a oportunidade faz o ladrão

10
“A oportunidade faz o ladrão” Teoria prática da prevenção da criminalidade 1 Marcus Felson Ronald V. Clarke Police Research Series Paper 98 Editor: Barry Webb Home Office Policing and Reducing Crime Unit Research, Development and Statistics Directorate 50 Queen Anne’s Gate London SW1H 9AT 1998 A. Introdução A teoria criminológica há muito tempo parecia irrelevante para aqueles que tinham de lidar com os ofensores no mundo real. Esta irrelevância deriva em parte da atribuição das causas da criminalidade a fatores distantes, como as práticas de educação infantil, composição genética e os processos psicológicos ou sociais. Estes fatores estão, em sua maioria, fora do alcance das práticas diárias e sua combinação é extremamente complicada, mesmo para aqueles que querem principalmente compreender o crime, muito mais do fazer algo sobre isso. Nesta publicação, vamos mostrar que o entendimento da causalidade do crime não é necessariamente complicado e que esse entendimento é relevante para o trabalho de prevenção rotineira da polícia e de outros. Em breve, vamos argumentar que “a oportunidade faz o ladrão" é muito mais do que simplesmente um velho ditado e tem implicações importantes para as políticas e práticas de enfrentamento do crime. O comportamento individual é o produto de uma interação entre a pessoa e a situação. A maior parte das teorias criminológicas presta atenção apenas para a primeira, perguntando por que algumas pessoas podem ser mais ou menos inclinadas ao crime. Isso negligencia a segunda, as características importantes de cada situação que ajudam a traduzir as inclinações criminais em ação. Essa preocupação com as inclinações criminosas produziu uma imagem assimétrica das causas da criminalidade, mas isso está sendo corrigido no novo ambiente de trabalho dos criminólogos, mostrando como algumas configurações do ambiente (situação) proporcionam muito mais oportunidades do crime do que outras. No entanto, os críticos frequentemente minimizam as oportunidades ou as tentações como verdadeiras causas do crime. Para mostrar por que isso está errado, notamos que o crime não pode ocorrer sem as possibilidades físicas para realizá-lo. Quaisquer que sejam as inclinações criminais, alguém não pode cometer um crime sem superar suas condições físicas. A partir do momento em que as oportunidades 1 Tradução: Letícia Godinho. 1

Upload: fernandoalves

Post on 29-Dec-2015

13 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A oportunidade faz o ladrão

“A oportunidade faz o ladrão”Teoria prática da prevenção da criminalidade1

Marcus FelsonRonald V. Clarke

Police Research SeriesPaper 98

Editor: Barry WebbHome OfficePolicing and Reducing Crime UnitResearch, Development and Statistics Directorate50 Queen Anne’s GateLondon SW1H 9AT

1998

A. Introdução

A teoria criminológica há muito tempo parecia irrelevante para aqueles que tinham de lidar com os

ofensores no mundo real. Esta irrelevância deriva em parte da atribuição das causas da criminalidade a

fatores distantes, como as práticas de educação infantil, composição genética e os processos psicológicos

ou sociais. Estes fatores estão, em sua maioria, fora do alcance das práticas diárias e sua combinação é

extremamente complicada, mesmo para aqueles que querem principalmente compreender o crime, muito

mais do fazer algo sobre isso. Nesta publicação, vamos mostrar que o entendimento da causalidade do

crime não é necessariamente complicado e que esse entendimento é relevante para o trabalho de

prevenção rotineira da polícia e de outros. Em breve, vamos argumentar que “a oportunidade faz o ladrão"

é muito mais do que simplesmente um velho ditado e tem implicações importantes para as políticas e

práticas de enfrentamento do crime.

O comportamento individual é o produto de uma interação entre a pessoa e a situação. A maior

parte das teorias criminológicas presta atenção apenas para a primeira, perguntando por que algumas

pessoas podem ser mais ou menos inclinadas ao crime. Isso negligencia a segunda, as características

importantes de cada situação que ajudam a traduzir as inclinações criminais em ação.

Essa preocupação com as inclinações criminosas produziu uma imagem assimétrica das causas da

criminalidade, mas isso está sendo corrigido no novo ambiente de trabalho dos criminólogos, mostrando

como algumas configurações do ambiente (situação) proporcionam muito mais oportunidades do crime do

que outras. No entanto, os críticos frequentemente minimizam as oportunidades ou as tentações como

verdadeiras causas do crime. Para mostrar por que isso está errado, notamos que o crime não pode ocorrer

sem as possibilidades físicas para realizá-lo. Quaisquer que sejam as inclinações criminais, alguém não

pode cometer um crime sem superar suas condições físicas. A partir do momento em que as oportunidades

1 Tradução: Letícia Godinho.

1

Page 2: A oportunidade faz o ladrão

do crime são condições necessárias para que o crime ocorra, isso os torna causas no sentido forte da

palavra. Ao mesmo tempo, muitas pessoas com casas mal-cuidadas ou casas estragadas nunca cometeram

crimes, e muitas pessoas de boas famílias em circunstâncias confortáveis se tornaram infratores ativos.

Nenhuma teoria sobre indivíduos pode alegar que foram encontradas as condições necessárias para uma

pessoa cometer crimes. Para ter certeza, nenhuma causa do crime é suficiente para garantir a sua

ocorrência; mas a oportunidade, acima de tudo, é necessária e, portanto, tem tanto ou mais justificativa para

ser uma “causa originária”.

Para oferecer um exemplo de nosso pensamento, furtos não só variam entre os indivíduos mas

também entre as lojas. Qualquer loja que torna mais fácil furtar possui uma maior ocorrência de crimes por

dois motivos: por incentivar mais pessoas a participar do crime e por ajudar cada ladrão a ser mais eficiente

como ladrão. Do outro lado da moeda, lojas que têm impedido furtos com um design e uma gestão

cuidadosos reduzem o problema, produzindo menos ladrões e eliminando a eficiência de cada ofensor.

Caixa 1. Experimentos em TemptationA melhor maneira de estabelecer uma relação causal é através de um experimento, mas seria antiético criar novas oportunidades de roubo ou furto e, em seguida, sentar-se para ver o que acontece. Mas alguns pesquisadores realizaram experimentos com menores transgressões. Na década de 1920, como parte da famosa "Pesquisa do Caráter da Educação" realizada nos Estados Unidos da América, os investigadores deram aos alunos a oportunidade de colar nas provas, mentir acerca das colas e roubar moedas de jogos usados. O que os pesquisadores descobriram é que apenas algumas crianças resistiu a todas essas tentações. Pelo contrário, a maioria se comportou desonestamente parte do tempo, reforçando a idéia de que as oportunidades causam o crime.Em outros experimentos, os pesquisadores espalharam cartas carimbadas e enviadas nas ruas para ver se as pessoas iriam buscá-las e enviá-las. Era menos provável que as pessoas enviassem as cartas contendo dinheiro, demostrando a sua resposta à oportunidade. Era mais provável que as pessoas possem cartas dirigidas a homens do que a mulheres, indicando que uma pessoa toma uma decisão de maneira bem pensada e não respondendo à tentação.Fontes:(1) H. Hartshorne and M.A. May. 1928. Studies in Deceit.New York: Macmillan(2) David P. Farrington and Barry J. Knight. 1980. Stealing from a “lost” letter. Criminal Justice and Behavio, rVol 7, Pages 423-436.

A propensão individual para o crime e as características criminogênicas do ambiente, embora

importantes, não são tão simples de analisar. A abordagem usual – que tenta descobrir quem tem maior

propensão pessoal para o crime e por que – é uma tarefa mais do que formidável. As análises estatísticas

para desvendar as causas individuais são altamente complicadas e parecem andar em círculos. Articular

ensaios sobre as causas do crime pode convencer um grupo de leitores, mas parece fazer pouco progresso

em persuadir outros. Nós não vemos nenhuma perspectiva imediata de sucesso na resolução de muitas

controvérsias sobre o que causam as propensões individuais ao crime.

Por outro lado, as teorias sobre como o ambiente causa o crime são mais bem sucedidas, não só na

obtenção de verificação empírica, mas no ganho de consensos. Por exemplo, sabemos que os grandes

bares, com muitos rapazes bêbados empurrando uns aos outros resultam em mais brigas. Sabemos que o

layout de alguns parques e ruas convida à prostituição e ao tráfico de drogas. Sabemos alguns dos

princípios de design e gestão que ajudam a tornar insegura ou segura uma habitação. Mesmo quando há

2

Page 3: A oportunidade faz o ladrão

espaço para a controvérsia e requinte, a teoria sobre o ambiente do crime até agora escapou ao estado de

coisas da produção intelectual.

A teoria situacional do crime recai sobre um único princípio: que oportunidades fáceis ou tentadoras

motivam as pessoas à ação criminal. Esse princípio é encontrado em cada uma das novas teorias da

oportunidade do crime, incluindo a abordagem das atividades rotineiras, a teoria dos padrões da

criminalidade e a perspectiva da escolha racional. Mesmo que elas difiram na orientação e no propósito,

elas têm muitos pressupostos comuns. Vamos apontá-los e explicar como eles levam à conclusão inevitável

de que a oportunidade é uma das causas do crime. Ao argumentar isso, vamos mostrar que as

oportunidades do crime são, pelo menos, tão importantes quanto os fatores individuais e são muito mais

tangíveis e relevantemente imediatas para a vida cotidiana. É por isso que essas teorias são tão facilmente

compreensíveis, como bem úteis para a formulação de políticas de controle dos crimes.

Esta publicação é uma resposta direta àqueles que criticam a polícia e setor privado da prevenção

do crime por "negligenciar as causas do crime". Essa crítica erroneamente supõe que as causas primeiras e

mais remotas são mais significativas. Em vez disso, argumentamos que as causas mais imediatas são

muitas vezes mais poderosas na geração de crime.

B. As novas teorias das oportunidades

Uma notável convergência das teorias da oportunidade do crime está em andamento. Talvez a

palavra “teoria” seja um pouco grandiosa, já que muitas pontas continuam soltas. Estritamente falando, não

faz mais sentido se referir a elas como "abordagens", uma vez que nenhuma deles é uma teoria completa e

formal. Na verdade, cada uma das examina as oportunidades dos crimes em uma direção diferente e ainda

assim chegam ao mesmo lugar. Nós discutimos as características das três abordagens, em seguida.

1. A abordagem das atividades rotineiras

A abordagem das atividades rotineiras começou como uma explicação dos crimes predatórios. Ela

parte do princípio de que para que tais crimes ocorram, deve haver uma convergência no tempo e no

espaço de três elementos mínimos: um provável criminoso, um alvo apropriado e ausência de um guardião

capaz contra a criminalidade. Essa abordagem toma o provável ofensor como dado e foca-se sobre os

outros elementos. O guardião não é geralmente um policial, funcionário ou agente de segurança, mas sim

alguém cuja presença ou proximidade, desencorajaria a ococrrência de um crime. Assim, uma dona de casa

ou porteiro, um vizinho ou colega de trabalho tenderiam, simplesmente por estar presente, a servir como

guardião.

A guarda (tutela) é, muitas vezes, inadvertida, mas ainda sim tem um forte impacto contra a

criminalidade. O mais importante, quando guardiões estão ausentes, é que um alvo está especialmente

sujeito ao risco de um ataque criminoso.

3

Page 4: A oportunidade faz o ladrão

Caixa 2. Teoria das atividades rotineiras e o triângulo básico do crime

Fonte: Felson, Marcus (1998). Crime and Everyday Life. Second edition. Thousand Oaks, CA: Pine Forge Press.

Na óptica das atividades rotineiras, “alvo” é preferível ao termo “vítima”, a qual pode estar

totalmente ausente da cena do crime. Assim, o proprietário de uma TV está normalmente afastado quando

um assaltante a leva. A TV é o alvo e é a ausência do proprietário e outros guardiões que torna mais fácil o

roubo. Alvos de crime podem ser uma pessoa ou um objeto, cuja posição no espaço ou no tempo que

coloca em risco mais ou menos ataque criminoso. Quatro elementos principais influenciam o risco de ser um

alvo de um ataque criminoso, tal como resumido pela sigla VIVA:

− Valor

− Inércia

− Visibilidade

− Acesso

Todas essas quatro dimensões são consideradas do ponto de vista do ofensor. Infratores só estarão

interessados em alvos que eles valorizam, por qualquer motivo. Assim, o CD mais recente e popular será

roubado mais de lojas de discos do que um CD de Beethoven de cerca de igual valor monetário, uma vez

que a maioria dos infratores gostariam de ter o primeiro, mas não o último. Inércia é simplesmente o peso

do item. Assim, pequenos produtos eletrônicos são roubados muito mais que itens de peso, a menos que

estes últimos sejam de rodas ou motorizados, de forma a superar o obstáculo de seu peso. A visibilidade se

refere à exposição de alvos de roubo aos infratores, como quando alguém tira dinheiro em público ou coloca

bens valiosos na janela. Acesso se refere aos padrões de rua, a colocação de mercadorias perto da porta

ou outras características da vida cotidiana, tornando mais fácil para criminosos chegar ao alvo. Para o crime

habitual predatório ocorrer, um provável ofensor deve encontrar um alvo adequado na ausência de um

guardião capaz. Isso significa que a criminalidade pode aumentar sem um maior número de delinquentes se

houver mais alvos, ou se os ofensores podem alcançar alvos sem guardiães presentes. Isso também

significa que a vida da comunidade pode alterar a produção de mais oportunidades de crime, sem qualquer

aumento da motivação criminal.

A química do crime

2. Guardião capaz

1. Alvo disponível3. Provável ofensor

4

Page 5: A oportunidade faz o ladrão

Usando esse pensamento e uma variedade de dados, a abordagem da atividade rotineira ainda

oferece a melhor explicação para o aumento dos assaltos nos Estados Unidos e oeste da Europa durante

os anos 1960 e 1970. Incluem-se nessa explicação a constatação de que o melhor preditor das taxas de

roubo anual é o peso menor do conjunto de televisores vendidos a cada ano. Outro componente importante

da explicação é que, de longe mais casas neste período foram deixadas descuidadas durante o dia, à

medida em que mais mulheres foram inseridas em tempo integral no mercado de trabalho remunerado. Na

verdade, a explicação mais geral da evolução das taxas de crime é um indicador da dispersão das

atividades para longe da família e do entorno famíliar. Como as pessoas passam mais tempo entre

estranhos e longe de suas casas, seu risco de aumentar sua vitimização pessoal e da propriedade aumenta.

Embora a abordagem das atividades rotineiras comece com essas idéias sobre os mínimos

elementos do crime e padrões de atividade, ela acaba enfatizando as mudanças na tecnologia e na

organização em escala societal. Assim, a propagação de transistores e plásticos para produtos de uso diário

da década de 1960 gerou aumento grande no volume de bens duráveis leves que são fáceis de roubar. A

mudança na estrutura ocupacional incluiu um grande crescimento da força de trabalho feminina e uma

dispersão das mulheres e suas atividades para fora do estabelecimento mais seguro de suas casas. Essas

são mudanças estruturais na oportunidade do crime com consequências dramáticas para a sociedade.

2. Teoria dos Padrões da CriminalidadeOs padrões da criminalidade local pode nos dizer muito sobre como as pessoas interagem com seu

ambiente físico, gerando mais ou menos oportunidade de crime. A teoria dos padrões dos crimes, um

componente central da criminologia ambiental, considera como as pessoas e coisas envolvidas no crime se

movem no espaço e no tempo. Bastante compatível com a abordagem das atividades rotineiras, essa teoria

tem três conceitos principais: nós, caminhos e limites. "Nós", que é um termo da área do transporte, refere-

se ao local de onde e para onde as pessoas transitam. Esses lugares não só podem gerar crimes no seu

interior, mas também nas proximidades. Por exemplo, um bar mais rígido pode gerar mais crimes no seu

exterior do que no interior de suas instalações. Assim, a palavra "nó" transmite uma sensação de movimento

e, portanto, carrega um significado extra sobre as oportunidades do crime.

Cada ofensor procura alvos do crime no entorno de nós de atividades pessoais (tais como casa,

escola e área de entretenimento) e os caminhos entre eles. Além disso, os caminhos que as pessoas

tomam em suas atividades cotidianas estão intimamente relacionados ao local onde eles se tornam vítimas

de crimes. É por isso que a teoria dos padrões do crime presta tanta atenção para a distribuição geográfica

da criminalidade e do ritmo diário de atividades. Por exemplo, ela gera mapas de crime para diferentes

horas do dia e para diferentes dias da semana, ligando o crime a fluxos regionais, à saída de crianças da

escola, ao fechamento de bares ou quaisquer outros processos que movem as pessoas entre nós e

caminhos. O terceiro conceito da teoria dos padrões do crime, bordas, referem-se aos limites de áreas

pessoas onde as pessoas vivem, trabalham, fazem compras ou buscam entretenimento. Alguns crimes são

mais prováveis de ocorrer nas bordas – como os ataques raciais, roubos ou furtos – porque as pessoas de

diferentes vizinhanças que não se conhecem umas às outras se encontram nas bordas. A distinção entre

insiders (pessoas de dentro da comunidade) e outsiders (pessoas de fora da comunidade) ajuda a mensurar

a importância das bordas; a partir do momento em que insiders geralmente cometem crimes mais próximos

às suas próprias vizinhanças, outsiders acham mais seguro ofender nas bordas, e então retornar à sua

própria área. Mais importante, a teoria dos padrões de crime e outros criminólogos ambientais têm mostrado

5

Page 6: A oportunidade faz o ladrão

que a concepção e gestão da vizinhança, da cidade e das áreas de negócio podem produzir grandes

mudanças nos índices de criminalidade. Por exemplo, é possível reduzir a criminalidade por meio de uma

maior calmaria no tráfego e por meio de janelas de orientação para que as pessoas possam controlar

melhor suas próprias ruas.

3. A perspectiva da escolha racional A perspectiva da escolha racional concentra-se na tomada de decisão do ofensor. Seu pressuposto

principal é que o crime é um comportamento intencional, destinado a beneficiar o autor de alguma forma.

Infratores têm objetivos quando cometem crimes, mesmo que esses objetivos sejam míopes e levem em

conta apenas alguns benefícios e riscos de cada vez. Estas condições do pensamento limitam a

racionalidade do ofensor. Também é limitada pela quantidade de tempo e esforço que os infratores possam

ter para tomar a decisão e pela qualidade das informações disponíveis a eles. Eles raramente têm uma

visão completa de todos os vários custos e benefícios do crime.

Para compreender as escolhas do crime, deve-se sempre analisar categorias muito específicas de

cada crime. A razão para essa especificidade é a de que tais crimes têm propósitos diferentes e são

influenciados por fatores situacionais muito diferentes. Por exemplo, existem ladrões de carro de diferentes

tipos, incluindo joyriders, as pessoas que roubam componentes ou coisas deixadas no carro, queles que

roubam os carros para revenda ou desmantelar para peças de reposição, aqueles que querem um carro

para usar em um outro crime, e aqueles que simplesmente querem ir para casa. Isso não quer dizer que

aqueles que cometem um tipo de roubo de carro nunca cometem outro roubo; mas se limita a afirmar que o

roubo do carro para uma finalidade é bastante diferente de roubo de carro para um propósito totalmente

diferente e devem ser analisados de acordo com cada uma de suas especificidades.

Cada um desses criminosos tem que fazer um cálculo diferente. Joyriders podem escolher um carro

com boa aceleração que é divertido de conduzir, quando os ladrões de peça podem escolher um carro mais

velho, cujas partes podem ser valiosos para revenda. Aqueles que roubam um carro para revenda podem

escolher um carro de luxo mas não um tão exótico chamando a atenção da polícia imediatamente. Na

escolha de um veículo para uso em outro crime, o delinquente provavelmente considera o seu desempenho

e confiabilidade. Aqueles que querem simplesmente ir para casa podem escolher o carro o mais

conveniente para roubar.

A teorização da escolha racional em criminologia é realmente muito realista, ao tentar ver o mundo

do ponto de vista do ofensor. Pretende compreender como o agressor faz escolhas criminais, impulsionado

por um motivo particular dentro de um cenário específico, que oferece oportunidades para satisfazer esse

motivo. A teoria da escolha racional tem uma imagem do infrator que pensa antes de agir, mesmo que

apenas por um momento, tendo em conta de alguns custos e benefícios advindos do cometimento da

infração. Para ter certeza, o cálculo do agressor é principalmente baseado no que é mais evidente e

imediato, negligenciando os custos e benefícios mais remotos do crime, ou a sua evitação. É por isso que o

autor sempre presta atenção um pouco menos à eventual punição ou ao impacto no longo prazo das drogas

do que os prazeres imediatos ou próximos oferecidos pela ofensa, ou os riscos de que alguém possa

frustrá-lo no local.

Essa perspectiva gerado entrevistas, perguntando a cada autor questões concretas sobre crimes

específicos, o que ele queria, pensou, e fez. Por exemplo, os pesquisadores abordaram assaltantes de

carros, perguntando-lhes especificamente porque iriam assaltar em uma rua e não em outra, uma casa e

6

Page 7: A oportunidade faz o ladrão

não outra, naquela hora e não outra. Outros pesquisadores andaram com ladrões de lojas para ver os itens

que eles teriam selecionado, como isso é afetado pela disposição na prateleira, e como eles pensam sobre

suas tarefas ilegais específicas. Na verdade, o modus operandi é a preocupação central da teoria da

escolha racional em criminologia. Esta teoria e pesquisa está estreitamente ligada à prevenção situacional

de crimes, que é expressamente concebida para reduzir as oportunidades do crime. Na verdade, se a

eliminação da oportunidade causa a redução da criminalidade, torna-se impossível negar que fornecer mais

oportunidade causa um aumento da criminalidade.

Agora que nós apresentamos as três principais teorias de oportunidade do crime, deve estar

evidente que elas fazem mais do que se sobrepor – elas têm muitas das mesmas suposições. Cada uma

trata o crime como uma oportunidade de geração de crime e cada uma presta atenção ao que realmente os

infratores fazem em uma situação de crime. As três teorias da oportunidade do crime podem ser colocadas

em ordem de acordo com “onde” elas prestam maior atenção, desde a sociedade amplamente

compreendida (teoria das atividades rotineiras) para a área local (teoria dos padrões da criminalidade) ao

âmbito local (escolha racional). Juntas elas nos dizem que a sociedade e localização podem mudar a

oportunidade do crime, enquanto que o indivíduo ofensor toma decisões em resposta a essas mudanças.

Alterar o volume de oportunidades de crime em qualquer nível irá produzir uma mudança nos resultados

criminais. Planejamento das cidades, a arquitetura do espaço defensável, o policiamento orientado para

problemas, a prevenção situacional – todos esses métodos oferecem oportunidades para a redução da

criminalidade. Nenhum desses métodos é o foco da publicação atual, mas qualquer sucesso que possam

ter serve como uma demonstração do nosso ponto teórico básico, que é o de que a oportunidade é uma

causa do crime.

C. Dez princípios acerca de oportunidades e crime2

1. As oportunidades desempenham um papel enquanto causas de todos os crimes, não apenas nos crimes

comuns contra a propriedade. Por exemplo, estudos sobre bares mostram como a sua concepção e gestão

desempenham papéis importantes na geração de violência ou na prevenção da mesma. Estudos sobre

fraudes em cartões de crédito e outros identificam brechas de segurança que podem ser bloqueados.

Mesmo crimes sexuais e tráfico de drogas estão sujeitos a redução de oportunidades.

2. As oportunidades dos crimes são altamente específicas. O roubo de correios depende de uma

constelação de oportunidades diferentes daquelas de assaltos a bancos ou assaltos na rua. Roubo de

carros para joyriding têm um modelo totalmente diferente da oportunidade de roubo de carros para vender

suas peças, e igualmente diferentes das do roubo do carro para venda no exterior. A teoria das

oportunidades do crime ajuda a resolver essas diferenças, que precisam ser entendidas se a prevenção

deve ser devidamente adaptada para os crimes em questão.

3. As oportunidades do crime estão concentradas no tempo e no espaço. Diferenças dramáticas são

encontradas de um endereço para outro, mesmo dentro de uma área de alta criminalidade. O crime muda

grandemente por hora e por dia da semana, refletindo as oportunidades para lidar com ele. A teoria das

atividades rotineiras e a teoria dos padrões da criminalidade são úteis para a compreensão da concentração 2Essa seção não foi traduzida em sua integralidade; apresenta-se uma tradução resumida do teto original.

7

Page 8: A oportunidade faz o ladrão

de oportunidades da criminalidade em determinados lugares e épocas.

4. As oportunidades do crime dependem dos movimentos e atividades diários dos delinquentes. Os

ofensores mudam suas metas de acordo com a mudança de viagens a trabalho, escola e das atividades de

lazer. Por exemplo, ladrões de carteira procuram multidões no centro da cidade e os assaltantes visitam o

subúrbio à tarde, quando os moradores estão no trabalho ou na escola.

5. Um crime produz oportunidades para outro. Há muitas maneiras em que isso pode ocorrer. Por exemplo,

o roubo tende a criar condições para a compra e venda de bens roubados e para as fraudes de cartão de

crédito. Proxenetismo e prostituição podem trazer assaltos e roubos em seu rastro. Um bom break-in pode

incentivar o infrator a retornar em uma data posterior. Se um jovem tem a sua moto tomada, ele pode sentir-

se justificado para roubar outra no lugar.

6. Alguns produtos oferecem oportunidades de crime mais tentadoras. As oportunidades refletem sobretudo

o valor, a inércia, a visibilidade e o acesso ao potencial alvo da criminalidade. Por exemplo, DVDs são de

grande valor e baixo teor de inércia (podem ser facilmente carregados), e muitas vezes são deixados em

locais visíveis e acessíveis. Isso ajuda a explicar porque eles são tão freqüentemente levados por

assaltantes.

7. As mudanças sociais e tecnológicas produzem novas oportunidades de crime. Qualquer novo produto

passa por quatro fases: a inovação, o crescimento, o marketing de massa e saturação. A duas fases do

meio tendem a produzir mais roubo. Assim, quando computadores laptops vieram pela primeira vez ao

mercado, eles eram bastante exóticos, apelando apenas para alguns consumidores. Como o preço caiu e

mais pessoas começaram a compreender seus usos, o mercado para eles começou a crescer. Ao mesmo

tempo, começaram a entrar em risco de roubo. Esses riscos permanecem elevados no presente, enquanto

eles continuam sendo altamente promovidos e são muito procurados. Como seu preço se reduz ainda mais,

e a maioria das pessoas pode comprá-los, os riscos de roubo diminuirão para níveis mais como o

de calculadoras e outros auxiliares de negócios diários.

8. O crime pode ser prevenido através da redução das oportunidades. Os métodos de prevenção situacional

que possibilitam a redução de crimes ajustam-se a padrões sistemáticos e regras que cortam cada

caminhada da vida, embora os métodos de prevenção devam ser adaptados a cada situação. Estes

métodos derivam da teoria da escolha racional e objetivam (i) aumentar o esforço percebido do crime, (ii)

aumentar os riscos percebidos, (iii) reduzir os benefícios esperados e (iv) remover as justificativas para o

crime. Assim, a prevenção situacional de crimes não é apenas uma coleção de métodos ad hoc, mas está

firmemente fundamentada na teoria das oportunidades. Há aproximadamente 100 testes de exemplos de

aplicação bem sucedidas de prevenção situacional de crimes.

9. Reduzir as oportunidades não costuma deslocar os crimes. Os testes têm em geral tem encontrado

pouco deslocamento após a execução da prevenção situacional. Nenhum estudo encontrou que os

deslocamentos são totais. Isso significa que cada pessoa ou organização de redução da criminalidade pode

ter algum ganho real. Mesmo o crime que é deslocado pode ser direcionado para longe do piores alvos, das

8

Page 9: A oportunidade faz o ladrão

piores horas e lugares.

10. A redução focada das oportunidades pode produzir maior queda na criminalidade. As medidas de

prevenção em um local pode levar a uma "difusão de benefícios" para tempos e lugares vizinhos, porque os

criminosos parecem superestimar o alcance das medidas. Além disso, há boas razões para crer que as

reduções na oportunidade do crime podem reduzir mais ainda as taxas de crime para a comunidade e a

sociedade.

D. Conclusões

Nesta publicação, procuramos corrigir um desequilíbrio na teoria criminológica, que tem

negligenciado o papel importante das oportunidades em causar os crimes. Nós não negamos que as

variáveis pessoais e sociais são importantes enquanto causas do crime. Na verdade, o crime é o produto de

uma interação entre a pessoa e a situação, o entorno. Não só podemos compreender os acontecimentos de

crime de forma mais completa através do estudo de suas situações, mas também podemos ganhar muito

mais conhecimento sobre os padrões e tendências da criminalidade. Mais importante, as situações

concretas do crime abrem um mundo vasto para a teoria do crime. Criminólogos não precisam estar

confinados às abstrações ou discussão de classe, ou raça ou quocientes de inteligência. Eles podem

também lidar com o aqui-e-agora da vida quotidiana – em especial, as características do mundo que regem

os nossos movimentos, dão padrão e consistência a nossas vidas, nossas escolhas e estruturam decisões,

inclusive sobre o crime. Combinando experiência em primeira mão com informações sobre as rotina de

crimes, os criminologistas podem enriquecer a empretiada teórica.

Aceitar a oportunidade como uma causa da criminalidade também abre um novo ponto de vista

das políticas de prevenção do crime centradas na redução das oportunidades. Estas políticas não

meramente complementam os esforços existentes para diminuir a propensão individual para cometer

crimes, através de programas sociais e comunitários ou a ameaça provocada pelas sanções penais. Pelo

contrário, as políticas mais recentes operam em condições muito mais próximas do evento criminal e,

portanto, têm chance muito maiores de reduzir o crime no curto prazo. Essa promessa se tornou mais

segura à luz dos resultados das pesquisas recentes sobre o deslocamento e difusão. O deslocamento

raramente, se alguma vez, causa a perda de todos os ganhos das medidas focadas de redução das

oportunidades. A difusão dos benefícios do crime, por vezes, resulta em sua redução para além do foco de

tais medidas. Em outras palavras, aceitar que a oportunidade é uma das causas da criminalidade, de igual

importância que as variáveis pessoais e sociais, que são geralmente consideradas como causas, resulta em

uma criminologia que não só é mais completa na sua teorização, mas também mais relevante para a política

pública e a prática. Isso significa também que muito trabalho de prevenção empreendido pela polícia, pela

segurança privada e pessoal-negocial na redução das oportunidades da criminalidade lida total e

diretamente com as causas básicas do crime.

9

Page 10: A oportunidade faz o ladrão

10