser de coisa corpórea. Deste último entendimento

compartilha Monteiro264.

Na visão de Aronne265, somente poderá a Propriedade

261 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado: Direito das Coisas. Propriedade. Aquisição da

propriedade imobiliária. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955. t. 11,. p. 29-30. 262 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado: Direito das Coisas. Propriedade. Aquisição da

propriedade imobiliária, t. 11. p. 9-10. 263 BESSONE, Darcy. Direitos Reais . 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 12. 264 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil . 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3.

p. 83. 265 ARONNE, Ricardo. Propriedade e domínio : reexame sistemático das noções nucleares de

direitos reais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 86.

Page 86: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

corresponder ao domínio quando se tratar de Propriedade plena, pois o domínio

restará consolidado, de maneira que a mesma pessoa deterá tanto a titularidade,

quanto todas as faculdades componentes do domínio.

Embora haja, doutrinariamente, tais diferenças, “O novo

diploma civil, assim como seu predecessor, preferiu utilizar-se da expressão

‘propriedade’, muito embora trate dela e da palavra domínio como sinônimas” 266. É

neste sentido que se entende, portanto, domínio e Propriedade, para o presente

estudo.

A Propriedade possui certos atributos, os quais podem ser

reunidos numa só pessoa (Propriedade Plena), ou podem ser desmembrados

(Propriedade Limitada). Tais atributos consistem nos seguintes267:

a) Ius utendi (direito de usar), consistindo na faculdade de, sem modificar a

substância, colocar a coisa a serviço do seu titular em benefício próprio ou de

terceiro, ou de não usá-la, mas sempre conjugando-a com sua Função Social;

b) Ius fruendi (direito de gozar), relativo à percepção dos frutos naturais ou civis

da coisa;

c) Ius abutendi (direito de dispor), envolvendo a disposição material ou jurídica,

podendo a coisa ser alienada a qualquer título (doação, troca, venda),

consistindo no fato de atingir a sua substância. Exceção a este atributo

consiste no que se entende por Propriedade Resolúvel, que resulta de

cláusula inserida no título aquisitivo, de forma que, resolvido o domínio,

entende-se resolvidos também os direitos reais que tenham sido constituídos

na sua pendência;

d) Rei vindicatio (direito de reaver a coisa), de forma que, pela vindi-catio, o

proprietário procura buscar o bem das mãos de outrem, possuidor ou

266 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : direitos reais e direitos intelectuais,

v. 4, p. 94. 267 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil: posse, propriedade, direitos reais de

fruição, garantia e aquisição. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v. 4. p. 68-69.

Page 87: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

detentor, que conserva a coisa sem causa jurídica ou que a possua

injustamente.

e) Função social, a qual será tratada de forma mais detida adiante.

Têm-se, ainda, como principais características da

Propriedade268:

a) o absolutismo, haja vista que o proprietário possui sobre o bem um direito

oponível erga omnes, sempre se observando a Função Social a que o bem se

destina (relativamente à Função Social da Propriedade, será tratado com

maior atenção a seguir);

b) a irrevogabilidade, não sendo suscetível de revogação por qualquer pessoa,

exceto nas hipóteses de desapropriação e na de Propriedade Resolúvel, haja

vista a superveniência do evento que modificou o direito de Propriedade, por

condição, termo ou causa diversa superveniente. Também sobre a

Propriedade Resolúvel será detida uma análise mais aprofundada no próximo

capítulo;

c) a exclusividade, não podendo haver dois, ou mais direitos reais com mesmo

conteúdo sobre a mesma coisa.

Importante ressaltar, ainda, os aspectos interno e externo da

Propriedade. Para Dantas269, o aspecto interno é a própria dominação da coisa pelo

seu titular, podendo realizar todos os atos que bem entender, enquanto que o

aspecto externo se destina à relação entre o proprietário e o não proprietário, ou

seja, à Sociedade. Dos aspectos mencionados, concentrar-se-á o estudo no aspecto

externo, o qual se refere à dinamicidade da Propriedade, ou seja, à sua Função

Social.

268 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : direitos reais e direitos intelectuais,

v. 4, p. 93-100. 269 DANTAS, San Tiago. Programa de direito civil . Rio de Janeiro: Rio, 1979. p. 93. v. 3.

Page 88: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

2.3. A INFLUÊNCIA DO DIREITO CANÔNICO NA FUNÇÃO SOC IAL DA

PROPRIEDADE

Ensina Marryman270, ao retratar sobre a influência do Direito

Canônico no direito comum, que as principais influências foram nas áreas de direito

de família e sucessões, no direito penal e direito processual e “Cuando se privó de

su jurisdicción civil a los tribunales eclesiásticos de Europa, muchos de los principios

e instituciones, sustantivos y procesales, que éstos habían desarrollado, habían sido

adoptados por los propios tribunales civiles”.

A Igreja Católica teve fundamental participação na elaboração

do conceito de Função Social da Propriedade. Neste sentido, identificam-se Santo

Ambrósio, que pretendia a Propriedade comum dos bens, a fim de se estabelecer

uma Sociedade mais justa; Santo Agostinho, combatendo a abusividade humana

sobre as coisas dadas por Deus; Santo Tomás de Aquino, que entendia ser a

Propriedade um direito natural, cujo exercício deveria ser direcionado ao bem

comum271. Além deles, os Sumos Pontífices da Igreja também se referem ao direito

de Propriedade em algumas de suas encíclicas e outros documentos, como a

encíclica Rerum novarum, de Leão XIII; Mater et magistra, do Papa João XXIII;

Quadragesimo anno, de Pio XI; Constituição Pastoral Gaudium et Spes, do Concílio

Vaticano II; Populorum Progressio, de Paulo VI272.

Para a Igreja, a Propriedade é um direito que deve ser

protegido e respeitado pelo Estado, e que traduz obrigações sociais. Na opinião de

Calvez273, a Igreja Católica se posiciona no seguinte sentido, quanto à Propriedade:

270 MARRYMAN, John Henry. La tradicion juridical romano-canonica. Traducción de Eduardo L.

Suárez. México, D.F: 1997. p. 33, (“O direito canônico influiu no jus commune principalmente nas áreas do direito familiar e sucessório (ambas partes do direito civil romano), no direito penal e no direito processual. Quando se privou de sua jurisdição civil aos tribunais eclesiásticos da Europa, muitos dos princípios e instituições, substantivos e processuais, que estes haviam desenvolvido, haviam sido adotados pelos próprios tribunais civis”).

271 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade : de acordo com o novo código civil e com o Estatuto da Cidade. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 73.

272 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade : de acordo com o novo código civil e com o Estatuto da Cidade, p. 74.

273 Apud MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade : de acordo com o novo código civil e com o Estatuto da Cidade, p. 74-75.

Page 89: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

“Primeiro: a igreja sustenta, antes de tudo, o direito que têm todos os homens de usar dos bens materiais deste mundo com um caráter estável e permanente. Segundo: Este direito garante ao homem uma esfera exterior de personalização que facilita o desenvolvimento de sua personalidade humana. Terceiro: o direito de propriedade não só estende a todos os bens de consumo, como aos de produção. Quarto: Considerando que o homem é a imagem de Deus, defende uma gestão verdadeiramente responsável, pessoal e humana, das coisas deste mundo. Quinto: O desfrute do direito de propriedade deve alcançar todos os homens, de modo que estes não fiquem alienados dentro da sociedade, servindo-lhes de garantia à sua pessoa e de abertura aos seus semelhantes. Sexto: A função social é uma característica intrínseca da propriedade, que compreende o individual e o social. Sétimo: A propriedade pública é admitida em relação àqueles bens cuja propriedade privada constitui um risco para o bem comum.

Desta forma, pode-se verificar a importância que o Direito

Canônico deu ao Positivismo Jurídico e a influência daquele, neste, servindo,

também, vários de seus princípios como o pacta sunt servanda, a teoria canônica da

culpabilidade (que impulsionou a atual teoria para o direito penal), Função Social da

Propriedade (que será tratada adiante), como normas jurídicas estabelecidas e

adotadas pelo Positivismo Jurídico274. Observa-se que a Igreja, tendo uma ligação

274 Segundo Hart, a expressão “positivismo” é utilizada na literatura anglo-americana contemporânea

com o intuito de designar uma ou mais das afirmações seguintes: “(...) (1) de que as leis são comandos de seres humanos; (2) de que não existe uma conexão necessária entre o direito e a moral, ou entre o direito como é e o direito como devia ser; (3) de que a análise ou o estudo dos significados dos conceitos jurídicos é um estudo importante que deve distinguir-se (...) das pesquisas históricas, das pesquisas sociológicas e da apreciação crítica do direito em termos de moral, finalidades sociais, funções, etc.; (4) de que um sistema jurídico é um ‘sistema lógico fechado’ em que as decisões correctas só podem deduzir-se das regras jurídicas predeterminadas através de meios lógicos; (5) de que os juízos morais não podem determinar-se como podem as afirmações de facto, através de argumento racional, demonstração ou prova (‘não cognitivismo na ética’). Bentham e Austin sustentaram os pontos de vista expressos em (1), (2) e (3), mas não os contemplados em (4) e (5); Kelsen sustenta os expressos em (2), (3) e (5), mas não os contemplados em (1) ou (4). A afirmação (4) é freqüentemente atribuída aos ‘juristas analíticos’, mas aparentemente sem boas razões.Na literatura continental, a expressão ‘positivismo’ é freqüentemente utilizada para o repúdio geral da pretensão de que certos princípios ou regras da conduta humana são susceptíveis de descoberta apenas através da razão. (...)”, in HART, Herbert L. A. O conceito de direito , p. 287-288. Para Silva, o Positivismo Jurídico “funda-se na observação empírica, no conhecimento pela razão pura.”, não sendo orientado por entendimentos metafísicos e tendo por objeto o direito vigente. (in SILVA, Moacyr Motta da. Direito, justiça, virtude moral & razão. . Curitiba: Juruá, 2003. p. 22). Segundo Melo, Positivismo Jurídico consiste na “1. Escola que reduz o Direito à sua função técnica, distinguindo-o rigorosamente da Metafísica, com o que se opõe frontalmente ao jusnaturalismo (V.). 2. Posicionamento que repele a idéia de um Direito Natural (V.) anterior e superior à positividade jurídica, vendo nesta última fonte de todo o conhecimento do direito.”, e Positivismo no “Sistema filosófico que tem como postulados principais os seguintes: a ciência é o único conhecimento possível e tudo o que não possa ser investigado por método científico não tem validade; o

Page 90: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

muito forte com o Estado no período anterior à Revolução Francesa, influenciou

fortemente o espírito do Código Civil Francês e outros códigos realizados

posteriormente a esta Revolução, principalmente, no que diz respeito às categorias

clássicas do direito privado (propriedade, família e contratos).

Especialmente, no que diz respeito às relações negociais, a

estrutura dos Contratos teve como base o Direito Canônico, “que o desarraigou da

ausência de vinculação e do formalismo exacerbado da tipicidade, criando o

fundamento do dogma da autonomia da vontade”275.

No próximo item será realizada a abordagem sobre a dicotomia

do direito público e privado, a fim de que possa se encontrar as origens do que se

entendeu como o afastamento de ambas as searas para, finalmente, estarem,

atualmente, conectadas no que se entende por Constitucionalização do Direito Civil.

2.4. A DICOTOMIA DIREITO PÚBLICO/PRIVADO

O Código Civil Francês, de 1804, se caracteriza por ser um

ponto de referência da evolução do Direito na França, composto do Direito Romano

da Idade Média e início dos tempos modernos e do direito consuetudinário e,

embora abolindo tais direitos que antes estavam em vigor, introduziu vários de seus

conteúdos na codificação do Direito Civil276. Esta crítica se deu em decorrência das

idéias advindas do Iluminismo277 e se impregnaram na Sociedade na metade do

século XVIII e início do século XIX. Segundo Caenegen278, concentrou-se a crítica

na desigualdade das pessoas diante da lei, privilegiando as ordens da nobreza e do

clero com relação a privilégios fiscais, limitação de acesso aos cargos públicos,

método geral da ciência é o descritivo, pois cabe a qualquer ciência descrever seu objeto (...).” (in MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de política jurídica . Florianópolis: OAB/SC Editora, 2000. p. 78.).

275 SANTOS, Eduardo Sens dos. A função social do contrato , p. 28. 276 CAENEGEN, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado, p. 1-2.. 277 “(...) amplo movimento europeu que assumiu uma atitude crítica diante das idéias e da sociedade

do ancien regime em geral. (...)”, in CAENEGEN, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado , p. 161-162.

278 CAENEGEN, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado , p. 162.

Page 91: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

limitações às pessoas e à propriedade, às intervenções arbitrárias exercidas pela

Coroa, excluindo-se a população das participações em assuntos políticos. Também,

criticava-se a predominância da Igreja, bem como a intolerância religiosa e que as

ligações oficiais havidas entre a Igreja e o Estado eram indesejáveis. Foi uma fase

em que, “o velho mundo passou por uma renovação radical, guiada pelos princípios

da Razão humana e pelo objetivo de alcançar a felicidade do homem (...)”279.

Dessa evolução recuperou-se aquilo que o Direito Romano

estabelecia como direito público e direito privado, especialmente essa distinção, que

remonta aos ensinamentos de Ulpiano280 no sentido de que “(...) jus publicum est

quod ad statum rei romanae spectat, privatum quod ad singulorum utilitate, sunt

enim quaedam publice utilia, quaedam privatim”281.

Para Gomes282, nesta dicotomia, houve opção pelo critério

classificatório das normas, segundo a sua finalidade:

(...) qualificando-as como públicas, se têm por objetivo o Estado (Savigny) ou o bem da coletividade (Dernburg), ou, preponderantemente, o interesse público (Cogliolo), e como de Direito Privado, as que visam ao indivíduo, ou ao interesse particular, ou à ordem privada. Outros preferiram diferenciá-los pela diversidade do modo de sanção do Direito. No Direito Público, a sanção é indireta; no Privado, direta (Duguit). Também se procurou distingui-los formalmente através do modo por que o direito é protegido (Thon)”.

Nessa distinção, houve a divisão de disciplinas do direito que

se encaixavam de modo isolado em cada um dos lados dessa dicotomia, não

havendo interferência entre tais áreas. Assim, passaram a pertencer como áreas

clássicas do direito privado o Direito Civil e o Direito Comercial, compreendendo-se,

atualmente, também o direito do Trabalho283, pertencendo as demais áreas ao

279 CAENEGEN, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado , p. 163. 280 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil . 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 8. 281 “O direito público é o que diz respeito ao Estado romano; o privado atende ao interesse de cada um, isto porque há coisas de interesse público, outras, de interesse privado”. 282 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil , p. 8. 283 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil , p. 17-18.

Page 92: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

domínio do direito público. Segundo Gusmão284, entre esta bipartição do direito (que

não mais atende às necessidades atuais da Sociedade), estaria ultrapassada,

encontrando-se, no mundo atual, “(...) o direito misto, seja por tutelar tanto o

interesse público ou social como o interesse privado, (...) ou então por ser

constituído de normas de direito público e de direito privado (...)”. Como exemplos

têm-se o direito de família, direito do trabalho, direito profissional, direito sindical,

direito econômico, direito agrário, direito marítimo, direito aeronáutico, direito

falimentar e direito nuclear.

A dicotomia público/privado trata de estabelecer conceitos

jurídicos a priori, ou seja, sempre haverá espaço para a pergunta sobre qual a área

de domínio que o preceito jurídico tratado pertence285, achando-se tal distinção no

próprio conceito de direito. Para Radbruch286, as normas de direito público possuem

uma relação de subordinação dos destinatários das normas em relação à vinculação

do poder, ensinando que “(...) Para o Liberalismo o direito privado é o coração de

toda a vida jurídica, e o direito público, pelo contrário, apenas uma leve moldura que

deve servir de protecção ao primeiro e, particularmente, ao direito de propriedade

(...)”.

Para o anarquismo, que é uma forma exagerada do

Liberalismo, a intenção é fazer com que todo o direito público esteja dissolvido no

direito privado, enquanto que no socialismo, deseja-se o amál-gama de todo o direito

privado no direito público287. O Direito, segundo Bodenheimer288 situa-se entre a

anarquia e o despotismo, buscando manter um equilíbrio entre estas duas formas

extremas de vida social e, para que não se instaure a anarquia, o Direito limita o

alcance do poder havido entre os indivíduos particulares ou grupos privados,

limitação esta que denomina Direito privado. No intuito de evitar o despotismo,

freando o poder do governo, a limitação legal do poder conferido às autoridades

284 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito , p. 158. 285 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito . Tradução de L. Cabral de Moncada. 6. ed. Coimbra:

Armênio Amado Editor, 1997. p. 252. 286 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito , p. 253. 287 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito , p. 251-255. 288 BODENHEIMER, Edgar. Teoría del derecho . México: Fondo de cultura Económica, 2000. p. 28.

Page 93: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

públicas é denominada Direito público. Ambos os ramos do Direito (Direito público e

privado) possuem a mesma função geral, ou seja, criar restrições ao exercício

arbitrário e sem limites do poder.

Ocorre que o direito público e o direito privado, inseridos numa

ordem jurídica com característica social, não se encontram separados

diametralmente, mas confundem-se e invadem-se de forma recíproca289. Esta

dicotomia, na atualidade, encontra-se sujeita a críticas, especialmente fundadas no

movimento que busca a renovação do Direito, o qual, em conseqüência do

Liberalismo decorrente da Revolução Francesa, impregnava-se do individualismo

jurídico, ensinando Gomes290 que “(...) A idéia, hoje dominante, de que o fim do

Direito é satisfazer a interesses gerais, ainda quando assegura poderes individuais,

elimina, logicamente, qualquer classificação do Direito baseada na qualidade do

preceito (...)”.

Segundo Radbruch291, essa evolução da dicotomia Direito

público/privado, além de direcionada ao direito objetivo, também se reflete no âmbito

do direito subjetivo, havendo uma inserção da chamada “função social” na clássica

“faculdade de agir” (facultas agendi). Tal observação se dá a partir da afirmação

expressa do artigo 153, da Constituição de Weimar (1919) no que tange ao direito

de Propriedade: “O direito de propriedade obriga, e o seu exercício deve obedecer

ao mesmo tempo a idéia duma função que se exerce para o bem da comunidade”292.

Observa-se, nos dias atuais, a mutação de um direito liberal

para um social, no qual certas instituições de direito privado, em especial a

Propriedade e a liberdade contratual, passam a ser limitadas pelo direito público293.

A partir desta interferência havida, reciprocamente, entre direito público e privado,

passa-se à influência deste assunto no tema Constitucionalização do Direito Privado

e conseqüente análise da Propriedade, no Direito Civil brasileiro, que adiante se

289 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito , p. 256. 290 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil , p. 9. 291 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito , p. 257. 292 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito , p. 257. 293 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito , p. 258.

Page 94: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

tratará.

2.5. A PROPRIEDADE NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO E A

CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PRIVADO

Para Lobo294, a evolução do Direito Civil, na história do mundo

romano-germânico, teve sempre seu lugar isolado como ambiente privilegiado do

indivíduo, principalmente após a Revolução Francesa de 1789. Nenhum ramo do

direito estava mais distante do Direito Constitucional que o Direito Civil, pois aquele

era tido como constituição política e este, como constituição do homem comum.

As exigências da necessidade social, refletidas, inclusive, na

mudança das características do Estado (Estado Liberal para o Estado Social),

fizeram com que fossem introduzidas no corpo da Constituição Federal categorias

que antes pertenciam, exclusivamente, ao Direito Privado, como a Propriedade, a

família e as relações contratuais, razão pela qual a CRFB/88 rearticulou o direito

privado, trazendo princípios e valores que passaram a ter como núcleo a dignidade

humana. Isso fez com que, em razão de os princípios constitucionais constituírem

preceitos normativos superiores às leis ordinárias e especiais em vigor, tais

princípios devessem unificar o sistema jurídico, “orientando a interpretação e

aplicação das referidas regras infraconstitucionais”295.

A “Repersonalização” do Direito Civil configurou-se de forma

explícita na CRFB/88, principalmente, porque fundamentou o princípio da Dignidade

da Pessoa Humana como um dos princípios fundamentais da República Federativa

do Brasil e do Estado Democrático de Direito (ao lado de outros princípios como a

livre iniciativa, erradicação da pobreza e marginalização, redução das desigualdades

sociais, Função Social da Propriedade privada etc.). Também em virtude de que

aquelas categorias, que antes pertenciam exclusivamente ao Direito Civil, foram

tratadas diretamente no conteúdo da Constituição296. Isso demonstra que “A

294 LOBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil, Revista de informação legislativa ,

Brasília, a. 36, n o. 141, p. 99-109, jan/mar. 1999. p. 99 295 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo , p. 82. 296 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo , p. 99.

Page 95: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

preocupação básica do Direito Civil moderno está em torno da pessoa, ser concreto,

portador de anseios e de carências”297. Tal preceito faz com que a pessoa, e não

mais o patrimônio, passe a ser o centro do sistema jurídico, tutelando amplamente a

primeira num sentido solidarista, e não mais naquele sentido individualista que

tornava o homem um ser abstrato, passando a solidariedade a adquirir um valor

jurídico298. Esta valorização faz com que o Direito se solidarize, trazendo no seu bojo

a idéia de Função Social, disciplinadora de toda a estrutura de suas instituições

jurídicas, em especial a Propriedade299. Consiste a Repersonalização do Direito,

portanto, na afirmação segundo a qual “patrimônio e pessoa não estão

absolutamente entrelaçados, nem ocupa um primeiro plano a relação entre eles”300.

Nessa perspectiva, ocorre um outro fenômeno identificado

como “Despatrimonialização dos Bens Jurídicos”, ou seja, supera-se o

individualismo patrimonial, da “(...) patrimonialidade fim a si mesma, do produtismo,

antes, e do consumismo, depois, como valores (...)”301, e opta-se pelo personalismo,

pelo ser humano como núcleo das relações jurídicas. Esta “Despatrimonialização

dos Bens Jurídicos” consiste em uma “(...) avaliação qualitativa do momento

econômico e a disponibilidade de encontrar, na exigência de tutela do homem, um

aspecto idôneo, não a ‘humilhar’ a aspiração econômica, mas, pelo menos, a

atribuir-lhe uma justificativa institucional de suporte ao livre desenvolvimento da

pessoa (...)”302.

O proprietário de algum bem deve sempre considerar o

interesse geral, pois, ainda que o direito de propriedade seja individual, o seu

exercício deve ser social303.

Há dois momentos em que a Propriedade pode ser situada,

297 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo , p. 226. 298 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo , p. 51. 299 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo , p. 50. 300 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo , p. 42. 301 PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil. Tradução de Maria Cristina de Cicco. 2. ed. Rio de

Janeiro: Renovar, 2002. p. 33. 302 PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil, p. 33. 303 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo, p. 72.

Page 96: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

nos quais houve uma transição importante para a noção deste instituto. O primeiro,

com o nascimento do Estado liberal burguês, em decorrência da Revolução

Francesa. Nesta fase, preponderava o individualismo patrimonial em que somente o

aspecto interno da Propriedade importava, prevalecendo a primazia do individual

sobre o social. O segundo momento, aquele em que se observa a passagem do

Estado liberal burguês para o Estado Social, de promoção social, em que o direito

individual não pode ser exercido ou concebido se acarretar prejuízo à coletividade.

Esse fato deu gênese ao fenômeno da “repersonalização” objetivada, deslocando a

ótica dos códigos do patrimônio para a pessoa humana, indicando a “publicização”

do Direito Civil, um dos ramos clássicos do Direito Privado. Como resultados desta

inversão de enfoque, surgem como princípios fundamentais desta visão, o da

dignidade, igualdade, boa-fé, bons costumes, reciprocidade, confiança, lealdade,

não lesividade, vulnerabilidade etc304.

Importante salientar que há uma nova visão do Direito, a partir

do fenômeno conhecido como Constitucionalização do Direito Privado. Este

fenômeno leva em consideração a quebra da dicotomia Direito Público/Privado,

fazendo com que categorias que antes pertenciam eminentemente ao Direito

Privado fossem abrangidas pela Constituição (Direito Público). Tais categorias são

as seguintes: família, contratos e Propriedade. Tal é a importância deste estudo que

doutrinadores como Fachin305 entendem que “O princípio constitucional da dignidade

da pessoa humana se impõe, atualmente, como chave hermenêutica para a leitura

do Código Civil”. Este fato diz respeito ao que se tem denominado Direito Civil

Constitucional. Conforme Arce e Valdes306:

El Derecho civil constitucional se enmarca, por su propia especificidad o connotación ‘civil’, en el ámbito de la persona, de la

304 ARONNE, Ricardo. Propriedade e domínio : reexame sistemático das noções nucleares de

direitos reais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 37-41. 305 FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito civil . Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 114. 306 ARCE, Joaquin; VALDÉS, Flores. El derecho civil constitucional . Madri: Editorial Civitas, 1991.

p. 176, (“O direito civil constitucional se destaca, por sua própria especificidade ou conotação ‘civil’, no âmbito da pessoa, da família e do patrimônio, como conteúdos próprios do Direito civil. E deverá levar em consideração esta nota material naquele conceito, delimitando o sistema de normas constitucionais às relativas à proteção da pessoa, em si mesma e em suas dimensões fundamentais familiar e patrimonial, como síntese da esfera pessoal nuclear (pessoa física e jurídica) e de suas conotações essenciais para as vertentes mais inerentes, familiar e patrimonial”).

Page 97: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

familia y del patrimonio, como contenidos propios del Derecho civil. Y habrá de tener cabida esta nota material en aquel concepto, delimitando el sistema de normas constitucionales a las relativas a la protección de la persona, en sí misma y en sus dimensiones fundamentales familiar y patrimonial, como síntesis de la esfera personal nuclear (persona física y jurídica) y de sus connotaciones esenciales hacia las vertientes más connaturales, familiar y patrimonial.

A Dignidade da Pessoa Humana consiste em princípio

fundamental da República Federativa do Brasil (art. 1o., III, da CRFB/88), norteadora

de todo o ordenamento jurídico brasileiro, de forma que qualquer norma jurídica que

entrar em conflito com o mesmo estará eivada de inconstitucionalidade.

Dessa forma, com base no princípio da Dignidade da Pessoa

Humana, as categorias clássicas de Direito Privado tiveram uma substancial

alteração em sua estrutura: a Propriedade, que possuía caráter absoluto, passa a ter

um conteúdo funcionalizado, conforme a CRFB/88; nos contratos, passa-se a

superar o dogma da autonomia da vontade que se fundava na igualdade formal,

aproximando-se à realidade fática; na família, o reconhecimento plural, não mais

baseado somente no casamento, mas em diversos relacionamentos, não tido mais

como direito imposto e imaginário307.

A partir de tais premissas, passa-se a analisar a Função Social

da Propriedade, no ordenamento jurídico brasileiro.

2.6. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

Antes de se ingressar no tema da Função Social da

Propriedade no ordenamento jurídico brasileiro, importa a realização de algumas

considerações acerca das doutrinas que fundamentam a Propriedade,

principalmente as teorias individualistas e sociais.

307 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil , p. 314.

Page 98: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Na lição de Radbruch308, as doutrinas mais antigas sobre o

fundamento da Propriedade são as teorias da ocupação e da especificação ou do

trabalho. A teoria da ocupação diz respeito à dominação da natureza pelo homem,

fazendo com que os objetos dessa natureza tenham um valor cultural e econômico.

Para a teoria da especificação, não é somente a pura apropriação da coisa ou objeto

da natureza que faz com que a mesma se submeta ao domínio humano, mas

apenas a transformação desses bens, através da forma que o homem, pelo seu

trabalho, deu à matéria bruta dessa natureza, sendo somente o trabalho o único

criador de bens para legitimar a Propriedade. Essa última teoria leva a conclusões

socialistas. Jhering309 ensina que a justificação moral da Propriedade e sua fonte

histórica se fixam no trabalho, de forma que “(...) Só a ligação constante com o

trabalho mantém a propriedade vigorosa e sadia, só junto a essa fonte que

constantemente a gera e renova é que ela se revela até o âmago em toda clareza e

transparência, com todas as potencialidades que encerra para o homem (...)”, sendo

que “(...) A propriedade nada mais é senão a periferia da pessoa projetada no

terreno material”310. Ambas as teorias (da ocupação e do trabalho), contudo, não

conseguem justificar a instituição da Propriedade privada em si mesma311.

Para Radbruch312, ainda, pode-se considerar a Propriedade

como um fim do indivíduo (teoria individualista ou teoria da personalidade da

Propriedade) ou da Sociedade (teoria social da Propriedade). A primeira dessas

teorias direciona-se às concepções do Liberalismo e da Democracia (encontrando

suas bases no Direito Romano), por tratar-se de uma relação entre o homem e as

coisas, as quais, também, possuem uma dignidade própria, ou algo a extrair dos

homens, exigindo que os homens utilizem, gozem cultivem, poupem tais coisas

conforme o seu valor, exigindo destes homens amor com relação à coisa, tanto

animadas quanto inanimadas313. Essa teoria da personalidade possui um limitado

308 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito , p. 269. 309 JHERING, Rudolf von. A luta pelo direito . Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret,

2002. p. 51. 310 JHERING, Rudolf von. A luta pelo direito , p. 54. 311 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito , p. 270. 312 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito , p. 271. 313 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito , p. 269-275.

Page 99: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

campo de aplicação, não se direcionando a certas organizações como grandes

latifúndios, fábricas e bancos, mas somente ao vestuário, coleções, livros, habitação

e instrumentos e obras de arte314. Segundo Radbruch315, tais considerações sobre

esta teoria servem para se afirmar que a Propriedade, “(...) perdeu todo o caráter

duma relação jurídica em que entra alguma coisa de afeição ou de personalidade, e

se converteu numa relação em que só domina um fim económico”. Além disso,

possui a Propriedade o seu lado negativo, no sentido da exclusão de várias pessoas

desse gozo, contrapondo-se ao ponto de vista democrático, ao qual a Propriedade

só pode se justificar caso esse gozo se torne possível a todos ou se a exclusão

também se referir a todos316.

A teoria social da Propriedade dirige-se às concepções do

chamado Conservantismo e do Socialismo (cujas bases se encontram no conceito

germânico da Propriedade). Para o Socialismo, a Propriedade deve ser colocada a

serviço do indivíduo e para a teoria conservadora, a finalidade última da Propriedade

não se encontra no indivíduo, mas na própria Sociedade concebida como um todo,

acima das partes que a compõem. Segundo Radbruch317, as teorias sociais da

Propriedade separaram-se da teoria individualista da Propriedade “(...) justamente

em reconhecerem que esta harmonia preestabelecida não passa duma ilusão, e que

a função social da propriedade, longe de se achar indissoluvelmente ligada à sua

função no interesse do indivíduo, carece também de ser definida e assegurada ao

lado desta de uma maneira particular”.

Essa teoria social da Propriedade teve menção na Encíclica

papal Quadragésimo anno, distinguindo o “direito de Propriedade”, em que surge

somente o aspecto direcionado ao indivíduo, pertencendo esta consideração ao

direito natural, e o “uso da Propriedade”, nesta última, observando-se o lado social, o

interesse da coletividade, cuja óptica pertence à Ética. Desta forma, cumpre ao

legislador o dever de regular o uso desse direito de Propriedade, direcionado às

exigências do bem comum, sendo este o direcionamento traduzido na Constituição 314 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito , p. 274. 315 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito , p. 275. 316 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito , p. 276. 317 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito , p. 278.

Page 100: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

de Weimar, conforme ensina Radbruch318:

Inspirada por critérios e pontos de vista de interesse social, a lei surge-nos pois deste modo como um terceiro poder a determinar juridicamente a estrutura da propriedade. ‘O seu conteúdo e os seus limites são marcados pela lei’. O legislador fica assim habilitado a elevar do plano moral ao plano jurídico, comunicando-lhe obrigatoriedade, esta garantia ou ‘hipoteca social da propriedade’.

Essa Função Social do Direito passa a assumir a característica

de um dever jurídico, considerando-se a Propriedade um direito limitado e

condicional, não mais se tratando de um direito incondicional e ilimitado, sagrado e

inviolável319. A Propriedade não mais se funda no interesse particular, individual. É

necessário que esse direito esteja em conformidade com os interesses coletivos,

não os afetando, seja direta ou indiretamente, possuindo, assim, uma Função Social

a ser exercida. Para tanto, necessário é verificar o que se entende por Função

Social.

2.6.1. Um conceito operacional de Função Social

Para efeitos desse estudo, antes importa esclarecer o que se

entende por Função. Por Função, entende-se um serviço, uma atividade direcionada

à ação de determinado objeto, ligada a uma condição anterior que a criou. Para

Sundfeld320, “(...) função, para o Direito, é o poder de agir cujo exercício traduz

verdadeiro dever jurídico e que só se legitima quando dirigido ao atingimento da

específica finalidade que gerou sua atribuição ao agente”.

Segundo Pasold321, esta categoria “função” está direcionada

para dois elementos: “ação” e “dever de agir”, às quais “(...) o Poder do Estado

assumirá direções fundamentais e executará as atividades necessárias à

consecução de objetivos pretendidos, como efeito do dever que o Estado tem para

com a Sociedade (...)”, sendo esta interação continuada à causa da Função Social.

318 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito , p. 279. 319 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito , p. 280. 320 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público , p. 156. 321 PASOLD, Cesar Luiz. Função social do estado contemporâneo, p. 92.

Page 101: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Por “Social”, por sua vez, entende-se uma situação de

contraposição ao interesse egoístico de alguém. Entende-se uma categoria

relacionada à coletividade, à Sociedade como um todo, sacrificando-se interesses

privatísticos em favor dos interesses da coletividade322. Pressupõe o ambiente

humano, segundo o qual alguém se encontra integrado.

Pasold323 ensina que o termo Função Social implica em “(...)

ações que – por dever para com a Sociedade – o Estado executa, respeitando,

valorizando e envolvendo o seu Sujeito (que é o homem individualmente

considerado e inserido na Sociedade), correspondentemente ao seu Objeto

(conjunto de áreas de atuação que dão causa às ações estatais), e cumprindo o seu

Objetivo (o Bem Comum ou Interesse Coletivo, fixado dinamicamente pelo todo

social)”324. O mesmo autor325 ensina que essa Função Social deve pressupor o

equilíbrio entre a “atividade livre” e a “atividade regulada” na Sociedade, bem como a

“atividade autoritária” e a “atividade social” no Estado.

Gonçalves326 ensina que a Função Social assume dois

aspectos: a “função impulsiva”, a qual se caracteriza como elevado rendimento da

Propriedade dos bens econômicos, e a “função limite”, a qual consiste num modo

aparentemente negativo de limite exterior, ou seja, refere-se mais aos aspectos

exteriores da forma em que a Propriedade dos bens econômicos irá agir, intervindo

na limitação da autonomia do proprietário. Tem, portanto, um caráter mais geral,

visando a tornar mais fecunda a gestão dessa Propriedade. Esta boa gestão dos

bens econômicos é um dever social do proprietário. A “função limite” é um limite

normal e constante, não se tratando de um ônus aos proprietários particulares, mas

um ponto de equilíbrio entre a convivência social e a gestão pelo proprietário.

Entende-se como “função limite” o “(...) complexo de

obrigações de direito público vinculadas ao proprietário, visando a estimular melhor

322 Aqui utilizado como sinônimo de Sociedade. 323 PASOLD, Cesar Luiz. Reflexões sobre o poder e o direito, p. 86-87. 324 Lição também exarada em PASOLD, Cesar Luiz. Função social do estado contemporâneo , p.

92-93. 325 PASOLD, Cesar Luiz. Função social do estado contemporâneo , p. 71. 326 GONÇALVES, Aderbal da Cunha. Da propriedade resolúvel . São Paulo: RT, 1978. p. 56-57.

Page 102: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

suas energias na gestão dos bens econômicos. (...)”327.

Segundo Fachin a expressão “função social” é muito debatida,

especialmente na Sociologia, acerca da análise funcionalista dos fenômenos sociais,

havendo várias orientações interpretativas, como a função-fim (teleológica) e a

função-necessidade (fato social)328.

Para Pasold329, a expressão Função Social pode ser entendida

como ações de execução obrigatória pelo Estado, que devem respeitar, valorizar e

envolver o seu sujeito, bem como atender seu objeto e realizar seus objetivos,

privilegiando o social e os valores fundamentais do ser humano.

Cavedon330 afirma que o princípio da Função Social da

Propriedade “(...) condiciona o reconhecimento e proteção do direito do proprietário

(poder) ao direcionamento do uso dado à Propriedade para os interesses sociais

(dever) (...)”.

Assim, poderia se descrever a Função Social como uma

atividade, uma ação (poder) ligada a um interesse coletivo, afastando-se interesses

eminentemente privados em detrimento do benefício maior de uma coletividade

(dever).

2.6.2. A Função Social da Propriedade no Estado Con temporâneo e seus

objetivos

O Estado contemporâneo (estado de bem estar, estado social)

caracteriza-se principalmente pelo seu caráter intervencionista, ou seja, é o estado

“que intervém na sociedade para garantir oportunidades iguais a seus cidadãos nos

âmbitos econômico, social e cultural (...)”331. aqui, portanto, faz-se referência ao

327 GONÇALVES, Aderbal da Cunha. Da propriedade resolúvel ., p. 57. 328 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil , p. 289-290. 329 PASOLD, Cesar Luiz. Função social do estado contemporâneo , p. 100. 330 CAVEDON, Fernanda de Salles. Função social e ambiental da propriedade . Florianópolis:

Visualbooks, 2003. p. 84. 331 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia e estado contemporâneo , p. 152.

Page 103: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

estado contemporâneo democrático, “(...) entendido como aquele que intervém nos

domínios econômico, social e cultural, obedecidos os parâmetros mínimos de

cidadania política, justiça, representatividade, legalidade e legitimidade”332.

A importância do estudo da Função Social da Propriedade

decorre do próprio fundamento do direito de Propriedade, principalmente, no que diz

respeito ao direito brasileiro para efeitos de responsabilização civil do Proprietário

Fiduciário, na Alienação Fiduciária em Garantia de Veículos Automotores de Via

Terrestre, objeto de estudo desta Tese.

Conforme visto, o fenômeno da “repersonalização” do Direito

Civil fez com que o instituto da Propriedade, ainda que assegurado na CRFB/88,

tivesse que se amoldar às necessidades da Sociedade. Isso fez com que houvesse

um redirecionamento deste instituto, o qual deve assegurar a Dignidade da Pessoa

Humana, seja por parte do proprietário, seja àqueles sobre quem se refletirão os

efeitos desta Propriedade. Essa situação se justifica porque, relembrando Pasold333,

se alguém pretende se utilizar da Propriedade como fonte de poder, “(...) deve, antes

de tudo, ter em mente que, na vida coletiva, somente quando o social predomina

sobre o econômico, quando o humano prepondera sobre o material, há chances

reais de possibilidade da Felicidade”.

O direito de Propriedade não consiste mais em um direito

absoluto, pois deve obedecer à Função Social, isto é, à atividade ligada a um

interesse coletivo, afastando-se interesses eminentemente privatísticos em

detrimento do benefício maior de uma coletividade. Daí a importância de se salientar

a Função Social da Propriedade, principalmente no que tange ao ângulo visado no

presente estudo.

A Função Social da Propriedade pode ser interpretada como

uma expressão que designa a supremacia do interesse coletivo sobre o direito

332 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia e estado contemporâneo , p. 153. 333 PASOLD, Cesar Luiz. Reflexões sobre o poder e o direito , p. 16.

Page 104: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

individual334. Esta função se relaciona com a utilização da Propriedade, o que

modifica certos fatores da relação externa desse direito como, por exemplo, o seu

exercício335. A Função Social ainda encontra correspondência nos princípios da boa-

fé e de confiança recíproca do conceito moderno de obrigação, de forma que o

direito de Propriedade deve ser solidário com os interesses sociais e se adequar aos

deveres impostos ao proprietário pela política legislativa336.

Tepedino337, acerca da Função Social da Propriedade, destaca

que, no significado e extensão dessa noção (Função Social), há um ponto de

consenso, ou seja, a “(...) capacidade do elemento funcional em alterar a estrutura

do domínio, inserindo-se em seu ‘profilo interno’ e atuando como critério de

valoração do exercício do direito, o qual deverá ser direcionado para um ‘massimo

sociale’”. Quando a Propriedade não exerce sua função social, não pode ser

protegida pelo ordenamento jurídico. Com isso, tanto os bens de produção, quanto

os de consumo têm uma função social a ser exercida, vinculadas ao seu conteúdo,

como os modos de aquisição e utilização338.

Conforme Santos339, a Função Social da Propriedade pode ser

definida como “(...) uma obrigação de agir a fim de cumprir com as exigências do

bem comum e da Justiça Social, dando à propriedade uma utilidade de forma a

justificar e legitimar o próprio direito por meio desse comportamento”.

Importante destacar, ainda, a lição de Perlingieri340 acerca da

Função Social. Para ele, a Função Social consiste num conjunto de limites,

representando uma forma de pressão ao poder do proprietário, o qual, se não 334 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil , v. 3. p. 92. 335 FACHIN, Luiz Edson. A função social da posse e a propriedade contemporâ nea: (uma

perspectiva da usucapião imobiliária rural). Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 17.

336 FACHIN, Luiz Edson. A função social da posse e a propriedade contemporâ nea: (uma perspectiva da usucapião imobiliária rural). Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 17.

337 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil . 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 281-282. 338 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil . 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 281-282. 339 SANTOS, Eduardo Sens dos. A função social do contrato , p. 138. 340 PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil. Tradução de Maria Cristina de Cicco. 2. ed. Rio de

Janeiro: Renovar, 2002. p. 226.

Page 105: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

tivesse limites, ficaria livre e íntegro para exercer seu direito como lhe aprouvesse.

A Função Social tem um conteúdo cujo sentido pretende

disciplinar as formas de propriedade, devendo ser interpretada com a finalidade de

assegurar e promover os valores que o ordenamento jurídico se fundamenta341.

Deve ser entendida não como uma intervenção odiosa à propriedade, mas no

sentido de que se torna “‘a própria razão pela qual o direito de propriedade foi

atribuído a um determinado sujeito’, um critério de ação para o legislador, e um

critério de individuação da normativa a ser aplicada para o intérprete chamado a

avaliar as situações conexas à realização de atos e de atividades do titular” 342.

Corroborando as lições acima destacadas, o artigo 5o, XXIII, da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, carrega consigo o princípio

segundo o qual “a propriedade atenderá a sua função social”. Silva343, ao comentar

o referido princípio, acrescenta certas limitações do próprio Poder Público com

relação à Propriedade privada (embora sempre prevaleça o interesse público):

(...) é certo que o princípio da função social não autoriza a suprimir, por via legislativa, a instituição da propriedade privada. Contudo, parece-nos que pode fundamentar até mesmo a socialização de algum tipo de propriedade, onde precisamente isso se torne necessário à realização do princípio, que se põe acima do interesse individual. Por isso é que se conclui que o direito de propriedade (dos meios de produção especialmente) não pode mais ser tido como um direito individual. A inserção do princípio da função social, sem impedir a existência da instituição, modifica sua natureza, pelo que, como já dissemos, deveria ser prevista apenas como instituição do direito econômico.

Para Fachin344, “(...) a expressão função social corresponde a

limitações, em sentido largo, impostas ao conteúdo do direito de propriedade. (...).”.

essas limitações se fixam no sentido de beneficiar o interesse público e para

estabelecer um conceito dinâmico de propriedade, tornando-o anti-individualista,

341 PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil, p. 226. 342 PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil, p. 226. 343 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros,

2000. p. 287. 344 FACHIN, Luiz Edson. A função social da posse e a propriedade contemporâ nea, p. 17.

Page 106: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

fazendo com que o fundamento da função social da propriedade seja “eliminar da

propriedade privada o que há de eliminável”345.

Do que foi até aqui exposto, observa-se que a propriedade

compreende o uso, gozo, disposição e reivindicação de todos os bens e/ou direitos

de alguém. À função social da propriedade, portanto, pode-se operacionalizar o

seguinte conceito: consiste na utilização, gozo, disposição e reivindicação dos bens

e/ou direitos de alguém, afastando-se interesses eminentemente privatísticos

prejudiciais em detrimento do benefício maior de uma coletividade, de forma que,

para haver tal equilíbrio, o estado limitará e/ou estabelecerá regras à sua utilização

na conformidade do bem comum346.

De todas as considerações expostas, observa-se que a Função

Social da Propriedade, no direito brasileiro, é decorrente do fato de que o seu uso

deve estar condicionado ao bem-estar social347. Aliás, a inviolabilidade da

Propriedade é um valor importante na Sociedade ocidental, porém adverte Lloyd348

que tal direito é alvo de usurpações consideráveis, ensinando que: “(...) A

nacionalização de indústrias inteiras, o vasto controle pela legislação urbanística dos

usos do solo e das edificações, os amplos poderes de aquisição compulsória de

terras de proprietários privados sem o consentimento destes, são outras tantas

medidas hoje aceitas como características essenciais da maquinaria do Estado para

controlar o bem-estar da comunidade (...)”.

Perlingieri349 ensina que a Propriedade pode ser analisada

como situação subjetiva e relação, dizendo que a objeção doutrinária relativamente

a esta última situação consiste na não-determinação dos sujeitos titulares da

situação passiva.

345 FACHIN, Luiz Edson. A função social da posse e a propriedade contemporâ nea, p. 17. 346 RONCONI, Diego Richard. Falência & recuperação de empresas : análise da utilidade social de

ambos os institutos. Itajaí: Editora da Univali, 2002. p. 54. 347 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das coisas, v. 5. p. 89. 348 LLOYD, of Hampstead, Dennis Loyd, Baron. A idéia de lei , p. 176. 349 PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil, p. 221.

Page 107: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Segundo Aronne350, a titularidade do proprietário não perde seu

caráter de Propriedade privada em razão da funcionalização social, mas estará

imbuído o interesse social, “(...) implicando limite e impulso, passando a ser relativa,

por relativa ser a supremacia do interesse privado, de modo a poder ser asseverado,

contemporaneamente, a weimeriana premissa de que a propriedade obriga”.

Tais influências, conforme já estabelecido, se fundamentaram,

principalmente, com as disposições estabelecidas pela Constituição de Weimar

(1919) e do México (1917), que influenciaram diretamente em aspectos do direito

privado, principalmente sobre a Propriedade e o contrato. Acompanhando essa

tendência, o legislador-constituinte, na CRFB/88, fez menção expressa dessa

interferência do direito público no direito privado, especialmente no que aqui

interessa, que é o direito de Propriedade, situação essa que passará a ser exposta.

2.7. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA CRFB/88

Na CRFB/88 há situações que consagram, expressamente, a

Função Social da Propriedade. O artigo 5o, XXII, assegura o direito de Propriedade,

ordenando, no inciso seguinte (XXIII), que a mesma atenderá sua Função Social.

Quando na CRFB/88 retrata sobre o Imposto Predial e

Territorial Urbano (IPTU), de competência dos Municípios, no artigo 156, § 1o,

ordena que tal tributo “(...) poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de

forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade”. Também se faz

presente o princípio da função social da propriedade como princípio geral da

atividade econômica (art. 170, III e art. 173, § 1º, da CRFB/88).

No artigo 182, § 2o, ao se manifestar sobre a política de

desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, conforme

diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento

das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, e que “A

propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências

350 ARONNE, Ricardo. Por uma nova hermenêutica dos direitos reais limita dos : das raízes aos

fundamentos contemporâneos, p. 100.

Page 108: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”.

Também, no Capítulo referente à política agrícola e fundiária e

da reforma agrária, os artigos 184351, 185, parágrafo único352 e 186353, da CRFB/88,

também fazem referência ao princípio da função social da propriedade.

Cavedon354 afirma que este processo de publicização do direito

de Propriedade, na dimensão dos Direitos Fundamentais, se dá diante da nova

feição destes, os quais aludem à “(...) impossibilidade da plena satisfação das

liberdades individuais, se desconsideradas as liberdades sociais. Assim, liberdades

individuais e liberdades sociais estão interligadas e indissociáveis, sendo necessária

uma releitura dos Direitos Fundamentais a partir desta nova abordagem”.

A importância deste item tem relação com o assunto tratado a

seguir, o qual pretenderá demonstrar a abrangência da Função Social da

Propriedade, ou seja, em que sentido reflete esta Função Social, conforme análise

dos artigos da Constituição Federal acima colacionados.

2.8. ABRANGÊNCIA DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Quando se fala em Propriedade, constata-se que este direito

tem um conteúdo econômico, quantificável pecuniariamente. É objeto de mercado,

participando como objeto de troca ou de moeda entre as partes em uma relação

351 “Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.” 352 “Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: (...). Parágrafo único: A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.”. 353 “Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.” 354 CAVEDON, Fernanda de Salles. Função social e ambiental da propriedade , p. 66.

Page 109: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

jurídica355. Neste comércio, porém, existem interesses direcionados somente para

determinada categoria de pessoas diante de um funcionamento desimpedido deste

mercado, mas há também grupos que, em virtude deste funcionamento, podem ter

seus interesses prejudicados e, neste pensamento, ensina Sen356:

(...) Esse pode ser um problema particularmente sério quando prosperam – apesar de ineficiência e vários tipos de inépcia – unidades de produção monopolistas, graças a estarem isoladas da concorrência interna ou externa. Os preços elevados ou a baixa qualidade dos produtos envolvidos nessa produção artificialmente sustentada podem impor um sacrifício significativo à população, mas um grupo de ‘industriais’ organizado e politicamente influente pode assegurar-se que seus lucros estejam bem protegidos.

Nesta constatação, observa-se que os interesses mercantis

distanciam-se do interesse público. Sen357 traz à colação o ensinamento de Vilfredo

Pareto (conhecido como a “ótima de Pareto”): “(...) se ‘uma certa medida A

representa a perda de um franco por pessoa para um grupo de mil pessoas e um

ganho de mil francos para um único indivíduo, este último envidará esforços imensos

enquanto os primeiros resistirão debilmente; e é provável que, no final, a pessoa que

está tentando assegurar os mil francos por meio de A venha a ter êxito’. (...)”.

Tal fator contribui para a desigualdade social e para a pobreza,

situações estas cujo afastamento constituem objetivos fundamentais do Estado

Democrático brasileiro (art. 3o., III, CRFB/88). E pobreza, aqui, é observada como a

privação das capacidades básicas (desemprego, baixo nível de instrução e exclusão

social), e não como baixo nível de renda358-359. Neste mesmo sentido, Dias360 ensina

355 Conforme Coelho, “(…) Relação jurídica é o vínculo entre o titular do direito subjetivo e o do dever

correspondente (...)”, in COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil . São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. p. 281.

356 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade . Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 145.

357 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade , p. 147. 358 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade , p. 109. 359 Dias conceitua “pobreza”, por outro lado, como sendo o “(...) estrato da população cuja renda não

permite o acesso aos bens de nossa civilização. Limitados e mesmo impossibilitados de atenderem suas necessidades existenciais (de alimentação, vestuário, habitação, segurança, educação, saúde, lazer, identidade, participação...), diferenciam-se os pobres dos indigentes, que não conseguem ter atendida nem mesmo a necessidade básica e fundamental de alimentação. (...)”, in DIAS, Maria da Graça Santos. A justiça e o imaginário social , p. 77.

360 DIAS, Maria da Graça Santos. A justiça e o imaginário social , p. 80.

Page 110: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

que:

(...) A pobreza não se traduz apenas na escassez de renda, na dificuldade de ingresso no mercado de trabalho e de acesso universal aos bens de consumo coletivo e aos bens da cultura, mas também na desproteção jurídica, na falta de participação política, na perda da identidade e do sentido de dignidade humana, na desesperança de construção de um projeto pessoal e coletivo de uma vida com qualidade.

Por tais motivos, a Função Social da Propriedade tem um

alcance muito maior, especialmente diante do crescimento de um capitalismo361

desenfreado que molda a Sociedade contemporânea.

Lloyd362 agrupa os principais valores, que são considerados

direitos legais de todos os seres humanos, expressos em igualdade e democracia,

liberdade de contrato, direito de Propriedade, direito de associação, liberdade de

trabalho, liberdade da miséria e segurança social, liberdade de expressão e de

imprensa, liberdade pessoal e império da lei (devido processo legal). Ao se referir à

liberdade da miséria e segurança social, Lloyd363 explica que este direito consiste na

proteção de todos contra a pobreza e na busca de um padrão de vida razoável,

sendo um dos valores supremos do Estado moderno. Também estabelece a

tendência da repartição dos riscos de infortúnio entre a comunidade, no sentido de

solidariedade social, levando “(...) à realização de novas tentativas de ampliar a

noção de segurança a muitos outros riscos que acompanham a vida cotidiana.”364.

Cita, como exemplo, o risco de danos decorrentes de acidentes industriais e aqueles

ocasionados em vias públicas pelo uso de Veículos Automotores (situação tratada

nesta pesquisa), o que demonstra a preocupação da doutrina com relação a este

361 O núcleo do capitalismo se encontra no lucro e na Propriedade privada, sendo o lucro a diferença

entre os gastos com a produção e o que recebe o empresário com a venda do produto, conforme MACRIDIS, Roy C. Ideologias políticas contemporâneas . Tradução de Luis Tupy Caldas de Moura e Maria Inês Caldas de Moura. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982. 317 p. p. 121. Para Requião, a obtenção do lucro é a finalidade da sociedade comercial, conceituando “lucro” como “(...) o sobrevalor que a sociedade pode produzir, como resultado da aplicação do capital e outros recursos na atividade produtiva”, in REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial . 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2. p. 239.

362 LLOYD, of Hampstead, Dennis Loyd, Baron. A idéia de lei , p. 170-201. 363 LLOYD, of Hampstead, Dennis Loyd, Baron. A idéia de lei , p. 181. 364 LLOYD, of Hampstead, Dennis Loyd, Baron. A idéia de lei , p. 181.

Page 111: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

aspecto. Demonstrando esta tendência, Lloyd365 ensina que:

Em suma, há atualmente um sentimento geral de que talvez exista a necessidade de um sistema mais global de segurança social que proteja as pessoas contra o risco de acidentes, além dos industriais, em conseqüência dos quais elas possam ficar incapacitadas ou perder seus meios de subsistência, com grave prejuízo para elas próprias e para seus dependentes. Deve o direito de ressarcimento depender apenas, em tais casos, de se poder comprovar a negligência por parte de algum transgressor da lei? Isso talvez seja extremamente difícil de fazer em muitos casos, e pode ser considerado, num certo sentido, irrelevante para o fato de que o indivíduo sofreu uma desgraça para a qual a justiça social requer que lhe seja feita uma reparação pela comunidade como um todo, em vez de permitir que a perda recaia inteiramente sobre esse indivíduo.

Neste ponto, a Função Social da Propriedade assume um

importante relevo no intuito de dirimir esta injustiça, assegurando a Dignidade da

Pessoa Humana.

Segundo o conceito operacional adotado para esta pesquisa,

Propriedade e domínio têm o mesmo significado. Assim, podem abranger coisas

corpóreas ou incorpóreas. Quando se retrata sobre a Função Social da Propriedade,

deve-se ter em mente que a Propriedade pode tanto abranger a Propriedade

mobiliária, quanto imobiliária, material ou imaterial, plena ou limitada. Isto porque a

CRFB/88, em seu art. 5o, XXII e XXIII, não limita essa condição somente para os

bens imóveis366.

Importante ressaltar que a Propriedade, imbuída de sua

Função Social, pretende agora assegurar e promover o bem comum. Isso faz com

que o proprietário, além do poder que tem sobre a coisa (como um direito), tem um

dever para com a Sociedade, obrigando-se a dar à coisa a melhor destinação, sob a

365 LLOYD, of Hampstead, Dennis Loyd, Baron. A idéia de lei , p. 182-183.

366 “Art. 5 o. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantido-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXII– é garantido o direito de propriedade; XXIII– a propriedade atenderá a sua função social.”

Page 112: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

óptica do interesse coletivo367. Observa-se que o princípio da Função Social da

Propriedade “(...) condiciona o reconhecimento e proteção do direito do proprietário

(poder) ao direcionamento do uso dado à Propriedade para os interesses sociais

(dever)”368.

Segundo Lloyd369, na Propriedade há o envolvimento de um

direito absoluto com relação a alguma coisa tangível ou intangível. Critica este autor

que a idéia de bem “intangível” como objeto de Propriedade (“propriedade de coisa

intangível”) foi uma criação para se evitar casos como a Propriedade de direitos

autorais ou patentes. Critica também que não há como identificar o caráter absoluto

e ilimitado do direito do proprietário pelos seguintes motivos: “(...) porque a

propriedade pode ser virtual e completamente desprovida dos elementos de fruição

e controle e, mesmo assim, continuará sendo propriedade e, além disso, porque em

lei não existe nada a que se possa chamar um direito ilimitado, pois a lei imporá

inevitavelmente restrições ao uso ou transmissão de propriedade”370.

Conforme os artigos da CRFB/88 trazidos à baila no item

anterior, observou-se que grande parte dos mesmos direciona-se à Função Social

da Propriedade imobiliária. Nesse sentido, em se tratando de Propriedade

Imobiliária, deve-se atentar para quais bens, em conformidade com os artigos 79 a

81, do Código Civil371, são entendidos como bens imóveis.

O sentido da Constituição Federal, ao retratar acerca da

Função Social da Propriedade, não quer limitar essa função somente à Propriedade

imobiliária. Ao dispor que “a propriedade atenderá sua função social”, destina-se

367 CAVEDON, Fernanda de Salles. Função social e ambiental da propriedade , p. 83. 368 CAVEDON, Fernanda de Salles. Função social e ambiental da propriedade , p. 84. 369 LLOYD, of Hampstead, Dennis Loyd, Baron. A idéia de lei , p. 412. 370 LLOYD, of Hampstead, Dennis Loyd, Baron. A idéia de lei , p. 412-413. 371 “Art. 79 . São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente. Art. 80 . Consideram-se imóveis para os efeitos legais: I – os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram; II – o direito à sucessão aberta; (...) Art. 81 . Não perdem o caráter de imóveis: I – as edificações que, separadas do solo, mas conservando sua unidade, forem removidas para outro local; II – os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem.”

Page 113: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

esta tarefa a todo o tipo de Propriedade, conforme já tratado. Aliás, tal entendimento

alinha-se ao pensamento de Santos372, para o qual “É inegável, entretanto, e

sobretudo em vista do disposto no art. 5o., XXIII, que ao insculpir o princípio da

função social na Constituição se teve em mira a propriedade em todas as suas

formas, apenas dando maior ênfase à propriedade do solo urbano e rural”. Esse

reflexo se estabelece porque o princípio da Função Social da Propriedade “(...)

precisa passar a integrar a prática jurídica e as relações econômicas e sociais.

(...)”373.

No estudo da Função Social da Propriedade mobiliária,

importante conhecer o que compreendem “bens móveis”. Para tanto, ordena o

Código Civil, em seus artigos 82, 83 e 84, o que são bens móveis e o que são

considerados bens móveis374.

Atente-se para o fato de que, para efeitos desse estudo, tratar-

se-á da Função Social da Propriedade Fiduciária de Veículos Automotores, ou seja,

haverá o envolvimento de bens móveis, excluindo-se da análise, portanto, a Função

Social da Propriedade imobiliária. E é sobre a Propriedade Fiduciária e a Alienação

Fiduciária em Garantia, especialmente de Veículos Automotores de Via Terrestre, no

ordenamento jurídico brasileiro, que se passará a estudar no próximo capítulo.

372 SANTOS, Eduardo Sens dos. A função social do contrato , p. 141, grifado. 373 CAVEDON, Fernanda de Salles. Função social e ambiental da propriedade . p. 86. 374 “Art. 82 . São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social. Art. 83 . Consideram-se móveis para os efeitos legais: I – as energias que tenham valor econômico; II – os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes; III – os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações. Art. 84. Os materiais destinados a alguma construção, enquanto não forem empregados, conservam sua qualidade de móveis; readquirem essa qualidade os provenientes da demolição de algum prédio.”

Page 114: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Capítulo 3

A PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA E A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E M

GARANTIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO CIVIL BRASILEIRO

Após o tratamento sobre a Propriedade, referido no capítulo

anterior, este capítulo tratará de um breve histórico a respeito da Propriedade

Fiduciária, conceituando a Propriedade Resolúvel (pois aquela é espécie desta) e

estabelecendo seus efeitos entre alienante e proprietário resolúvel. Em seguida,

conceituar-se-á a Propriedade Fiduciária, restringindo-se à modalidade de Alienação

Fiduciária em Garantia, a qual será abordada sob a óptica da legislação brasileira.

Depois de conceituar e estabelecer as características e natureza jurídica da

Alienação Fiduciária em Garantia, ingressar-se-á no estudo de seus requisitos

subjetivos e objetivos, com inserção do empréstimo em dinheiro em tal modalidade

de Propriedade Fiduciária. A seguir, será realizado o estudo de seus requisitos

formais, deveres do Fiduciante e Fiduciário e da Função Social da Propriedade

Fiduciária na espécie de Alienação Fiduciária em Garantia, tratando-se, ainda, sobre

as mudanças trazidas pela Lei n º 10.931, de 02 de agosto de 2004, lei esta que

modificou o conteúdo da Alienação Fiduciária em Garantia.

3.1. HISTÓRICO ACERCA DA PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA

A Propriedade Fiduciária tem como gênese a fiducia do Direito

Romano. Neste direito, havia duas espécies de fidúcia: a primeira forma era a fiducia

cum amico, realizada no interesse do Fiduciante com o intuito de facilitação da

administração, do depósito, comodato, mandato etc.375, não havendo o intuito de

garantia. A coisa era transferida a outra pessoa (ao amigo) para, ao final de

determinado prazo ou sob certa condição, ser devolvida ao proprietário376.

A segunda forma era a fiducia cum creditore. Esta consistia em

forma de garantia de uma obrigação principal, na qual o devedor operava a

375 BESSONE, Darcy. Do contrato : teoria geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 62. 376 BESSONE, Darcy. Do contrato : teoria geral, p. 62.

Page 115: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

transferência ao credor da Propriedade de uma res mancipi, pela mancipatio ou in

jure cessio, com cláusula adjeta. Aqui, o credor tinha a obrigação de devolver a

coisa. Após o recebimento pelo credor do que lhe era devido pela obrigação

principal, este transferia novamente a Propriedade da coisa ao devedor. Desse

modo, o credor passava a ser dono da coisa. Tal forma de garantia foi muito usada

no período clássico, desaparecendo na época pós-clássica377.

Em ambos os casos, havia conjugação da relação real e

obrigacional (pessoal) e, uma vez não cumprida a obrigação, a solução era a

indenização. Bessone378 ensina que:

A posição do fiduciante, que transmitia a propriedade e se tornava credor apenas da prestação prometida (de natureza pessoal), o privava da ação de reivindicação, quando a obrigação não fosse cumprida. Esse inconveniente, ao lado da habitual desproporção entre o valor da coisa e o do crédito na fidúcia cum creditore, deu origem ao progressivo declínio da figura, no comércio jurídico romano.

Já, no direito germânico, a fiducia assumiu algumas

particularidades, dentre as quais a transmissão da Propriedade do Fiduciante ao

Fiduciário, a qual não se realizava de modo ilimitado, mas sim resolúvel, tornando

possível a reivindicação da coisa, caso o Fiduciário descumprisse a obrigação de

utilizar-se da coisa para o fim predeterminado. Pelo sistema da publicidade,

possibilitou a melhora da posição do Fiduciante, fazendo com que o contrato

passasse a ser conhecido por terceiros, o que impedia que os mesmos

argumentassem o desconhecimento da limitação da Propriedade originado pelo

pactum fiduciae379. Este fato é importante, pois a natureza resolúvel da Alienação

Fiduciária em Garantia, que será estudada adiante, filia-se mais à forma germânica

do que à romana380.

É em virtude da influência dos fatores econômicos e das

377 MARKY, Thomas. Curso elementar de direito romano. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 101-

102. 378 BESSONE, Darcy. Do contrato : teoria geral, p. 62. 379 BESSONE, Darcy. Do contrato : teoria geral, p. 62. 380 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil , v. 4. p. 273.

Page 116: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

necessidades sociais que vários institutos do Direito Romano foram restaurados, sob

novas condições, a fim de satisfazerem as exigências sociais. Foi o que ocorreu com

a figura da fidúcia, nascida do Direito Romano e ressuscitada pelos pandectistas

alemães no direito moderno381.

3.2. CONCEITO DA PROPRIEDADE RESOLÚVEL E SEUS EFEIT OS ENTRE

ALIENANTE E PROPRIETÁRIO RESOLÚVEL

Importante conhecer, antecipadamente, o que consiste a

Propriedade Resolúvel, vez que a Propriedade Fiduciária é uma espécie daquela.

Segundo Lisboa382, Propriedade Resolúvel (ou Revogável) é uma Propriedade não

definitiva, em que o advento da condição ou termo final pode acarretar a resolução

ou a perda da Propriedade, fazendo-a retornar ao patrimônio do proprietário anterior.

Dessa forma, os direitos inerentes ao domínio do bem não poderão mais ser

exercidos pelo proprietário resolúvel, de forma que o beneficiário da resolução

poderá reivindicar a Propriedade. Assim, Propriedade Resolúvel383:

(...) é aquela que importa sujeição da transferência definitiva do domínio da coisa à verificação ou não de um fato jurídico, que pode ser: a) um evento futuro e incerto (condição); b) um evento futuro e certo ou determinável (termo); ou c) uma causa superveniente.

A Propriedade, durante a pendência ou vigência do termo ou

condição, será resolúvel. Com a resolução do direito de Propriedade, o bem retorna

ao patrimônio do titular anterior, haja vista a implementação da condição ou termo.

Também, a Propriedade se torna definitiva em favor daquele

que era o proprietário resolúvel, considerando as hipóteses em que a condição ou o

termo não se tenham perfectibilizado no período do prazo de vigência da cláusula

381 GONÇALVES, Aderbal da Cunha. Da propriedade resolúvel . São Paulo: Revista dos Tribunais,

1978. p. 210-211. 382 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : direitos reais e direitos intelectuais.

2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 191. v. 4. 383 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : direitos reais e direitos intelectuais,

v.4, p. 191.

Page 117: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

resolutiva.

No entanto, uma vez havendo a ocorrência do evento futuro, a

condição resolutiva terá efeito retroativo, revogando-se o domínio e os direitos reais

estabelecidos no período da resolubilidade da Propriedade.

A Propriedade Resolúvel é abrigada nos artigos 1.359 e 1.360,

do Código Civil, os quais ordenam o seguinte:

Art. 1.359 . Resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha. Art. 1.360 . Se a propriedade se resolver por outra causa superveniente, o possuidor, que a tiver adquirido por título anterior à sua resolução, será considerado proprietário perfeito, restando à pessoa, em cujo benefício houve a resolução, ação contra aquele cuja propriedade se resolveu para haver a própria coisa ou o seu valor.

Podem ser citados como exemplos de Propriedade Resolúvel,

segundo Wald384: “(...) o fideicomisso, em virtude do qual a propriedade do fiduciário,

pela sua morte, se transmite ao fideicomissário. (...) a retrovenda, na qual o

vendedor, durante certo prazo, pode reaver a coisa alienada, devolvendo o preço

recebido.”. Além desses exemplos, Diniz385 cita, ainda, os seguintes: a venda a

contento, realizada sob condição resolutiva (art. 509, do Código Civil); a venda feita

a estranho, por condômino, de sua quota ideal na coisa comum indivisível, sem que

tenha obedecido ao direito de preferência garantido aos demais comunheiros, os

quais poderão, dentro de 180 dias, requerer a quota vendida (art. 504, do Código

Civil); a doação com cláusula de reversão, na qual é estipulado pelo doador que a

coisa doada retorne ao seu patrimônio, caso sobreviva ao donatário. Também (e,

principalmente, para efeitos desta pesquisa), cita-se como exemplo típico a

Alienação Fiduciária em Garantia como modalidade de Propriedade Fiduciária, que,

384 WALD, Arnoldo. Direito das coisas. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 168. 385 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 17. ed. São Paulo:

Saraiva, 2002. v. 4. p. 280-281.

Page 118: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

por sua vez, é forma de Propriedade Resolúvel386.

Em todas as hipóteses acima aventadas, o proprietário

resolúvel, ainda que revogável o seu domínio, tem a possibilidade de agir na

qualidade de proprietário pleno, pois há limitação somente no que diz respeito à

duração do seu direito, o qual depende da ocorrência, ou não, de um fato futuro que

pode ser certo ou incerto.

Dessa forma, terá o proprietário resolúvel o direito de uso e

gozo da coisa, e de praticar atos de administração, disposição, inclusive com

possibilidade de alienação do bem. Contudo, o adquirente da coisa deverá se

submeter ao mesmo fato extintivo do domínio, isso porque o proprietário resolúvel

(que é um proprietário condicional) pode constituir direitos reais, havendo, no

entanto, a possibilidade de serem extintos com a realização da condição

resolutória387.

Na ocorrência do evento terminativo condicional aposto no

título, rompem-se, automaticamente, todos os vínculos reais de garantia e a

alienação feita a terceiros, retornando o bem ao antigo dono e operando

retroativamente a condição e o termo resolutivo388, como se nunca tivessem existido.

Para tanto, também como meio de defesa, o proprietário inicial possui ação

reivindicatória para recuperação do bem em poder de quem o detenha ou possua,

por aquisição do proprietário resolúvel389.

386 MEZZARI, Mário Pazutti. Alienação fiduciária : da lei n. 9.514, de 20-11-1997. São Paulo:

Saraiva, 1998. p. 15. 387 O Código Civil determina, em seu art. 121: “Art. 121. Considera-se condição a cláusula que,

derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.”. Como espécie de condição tem-se a “condição resolutiva ou resolutória”, que consiste naquela condição”(...) cujo implemento faz cessar os efeitos do ato ou negócio jurídico. (...)”, in VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil : parte geral, v. 1, p. 525.

388 “Termo” é “(...) o dia do início e do fim da eficácia do negócio (...)” (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil : parte geral, v. 1, p. 532), enquanto “termo resolutivo (termo final, extintivo ou dies ad quem)” é “(...) aquele no qual termina a produção de efeitos do negócio jurídico.” (in VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil : parte geral, v. 1, p. 532.

389 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 4. p. 281.

Page 119: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Esclarece Gomes390 que a natureza jurídica da Propriedade

Resolúvel é controvertida, havendo duas correntes: uma, entendendo que se trata

de modalidade especial de domínio; outra, que seria apenas hipótese de aplicação

de regras gerais sobre a condição e ao termo, bem como dos princípios relativos à

dissolução dos contratos. O mesmo autor posiciona-se junto à primeira corrente.

Os efeitos da revogação da Propriedade Resolúvel operam-se

retroativamente ao momento da aquisição, porém não totalmente. O alienante ou

terceiro investe-se no direito de Propriedade, como se o objeto da Propriedade não

tivesse pertencido temporariamente ao proprietário resolúvel, dizendo-se que esse é

efeito próprio da condição resolutiva (podendo ser constituída também com a

aposição de um termo), constante no título da constituição da Propriedade

Resolúvel391.

3.3. CONCEITO DE PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA

Embora já abarcada pelo ordenamento jurídico brasileiro na

forma de diversos institutos, como o fideicomisso, a retrovenda, a Alienação

Fiduciária em Garantia entre outros, somente com o Código Civil de 2002 é que se

estabeleceram normas gerais a respeito da Propriedade Fiduciária, nos artigos

1.361 a 1.368. É o próprio artigo 1.361, do Código Civil, que conceitua Propriedade

Fiduciária: “Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível

que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

Ensina Lisboa392 que Propriedade Fiduciária consiste na “(...)

propriedade resolúvel de coisa móvel infungível”, somente se constituindo através de

registro do contrato no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor

ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento,

fazendo-se a anotação no certificado de registro (artigo 1.361, § 1o, da Lei n º

10.406/02). Deve-se observar, no entanto, que a Lei n º 10.931/04 (tratada com

390 GOMES, Orlando. Direitos reais . 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 232. 391 GOMES, Orlando. Direitos reais . 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 233-234. 392 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : direitos reais e direitos intelectuais,

v. 4, p. 193.

Page 120: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

maior ênfase, adiante), modificou a Lei n º 4.728/65, acrescentando o artigo 66-B, o

qual, em seu parágrafo 3o, permite a Alienação Fiduciária em Garantia de bens

fungíveis.

O contrato poderá ser realizado por instrumento público ou

particular, cujo registro servirá de título da Propriedade Fiduciária. Segundo o artigo

1.362, do Código Civil, este contrato deverá conter: o total da dívida, ou sua

estimativa; o prazo, ou a época do pagamento; a taxa de juros, se houver; a

descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos indispensáveis à sua

identificação. Além destes requisitos, adere o artigo 66-B, caput, da Lei 4.728/65

(acrescentado pela Lei n º 10.931/04), que o contrato deverá conter, ainda, a

cláusula penal, o índice de atualização monetária, se houver, e as demais

comissões e encargos.

Ocorrendo o registro da Propriedade Fiduciária, há o

desdobramento da posse, de forma que o devedor (Devedor-Fiduciante393) se torna

o possuidor direto e, antes de vencida a dívida, tem o uso e gozo das utilidades da

coisa segundo a sua destinação, sujeitando-se ao risco daí advindo. O Credor

(Credor-Fiduciário394) é considerado o possuidor indireto da coisa (artigo 1.361, § 2o,

e artigo 1.363, do Código Civil). Importante salientar que, antes de vencida a dívida

e não operada a transferência da Propriedade da coisa ao proprietário anterior

(Devedor-Fiduciante), este fica obrigado, como depositário, a empregar a diligência

exigida pela natureza da coisa para sua guarda, bem como entregar o bem ao

credor, caso a dívida não seja paga no vencimento (artigo 1.363, do Código Civil

brasileiro).

Restiffe Neto395 adverte para o fato de que “(...) Proprietário,

realmente, e sobre isso não poderá subsistir dúvida alguma, é o credor fiduciário, em

favor de quem o devedor alienou. O devedor fiduciante é ‘possuidor direto, com

responsabilidade de depositário’ (caput do art. 66, da Lei n º 4.728) e não

393 Doravante simplesmente denominado Devedor ou Fiduciante. 394 Doravante simplesmente denominado Credor, Fiduciário ou Proprietário Fiduciário. 395 RESTIFFE NETO, Paulo. Garantia fiduciária . 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976. p.

139.

Page 121: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

proprietário do veículo (...)”.

Segundo já observado, a Propriedade Fiduciária é uma espécie

de Propriedade Resolúvel, em que o Credor-Fiduciário é titular do domínio (ou

Propriedade), a qual se resolverá com o implemento da obrigação (ocorrência do

termo ou condição), operando-se a transferência da Propriedade, então, para o

Devedor-Fiduciante.

Na hipótese, ainda, de não haver o adimplemento das

obrigações por parte do Devedor-Fiduciante, com o vencimento e não pagamento da

dívida, o Fiduciário obriga-se a alienar a coisa a terceiro, judicial ou

extrajudicialmente, sendo nula a cláusula dispondo que o Credor possa ficar com a

coisa. Admite-se, no entanto, que o devedor possa, com a anuência do credor, dar

seu direito eventual396 à coisa em pagamento da dívida, após o vencimento da

mesma. O produto advindo da venda do bem será utilizado para satisfação do

crédito do Fiduciário e demais despesas decorrentes dessa cobrança. Havendo

saldo, deverá o mesmo ser entregue ao Devedor, porém, se com a venda da coisa o

produto não for suficiente para o pagamento da dívida e das despesas de cobrança,

o devedor continuará obrigado pelo restante (artigos 1.364 a 1.366, do Código Civil).

O artigo 1.368, do Código Civil, determina que “O terceiro,

interessado ou não, que pagar a dívida, se sub-rogará de pleno direito no crédito e

na propriedade fiduciária”. Importante ressaltar uma alteração havida na Lei n º

10.406/02 (Código Civil), acrescendo-se ao artigo 1.368 o artigo 1.368-A (mudança

trazida pela Lei n º 10.931, de 2 de agosto de 2004, em vigor, a partir de 3 de agosto

de 2004). O texto acrescido ao Código Civil, com a redação que segue, determina a

remessa à legislação específica, no que se refere à Alienação Fiduciária tanto de

móveis (Decreto-lei 911/1969), quanto de imóveis (Lei n º 9.514/1997):

Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições

396 “Direito eventual” é um direito “(...) quase completo, apresentando-se como direito futuro, mas com certa relação com o presente (...)”, desfrutando já de certa proteção jurídica (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil : parte geral, v. 1, p. 378).

Page 122: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial.

Conforme visto no conceito de Propriedade Fiduciária, o objeto

da Propriedade Fiduciária consiste em “coisa móvel infungível”. Mas, conforme

observado, a Lei n º 4.728/65, em seu artigo 66-B, § 3o, admite Alienação Fiduciária

em Garantia de coisa fungível. Entende-se por “coisa móvel infungível”, para efeitos

do conceito de Propriedade Fiduciária, os bens suscetíveis de movimento próprio, ou

de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação

econômico-social, bem como aqueles bens a ele equiparados legalmente, os quais

não podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e

quantidade397. “Coisas fungíveis”, por sua vez, significam aqueles bens que podem

ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.

Interessante ressaltar que, na modalidade de Alienação

Fiduciária em Garantia, permitiu o legislador que bens imóveis fossem objeto do

contrato, com a superveniência da Lei n º 9.514, de 20 de novembro de 1997. Esta

forma assemelha-se ao instituto do trust reciept (recibo de confiança, de garantia),

do sistema anglo-saxão, por possuir finalidade de financiar bens duráveis398,

tratando-se, portanto, de modalidade excepcional de Propriedade Fiduciária

abrangendo bens imóveis. Segundo Venosa399, porém, o instituto do trust reciept

não possui o mesmo mecanismo da Alienação Fiduciária, pois sua destinação

originária direciona-se ao consumidor final, e não somente ao comerciante ou

empresa. Além disso, no trust reciept o negócio possui por base o fator “confiança”

depositado pelo financiador no financiado, sendo que na Alienação Fiduciária este

elemento não é primordial em função dos rigorosos mecanismos colocados à

disposição do credor para recuperação do seu crédito.

A Alienação Fiduciária em Garantia somente foi introduzida no

ordenamento jurídico brasileiro com a Lei n º 4.728/1965, objetivando garantir

contratos de venda de veículos automotores e de eletrodomésticos e, somente com

397 Conceito elaborado a partir dos artigos 82, 83 e 85, do Código Civil. 398 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil : direitos reais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 5. p. 552. 399 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil : direitos reais, v. 5, p. 551.

Page 123: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

a Lei n º 9.514/97 é que os bens imóveis também passaram a ser objetos dessa

modalidade contratual400. Aliás, é o artigo 22, da Lei n º 9.514/97 que define a

Alienação Fiduciária de bens imóveis401.

Ordena o artigo 1.367, do Código Civil, que se aplique à

Propriedade Fiduciária, no que couber, os artigos adiante referenciados. O primeiro

deles é o artigo 1.421, dispondo que “O pagamento de uma ou mais prestações da

dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta

compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título ou na quitação.”. Isso

demonstra a indivisibilidade da garantia oferecida com a Propriedade Fiduciária.

Também se aplica o artigo 1.425, da mesma lei, que trata das

situações em que a dívida se considera vencida antecipadamente, como a

deterioração ou depreciação do bem dado em garantia, desfalcando o contrato, de

forma que o Devedor, intimado, não o reforce ou substitua; a insolvência ou falência

do Devedor; a impontualidade no pagamento das prestações, não se podendo

alegar tal situação se o Credor receber posteriormente a prestação, o que importa a

renúncia do mesmo ao direito de execução imediata; o perecimento do bem

oferecido em garantia, não sendo substituído; a desapropriação do bem dado em

garantia, caso em que será depositada a parte do preço necessária para o

pagamento integral do Credor. Em todas estas hipóteses não são compreendidos os

juros correspondentes ao tempo ainda não decorrido (art. 1.426).

Ainda se aplica, quando cabível, o artigo 1.427, do Código

Civil, o qual ordena que o terceiro que presta garantia real (penhor, hipoteca,

anticrese) por dívida alheia não é obrigado a substituir esta garantia, ou reforçá-la

quando a mesma se perca, deteriore ou desvalorize, sem culpa sua, admitindo-se,

no entanto, exceção a esta situação quando houver disposição expressa em

contrário no contrato.

400 MEZZARI, Mario Pazutti. Alienação fiduciária : da lei n. 9.514, de 20-11-1997, p. 16-17. 401 “Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou

fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, a propriedade

resolúvel de coisa imóvel.”

Page 124: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Por fim, aplica-se, também, à Propriedade Fiduciária as

hipóteses de extinção do penhor (art. 1.436), ou seja, extinguindo-se a obrigação;

perecendo a coisa, renunciando o credor à coisa; confundindo-se na mesma pessoa

as qualidades de credor e dono da coisa e no caso de adjudicação judicial ou venda

da coisa empenhada, realizada pelo credor ou autorizada pelo mesmo.

Propriedade Fiduciária, portanto, consiste na Propriedade

Resolúvel de coisa móvel (fungível ou infungível), ou imóvel (infungível) que, se for

móvel, se constitui somente através de registro do contrato no Registro de Títulos e

Documentos do domicílio do devedor ou, em se tratando de veículos, na repartição

competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro,

e se imóvel, mediante registro, no competente Registro de Imóveis do contrato que

lhe serve de título, havendo o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante

possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa.

Para efeitos deste estudo, tratar-se-á, unicamente, da

Propriedade Fiduciária de coisas móveis, em especial a Alienação Fiduciária em

Garantia de Veículos Automotores de Via Terrestre.

3.4. A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA NA LEGISLAÇ ÃO BRASILEIRA

A Alienação Fiduciária em Garantia é decorrente da existência

da Propriedade Resolúvel no direito positivo brasileiro, já constante nos artigos 647

e 648, do Código Civil, de 1916.

O surgimento da Alienação Fiduciária em Garantia, no

ordenamento jurídico brasileiro, ocorreu com a edição da Lei 4.728, de 14 de julho

de 1965, a qual dispõe sobre o mercado de capitais, tendo sido regulamentada pelo

Decreto-lei 911, de 1o de outubro de 1969. Tais normas, porém, sofreram

modificação com a entrada em vigor, no dia 03 de agosto de 2004, da Lei n º 10.931,

de 02 de agosto de 2004, cujas alterações serão tratadas a seguir.

A concepção deste instituto surgiu para suprir novas

necessidades sociais, decorrentes das exigências mercantis e do dinamismo social.

Page 125: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Serviu como providência para atender com presteza a necessidade de oferecer

medidas legais e adequadas com a finalidade de assegurar o risco decorrente do

crédito e do desestímulo então trazido à captação de capitais. Isto fez com que a

política de desenvolvimento do mercado de capitais e o fomento do financiamento

direto ao consumidor restassem melhor estruturadas402.

3.5. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA ALIENAÇÃO FIDUCI ÁRIA EM

GARANTIA

A Alienação Fiduciária em Garantia403, conforme já tratado, é

uma forma de Propriedade Fiduciária, que, por sua vez, é forma de Propriedade

Resolúvel. Segundo Pereira404, pode-se conceituar a Alienação Fiduciária em

Garantia como “(...) a transferência, ao credor, do domínio e posse indireta de uma

coisa, independentemente de sua tradição efetiva, em garantia do pagamento de

obrigação a que acede, resolvendo-se o direito do adquirente com a solução da

dívida garantida”.

Para Gomes405, “Alienação fiduciária em garantia é o negócio

jurídico pelo qual o devedor, para garantir o pagamento da dívida, transmite ao

credor a propriedade de um bem, retendo-lhe a posse direta, sob a condição

resolutiva de saldá-la”. Trata-se de “(...) negócio jurídico autônomo, da espécie dos

negócios de garantia, com traços originais, mas espécie pertencente aos contratos

fiduciários”406. Em outra obra, resume o mesmo autor407 se tratar de “(...) negócio

translativo por via do qual o credor adquire, no crédito direto ao consumidor, a

propriedade do bem comprado pelo devedor”.

Nessa espécie de contrato, o credor é adquirente da

402 GONÇALVES, Aderbal da Cunha. Da propriedade resolúvel , São Paulo: Revista dos Tribunais,

1978. p. 256-258. 403 Doravante também chamado simplesmente de Alienação Fiduciária. 404 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil , v. 4. p. 273. 405 GOMES, Orlando. Contratos . 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 459. 406 GOMES, Orlando. Contratos . 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 459. 407 GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970. p.

79.

Page 126: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Propriedade Resolúvel do bem alienado, enquanto que o Devedor-Fiduciante resta

com a posse direta do bem para seu uso e gozo.

Segundo Venosa408 e Bulgarelli409, consiste em instrumento, ou

negócio jurídico que visa à garantia fiduciária, sendo um instituto que tem por

finalidade principal facilitar a aquisição de bens pelo consumidor, garantindo, de

forma mais eficaz, ao financiador, este que fica com a proteção da Propriedade

Resolúvel da coisa financiada durante o período em que a dívida não é quitada.

Assim, o Credor-Fiduciário passa a ser o proprietário de tais bens alienados, mas

esta Propriedade não é plena, mas resolúvel, de forma que, no caso da Alienação

Fiduciária, a causa da extinção da Propriedade Resolúvel é o pagamento integral da

dívida. Aliás, a finalidade da Alienação Fiduciária em Garantia de bens móveis é o

crédito ao consumidor, e não a aquisição. Este instituto passou a ser utilizado em

escala maior, principalmente, para as vendas de aparelhos eletrodomésticos e

Veículos Automotores410 (estes últimos, objeto da presente Tese).

Não há confusão entre o contrato de Alienação Fiduciária em

Garantia com o contrato de compra e venda. Procura-se assegurar a obrigação,

ocorrendo uma transmissão simbólica do bem, continuando o alienante na posse

imediata. Trata-se de constituto possessório, no qual o Credor-Fiduciário passa a ter

a propriedade e posse da coisa, mas não a disponibilidade física, que é conservada

com o alienante (ou Devedor-Fiduciante)411.

Para efeitos desse estudo, no entanto, é importante observar

que não se pode justificar a Alienação Fiduciária como um favor à Sociedade pela

facilitação da aquisição patrimonial, seja de bens móveis, seja de imóveis. Há

Sociedades Empresárias que atuam diretamente com tal atividade, lucrando com a

mesma e, em decorrência desta atividade negocial, ao contratar bens perigosos à

Sociedade, surge o risco criado por tal negociação, risco que, também, deve ser

408 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil : direitos reais, v. 5. p. 550-555. 409 BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis . 9. ed. São Paulo: Atlas, 1997. p. 307-308. 410 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais . 14. ed. Rio de janeiro: Forense, 1996. p.

183. 411 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil : direitos reais, v. 5. p. 556.

Page 127: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

suportado, conforme se buscará comprovar adiante, pelo financiador (Credor-

Fiduciário). Este risco é ainda mais agravado quando o produto negociado tratar-se

de Veículos Automotores de Via Terrestre o que, nos dias atuais, pode ser

considerado um produto perigoso para a Sociedade, caso não seja manuseado

corretamente.

O contrato de Alienação Fiduciária em Garantia possui as

seguintes características412:

a) bilateralidade, gerando obrigações para o Fiduciante e o Fiduciário;

b) onerosidade, beneficiando tanto o Devedor-Fiduciante, sendo para ele um

instrumento creditício, quanto o Credor-Fiduciário, assegurando o negócio ao

adquirente, que passa a ser proprietário resolúvel, além do lucro almejado

nas relações mercantis com tal negócio;

c) acessoriedade, pelo fato de que a existência jurídica do contrato de Alienação

Fiduciária subordina-se à existência da obrigação garantida, seguindo-a;

d) formalidade, haja vista que o contrato de Alienação Fiduciária deve ser

realizado por instrumento escrito, público ou particular.

A Alienação Fiduciária corresponde a uma relação de duas

naturezas, o que a torna um negócio jurídico unitário, objetivamente complexo. A

primeira, de natureza obrigacional, referente à dívida, e outra, de natureza real, em

decorrência da transferência do direito de Propriedade, não sendo esta, no entanto,

definitiva, haja vista que, conforme a doutrina, a alienação possui a finalidade de

garantia, onde o Fiduciário recebe o bem não em caráter definitivo, mas sob a

condição resolutiva de devolução, imediatamente após a quitação da dívida do

Devedor-Fiduciante. Ocorre que, ainda que a transmissão seja feita apenas com a

finalidade de garantia, há a prática de um ato de disposição413.

412 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil , v. 4. p. 274-275. 413 GONÇALVES, Aderbal da Cunha. Da propriedade resolúvel , p. 259-261.

Page 128: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

3.6. NATUREZA JURÍDICA E REQUISITOS DA ALIENAÇÃO FI DUCIÁRIA EM

GARANTIA

Pereira414 entende que a Alienação Fiduciária em Garantia, ao

lado do penhor, da hipoteca e da anticrese, possui a natureza de direito real de

garantia. Este mesmo autor415, um dos elaboradores do Projeto do Código Civil

(atual Lei n º 10.406/2002) leciona que, ao incluir o pacto de fidúcia no ordenamento

jurídico civil brasileiro, buscou-se introduzir o instituto chamado trust dos sistemas do

common law. Adiante, cita Maluf416 as palavras de Pereira:

Este novo contrato, criando ‘direito real de garantia’, implica a transferência, pelo devedor ao credor, da proprieda de e posse indireta do bem , mantida a posse direta com a alienante. É, portanto, um negócio jurídico de alienação , subordinado a uma condição resolutiva. (...) Na sua essência, a alienação fiduciária em garantia abrange dupla declaração de vontade: uma de alienação, pela qual a coisa passa ao domínio do adquirente fiduciário (correspondente a mancipatio ou a in iure cessio de sua fonte romana); outra de retorno da coisa ao domínio livre do devedor alienante (correspondente ao pactum fiduciae). A conditio está ínsita no próprio contrato, qualificando a lei de ‘resolúvel’ a propriedade. A solução da obligatio será o implemento pleno iure da condição. O contrato é bilateral, oneroso e formal. Exige instrumento escrito que se completa pela inscrição no registro de Títulos e Documentos. E somente pode ter por objeto coisa móvel. (sem grifo no original).

Para Venosa417, no entanto, o que passa a ser direito real é a

Propriedade Fiduciária mesma, e não a Alienação Fiduciária em Garantia, ao

ensinar sobre esta última que:

(...) O bem é transferido para fins de garantia. Sob esse aspecto, não se confunde com os direitos reais de garantia do Código, penhor, hipoteca e anticrese, porque nestes existe direito real limitado, enquanto na alienação fiduciária opera-se a transferência do bem. Quem aliena não grava . O devedor fiduciante aliena o bem ao credor. No penhor e na hipoteca, o credor tem direito real sobre a coisa alheia, enquanto na garantia fiduciária

414 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil , v. 4. p. 274. 415 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade . São Paulo: Saraiva, 1997.

p. 156. 416 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade , p. 157. 417 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil : direitos reais, v. 5. p. 553.

Page 129: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

possui direito real sobre a própria coisa. (sem grifo no original).

Martins418 destaca que diversos autores (dentre eles Orlando

Gomes, Nestor José Foster, Osvaldo Opitz e Sílvia C. B. Opitz, José Carlos Moreira

Alves) buscam encontrar a natureza jurídica e a aproximação com outros contratos,

especialmente com a venda com reserva de domínio e o penhor. No entanto, na

Alienação Fiduciária em Garantia, o devedor integra-se efetivamente no domínio da

coisa, mas transfere esse domínio ao Credor Fiduciário para assegurar o

cumprimento do contrato, somente retornando a propriedade do bem alienado após

o pagamento da dívida para com o credor no prazo contratado419. O direito de

propriedade do Credor Fiduciário é tal, que a própria Lei autoriza que o bem integre

o seu patrimônio, mas com a condição, caso não cumprida a obrigação do devedor,

que o bem seja vendido. O produto da venda será destinado a pagar o Credor

Fiduciário, e o saldo, se houver, será entregue ao Devedor Fiduciante420.

Adverte Carvalho421 que reduzir a Alienação Fiduciária a uma

espécie de penhor especial é impossível, salientando que na Alienação Fiduciária

em Garantia mesclam-se o direito obrigacional (relação jurídica de fundo), o direito

real (relação jurídica acessória) e a propriedade sob condição, lembrando institutos

com base na fidúcia, em que o domínio se resolve ao operar-se a cláusula. Portanto,

extrema-se o instituto da Alienação Fiduciária em Garantia do penhor.

Caso não ocorra o cumprimento da obrigação por parte do

Fiduciante, a conseqüência será a consolidação da propriedade do bem alienado ao

Fiduciário422. Importante salientar que para Gomes423 o Fiduciário se torna

verdadeiro proprietário da coisa, somente não adquirindo sobre a mesma o poder

físico, pois o Fiduciante continua na posse do bem alienado.

418 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais , p. 183. 419 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais , p. 184. 420 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais , p. 184. 421 CARVALHO, Milton Paulo de. Ainda a prisão civil em caso de alienação fiduciária: da

desconsideração do depósito, Novos Estudos Jurídicos . Itajaí, n º 12, p. 33-70, abril/2001. 422 GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia, p. 80-81. 423 GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia, p. 81.

Page 130: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Destaca-se, nesse ponto, que a condição do Credor-Fiduciário,

no contrato de Alienação Fiduciária em Garantia é de proprietário, ou melhor, de

Proprietário Resolúvel ou Fiduciário. Mesmo que sua Propriedade se encontre na

situação de resolubilidade, ainda assim essa Propriedade exerce uma Função

Social, pois não há limites constitucionais ou infraconstitucionais dizendo qual

espécie de Propriedade deve atender à Função Social. Entende-se, portanto, que o

bem alienado fiduciariamente, enquanto Propriedade Fiduciária do Credor-

Fiduciário, também tem sua Função Social, condicionando-se aos limites e

responsabilidades inerentes a qualquer espécie de Propriedade.

Pereira424 alerta que, para a verificação dos requisitos da

Alienação Fiduciária em Garantia, há a necessidade de se atentar para a condição

especial da sua destinação econômica e finalidade assecuratória, requisitos estes

analisados a seguir.

3.6.1. Requisitos Subjetivos da Alienação Fiduciári a em Garantia

Quanto aos requisitos subjetivos, na qualidade de sujeito

passivo da Alienação Fiduciária, pode ser alienante (Fiduciante) qualquer pessoa,

física ou jurídica, desde que possua capacidade genérica para o exercício dos atos

civis. O alienante deve ter o domínio da coisa e livre disposição da mesma, não se

exigindo, para a validade do ato, a preexistência da sua titularidade, pois a lei, nesta

modalidade de Propriedade Fiduciária, admite a sua constituição por parte do não-

proprietário, com a condição que venha a sê-lo posteriormente. Assim, a

Propriedade da coisa retrotrai com relação à sua aquisição e aos seus efeitos daí

decorrentes, desde a data do contrato, automaticamente, com a quitação da dívida

por parte do alienante (Devedor-Fiduciante). Para assegurar o cumprimento do

contrato por parte do devedor, poderão ser oferecidas diversas garantias adjuntas

ao contrato de Alienação Fiduciária, a exemplo da fiança, no contrato principal, de

aval em título vinculado ao contrato, bem como outra garantia real, desde que não

estejam incidindo sobre a coisa alienada425.

424 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil ., v. 4. p. 275. 425 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil , v. 4. p. 275.

Page 131: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

A controvérsia, no entanto, reside na qualidade do sujeito ativo

da Alienação Fiduciária em Garantia, ou seja, o titular da Propriedade Resolúvel (ou

Propriedade Fiduciária), o adquirente Credor Fiduciário. Por um lado, é reconhecida

tal possibilidade unicamente às Instituições Financeiras, por estar o negócio

fiduciário, como visto, disciplinado na Lei n º 4.728/65, que disciplinou o mercado de

capitais, principalmente, por dispor que o instituto ingressou no ordenamento jurídico

para atendimento da política de crédito na seara dos valores mobiliários. Por outro

lado, há o entendimento de que tal regulamentação não objetivou um caráter

subjetivo, mas veículo legislativo do aparecimento do instituto da Alienação

Fiduciária em Garantia. Este último é o entendimento de Pereira426. Ensina

Venosa427 que a jurisprudência alargou o entendimento da primeira posição, citando,

inclusive, a Súmula n º 6, do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, a qual

diz o seguinte: “os consórcios de financiamento, regularmente constituídos, podem

efetuar financiamentos mediante a alienação fiduciária de bens em garantia e, por

conseqüência, requerer a busca e apreensão, nos termos do Decreto-lei n º

911/69.”. Entende, ainda, que o instituto pode ser utilizado por qualquer Instituição

Financeira, incluídas nestas as instituições bancárias, e não apenas as sociedades

financeiras em sentido estrito. É também o entendimento de Rizzardo428, o qual

alerta o seguinte:

O que se proíbe aos contratantes não enquadrados na categoria das sociedades de crédito, investimento e financiamento, é o uso do procedimento legal do Dec.-lei 911, restrito a esta classe de pessoas jurídicas. O credor, para valer-se do instituto e consolidar seu domínio com a posse, terá de acionar o devedor com outro tipo de ação, como a de rito ordinário ou de reintegração de posse.

Em posição de vanguarda, diante da Lei n º 10.406/02, entende

Venosa429 que, da forma como a Propriedade Fiduciária de bens móveis foi tratada

pela referida lei, “(...) torna-se evidente que qualquer pessoa poderá valer-se do

instituto de direito material, salvo proibição expressa que venha a ocorrer. (...)”.

426 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil , v. 4. p. 275. 427 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil : direitos reais, v. 5. p. 557. 428 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de crédito bancário . 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2000. p. 388. 429 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil : direitos reais, v. 5. p. 557.

Page 132: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Segundo Fazzio Junior430, o alienante do bem (Devedor

Fiduciante) e a Instituição Financeira (Credora Fiduciária) são as partes no contrato

de Alienação Fiduciária em Garantia, por entender que “Qualquer instituição

financeira lato sensu, entre as quais as entidades bancárias, pode utilizar-se da

alienação fiduciária para garantia dos financiamentos que concede”.

Para Restiffe Neto431, “A condição de proprietário fiduciário, de

que se investe o credor, continua sendo reservada às pessoas que a lei estabelecer

e que, no momento, dentro da conjuntura econômico-jurídica prevalente, só

contempla, por razões compreensíveis, as instituições financeiras autorizadas pelo

Banco Central (RT 401/19, 421/227, 439/134 e 444/210)”. A posição do

doutrinador432 se baseia no fato de que, contrariamente, assistir-se-ia à volta da

agiotagem profissional e à “(...) reabertura oficializada das de tão triste memória

casas de penhor, agora com roupagem nova e sofisticada, de casas de fidúcia. (...)”.

Importante salientar para o fato de que, conforme tem indicado

a doutrina já examinada, somente podem realizar contratos de Alienação Fiduciária

em Garantia as sociedades de crédito, investimento e financiamento autorizadas

pelo Banco Central. Tais sociedades, revestidas que são na forma de Sociedades

Anônimas, conforme o artigo 2o. e seu parágrafo 1o., da Lei n º 6.404/76 (Lei das

Sociedades Anônimas), serão sempre mercantis433. Para Gomes434 as chamadas

“financeiras” (Instituições Financeiras) exercem uma atividade lucrativa ao exercer a

atividade de concessão do crédito para financiamento e aquisição de bens duráveis.

Na dicção da Lei n º 10.406/2002, tais sociedades são modalidades de Sociedades

430 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 556. 431 RESTIFFE NETO, Paulo. Garantia fiduciária , p. 27. 432 RESTIFFE NETO, Paulo. Garantia fiduciária, p. 27. 433 “art. 2o. Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à

ordem pública e aos bons costumes.

Parágrafo 1o. Qualquer que seja o objeto, a companhia é mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio.”

434 GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia, p. 78.

Page 133: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Empresárias435. Por tal motivo, a análise da teoria do Risco, tratada no próximo

capítulo, restringir-se-á às Sociedades Empresárias.

Martins436 lembra que competindo às Instituições Financeiras

“(...) a privatividade das operações de empréstimo de dinheiro (de que o

financiamento ao consumidor que deseja adquirir um bem, mas não possui recursos

suficientes para tal, é uma modalidade), a operação inicial terá sempre a

participação de instituição financeira que será o credor original”. Importante se

atentar para este fato, pois o empréstimo a que se refere é do tipo feito na

modalidade de mútuo oneroso, pois não há o caráter de liberalidade nesse contrato,

mas com finalidade econômica, especulativa , ou seja, com o intuito de

remuneração do capital emprestado. Há lucratividade no contrato por parte do

mutuante. Ora, em se tratando de empréstimo de dinheiro, raramente o mútuo se

apresenta sem esse caráter especulativo ou finalidade lucrativa437. É essa

modalidade de mútuo que passará a ser analisada a seguir.

3.6.2. O empréstimo de dinheiro na Alienação Fiduci ária em Garantia

Conforme se observou, a Alienação Fiduciária em Garantia

consiste numa operação em que, aquele que financia a aquisição de algum bem

(empresta dinheiro), com o escopo de garantia (mas que possui natureza de direito

real), adquire a Propriedade Resolúvel do bem até que o valor do contrato esteja

devidamente quitado. Tais operações somente são realizadas por Instituições

Financeiras autorizadas pelo Banco Central.

Explica Tzirulnik que, em 1959, houve um grande passo para o

desenvolvimento e estruturação do Mercado de Capitais no Brasil, pela Portaria 309,

do Ministério da Fazenda, a qual permitiu que sociedades de crédito, financiamento

435 “art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto

o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e simples, as demais.

Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.”

436 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais , p. 187. 437 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil : Contratos em espécie. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 3.

p. 237.

Page 134: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

e investimento pudessem emitir títulos, cujas taxas de juros pudessem ser livres,

pois os títulos de emissão que eram permitidos eram as letras de câmbio. Tal

consolidação foi maior com a edição da Lei n º 4.728, de 14 de julho de 1965 e, mais

tarde, com a alteração de seu art. 66, pelo Decreto-lei 911 de 01/10/1969438.

O contrato de Empréstimo pode ser realizado em duas

modalidades: o comodato e o Mútuo. O que interessa, para efeitos dessa pesquisa,

é a última modalidade.

O Mútuo, em princípio, é contrato gratuito, porém, quando se

trata de empréstimo pecuniário, a realidade não é essa. É incomum o empréstimo

em dinheiro em que não se exigem juros439. O empréstimo (financiamento) realizado

nos contratos de Alienação Fiduciária em Garantia é realizado onerosamente, ou

seja, há o pagamento de juros sobre o capital emprestado, denominando-se esta

modalidade de Mútuo Feneratício.

Como se observou, compete o empréstimo de dinheiro às

Instituições Financeiras (também denominadas, simplesmente, financeiras),

entendendo o artigo 17, da Lei n º 4.595/64440:

Art. 17 . Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a (1) coleta, (2) intermediação ou (3) aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a (4) custódia de valor de propriedade de terceiros.

Essas, por sua vez, escudadas que estão pela lei de Mercado

de Capitais (Lei n º 4.595/64), excluem-se do sistema de juros do Código Civil e da

Lei de Usura, podendo os bancos e atividades congêneres (sujeitos prestadores de

capital nestas condições) praticar juros acima daqueles permitidos pelas respectivas

438 TZIRULNIK, Luiz. Intervenção e liquidação extrajudicial das institui ções financeiras . 2. ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 24. 439 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil : Contratos em espécie, v. 3. p. 237. 440 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa . São Paulo: Saraiva, 2004. v. 3. p. 656.

Page 135: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

leis441. Conforme dispõe a Súmula 596, do Supremo Tribunal Federal:

As disposições do Decreto n º 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o Sistema Financeiro Nacional.

Atente-se para o fato de que, além dos juros praticados pelas

Instituições Financeiras prestadoras de capital, tais instituições atingem lucros com a

inserção de outros valores ao crédito efetivamente emprestado. Neste sentido,

ensina Venosa442:

Como decorrência da inflação, as instituições financeiras estabeleceram ainda, com beneplácito de órgãos oficiais, outras taxas incidentes sobre financiamentos e débitos, mascaradas sob a denominação de comissão de permanência, juros remuneratórios e outras. Essas parcelas embutem índices totais ou parciais de inflação. São estratagemas utilizados pelas instituições, a fim de aumentar as taxas de juros já elevadas e a remuneração de capital.

Também, importante salientar que, por se tratar de atividade de

financiamento própria de Instituições Financeiras, os contratos de Alienação

Fiduciária em Garantia possuem natureza mercantil, haja vista que as financeiras

são sociedades mercantis443 (ou Sociedades Empresárias444, de acordo com a nova

dicção da Lei n º 10.406/2002), o que aumenta sua responsabilidade diante do risco

da atividade econômica inerente à criação de qualquer Sociedade Empresária.

Os lucros angariados com o empréstimo de capital pelas

Instituições Financeiras, com o financiamento das atividades de Alienação Fiduciária

em Garantia, principalmente de bens considerados perigosos, como os Veículos

Automotores, estão inseridos no mesmo contexto. Neste sentido, ensina Gomes445

que, “Concedido por sociedades constituídas para o fim específico de financiar a

aquisição de bens duráveis, exercem as chamadas financeiras uma atividade 441 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil : Contratos em espécie, v. 3. p. 241-242. 442 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil : Contratos em espécie, v. 3. p. 242. 443 FRANÇA, Pedro Arruda. Contratos atípicos . 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 231. 444 Aqui entendida como “(...) o contrato celebrado entre pessoas físicas ou jurídicas, ou somente entre pessoas físicas (art. 1.039), por meio do qual estas se obrigam reciprocamente a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços”, in NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa . 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 235. 445 GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia, p. 78.

Page 136: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

lucrativa. Acrescem a dívida, deste modo, de juros e comissões, além de estipularem

a correção monetária, que constitui atrativo para os investidores. (...)”.

Daí se infere que, por se transferir a Propriedade do bem

objeto da Alienação Fiduciária em Garantia, por meio de contrato que envolve um

bem considerado perigoso (Veículo Automotor) ao Mutuante (Credor Fiduciário);

pelo fato de que esta Propriedade possui uma Função Social; diante do lucro

auferido pelo Mutuante (Credor Fiduciário) com a operação de empréstimo e diante

do princípio segundo o qual aquele que lucra com uma situação deve responder pelo

risco ou pelas desvantagens dela resultantes, buscar-se-á demonstrar e propor a

responsabilidade solidária do Credor Fiduciário com o Devedor Fiduciante, diante da

Responsabilidade Civil Subjetiva deste, no decorrer do estudo, objetivando

assegurar a dignidade da vítima para o recebimento da indenização que, por direito,

lhe pertence.

3.6.3. Requisitos objetivos da Alienação Fiduciária em Garantia

Referentemente ao objeto da Alienação Fiduciária em Garantia

(espécie de Propriedade Fiduciária), o artigo 66446, da Lei 4.728/65, estabelecia que

somente era cabível o instituto no que dizia respeito a bens móveis, certos e

duráveis, não se aplicando a referida legislação aos bens imóveis. Pereira447

entende, a respeito, que, fora do mecanismo de execução estabelecido na

legislação especial da Alienação Fiduciária, pode comportar a coisa imóvel, na

mesma forma como os tribunais brasileiros já admitiam anteriormente à Lei n º

4.728. Isto, hoje, já é pacífico, haja vista a edição da Lei n º 9.514/97. Também a Lei

n º 10.931/04, em seu artigo 67448, ao revogar o artigo 66, da Lei n º 4.728/65, e no

artigo 58, da Lei n º 10.931/04, ao acrescentar à Lei n º 10.406/04 o artigo 1.368-

446 “Art. 66. A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição, efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal” (sem grifo no original). 447 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil , v. 4. p. 276. 448 “Art. 67. Ficam revogadas as Medidas Provisórias n º 2.160-25, de 23 de agosto de 2001, 2.221, de 4 de setembro de 2001, e 2.223, de 4 de setembro de 2001, e os arts. 66 e 66-A da Lei n º 4.728, de 14 de julho de 1.965 ” (sem grifo no original).

Page 137: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

A449, remete à Lei 9.514/97, que trata da Alienação Fiduciária em Garantia de bens

imóveis, o que torna o instituto aplicável aos bens imóveis.

Também, entende-se possível, a Alienação Fiduciária de bens

fungíveis e consumíveis, o que acarreta dificuldades práticas, sendo obstado pela

jurisprudência tal possibilidade de extensão, no que diz respeito ao objeto450. No

entanto, a Lei n º 10.931/04, ao alterar, com seu artigo 55, a Seção XIV, da Lei n º

4.728, de 14 de julho de 1965, passou a dispor, no artigo 66-B, § 3o, desta última

Lei451, a possibilidade de Alienação Fiduciária de bens fungíveis.

3.6.4. Requisitos formais

Quanto aos requisitos formais da Alienação Fiduciária,

ressalte-se o caráter de negócio jurídico formal desta, pois exige instrumento público

ou particular escrito, a ser registrado no Registro de Títulos e Documentos do

domicílio do devedor, ou, caso se trate de veículos, na repartição competente,

fazendo-se a anotação no certificado de registro. Deve constar, neste instrumento, a

estimativa ou a menção total da dívida; prazo ou época do pagamento, taxa de juros,

se houver; descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos

indispensáveis à sua identificação, de forma que, na sua omissão, cumpre ao

adquirente o ônus probatório da identidade da coisa de seu domínio que esteja em

poder do devedor (artigos 1.361 e 1.362, do Código Civil); também se exige a

cláusula penal, índice de atualização monetária, se houver, e demais comissões e

encargos (artigo 66-B, caput, da Lei 4.728/65).

449 “Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial”. 450 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil : direitos reais, v. 5. p. 557-558. 451 “Art. 66-B. (...) § 3o. É admitida a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, hipóteses em que, salvo disposição em contrário, a posse direta e indireta do bem objeto da propriedade fiduciária ou do título representativo do direito ou do crédito é atribuída ao credor, que, em caso de inadimplemento ou mora da obrigação garantida, poderá vender a terceiros o bem objeto da propriedade fiduciária independentemente de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, devendo aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da realização da garantia, entregando ao devedor o saldo, se houver, acompanhado do demonstrativo da operação realizada” (sem grifo no original).

Page 138: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

O objetivo do instrumento por escrito reside no fato de que,

sem o mesmo, não há possibilidade de arquivamento do Registro de Títulos e

Documentos para que valha contra terceiros. Pereira452 ensina que “(...) se a

alienação fiduciária não for oponível a terceiros não transmite a propriedade, uma

vez que é da essência desta a oponibilidade erga omnes (...)”.

O arquivamento do instrumento no Registro de Títulos e

Documentos, por cópia ou microfilmagem, completa o segundo requisito formal do

ato, dando-lhe a devida publicidade, surgindo, daí, um duplo efeito: a) validar o ato

contra terceiros, caracterizando a Propriedade da coisa transmitida a título de fiducia

ao credor; b) dar conhecimento a terceiros da garantia, a fim de proteger aquele que

tratar com o devedor, pois permitirá que o mesmo saiba da alienação da coisa e,

ainda que o devedor esteja na posse da mesma, saiba que esta não lhe pertence

por pender condição resolutiva453.

Caso o instrumento do negócio fiduciário não esteja revestido

da publicidade necessária, haverá mero direito de crédito, sem que haja a proteção

de execução direta e de oponibilidade do contrato perante terceiros.

Adiante serão tratados os deveres do Fiduciante e do

Fiduciário, apresentando-se, inicialmente, como eram tais deveres antes da entrada

em vigor da Lei n º 10.931/04. Após, tratar-se-á, especificamente, sobre as

alterações da referida Lei no instituto da Alienação Fiduciária em Garantia.

3.7. DEVERES DO FIDUCIANTE (DEVEDOR OU ALIENANTE)

Em função da bilateralidade do contrato, há obrigações para o

Credor e Devedor, gerando, concomitantemente, direitos e obrigações a ambas as

partes. Assim, os deveres do Devedor serão os direitos do Credor e vice-versa.

Na qualidade de Devedor, as principais obrigações do mesmo

incumbem na conservação e restituição da coisa, bem como no pagamento integral 452 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil , v. 4. p. 276-277. 453 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil , v. 4. p. 277.

Page 139: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

do débito, com os seus acessórios (juros, comissões, correção monetária). Desse

modo, o pagamento pode ser realizado em prestação única, ou a prazo. Essa última

modalidade é mais comum, haja vista garantir o financiamento de vendas realizadas

diretamente ao consumidor, o que faz com que, na hipótese de inadimplemento,

sujeite-se o Devedor à execução da garantia.

Conforme retratado, utiliza-se da forma do constituto

possessório para efeitos da Alienação Fiduciária em Garantia. Deste modo, ao

Credor é transferida a Propriedade da coisa e o Devedor, na condição de possuidor

direto da mesma, tem a obrigação de manutenção e conservação do bem em seu

poder, na qualidade de depositário. Deve, ainda, o Devedor permitir ao Credor a

fiscalização do estado do bem em qualquer tempo.

O Devedor não tem a disposição do bem a qualquer título,

enquanto pender a Alienação Fiduciária, haja vista que a coisa não é sua, pois a

Propriedade da mesma foi transmitida ao Credor sob condição resolutiva, investindo-

se o Devedor-Fiduciante no direito eventual de reavê-la somente com o

cumprimento do contrato454. Caso o Devedor não venha a entregar o bem ao

Credor, havendo descumprimento contratual, incorrerá nas sanções impostas ao

depositário infiel, ou seja, à pena de prisão455. Aqui reside um dos maiores entraves

da Alienação Fiduciária: a possibilidade de prisão. Pereira456 entende ser cabível a

prisão, haja vista que esta sanção prisional é garantia efetiva para o Credor, pois,

restando o bem com o Devedor, este pode desviá-la e frustrar a segurança

contratual, impondo-se a prisão como uma sanção rigorosa. Fachin457 retrata uma

importante visão sobre o tema da prisão do Devedor na Alienação Fiduciária vista

pelos tribunais brasileiros, ensinando que, muitos julgados têm buscado um

compromisso maior com a questão principiológica no Direito, afastando o

individualismo patrimonial e deslocando a tutela jurídica patrimonial para a proteção

da pessoa humana. Defendem tais julgados, com isso, que o direito à liberdade

consiste em um direito muito maior do que o direito patrimonial, não se impondo a

454 GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia, p. 91. 455 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil , v. 4. p. 278. 456 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil , v. 4. p. 278. 457 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo , p. 77.

Page 140: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

sanção prisional ao depositário nos contratos de Alienação Fiduciária em

Garantia458. Nessa linha de pensamento, ilustra-se com a seguinte jurisprudência:

Ação de busca e apreensão convertida em ação de depósito. Alienação fiduciária. Prisão civil. A prisão civil do depositário infiel decorre da norma constitucional, mas somente aplicável nos casos de depósitos regulares, para a guarda de bens, nos termos do Código Civil. Não pode o devedor comprometer sua liberdade como garantia de seus débitos. A liberdade é um bem da vida insubstituível e não poderá ser aferida patrimonialmente, na esfera civil. Não estão mais condizentes com os princípios atuais do respeito à dignidade da pessoa humana as normas constantes no Decreto-Lei 911/69, editadas pelo legislador monocrático, em período excepcional, sem valorar devidamente a liberdade, colocando-se o interesse setorial acima de direito consagrado universalmente. Apelo provido em parte. (APC n. 196211312, 3a Câm. Cív., TARGS. Rel. Des. Aldo Ayres Torres, Julgado em 05/03/1997).

Atualmente, no entanto, encontra-se pacificado no STJ o

entendimento segundo o qual é incabível a prisão civil em casos de Alienação

Fiduciária em Garantia, pois, “Consoante entendimento do Supremo Tribunal

Federal, comungado por este Tribunal Superior, a prisão civil do depositário infiel é

inconstitucional, em qualquer modalidade, podendo a segregação civil por dívida se

dar, apenas, nos casos de inadimplemento voluntário e inescusável de pensão

alimentícia. Incidência da Súmula Vinculante nº 25 do STF.”459. A Súmula Vinculante

n. 25 determina que “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a

modalidade do depósito”.

Havia, portanto, controvérsias em torno do assunto, porém, o

quadro acima é meramente ilustrativo, vez que não influi diretamente no objetivo

desta pesquisa, senão pela visão em que mostra prevalecer os princípios

constitucionais que se referem à repersonalização, em contraposição ao

individualismo patrimonial até então existente.

Estabelecia o artigo 66, da Lei n º 4.728, de 14/07/1965 (que 458 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo , p. 77. 459 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 191.397/SP, Rel. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador Convocado do TJ/RS, Terceira Turma, julgado em 03/05/2011, DJe 05/05/2011). Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=aliena%E7%E3o+fiduci%E1ria+pris%E3o&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1#, acesso em 01 fev. 2012.

Page 141: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento):

Art. 66. A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição, efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositá rio com todas as responsabilidades e encargos que lhe incum bem de acordo com a lei civil e penal (grifado).

Tal artigo, como observado anteriormente, foi revogado pela

Lei n º 10.931/04, sendo que as alterações ocorridas com a referida Lei serão

tratadas a seguir.

Nesse sentido, esclarece Gomes460 que, embora a lei (na

vigência do artigo 66, acima, revogado), atribuísse ao Fiduciante a condição de

depositário do bem alienado pelo mesmo, fiduciariamente, “(...) a posse direta é

constituída por força de obrigação, muito embora se realize pelo constituto

possessório e corresponda a um direito eventual de propriedade.”. Ora, se o

Fiduciante tem um “direito eventual de propriedade”, foi porque o Fiduciário adquiriu

a posição de proprietário do bem, não se podendo equiparar a Alienação Fiduciária

em Garantia a um mero penhor ou hipoteca, vez que nestes institutos não ocorre a

transmissão da Propriedade. A título de ilustração dessas ideias, observe-se a

seguinte decisão461:

(...) Súmula 83/STJ: o acórdão arestado está alinhado à jurisprudência deste STJ segundo a qual "O bem objeto de alienação fiduciária, que passa a pertencer à esfera patrimonial do credo r fiduciário, não pode ser objeto de penhora no processo de execu ção, porquanto o domínio da coisa já não pertence ao exe cutado, mas a um terceiro, alheio à relação jurídica " (REsp .916782/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 21/10/2008).

Ainda, conforme o artigo 66, da Lei n º 4.728, de 14/07/1965,

acima citado, cumpria ao Devedor a satisfação do dever de indenizar decorrente de

460 GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia, p. 82, sem grifo no original. 461 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag 568.008/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 04/05/2009. Disponível em http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=penhora+aliena%E7%E3o+fiduci%E1ria&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=3#, acesso em 01 fev. 2012.

Page 142: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Responsabilidade Civil. Manifestando-se sobre a Responsabilidade Civil do

Fiduciante, ensina Restiffe Neto462 que tal responsabilidade (por indenizações

decorrentes de atos ilícitos, danos materiais ou pessoais causados a terceiros) é

atribuída não ao Proprietário Fiduciário, mas ao fiduciante. Marmitt463, neste

entendimento, justifica o seguinte: “(...) Se assim não fosse, ter-se-ia de admitir a

responsabilidade civil do proprietário fiduciário perante terceiros, com direito

regressivo contra o fiduciante, e nunca a responsabilidade direta e exclusiva deste, o

que seria um absurdo, além de colocar em risco o sistema de financiamento

estabelecido de acordo com a lei de mercado de capitais, colocado no instituto da

propriedade fiduciária em garantia (...)”.

Este é o ponto-chave do presente estudo, no intuito de

demonstrar que, diante de certos princípios constitucionais e da teoria do Risco das

Sociedades Empresárias que realizam contratos de Alienação Fiduciária em

Garantia, especialmente envolvendo Veículos Automotores, a responsabilidade deve

ser estendida ao Proprietário Fiduciário.

A proposta da presente Tese é inserida no papel corretivo da

Política Jurídica, que busca mediar a Política e o Direito, influenciando-os

reciprocamente nas mudanças sociais desejáveis464. Esse papel corretivo possui

três dimensões: epistemológica, ideológica e operacional. Dentre as três dimensões,

a Tese se concentrará na dimensão operacional, ou seja, do agir, realizando uma

idéia, um desejo465, especialmente à tarefa de produção do Direito Positivo. Daí a

necessidade de reformulação da legislação vigente, para que esteja de acordo com

os anseios da Sociedade na qual está inserida.

No entanto, independentemente de legislação específica, há a

possibilidade de se aplicar a responsabilidade civil do Proprietário Fiduciário pelos

danos causados, haja vista, inclusive, entendimentos atuais dos próprios Tribunais

462 RESTIFFE NETO, Paulo. Garantia fiduciária , p. 159-160. 463 MARMITT, Arnaldo. Responsabilidade civil nos acidentes de automóvel. Rio de Janeiro: AIDE,

1986. p. 98. 464 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito , p. 70-71. 465 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito , p. 71.

Page 143: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

brasileiros que encaram uma visão social do direito de Propriedade.

Nesse sentido, observe-se o seguinte aresto da ementa

proferida no Recurso Especial n. 1.044.527-MG, no qual houve a responsabilidade

do proprietário de Veículo Automotor por atos envolvendo terceiro que utilizou o

veículo e ocasionou o acidente466:

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. VÍTIMA FATAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO. AÇÃO PROPOSTA POR FILHO E PAIS DA VÍTIMA. REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. CABIMENTO. COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. MAJORAÇÃO. (...)

3. O proprietário do veículo que o empresta a terceiro responde por danos causados pelo seu uso culposo. A culpa do proprietário configura-se em razão da escolha impertinente da pessoa a conduzir seu carro ou da negligência em permitir que terceiros, sem sua autorização, utilizem o veículo. (...)

No caso acima, como visto, houve mero empréstimo do

veículo por parte do proprietário do mesmo a terceiro. Veja-se que, ainda que o

titular do veículo automotor não tivesse nenhuma vantagem (pois o empréstimo,

aqui, foi na qualidade de comodato, que é gratuito), ainda assim houve

responsabilidade do proprietário.

Ora, se em contrato gratuito há essa responsabilidade, o que

se dizer, então, de um contrato em que o proprietário (aqui, fiduciário), tem lucro

com a entrega do bem a terceiro. Aqui, sim, a responsabilidade do proprietário pode

ser aplicada de forma direta, não só pelo simples fato de ser proprietário da coisa,

mas porque lucra com tal atividade. É essa, portanto, a centralização da presente

Tese.

Tais, portanto, os principais deveres do Devedor-Fiduciante e

direitos do Credor-Fiduciário. Passa-se, agora, ao estudo dos Deveres do Credor-

466 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.044.527-MG, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 27/09/2011. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/revista/abreDocumento.jsp?componente=COL&sequencial=17944804&formato=PDF, acesso em 01 fev. 2012, sem grifo no original.

Page 144: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Fiduciário, consistentes, nos direitos do Devedor-Fiduciante.

3.8. DEVERES DO FIDUCIÁRIO (CREDOR OU ADQUIRENTE)

O Adquirente da coisa alienada (Fiduciário) tem a obrigação de

propiciar o financiamento para aquisição do bem, ou a entrega da mercadoria, caso

a garantia fiduciária seja estipulada com o fornecedor do produto alienado. Deve

respeitar também o Alienante com relação ao direito de uso regular da coisa, não

podendo se apropriar da coisa alienada (vez que a cláusula comissória é nula), nem

molestar a posse direta do bem467.

Caso inadimplida a obrigação por parte do Devedor, cumpre ao

Credor a constituição em mora do Devedor, a qual não decorre simplesmente do

vencimento do prazo, exigindo-se o protesto do título ou carta registrada, expedida

pelo Cartório de Títulos e Documentos. Realizado tal procedimento, segundo as

disposições do art. 3o, do Decreto-Lei n º 911/69 (modificado pela Lei n º 10.931/04),

havia duas possibilidades ao Credor: a) utilizar-se da busca e apreensão do bem

alienado; b) com o despacho da inicial, tendo sido executada a apreensão liminar da

coisa, o devedor era citado para apresentar contestação em três dias (a contestação

restringia-se à alegação de pagamento do débito vencido, ou exato cumprimento

das obrigações decorrentes do contrato). Caso já tivesse pago 40% (quarenta por

cento) do preço financiado, poderia o mesmo requerer purgação da mora, fixando o

juiz data para a efetivação do pagamento, em prazo não superior a dez dias,

enviando os autos ao contador para cálculo468.

Se o Devedor contestasse, ou não contestasse, ou não

purgasse a mora, sentenciaria o magistrado em cinco dias, em seguida ao prazo de

resposta do réu, independentemente de avaliação do bem. Desta sentença cabia o

recurso de agravo, com efeito devolutivo, restando a posse e propriedade do bem

consolidadas ao Credor, sendo vendida a coisa alienada para terceiro, judicial ou

extrajudicialmente e, após saldado o débito, com o principal e acessórios, haveria

467 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil , v. 4. p. 278-279. 468 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil , v. 4. p. 279-280.

Page 145: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

restituição do saldo pelo Credor, se houvesse, ao Devedor.

Embora modificado o Decreto-Lei n º 911/69 pela Lei n º

10.931/04, as disposições a seguir continuam em vigor com as alterações da

referida norma.

Caso não tenha sido encontrado o bem alienado, o Credor

pode ingressar com ação de depósito, citando o réu para apresentar a coisa no

prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de prisão (o impasse foi já retratado

no item anterior, relativamente à prisão civil do Devedor).

Porém, uma vez adimplida a obrigação do Devedor, o Credor

tem o dever de restituir àquele a Propriedade do bem. Caso o Credor se recuse a

devolver o bem ao Devedor, ou dar quitação, este pode promover contra o Credor a

ação de consignação em pagamento, recuperando a Propriedade do bem com a

sentença, que valerá como título liberatório. Além disso, a recusa por parte do

Credor pode ensejar o ressarcimento deste ao Devedor, de perdas e danos469.

Não desejando apreender a coisa, poderá o Credor ingressar

com procedimento executório contra o Devedor (podendo incidir a penhora em

qualquer bem seu) e/ou seus garantes (os quais se sub-rogam, na hipótese de

pagamento da dívida, na qualidade de Credores).

3.9. ALTERAÇÕES DA LEI N º 10.931 NA ALIENAÇÃO FIDU CIÁRIA EM

GARANTIA

Com o advento da Lei n º 10.931, de 02 de agosto de 2004470,

houve uma alteração substancial no que diz respeito à Alienação Fiduciária em

Garantia. Essa lei, em especial para efeitos da presente Tese, influenciou na

observação de uma das variáveis do projeto, pois revogou especificamente os 469 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil , v. 4. p. 278-279. 470 Que dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Bancário, altera o Decreto-Lei n º 911, de 1o. de outubro de 1969, as Leis n º 4.591, de 16 de dezembro de 1964, n º 4.728, de 14 de julho de 1965, e n º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, e dá outras providências, in https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L10.931.htm

Page 146: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

artigos 66 e 66-A, da Lei n º 4.728/65, que tratavam da Responsabilidade Civil na

Alienação Fiduciária em Garantia.

No entanto, a revogação dos artigos 66 e 66-A, conforme se

poderá observar adiante, favorece a proposta dessa Tese, reforçando a necessidade

de Responsabilidade Civil do Credor-Fiduciário.

3.9.1 Alterações da Lei n º 10.931, de 2 de agosto de 2004 na Lei n º 4.728/65

Primeiramente, houve, por disposição do artigo 67, da Lei n º

10.931/2004, revogação dos artigos 66 e 66-A, da Lei n º 4.728, de 14 de julho de

1965 (Lei que disciplina o mercado de capitais), artigos estes que se referiam,

explicitamente, à Alienação Fiduciária em Garantia. Com a revogação, passa a ser

disciplinada a Alienação Fiduciária em Garantia pelo artigo 66-B, criado pela Lei n º

10.931/2004.

O caput do art. 66, da Lei 4.728/65, tratava, entre outras

coisas, da Responsabilidade Civil na Alienação Fiduciária em Garantia, com a

seguinte redação:

Art. 66 . A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição, efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que incumbem de acordo com a lei civil e penal.

Com a revogação do referido artigo, não se tratou mais sobre a

Responsabilidade Civil, mas, conforme se poderá observar a seguir, ainda há

manifestação no sentido de atribuir ao Credor-Fiduciário a qualidade de Proprietário

Fiduciário. Conseqüentemente, há necessidade de que essa espécie de Propriedade

Fiduciária exerça sua Função Social, possibilitando-se a Responsabilidade Civil

solidária do Proprietário Fiduciário.

Segundo a nova disposição legal (art. 66-B), no que diz

respeito às questões objetivas, os contratos de Alienação Fiduciária celebrados no

Page 147: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

âmbito do mercado financeiro e de capitais, bem como em garantia de créditos

fiscais e previdenciários, além dos requisitos definidos na Lei n º 10.406, de 10 de

janeiro de 2002 (Código Civil)471, deverão conter a taxa de juros, a cláusula penal, o

índice de atualização monetária, se houver, e as demais comissões e encargos.

Conforme tal disposição, se o objeto de Propriedade Fiduciária

não se identificar por números, marcas e sinais no contrato de Alienação Fiduciária,

incumbe ao próprio Proprietário Fiduciário o ônus da prova da identificação dos bens

de seu domínio, que se encontram em poder do devedor, para ser alegado contra

terceiros (art. 66-B, § 1o).

Caso o devedor venha a alienar, ou dar em garantia a terceiros

algum bem que já tenha alienado fiduciariamente em garantia, tal ocorrência

implicará a aplicação da sanção prevista na legislação penal na qualidade de

disposição de coisa alheia como própria (artigo 171, § 2o, I, do Código Penal472).

Este dispositivo configura, de forma elementar, a qualidade de Proprietário do

Credor-Fiduciário, o que reforça ainda mais a sua responsabilidade nos termos da

presente Tese.

Admite-se, ainda, a Alienação Fiduciária de coisa fungível, bem

como a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis e de títulos de crédito. Em

tais situações, salvo disposição contrária, atribui-se ao credor a posse direta e

indireta da coisa objeto da Propriedade Fiduciária ou do título representativo do

direito ou crédito, de forma que o credor poderá vender tal bem a terceiros,

independentemente de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ou

471 “Artigo 1.362. O contrato, que serve de título à propriedade fiduciária, conterá: I- o total da dívida, ou sua estimativa; II- o prazo, ou a época do pagamento; III- a taxa de juros, se houver; IV- a descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos indispensáveis à sua identificação.” 472 “Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa. § 1o. Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2o. § 2o. Nas mesmas penas incorre quem: I – vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou garantia coisa alheia como própria .” (grifado).

Page 148: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

extrajudicial, em situações de inadimplemento ou mora da obrigação garantida. No

entanto, deverá aplicar o preço da alienação no pagamento do crédito que tem e das

despesas para a realização da garantia, entregando, caso houver, o saldo ao

devedor, com o acompanhamento do demonstrativo da operação feita (artigo 66-B, §

3o, da Lei n º 4.728/65).

Na Alienação Fiduciária em Garantia, o pagamento por parte

do Devedor-Fiduciante de uma ou mais prestações da dívida não implica

exoneração correspondente da garantia, mesmo que tal garantia compreenda vários

bens, salvo disposição contrária no título ou na quitação (artigo, 66-B, § 5o, da Lei n º

4.728/65).

Considera-se vencida a dívida, na Alienação Fiduciária em

Garantia, não se computando os juros correspondentes ao tempo ainda não

decorrido (artigo, 66-B, § 5o, da Lei n º 4.728/65):

a) se houver desfalque da coisa dada em garantia por deterioração (hipótese em

que haverá sub-rogação do Credor na indenização do seguro, ou no ressarcimento

do dano), ou depreciação, e o devedor não a reforçar ou substituir, caso intimado;

b) se cair o devedor em insolvência ou falência;

c) se não forem pagas pontualmente as prestações, caso se estipular dessa forma o

pagamento, ocorrerá a renúncia do credor ao direito de execução imediata e o

recebimento posterior da prestação em atraso;

d) se o bem dado em garantia perecer e não for substituído, vencendo-se

antecipadamente a Alienação Fiduciária em Garantia se o perecimento recair sobre

o bem garantido, não abrangendo outros bens dados em garantia; subsistindo, no

caso contrário, a dívida reduzida, com a respectiva garantia sobre os demais bens,

não destruídos;

e) se houver desapropriação do bem dado em garantia, depositando-se a parte do

preço necessária para o integral pagamento do credor, vencendo-se

antecipadamente a Alienação Fiduciária em Garantia se a desapropriação recair

sobre o bem garantido, não abrangendo outros bens dados em garantia; subsistindo,

no caso contrário, a dívida reduzida, com a respectiva garantia sobre os demais

bens, não desapropriados.

Page 149: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Obriga-se o Credor-Fiduciário (artigo, 66-B, § 5o, da Lei n º

4.728/65):

a) a guardar a coisa na qualidade de depositário, ressarcindo a perda ou

deterioração em que for considerado culpado, podendo-se compensar a dívida até a

concorrente quantia, a importância da responsabilidade.

b) a defender a posse da coisa alienada fiduciariamente, cientificando-se o Devedor-

Fiduciante das circunstâncias que necessitem o exercício de ação possessória;

c) a imputar nas despesas de guarda e conservação, o valor dos frutos que se

apropriar, nos juros e no capital da obrigação garantida, sucessivamente;

d) a restituir a coisa alienada fiduciariamente, com seus frutos e acessões, quando

liquidada a dívida;

e) a entregar ao Devedor-Fiduciante o que sobrar da venda, pagando a dívida,

quando promovida a execução judicial ou venda amigável do bem alienado

fiduciariamente (caso autorize expressamente o contrato, ou com autorização do

Devedor por procuração).

Consideram-se causas de extinção da Alienação Fiduciária em

Garantia (artigo, 66-B, § 5o, da Lei n º 4.728/65):

a) a extinção da obrigação;

b) o perecimento da coisa;

c) a renúncia do Credor-Fiduciário, presumindo-se tal renúncia se o Credor consentir

na venda particular do bem alienado fiduciariamente, sem reserva de preço, quando

restituir sua posse ao devedor ou anuindo à substituição por outra garantia;

d) a confusão das qualidades de Credor e dono da coisa na mesma pessoa e,

operando-se a confusão somente quanto a parte da dívida decorrente da Alienação

Fiduciária em Garantia, persiste inteira a alienação respectiva quanto ao restante;

e) ocorrendo a adjudicação judicial, remissão ou venda da coisa alienada

fiduciariamente, pelo Credor-Fiduciário ou autorizada por ele.

Não se admite, na Alienação Fiduciária em Garantia, o direito

de o depositário reter o depósito até que se lhe pague a retribuição devida, o líquido

valor das despesas, ou dos prejuízos decorrentes das despesas feitas com a coisa e

dos que provierem do depósito, ainda que provando imediatamente esses prejuízos

ou despesas (artigo, 66-B, § 6o, da Lei n º 4.728/65) .

Page 150: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

3.9.2 Alterações da Lei n º 10.931, de 2 de agosto de 2004 no Decreto-Lei nº

911/69

Também devido à determinação da Lei 10.931/04, foram

alterados dispositivos relativos ao Decreto-Lei n º 911/69 (Decreto que estabelece

normas de processo sobre Alienação Fiduciária), relativamente a dois artigos: artigo

3o (com a alteração e acréscimo de alguns parágrafos), e artigo 8o (este com o

acréscimo do artigo 8o – A).

O artigo 3o, do Decreto-Lei 911/69 estabelece, em seu caput,

que “O proprietário fiduciário ou credor poderá requerer contra o devedor ou terceiro a

busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente,

desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor”.

A busca e apreensão referida se trata de processo autônomo e

independente de posterior procedimento (parágrafo 8o, do Decreto-Lei 911/69), o

que significa ser medida satisfativa, não havendo dependência de outra ação

principal.

Determina o parágrafo 1o, do Decreto-Lei 911/69, que, nos 5

(cinco) dias após a execução da liminar acima mencionada, consolidar-se-ão a

propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário,

“cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado

de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre

do ônus da propriedade fiduciária”.

O parágrafo 2o, do art. 3o, da Lei 911/69 (modificado pela Lei

10.931/04), determina que, no prazo de 5 (cinco) dias indicado acima (no parágrafo

1o, do art. 3o), o Devedor-Fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida

pendente, conforme os valores que o Credor-Fiduciário apresentar na petição inicial,

sendo que, em caso de pagamento, o bem lhe será entregue sem qualquer ônus.

Este parágrafo alterou profundamente o Decreto-Lei em questão, pois, antes da

substituição deste parágrafo, após o despacho da inicial e da execução da liminar, o

Page 151: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

réu tinha a possibilidade de, após citado, em 3 (três) dias contestar o pedido, ou,

caso já tivesse pago 40% (quarenta por cento) do preço financiado, requerer a

purgação da mora. Também a nova lei (10.931/04) alterou o prazo para a

apresentação da contestação pelo Devedor-Fiduciante, de 3 (três) para 15 (quinze)

dias, da execução da liminar (parágrafo 3o, do Decreto-Lei 911/69), cabendo

apelação unicamente no efeito devolutivo, da sentença (parágrafo 4o, do Decreto-Lei

911/69). Conforme a nova disposição legal, mesmo que o devedor tenha pago a

totalidade da dívida pendente no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar,

poderá apresentar o Devedor-Fiduciante sua resposta, caso entenda haver

pagamento a maior, desejando, assim, a restituição (parágrafo 4o, do Decreto-Lei

911/69).

Caso a sentença tenha decretado a improcedência da ação de

busca e apreensão, o Credor-Fiduciário será condenado ao pagamento de multa

equivalente a 50% (cinqüenta por cento) do valor originalmente financiado,

atualizado, em favor do Devedor-Fiduciante, se o bem já tenha sido alienado (art. 3o,

parágrafo 6o, do Decreto-Lei 911/69). Tal multa não exclui a responsabilidade do

Credor-Fiduciário por perdas e danos (parágrafo 7o, art. 3o, do Decreto-Lei 911/69).

Outro artigo do Decreto-Lei 911/69 que sofreu acréscimo foi o

artigo 8o, pelo artigo 8 º -A, que assim determina:

“Art. 8o – A. O procedimento judicial disposto neste Decreto-Lei aplica-se exclusivamente às hipóteses da Seção XIV da Lei n º 4.728, de 14 de julho de 1965, ou quando o ônus da propriedade fiduciária tiver sido constituído para fins de garantia de débito fiscal ou previdenciário”.

A Seção XIV da Lei 4.728/65 é a seção que trata da Alienação

Fiduciária em Garantia, que correspondia aos artigos 66 e 66-A, os quais foram

revogados e substituídos pelo artigo 66-B, anteriormente referido.

3.9.3 Alterações da Lei n º 10.931, de 2 de agosto de 2004 na Lei n º 10.406/02

(Código Civil)

Ainda, relativamente às mudanças ocasionadas pela Lei n º

10.931/04, há a determinação do artigo 58, desta Lei, que acresce o artigo 1.368-A

ao artigo 1.368, do Código Civil (Lei n º 10.406/02). Segundo o referido artigo:

Page 152: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Art. 1.368-A . As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial.

Assim, remete à legislação específica que se refere à

Alienação Fiduciária em Garantia, tanto de móveis (Decreto-lei 911/1969), quanto de

imóveis (Lei n º 9.514/1997).

No que respeita à Responsabilidade Civil nos contratos de

Alienação Fiduciária em Garantia, conforme se observou, com a revogação do artigo

66, da Lei n º 4.728/65 pelo artigo 67, da Lei n º 10.931/04, não há mais norma

expressa determinando a Responsabilidade Civil do Devedor-Fiduciante. Tal

situação reforça a proposta da Tese, no sentido de se poder responsabilizar,

civilmente, também o Credor-Fiduciário, por persistir o caráter de Propriedade

Fiduciária em seu favor, ainda mais por considerar a própria Lei n º 4.728/65 (em

sua nova redação determinada pelo artigo 66-B, § 2o, acrescido pelo artigo 55, da

Lei n º 10.931/04)473, que a coisa, na Alienação Fiduciária em Garantia, não é

propriedade do Devedor-Fiduciante , mas do Credor-Fiduciário.

3.10. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA NA FORMA DE

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA E A PROPOSTA DE TE SE

Conforme foi tratado no capítulo anterior, considerando que o

artigo 5o, da CRFB/88, em seus incisos XXII e XXIII, assegura o direito à

Propriedade e alude à Função Social que esta deve exercer, observa-se que não há

limitação de espécie de Propriedade que deva atender à Função Social. Assim, tanto

a Propriedade plena, quanto a limitada, móvel ou imóvel, deverão obtemperar esta

função.

Arone474 retrata o seguinte:

473 “Art. 66-B. (...) § 2o. O devedor que alienar, ou der em garantia a terceiros, coisa que já alienara fiduciariamente em garantia, ficará sujeito à pena prevista no art. 171, § 2o, I, do Código Penal”. 474 ARONNE, Ricardo. Propriedade e domínio : reexame sistemático das noções nucleares de

direitos reais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 210.

Page 153: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

A propriedade, na mesma medida em que positiva um dever negativo dos demais em relação ao titular, positiva deveres positivos deste em relação à comunidade em que resta inserida, cambiantes em face do caso concreto (ambos os aspectos), eis que tanto o direito de propriedade como sua função social somente ganham concreticidade na tópica incidência, axiologicamente hierarquizante.

Aqui, de modo especial, a Propriedade Fiduciária. Mais ainda,

uma modalidade sua, que é a Alienação Fiduciária em Garantia.

Como já tratado, o surgimento da Alienação Fiduciária se deu

como forma de proteção do crédito, sendo que este, no sistema de mercado de

capitais, é sua mola propulsora, ampliando e desenvolvendo o mercado consumidor,

aumentando a quantidade de financiamentos realizados pelas Instituições

Financeiras e diminuindo os custos das despesas operacionais. Isto fez com que se

facilitasse o financiamento, ampliando-se o crédito ao consumidor, popularizando-o

e inserindo no mercado um nicho de consumidores que era excluído475.

Importante ressaltar estas vantagens ocasionadas pela

Alienação Fiduciária em Garantia. Assim, há o consumidor, que se vê diante de uma

possibilidade de maior facilidade na aquisição de bens. Daí comportar a facilidade

de aquisição de, praticamente, todo tipo de coisas, desde um simples

eletrodoméstico, até bens de maior porte como veículos, máquinas, imóveis etc.

É evidente que a Alienação Fiduciária tem, ainda, uma

importante Função Social, que é a de justamente criar as possibilidades de

assegurar um maior conforto à Sociedade, propiciando a aquisição de certos

produtos que, em princípio, não poderiam ser obtidos, senão com pagamento

imediato à compra do bem. Como observado, a Alienação Fiduciária de bens pode

ser tanto imediata, com um único pagamento, ou prolongada, protraindo-se o

contrato no tempo. Esta última forma é a modalidade mais comum.

A crescente aquisição de produtos, incluindo-se uma classe de

475 GONÇALVES, Aderbal da Cunha. Da propriedade resolúvel , p. 257.

Page 154: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

consumidores que, até então, era excluída, fez com que aumentasse o mercado

consumidor, gerando, consequentemente, mais empregos, mais impostos, maior

riqueza, sendo resultado do progresso. No entanto, importante ressaltar que, como

conseqüência desse progresso, muitos produtos colocados no mercado ocasionam

também um efeito negativo na Sociedade. O desenvolvimento de técnicas modernas

colocou à disposição do mercado para “apropriação”, inventos como o avião,

máquinas industriais, o automóvel e outros engenhos humanos, “(...) provocando a

intensidade da vida e expondo-nos a uma iminência mais acentuada de perigos

(...)”476.

É, especificamente, na hipótese da periculosidade de Veículos

Automotores e no crescimento da frota nacional, ocasionando consequências

sociais, também negativas no âmbito social, que este estudo pretende focalizar.

Disto se abstrai o aspecto negativo da Propriedade. Esta aquisição, agora, deve

estar em conformidade com os ditames sociais que impõem o condicionamento

desta Propriedade de forma a não prejudicar o interesse da Sociedade em virtude da

satisfação individual. Deve-se observar a Função Social que esta Propriedade,

indistintamente, passa a ter, analisando-se a tendência da “repersonificação” do

direito Privado, para a qual a pessoa passa a ser o centro das relações jurídicas.

Como se observou, a Alienação Fiduciária em Garantia,

segundo Gomes477, consiste no “(...) negócio jurídico pelo qual o devedor, para

garantir o pagamento da dívida, transmite ao credor a propriedade de um bem,

retendo-lhe a posse direta, sob a condição resolutiva de saldá-la”. E a Alienação

Fiduciária é modalidade de Propriedade Fiduciária. Daí se observa a qualidade de

“garantia” do bem nesta modalidade de direito real. Porém, diferentemente dos

demais direitos reais (penhor, hipoteca, anticrese), a Propriedade do bem é

transmitida ao Credor . Repete-se: embora o próprio nome do instituto “Alienação

Fiduciária em Garantia” deixe transparecer o objetivo de “garantia” pelo qual a coisa

alienada é oferecida ao proprietário resolúvel, não deixa de “ser Propriedade”478, fato

476 LIMA, Alvino. A responsabilidade civil pelo fato de outrem . Rio de Janeiro: Forense, 1973. p.

16. 477 GOMES, Orlando. Contratos . 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 459. 478 GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia, p. 80-81.

Page 155: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

este que influenciará diretamente nos objetivos dessa pesquisa.

Ora, como proprietário, o Credor, agora titular do bem alienado,

também tem o ônus social de fazer com que esta Propriedade alcance sua Função

Social. Essa Propriedade está condicionada ao bem estar social, limitando o

proprietário, seja qual for a forma de propriedade que possua, a fazer uso da coisa

sem prejudicar o interesse da coletividade. Isto condiz com a lição trazida de

Perlingieri479, o qual ensina, ao tratar da Função Social da Propriedade, que essa

expressão:

(...) deve ser entendida não como uma intervenção ‘em ódio’ à propriedade privada, mas torna-se ‘a própria razão pela qual o direito de propriedade foi atribuído a um determinado sujeito’, um critério de ação para o legislador, e um critério de individuação da normativa a ser aplicada para o intérprete chamado a avaliar as situações conexas à realização de atos e de atividades do titular.

Reforçando a condição de que a Propriedade Fiduciária possui

uma Função Social, adere-se o fato de que a Alienação Fiduciária em Garantia,

principalmente na modalidade prescrita pela Lei n. 4.728/65 e Decreto-Lei 911/69, é

realizada por sociedades de crédito, investimento e financiamento (Instituições

Financeiras). Desta atividade decorre, ainda, a alta lucratividade havida com a

negociação na modalidade de Alienação Fiduciária em Garantia. E, conforme se

observará, ubi emolumentum, ibi onus; qui habet commoda, debet ferre onera; ubi

periculum, ibi lucrum, tendo-se por base a análise da doutrina objetiva, fundada no

risco, ou seja, aquele que tirar proveito com uma situação deve responder pelas

desvantagens ou pelo risco dela oriundas.

Como visto, com o julgamento proferido no Recurso Especial n.

1.044.527-MG, o Superior Tribunal de Justiça responsabilizou civilmente, em

contrato gratuito (empréstimo) o proprietário de Veículo Automotor por atos

envolvendo terceiro que utilizou o veículo e ocasionou o acidente480 e um dos fatores

que fazem aumentar ainda mais a responsabilidade do proprietário reside na própria 479 PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil, p. 226. 480 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.044.527-MG, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 27/09/2011. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/revista/abreDocumento.jsp?componente=COL&sequencial=17944804&formato=PDF, acesso em 01 fev. 2012, sem grifo no original.

Page 156: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

onerosidade do contrato.

A proposta da Tese é no sentido de que há diversos fatores

que podem fazer com que o proprietário, mesmo que fiduciário, possa responder

pelos danos ocasionados pelo Veículo Automotor. Em síntese:

a) o proprietário é responsável civilmente pelos danos ocasionados por coisas de

sua propriedade, especialmente por coisas perigosas;

b) os Veículos Automotores são bens perigosos colocados no meio da sociedade;

c) a Função Social da Propriedade abrange, inclusive, a da Propriedade Fiduciária;

d) a Alienação Fiduciária em Garantia é espécie de Propriedade Fiduciária;

e) os contratos de Alienação Fiduciária em Garantia de Veículos Automotores são

contratos onerosos, realizados por sociedades empresárias, de forma que o

Proprietário Fiduciário lucra com a atividade, estimulando, assim, a colocação de

bens perigosos no ambiente social;

f) conforme o art. 927, parágrafo único, do Código Civil: “Haverá obrigação de

reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou

quando a atividade normalmente desenvolvida pelo au tor do dano implicar, por

sua natureza, risco para os direitos de outrem ” (Teoria do Risco, grifado);

g) conforme o art. 931, do Código Civil: “Ressalvados outros casos previstos em lei

especial, os empresários individuais e as empresas respondem

independentemente de culpa pelos danos causados pel os produtos postos em

circulação ” (Teoria do Risco, grifado);

h) ubi emolumentum, ibi onus; qui habet commoda, debet ferre onera; ubi periculum,

ibi lucrum, ou seja, tem-se por base a doutrina objetiva, fundada na Teoria do Risco

(Responsabilidade Civil Objetiva), ou seja, aquele que tirar proveito com uma

situação deve responder pelas desvantagens ou pelo risco dela oriundas e, aqui,

independentemente de culpa;

i) se, com base no Recurso Especial n. 1.044.527-MG, o Superior Tribunal de

Justiça entendeu, em contrato gratuito (empréstimo) de Veículo Automotor, que há

responsabilidade do proprietário por atos ilícitos envolvendo a coisa que esteja na

posse de terceiro, pelos elementos já levantados nas letras anteriores também há

possibilidade de responsabilizar civilmente o Proprietário Fiduciário pelos atos ilícitos

realizados pelo Devedor-Fiduciante de forma solidária.

Page 157: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Na óptica da CRFB/88, não havendo limitação à espécie de

Propriedade para fins de obediência da sua Função Social, observa-se que a

mesma se aplica também nas condições da Propriedade Fiduciária, principalmente,

nesse estudo, envolvendo a Alienação Fiduciária em Garantia. Desta característica,

em especial, decorre o resultado do produto científico almejado com a pesquisa, ou

seja, a Responsabilidade Civil do titular da Propriedade Fiduciária em razão (dentre

outras) desta Função Social

Page 158: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Capítulo 4

A RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA

E OBJETIVA NO DIREITO BRASILEIRO

Este capítulo pretende trazer noções sobre a Responsabilidade

Civil Subjetiva e Objetiva no ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, tratar-se-á

sobre o conceito, objetivo e requisitos da Responsabilidade Civil, especificando-se o

tema ao estudar a Responsabilidade Civil Subjetiva e Objetiva.

Ao se realizar o estudo sobre a Responsabilidade Civil

Objetiva, ingressar-se-á na pesquisa acerca da Teoria do Risco, das atividades de

Risco e do entendimento doutrinário, a respeito da condição de periculosidade dos

Veículos Automotores de Via Terrestre. Também será encetada pesquisa acerca da

Responsabilidade Civil direta e indireta, enfatizando-se esta última quando se estuda

a Responsabilidade por fato de outrem e pelo fato da coisa no direito brasileiro.

Encerra-se esse capítulo com as excludentes de

Responsabilidade Civil Subjetiva e Objetiva, como a legítima defesa, o estado de

necessidade, o exercício regular do direito, o estrito cumprimento de um dever legal,

culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito e força maior.

4.1. CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

De forma geral, pode-se entender a Responsabilidade, em

sentido amplo, na atribuição a um sujeito do dever de assumir as consequências de

uma ação ou evento481.

A noção de Responsabilidade apresentada para esse estudo

trata a Responsabilidade Civil de uma forma ampla, além da mera análise da

culpabilidade (dolo ou culpa do agente), adotando-se, para tanto, a doutrina

perfilhada por Josserand, por entender que há na Responsabilidade Civil a “(...)

repartição de prejuízos causados, equilíbrio de direitos e interesses, de sorte que a

responsabilidade, na concepção moderna, comporta dois pólos: o objetivo, onde

481 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 4. p. 12.

Page 159: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

reina o risco criado, e o subjetivo, onde triunfa a culpa”482.

Assim, Responsabilidade Civil, para efeitos desta pesquisa,

consiste na “(...) situação de indenizar o dano moral ou patrimonial, decorrente de

inadimplemento culposo, de obrigação legal ou contratual, ou imposta por lei”483.

Para Diniz484, Responsabilidade Civil consiste na “(...)

aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial

causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele

responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade

subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva)”. Deste

conceito, observa-se, claramente, duas situações distintas de responsabilidade:

uma, baseada na culpa (Responsabilidade Civil Subjetiva ou teoria subjetiva) e

outra, que independe da comprovação da culpa do agente (Responsabilidade Civil

Objetiva ou teoria objetiva), as quais serão tratadas adiante.

A Responsabilidade Civil pode decorrer de duas situações

distintas, ou seja, a inexecução obrigacional (responsabilidade contratual) e o

inadimplemento normativo (responsabilidade extracontratual)485, esta última,

também conhecida como Responsabilidade Civil Aquiliana.

4.2. OBJETIVO E REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVI L

O objetivo da Responsabilidade Civil consiste na análise do

dano causado à vítima, seu desconforto comportamental ou dor psíquica (dano

moral), ou desequilíbrio patrimonial (dano material) e a respectiva indenização desse

dano. É elementar o efetivo “dano”, o qual, não existindo, não motiva a

indenização486. O dever de reparação é o efeito da Responsabilidade Civil487. Para

482 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil : responsabilidade civil. 16. ed. v. 7. p. 34. 483 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações . 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2000. p. 273. 484 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil : responsabilidade civil, v. 7. p. 34. 485 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações , p. 273. 486 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4. p. 20-21.

Page 160: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Reis488, a Responsabilidade Civil tem índole de natureza satisfativa ou reparadora.

Na análise da Responsabilidade Civil, geralmente o que se

avalia é a conduta do agente que tenha desencadeado atos ou fatos, podendo surgir

o dever de indenizar, ainda que o dano tenha se originado somente por um ato ou

fato por parte do agente. Isto importa identificar a conduta que deu margem ao dever

de indenizar, podendo ser a responsabilidade do agente direta, se respeitar ao

próprio causador do dano, ou indireta, caso se refira a terceiro que, de alguma

forma, esteja ligado ao ofensor489. Também, para efeitos deste estudo, será

analisada a responsabilidade indireta como instrumento para a demonstração do

resultado da pesquisa.

Os requisitos para a configuração da Responsabilidade Civil

variam conforme as espécies Subjetiva ou Objetiva. Esta matéria será tratada

adiante, com mais vagar. Porém, conforme a doutrina jurídica, são requisitos gerais

para a configuração do dever de indenizar: a ação ou omissão voluntária, relação de

causalidade ou nexo causal, dano e culpa. Adverte Venosa490 que, ao se analisar a

“culpa”, observa-se “(...) a tendência jurisprudencial cada vez mais marcante de

alargar seu conceito. Surge, daí, a noção de culpa presumida, sob o prisma do dever

genérico de não prejudicar”. Adiante, segue o estudo específico dos requisitos,

anteriormente elencados, para a configuração da Responsabilidade Civil.

4.2.1. Ação (conduta humana)

Segundo Gagliano491, somente o homem, “(...) por si ou por

meio das pessoas jurídicas que forma, poderá ser civilmente responsabilizado”. Esta

responsabilização será correspondente à sua ação, ou seja, à “(...) conduta humana,

positiva ou negativa (omissão), guiada pela vontade do agente, que desemboca no

487 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil . 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, p.

421. v. 1. 488 REIS, Clayton. Avaliação do dano moral . 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 87. 489 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4. p. 12. 490 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4. p. 13. 491 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil . São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3. p. 31.

Page 161: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

dano ou prejuízo”492.

Observa-se que o comportamento comissivo ou omissivo, por

parte do agente, é um dos requisitos essenciais para a configuração da

Responsabilidade Civil. Para Diniz493, consiste a ação no “(...) ato humano,

comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do

próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause

dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado”.

A “voluntariedade” à qual alude a doutrina consiste no núcleo

fundamental da noção de conduta humana, resultante do livre discernimento do

ofensor, consciente do ato que está realizando494.

Para efeitos desse estudo, relativamente à conduta humana,

buscar-se-á demonstrar que o ato comissivo que responsabiliza o Credor Fiduciário

de Veículos Automotores, na Responsabilidade Civil, se dá pela própria atividade

desenvolvida pelo mesmo, com fundamento na teoria do Risco Criado e do Risco

Proveito, ainda que seu comportamento seja lícito, pois “(...) a imposição do dever

de indenizar poderá existir mesmo quando o sujeito atua licitamente. Em outras

palavras: poderá haver responsabilidade civil sem necessariamente haver

antijuridicidade, ainda que excepcionalmente, por força de norma legal”495.

A “vontade” (ou voluntariedade) será demonstrada a partir da

própria atividade desenvolvida pelo Credor Fiduciário em colocar à disposição no

mercado, por meio dos contratos que realiza (atividade intrínseca das Instituições

Financeiras), na Forma de Alienação Fiduciária, um bem perigoso (Veículo

Automotor), de cuja Propriedade, mesmo que fiduciária, é titular, ainda que o bem

esteja na posse de terceiro. Acrescente-se o fato, ainda, que este Credor Fiduciário

está lucrando com a atividade, pois, como se observou anteriormente, somente

Instituições Financeiras podem exercer a atividade de Alienação Fiduciária em 492 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 31. 493 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil : responsabilidade civil, v. 7. p. 37. 494 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 31. 495 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 36.

Page 162: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Garantia, e Instituições Financeiras sempre visam à finalidade lucrativa. Tomar-se-á

a ação imputável a terceiro no contrato de Alienação Fiduciária em Garantia, sendo

este terceiro o possuidor direto do bem (Veículo Automotor), o qual, diante de um

comportamento antijurídico, lesou outra pessoa, alheia ao contrato de Alienação

Fiduciária. Diante dos elementos anteriormente tratados, este fato tornará o Credor-

Fiduciante, que é Proprietário Fiduciário do bem, responsável civilmente, solidária

mente pelo dano, durante o período contratual. Tal situação se observa possível

diante do fato que “(...) o Código Civil brasileiro, além de disciplinar a

responsabilidade civil por ato próprio, reconhece também espécies de

responsabilidade civil indireta, por ato de terceiro ou por fato do animal e da coisa

(...)”496.

No desenvolvimento da ação praticada pelo agente da conduta

comissiva ou omissiva, contudo, necessita-se analisar o elemento “culpa”, o qual

será melhor abordado quando se tratar da Responsabilidade Civil Subjetiva, adiante.

4.2.2. O Nexo Causal (Nexo etiológico, relação de c ausalidade ou liame de

causalidade)

Nexo Causal, conforme Venosa497, consiste no vínculo que liga

o dano à conduta do agente (vínculo entre a ação e o prejuízo), sendo elemento

indispensável à Responsabilidade Civil, ensinando este autor que “(...) A

responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal.

Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato

danoso ao responsável, não há como ser ressarcida”.

Há dois fatores que dificultam a identificação do Nexo Causal:

a) a prova; b) a identificação do fato que consiste na real causa do dano, ainda mais

se decorre de múltiplas causas498.

496 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 34. 497 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4. p. 39. 498 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil., v. 4.p. 39.

Page 163: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Essa relação de causalidade entre o mal efetivamente causado

e a injuridicidade da ação ou omissão necessita ser estabelecida. Isso porque se

deve ter certeza que, sem o fato, não teria ocorrido o dano, não bastando que

alguém tenha contravindo certas regras, mas que, sem a contravenção, não teria

ocorrido o dano499.

Segundo Campagnucci de Caso500, a causalidade consiste em

um tema pertencente à filosofia e às ciências, aplicando-se com características

próprias para dar soluções práticas, de modo que o estudo da causalidade jurídica é

próprio das ciências culturais, tendo como fator imprescindível “el obrar contingente

de la conducta humana.”. Para o mesmo autor, “En el derecho civil la relación de

causalidad cumplimenta dos objetivos: indica la autoria o no del sujeto demandado y

determina la extensión de la reparación, de conformidad con las consecuencias que

le son atribuibles”.

A relação de causalidade implica uma objetiva imputação fática

do resultado, enquanto que a culpabilidade possui um sentido subjetivo, um

julgamento do tipo moral, ou seja, apontando a consciência da pessoa (agente do

comportamento). Também, deve ser analisada a relação de causalidade sempre

com anterioridade à culpabilidade, pois antecede uma etapa posterior que deve

julgar se houve, ou não, a culpabilidade501. Segundo a lição de Compagnucci de

Caso502:

Los dos conceptos tienen un elemento común: la previsibili-dad; aunque en la relación de causalidad debe ser analizado ‘in abstracto y ex post facto’, es decir, después de ocurrido el

499 STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurispru dencial . 3. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1997, p. 63. 500 COMPAGNUCCI DE CASO, Rúben H.. Manual de obligaciones . Buenos Aires: Editorial Astrea,

1997. p. 181, (“o obrar contingente da conduta humana”) e (“No direito civil a relação de causalidade cumpre dois objetivos: indica a autoria ou não do sujeito demandado e determina a extensão da reparação, em conformidade com as consequências que lhe são atribuíveis”).

501 COMPAGNUCCI DE CASO, Rúben H.. Manual de obligaciones , p. 181-182. 502 COMPAGNUCCI DE CASO, Rúben H.. Manual de obligaciones , p. 182, (“Os dois conceitos têm

um elemento comum: a previsibilidade; ainda que na relação de causalidade deve ser analisado ‘in abstracto e ex post facto’, quer dizer, depois de ocorrido o fato, e de acordo com as regras de experiência. Na culpabilidade a análise da previsibilidade se faz desde o interior do agente, pela exteriorização de seu comportamento, levando-se em consideração a voluntariedade do ato”).

Page 164: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

hecho, y de acuerdo a reglas de experiencia. En la culpabilidad el análisis de la previsibilidad se hace desde el interior del agente, por la exteriorización de su comportamiento, tomándose en consideración la voluntariedad del acto.

Há necessidade de se verificar, portanto, se o agente causador

é, efetivamente, o autor da condição que lhe atribui o resultado, devendo-se

analisar, também, como esse resultado é estabelecido. Apresentam-se duas teorias

referentes à causa eficiente do nexo causal: a Teoria da Equivalência das

Prestações e as Teorias Individualizadoras. Estas últimas se subdividem em Teoria

da Causa próxima, Teoria da Causa Preponderante, Teoria da Causa Eficiente e

Teoria da Causalidade Adequada503. Destas quatro subdivisões, somente será

objeto de análise a última, haja vista sua consideração no direito brasileiro. Há,

ainda, uma terceira teoria, chamada da Causalidade Direta ou Imediata, que será

também tratada.

4.2.2.1. Teoria da Equivalência das Prestações

Essa teoria também é conhecida como “condição simples” ou

da condicio sine qua non, exposta por Von Buri em 1860504, ou “teoria da

equivalência das condições”505. De acordo com essa teoria, não há distinção entre

as diversas condições que colaboram para as consequências, ou seja, “(...) tudo

aquilo que concorra para o evento será considerado causa”506, considerando-se “(...)

elemento causal todo o antecedente que haja participado da cadeia de fatos que

desembocaram no dano”507.

Para efeitos dessa teoria, entende-se que há uma valoração

equivalente entre todos os elementos concorrentes, os quais se somam, não se

503 COMPAGNUCCI DE CASO, Rúben H.. Manual de obligaciones , p. 183. 504 COMPAGNUCCI DE CASO, Rúben H.. Manual de obligaciones , p. 183. 505 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 96. 506 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 97. 507 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 97.

Page 165: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

podendo isolá-los para efeitos de imputação508. Adverte Gagliano509 que, “Por

considerar causa todo o antecedente que contribua para o desfecho danoso, a

cadeia causal, seguindo esta linha de intelecção, poderia levar a sua investigação ao

infinito”, ilustrando, adiante que: “Nesta linha, se o agente saca a arma e dispara o

projétil, matando o seu desafeto, seria considerado causa, não apenas o disparo,

mas também a compra da arma, a sua fabricação, a aquisição do ferro e da pólvora

pela indústria etc., o que envolveria, absurdamente, um número ilimitado de agentes

na situação de ilicitude”.

Conforme Stoco510, “A teoria da ‘equivalência das condições’

vem em socorro da vítima, tentando resolver, na prática, o problema da relação

causal, e tem o mérito da simplicidade. Contudo, foi afastada por inadequada”. Para

Gagliano511, em virtude das imprecisões e inconvenientes trazidos por esta teoria, os

doutrinadores do Direito Civil não a acolheram. Justifica-se também este

posicionamento pela seguinte lição de Lisboa512:

Os antecedentes do evento danoso não podem ser analisados

sob absoluta equivalência, uma vez que tão-somente aqueles que foram diretamente necessários para concretização do prejuízo é que devem ser valorados pelo aplicador da norma jurídica. Caso contrário, chegar-se-ia ao absurdo de se falar, por exemplo, que o fabricante do veículo também poderia ser responsabilizado pelo atropelamento de um pedestre.

Importante salientar que esse último exemplo da lição acima

transcrita não se enquadra nesse estudo, pois essa Tese pretende que, na

Alienação Fiduciária em Garantia, o Fiduciário seja responsabilizado civilmente:

primeiro, por ser proprietário do bem durante o período contratual; segundo, porque,

ao estabelecer contratos de Alienação Fiduciária em Garantia cujo objeto sejam

508 COMPAGNUCCI DE CASO, Rúben H.. Manual de obligaciones , p. 182. 509 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 98. 510 STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurispru dencial , p. 63. 511 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 99. 512 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 224.

Page 166: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Veículos Automotores, esta atividade cria um perigo para a Sociedade (teoria do

Risco Criado); terceiro, porque, por angariar lucro, insere-se na teoria do Risco

Benefício (adiante tratada); quarto, porque, diante do ilícito causado pelo Fiduciante,

e na hipótese de insolvabilidade do mesmo, há necessidade de ressarcimento da

vítima, diante do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, respondendo o

Fiduciário de forma solidária ao Fiduciante enquanto perdurarem os efeitos do

contrato. Afinal, “(...) um direito só e efetivo quando sua prática está assegurada;

não ter direito e tê-lo sem o poder exercer são uma coisa só. (...)”513.

Adiante será tratada a Teoria da Causalidade Adequada, a qual

é adotada pelo ordenamento jurídico civil brasileiro no âmbito da Responsabilidade

Civil.

4.2.2.2. Teoria da Causalidade Adequada

Essa teoria foi exposta por von Bar no ano 1881, desenvolvida

por von Kries, em 1888. O estudo dessa teoria se desenvolve na crítica à teoria da

equivalência, sendo a teoria cuja tendência é seguida pela maioria dos

doutrinadores penalistas modernos e entre os civilistas514. Segundo Compagnucci

de Caso515:

De conformidad con esta teoria el fenomeno causal debe ser analizado de acuerdo con las reglas de un comportamiento regular y normal, es decir, de la experiencia diária o corriente. Es necesario a posteriori del hecho establecer un juicio de

probabilidades, o pronóstico, con determinación de un cálculo de posibilidades, presciendiéndose de la realidad del acontecimiento.

513 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. v.1. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 61. 514 COMPAGNUCCI DE CASO, Rúben H.. Manual de obligaciones , p. 184. 515 COMPAGNUCCI DE CASO, Rúben H.. Manual de obligaciones , p. 184, (“Em conformidade com

esta teoria, o fenômeno causal deve ser analisado de acordo com as regras de um comportamento regular e normal, quer dizer, da experiência diária ou corrente. É necessário a posteriori do fato estabelecer um juízo de probabilidades, ou prognóstico, com determinação de um cálculo de possibilidades, prescindindo-se da realidade do acontecimento”).

Page 167: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Para Compagnucci de Caso516, ainda que se tenha elaborado

sobre esta teoria algumas idéias não muito claras, crê o autor que é necessário

levar-se em consideração todas as condições que integram o evento, as anteriores,

as contemporâneas e as posteriores que pudessem, ou não, ser conhecidas pelo

sujeito, impondo-se uma ampla análise do fato e do evento danoso.

A Teoria da Causalidade Adequada tem por base a “(...) causa

predominante que deflagrou o dano (...)”517. Segundo Gagliano518, “Para os adeptos

dessa teoria, não se poderia considerar causa ‘toda e qualquer condição que haja

contribuído para a efetivação do resultado’, conforme sustentado pela teoria da

equivalência, mas sim, segundo um juízo de probabilidade, apenas o antecedente

abstratamente idôneo à produção do efeito danoso, (...).”. Adiante, esclarece o

mesmo autor519 que “O ponto central para o correto entendimento desta teoria

consiste no fato de que somente o antecedente abstratamente apto à

determinação do resultado , segundo um juízo razoável de probabilidade, em que

conta a experiência do julgador, poderá ser considerado causa”; no entanto, este

fator pode, ainda, representar insegurança jurídica e subjetividade520.

Segundo Lisboa521, “Quanto maior a probabilidade que

determinada causa tenha efetivamente gerado ao dano, ela pode ser considerada

mais adequada em relação ao prejuízo”, ou seja, só a principal causa consiste

naquela própria à determinação da ocorrência do evento danoso. Afastam-se todos

aqueles elementos que não são considerados antecedentes importantes para a

configuração do dano522.

Importante salientar que, para efeitos de acidente

516 COMPAGNUCCI DE CASO, Rúben H.. Manual de obligaciones , p. 185. 517 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4. p. 39. 518 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3, p. 99. 519 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 100. 520 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 103 (grifo nosso). 521 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 224. 522 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 224.

Page 168: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

automobilístico, o entendimento é de que “o dono do veículo responde sempre pelos

atos culposos de terceiro, a quem o entregou, seja seu preposto ou não”523. Neste

norte, ensina Stoco524:

Como preleciona Wladimir Valler, a responsabilidade pela reparação dos danos é, assim, em regra, do proprietário do veículo, pouco importando que o motorista não seja seu empregado, uma vez que sendo o automóvel um veículo perigoso, o seu mau uso cria a responsabilidade pel os danos causados a terceiros , nos termos do art. 159 do Código Civil, independentemente de qualquer outro dispositivo legal.

Conste-se, no entanto, que o artigo 159, do Código Civil de

1916, foi alterado pela Lei 10.406/02, agora dispondo, no mesmo sentido, o artigo

186 desta Lei. Prossegue o autor525 ensinando que:

A responsabilidade do proprietário do veículo não resulta de culpa alguma, direta ou indireta. Não se exige a culpa in vigilando ou in eligendo, nem qualquer relação de subordinação, mesmo porque o causador do acidente pode não ser subordinado ao proprietário do veículo, como, por exemplo, o cônjuge, o filho maior, o amigo, o depositário etc. Provada a responsabilidade do condutor, o proprietá rio do veículo fica necessária e solidariamente responsáve l pela reparação do dano, como criador do risco para os se us semelhantes .

Nesse sentido, inclusive, o entendimento já identificado

anteriormente, esposado no Recurso Especial n. 1.044.527-MG, em que houve o

entendimento de que persiste a responsabilidade do proprietário por atos ilícitos

envolvendo a coisa que esteja na posse de terceiro.

A respeito do Nexo de Causalidade, observou-se que o

ordenamento jurídico brasileiro adota a Teoria da Causalidade Adequada,

considerando “causa” o fator antecedente que tenha sido abstratamente apto à

determinação do resultado, diante de um juízo razoável de probabilidade. Daí se 523 STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interprestação jurispr udencial . 3. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1997. p. 794. 524 STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interprestação jurispr udencial , p. 794 (grifo nosso). 525 STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interprestação jurispr udencial . p. 794 (grifo nosso).

Page 169: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

afastam os elementos que não devem ser considerados antecedentes para que o

dano tivesse se configurado. Aqui, alguns elementos são essenciais para este nexo

e que importam, diretamente, na Responsabilidade Civil do Credor-Fiduciário: a) o

próprio fato de ser Proprietário do bem, cuja Propriedade deve exercer, também,

uma Função Social, não prejudicando a coletividade; b) o fato de ter facilitado a

colocação de um bem considerado perigoso (Veículo Automotor) no meio da

Sociedade; c) o fato de lucrar com a colocação deste bem perigoso no meio social,

fazendo com que a Sociedade arque com o prejuízo das investidas deste bem,

decorrentes de Atos Ilícitos do possuidor direto da coisa. Todos estes fatores são

antecedentes que vinculam o Credor-Fiduciário diretamente à sua responsabilização

civil solidária com o Devedor-Fiduciante.

4.2.2.3. Teoria da Causalidade Direta ou Imediata

Esta teoria também é conhecida como “teoria da interrupção do

nexo causal”, entendendo por “causa” “(...) apenas o antecedente fático que, ligado

por um vínculo de necessariedade ao resultado danoso, determinasse esse último

como uma conseqüência sua, direta e imediata”526. Supondo-se um dano, a causa

apontada é aquela mais próxima ou remota, nesse último caso, devendo se ligar

diretamente ao dano. É, portanto, indenizável qualquer dano que possui uma causa

mesmo que remota, mas que seja necessária em razão de não haver outra causa

que explique o mesmo dano, desejando a lei que o dano “seja o efeito direto e

imediato da execução”527.

Segundo Lisboa528, nessa teoria, “Qualquer outra circunstância

que advenha como conseqüência normal dos acontecimentos é considerada causa

estranha, pois acaba por interromper o vínculo de causalidade”.

526 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 101. 527 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências . 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 1972. p. 356. 528 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 225.

Page 170: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Adverte Gagliano529 que grande parte da doutrina acolhe a

teoria da causalidade adequada, ocorrendo, porém, que a teoria da Causalidade

Direta ou Imediata é, por vezes, confundida pela jurisprudência com a teoria da

Causalidade Adequada, ambas identificando-se, contudo, no âmbito de encontrar a

causalidade necessária para estabelecer a Responsabilidade Civil. Conclui o

autor530, no entanto, que “(...) a despeito de reconhecermos que o nosso Código

melhor se amolda à teoria da causalidade direta e imediata, somos forçados a

reconhecer que, por vezes, a jurisprudência adota a causalidade adequada, no

mesmo sentido”.

4.2.3. Dano

O dano, conforme anteriormente exposto, pode ser tanto

material, quanto moral. O dano é o efetivo prejuízo experimentado pela vítima do

comportamento ilícito do agente, a qual teve algum desconforto comportamental ou

dor psíquica (dano moral), ou desequilíbrio patrimonial (dano material). Segundo

Gagliano531, dano ou prejuízo é “(...) a lesão a um interesse jurídico tutelado –

patrimonial ou não – causado por ação ou omissão do sujeito infrator”.

O dano, que consiste na lesão a um interesse legítimo “que

produza imediato reflexo no patrimônio material ou imaterial do ofentido, de forma a

acarretar-lhe a sensação de perda”, pode ser de caráter patrimonial ou

extrapatrimonial532. Se patrimoniais forem os danos, “referem-se aos prejuízos

verificados em nossos bens materiais, que resultam na sua reparação, mediante a

reposição do bem perdido”533. Caso extrapatrimoniais, consistem em danos a bens

abstratos que “decorrem de um prejuízo sofrido pela vítima nos seus valores íntimos

e pessoais, que deve ser objeto de uma verba pecuniária fixada pelo juiz,

objetivando satisfazer ou compensar os valores imateriais lesionados”534.

529 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 103-105. 530 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 105. 531 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 40. 532 REIS, Clayton. Avaliação do dano moral , p. 4-8. 533 REIS, Clayton. Avaliação do dano moral , p. 7. 534 REIS, Clayton. Avaliação do dano moral , p. 8.

Page 171: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

O dano patrimonial (material), ou a lesão concreta ao

patrimônio da vítima, causando-lhe perda ou deterioração, total ou parcial, avaliáveis

pecuniariamente, pode abranger os danos emergentes (o que a vítima efetivamente

perdeu) e também os lucros cessantes (o que a vítima deixou de lucrar com o

resultado do evento danoso)535. Traduz esse dano patrimonial a lesão a direitos e

bens economicamente apreciáveis do titular dos mesmos.

O dano moral se refere a alguma lesão de conteúdo não

aferível em dinheiro, a exemplo dos direitos da personalidade como “o direito à vida,

à integridade física (direito ao corpo, vivo ou morto, e à voz), à integridade psíquica

(liberdade, pensamento, criações intelectuais, privacidade e segredo) e à integridade

moral (honra, imagem e identidade) (...)”536. Esse dano moral pode se dividir, ainda,

em direto e indireto. Dano moral direto ocorre quando há uma lesão específica

direcionada a um direito extrapatrimonial (direitos da personalidade), e o dano moral

indireto ocorre na seguinte hipótese537:

(...) quando há uma lesão específica a um bem ou interesse de natureza patrimonial, mas que, de modo reflexo, produz um prejuízo na esfera extrapatrimonial, como é o caso, por exemplo, do furto de um bem com valor afetivo ou, no âmbito do direito do trabalho, o rebaixamento funcional ilícito do empregado, que, além do prejuízo financeiro, traz efeitos morais lesivos ao trabalhador. Gagliano538 ensina que há, contudo, a necessidade do

preenchimento de certos requisitos para que o dano seja indenizável, adiante

enumerados:

a) violação de um interesse jurídico patrimonial ou extrapatrimonial de uma

pessoa: esta pessoa pode ser física ou jurídica, pressupondo a agressão

dirigida a um bem juridicamente tutelado que pertença a um sujeito de direito,

de natureza material ou imaterial;

535 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil : responsabilidade civil, v. 7. p. 62-63. 536 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 48. 537 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 76. 538 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 43-45.

Page 172: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

b) certeza do dano: significa que o dano abstrato ou hipotético não poderá ser

indenizado. Somente o será aquele que for efetivamente verificado;

c) subsistência do dano: quer isso dizer que o interesse na responsa-bilização

civil do ofensor deve existir quando de sua exigibilidade em juízo, pois se este

dano já tiver sido reparado pelo ofensor, tal interesse do ofendido deixa de

existir.

Adiante, serão tratados, especificamente, a Responsabilidade

Civil Subjetiva e Objetiva, sendo o dano um elemento que deve existir em ambos,

para que haja a indenização da respectiva Responsabilidade Civil.

4.3. CONCEITO E REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVI L SUBJETIVA

A regra geral vigente no ordenamento jurídico brasileiro é a da

Responsabilidade Civil Subjetiva, ou seja, a obrigação do ressarcimento em virtude

de atos ilícitos que tenham ocorrido por comportamento culposo do agente. Este

comportamento será reprovado ou censurado quando, “(...) ante as circunstâncias

concretas do caso, se entende que ele poderia ou deveria ter agido de modo

diferente”539. Assim, a Responsabilidade Civil Subjetiva baseia-se na idéia de

“culpa”, adiante tratada mais especificamente.

Conforme Stoco540, a doutrina subjetivista se baseia em três

elementos: a) ofensa a uma norma preexistente ou erro de conduta (aqui entendidas

como Ato Ilícito); b) dano; c) nexo de causalidade entre uma e outro. Trata-se, a

seguir, sobre tais elementos.

4.3.1. O Ato Ilícito

Conforme Venosa541, Atos Ilícitos são aqueles “(...) que

promanam direta ou indiretamente da vontade e ocasionam efeitos jurídicos, mas

539 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil : responsabilidade civil, v. 7. p. 62-63. 540 STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurispru dencial , p. 63. 541 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4. p. 22.

Page 173: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

contrários ao ordenamento. O ato voluntário é, portanto, o primeiro pressuposto da

responsabilidade civil”.

Para Gonçalves542 Ato Ilícito consiste naquele “(...) praticado

com infração ao dever legal de não lesar a outrem. (...) É praticado com infração a

um dever de conduta, por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do

agente, das quais resulta dano para outrem.”. Baseia-se, assim, em um

comportamento voluntário infringente de um dever, dever este que é o elemento

próprio da Responsabilidade Civil Subjetiva. O elemento nuclear nesta espécie de

responsabilidade é o Ato Ilícito, ou seja, na transgressão ao dever de conduta.

Esse elemento, na Responsabilidade Civil Objetiva, apresenta-

se incompleto, haja vista a supressão do substrato da culpa543, que será tratada a

seguir.

4.3.2. Culpa

Como se observou, anteriormente, a regra geral da

Responsabilidade Civil, no ordenamento jurídico brasileiro, é fundamentada na

Responsabilidade Civil Subjetiva, ou seja, naquela fundada na culpa do agente.

Ordena o art. 186, do Código Civil brasileiro:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Culpa, lato sensu, pode ser entendida como a falta de atenção

que deveria o agente observar e conhecer544.

A Responsabilidade Civil Subjetiva envolve não somente o dolo

542 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro : parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1.

p. 445. 543 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4. p. 22. 544 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 4. p. 23.

Page 174: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

(ou vontade consciente do agente na violação do direito - delito), mas, como visto

pelo artigo acima citado, atos ou condutas eivados de negligência, imprudência ou

imperícia, entendidas como culpa em sentido estrito (quase-delito).

Na definição dos elementos da culpa em sentido estrito, ensina

Diniz545: “(...) A imperícia é falta de habilidade ou inaptidão para praticar certo ato; a

negligência é a inobservância de normas que nos ordenam agir com atenção,

capacidade, solicitude e discernimento; e a imprudência é precipitação ou o ato de

proceder sem cautela (...)”.

Além disso, há necessidade de que o Ato Ilícito e a culpa

estejam vinculados ao comportamento do agente, o que se dá pelo nexo de

causalidade, tratado anteriormente.

Importante salientar que o Código Civil de 2002 estabelece, em

seu artigo 187, o abuso de direito, também considerado Ato Ilícito e cujos efeitos são

os mesmos546. Aqui, porém, não será tratado sobre o abuso de direito, razão pela

qual não se estenderão maiores considerações sobre o mesmo.

Reitera-se que, para efeitos dessa pesquisa, a

Responsabilidade Civil Subjetiva também será importante, principalmente no que diz

respeito ao comportamento do Devedor-Fiduciante (possuidor direto do Veículo

Automotor), ao cometer o Ato Ilícito contra terceiros, que venha a responsabilizar o

Credor-Fiduciário, durante o período contratual, entre as partes do contrato de

Alienação Fiduciária em Garantia de Veículo Automotor de Via Terrestre.

De acordo com a proposta da Tese, ao cometer o Fiduciante

algum Ato Ilícito contra terceiros, durante o período contratual (do contrato de

Alienação Fiduciária em Garantia de Veículo Automotor de Via Terrestre), a

Responsabilidade Civil se estenderá, de forma objetiva, ao Credor Fiduciário. Para

545 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil : responsabilidade civil. 16. ed. v. 7. p. 40.

546 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede

manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons

costumes.

Page 175: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

tanto, importa observar-se a conduta do Fiduciante na forma da Responsabilidade

Civil Subjetiva (se agiu com dolo ou culpa) e, em se verificando esta

responsabilidade, o dever de indenizar se estenderá, em razão da Responsabilidade

Civil Objetiva, ao Fiduciário.

4.4. CONCEITO E REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVI L OBJETIVA

Segundo Pereira547, a doutrina objetiva nasceu no século XIX,

desencadeada por Saleilles e Josserand, doutrina esta que:

(...) ao invés de exigir que a responsabilidade civil seja a resultante dos elementos tradicionais (culpa, dano, vínculo de causalidade entre uma e outro), assenta na equação binária cujos pólos são o dano e a autoria do evento danoso. Sem cogitar da imputabilidade ou investigar a antijuridicidade do fato danoso, o que importa para assegurar o ressarcimento é a verificação se ocorreu o evento e se dele emanou o prejuízo. Em tal ocorrendo, o autor do fato causador do dano é o responsável.

Ripert548 esclarece que o alargamento da aplicação das regras

a respeito da Responsabilidade Civil se deu, principalmente, no final do século XIX,

em decorrência das seguintes situações:

(...) O aumento dos prejuízos devido principalmente aos maquinismos, a dificuldade de descobrir nos acidentes de causas complexas a culpa duma pessoa responsável, a favor particular sob um regime democrático para as classes sociais às quais pertencem as vítimas naturais de certos acidentes, o aperfeiçoamento das idéias científicas e filosóficas sobre a pesquisa dos efeitos e das causas, foram as razões dominantes deste movimento.

Ensina Venosa549 que as primeiras atenuações relativas ao

547 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p.

269. 548 RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis , p. 207. 549 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4. p. 16.

Page 176: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

sentido clássico de culpa “(...) traduziram-se nas ‘presunções de culpa’ e em

mitigações no rigor da apreciação da culpa em si. Os tribunais foram percebendo

que a noção estrita da culpa, se aplicada rigorosamente, deixaria inúmeras

situações de prejuízo sem ressarcimento”. Assim, o conceito de culpa foi ampliado

pela jurisprudência, a fim de atender as necessidades da vida social, de forma que

as noções acerca do significado de “risco” e “garantia” foram reforçados para

substituição da “culpa”, cuja teoria vingava550. Isto facilitou indenizar várias situações

em que a comprovação da culpa não possibilitaria tal viabilidade, em detrimento da

parte mais vulnerável, tornando-as, efetivamente, indenizáveis.

Conforme Dias551, “Não importa que a culpa conserve a

primazia, como fonte da responsabilidade civil, por ser o seu caso mais frequente. O

risco não pode ser repelido, porque a culpa muitas vezes é, sob pena de sancionar-

se uma injustiça, insuficiente como geradora da responsabilidade civil”.

A teoria da Responsabilidade Civil Objetiva considera o “dano”

e o “nexo de causalidade” como elementos principais, afastando a necessidade de

configuração do “dolo” ou da “culpa”.

Segundo Dias552, “(...) a teoria da responsabilidade objetiva, ou

doutrina do risco (...) Corresponde, em temos científicos, à necessidade de resolver

casos de danos que pelo menos com acerto técnico não seriam reparados pelo

critério clássico da culpa (...)”.

Assim, pode-se conceituar a Responsabilidade Civil Objetiva

como “(...) aquela que é apurada independentemente de culpa do agente causador

do dano, pela atividade perigosa por ele desempenhada”553.

550 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4. p. 17. 551 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, v.1, p. 14.

552 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, v.1, p. 49. 553 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 195.

Page 177: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Para Gonçalves554, “A responsabilidade objetiva funda-se num

princípio de equidade, existente desde o Direito Romano: aquele que lucra com uma

situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes (ubi

emolumentum, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda). Quem aufere cômodos (ou

lucros), deve suportar os incômodos (ou riscos)”.

Como anteriormente tratado, o sistema da Responsabilidade

Civil, no Brasil, adota o princípio da culpa como fundamento da Responsabilidade555.

Embora com tendência crescente a se firmar na legislação brasileira556, ante a

necessidade da vida social, a Teoria da Responsabilidade Civil Objetiva somente é

cabível quando a lei admitir de forma expressa. Acompanhando esta tendência,

observa-se a crescente procura, pela necessidade, do contrato de seguro, no qual

“(...) se encontrará a solução para a amplitude de indenização que se almeja em prol

da paz social. Quanto maior o número de atividades protegidas pelo seguro, menor

será a possibilidade de situações de prejuízo restarem irressarcidas”557.

Conforme a lição de Compagnucci de Caso558:

En paises más adelantados se intenta la reparación de las víctimas, especialmente cuando han sufrido daños personales, mediante la aplicación del sistema de la seguridad social, lo cual se denomina ‘socialización de los riesgos’. Para este régimen se toma en cuenta la protección de quien ve disminuidas sus fuerzas físicas, que en ciertos casos es el único capital con que cuenta. Así, los sistemas impuestos en Nueva Zelanda, Australia, Canadá, Suecia, Francia (en algunos

554 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil : doutrina, jurisprudência. 6. ed. São

Paulo: Saraiva, 1995. p. 6. 555 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, v.1, p. 47. 556 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4. p. 18. 557 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4. p. 15. 558 COMPAGNUCCI DE CASO, Rúben H.. Manual de obligaciones, p. 14, (“Em países mais

adiantados se intenta a reparação das vítimas, especialmente quando tenham sofrido danos pessoais, mediante a aplicação do sistema da seguridade social, o qual se denomina ‘socialização dos riscos’. Para este regime se leva em consideração a proteção de quem vê diminuídas suas forças físicas, que em certos casos é o único capital com que conta. Assim, os sistemas impostos na Nova Zelândia, Austrália, Canadá, Suécia, França (em alguns certos) tendem a estes fins. Este princípio se vislumbra como um dos elementos qualificadores do direito das obrigações do presente século e do próximo”).

Page 178: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

supuestos) tienden a estos fines. Este principio se vislumbra como uno de los elementos cualificadores del derecho de las obligaciones del presente siglo y del próximo.

Ripert559 estabelece os pontos que favorecem a aplicação da

teoria do Risco:

(...) Pondo à conta da atividade uma responsabilidade eventual, refreia o exercício interessado duma liberdade que não quer constrangimento, e combate esse individualismo egoísta que atua sem preocupação alguma pelo interesse de outrem. Protegendo interesses materiais e morais das vítimas, essa teoria garantiu a segurança das situações contra os empreendimentos nocivos e, quando uma força nova vem ameaçar, os homens detêm essa força pela ameaça duma responsabilidade. Estabelecendo entre os homens novas causas de ação para reparação de danos, cria uma consciência mais clara da solidariedade que os une.

Para Gonçalves560, “Nos últimos tempos vem ganhando terreno

a chamada teoria do risco que, sem substituir a teoria da culpa, cobre muitas

hipóteses em que o apelo às concepções tradicionais se revela insuficiente para a

proteção da vítima (...)”.

Observa-se que a tendência é de que haja uma socialização

dos riscos, buscando-se uma solução justa ao caso, de forma que a vítima possa

lograr a devida reparação do prejuízo sofrido e que se atribua ao “responsável” o

ônus da consequência danosa561.

4.4.1. A Responsabilidade Civil Objetiva e a ativid ade de Risco

O Risco da Atividade consiste no “(...) perigo que determinada

559 RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis , p. 214. 560 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil : doutrina, jurisprudência, p. 6. 561 COMPAGNUCCI DE CASO, Rúben H.. Manual de obligaciones , p. 14.

Page 179: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

conduta pode proporcionar à personalidade e ao patrimônio alheio”562. A tendência

socializadora dos riscos já foi tratada anteriormente. Nela se observou que a direção

tomada por diversos países foi de ampliar a responsabilidade, a fim de que o

ressarcimento pelo ilícito tivesse a devida satisfação.

A Responsabilidade Civil está vinculada, também, aos

princípios da solidariedade social e da justiça distributiva, determinada pelo art. 3o, I

e III, da CRFB/88. Tais princípios buscam uma sociedade justa, livre e solidária, a

erradicação da pobreza, da marginalização e a redução das desigualdades regionais

e sociais. Com isso a repartição dos riscos da atividade econômica passa a se

expandir, intensificando-se e desenvolvendo-se critérios de reparação civil e de

novas formas de seguro social563.

A aplicação da Responsabilidade Civil Objetiva pretende suprir

a dogmática subjetivista, no sentido de que somente o dano injusto seria causa de

reparação, diante da evolução de demandas sociais originadas com a

industrialização. Buscou-se, então, vincular “os danos decorrentes da atividade

produtiva aos riscos empresariais, poupando as vítimas da instrução probatória, nem

sempre simples ou mesmo possível, destinada a identificar a conduta culposa”564.

Segundo Ripert565, “O homem deve agir; agir comporta riscos

para o próprio e para os outros; pouco importa, visto que a ação é a lei do homem.

Mas o homem não deve agir mal, e isso sucede-se quando causa a outrem um

prejuízo que não pôde prever, impedir ou atenuar. Deve-se então dizer mea culpa, e

uma vez que o mal está feito, repará-lo”.

Neste norte, o Código Civil de 2002 estabeleceu duas formas

de reconhecimento da Responsabilidade Civil, sem se questionar a culpa do infrator

(Responsabilidade Civil Objetiva): uma por determinação legal (primeira parte), e

562 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil.

v. 2. p. 232. 563 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil , p. 175-176. 564 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil , p. 175-182. 565 RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis , p. 222.

Page 180: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

outra, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar,

por sua natureza, Risco para os direitos de outrem, conforme a redação do artigo

927566. Ambas as modalidades interessam para esse estudo. A primeira, porque a lei

deveria prever a responsabilidade do Credor Fiduciário, durante o período do

contrato, por ser Proprietário Fiduciário do bem; a segunda, porque os Veículos

Automotores são considerados bens perigosos, e são negociados pelos contratos de

Alienação Fiduciária em Garantia pelas “financeiras”, o que representa lucro para

estas e risco para a Sociedade.

Para Gonçalves567, “(...) a admissão da responsabilidade sem

culpa pelo exercício de atividade que, por sua natureza, representa risco para os

direitos de outrem, da forma genérica como está no texto, possibilitará ao Judiciário

uma ampliação dos casos de dano indenizável”.

Pereira568 ensina que, na Teoria do Risco:

(...) todo aquele que disponha de um conforto oferecido pelo progresso ou que realize um empreendimento portador de utilidade ou prazer, deve suportar os riscos a que exponha os outros. Cada um deve sofrer o risco de seus atos, sem cogitação da idéia de culpa, e, portanto, o fundamento da responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a idéia de risco. Ao entendê-lo, os doutrinadores o encararam ora como risco-proveito, que se funda no princípio, segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em conseqüência de uma atividade realizada em benefício do responsável (ibi emolumentum, ibi onus); ora mais genericamente como risco criado, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo.

Segundo Gagliano569, o artigo 927, do Código Civil, sobre a 566 “Art. 927 . Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a

repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos

especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar,

por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. 567 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, p. 25. 568 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil , v.1, p. 422.

Page 181: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Responsabilidade Civil pela Atividade de Risco, constitui um dos pontos mais

polêmicos do referido Código, pois se trata de um conceito jurídico indeterminado,

que dá margem a uma interpretação ampla por parte do magistrado, pois o conceito

de “atividade de risco” só poderá ser identificado jurisprudencialmente, ao se

analisar casos concretos submetidos ao Poder Judiciário.

O exercício da Atividade de Risco pressupõe a necessidade de

se objetivar um determinado proveito, geralmente de essência econômica, originado

como decorrência da própria atividade que seja potencialmente danosa (Risco-

proveito)570.

Ensina Gutierrez571 que os meios de produção é que devem

suportar o dano no sistema conhecido como “Risco de empresa”. Por esta teoria,

“toda actividad económica comporta la creación de un peligro para la comunidad, es

decir, es fuente de una posibilidad de daño. Simultáneamente aparece otro

fundamento, que, sumado al riesgo creado, justifica la atribución del daño: el

provecho”. Tais teorias serão, também, tratadas a seguir.

Lisboa572, ao lado da teoria do Risco da Atividade, também se

refere ao “Risco Exacerbado”, o qual consiste em “perigo extremo de dano”, fundada

a reparação do dano na periculosidade que determinadas atividades representam,

como é o caso do dano nuclear, transporte e manipulação de energia nuclear, o que

não se enquadra na presente Tese.

4.4.2. A Teoria do Risco

Segundo esta teoria, “(...) toda pessoa que exerce alguma

atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo,

569 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 155. 570 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 156. 571 GUTIERREZ, Graciela Messina de Estrella. Responsabilidad civil de la empresa . Santa Fé, Argentina: Editorial Jurídica Panamericana S.R.L., 1996. p. 104, (“toda atividade econômica comporta a criação de um perigo para a comunidade, quer dizer, é fonte de uma possibilidade de dano. Simultaneamente aparece outro fundamento, que, somado ao risco criado, justifica a atribuição do dano: o proveito”). 572 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 232-233.

Page 182: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

ainda que sua conduta seja isenta de culpa.”573.

Ensina Dias574, parafraseando Pontes de Miranda, que a teoria

da Responsabilidade Civil deve variar conforme o conceito do dano, com as

necessidades gnosiológicas, econômicas e políticas. A seguir, leciona que a teoria

da Responsabilidade passou por mudanças radicais, dividindo tais mudanças em

três momentos distintos:

a) individualismo, assente no princípio do atomismo social e

expresso na fórmula: autonomia de vontade + culpa extracontratual = teorias clássicas da responsabilidade civil; b) transição, por influência da máquina e do aumento dos

sinistros. Suas conseqüências-ensaios são o mutualismo, a responsabilidade por acidentes, com interpretação semi-clássica (responsabilidade pela causa final, invocação ao ubi emolumentum, ibi onus) e interpretação moderna (responsabilidade sem culpa); c) solução científica, expressa

na responsabilidade social e individual pelo dano”. Segundo já foi exposto, a deficiência da teoria da culpabilidade,

em muitos casos, deu causa à origem da Teoria do Risco. De forma geral, essa

última teoria (que possui algumas espécies), sustenta que, ainda que o sujeito

coloque toda a diligência para evitar o dano, ainda assim, é responsável pelos

perigos ou riscos que sua atuação venha a promover. Isto originou a chamada teoria

do Risco Criado e do Risco Benefício, de forma que o sujeito que obtém vantagens

ou benefícios em determinada atividade, em razão dessa atividade, possui o dever

de indenizar os danos ocasionados por ela575. Apesar de haver outras modalidades

de Teoria do Risco (integral, profissional, excepcional), a presente pesquisa se

concentrará somente na Teoria do Risco Criado e do Risco Benefício (ou Risco

Proveito).

Para Dias576, “(...) A culpa e o risco não são mais que critérios

573 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro : parte geral, v. 1. p. 451. 574 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, v.1. p. 43. 575 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4. p.13. 576 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, v.1, p. 43.

Page 183: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

possíveis, mais ou menos frequentes. A distribuição do ônus do prejuízo atende,

primordialmente, ao interesse da paz social”.

O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, esclarece quem

será o responsável e quando ocorrerá a aludida Responsabilidade Civil Objetiva577.

Venosa578 ensina que este artigo transfere para a jurisprudência a tarefa de

conceituar a “Atividade de Risco”, no caso concreto, o que pode acarretar uma

dilatação da responsabilidade sem culpa (Responsabilidade Civil Objetiva).

Criticando essa norma, alega ser discutível a conveniência da mesma, por ser

demasiado genérica, de forma que o legislador deveria manter a definição das

situações em que, efetivamente, se aplica a teoria do Risco. Aqui, portanto, encaixa-

se a proposta que a Tese pretende estabelecer.

Para Lisboa579, “A noção de atividade perigosa evoluiu ante o

reconhecimento de que há atividades cujo risco é bem mais acentuado que as

industriais comuns e as de transporte coletivo. (...)”. O mesmo doutrinador, na

seqüência, ensina que isto fez com que surgisse a teoria do Risco Exacerbado,

consistente naquela que “(...) é apurada independentemente de culpa do agente

causador do dano, pela gravidade ou risco exacerbado da atividade perigosa por ele

desempenhada”.

Conforme Venosa580, ainda, “Todas as teorias e adjetivações

na responsabilidade objetiva decorrem da mesma idéia. Qualquer que seja a

qualificação do risco, o que importa é sua essência: em todas as situações

socialmente relevantes, quando a prova da culpa é um fardo pesado ou

intransponível para a vítima, a lei opta por dispensá-la”.

577 Art. 927 . Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a

repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos

especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 578 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4. p. 15. 579 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 195. 580 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4. p. 17.

Page 184: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Gonçalves581 entende que “Na teoria do risco se subsume a

idéia do exercício de atividade perigosa como fundamento da responsabilidade civil.

O exercício de atividade que possa oferecer algum perigo representa um risco, que

o agente assume, de ser obrigado a ressarcir os danos que venham resultar a

terceiros dessa atividade”.

Esta teoria, na Itália, tem como princípio básico o fato de que “o

risco obriga”, querendo significar que aquele que deve se preparar para assumir o

risco, antecipadamente deve se precaver para contratar o seguro que cubra tais

riscos582. Em outros termos, “lo que debe ser soportado por la empresa es el riesgo

asegurable, em cuanto normalmente previsible y típicamente conocido por la

actividad económica de quien lo genera”583. A responsabilidade profissional é

avaliada em virtude do risco previsível e quantificável, que se transfere para os

custos do produto. Desta forma, o empresário possui condições de “neutralizar el

álea del daño a través del seguro; así la asunción del riesgo por el seguro viene a

formar parte del costo de la producción que es a su vez distribuido entre el

público”584. Dispõe Gutierrez585, também, que de tais circunstâncias surgem

importantes conseqüências:

“a) permite al legislador en vista a la utilidad que se deriva a toda la comunidad, imponer a ésta el peso del daño – al aumentar el costo de la producción por la aseguración-; b) genera una mejor distribución del riesgo de la actividad económica. En ese sentido, la responsabilidad constituye el

581 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil : doutrina, jurisprudência, p. 6. 582 GUTIERREZ, Graciela Messina de Estrella. Responsabilidad civil de la empresa , p. 106. 583 GUTIERREZ, Graciela Messina de Estrella. Responsabilidad civil de la empresa , p. 106, (“o que deve ser suportado pela empresa é o risco assegurável, enquanto normalmente previsível e tipicamente conhecido pela atividade econômica de quem o gera”). 584 GUTIERREZ, Graciela Messina de Estrella. Responsabilidad civil de la empresa , p. 10, (“neutralizar a álea do dano através do seguro; assim a assunção do risco pelo seguro vem a formar parte do custo da produção que é, por sua vez, distribuído entre o público”). 585 GUTIERREZ, Graciela Messina de Estrella. Responsabilidad civil de la empresa , p. 107, (“a) permite ao legislador, em vista da utilidade que se deriva a toda a comunidade, impor a esta o peso do dano – ao aumentar o custo da produção pela securitização-; b) gera uma melhor distribuição do risco da atividade econômica. Nesse sentido, a responsabilidade constitui o melhor canal para a distribuição do risco da atividade econômica entre o público: a empresa é intermediária para assumi-los entre o indivíduo e a comunidade. A função social de prevenção consiste em colocar a cargo do empresário a responsabilidade pelos danos causad os pela atividade empresarial: este trabalho de previsão é uma função indireta do Direi to ”).

Page 185: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

mejor canal para la distribución del riesgo de la actividad económica entre el público: la empresa es intermediaria para asumirlos entre el individuo y la comunidad. La función social de prevención consiste en colocar a cargo del empre sario la responsabilidad por los daños causados por la actividad empresarial: esta labor de previsión es u na función indirecta del Derecho ” (sem grifo no original).

Seguem as considerações sobre as teorias do Risco Proveito e

do Risco Criado, modalidades da Teoria do Risco.

4.4.2.1. Teoria do Risco Proveito

Conforme Venosa586, foi no final do Século XIX que as

manifestações iniciais sobre a teoria objetiva (também conhecida como Teoria do

Risco) surgiram.

Aquele que cria um risco com a atividade por si realizada deve

suportar os danos ocasionados por sua conduta, pois tal atividade proporciona um

benefício para aquele que a exerce, cuidando-se esta teoria da chamada Teoria do

Risco Proveito587.

As bases desta teoria do Risco-Proveito remontam do Direito

Romano: “(...) na conhecida passagem de Paulo; ‘Secundum naturam est, commoda

cujusque rei eum sequi, quem sequuntur incommoda’ (fr. 10, De diversis regulis júris

antigui., L. 17), pensamento que os doutrinistas alemães expressam no ‘eigenes

Interesse, eigene Gefahr (Loning, Unger).”588.

Esta teoria prega que, havendo vantagens, deve haver

contrapartida dos riscos, exemplificando Silva589: “Quem se beneficia com as

comodidades que um automóvel propicie, razoável é que arque com as

desvantagens conseqüentes das reparações que, no uso da coisa, e por acidentes,

venha a ocasionar a terceiros”.

586 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4. p. 17. 587 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4. p. 17. 588 SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa . 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1974. p. 55. 589 SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa , p. 55.

Page 186: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

A teoria do Risco Proveito funda-se, portanto, “(...) no princípio

de que é reparável o dano causado a outrem em conseqüência de uma atividade

realizada em benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi onus, isto é, quem

aufere os cômodos (lucros) deve suportar os incômodos ou riscos) (...)”590.

O que se torna difícil para esta teoria é tornar claro o proveito

que decorre da atividade, podendo-se cogitar o proveito decorrente da atividade

como justificativa da responsabilidade civil objetiva, desde que à vítima cumpra

somente a prova do fato danoso e do nexo de causalidade591.

Segundo Silva592, os doutrinadores contrários à teoria do

Risco-Proveito, ao adversá-la, perguntam-se como conceituar o que se chama

“proveito”:

(...) De maneira ampla, envolvendo toda e qualquer espécie de vantagem ou, de maneira estrita, implicando apenas ganhos de natureza econômica? Que se poderia, afinal, ter por ‘proveito’, sabido como é que, de uma abstenção ou mesmo de fatos negativamente econômicos em si, pode-se usufruir, não raro, algumas vantagens? E ao demais, ali onde não se pudesse demonstrar o lucro ou o proveito, não se haveria de falar, à luz de tal ensinamento, em obrigação de reparar pelos danos eventuais. E no caso, particular, do chamado risco profissional ou industrial, a prevalecer, stricto sensu, esse fundamento doutrinário, razão, em verdade, já não mais haveria para se insistir na implantação da tese objetiva, uma vez que já fora ela acolhida na Lei de Acidentes do Trabalho, na França, pelo menos. Disso se apercebendo, trataram os defensores da responsabilidade objetiva de ampliar a área do risco, pela supressão do qualificativo ‘proveito’ que, usualmente, se lhe apunha. (...) E o fundamento doutrinário da teoria da responsabilidade civil

590 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro : parte geral, v. 1. p. 451. 591 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4. p. 17. 592 SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa , p. 55-56.

Page 187: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

passou do risco-proveito ao do risco simplesmente, ou, com mais generalidade, ao do risco criado.

Segundo Silva593, “(...) A eventualidade do ganho, o fito da

atividade da qual decorram os danos, e não os resultados mesmos dela, o proveito

esperado, o enriquecimento obtido, é que seriam levados na devida conta. Só por

essa forma, razoável e inteligente, é que se poderia entender a expressão lucro-

proveito”.

4.4.2.2. A Teoria do Risco Criado

Para esta teoria, “O agente deve indenizar quando, em razão

de sua atividade ou profissão, cria um perigo. Esse, aliás, deve ser o denominador

para o juiz definir a atividade de risco no caso concreto segundo o art. 927,

parágrafo único, qual seja, a criação de um perigo para terceiros em geral”594.

Segundo Silva595:

O risco-criado não é individual, mas coletivo. E para atender a reclamos de ordem geral é que as grandes empresas se organizam. E porque o automóvel se tornou um meio de locomoção adaptável às injunções do tempo, foi que o médico, por exemplo, ou o industrial, o faz correr pelas estradas. Justo e razoável, pois não é que, aos riscos coletivos, venha a corresponder uma responsabilidade individual, daí resultando, muito pelo contrário, uma imperiosa necessidade da socialização dessa responsabilidade mesma. E se a coletivização dos riscos conduz à socialização da responsabilidade civil, daí brota o anelo de sécurité social,

afirma Rodière.

593 SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa , p. 107. 594 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4. p. 17. 595 SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa e socialização do risco . Belo Horizonte:

Editora Bernardo Álvares S/A., 1962. p. 295-296.

Page 188: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Para Gonçalves596, o Risco Criado consiste no risco “(...) a que

se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-

lo, em razão de uma atividade perigosa (...)”.

Pereira597 filia sua opinião na teoria do Risco Criado por ser

aquele que se adapta melhor às condições da vida social, tratando-se do risco no

qual “(...) se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos

eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de

determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à

negligência, a um erro de conduta, e assim, se configura a teoria do risco criado”.

Ensina Pereira598, ainda, que o Projeto do Código Civil (atual

Código Civil, Lei n º 10.406/2002), adotou a doutrina do Risco Criado, proclamando

que “(...) a indenização provém de uma relação entre o fato danoso e o seu autor,

sem se indagar se aquele fato foi ou não causado pela contraveniência a uma norma

de conduta predeterminada, porém, advindo de atividade ou profissão que, por sua

natureza, gera um risco para outrem”, fórmula esta que permitirá a dilatação da

obrigação de reparar o prejuízo causado.

A teoria do Risco Criado é ampliação do conceito do Risco

Proveito, diferenciando-se desta em razão de que naquela não há a cogitação de

qualquer proveito ou vantagem ao agente, podendo haver, contudo, mera suposição.

Não há, porém, subordinação ao dever de reparação com fundamento na vantagem

aferida. O que se busca identificar na Teoria do Risco Criado é a atividade em si,

sem qualquer dependência do resultado bom ou mau ao agente599. Essa teoria é

mais eqüitativa à vítima, pois esta não precisa provar o proveito ou benefício do

agente ocasionado pelo dano, mas simplesmente assumir o agente as

conseqüências de sua atividade600.

596 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro : parte geral, v. 1. p. 451. 597 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, p. 270. 598 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, p. 275. 599 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, p. 284-285. 600 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, p. 285.

Page 189: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

A Teoria do Risco Criado pode ser entendida com o exemplo do

automobilista601: “na doutrina do risco proveito a vítima somente teria direito ao

ressarcimento se o agente obtivesse proveito, enquanto na do risco criado a

indenização é devida mesmo no caso do automobilista estar passeando por prazer”.

Essa Teoria, como se pode observar, se ajusta e se aplica à proposta da presente

Tese.

4.5. OS VEÍCULOS AUTOMOTORES E SUA CONDIÇÃO DE PERI CULOSIDADE

O que se pretende mostrar com o presente estudo é que, pela

Teoria da Causalidade Adequada, o Credor Fiduciário é também responsável pelo

evento danoso ocasionado por culpa do Devedor Fiduciante, não só por ter colocado

em suas mãos um Veículo Automotor, cujo perigo é evidente. Por Veículos

Automotores de Via Terrestre entende-se “todo veículo a motor de propulsão que

circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de

pessoas e coisas, ou para tração viária de veículos utilizados para o transporte de

pessoas e coisas”602, tais como motocicletas, automóveis, microônibus, ônibus,

caminhonete, caminhão, e todos aqueles cuja tração se dê em virtude de algum

motor, ou seja, todos os meios motorizados de transporte de pessoas ou coisas por

via terrestre.

A respeito da condição de perigo apresentada por tais veículos,

Lloyd603 cita, como exemplo, o risco de danos ocasionados em vias públicas pelo

uso de veículos motores, hipótese tratada nesta pesquisa.

Castro604 ensina que há uma evolução no que diz respeito ao

tratamento de automóveis como sendo coisas perigosas, aptas a gerar risco: “Inicie-

se com menção aos acidentes ocorridos em carros emprestados. Com freqüência, o

proprietário de um carro empresta-o a um amigo, e este bate ou atropela alguém. O

601 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, p. 285. 602 BRASIL. Código de Trânsito brasileiro: Lei n º 9.503, de 23 de setembro de 1997. Emílio

Sabatovski, Iara Fontoura e Tânia Saiki. Curitiba: Juruá, 1997. 603 LLOYD, of Hampstead, Dennis Loyd, Baron. A idéia de lei , p. 181. 604 CASTRO, Guilherme Couto de. A responsabilidade civil objetiva no direito brasil eiro : o papel

da culpa em seu contexto. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 37.

Page 190: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Judiciário é chamado a solucionar, então, contendas interpostas diretamente contra

o proprietário, em razão de ser ele o dono da coisa geradora do prejuízo”. A seguir,

completa o autor605:

Em nítida minoria, há julgados sustentando não ser o titular do bem o responsável civil, apenas em razão de ter a propriedade do veículo; se este foi emprestado para pessoa habilitada, prudente, sem problema possível de ser previsto, sustentam esses arestos que o ressarcimento deve ser buscado exclusivamente contra o condutor do auto. A visão preponderante, no entanto, afirma o dever solidário do dono, ressalvada a ação de regresso contra o condutor.

E conclui Castro606 acerca da condição de periculosidade

apresentada pelos Veículos Automotores: “A explanação correta, sustentada pela

melhor doutrina, é reconhecer, simplesmente, que a teoria do risco domina o tema,

extraída de preceitos vários, inclusive da ratio do Código Nacional de Trânsito, arts.

100-102, certo que os automóveis, em si, são bens perigosos”.

A própria Lei n º 9.503, de 23 de setembro de 1997, também

conhecida como Código de Trânsito Brasileiro, a partir do artigo 291, estabelece

várias sanções para crimes decorrentes de acidentes cometidos na direção de

Veículos Automotores. Entre tais crimes, pode-se citar os artigos607 302608, 303609,

605 CASTRO, Guilherme Couto de. A responsabilidade civil objetiva no direito brasil eiro : o papel

da culpa em seu contexto, p. 38. 606 CASTRO, Guilherme Couto de. A responsabilidade civil objetiva no direito brasil eiro : o papel

da culpa em seu contexto, p. 38. 607 Os artigos a seguir citados são extraídos de SABATOVSKI, Emílio. Código de trânsito brasileiro .

Curitiba: Juruá, 1997. p. 60-61. 608 “Art. 302. praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:

Penas – detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Parágrafo único – No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente: (...)”.

609 “Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor:

Penas – detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.”.

Page 191: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

306610, 308611, 309612, 310613 e 311614, observando-se a preocupação, também, do

legislador quanto ao perigo que tais veículos podem ocasionar com relação à vida e

à integridade física da pessoa humana. Aliás, neste sentido, Diniz615 manifesta as

principais causas determinantes dos acidentes de trânsito:

(...) desobediência às normas do Código de Trânsito (Lei n. 9.503/97); excesso de velocidade; sono ao volante; embriaguez; falta de ajuste psicofísico para dirigir o veículo; nervosismo habitual ou esporádico; uso de drogas; conversa com o acompanhante ou passageiro; estados de depressão e de angústia; desvio de atenção para contemplar pessoas que passam ao lado do veículo ou paisagens; manejo, concomitante, do volante e do aparelho de som de que é provido o carro; ato de acender cigarro quando o veículo se encontra em movimento; imperícia do condutor; ultrapassagem imprudente nas curvas; falha mecânica (RT, 451: 97, 563:146) ou más condições do veículo e de visibilidade; culpa de pedestre que, p. ex., atravessa a rua desatento à sinalização luminosa ou fora das faixas assinaladas, que desce de veículo sem a devida cautela e do lado da circulação etc.

610 “Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de

efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem:

Pena - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor.”.

611 “Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, desde que resulte dano potencial à incolumidade pública ou privada:

Penas – detenção, de seis meses a dois anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.”.

612 “Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano:

Penas – detenção, de seis meses a um ano, ou multa.”. 613 “Art. 310. Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada,

com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança:

Penas – detenção, de seis meses a um ano ou multa.”. 614 “Art. 311. trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas,

hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano:

Penas – detenção, de seis meses a um ano, ou multa.”. 615 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil : responsabilidade civil, v. 7. p. 481.

Page 192: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Para Dias616, “A circulação dos automóveis criou um risco

social próprio, a que é preciso atender, estabelecendo a responsabilidade na base

dos princípios objetivos, consagrando-se como corretivo das demasias que

provavelmente acarretaria, a responsabilidade limitada e o seguro obrigatório (...)”.

Informa Diniz617, também, que “(...) a maioria de nossos juízes e tribunais (RTJ,

51:631) e mesmo o lesado têm considerado com base no direito positivo a

responsabilidade nos acidentes de trânsito objetivamente, por considerarem o

automóvel coisa perigosa”.

Conclui-se, pela análise acima, que os Veículos Automotores

são considerados produtos perigosos, que colocam em risco a vida e incolumidade

física dos integrantes da Sociedade. Ao estabelecer contratos de Alienação

Fiduciária em Garantia (que, como visto, é possível sua realização somente por

Instituições Financeiras) envolvendo Veículos Automotores como objeto do contrato,

tal atividade, que é normalmente desenvolvida por tais Instituições Financeiras

(Credor Fiduciário) colocam em risco os direitos de outrem. Além disso, e como

agravante à responsabilidade das Instituições Financeiras que realizam tais

contratos, há a responsabilidade das mesmas pela qualidade de Fiduciárias, diante

do fato que, pela alienação do veículo, permanecendo ainda este Credor Fiduciário

como proprietário do bem (e aqui ingressa a análise realizada sobre a Função Social

da Propriedade), está auferindo lucro pela Alienação Fiduciária contratada, devendo,

também, arcar com os ônus durante o período da contratação. Aqui,

especificamente, por se tratar de forma contratual realizada por Instituição

Financeira, a qual, pela Teoria do Risco Criado, decorrente da atividade empresarial

e do Risco-benefício, também responde pelo fato.

Para Silva, nem sempre o autor do risco é o autor material da

coisa que prejudicou outrem, mas todo aquele que venha a utilizar a coisa, pois, “Do

contrário ter-se-ia de chegar a conseqüências esdrúxulas, quais, dentre outras, a de

fazer responsável, por exemplo, determinada fábrica de automóveis por todos os

616 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. v.2. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 412-413. 617 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil : responsabilidade civil, v. 7. p. 484.

Page 193: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

danos levados a efeito por intermédio dos carros de sua indústria...”618. Não se

pense, para efeitos dessa Tese, nessa hipótese. A Responsabilidade Civil seria, de

forma solidária do Proprietário Fiduciário do Veículo Automotor, enquanto

perdurarem os efeitos do contrato, primeiro por ser proprietário (ainda que em

condição resolúvel); depois, por estar lucrando com a atividade (ao contratar o

Veículo Automotor como objeto do contrato, além de estar colocando bem perigoso

no mercado, estará lucrando com as cláusulas de juros e demais encargos

estabelecidos no contrato).

Segundo Ripert619, “A responsabilidade que a jurisprudência

fez pesar sobre os exploradores de automóveis é simplesmente o encargo dum

risco. Os tribunais sabem-no muito bem. Condenam muitas vezes mesmo quando se

demonstrou a culpa da vítima, e têm o cuidado de não condenar senão nos limites

da indenização do seguro”. Ainda mais deve se estender esta responsabilidade se o

explorador, além de lucrar com esta atividade, continuar proprietário do bem, como é

a proposta desta pesquisa. Adiante, o mesmo autor620 trata dos deveres particulares

que incumbem a cada homem, os quais devem ser considerados para efeitos de

Responsabilidade Civil, e dentre eles destaca o seguinte:

2o. Aqueles que se entregam a uma atividade lícita, mas perigosa, têm obrigação de não causar prejuízo a outrem, ou, em todo caso, de reparar o prejuízo que causaram. A este título admitiu-se muito facilmente a responsabilidade em caso de uso dum novo meio de locomoção, mostrando-se menos severos quando o uso se espalhou. Os tramways foram considerados antigamente como perigosos, depois os automóveis, hoje os aviões; (...)”.

Dias621, ao tratar da Teoria Objetiva (Responsabilidade Civil

Objetiva), esclarece que a mesma se aplica a diversos setores de atividade, e, “Em

matéria de automóveis, a doutrina objetiva vem fazendo constantes progressos. Foi

a Dinamarca, por uma lei de 1906, o primeiro país a aplica-la à responsabilidade 618 SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa , p. 107. 619 RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis , p. 224. 620 RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis , p. 237. 621 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, v.1, p. 83.

Page 194: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

derivada de acidente de automóveis. Seguiram-se a esse exemplo disposições

idênticas nas legislações austríaca (1908), alemã (1909) e italiana (1912) (...)”.

Ao tratar sobre a socialização dos riscos, ensina Silva622 que,

“(...) num Estado onde nada se pudesse recear quanto aos golpes da sorte e do azar

e às conseqüências das mais lícitas atividades, de onde, vez por outra, o dano

emerge, e onde as vítimas em potencial nada tivessem a temer quanto à

insolvabilidade no tocante à indenização que lhes fosse devida, lucrariam todos”.

Com isso, a socialização dos riscos é entendida como um fator de satisfação social

àqueles que se vêem expostos a perigos constantes, decorrentes de produtos ou

serviços perigosos dispostos na Sociedade.

4.6. A RESPONSABILIDADE POR FATO DE OUTREM E PELO F ATO DA COISA

NO DIREITO BRASILEIRO

No âmbito da classificação da Responsabilidade Civil, entre as

subdivisões realizadas pela doutrina se encontram, sob o aspecto da causa desta

responsabilidade, a Responsabilidade Civil direta (por ato pessoal, ou por fato

próprio) e indireta (ou por fato de outrem). Responsabilidade Civil direta consiste

naquela em que o próprio sujeito sobre o qual recai a imputabilidade foi o causador

do dano; Responsabilidade Civil indireta é aquela em que “(...) o ato é praticado por

terceiro (pessoa com a qual o agente mantém vínculo legal de responsabilidade) ou,

ainda, o acontecimento se deve ao instrumento causador do dano – o animal ou a

coisa -, que se encontrava na guarda intelectual do responsável.”623. Assim, o

principal pressuposto da culpa pelo fato de terceiro reside no seguinte: “(...) a culpa

de um agente, objetiva ou subjetiva, faz nascer a responsabilidade de terceiro

apontado pela lei. (...)”624.

Essa Responsabilidade Civil indireta consta no artigo 932, do

622 SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa ,. p. 177. 623 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 195-196. 624 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4. p. 59.

Page 195: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Código Civil625. Venosa626, comentando sobre o artigo 932, do Código Civil, ensina

que, embora a responsabilidade civil decorra do ato danoso dos agentes elencados

no referido artigo, o terceiro só pode responder se o ato foi praticado por culpa do

autor material do dano. Tal modalidade de culpa é explicada pela doutrina como

sendo próxima da teoria do risco, teoria esta que passou a ser contemplada pelo

Código Civil de 2002. Deve-se identificar, no caso concreto, de quem foi a causa

exclusiva do prejuízo: se o agente, ou o terceiro. Se a culpa decorreu

exclusivamente do terceiro, não há, em princípio, nexo causal, pois o fato de terceiro

só exclui o dever de indenizar quando eliminar o nexo causal, constituindo causa

estranha ao comportamento do agente. Esse agente deve provar que o fato era

inevitável e imprevisível627.

Além disso, somente em circunstâncias excepcionais tem

admitido a jurisprudência o fato de terceiro como excludente de culpa, como se

constata na Súmula 187, do Supremo Tribunal Federal628: “A responsabilidade

contratual do transportador, pelo acidente com passageiro, não é ilidida por culpa de

terceiro, contra o qual tenha ação regressiva”.

A responsabilidade pelo fato de outrem se firma na idéia de

“(...) garantia para com terceiros dos atos duma pessoa. Ela é então puramente

técnica e compete ao legislador ver até que ponto ele quer que haja na sociedade

responsáveis por outrem (...)”629.

625 “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I- os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II- o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III- o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV- os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V- os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.”. 626 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4. p. 60. 627 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4, p. 13. 628 VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil, v. 4, p. 13. 629 RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis , p. 233.

Page 196: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

A Responsabilidade Civil pelo Fato da Coisa, que pode ser

animada ou inanimada, consiste naquela “(...) resultante de dano por ela

ocasionado, em razão de um defeito próprio, sem que para tal prejuízo tenha

concorrido diretamente a conduta humana”, abrangendo a responsabilidade por

dano ocasionado por animas e coisas objetos de guarda, respondendo pelo prejuízo

causado tanto o possuidor quanto o seu proprietário630. Para efeitos dessa Tese

interessa a Responsabilidade pelo Fato da Coisa inanimada, pois é o caso dos

Veículos Automotores de Via Terrestre.

Segundo Dias, essa espécie de responsabilidade surgiu em

decorrência da evolução da vida moderna e pelos inventos industriais que

ampliaram as ocorrências de Responsabilidade Civil631. Para Lisboa632, “(...) para

fins de responsabilidade civil, o animal e a coisa não podem praticar fato, pois se

tornam equivalentes a mero instrumento do dano causado em desfavor da vítima ou

de seu patrimônio”, sendo este também o entendimento de Ripert633.

Segundo Ripert634, a expressão “responsabilidade pelo fato das

coisas” tem o sentido de facilitar à vítima a prova da culpa do autor, permitindo

atacar quem, embora não tenha criado o perigo, tem a guarda de coisa perigosa. A

culpa pela guarda de coisa perigosa é imprescindível para que se possa

responsabilizar o guardião do bem. Consiste essa culpa em não se precaver para

que a coisa não se torne nociva ou, ainda que impossível a precaução,

simplesmente pelo fato de se servir de coisa considerada perigosa, de forma que “a

natureza do prejuízo causado revela imediatamente a culpa do guarda da coisa.” 635.

A Responsabilidade Civil pelo fato da coisa é prestigiada pela

jurisprudência no que diz respeito aos acidentes de automóveis, sendo que a

630 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil : responsabilidade civil, v. 7, p. 467. 631 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, v.2, p. 389. 632 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 230. 633 RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis , p. 228. 634 RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis , p. 229-230. 635 RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis , p. 229-230.

Page 197: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

obrigação pela guarda da coisa reside no impedimento de que a mesma escape do

controle humano636. Esta forma de Responsabilidade Civil “(...) se apóia em princípio

de equidade diferente, o do risco ligado a uma atividade proveitosa e independente.

Este é o critério para identificar o responsável (...)”637. Sobre este fato, manifesta-se

Dias638:

(...) O poder de direção não garante a vigilância constante, de todos os instantes, sobre a coisa, de forma que impeça venha a causar danos. A série de soluções que se desdobram nessa ordem de idéias não admite explicação que não seja fundada no proveito: o guardião é responsável, não em virtude do

ilusório poder de direção, mas porque, tirando proveito da coisa, deve, em compensação, suportar-lhe os riscos. Essa opinião é preponderante para a Tese, pois reforça a

opinião de que o Proprietário do bem na Alienação Fiduciária em Garantia, em se

tratando de Veículos Automotores, possui, também, uma responsabilidade pelo fato

de a coisa lhe pertencer, ou seja, por ser de sua titularidade. Neste sentido, ensina

Dias639 que “(...) A doutrina do risco, decorrente da atividade proveitosa e

independente, (...) corresponde melhor às exigências de uma solução

necessariamente ampla. As soluções jurisprudenciais bem podem auxiliar o trabalho

de encontrar resposta adequada aos problemas criados pela colisão de veículos

(...)”.

Importa ressaltar, ainda, que, em caso de Responsabilidade

Civil pelo fato da coisa inanimada, o dever de indenizar cumpre ao seu proprietário

em razão da presunção de sua responsabilidade pelos prejuízos que a coisa causar

a terceiros. Nesta hipótese, para afastar o nexo de causalidade, pode-se arguir

somente a culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior como excludentes

desta responsabilidade640.

636 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, v.2, p. 390-392. 637 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil., v.2, p. 394. 638 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, v.2, p. 392. 639 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, v.2, p. 395. 640 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil : responsabilidade civil, v. 7. p. 474.

Page 198: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

A seguir, tratar-se-á das excludentes de Responsabilidade Civil

Subjetiva e Objetiva, circunstâncias estas que podem atenuar ou isentar o agente do

dever de indenizar o prejuízo causado.

4.7. AS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJE TIVA E

OBJETIVA

As chamadas “excludentes de Responsabilidade Civil”

consistem nas “(...) situações jurídicas descritas pela lei que exoneram ao agente o

dever de indenizar”, podendo tais situações ser oriundas de causas naturais

(ocorrências inevitáveis e imprevisíveis), ou de causas voluntárias (na ocorrência de

fatos que são imputáveis a uma das partes ou a terceiro)641. A presença de alguma

das excludentes atenua ou extingue a obrigação de ressarcimento do agente à

vítima, pois atenua ou extingue a relação de causalidade642.

Consideram-se causas excludentes de Responsabilidade Civil

a culpa da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior e, no âmbito

contratual, a cláusula de não indenizar643.

Diferem essas causas conforme o sistema de

Responsabilidade Civil adotado, ou seja, se Responsabilidade Civil Subjetiva ou

Objetiva. Segundo Lisboa644, consistem em excludentes da Responsabilidade Civil

Subjetiva a legítima defesa própria e de terceiro, o estado de necessidade próprio e

de terceiro, o exercício regular do direito, o estrito cumprimento do dever legal, o

caso fortuito e a força maior. Para a Responsabilidade Civil Objetiva, de uma forma

geral, aplicam-se as seguintes excludentes, as quais passarão a ser detalhadas em

seguida: culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, força maior ou caso fortuito. Diz-se

“de uma forma geral”, pois na Responsabilidade Civil Objetiva por Risco exacerbado

(como nos casos de acidente nuclear), limitam-se as excludentes em culpa exclusiva

641 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 251-252. 642 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil : responsabilidade civil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 4. p.

164. 643 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil : responsabilidade civil, v. 4. p. 164. 644 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 252.

Page 199: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

da vítima e força maior e, quando se trata da Responsabilidade Civil Objetiva no

âmbito da legislação de proteção ao consumidor, entende-se não se aplicar sequer o

caso fortuito e a força maior645.

4.7.1. Legítima defesa própria e de terceiro

Segundo Lisboa646, a legítima defesa consiste na repulsa a

algum mal grave, injusto, atual ou iminente a uma das partes (legítima defesa

própria) ou pessoa diversa das partes (legítima defesa de terceiro), em certa relação

jurídica, ou contra os bens de qualquer uma delas.

Difere da excludente do estado de necessidade em razão de o

indivíduo causador do dano se encontrar “(...) diante de uma situação atual ou

iminente de injusta agressão, dirigida a si ou a terceiro, que não é obrigado a

suportar”647. Havendo, no entanto, imoderação ou desnecessidade dos meios

utilizados para afastar a agressão, surgirá o excesso e, conseqüentemente, o dever

de indenizar o dano causado pelo mesmo648.

Para Venosa649, ainda que haja semelhança entre legítima

defesa e estado de necessidade, ambas as situações não se confundem, pois “(...)

Na legítima defesa, há reação do ofendido, por meio de contra-ataque; o perigo

surge de uma agressão injusta. Já o estado de necessidade surge de um

acontecimento fortuito, acidental, criado pelo próprio atingido ou por terceiro”.

4.7.2. Estado de necessidade próprio e de terceiro

Entende Gagliano650 que “estado de necessidade” consiste

“(...) na situação de agressão a um direito alheio, de valor jurídico igual ou inferior

645 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 272. 646 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 252-253. 647 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 114. 648 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 115. 649 VENOSA, Silvio. Direito Civil : parte geral, v. 1. p. 601. 650 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 112.

Page 200: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

àquele que se pretende proteger, para remover perigo iminente, quando as

circunstâncias do fato não autorizarem outra forma de atuação”. É a situação em

que o direito de outrem é violado por alguém, sendo que este busca a remoção de

perigo iminente a um direito seu (estado de necessidade próprio) ou de terceiro

(estado de necessidade de terceiro), diferindo da legítima defesa por esta respeitar

aos direitos da personalidade, quando aquele se refere ao patrimônio do

indivíduo651. Não há necessidade, para que se configure o estado de necessidade,

de que o direito sacrificado de outrem seja inferior economicamente àquele da

pessoa que o sacrificou, exigindo-se, entretanto, a inevitabilidade do sacrifício652.

Difere, ainda, esta excludente daquela da legítima defesa

porque “(...) o agente não reage a uma situação injusta, mas atua para subtrair um

direito seu ou de outrem de uma situação de perigo concreto”653.

Há, no entanto, o dever do agente que atua em estado de

necessidade para afastar a situação perigosa dentro dos limites necessários, pois

será responsabilizado civilmente pelos excessos causados para a remoção do

referido perigo654.

4.7.3. Exercício regular do direito e o estrito cum primento do dever legal

O exercício regular do direito (também chamado “exercício

regular de um direito reconhecido”) consiste na excludente segundo a qual a

atividade humana é desenvolvida de acordo com o ordenamento jurídico, deixando

de ser considerada aquela em que se apresentar excesso desta atividade (abuso de

direito)655. Este direito deve ser reconhecido pelo ordenamento jurídico. No entanto,

se o titular do referido direito extrapolar os limites do mesmo, atuará com “abuso de

651 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 253. 652 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 254. 653 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3, p. 113. 654 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 113. 655 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 254.

Page 201: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

direito”, ou seja, usando “(...) de um poder, de uma faculdade, de um direito ou

mesmo de uma coisa, além do que razoavelmente o Direito e a sociedade

permitem”656, tratado este abuso como ato ilícito657.

Dessa forma, nesta excludente, “(...) o exercício de um direito

elimina a ilicitude. Quem exerce um direito não provoca o dano (qui iure suo utitur

nemine facit damnum) (...)”658.

Por estrito cumprimento do dever legal entende-se a “(...)

situação em que o sujeito viola direito alheio, com a finalidade de remover perigo

iminente de um direito de terceiro”659. Esta excludente está ligada diretamente

àquela do exercício regular de um direito, pois aquele que atua no cumprimento de

um dever legal está a exercer um direito reconhecido pelo ordenamento jurídico660.

4.7.4. A culpa exclusiva da vítima

Essa espécie de excludente consiste na “(...) violação do dever

jurídico que proporciona dano ao próprio violador, durante o exercício da atividade

perigosa, pelo agente ou seu subordinado”661. Entretanto, se houver concorrência da

vítima e do agente causador do dano, a Responsabilidade Civil deste será atenuada,

mas não desaparecerá662, havendo contribuição da vítima e repartindo-se,

proporcionalmente, os prejuízos. Porém, como acentua Dias663, “(...) só o exame do

juiz de caso a caso, poderá decidir sem risco de injustiça se a culpa concorrente da

vítima deve ou não influir na atribuição dos prejuízos”.

656 VENOSA, Silvio. Direito Civil : parte geral, v. 1. p. 603. 657 VENOSA, Silvio. Direito Civil : parte geral, v. 1. p. 607. 658 VENOSA, Silvio. Direito Civil : parte geral, v. 1. p. 601. 659 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 254. 660 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil , v. 3. p. 121. 661 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 272. 662 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil : responsabilidade civil, v. 4. p. 165. 663 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, v.2, p. 696.

Page 202: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

4.7.5. O fato de terceiro

Conhecido também como “culpa exclusiva de terceiro”, significa

a “(...) violação do dever jurídico de terceiro que proporciona dano à vítima, durante

o exercício da atividade perigosa, pelo agente ou seu subordinado”664. Assim, não

haverá Responsabilidade Civil por parte do explorador da atividade perigosa, pois a

violação foi realizada por pessoa desvinculada do causador do prejuízo665.

Segundo Dias666, “(...) terceiro é qualquer pessoa além da

vítima e do responsável. Ressalvam-se as pessoas por quem o agente responde,

tanto no regime delitual (filhos, tutelados, prepostos, aprendizes etc.) como no

campo contratual (encarregados da execução do contrato em geral), porque essas

não são terceiros, no sentido de estranhos à relação que aqui nos interessa”.

Saliente-se, ainda, que o fato de terceiro, para que tenha o

caráter de exclusão integral da Responsabilidade Civil do agente causador do dano,

deve se revestir de imprevisibilidade e irresistibilidade, assemelhando-se às

circunstâncias do caso fortuito, a seguir tratado667.

4.7.6. O caso fortuito e a força maior

Caso fortuito consiste em “(...) todo evento imprevisível e, por

vezes, inevitável, que prejudica os interesses patrimoniais ou morais da vítima.”,

tratando-se de ato relacionado com a intervenção humana 668. Contrariamente,

entende Azevedo669 que caso fortuito “(...) é o acontecimento provindo da natureza,

sem qualquer intervenção da vontade humana, (...)”, exonerando o devedor da

responsabilidade de indenizar.

664 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 272. 665 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 272. 666 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, v.2, p. 680. 667 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil : responsabilidade civil, v. 4. p. 173. 668 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 255. 669 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil : teoria geral das obrigações, p. 269.

Page 203: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Já a força maior “(...) é todo evento inevitável e, por vezes,

imprevisível, que prejudica os interesses patrimoniais ou morais da vítima.”,

tratando-se de ato natural que acontece independentemente da intervenção direta

do ser humano (act of God)670. Em entendimento contrário, Azevedo671 entende que

se trata do “(...) fato de terceiro, ou do credor; é a atuação humana, não do devedor,

que impossibilita o cumprimento obrigacional. (...)”, havendo, também, ausência de

culpabilidade do devedor, isentando-o do dever de indenizar.

Encontra-se, ainda, na lição de Azevedo672 que não há

distinção entre caso fortuito e força maior, entendendo-se que o uso de ambas as

expressões são tidas como sinônimas. É o que se pode depreender também da

leitura do artigo 393, do Código Civil673.

Importante a lição de Rodrigues674 ao mencionar que “(...) a

ausência de culpa é gênero do qual o caso fortuito é espécie, sendo que a

inevitabilidade do evento constitui a diferença específica. Assim, o caso fortuito ou

de força maior implica a noção de ausência de culpa, mais a de inevitabilidade do

evento”. Para este autor675, as expressões “caso fortuito” e “força maior” foram

utilizadas como sinônimas, mas adverte que o legislador não realiza, por vezes,

distinções adequadas, devendo o juiz, ao aplicar a lei, “(...) ter em vista os conceitos

que a doutrina depurou, para alcançar um aperfeiçoamento técnico que a

complexidade das relações jurídicas está a exigir”.

No próximo capítulo será realizada a proposta da Tese ora

670 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e responsabilidade civil,

v. 2. p. 255. 671 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil : teoria geral das obrigações, p. 269-270. 672 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil : teoria geral das obrigações, p. 270. 673 “Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se

expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único . O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não

era possível evitar ou impedir.” 674 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil : responsabilidade civil, v. 2. p. 236. 675 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil : responsabilidade civil, v. 2. p. 240

Page 204: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

apresentada, fundamentando-se a mesma com as observações colacionadas neste

capítulo e nos anteriores.

Page 205: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Capítulo 5.

RESPONSABILIDADE CIVIL SOLIDÁRIA DO PROPRIETÁRIO

FIDUCIÁRIO: A PREDIÇÃO LEGAL E A INTERPRETAÇÃO

JUDICIAL DESSA PROPOSTA

Esse capítulo se dispõe a estabelecer uma proposta no sentido

de Responsabilizar o Proprietário Fiduciário (Credor-Fiduciário) de forma solidária ao

Devedor Fiduciante. Para tanto, será desenvolvido o capítulo com uma introdução

acerca da Justiça Social e, com base nos elementos trazidos nos capítulos

anteriores, estruturar a conclusão da proposta.

5.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE A JUSTIÇA SOCIAL

O objetivo legislativo e das decisões judiciais é realizar a

Justiça Social, a fim de atingir a felicidade plena do indivíduo e de toda a Sociedade.

Para a elaboração de um conceito de Justiça Social, necessário se faz, antes de

tudo, dissecar a expressão, a fim de que se possa entender o seu objetivo. Muito se

tem escrito e falado sobre Justiça Social, e aqui se pretende tecer algumas

considerações a fim de que a mesma seja melhor compreendida, pois ela deve ser o

objetivo almejado pelos Poderes do Estado.

Aristóteles676 assemelhava o princípio da igualdade à justiça,

dizendo: “(...) Por exemplo, parece que a igualdade seja justiça, e o é, com efeito;

mas não para todos, e sim somente entre os iguais. A desigualdade também parece

ser, e o é com efeito, mas não para todos; só o é entre aqueles que não são iguais

(...)”677.

Neste norte, mais adiante, retrata o mesmo filósofo678 que “(...)

676 ARISTÓTELES. A Política , p. 60 677 ARISTÓTELES. A Política , p. 60 678 ARISTÓTELES. A Política , p. 91.

Page 206: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

A igualdade é a identidade de funções entre seres semelhantes, (...) e é difícil ao

Estado subsistir quando obra contra as leis da justiça (...)”. Desta forma, para

Aristóteles679, o princípio da igualdade se contextualiza em uma condição em que

não há diferenciação ou privilégios entre pessoas iguais, a fim de que se alcance a

Justiça, que, além de ser a base da Sociedade, é, ainda, “(...) uma virtude social,

que forçosamente arrasta consigo todas as outras (...)”.

Rawls680 estabelece, da mesma forma, quando retrata sobre o

princípio da igualdade, que este está intimamente ligado com a teoria de justiça, ou

seja, parte-se de uma situação na qual todos são iguais, a partir de um momento

estabelecido “contratualmente” pela Sociedade, atribuindo-se a todos os mesmos

direitos, deveres e condições. A justiça aparece, então, não somente neste momento

inicial, mas também quando se coloca em aplicação à distribuição de tais direitos e

deveres, estabelecidos legalmente pelo Estado, numa ocasião concreta, ou seja, na

efetiva atuação daquilo que se estabeleceu por “igual”. Afinal, retrata o autor que

“(...) a justiça é a virtude de práticas nas quais há interesses concorrentes, e as

pessoas se sentem habilitadas a impor seus direitos umas às outras (...)”. Ensina

este mesmo doutrinador681, ainda, que “Na justiça como eqüidade, a posição original

de igualdade corresponde ao estado de natureza na teoria tradicional do contrato

social. (...)”.

Para Dias682, “A Justiça caracteriza-se como uma práxis

humana, cuja pretensão é a resolução das questões próprias da vida social. Não

constitui uma categoria metafísica, mas sim cultural, inscrevendo-se na ordem da

história. Daí a pluralidade de sentidos da Justiça e a diversidade dos sistemas de

valores”.

Kelsen683 leciona que “Justiça absoluta é um ideal irracional.

679 ARISTÓTELES. A Política , p. 65. 680 RAWLS, John. Uma teoria da justiça . Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São

Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 140. 681 RAWLS, John. Uma teoria da justiça , p. 13. 682 DIAS, Maria da Graça Santos. A justiça e o imaginário social , p. 70. 683 KELSEN, Hans. O que é justiça?, p. 23.

Page 207: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Do ponto de vista do conhecimento racional, existem somente interesses humanos

e, portanto, conflitos de interesses. Para solucioná-los, existem apenas dois

caminhos: ou satisfazer um dos interesses à custa do outro, ou promover o

compromisso entre ambos (...)”.

Quando se refere ao valor “justiça”, tem-se uma diversidade de

entendimentos, muitos deles equiparando-o ao princípio da igualdade. Não há,

contudo, conceito absoluto deste valor, pois há diversas interpretações, dependendo

da concepção cultural da Sociedade em que se aplica o que se entende por

igualdade. Um fato, porém, é certo: a justiça absoluta, realmente, é um ideal

irracional, como ensina Kelsen684.

5.1.1. A Justiça Social e atributos para sua config uração

Conforme se observou, por Justiça entende-se, antes de tudo,

um valor (uma virtude, para Aristóteles), fundamentado no princípio de que se deve

tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, também conhecida como

“teoria da igualdade simples”.

Acquaviva685 ensina, ao tratar de Justiça Social, que “(...) O

adjetivo social surge no séc. XIX, com o recrudescimento das crises sócio-

econômicas, marcando bem seu caráter antiindividualista”, entendendo que se trata

de um conceito de difícil delimitação e que se encontra intrinsecamente referida na

idéia de Justiça de Aristóteles.

Dworkin686 apresenta a idéia de Michael Walzer, o qual propõe

uma teoria pluralista da Justiça Social conhecida como “teoria da igualdade

complexa”. Segundo esta teoria, os recursos de toda espécie devem ser distribuídos

igualmente à Sociedade, não permitindo preponderância de um indivíduo ou grupo

684 KELSEN, Hans. O que é justiça? , p. 23. 685 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário jurídico brasileiro Acquaviva . 3. ed. São Paulo:

Jurídica Brasileira, 1993. p. 755. 686 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio . Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo:

Martins Fontes, 2000. p. 320.

Page 208: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

social sobre outro, não se autorizando, por exemplo, que haja a compra de votos

para controle da política. Caso as esferas sociais estejam intactas, sem que haja

preponderância de uma sobre outra, “não necessitamos de nenhuma comparação

geral de indivíduos em diferentes esferas; não precisamos nos preocupar com o fato

de algumas pessoas terem iates e outras nem mesmo um barco a remo, ou de que

algumas conquistem prêmios e amor enquanto outras carecem de ambos” 687.

Ao estabelecer este pensamento, Dworkin688 explica-o como

uma visão moderada e agradável do que se entende por Justiça Social. Isso porque

há uma promessa de uma sociedade que vive em paz com seus hábitos, sem

tensões, comparações, ciúmes, vivendo os cidadãos em harmonia, embora nenhum

tenha “exatamente a mesma riqueza, educação ou oportunidade que qualquer outro,

pois cada um compreende que recebeu o que a justiça exige em cada esfera e não

acha que seu auto-respeito ou posição na comunidade dependa de alguma

comparação de sua situação geral com a dos outros”.

Apesar de Dworkin689 atacar a opinião de Michael Walzer,

entendendo que “(...) O ideal de igualdade complexa que ele define não é praticável,

nem mesmo coerente (...)”, observa-se que são, pelo menos, ideais que se almejam

(harmonia, paz) numa Sociedade que busca uma efetiva justiça e, principalmente, a

paz social. Ora, a Sociedade jamais terá uma igualdade plena, de forma que as

diferenças econômicas, culturais, físicas etc. variarão conforme as pessoas que

participam da mesma Sociedade em que se pleiteia esta forma de justiça. Porém, o

que se deve pugnar para que esta Justiça Social seja efetivamente conquistada, é

que as condições para se alcançar uma melhor qualidade de vida seja oportunizada

a todos os participantes desta Sociedade (trabalho, estudo, saúde, moradia, lazer,

enfim, dignidade).

Para Pasold690, Justiça Social consiste na circunstância em que

687 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio , p. 320. 688 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio . p. 320. 689 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio . p. 322. 690 PASOLD, Cesar Luiz. Função social do estado contemporâneo . 3. ed. Florianópolis: OAB/SC

Editora, 2003. p. 96-97.

Page 209: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

“(...) o todo contribui para com cada um, não como uma dádiva generosa e

paternalista, mas como um dever decorrente de sua condição inalienável de parte do

todo, provedor e beneficiário potencial e efetivo”, conceito este adotado para a

pesquisa. A Justiça Social, portanto, consiste na participação e contribuição de todos

para que as condições de vida favoreçam o completo desenvolvimento da

personalidade humana, atingindo o bem comum, que é a finalidade do Estado691.

5.2. O papel Corretivo da Política Jurídica no proc esso legislativo e de

interpretação do Direito

A renovação do Direito é fundamental para sua evolução. Como se

tratou no capítulo 1, numa interpretação fundamentalista do Direito, na forma da

dogmática jurídica tradicional, o julgador somente poderia apreciar o caso

concreto com base naquilo que a lei positivada predissesse. No entanto, a lei

positivada nem sempre acompanha a evolução da Sociedade, pois o processo

legislativo no país, além de moroso, por vezes não traduz os verdadeiros

interesses da Sociedade em determinado momento, trazendo, daí,

conseqüências que se afastam do alcance da Justiça Social, pois o julgador teria

que aplicar ao caso concreto leis que não estariam adequadas à realidade social.

No entanto, a lei é fundamental para ditar os rumos gerais da

Sociedade, mas sua interpretação deve ser realizada com observação de todos

os demais instrumentos que o Estado permite que sejam utilizados, inclusive

com o ajuste da lei aos princípios jurídicos inerentes ao sistema jurídico de um

país, a fim de que o bem estar, a felicidade geral e a Justiça Social sejam,

efetivamente, alcançados. Aliás, nesse sentido, ensina Melo692:

“(...) não se pode esperar a evolução do Direito apenas com a contribuição do Judiciário. A este cabe produzir a norma individualizada. Só a lei pode criar norma jurídica geral e por isso as posições doutrinárias mais prudentes propugnam pela construção de um direito renovado, positivado sempre que possível, para prevalecer o geral sobre o individual, dando-se ao juiz o poder de aplicá-lo dentro do princípio da epiquéia, entendida esta com a licitude de operar fora da letra da norma, colocando assim a hermenêutica como mediadora entre a lei e a consciência Jurídica da sociedade, nos casos concretos”.

691 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado, p. 91. 692 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 78.

Page 210: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Conforme se pode observar no estudo ora realizado, inexiste

legislação específica no Brasil que estabeleça a Responsabilidade Civil do

Proprietário Fiduciário (que é o possuidor indireto do bem), por atos ilícitos

realizados pelo Devedor Fiduciante de um Veículo Automotor (que é o possuidor

direto do bem).

Assim, no que diz respeito à satisfação dos interesses da pessoa

lesada por atos ilícitos realizados pelo Devedor Fiduciante em casos que

envolvam acidentes automobilísticos, se o Fiduciante não tiver bens suficientes

para compensar os danos causados à vítima, ou seus familiares, parece injusto e

contrário à consciência jurídica social que o titular do direito em desfavor do

Fiduciante padeça em seu direito, pois a especificidade do caso, numa

interpretação dogmática tradicional, assim não o permite.

No entanto, o papel corretivo da Política Jurídica propõe que tal

situação não mereça prosperar, sob pena de se causar uma injustiça social,

especialmente no caso da proposta da presente Tese, encontrando no próprio

sistema jurídico os fundamentos para a responsabilidade civil do Proprietário

Fiduciário por conta dos atos ilícitos causados pelo Fiduciante de veículo automotor,

na forma que adiante será exposta.

5.3. CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS CAPÍTULOS ANTERIORES

Conforme se observou no primeiro capítulo, a evolução da

finalidade do Estado se encaminhou para que o mesmo atingisse o bem comum da

Sociedade. A passagem do Estado de Direito, originado pelo Liberalismo, até o

Estado Social, fez com que houvesse também uma evolução de determinados

direitos tidos como Direitos Fundamentais, em especial, o direito de Propriedade.

No Estado Liberal, o direito de Propriedade foi considerado

Direito Fundamental, ao lado da liberdade, segurança e resistência à opressão, em

decorrência da revolução da burguesia que buscava se libertar da Monarquia,

assegurando à classe burguesa o Direito de Propriedade, com a Declaração de

Direitos. O Direito de Propriedade, em especial, era extremamente individualista,

Page 211: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

permitindo-se ao proprietário exercer este direito de forma absoluta, sem que o

interesse da coletividade fosse levado em consideração. Prevalecia o interesse do

indivíduo proprietário.

Muitos Direitos considerados Fundamentais foram introduzidos

nas Constituições de vários países, dentre eles, o direito de Propriedade. Mas a

Sociedade evoluiu. Várias transformações fizeram com que houvesse necessidade

da intervenção do Estado na vida da Sociedade, traduzindo-se esta intervenção no

chamado Estado Social, e culminando com o Estado Democrático de Direito, cuja

gênese desta intervenção estatal nos âmbitos social e econômico se deu com as

Constituições do México (1917) e de Weimar (1919) e, no Brasil, em 1934.

Um dos principais direitos que sofreu as consequências, com

esta intervenção, foi o direito de Propriedade. Na sua escala evolutiva, percebeu-se

que não se tratava mais de um direito que aspirava unicamente o individualismo do

proprietário, mas teria, agora, que se moldar às necessidades que a Sociedade lhe

impunha, ou seja, alinhou-se o direito de Propriedade à chamada Função Social da

Propriedade. Ainda com essa evolução, a Propriedade continuou a ser considerada

Direito Fundamental, mas condicionado esse poder a um dever para com a

Sociedade. No entanto, doutrinadores, como Peces-Barba693 entendem que o direito

de Propriedade não mais poderia ser considerado Direito Fundamental em

decorrência do que chamou de “escassez”, pois a Propriedade não poderia ser

eficaz a todos, mas somente consistindo numa instituição de direito privado.

No Brasil, o direito de Propriedade foi elevado à categoria de

Direito Fundamental, no artigo 5o, XXII, condicionado à sua Função Social, no inciso

XXIII, todos da CRFB/88. Quando se fala em direito de Propriedade, na Constituição

Federal, não estabelece a mesma limites para qual espécie de Propriedade, se

móvel ou imóvel, material ou imaterial. Neste sentido, a Função Social da

Propriedade direciona a utilização de toda e qualquer espécie de Propriedade em

benefício da Sociedade, e nunca contrariando os interesses desta. A exemplo da

Constituição de Weimar, a Propriedade “obriga”.

693 SAUCA, José Maria (Coord). Problemas actuales de los derechos fundamentales, p. 210-211.

Page 212: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em

seu artigo 1o, assenta os princípios fundamentais a que todo o sistema jurídico

constitucional e infraconstitucional devem estar dispostos. Dentre estes fundamentos

se encontra a Dignidade da Pessoa Humana (art. 1o, III, CRFB/88). Conforme se

observou, na pesquisa, a pessoa humana passa a ser o núcleo das atenções, e não

mais o individualismo patrimonial decorrente do Estado Liberal. Neste sentido, o

próprio direito de Propriedade, tido como Direito Fundamental pela Constituição,

além de se vincular à Função Social, deve se vincular à Dignidade da Pessoa

Humana, ou seja, não tornar a pessoa humana objeto de ofensas ou humilhações,

mas deverá contribuir para que a personalidade desse indivíduo se desenvolva.

Aqui, um aspecto importante: o direito de Propriedade deve se moldar de acordo

com a Dignidade da Pessoa Humana.

Observou-se que o direito de Propriedade pode ser pleno

(quando se reúnem todos os poderes – usar, gozar, dispor e reivindicar - nas mãos

do proprietário) ou limitado (quando há o desdobramento de algum dos poderes

inerentes à Propriedade em benefício de outrem). Ao se tratar da sua espécie

limitada, adentrou-se na Propriedade Resolúvel, especificamente à Propriedade

Fiduciária na modalidade de Alienação Fiduciária em Garantia de bens móveis

(Veículos Automotores de Via Terrestre). A Propriedade Resolúvel, como visto, é

uma Propriedade não definitiva, dependente de condição ou termo final que pode

ocasionar a resolução ou perda da Propriedade, fazendo com que a mesma retorne

à titularidade do proprietário anterior. A Propriedade Fiduciária é uma espécie de

Propriedade Resolúvel, em que o Credor-Fiduciário é titular do direito de

Propriedade, o qual se extinguirá com o cumprimento da obrigação imposta ao

Devedor-Fiduciante, transferindo-se a titularidade para este. Já, a Alienação

Fiduciária em Garantia é espécie de Propriedade Fiduciária que, conforme

Gomes694, consiste em “(...) negócio translativo por via do qual o credor adquire, no

crédito direto ao consumidor, a propriedade do bem comprado pelo devedor”.

Quanto à Alienação Fiduciária, há uma divergência no que diz

694 GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia , p. 79.

Page 213: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

respeito à sua natureza jurídica. A transferência do bem é realizada para o Fiduciário

com o intuito de garantia do cumprimento do contrato por parte do Fiduciante. Por

outro lado, não se trata de uma garantia comum, como aquelas existentes no

penhor, hipoteca e anticrese. Nestas, não há a transferência da Propriedade para o

Credor, enquanto que. na Alienação Fiduciária em Garantia, é da essência do

contrato, a transferência desta titularidade. Portanto, o Fiduciário é considerado

proprietário do bem, enquanto persistirem os efeitos do contrato de Alienação

Fiduciária entre Fiduciante e Fiduciário. Como retratado por Gomes695, o Fiduciário

se transforma em verdadeiro proprietário da coisa, só não adquirindo sobre a

mesma o poder físico em razão de o Fiduciante continuar na posse direta do bem

alienado. Aqui reside um ponto importante da Alienação Fiduciária em Garantia: o

Fiduciário é proprietário da coisa alienada .

Outro aspecto substancial para a Tese reside no fato de que os

contratos de Alienação Fiduciária em Garantia somente podem ser realizados por

Instituições Financeiras (sociedades de crédito, investimento e financiamento)

autorizadas pelo Banco Central do Brasil. Estas sociedades, por obrigação legal,

devem ser revestidas da forma de Sociedades Anônimas, sendo sempre sociedades

mercantis, ou empresárias (artigo 2o, § 1o, da Lei n º 6.404/76), exercendo, portanto,

atividade lucrativa ao conceder crédito para financiamento e aquisição de bens

duráveis. Aqui, outro ponto importante: ao exercer atividade lucrativa, incidem as

Instituições Financeiras na teoria do Risco Proveit o e do Risco Criado,

devendo arcar não só com os lucros, mas com os risc os ou ônus da sua

atividade .

Nem todos os contratos de Alienação Fiduciária em Garantia,

realizados pelas Instituições Financeiras, possuem como objeto bens considerados

perigosos ou nocivos à Sociedade. No entanto, quando se trata da Alienação

Fiduciária de Veículos Automotores, observa-se uma atividade por parte das

Instituições Financeiras que pode trazer prejuízo à Sociedade, tratando-se da

facilitação da colocação de bens potencialmente perigosos no ambiente social,

lucrando com tal atividade. Aliás, “o princípio da socialização dos riscos é uma

695 GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia , p. 81.

Page 214: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

decorrência lógica do princípio constitucional da solidariedade social, principalmente

por causa do risco da vida.”696.

Financiando a aquisição ao consumidor de Veículos

Automotores, as financeiras irão lucrar, mas colaboram para a colocação, no meio

social, de bens considerados potencialmente perigosos, criando um Risco para a

Sociedade em que tais bens serão introduzidos. A crescente aquisição de veículos,

em decorrência da facilitação dos meios para adquiri-los com o crédito direto ao

consumidor, aliado ao fato da imprudência de muitos motoristas e da potência cada

vez maior dos veículos, são fatores que contribuem para que estes sejam

considerados perigosos pela Sociedade, conforme se fundamentou,

doutrinariamente, nessa Tese. Com isso, inserem as financeiras na Teoria do Risco

Criado e do Risco Proveito, devendo, também, arcar com as consequências de sua

atividade (contratação de Veículos Automotores objetos de Alienação Fiduciária),

além de, como visto, figurarem como proprietárias do referido bem, enquanto

perdurarem os efeitos do contrato.

Segundo Jhering697, a Sociedade é a soma dos indivíduos que

a compõem, e é sobre o indivíduo que o direito mostra sua eficácia e é a ele que o

direito aproveita e impõe restrições, seguindo-se a esta colocação a seguinte

pergunta: “(...) as restrições que o indivíduo suporta no interesse da sociedade são

compensadas pelas vantagens que essa lhe oferece? (...) Principiamos pelo preço

que o indivíduo tem de pagar a fim de participar das vantagens do direito. Designo-o

como a pressão do direito sobre ele”.

Problemas consideráveis surgem, na ocorrência de acidentes

de trânsito, ocasionados por Veículos Automotores. Um dos principais consiste na

impossibilidade de cobrança, pela vítima, da indenização correspondente à

Responsabilidade Civil do causador do dano, principalmente na hipótese de o

ofensor não possuir patrimônio suficiente para saldar este débito. Quando, no

acidente, se encontra envolvido um Veículo Automotor, objeto de contrato de

696 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Doutrinas Essenciais: Responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 30. 697 JHERING, Rudolf von. A finalidade do direito , T. I, p. 338.

Page 215: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Alienação Fiduciária em Garantia ordenava a Lei n º 4.728/65, em seu artigo 66

(grifo nosso):

Art. 66. A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição, efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal.

Dessa forma, pretendia a lei que a Responsabilidade Civil, na

Alienação Fiduciária em Garantia, fosse transferida ao Fiduciante, jamais ao

Fiduciário, isto porque, conforme se fundamentou doutrinariamente, neste estudo,

não se poderia transferi-la ao Fiduciário, até mesmo porque poderia “(...) colocar em

risco o sistema de financiamento estabelecido de acordo com a Lei de Mercado de

Capitais, calcado no instituto da propriedade fiduciária em garantia”698.

Nesse ponto reside um dos principais enfoques dessa Tese,

pois se pretende propor que, diante do princípio constitucional da Dignidade da

Pessoa Humana e da teoria do Risco das Sociedades empresárias que contratam

Alienação Fiduciária em Garantia de Veículos Automotores, a Responsabilidade Civil

pelo evento danoso possa se estender de forma solidária ao proprietário Fiduciário.

Atente-se ao fato de que o proprietário Fiduciário é, efetivamente, proprietário, e sua

Propriedade deve exercer uma Função Social que deva garantir à Sociedade em

que o bem está inserido, o ressarcimento do prejuízo por ele causado,

principalmente por se entender que os Veículos Automotores são bens perigosos.

Observando-se o destaque do artigo 66, da Lei n º 4.728/65,

anteriormente citado, verifica-se que o mesmo buscou tratar da Responsabilidade

Civil nos contratos de Alienação Fiduciária em Garantia, o que não ocorreu com a

revogação deste artigo pela Lei n º 10.931/04, pois não houve qualquer tratamento

sobre esta Responsabilidade Civil. É essa lacuna que a presente Tese busca

completar.

698 RESTIFFE NETO, Paulo. Garantia fiduciária , p. 160.

Page 216: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Deve-se observar que a proposta da Tese se insere no papel

corretivo da Política Jurídica, na dimensão operacional da mesma, ou seja, na

realização de um querer.

Ora, imagine-se que, durante a vigência de um contrato de

Alienação Fiduciária em Garantia de um Veículo Automotor ocorresse um acidente

ocasionado por imprudência do possuidor direto do bem, o Fiduciante. A vítima,

intentando ação judicial contra o Fiduciante, resta vencedora, mas, ao executar a

sentença, observa que o Fiduciante não possui bens exequíveis ou suficientes para

saldar a indenização atribuída pela sentença.

Conforme o artigo 66, da Lei n º 4.728/65 (revogado pelo artigo

67, da Lei n º 10.931/04), nenhuma responsabilidade seria atribuída ao Fiduciário,

enquanto este foi quem participou da contratação do bem, lucrou com a atividade e

que continua sendo proprietário do Veículo Automotor. Certamente não é o desejo

da Sociedade que a vítima, que já saiu prejudicada pelo sinistro, reste mais uma vez

prejudicada com a impossibilidade de ressarcimento do dano. Disso decorreria a

necessidade de reformulação da legislação vigente, para que esta esteja em

conformidade com os anseios da Sociedade em que se insere, pois o que se almeja

é a segurança e/ou satisfação do crédito judicial atribuído à vítima de forma efetiva.

No entanto, como visto, até que se proceda a uma alteração ou predição específica

da lei nesse sentido, muitos danos, nessas circunstâncias, restariam não

indenizados, em decorrência da própria dificuldade do processo legislativo.

Ocorre que a presente Tese propõe a Responsabilidade Civil

Solidária do Credor-Fiduciário, proprietário resolúvel de um bem (veículo) colocado

no mercado, por Ato Ilícito cometido pelo Possuidor Direto do bem, diante da Função

Social da Propriedade, como forma de satisfação do crédito da vítima com base na

interpretação judicial, independentemente de legislação específica propondo tal

responsabilidade, com base nos próprios instrumentos disponibilizados pelo Estado

no sistema jurídico nacional.

A dignidade da vítima deve ser assegurada com normas

Page 217: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

jurídicas que disponham acerca da efetiva indenização pelos danos sofridos.

Conforme observado, o artigo 66, da Lei n º 4.728/65, não se encontrava adequado

ao ordenamento constitucional, que está em nível de superioridade na hierarquia

das normas jurídicas. A Constituição Federal de 1988 buscou o fenômeno da

Repersonalização do Direito Civil, estabelecendo o princípio da Dignidade da

Pessoa Humana como um dos princípios fundamentais da República Federativa do

Brasil e do Estado democrático de Direito, sendo a pessoa, e não o patrimônio, o

núcleo do sistema jurídico. Agora, com a revogação expressa do artigo 66, da Lei

4.728/65, tal responsabilidade deve ser ainda mais incisiva ao Proprietário

Fiduciário.

Importante salientar que a Responsabilidade Civil do Credor

Fiduciário, de acordo com a proposta, deve ser solidária ao Devedor Fiduciante.

Obrigação Solidária, segundo Monteiro699, consiste naquela em que, “(...) havendo

pluralidade de credores, ou de devedores, ou ainda de uns e de outros, cada um tem

direito, ou é obrigado, pela dívida toda. (...)”. A proposta da Tese é a solidariedade

passiva (pluralidade de devedores, com obrigação pela dívida toda) entre Credor

Fiduciário e Devedor Fiduciante daquele a este.

Atenta-se para a Responsabilidade Civil solidária do Credor

Fiduciário em razão de o evento danoso, causado pelo Devedor Fiduciante, ter

ocorrido por dolo ou qualquer modalidade de culpa deste (imprudência, negligência

ou imperícia), ou seja, o Credor Fiduciário responderá, objetivamente, pelo fato de

outrem e pelo fato da coisa (Veículo Automotor de propriedade do Fiduciário).

Para isso, necessário se faz esclarecer que, para caracterizar a

Responsabilidade Civil Objetiva do Credor Fiduciário (oriunda da relação contratual

com o Devedor Fiduciante), deve-se observar, anteriormente, a Responsabilidade

Civil Subjetiva do Devedor Fiduciante (decorrente da Responsabilidade Civil

Extracontratual), a fim de que aquele responda solidária a este.

A legislação deve manter o sentimento social de segurança, no

699 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil : direito das obrigações. 32 ed. São

Paulo: Saraiva, 2003. v. 4. p. 151.

Page 218: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

ordenamento jurídico, não podendo desrespeitar os critérios já existentes, no

ordenamento jurídico e, ainda que respeite tais critérios, não poderá incorrer em

lacunas e contradições, introduzindo critérios estranhos aos princípios do

ordenamento.

Quando se propõe: “a Responsabilidade Civil Solidária do

Credor (proprietário) Fiduciário de Veículo Automotor junto ao Devedor Fiduciante,

em decorrência de Ato Ilícito cometido por este durante o período de vigência do

contrato de Alienação Fiduciária em Garantia”, esta proposta nasce de uma revisão

dos princípios inerentes ao ordenamento jurídico que estão sendo afetados.

O estudo seguiu lições da Teoria Geral do Direito, sendo que

uma das principais lições consiste em que o ordenamento jurídico possui uma

hierarquia normativa que deve obedecer.

Observou-se que a legislação referente à Alienação Fiduciária

em Garantia data do ano de 1965 (Lei n º 4.728/65), cuja realidade social e

econômica da sua criação difere substancialmente dos princípios e regras

constantes da Constituição Federal de 1988. A referida legislação, em especial no

seu art. 66, não levou em consideração os princípios constitucionais da Função

Social da Propriedade e, principalmente, da Dignidade da Pessoa Humana,

consistindo em afronta direta à lei maior, a Constituição Federal. A Lei n º 10.931/04

também não levou em conta esta apreciação, tanto que deixou de tratar sobre a

Responsabilidade Civil decorrente. Como se demonstrou, na Alienação Fiduciária

em Garantia, o Credor Fiduciário resta como proprietário resolúvel do bem, ainda

que o mesmo seja dado como garantia do contrato, mas não se trata de mera

garantia, vez que a Propriedade do mesmo é transferida para a titularidade do

Fiduciário. Tal situação não ocorre com os institutos do penhor, da hipoteca e da

anticrese.

Dessa forma, o Credor Fiduciário, como proprietário que é, tem

uma Função Social também a zelar. Como a Função Social da Propriedade “(...)

condiciona o reconhecimento e proteção do direito do proprietário (poder) ao

direcionamento do uso dado à Propriedade para os interesses sociais (dever)

Page 219: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

(...)”700, se o bem do Proprietário Fiduciário causar algum mal à Sociedade, deverá

ser tal proprietário responsabilizado civilmente pelo prejuízo causado. Se este

prejuízo não tiver como ser ressarcido por não poder se responsabilizar o

Proprietário Fiduciário, a vítima do evento danoso poderia restar insatisfeita no seu

direito de crédito, crédito este decorrente da indenização oriunda de sentença

judicial, restando duplamente prejudicada. Isso atentaria contra o princípio

constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, que é base para todo o

ordenamento jurídico, desde a Norma Jurídica constitucional até a

infraconstitucional.

A interpretação que a Tese se propõe, portanto, considera o

respeito à hierarquia de Normas Jurídicas existentes no ordenamento jurídico

brasileiro, obedecendo-se os princípios da Função Social da Propriedade, da

Dignidade da Pessoa Humana e da Solidariedade, com estrita vinculação aos

Direitos Fundamentais.

A Consciência Jurídica Social possui um papel importante,

pois, segundo esta consciência, a Sociedade irá selecionar aqueles preceitos que a

tradição, a experiência e os valores incutidos nesta mesma Sociedade sejam

suficientes ao alcance da Justiça Social.

No estudo realizado, demonstrou-se que, em virtude da

evolução social, principalmente pelo desenvolvimento industrial, foram criados

engenhos humanos que, embora trouxessem avanços para a Sociedade,

influenciaram, consideravelmente, para a configuração de prejuízos à vida, à

integridade física e ao meio ambiente. Com tal evolução, muitas Sociedades

Empresárias lucraram com estas atividades, inserindo bens perigosos no meio

social.

Os prejuízos causados pela inserção desses bens na

Sociedade influenciaram, diretamente, nas idéias acerca da Responsabilidade Civil,

pois a idéia que prevalecia antes desta revolução industrial era da Responsabilidade

700 CAVEDON, Fernanda de Salles. Função Social e ambiental da propriedade , p. 84.

Page 220: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Civil Subjetiva, baseada na culpa. Posteriormente, constatou-se a necessidade e

utilidade da teoria da Responsabilidade Civil Objetiva, baseada na teoria do Risco.

Dias701 aduz à elevação da Responsabilidade Civil Objetiva no ordenamento jurídico,

indagando:

(...) Como poderia o pedestre colhido por um automóvel, em lugar solitário, à noite, provar, na ausência de testemunhas – supondo-se que tenha sobrevivido ao acidente – que o carro estava de luzes apagadas e corria com excesso de velocidade? Como poderia o viajante que, durante o trajeto efetuado em estradas de ferro, caiu no leito da linha, provar que os empregados da estrada foram negligentes no fechamento da porta do carro, à partida da última estação? Impor à vítima ou a seus herdeiros demonstrações de sse gênero é o mesmo que lhes recusar qualquer indeniza ção: um direito só é efetivo quando sua prática está assegurada; não ter direito e tê-lo sem o poder exe rcer são uma coisa só. A teoria tradicional de responsabilidade repousava manifestamente em bases muito estreitas: cada vez mais se mostrava insuficiente e perempta (...).

No mesmo sentido da lição acima, compartilha Silva702:

Desta forma, facilitando a inserção de Veículos Automotores no meio social por contratos de Alienação Fiduciária em Garantia, lucrando com a atividade e criando um perigo à Sociedade com tal atividade, a Responsabilidade Civil Objetiva do Fiduciário, durante o período em que figure como proprietário Fiduciário do Veículo Automotor, surge como elemento de segurança à Sociedade. Esta segurança se consolida em uma maior possibilidade de cobrança da indenização fixada judicialmente, na situação em que o Fiduciante, por culpa sua, desse causa ao evento danoso. Assim, as instituições financeiras, que possuem privatividade na contratação da Alienação Fiduciária em Garantia não sairiam beneficiadas com o lucro auferido pela contratação, afastando sua responsabilidade com a facilitação da introdução de um bem perigoso. Lembre-se que o

701 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil , v. 1, p. 61 (grifo nosso). 702 SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa , p. 145 e 165.

Page 221: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

interesse individual não pode prevalecer sobre o social. Tal situação faria com que o Fiduciário buscasse meios para se garantir em eventual obrigação de indenizar, como, por exemplo, buscando contratar seguro para tanto.

Silva703, neste exemplo, ensina: “Com efeito: pelo seguro e a

preço relativamente baixo, compra o autor o direito de não ter suas atividades

cerceadas como, a vítima, a certeza de que sempre seja indenizada, pelo

afastamento de uma possível insolvência do agente”. A seguir, ensina o mesmo

autor704:

(...) a experiência nos segreda que a mutualização dos riscos, através do seguro, oferece largas perspectivas de uma solução ideal, cômoda e, sobretudo, justa, para a matéria, por que, então, não se partir daí para uma construção mais avançada (...) nos domínios da responsabilidade civil? Com isso, não apenas se teria propiciado às futuras vítimas a certeza do ressarcimento, como se teria, também, assegurado a todos a tranqüilidade de que todos necessitam para o exercício normal de suas atividades.

Observe-se, aliás, que705:

“É no princípio da solidariedade que devemos buscar inspiração para a vocação social do direito, para a identificação do sentido prático do que seja funcionalização dos direitos e para a compreensão do que pode ser considerado parificação e pacificação social. E compreender o princípio da solidariedade é meditar acerca de lindíssima passagem da obra monumental de Calamandrei, em que ele afirma que a Justiça é vontade de reciprocidade operosa e de solidariedade humana.”.

Afigura-se, nessa situação, que o preço do seguro seria

embutido na contratação da Alienação Fiduciária em Garantia de Veículos

Automotores, mas seria uma forma de socializar o risco, assegurando aos

integrantes da Sociedade, eventuais vítimas de algum infortúnio causado pelo

703 SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa , p. 170. 704 SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa , p. 173 705 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Doutrinas Essenciais: Responsabilidade civil, p. 31.

Page 222: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

veículo, dignidade com o efetivo cumprimento da sentença que obrigou a

indenização.

Ao comentar acerca da transformação do direito privado em

face da autonomia jurídica do coletivo constitucional, Pilati706 identifica que o

paradigma individualista dos institutos de direito privado é desmanchado, pois a

ênfase coletiva dos direitos fundamentais “(...) retira da normalidade jurídica a

especulação individualista em favor do mérito, seja o mérito do capital, seja o do

trabalho, garantidos a teor do inciso IV, do art. 1º, da CRFB.”. Prosseguindo, o

autor707 exemplifica tal situação:

“Assim, institutos como o da responsabilidade civil, do contrato, do enriquecimento sem causa, da propriedade, da empresa, dos direitos de vizinhança são transformados pelos princípios constitucionais e por uma nova hermenêutica – construtiva; passam a ser exercidos de modo a repartir melhor os riscos e custos sociais, a privilegiar o caráter alimentar, a proteger a família e o ambiente; e tendem a desestimular determinadas atividades contrárias ao interesse social retirando-lhes o atrativo econômico. (...)”.

Como o sistema jurídico consiste num meio para alcançar

determinados fins, a finalidade que a proposta da Tese apresenta é que haja

interpretação judicial construída com base nos princípios da Função Social da

Propriedade, da Dignidade da Pessoa Humana e da Solidariedade; no art. 927, do

Código Civil, que estabelece a Responsabilidade Civil Objetiva, fundada na teoria do

Risco da atividade, no sentido de se assegurar à vítima de acidente causado por

Veículo Automotor, objeto de Alienação Fiduciária em Garantia, que tenha seu

crédito, decorrente de sentença que decretou a indenização, efetivamente solvido,

principalmente por respeitar sua dignidade. A imputação solidária do Fiduciário ao

Fiduciante, é um meio para alcançar esta finalidade.

Schreiber708 ensina que a jurisprudência brasileira, com

706 PILATI, José Isaac. Propriedade & função social na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 164. 707 707 PILATI, José Isaac. Propriedade & função social na pós-modernidade, p. 164. 708 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil : da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 2011. pp. 253-254.

Page 223: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

fundamento na solidariedade social, não tem deixado as vítimas sem reparação,

flexibilizando os pressupostos da responsabilização. Também entende que a própria

legislação tem expandido as situações de responsabilidade solidária e técnicas de

prevenção e precaução de danos, e forma que:

“O essencial é que se busque, por via hermenêutica ou por reforma legislativa, a substituição de uma responsabilidade individual – que, estendida pelo imperativo de proteção à vítima, acaba distribuindo de forma cada vez mais aleatória e ineficiente o custo das reparações – por uma autêntica responsabilidade social, que atribua a cada pessoa um ônus correspondente ao seu real potencial lesivo, transformando o problema dos danos em um problema de toda a sociedade.”

Não se pretende com essa Tese discutir o conceito de Justiça,

mas seria injusto verificar que o Fiduciário, responsável por colocar um Veículo

Automotor (bem considerado perigoso), decorrente da sua atividade contratual,

saísse lucrando com esta atividade, enquanto que a Sociedade, que teve que aceitar

a colocação desse bem perigoso em seu meio, tivesse que assumir todo o risco, ao

lado do Fiduciante. Este último pode não ter meios suficientes para saldar a

indenização em decorrência do infortúnio, e a Sociedade não pode ser mais uma

vez vitimada com a inadimplência da obrigação de indenizar. Afinal, segundo

Silva709, “(...) Via de regra, sobre ser o agente aquele que deu causa ao dano, seja

pela utilização da coisa perigosa, seja pelo exercício da atividade geradora de

riscos, é, também, o que aufere vantagens.”.

A interpretação judicial nesse sentido assegura um mínimo

ético, pois não persegue fins imorais, mas fins legítimos.

Da forma como estava exposta a Responsabilidade Civil do

Proprietário Fiduciário, observa-se que a lei, mesmo que administrada

imparcialmente, conflitava com a escala de valores e princípios, no momento da

decisão e, neste ponto, especialmente com a idéia de Função Social da Propriedade

e dos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Solidariedade. Agora, com a

709 SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa , p. 168.

Page 224: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

ausência de disposição acerca da Responsabilidade Civil na Alienação Fiduciária

em Garantia com a revogação do artigo 66, da Lei 4.728/65, busca-se com a

presente Tese o alcance e sentido de reunir idéias sobre os valores orientadores do

ser humano, idéias estas que diferenciam o justo do injusto, do bem relativamente

ao mal e da virtude, relativamente ao vício710. Nessa busca, portanto, é que se

pretende uma solidarização dos riscos nos contratos de Alienação Fiduciária em

Garantia de Veículos Automotores entre o proprietário Fiduciário e o Fiduciante,

decorrentes da Responsabilidade Civil.

5.4. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PRIVADO E A VINCULAÇÃO

DAS RELAÇÕES PRIVADAS AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

No item 2.5, desta Tese, foram feitas referências acerca da

Constitucionalização do Direito Privado, que extirpa uma interpretação individualista

de certas categorias jurídicas, especialmente relacionadas ao Direito Privado,

fazendo com que categorias que antes se dirigiam, estritamente, às relações

particulares passassem a ter uma interferência direta pela CRFB/88.

A publicização do direito privado consistiu num fenômeno

jurídico, ocorrido no decorrer do século XX, com vistas à revisão das bases

individualistas do Código Nepoleônico, identificando a igualdade formal dos

indivíduos, a liberdade e o absolutismo da propriedade privada deste Código, que

tanto influenciou as legislações civis de países especialmente vinculados à tradição

romano-germânica, em contraposição, muitas vezes, ao bem estar da coletividade.

Buscando superar o individualismo das relações privadas, o

Estado passou a ter certa interferência em diversas áreas jurídicas, até mesmo

aquelas que, até então, eram reservadas somente aos particulares. Tal superação

procurou assegurar a solidariedade social e a função social de certas categorias de

direito privado, a razoabilidade e proporcionalidade de suas extensões,

estabelecendo normas com caráter público, com a especial tarefa de equilíbrio das

relações particulares, com a finalidade de alcançar a plena felicidade da Sociedade.

710 SILVA, Moacyr Motta da. Direito, justiça, virtude moral & razão , p. 18.

Page 225: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Pretendeu-se a proteção dos hipossuficientes/ vulneráveis nas relações jurídicas,

com normas de equiparação das partes, como nos contratos locatícios, relações

trabalhistas, relações consumeristas, etc..

No decorrer da publicização do direito privado, identificou-se a

Constituição do país como instrumento normativo axiológico de grande relevância,

com interferência direta em diversos ramos do Direito (Penal, Administrativo,

Processual), e também nas relações privadas (Direito Civil e Comercial).

A dicotomia direito público/privado então existente,

concentrava o Direito Civil e Direito Comercial como áreas clássicas do direito

privado. No Brasil, especialmente com a Constituição da República Federativa de

1988, diversas categorias relativas a tais áreas passaram a ter uma interferência

direta da Constituição. No âmbito da Constitucionalização do Direito Civil, por

exemplo, pretendeu-se aplicar certos princípios constitucionais que passaram a

interferir, por vezes de forma direta, em institutos como os contratos, família e

propriedade. A leitura e interpretação de tais categorias passariam a ser

reorganizadas, levando-se em consideração diversos princípios constitucionais, bem

como a existência de diversos direitos fundamentais que não poderiam colidir, ou

deveriam coexistir com tais categorias, levando-se em conta, principalmente, o

princípio da dignidade da pessoa humana.

Tal situação decorre, especialmente, da repersonificação do

direito, buscando resgatar o ser humano como o centro das atenções jurídicas, em

contraposição à “coisificação” ou “patrimonialização” do direito, com suporte em

princípios constitucionais fundamentais, como a dignidade da pessoa humana,

solidariedade, equidade, justiça social etc.

Esta repersonificação, ainda, leva em consideração não só os

princípios constitucionais fundamentais, mas também uma maior atenção aos

próprios direitos fundamentais, a fim de alcançar a plena felicidade e bem estar

social.

Page 226: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Para Steinmetz711 aos direitos fundamentais deve-se aplicar a

vinculação imediata dos particulares à tais direitos, haja vista que:

“A teoria da eficácia imediata (i) é uma construção dogmática que toma a sério os direitos fundamentais, (ii) é consistente e consequente com a posição constitucional especial e preferencial desses direitos e com o conceito de uma Constituição como estrutura normativa básica (fundamental) do Estado e da sociedade, e (iii) está sintonizada com o projeto – um projeto que não é somente jurídico, mas também ético e político, sobretudo no marco de uma sociedade tão desigual e injusta socialmente como a brasileira (...) – de máxima efetividade social dos direitos fundamentais.

Adiante, o mesmo autor712 leciona:

Essa vinculação se impõe com fundamento no princípio da supremacia da Constituição, no postulado da unidade material do ordenamento jurídico, na dimensão objetiva dos direitos fundamentais, no princípio constitucional da dignidade da pessoa (CF, art. 1º, III), no princípio constitucional da solidariedade (CF, art. 3º, I) e no princípio da aplicabilidade imediata dos direitos e das garantias fundamentais (CF, art. 5º, § 1º).”.

Em referência à fase pós-positivista atualmente enfrentada,

“(...) os princípios passam a ser aplicados prioritariamente às normas específicas,

pois que, segundo tal estruturação sistemática, eles são precisamente a ponte entre

o sistema social e o sistema jurídico, e não mais apenas um recurso de manutenção

do sistema como um sistema fechado, completo e avalorativo.”713.

Quanto às relações civis, Negreiros entende haver o

desaparecimento da “(...) idéia do Código Civil como ‘constituição da vida privada’,

verdadeira metáfora do sistema fechado, surgindo a Constituição como centro, não

apenas formal, mas valorativo da unidade do sistema como um todo.”714.

711 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamenta is . São Paulo: Malheiros, 2004, p. 271. 712 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamenta is . São Paulo-SP: Editora Malheiros, 2004, p. 295. 713 NEGREIROS, Teresa Paiva de Abreu Trigo de. Fundamentos para uma interpretação constitucional do princípio da boa-fé. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 146. 714 NEGREIROS, Teresa Paiva de Abreu Trigo de. Fundamentos para uma interpretação constitucional do princípio da boa-fé , p. 169.

Page 227: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Para Perlingieri715, o Código Civil não tem mais a centralidade

das relações privadas como antigamente, sendo atingido diretamente pela

Constituição, de forma que “(...) O respeito aos valores e aos princípios

fundamentais da República representa a passagem essencial para estabelecer uma

correta e rigorosa relação entre poder do Estado e poder dos grupos, entre maioria e

minoria, entre poder econômico e os direitos dos marginalizados, dos mais

desfavorecidos.”.

A presente Tese tem como foco uma relação que, em

princípio, seria de caráter civilístico estritamente privado, envolvendo o direito de

Propriedade (art. 1.225, do Código Civil), mais propriamente a Propriedade

Resolúvel (art. 1.359, do Código Civil) e a Propriedade Fiduciária (art. 1.361, do

Código Civil).

O Direito de Propriedade sempre se encontrou no âmbito das

relações privadas, em que o absolutismo da propriedade reinava. Porém, com a

constitucionalização desse direito, atualmente o mesmo deve ser contemplado em

observância dos demais direitos e princípios constitucionais.

Tratou-se o Direito de Propriedade como direito fundamental

constitucional, no art. 5º, XXII, da CRFB/88. No entanto, embora se trate de um

direito fundamental, ele não é pleno, ou seja, não está condicionado somente à

deliberação exclusiva do seu titular, pois, logo a seguir, a própria Constituição limita-

o ao atendimento de sua função social (art. 5º, XXIII), ou seja, vincula-o ao princípio

constitucional da Função Social da Propriedade.

Veja-se que, embora o art. 1.363, caput, do Código Civil, que

trata sobre Propriedade Fiduciária, determinar que “Antes de vencida a dívida, o

devedor, a suas expensas e risco, pode usar a coisa segundo sua destinação, (...)”,

quando a Propriedade Fiduciária de Veículos Automotores é utilizada como objeto

de contratos de Alienação Fiduciária em Garantia pelas Instituições Financeiras,

estas estão desenvolvendo uma atividade que expõe um risco à Sociedade,

715 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil : introdução ao direito civil constitucional. 2. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 6.

Page 228: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

facilitando a circulação no meio social de bens/produtos considerados perigosos, ou

seja, implicará risco para os direitos de outrem. Por tais razões, a própria legislação

infraconstitucional (art. 927, parágrafo único, e art. 931, do Código Civil), determina a

responsabilidade civil objetiva (independentemente de culpa) das Sociedades

Empresárias (Instituições Financeiras), quando a atividade normalmente

desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de

outrem. Essa responsabilidade é agravada ainda mais pelo fato de que tais

sociedades persistem na qualidade de proprietárias dos Veículos Automotores

durante o período contratual da Alienação Fiduciária em Garantia e, sendo

proprietárias, são responsáveis, pelo fato da coisa, pelos atos ilícitos ocasionados

mesmo por terceiros possuidores, com relação ao objeto da alienação.

Nesse conflito acerca do risco da Propriedade Fiduciária,

descrito no art. 1.363, caput, do Código Civil, importante mencionar a lição de

Streck716, pois este ensina que, no regime democrático, o Poder Judiciário pode

deixar de aplicar uma lei ou dispositivo de lei “(...) quando aplicar a interpretação

conforme a Constituição (verfassungskonforme Auslegugng), ocasião em que se

torna necessária uma adição de sentido ao artigo de lei para que haja plena

conformidade da norma à Constituição. Neste caso, o texto de lei (entendido na sua

‘literalidade’) permanecerá intacto; o que muda é o seu sentido, alterado por

intermédio de interpretação que o torne adequado à Constituição”.

No entanto, a Responsabilidade Civil do Proprietário Fiduciário

não se vincula somente à legislação civil infraconstitucional. Ao lado do princípio da

Função Social da Propriedade também há uma vinculação do Direito de

Propriedade, na modalidade que for (plena, limitada, bem móvel ou imóvel), aos

direitos fundamentais constitucionais da vida, liberdade, segurança, saúde, bem

como aos princípios constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana,

solidariedade, equidade e justiça social, interferindo, de forma direta, na

responsabilidade civil do proprietário, ainda que fiduciário, pelos atos ilícitos

cometidos com a utilização indevida da coisa.

716 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso : constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 605.

Page 229: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Para Canotilho717:

(...) o Estado tem o dever de proteger o direito à vida perante eventuais agressões de outros indivíduos (...). O mesmo acontece com numerosos direitos como o direito a inviolabilidade de domicílio, o direito de proteção de dados informáticos, o direito de associação. Em todos estes casos, da garantia constitucional de um direito resulta o dever do Estado adoptar medidas positivas destinadas a proteger o exercício dos direitos fundamentais perante atividades perturbadoras ou lesivas dos mesmos, praticadas por terceiros. Daí o falar-se da função de proteção perante terceiros. Diferentemente do que acontece com a função de prestação, o esquema relacional não se estabelece aqui entre o titular do direito fundamental e o Estado (ou uma autoridade encarregada de desempenhar uma tarefa pública), mas entre o indivíduo e outros indivíduos (...).

Portanto, com o objetivo de privilegiar o “ser” ao “ter”, o Estado

oferta mecanismos constitucionais suficientes à interpretação de proteção do ser

humano vitimado em seus direitos fundamentais (vida e a integridade física) que, na

proposta desta Tese, passam a ser delineados no item a seguir.

5.5. A PROPOSTA DE INTERPRETAÇÃO JUDICIAL DA RESPON SABILIDADE

CIVIL DO PROPRIETÁRIO FIDUCIÁRIO DE VEÍCULOS AUTOMO TORES

Um dos principais objetivos da Política Jurídica consiste, como

observado no Capítulo 1, em servir como instrumento para o equacionamento de

causas e consequências baseadas em firmes estratagemas, com o fim de assegurar

uma legislação social e econômica com vistas à manutenção e preservação da

dignidade do ser humano718. Diante dos elementos colacionados nos capítulos

anteriores e dos argumentos trazidos na pesquisa que se prendem à Tese, esse

objetivo da Política Jurídica se fez presente, no sentido de propor a

Responsabilidade Civil solidária do Fiduciário junto ao Fiduciante, a fim de assegurar

a dignidade da vítima que fosse prejudicada por um Ato Ilícito cometido por este

último, ao se utilizar do Veículo Automotor.

717 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição . 3. ed. Coimbra-Portugual: Almedina, 1999, p. 409. 718 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica , p. 104.

Page 230: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

A proposta da Tese é no sentido de que há diversos fatores

que podem fazer com que o proprietário, mesmo que fiduciário, possa responder

pelos danos ocasionados pelo Veículo Automotor, independentemente de predição

específica na legislação nesse sentido, com base nos seguintes fundamentos:

a) o proprietário é responsável civilmente pelos danos ocasionados por coisas de

sua propriedade, especialmente por coisas perigosas;

b) os Veículos Automotores são bens perigosos colocados no meio da sociedade;

c) a Função Social da Propriedade abrange, inclusive, a da Propriedade Fiduciária;

d) a Alienação Fiduciária em Garantia é espécie de Propriedade Fiduciária;

e) os contratos de Alienação Fiduciária em Garantia de Veículos Automotores são

contratos onerosos, realizados por sociedades empresárias, de forma que o

Proprietário Fiduciário lucra com a atividade, estimulando, assim, a colocação de

bens perigosos no ambiente social;

f) conforme o art. 927, parágrafo único, do Código Civil: “Haverá obrigação de

reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou

quando a atividade normalmente desenvolvida pelo au tor do dano implicar, por

sua natureza, risco para os direitos de outrem ” (Teoria do Risco, grifado);

g) conforme o art. 931, do Código Civil: “Ressalvados outros casos previstos em lei

especial, os empresários individuais e as empresas respondem

independentemente de culpa pelos danos causados pel os produtos postos em

circulação ” (Teoria do Risco, grifado);

h) ubi emolumentum, ibi onus; qui habet commoda, debet ferre onera; ubi periculum,

ibi lucrum, ou seja, tem-se por base a doutrina objetiva, fundada na Teoria do Risco

(Responsabilidade Civil Objetiva), ou seja, aquele que tirar proveito com uma

situação deve responder pelas desvantagens ou pelo risco dela oriundas e, aqui,

independentemente de culpa;

i) se, com base no Recurso Especial n. 1.044.527-MG, o Superior Tribunal de

Justiça entendeu, em contrato gratuito (empréstimo) de Veículo Automotor, que há

responsabilidade do proprietário por atos ilícitos envolvendo a coisa que esteja na

posse de terceiro, pelos elementos já levantados nas letras anteriores também há

possibilidade de responsabilizar civilmente o Proprietário Fiduciário pelos atos ilícitos

realizados pelo Devedor-Fiduciante de forma solidária.

Page 231: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

Na óptica da CRFB/88, não havendo limitação à espécie de

Propriedade para fins de obediência da sua Função Social, observa-se que a

mesma se aplica também nas condições da Propriedade Fiduciária, principalmente,

nesse estudo, envolvendo a Alienação Fiduciária em Garantia. Desta característica,

em especial, decorre o resultado do produto científico almejado com a pesquisa, ou

seja, a Responsabilidade Civil do titular da Propriedade Fiduciária em razão (dentre

outras) desta Função Social e do princípio da Solidariedade a fim, ainda, de

assegurar a dignidade da pessoa humana da vítima, ou de seus familiares

Dessa forma, o objetivo do Estado, que é assegurar a paz

social e o bem comum estaria mais protegido com tais dispositivos, porque, assim,

possibilita alcançar a Justiça Social que tanto se almeja.

Page 232: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

CONCLUSÃO

O objetivo principal dessa pesquisa consistiu na

fundamentação teórica para a construção de uma proposta de Responsabilidade

Civil de forma solidária do Credor-Fiduciário, na Propriedade Fiduciária de Veículos

Automotores de Via Terrestre, por Atos Ilícitos cometidos pelo Devedor-Fiduciante

durante o período de vigência do contrato de Alienação Fiduciária em Garantia.

Diante do tema estudado, observou-se que o Direito de

Propriedade, ainda que elencado como um Direito Fundamental, perde, diante da

chamada “escassez”, tal condição, consistindo apenas numa instituição de direito

privado. Mesmo assim, não perde a obrigação de exercer sua Função Social, e,

diga-se, toda e qualquer espécie de Propriedade, seja ela bem móvel ou imóvel,

plena ou limitada, razão pela qual também a Propriedade Fiduciária, deve estar

abrangida nesta função.

A Propriedade Fiduciária, como espécie de Propriedade

Resolúvel, pode ser constituída de várias formas, escolhendo-se para a presente

Tese a Propriedade Fiduciária de Veículos Automotores de Via Terrestre,

estabelecida pelos contratos de Alienação Fiduciária em Garantia. Tais contratos,

como visto no decorrer da pesquisa, somente podem ser realizados por Instituições

Financeiras. Desta forma, por se tratar de atividade de financiamento própria de

Instituições Financeiras, os contratos de Alienação Fiduciária em Garantia possuem

natureza mercantil, haja vista que as financeiras são sociedades mercantis (ou

Sociedades Empresárias, de acordo com a nova dicção da Lei n º 10.406/2002), o

que aumenta sua responsabilidade diante do risco da atividade econômica inerente

à criação de qualquer Sociedade Empresária. Amplia-se este risco em função dos

lucros angariados com o empréstimo de capital pelas Instituições Financeiras com o

financiamento das atividades de Alienação Fiduciária em Garantia, principalmente

de bens considerados perigosos, como os Veículos Automotores. Destas atividades

decorrem a alta lucratividade havida com as negociações realizadas nos Contratos

de Alienação Fiduciária em Garantia, fundamentando-se esta responsabilidade na

Teoria Objetiva, no sentido de que ubi emolumentum, ibi onus; qui habet commoda,

Page 233: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

debet ferre onera; ubi periculum, ibi lucrum, ou seja, todo aquele que tirar proveito

com uma situação deve responder pelas desvantagens ou pelo risco dela oriundas.

Observou-se, ainda, que, embora a Alienação Fiduciária em

Garantia seja espécie de Propriedade Fiduciária, diferentemente das demais

modalidades de direito real de garantia como a hipoteca, o penhor e a anticrese (em

que a Propriedade não é transmitida ao credor), na Alienação Fiduciária em Garantia

esta Propriedade é, efetivamente, transmitida ao Credor-Fiduciário. Isto faz com que

a Propriedade pertencente ao Credor-Fiduciário, ainda que limitada (pois é

resolúvel), imponha a este o dever de arcar com as responsabilidades deste bem,

durante o período em que o contrato entre ele e o Devedor-Fiduciante prevalecer.

Veja-se que, além da responsabilidade decorrente da Teoria do Risco, mencionada

acima, também há o fato de que o Credor-Fiduciário é o efetivo proprietário da coisa

alienada.

Para essa pesquisa, relativamente à Ação, ligada à conduta

humana, buscar-se-á demonstrar que o ato comissivo que responsabiliza o Credor-

Fiduciário de Veículos Automotores, na Responsabilidade Civil, a qual se dá pela

própria atividade desenvolvida pelo mesmo, com fundamento nas Teorias do Risco

Criado e do Risco Proveito. Isto, mesmo se o comportamento do Credor-Fiduciário

for lícito. Ora, a voluntariedade atribuída ao Credor-Fiduciário foi demonstrada com

fundamento na própria atividade desenvolvida pelo mesmo, ao colocar à disposição

do mercado, por meio dos contratos que realiza (atividade própria das Instituições

Financeiras), na forma de Alienação Fiduciária, um bem considerado potencialmente

perigoso (Veículo Automotor). A Propriedade desse bem, mesmo que fiduciária, é de

titularidade do Credor-Fiduciário, embora a posse não esteja consigo, mas com o

Devedor-Fiduciante.

O Credor-Fiduciário, na Alienação Fiduciária em Garantia,

poderá ser responsabilizado por ato de outrem (Responsabilidade Civil Indireta),

neste caso, do Devedor-Fiduciante (possuidor direto do Veículo Automotor), o qual,

diante de um comportamento antijurídico, lesou outra pessoa, alheia ao contrato de

Alienação Fiduciária. Este fato faz com que o Credor-Fiduciário, que é Proprietário

Fiduciário do bem, se torne responsável civilmente, de forma solidária pelo dano,

Page 234: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

durante o período contratual.

Quanto ao Nexo de Causalidade, a pesquisa ainda identificará

que o ordenamento jurídico brasileiro adota a Teoria da Causalidade Adequada, na

qual poderá ser considerada “causa” o fator antecedente que tenha sido

abstratamente apto à determinação do resultado, diante de um juízo razoável de

probabilidade. Daí, afastam-se os elementos que não devem ser considerados

antecedentes para que o dano se tivesse configurado. Aqui, alguns elementos são

essenciais para este nexo e que importam, diretamente, na Responsabilidade Civil

do Credor-Fiduciário: a) o fato de ser Proprietário do bem, cuja Propriedade deve

exercer uma Função Social, não prejudicando a coletividade; b) o fato de ter

facilitado a colocação de um bem considerado potencialmente perigoso (Veículo

Automotor) no meio social; c) o fato de lucrar com a colocação deste bem perigoso

no meio social, fazendo com que a Sociedade arque com o prejuízo das investidas

deste bem, decorrentes de Atos Ilícitos do possuidor direto da coisa. Todos estes

fatores são antecedentes que vinculam o Credor-Fiduciário diretamente à sua

responsabilização civil solidária com o Devedor-Fiduciante.

Assim, observado algum prejuízo da vítima pelo

comportamento ilícito do Devedor-Fiduciante, durante o período do contrato de

Alienação Fiduciária em Garantia do Veículo Automotor, este dano deve ser

indenizado também pelo Credor-Fiduciário (diante da Responsabilidade Civil

Objetiva), solidariamente ao Devedor-Fiduciante, diante de atos culposos

(imprudência, negligência ou imperícia) deste (Responsabilidade Civil Subjetiva).

Além disso, importa salientar que a Lei n º 10.406/02

estabeleceu duas formas de reconhecimento da Responsabilidade Civil, sem se

questionar a culpa do infrator (Responsabilidade Civil Objetiva): uma por

determinação legal (primeira parte), e outra, quando a atividade normalmente

desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, Risco para os direitos

de outrem, conforme a redação do artigo 927, importando ambas as modalidades

para este estudo. A primeira, porque a lei deveria prever a responsabilidade do

Credor Fiduciário, durante o período do contrato, por ser Proprietário Fiduciário do

bem; a segunda, porque os Veículos Automotores são considerados bens perigosos,

Page 235: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

e são negociados pelos contratos de Alienação Fiduciária em Garantia pelas

Instituições Financeiras, o que representa lucro para estas e Risco para a

Sociedade.

Diante de todos esses fatores, não pode a Sociedade sair

prejudicada em função de fatores econômicos que favoreçam somente determinada

classe econômica. Caso num contrato de Alienação Fiduciária em Garantia se

atribuísse a Responsabilidade Civil exclusiva ao Devedor-Fiduciante, se este fosse

culpado por algum acidente e não tivesse patrimônio suficiente para saldar a dívida

para com a vítima, esta, por mais que buscasse o Poder Judiciário para indenizá-la,

teria uma sentença cujo conteúdo restaria inexecutável por ausência de bens para

assegurar o crédito. Basta lembrar que esta vítima pode ser qualquer indivíduo, e o

seu todo, a Sociedade, deverá arcar com esta situação? Daí a Dignidade da Pessoa

Humana, no sentido de a vítima ter devidamente cumprido o dever de indenizar e,

sobretudo, satisfeito o crédito a que faz jus.

Consideradas as situações acima, retomam-se as hipóteses de

pesquisa, a fim de identificá-las.

A primeira hipótese pretendeu que seria possível e necessária

a Responsabilidade Solidária do titular do domínio, na Propriedade Fiduciária, por

Atos Ilícitos praticados pelo Possuidor Direto da coisa, em razão da função social da

propriedade e da responsabilidade objetiva envolvendo tais casos, a qual, sob a

óptica da Política Jurídica, foi confirmada.

A segunda hipótese buscou identificar eu, diante da Função

Social da Propriedade, além de possível através de uma interpretação judicial, seria

necessária a Responsabilidade Civil do titular do domínio, na Propriedade Fiduciária,

por Atos Ilícitos praticados pelo Possuidor Direto do respectivo bem objeto do

contrato, pois se objetivaria dar segurança jurídica, com o fim de satisfazer os

créditos oriundos de Ato Ilícito causados pelo Possuidor Direto, mormente quando

este for insolvente, ou seja, não possua meios econômicos para satisfação do

crédito judicial que foi condenado a pagar. Assim, diante dos Princípios

Constitucionais da Função Social da Propriedade, da Dignidade da Pessoa Humana,

Page 236: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

da Solidariedade social e da Justiça distributiva, das Teorias do Risco Criado e

Risco Proveito, além de possível, faz-se necessária a Responsabilidade Civil do

titular do domínio, na Propriedade Fiduciária, por Atos Ilícitos praticados pelo

Possuidor Direto do Veículo Automotor na vigência do contrato, pois objetiva a

segurança jurídica, com o fim de satisfazer os créditos oriundos de Atos Ilícitos

causados pelo Possuidor Direto, mormente quando este for insolvente, a fim de se

adequar aos ditames da Política Jurídica, confirmando-se, também, a referida

hipótese de pesquisa.

Nessas condições, em síntese:

a) por haver transferência da Propriedade do bem objeto da Alienação Fiduciária em

Garantia, por meio de contrato que envolve um bem considerado perigoso e que é

colocado no meio social, apresentando um verdadeiro potencial lesivo à Sociedade

(Veículo Automotor) ao Mutuante (Credor Fiduciário);

b) pelo fato de que esta Propriedade Fiduciária possui uma Função Social, pois não

há limitação constitucional à forma de Propriedade que deva observar tal princípio

(se Propriedade limitada, ou não);

c) por se tratarem os Veículos Automotores de bens perigosos e por financiar o

aumento da frota na Sociedade, ampliando as situações de risco social, a atividade

das Instituições Financeiras (que figuram como Proprietárias Fiduciárias e

Possuidoras indiretas de tais veículos) implica, por sua natureza, risco para os

direitos de outrem, devendo responder, independentemente de culpa por eventuais

danos ocasionados pelo Devedor Fiduciante (que é o Possuidor direto da coisa), na

forma do art. 927, parágrafo único, do Código Civil;

d) diante do lucro auferido pelo Mutuante (Proprietário Fiduciário) com a operação

de empréstimo e diante do princípio segundo o qual aquele que lucra com uma

situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes;

e) pela necessidade de se assegurar o direito da vítima atingida por um Ato Ilícito

cometido pelo Devedor-Fiduciante na vigência do Contrato de Alienação Fiduciária

Page 237: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

em Garantia de um Veículo Automotor, que é considerado um bem potencialmente

lesivo à Sociedade, bem como pelo princípio da Solidariedade, garantindo à pessoa

da vítima a sua dignidade;

f) Por se tratar o Proprietário Fiduciário, em contratos de Alienação Fiduciária em

Garantia de Veículos Automotores, necessariamente, de sociedades empresárias e,

em função do art. 931, do Código Civil que determina: “Ressalvados outros casos

previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem

independentemente de culpa pelos danos causados pel os produtos postos em

circulação ” (Teoria do Risco);

g) com base no Recurso Especial n. 1.044.527-MG, do Superior Tribunal de Justiça,

o qual entendeu que, em contrato gratuito (empréstimo) de Veículo Automotor, há

responsabilidade do proprietário por atos ilícitos envolvendo a coisa que esteja na

posse de terceiro, há maior responsabilidade ao proprietário quando o contrato é

oneroso,

Propõe-se, com base no aspecto corretivo da Política Jurídica,

interpretação judicial no sentido de se responsabilizar, civilmente, de forma solidária

o Credor Fiduciário (Proprietário Fiduciário) por ato ilícito cometido pelo Possuidor

Direto (Devedor Fiduciante) de Veículo Automotor de Via Terrestre, alienado

fiduciariamente.

O objetivo não é, aqui, defender a extinção do contrato de

Alienação Fiduciária em Garantia de Veículos Automotores, mas de uma proposta

que pretende solidarizar a indenização cabível pelo dano ocasionado com a

constituição, pelo próprio Credor-Fiduciário, de seguro a ser acrescido no custo do

produto, enquanto perdurar o contrato, repassado tal ônus na contratação ao

Devedor-Fiduciante.

Page 238: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário jurídico brasileiro Acquaviva . 3. ed.

São Paulo: Jurídica Brasileira, 1993.

ALEXY, Robert. Teoria del discurso y derechos humanos . Tradução de Luis Villar

Borda. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 1995.

ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências . 4. ed.

São Paulo: Saraiva, 1972.

ARCE, Joaquin; VALDÉS, Flores. El derecho civil constitucional . Madri: Editorial

Civitas, 1991.

ARISTÓTELES. A política . Tradução de Nestor Silveira Chaves. Rio de Janeiro:

Ediouro, 1997.

ARONNE, Ricardo. Propriedade e domínio : reexame sistemático das noções

nucleares de direitos reais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

ASSIER-ANDRIEU, Louis. O direito nas sociedades humanas . Tradução de Maria

Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoria de la legislación . Madrid: Editorial

Civitas S/A, 1997.

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações . 8. ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2000.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional . São Paulo: Celso Bastos,

2002.

BESSONE, Darcy. Direitos Reais . 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996.

BESSONE, Darcy. Do contrato : teoria geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 9. ed. Tradução de Carlos Nelson Coutinho.

Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico . Tradução de Maria Celeste

Cordeiro Leite dos Santos. 10. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997.

Page 239: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes . Tradução de Carlos Nélson Coutinho. Rio de

Janeiro: Campus, 1991.

BODENHEIMER, Edgar. Teoría del derecho . México: Fondo de cultura Económica,

2000.

BRASIL. Código de Trânsito brasileiro: Lei n º 9.503, de 23 de setembro de 1997.

Emílio Sabatovski, Iara Fontana e Tânia Saiki. Curitiba: Juruá, 1997.

BRASIL. Código de Trânsito brasileiro: Lei n º 9.503, de 23 de setembro de 1997.

Emílio Sabatovski, Iara Fontoura e Tânia Saiki. Curitiba: Juruá, 1997.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag 568.008/SP, Rel. Ministro LUIS

FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 04/05/2009.

Disponível em

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=penhora+aliena%E7%E3o+fi

duci%E1ria&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=3#, acesso em 01 fev. 2012.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 191.397/SP, Rel. Ministro Vasco Della

Giustina (Desembargador Convocado do TJ/RS, Terceira Turma, julgado em

03/05/2011, DJe 05/05/2011). Disponível em:

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=aliena%E7%E3o+fiduci%E1ri

a+pris%E3o&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1#, acesso em 01 fev. 2012.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.044.527-MG, Relatora

Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 27/09/2011. Disponível em

https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/revista/abreDocumento.jsp?componente=COL&se

quencial=17944804&formato=PDF, acesso em 01 fev. 2012.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.044.527-MG, Relatora

Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 27/09/2011. Disponível em

https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/revista/abreDocumento.jsp?componente=COL&se

quencial=17944804&formato=PDF, acesso em 01 fev. 2012.

BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis . 9. ed. São Paulo: Atlas, 1997.

CABO MARTIN, Carlos de. Sobre el concepto de ley . Madrid: Trotta, 2000.

CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade administrativa no

estado constitucional de direito . Curitiba: Juruá, 2001.

CAENEGEN, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado . 2. ed.

Tradução de Carlos Eduardo Lima Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

Page 240: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da

constituição . 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999.

CARVALHO, Milton Paulo de. Ainda a prisão civil em caso de alienação fiduciária:

da desconsideração do depósito, Novos Estudos Jurídicos . Itajaí, n º 12, p. 33-70,

abril/2001.

CASTRO, Guilherme Couto de. A responsabilidade civil objetiva no direito

brasileiro : o papel da culpa em seu contexto. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

CAVEDON, Fernanda de Salles. Função social e ambiental da propriedade .

Florianópolis: Visualbooks, 2003.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil . São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1.

COLZANI, Valdir Francisco. Guia para redação do trabalho científico. Curitiba:

Juruá, 2001.

COMPAGNUCCI DE CASO, Rúben H.. Manual de obligaciones . Buenos Aires:

Editorial Astrea, 1997.

CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia & estado contemporâneo . 3. ed.

Curitiba: Juruá, 2002.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado . 19. ed. São

Paulo: Saraiva, 1995.

DALLARI, Dalmo de Abreu. O futuro do estado . São Paulo: Saraiva, 2001.

DALLARI. Dalmo de Abreu. O poder dos juízes . 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

DANTAS, San Tiago. Programa de direito civil . Rio de Janeiro: Rio, 1979. v. 3.

DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. v.1. Rio de Janeiro: Forense,

1997.

DIAS, Maria da Graça Santos. A justiça e o imaginário social . Florianópolis:

Momento Atual, 2003.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 17. ed.

São Paulo: Saraiva, 2002. v. 4.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil : responsabilidade civil. 16. ed. São

Paulo: Saraiva, 2002. v. 7.

Page 241: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico . São Paulo: Saraiva, 1998. v. 4.

DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio . Tradução de Luís Carlos Borges.

São Paulo: Martins Fontes, 2000.

ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do es tado.

Tradução de Leandro Konder. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

FACHIN, Luiz Edson. A função social da posse e a propriedade contemporâ nea:

(uma perspectiva da usucapião imobiliária rural). Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris

Editor, 1988.

FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo . Rio de Janeiro:

Renovar, 2001.

FAZZIO JUNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 3. ed. São Paulo: Atlas,

2003.

FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito . 2. Ed. São Paulo: Atlas,

1980.

FRANÇA, Pedro Arruda. Contratos atípicos . 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga : estudos sobre o culto, o

direito e as instituições da Grécia e de Roma. Tradução de Edson Bini. 2. ed. Bauru:

Edipro, 1999.

GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil : São Paulo: Saraiva, 2003, v.

3.

GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1970.

GOMES, Orlando. Contratos . 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil . 14. ed. Rio de Janeiro: Forense,

1999.

GONÇALVES, Aderbal da Cunha. Da propriedade resolúvel . São Paulo: RT, 1978.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro : parte geral. São Paulo:

Saraiva, 2003. v. 1.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil : doutrina, jurisprudência. 6.

ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

Page 242: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

GUTIERREZ, Graciela Messina de Estrella. Responsabilidad civil de la empresa .

Santa Fé, Argentina: Editorial Jurídica Panamericana S.R.L., 1996.

HART, Herbert L. A. O conceito de direito . 2. ed. Tradução de A. Ribeiro Mendes.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986.

HOEFFE, Otfried. Justiça política : fundamentação de uma filosofia crítica do direito

e do estado. Tradução de Ernildo Stein. Petrópolis: Vozes, 1991.

JHERING, Rudolf von. A finalidade do direito . Tradução de Heder K. Hoffmann.

Campinas: Bookseller, 2002. T. I .

JHERING, Rudolf von. A luta pelo direito . Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo:

Martin Claret, 2002.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito . 6. ed. Tradução João Baptista Machado.

São Paulo: Martins Fontes, 1998.

LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas hermenêuticas dos direitos humanos e

fundamentais no Brasil . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

LÉVY-BRUHL, Henri. Sociologia do direito. 2. ed. Tradução de Antonio de Pádua

Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

LIMA, Alvino. A responsabilidade civil pelo fato de outrem . Rio de Janeiro:

Forense, 1973.

LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : direitos reais e direitos

intelectuais. 2. ed. São Paulo: RT, 2002. v. 4.

LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil : obrigações e

responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 2.

LLOYD, of Hampstead, Dennis Loyd, Baron. A idéia de lei . Tradução de Álvaro

Cabral. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

LOBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil, Revista de

informação legislativa , Brasília, a. 36, n o. 141, p. 99-109, jan/mar. 1999.

MACRIDIS, Roy C. Ideologias políticas contemporâneas . Tradução de Luis Tupy

Caldas de Moura e Maria Inês Caldas de Moura. Brasília: Editora Universidade de

Brasília, 1982.

Page 243: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade : de acordo

com o novo código civil e com o Estatuto da Cidade. 2. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2005.

MARKY, Thomas. Curso elementar de direito romano. 8. ed. São Paulo: Saraiva,

1995.

MARMITT, Arnaldo. Responsabilidade civil nos acidentes de automóvel. Rio de

Janeiro: AIDE, 1986.

MARRYMAN, John Henry. La tradicion juridical romano-canonica. Traducción de

Eduardo L. Suárez. México, D.F: 1997.

MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais . 14. ed. Rio de janeiro:

Forense, 1996.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito . 19. Ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2001.

MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de política jurídica . Florianópolis: OAB/SC

Editora, 2000.

MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica . 1. ed. Porto Alegre:

Sergio Antônio Fabris Editor, 1994.

MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito . Porto Alegre:

Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998.

MEZZARI, Mário Pazutti. Alienação fiduciária : da lei n. 9.514, de 20-11-1997. São

Paulo: Saraiva, 1998.

MILL, John Stuart. Sobre a liberdade. Tradução de Alberto da Rocha Barros. 2. ed.

Petrópolis: Vozes, 1991.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado: Direito das Coisas. Propriedade.

Aquisição da propriedade imobiliária. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955. t. 11.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil : direito das obrigações.

32 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 4.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis . Tradução de

Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

Page 244: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito . 25 ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1999.

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito . 17 ed. Rio de Janeiro: Forense,

1999.

NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa . 3. ed. São Paulo:

Saraiva, 2003.

NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. São Paulo:

Saraiva, 2004. v. 3.

NEGREIROS, Teresa Paiva de Abreu Trigo de. Fundamentos para uma

interpretação constitucional do princípio da boa-fé . Rio de Janeiro: Renovar,

1998.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Doutrinas Essenciais:

Responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

PASOLD, Cesar Luiz. Função social do estado contemporâneo . 3. ed.

Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003.

PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para

o pesquisador do direito. 7. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2002.

PASOLD, Cesar Luiz. Reflexões sobre o poder e o direito . Florianópolis:

Estudantil, 1986. p. 16.

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil: posse, propriedade,

direitos reais de fruição, garantia e aquisição. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

v. 4.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1998.

PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil. Tradução de Maria Cristina de Cicco.

2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

PILATI, José Isaac. Propriedade & função social na pós-modernidade. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2011.

RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito . Tradução de L. Cabral de Moncada. 6.

ed. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1997.

Page 245: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

RAWLS, John. Uma teoria da justiça . Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R.

Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

REIS, Clayton. Avaliação do dano moral . 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial . 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

v. 2.

RESTIFFE NETO, Paulo. Garantia fiduciária . 2. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1976.

RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis . Tradução de Osório de

Oliveira. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2002.

RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de crédito bancário . 5. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2000.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das coisas. 27. ed. São Paulo: Saraiva,

2002. v. 5.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil : parte geral das obrigações. 30. ed. São Paulo:

Saraiva, 2002. v. 2.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil : responsabilidade civil. 19. ed. São Paulo:

Saraiva, 2002. v. 4.

RONCONI, Diego Richard. Falência & recuperação de empresas : análise da

utilidade social de ambos os institutos. Itajaí: Editora da Univali, 2002.

ROUBIER, Paul. Théorie Générale du droit - histoire des doctrines juridiques et

philosophie des valeurs sociales. 2. Ed. Paris: Libreirie du recueil Sirey. 1951.

SABATOVSKI, Emílio. Código de trânsito brasileiro . Curitiba: Juruá, 1997.

SAMPEL, Edson Luiz. Introdução ao Direito Canônico . São Paulo: LTr, 2001.

SANTOS, Eduardo Sens dos. A função social do contrato . Florianópolis: OAB/SC

Editora, 2004.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais . 2. ed. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais

na Constituição Federal de 1988 . 2. ed Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

Page 246: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

SAUCA, José Maria (Coord). Problemas actuales de los derechos

fundamentales. Universidad Carlos III de Madrid. Boletín oficial del Estado: Madrid,

1994.

SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil : da erosão

dos filtros da reparação à diluição dos danos. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 2011.

SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade . Tradução de Laura

Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

SILVA, De Plácido. Vocabulário jurídico . 23. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.

1323.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed. São

Paulo: Malheiros, 2002.

SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa e socialização do risco .

Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares S/A., 1962.

SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa . 2. ed. São Paulo: Saraiva,

1974.

STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamenta is . São

Paulo: Malheiros, 2004.

STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interprestação jurispr udencial . 3. ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso : constituição, hermenêutica e teorias

discursivas. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público . 3.ed. São Paulo:

Malheiros, 1998.

TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil . 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

TZIRULNIK, Luiz. Intervenção e liquidação extrajudicial das institui ções

financeiras . 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil : Contratos em espécie. 3. ed. São Paulo:

Atlas, 2003. v. 3.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil : direitos reais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

v. 5.

Page 247: a possibilidade de responsabilidade civil solidária do proprietário

VENOSA, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

v. 4.

WALD, Arnoldo. Direito das coisas. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

WARAT, Luiz Alberto. Introdução geral ao direito : a epistemologia jurídica da

modernidade. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1995.

WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico : fundamentos de uma nova cultura

no direito. 2. ed. São Paulo: Editora Alfa Omega, 1997.