a equa¸c˜ao de catalan ap´os mih˘ailescu · 5 teorema de cassels 43 ... 6.1 soma de gauss e de...
TRANSCRIPT
A equacao de Catalan apos Mihailescu
Aluno:Gabriel Araujo Guedes
Orientador:Fabio E. Brochero Martınez
7 de junho de 2009
Sumario
1 Um pouco de Historia 5
2 Preliminares 9
2.1 Domınios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.2 Domınios de Dedekind e Ideais fracionarios . . . . . . . . . . . . . . . 13
2.3 Valorizacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2.4 Equacao de Pell . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.5 Divisibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
3 Expoentes Pares 21
3.1 Caso q = 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
3.2 Caso p = 2 e q = 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
3.3 Caso p = 2 e q ≥ 5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
4 Um Pouco de Teoria Algebrica dos Numeros 28
4.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
4.2 Ramificacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
4.2.1 Teorema de Kummer-Dedekind . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
4.3 O Grupo de Classes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
4.4 Aneis de Grupo e Modulos Galoisianos . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
4.5 Unidades Ciclotomicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
5 Teorema de Cassels 43
5.1 Alguns Lemas Tecnicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
5.2 Teorema de Cassels . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
5.3 Estimativas para x e y . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
5.4 Aplicacoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
6 O teorema de Stickelberger 53
6.1 Soma de Gauss e de Jacobi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
1
SUMARIO 2
6.2 Valorizacao e caracteres especiais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
6.3 Teorema de Stickelberger . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
7 Resultados de Mihailescu 68
7.1 Generalizacao do teorema de Cassels . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
7.2 Quando p e q sao pequenos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
8 Caso q divide p− 1 77
8.1 O terceiro teorema de Mihailescu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
8.2 Consequencia Importante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
Agradecimentos
Agradeco primeiramente a Deus, criador de mundos belos como a Terra, a Matematica
e tantos outros.
A minha Maeinha (Maria Pureza), meu porto seguro. Que do alto dos seus 1,50cm
foi e e amparo de muita gente. Ela que lutou tao bravamente e sozinha para que
minhas conquistas se tornassem possıveis.
A Fabio Brochero Martınez, meu orientador, pela dedicacao, entusiasmo, paciencia
e compreensao. A ele que nao foi so meu orientador, mas meu amigo.
Aos meus amigos verdadeiros (coisa muito difıcil de se ter hoje em dia), que tantos
bons momentos me proporcionaram: Gigi, Ricatti e formiga (Anderson).
Ao presidente Lula, no seu governo o Brasil investiu muito em ciencia e tecnologia.
Ao CNPq pelo suporte financeiro, sem o qual nada disso seria possıvel.
Ao professor Eduardo Shirlippie, que acreditou na minha capacidade e me deu a
possibilidade de trabalharmos juntos.
Ao professor Antonio Carlos, que me mostrou o mundo fascinante da teoria dos
numeros e quao instigante e este tema.
A Andrea e ao Valdney, que tanto trabalho os dei na secretaria da pos-graduacao
da UFMG.
Aos meus amigos mineiros Danilo e Dudu.
Ao professor Israel Vainsencher, que sempre me apoiou quando precisei.
Ao professor Renato Vidal, pelos conselhos e pelo bom-humor.
3
Resumo
Nesta dissertacao estudamos a conjectura de Catalan (a mesma levou 153 anos
para ser reslovida), um problema classico em equacoes diofantinas, a qual afirma
que as unicas solucoes inteiras nao nulas da equacao xu − yv = 1 sao (x, y, u, v) =
(±3, 2, 2, 3). Exibimos diversos resultados obtidos por Mihailescu quando o mesmo
resolveu a conjectura em 2002.
Nos primeiros capıtulos mostramos alguns resultados antigos, validando a con-
jectura quando u ou v e par.
No desenvolvimento da mesma enunciamos e demonstramos bons resultados da teo-
ria algebrica dos numeros, dedicando a alguns deles capıtulo inteiro, como por ex-
emplo, o teorema de Stikelberger.
Por fim, mergulhamos de vez na teoria criada por Mihailescu.
4
Capıtulo 1
Um pouco de Historia
Paulo Ribenboim observa em seu muito apreciavel livro [41] que problemas en-
volvendo potencias consecutivas ja vem intrigando matematicos por seculos. Em
“History of the number theory, vol. II” esta documentado que a primeira pergunta
feita neste sentido e devida a Phillippe de Vitry(1291-1361): Existe algum inteiro
m > 1 tal que 3m ± 1 e uma potencia de 2?
Cabe ressaltar que Vitry e muito mais conhecido como compositor e teorico da
musica do que como matematico. Este problema foi resolvido por Levi Ben Gerson
- Espanha, 1288-1344. Ele mostrou que se 3m ± 1 = 2n, entao m = 2 e n = 3.
Euler demonstrou em 1738, que se um cubo difere de um quadrado por mais ou
menos 1, entao estes numeros sao 8 e 9 (Euler tambem demonstrou que se um cubo
difere de um quadrado por 2, entao estes numeros sao 27 e 25). Sua prova baseia-se
no metodo da descida ao infinito, metodo inventado por Pierre Fermat, o Prıncipe
dos Amadores.
Em 1844 foi publicado no Crelle’s Journal o seguinte trecho de uma carta de Catalan
ao editor do Jornal:
“Je vous prie, Monsieur, de vouloir bien enoncer, dans votre recueil, le
theoreme suivant, que je crois vrai, bien que je n’aie pas encore reussi a
le demontrer completement: d’autres seront peut-etre plus heureux:
Deux nombres entiers consecutifs, autres que 8 et 9, ne peuvent etre des
puissances exactes; autrement dit: l’ equation xu−yv = 1 , dans l’aquelle
les inconnues sont entieres et positives, n’admet qu’une seule solution?”
Ou seja, a equacao xu − yv = 1 so possui a solucao x = v = 3 e y = u = 2.
O matematico belga Eugene Catalan (1814-1894), na epoca da publicacao desta
carta, era professor da Ecole Polytechnique de Paris. Ressaltamos que Catalan e
5
CAPITULO 1. UM POUCO DE HISTORIA 6
famoso pela solucao de um problema de analise combinatoria. Ate hoje a expressao–
numeros de Catalan– e usada para nomear uma sequencia relacionada a este prob-
lema.
Em 1850 (apenas 6 anos apos o problema ser formulado), o matematico Frances
Monsenhor Victor Amedee Lebesgue (1791-1875), mostrou que a equacao xu−y2 = 1
nao tem solucao inteira para u > 2. Na prova, Lebesgue usa a aritmetica dos inteiros
gaussianos, Z[i]. No fim do seu artigo, Lebesgue diz que os outros casos apresen-
tavam muita dificuldade e nao sabia onde Catalan tinha chegado. Na realidade,
Catalan nunca publicou nenhum grande resultado relacionado com sua conjectura.
Os poucos resultados que obteve, na verdade apenas observacoes ou fatos triviais,
foram publicados em seu Melanges Mathematiques XV de 1885 quando ja era profes-
sor da universidade de Liege, na Belgica. Neste artigo ele nos fala como era penoso
o tempo em que estava tentando resolver sua conjectura:
“Apres avoir perdu pres d’une annee a la recherche d’une demonstration
qui fuyait toujours, j’abandonnai cette recherche fatigante.”
Pouco progresso foi feito nas decadas seguintes. Todos os resultados tratavam
da equacao para expoentes especıficos. Somente em 1921, Nagell provou que as
equacoes x3 − yn = 1, xm − y3 = 1, nao possuem solucao se m > 2 e n > 2.
Em 1932, Selberg demonstrou que x4 − ym = 1 nao tem solucao para numeros
naturais e m > 1. Somente em 1965, o matematico Chines Ko Chao mostrou
que x2 − yv = 1 nao possui solucao inteira quando v ≥ 5, (na verdade, sua prova
foi publicada no oriente em 1960, mas este resultado so foi conhecido no ocidente
quando foi publicado novamente em 1965).
Observe que 120 anos separam os resultados de Lebesgue e o de Ko Chao. Com
estes resultados e facil ver que e necessario resolver a equacao apenas quando u e v
sao primos ımpares, isto e, xp − yq = 1, com p e q primos ımpares distintos.
Em 1953 e 1960, Cassels publicou dois trabalhos, que continham dentre outros
resultados aritmeticos que, se x e y sao inteiros positivos e cumprem a equacao
de Catalan, entao p divide y e q divide x. Em 1962, A. Makowski [27] mostrou,
usando estes resultados, num artigo bem curto, que tres inteiros consecutivos, nao
nulos, nao podem ser potencias perfeitas e em 1964 Hyyro, baseado nos resultados
de Cassels, determinou varias congruencias satisfeitas por x, y > 1 e p, q primos
ımpares satisfazendo xp − yp = 1.
A teoria desenvolvida pelo brilhante Alan Baker [3] sobre cotas efetivas para
uma grande classe de equacoes diofantinas tambem pode ser aplicada a equacao de
CAPITULO 1. UM POUCO DE HISTORIA 7
Catalan. Em 1976, Tijdemann [48], usando a teoria de Baker, provou o teorema
mais importante, antes do resultado de Mihailescu.
“ Existe uma constante positiva, efetiva e computavel C, tal que, se
m,n ≥ 2, x, y ≥ 1 e xm − yn = 1 entao x, y,m, n < C.”
Observe que este foi um grande passo, pois agora a conjectura de Catalan tinha
uma cota superior para suas solucoes, bastando por tanto verificar os casos menores
que esta cota. Todavia estas cotas eram imensas; como diz Tauno Metsankyla em
seu artigo expositivo, a Conjectura de Catalan permanecia “criptograficamente pro-
tegida”. Muitos esforcos teoricos-computacionais foram feitos nos anos seguintes,
para diminuir estas cotas, no qual o principal representante foi o matematico Michael
Bennett.
Inkeri definiu o conceito de “par de Wieferich” (uma analogia aos numeros de
Wieferich, usados na demonstracao parcial de Wieferich para o Ultimo Teorema
de Fermat) no contexto da equacao de Catalan. Chamamos de par de Wieferich o
par de primos ımpares (p, q) que satisfazem pq−1 ≡ 1 (mod q2) e qp−1 ≡ 1 (mod p2).
Em 1990, ele mostrou que se a conjectura de Catalan vale, entao ou (p, q) e um
par de Wieferich ou q divide hp ou p divide hq, onde hn representa o numero de
classe do corpo ciclotomico Q(ζn).
Em 2002, Preda Mihailescu, um matematico praticamente desconhecido da co-
munidade matematica, deu a primeira prova completa da conjectura. O mais bril-
hante da sua prova e que usava muito pouco de computacao, fazendo uso porem de
resultados profundos em teoria de corpos ciclotomicos. Mihailescu, nasceu em 1955
na Romenia, fez seus estudos na Eth Zurique, trabalhou muitos anos no mercado
financeiro e atualmente faz pesquisa na universidade de Paderbon. Nesta prova,
Mihailescu mostra um criterio de divisibilidade mais forte do que o achado por Cas-
sels, mostrando que q2 divide x e que p2 divide y. Em 1999 ele demonstrou que o
resultado de Inkeri era valido, quando sao eliminadas as condicoes de numeros de
classe. Em 2002, ele achou importantes relacoes satisfeitas pelo grupo de unidades
de corpos ciclotomicos.
Esta prova pode ser separada em dois grandes casos, que sao tratados de formas
diferentes:
1. Caso 1: p 6≡ 1 (mod q) e q 6≡ 1 (mod p)
2. Caso 2: p ≡ 1 (mod q) ou q ≡ 1 (mod p)
CAPITULO 1. UM POUCO DE HISTORIA 8
O primeiro caso e resolvido usando tecnicas algebricas em teoria de corpos ci-
clotomicos. Contudo, o segundo requer uma maquinaria analıtica complicada (argu-
mento de Tijdeman, formas lineares em logaritmos) e por pouco que seja faz uso de
recursos computacionais. Nesta dissertacao sera solucionado totalmente o segundo
caso.
Em 1999, Bugeaud e Hanrot provaram que toda solucao (x, y, p, q) da equacao
de Catalan com p > q, o expoente q divide o numero relativo de classe do corpo
Q(ζp). Note que este resultado nao foi usado na demonstracao da conjectura no
artigo de 2002. Em 2004, Mihailescu deu uma nova demonstracao do segundo caso,
atraves de uma mudanca no argumento de Bugeaud e Hanrot. A vantagem desta
nova prova esta no fato que tambem (como no primeiro caso) necessita apenas de
resultados de teoria algebrica dos numeros, nao dependendo de metodos analıticos
intrincados e nem de metodos computacionais. E uma prova limpa.
O estagio atual de pesquisa nesta area esta em:
1. Equacoes Super-Fermat
Que sao equacoes da forma xp + yp = zq com p e q primos distintos. Em um
de seus artigos, Mihailescu discute no apendice o porque das tecnicas “kum-
merianas” nao funcionarem para o Ultimo Teorema de Fermat e funcionarem
bem para a Conjectura de Catalan. Estas equacoes surgem como uma gen-
eralizacao das duas equacoes. Para um enfoque de formas modulares (com a
maquinaria desenvolvida por Wiles) veja o capıtulo escrito por Samir Siksek
no livro do Cohen [13]. Aqui sao consideradas equacoes mais gerais do tipo
xp + yq = zr com 1p
+ 1q
+ 1r< 1.
2. Conjectura de Pillai
E muito similar a Conjectura de Catalan, afirma que xu − yv = c so tem um
numero finito de solucoes para cada constante fixa c. Apesar da semelhanca,
esta equacao e muito mais complexa do que a de Catalan. As tecnicas atuais
parecem nao ser estendidas tao facilmente para a equacao de Pillai. Alguns
fatos importantes sobre a conjetura de Pillai podem ser encontradas no ar-
tigo de Michael Bennett [2]. Observamos que Chudowski tem reivindicado a
solucao desta conjectura. Porem, ainda nao submeteu nenhum artigo com a
prova.
3. Mihailescu e Bugeaud [7] tambem aplicaram suas tecnicas para dar cotas efe-
tivas para a equacao de Nagell-Junggren, xp−1x−1
= yq.
Capıtulo 2
Preliminares
Com o intuito de tornar este texto o mais auto-contido possıvel reunimos nesta secao
alguns resultados e definicoes que nao estao diretamente relacionados ao problema
de potencias consecutivas, mas que serao usados diversas vezes nas demonstracoes.
O leitor familiarizado com estes resultados podera ir direto as secoes seguintes,
retornando a esta quando achar necessario.
2.1 Domınios
Sejam A um anel comutativo (com identidade) e a um elemento de A, dizemos que
a e uma unidade, ou invertıvel, se existe b ∈ A tal que a · b = 1.
Um elemento q ∈ A nao unidade e chamado de irredutivel se toda vez que fatoramos
q = m · n, entao m ou n for uma unidade. E se o elemento p ∈ A e tal que toda
vez que p divide r · t com r e t nao unidades, entao p|r ou p|t diremos que p e um
elemento primo do anel A.
Seja R um domınio. Diremos que um ideal I ⊆ R e principal se ele e ger-
ado por um unico elemento, isto e, I = (a) = {ar : r ∈ R} e diremos que R e um
domınio de ideais principais (ou abreviadamente DIP) se todo ideal de R e principal.
O domınio R e dito Euclidiano (DE), se existe uma funcao ϕ de R\{0} em Ncom a seguinte propriedade: Se α, β ∈ R e β 6= 0 entao existem q, r ∈ R tais que
α = βq + r, onde r = 0 ou ϕ(r) < ϕ(β).
Definimos o domınio R como sendo de fatoracao unica (DFU) se R satisfaz as
seguintes propriedades:
1. Todo elemento nao-nulo a ∈ R pode ser escrito como a = up1p2 · · · pr onde u
e uma unidade e os pi’s sao irredutıveis.
9
CAPITULO 2. PRELIMINARES 10
2. Se a = vq1 · · · qs e outra fatoracao de a em irredutıveis, entao r = s e a menos
de reordenacao pi e associado de qi.
Proposicao 2.1. Todo domınio de ideais principais e um domınio de fatoracao
unica.(DIP⇒ DFU)
Este resultado tambem e conhecido como teorema fundamental da aritmetica
para DIP´S. Para demonstra-lo precisamos do seguinte lema.
Lema 2.2. Se R e um domınio de ideais principais, entao ele satisfaz a condicao
de cadeia ascendente, isto e, toda cadeia ascendente I1 ⊆ I2 ⊆ · · · ⊆ Ik ⊆ Ik+1 . . . e
estacionaria, ou seja, para algum n temos que In = In+1 = . . .
Prova do Lema. Se verifica diretamente I =⋃Ik e um ideal. Por R ser DIP temos
que I = (a). Como a ∈ I, entao a ∈ Ij para algum j e assim I = (a) ⊆ Ij.
Logo para todo i > j, Ii ⊆ I ⊆ Ij ⊆ Ii e assim Ij = Ii e consequentemente
Ij = Ij+1 = . . . = Ij+r = . . ..
Prova do teorema.
Existencia da fatoracao em irredutıveis.
Seja a0 ∈ R e a0 6= 0 e nao sendo unidade. Se a0 e um irredutıvel, nada temos
a mostrar. Agora, suponahmos por contradicao que a0 nao e produo de irredu-
tiveis,assim existem a1, b1 ∈ R nao unidades tais que a0 = a1b1. Se a1 e b1 podem
ser escritos como o produto de irredutıveis, entao a0 tambem pode.
Logo, suponhamos que a1 nao pode ser escrito como produto de irredutıveis. Por-
tanto, a1 = a2b2, onde nenhum dos termos e unidade.
Continuando este processo teremos uma sequencia a0, a1, . . . na qual an = an+1bn+1
e como bn+1 nao e unidade
(a0) ⊂ (a1) ⊂ . . . ⊂ (an) . . . ,
isto e, uma cadeia ascendente infinita, contrariando o lema anterior.
Unicidade da fatoracao.
Faremos por inducao sobre o numero de fatores irredutıveis do elemento. Seja a ∈ Rum elemento que possui duas fatoracoes, a = up1p2 · · · pr = vq1 · · · qs.Se r = 1 entao a e irredutıvel e claramente s = 1 e p1 = q1.
Suponhamos que todo elemento que e produto de r−1 irredutıveis e escrito de modo
unico (a menos da ordem e de associados). Entao temos que q1 = u1p1, isto implica
que u1a = u(u1p1)p2 · · · pr = u1vq1 · · · qs. Usando a igualdade acima e cancelando
p1 segue que up2p3 · · · pr = v1q2q3 · · · qs por hipotese estas fatoracoes sao iguais, logo
sera para o elemento a.
CAPITULO 2. PRELIMINARES 11
Proposicao 2.3. Todo domınio euclidiano R e um domınio de ideias principais.
(DE ⇒ DIP ⇒ DFU)
Demonstracao. Seja I um ideal de R. Se I = {0}, ele e automaticamente principal.
Suponhamos entao que I 6= {0}. Assim {ϕ(b) : b ∈ I, b 6= 0} e um conjunto nao
vazio de inteiros positivos, logo pelo princıpio da boa ordenacao, o mesmo possui
um elemento mınimo, que denotaremos por n. Seja b ∈ I, tal que ϕ(b) = n.
Afirmamos que I = (b). De fato, para todo a ∈ R, existem q e r, tais que, a = bq+r,
onde r = 0 ou ϕ(r) < ϕ(b). Se r 6= 0 temos que ϕ(r) < ϕ(b), mas isso contraria a
nossa escolha de ϕ(b) ser mınima. Portanto r = 0 e assim todo a ∈ I e da forma
a = bq e I e gerado por b.
Proposicao 2.4. Seja Z[√d] = {a + b
√d : a, b ∈ Z}. Se d = −2,−1, 2, 3 entao
Z[√d] e um domınio euclidiano, com ϕ(a+ b
√d) = |a2 − db2|.
Demonstracao. E facil verificar que Z[√d] e um domınio. Mostraremos que o mesmo
e euclidiano. Sejam a = a1 + a2
√d, b = b1 + b2
√d e
a
b=a1 + a2
√d
b1 + b2√d
=a1b1 − da2b2
b12 − db2
2 +(a2b1 − a1b2)
√d
b12 − db2
2 = x+ y√d, em que x, y ∈ Q.
Definimos
q = q1 + q2√d ∈ Z[
√d] tal que |x− q1| ≤
1
2, |y − q2| ≤
1
2
e r = a− bq = b((x− q1) + (y − q2)√d) ∈ Z[
√d].
Basta mostrar que ϕ(r) < ϕ(b).
E facil verificar que para δ, γ ∈ Q[√d], ϕ(δγ) = ϕ(δ) · ϕ(γ) e portanto ϕ(r) =
ϕ(b) ·ϕ(ab− q) , ou seja ϕ(r) = ϕ(b)[(x− q1)2−d(y− q2)2] e o termo entre parenteses
e no maximo 14+ 1
4|d| ≤ 1
4+ 3
4= 1. A unica possibilidade para a igualdade e quando
d = 3 (observe que d = −3 foi excluıdo na hipotese) e |x − q1| = 12
e |y − q2| = 12.
Neste caso, o termo entre parenteses e no maximo |14− 3(1
4)| = 1
2< 1. Isso mostra
que ϕ(r) < ϕ(b), portanto Z[√d] e um domınio euclidiano.
Observacao 2.5. Determinar se um domınio e euclideano ou nao, em geral, e um
problema extremamente difıcil e ainda em aberto para muitos casos. A norma como
definimos na proposicao anterior e dita a norma euclidiana. Para esta norma a clas-
sificacao dos domınios quadraticos, isto e Q(√d), que sao euclidianos esta completa.
Sabemos que Q(√d) e Euclidiano para d = −1,−2,−3,−7,−11, 2, 3, 5, 6, 7, 11, 13, 17,
19, 21, 29, 33, 37, 41, 57, 73. Contudo existem domınio quadraticos que sao euclideanos,
mas nao para a norma euclideana. O primeiro exemplo foi dado por Clark em [16],
CAPITULO 2. PRELIMINARES 12
o seu exemplo foi Q(√
69). Recentemente Malcon Harper [22] mostrou que Z[√
14]
e euclideano, mas nao para a norma euclideana. Uma boa referencia sao o artigo do
Lemmermeyer [24] e a dissertacao de mestrado de Akthar [1] .
Proposicao 2.6. Sejam d = 1, 2 ou 3 e n = a2 +db2 inteiro tal que mdc(a, db) = 1.
Se p e primo impar tal que p | n, entao p = e2 + df2 com e, f ∈ N.
Demonstracao. Como p|n, temos a2 ≡ −db2 (mod p), mas p nao divide abd, pois
caso contrario mdc(a, bd) 6= 1, assim b e invertivel modulo p. Portanto a congruencia
X2 ≡ −d (mod p) tem solucao. Seja A uma solucao de tal congruencia. Consider-
amos o conjunto
C = {(x, y) | 0 ≤ x, y ≤ √p}
que possui ([√p] + 1)2 > p elementos. A aplicacao
ϕ : C → Z/pZ(x, y) 7→ x+ Ay (mod p)
nao e injetiva, logo existem (x0, y0), (x1, y1) ∈ C tais que
x0 + Ay0 ≡ x1 + Ay1 (mod p)
assim
x0 − x1 ≡ A(y0 − y1) (mod p)
e elevando a congruencia ao quadrado
(x0 − x1)2 ≡ A2(y0 − y1)
2 (mod p),
mas ja vimos que A2 ≡ −d (mod p). Portanto p|(x0 − x1)2 + d(y0 − y1)
2.
Denotaremos x = x0 − x1 e y = y0 − y1. Observamos que 0 < x2 < p e 0 < y2 <
p. Multiplicando a segunda desigualdade por d e somando com a primeira temos
x2 + dy2 < (d+ 1)p. Assim x2 + dy2 = kp com k ∈ {1, 2, · · · , d}.Consideremos agora os casos:
1. Se d = 1 isto implica que x2 + y2 = p como queriamos.
2. Se d = 2 temos duas alternativas x2 + 2y2 = p ou 2p. Se x2 + 2y2 = 2p temos
que x e par, entao podemos fazer a substituicao x = 2x e portanto 2x2+y2 = p
como queriamos mostrar.
3. Por ultimo se d = 3 entao x2 +3y2 = p, 2p ou 3p. No caso x2 +3y2 = 3p temos
que 3|x assim x = 3x e logo 3x2 + y2 = p.
No caso x2 +3y2 = 2p temos que x e y tem a mesma paridade, assim x = z+w
e y = z−w com z, w ∈ Z. Entao 2p = (z+w)2 +3(z−w)2 = 4z2−4zw+4w2
logo 4 | 2p ouse 2 | p mas p e primo impar portanto este caso e impossivel.
CAPITULO 2. PRELIMINARES 13
Corolario 2.7. Nas mesmas hipoteses da proposicao , se m|n e m e impar entao
m = e2 + df2 com e, f ∈ Z.
Demonstracao. Como m e produto de primos que se escrevem da forma r2 + ds2,
basta mostrar que o produto de dois numeros desta forma e ainda desta forma, de
fato
(e21 + df21 )(e22 + df2
2 ) = (e1e2 + df1f2)2 + d(e1f2 − e2f1)
2.
Como queriamos demonstrar.
2.2 Domınios de Dedekind e Ideais fracionarios
Um domınio R e dito de Dedekind se satisfaz as seguintes condicoes:
(i) Todo ideal e finitamente gerado (isto e, ele e noetheriano).
(ii) Todo ideal primo nao nulo e maximal.
(iii) R e integralmente fechado em seu corpo de fracoes, isto e, se αβ∈ K, com K
corpo de fracoes de R, e raiz de algum polinomio monico sobre R, entao de
fato αβ∈ R.
Observe que existem tres definicoes equivalentes de ser noetheriano, a que apresen-
tamos acima e as seguintes:
(i.2) Toda cadeia ascendente de ideais e estacionaria.
(i.3) Todo conjunto nao vazio de ideais S possui um elemento maximal.
Observe que todo corpo e domınio de Dedekind, pois todo corpo e Noetheriano e
integralmente fechado e por vacuidade (corpo nao possui ideais proprios) todo ideal
primo e maximal. Se R um domınio e K seu corpo de fracoes, entao um ideal
fracionario I de R e um R-submodulo de K tal que xI ⊂ R para algum x ∈ K\{0},isto e, ele satisfaz as seguinte condicoes:
1) Se α, β ∈ I, entao α− β ∈ I.
2) Se α ∈ R, β ∈ I, entao αβ ∈ I.
3) Existe x ∈ K, x 6= 0 tal que xβ ∈ R para todo β ∈ I.
CAPITULO 2. PRELIMINARES 14
Dizemos que o ideal fracionario I e inteiro se I ⊂ R e se I e da forma xR com
x ∈ K∗ diremos que e principal. Diremos que I e um ideal fracionario primo se R/I
e um domınio.
Afirmacao 2.8. Se I e J sao ideais fracionarios, entao I + J , IJ , I ∩ J e I : J
tambem sao, onde I : J = {x ∈ K : xJ ⊂ I}.
Demonstracao. Basta verificar as condicoes acima.
Lema 2.9. Em um domınio de Dedekind todo ideal contem o produto de ideais
primos.
Demonstracao. Suponhamos por absurdo que nao, entao o conjunto dos ideais que
nao contem produto de ideais primos e nao vazio, logo ( pela caracterizacao (i.2)
de ser noetheriano) este conjunto tem um elemento maximal que designaremos por
M . Como M nao e primo, entao existem elementos r, s ∈ R\M tais que rs ∈ M .
Os ideais M + (r) e M + (s) sao estritamente maiores que M , portanto eles contem
produtos de primos; mas (M + (r))(M + (s)) esta contido em M , chegando assim a
um absurdo.
Lema 2.10. Seja A um ideal proprio em um domınio de Dedekind R e K seu corpo
de fracoes. Entao existe um elemento γ ∈ K\R tal que γA ⊂ R.
Demonstracao. Fixemos um elemento a ∈ A. Pelo lema anterior o ideal principal
(a) contem produto de ideais primos, digamos P1, P2, . . . , Pr com P1P2 . . . Pr ⊂ (a)
e r o menor valor possıvel. Pelo lema de Zorn temos que todo ideal esta contido
num ideal maximal P (e que tambem e primo por definicao). Assim A ⊂ P onde
P e primo, portanto P contem o produto P1P2 . . . Pr, consequentemente P contem
algum dos Pi. Suponhamos sem perda de generalidade que Pi ⊂ P . Pela segunda
condicao de domınios de Dedekind temos que P = Pi.
Finalmente relembre que (a) nao pode ser o produto de menos que r ideais primos,
em particular existe b ∈ (P2P3 . . . Pr)− (a) . E entao γ = ba∈ K\R e γA ⊂ R.
Teorema 2.11. Seja I ideal em um domınio de Dedekind R, entao existe um ideal
J tal que IJ e principal.
Demonstracao. Seja α um elemento nao nulo de I e J = {β ∈ R : βI ⊂ (α)}, obseve
que o lema 2.10 garante que J e nao trivial e claramente IJ ⊂ (α). Vamos agora
mostrar IJ ⊃ (α).
Seja A = 1αIJ e A ⊂ R. Se A = R, entao IJ = (α) e principal, caso contrario
terıamos que A e um ideal proprio. Logo pelo lema 2.10 existe γ ∈ K\R tal que
CAPITULO 2. PRELIMINARES 15
γA ⊂ R.
Queremos mostrar que este caso nao pode ocorrer, entao suponhamos por con-
tradicao que ele ocorra; como R e integralmente fechado em K, basta mostrar que
γ e raiz de um polinomio monico com coeficientes em R.
Observe que A = 1αIJ contem J pois α ∈ I e assim γJ ⊂ γA ⊂ R e segue que
γJ ⊂ J .
Fixando uma base α1, α2, . . . , αn para o ideal J e usando o fato de que γJ ⊂ J
obtemos que a equacao matricial
γ
α1
...
αn
= M
α1
...
αn
⇔ (M − γI)
α1
...
αn
= 0,
onde M e uma matriz n × n sobre R. Multiplicando aos dois lados pela matriz
autoadjunta, obtemos det(M − γI)~α = 0, de onde concluımos que γ e raiz do
polinomio monico p(x) = det(M − xI).
Corolario 2.12. Sejam A, B e C ideais num domınio de Dedekind tais que AB =
AC entao B = C. Essa propriedade e algumas vezes chamada de lema do corte.
Demonstracao. Pelo teorema anterior existe um ideal J tal que AJ = (a) e assim
JAB = JAC que e igual (a)B = (a)C e portanto B = C.
Dizemos que o ideal A divide o ideal B se existe um ideal C tal que AC = B.
Corolario 2.13. Sejam A e B ideais num domınio de Dedekind entao A|B se, e
somente se, B ⊂ A.
Demonstracao. (⇒) e imediato.
(⇐)Suponhamos que B ⊂ A, existe J tal que AJ = (α), assim BJ ⊂ (α),definido
C = 1αJB temos que C e um ideal de R e disto segue que AC = B.
Teorema 2.14. Todo ideal num domınio de Dedekind se fatora unicamente como
produto de ideais primos.
Demonstracao. Existencia
Suponhamos por contradicao que existam ideais que nao se fatoram como produto
de ideais primos, entao o conjunto destes ideais e nao vazio e pela propriedade
noetheriana este conjunto tem um elemento maximal que denotaremos por M .
Pelo lema de Zorn este ideal esta contido num ideal maximal e como todo ideal
maximal e primo. M esta contido num ideal primo P . Pelo corolario do teorema
anterior temos queM = PI. Assim I contemM e pelo lema do corte esta relacao (de
CAPITULO 2. PRELIMINARES 16
conter) e estrita, pois caso contrario se I = M entao RM = PM e consequentemente
R = P o que seria absurdo.
Entao I e estritamente maior que M , logo se decompoe em fatores primos, mas com
isto M tambem se decompoe em fatores primos, chegando ao absurdo desejado.
Unicidade
Suponhamos que exista um ideal I com duas fatoracoes P1P2 . . . Pr = Q1Q2 . . . Qs.
Assim P1 ⊃ Q1Q2 . . . Qs, o que implica em P1 ⊃ Qi para algum i. Reordenado
os termos se necessario, podemos supor Q1 ⊂ P1 e entao P1 = Q1 e pelo lema do
corte P2P3 . . . Pr = Q2Q3 . . . Qs, continuando este argumento acharemos que r = s
e Pi = Qi para todo i, mostrando assim a unicidade.
Definimos o inverso do ideal I o conjunto (que nao necessariamente e um ideal,
mas na verdade um ideal fracionario), I−1 = {α ∈ K : αI ⊂ R}. Diremos que I e
invertıvel se II−1 = R.
Observacao 2.15.
(a) Todo ideal principal e invertıvel.
(b) Em um domınio de Dedekind todo ideal e invertıvel.
2.3 Valorizacao
Seja m ∈ Z e m 6= 0 e p ∈ Z primo, dizemos que o primo p tem ordem e em m
se pe | m mas pe+1 - m. Denotaremos a ordem de p em m por e = ordp(m). Seja
l = mn∈ Q, definimos ordp(l) := ordp(m)− ordp(n).
Uma valorizacao p - adica nos numeros inteiros e uma funcao:
vp : Z∗ → Zm 7→ ordp(m)
que pode ser estendida para os racionais como
vp : Q∗ → Zmn
7→ ordp(m)− ordp(n)
Propriedades
1. vp(ab) = vp(a) + vp(b).
2. vp(a+ b) ≥ min{vp(a), vp(b)}.
3. Se p|a, b1, . . . , bk e vp(a) < vp(b1), . . . , vp(bk) entao vp(a+ b1 + · · ·+ bk) = vp(a).
CAPITULO 2. PRELIMINARES 17
2.4 Equacao de Pell
Chamamos de equacao de Pell a toda equacao da forma x2 − dy2 = 1. Observe que
se d e um numero negativo, entao esta equacao so tem as solucoes triviais. No caso
que d e um quadrado perfeito, d = k2, terıamos (x+ yk)(x− yk) = 1, que so possui
um numero finito de solucoes. Por fim, se d = ab2 podemos reescrever a equacao
como x2 − ay2 = 1 em que y = by, restando assim o caso interessante em que d e
um inteiro positivo livre de quadrados.
Dizemos que uma solucao da equacao de Pell e a fundamental se x0 + y0
√d > 1 e o
menor valor possıvel entre todas as solucoes nao triviais.
Teorema 2.16. Seja d um inteiro positivo livre de quadrados. Se (x0, y0) e a solucao
fundamental, entao existem infinitas solucoes inteiras e todas sao da forma (xn, yn),
onde xn + yn√d = (x0 + y0
√d)n e n ∈ N.
Demonstracao. Antes de comecar com a demonstracao, faremos duas obeservacoes.
Note que a definicao acima dos inteiros xn, yn independe da escolha do sinal, isto e,
se tomarmos xn + yn√d = (x0 + y0
√d)n ou xn − yn
√d = (x0 − y0
√d)n, estes sao os
mesmo.
Para verificar isto, basta separar potencias ımpares e pares no desevolvimento bino-
mial de (x0 ± y0
√d)n.
Observe que o produto de duas solucoes da equacao de Pell tambem e solucao.
Seja (x0, y0) a solucao fundamental. Notemos que x02 − dy0
2 = 1 implica que
(x0 + y0
√d)n(x0 − y0
√d)n = (x0
2 − dy02)n = (1)n = 1.
Assim mostramos que existem infinitas solucoes.
Suponhamos agora, por contradicao, que existe um par de inteiros (a, b) tais que
a2 − db2 = 1, com a 6= xn e/ou b 6= yn, para todo n ∈ N.
Como 1 < x0 + y0
√d e mınima, entao existem solucoes (xi, yi) e (xi+1, yi+1) tais que
xi + yi√d < a+ b
√d < xi+1 + yi+1
√d,
multiplicando a desigualdade anterior por xi−yi√d = (xi+yi
√d)−1 = (x0+y0
√d)−i
obtemos
1 < (axi − dbyi) + (bxi − ayi)√d < x0 + y0
√d.
Portanto (axi − dbyi, bxi − ayi) e uma solucao menor que a solucao fundamental,
chegando a um absurdo.
Mostraremos agora que a equacao de Pell sempre possui pelo menos uma solucao.
Para isso mostraremos primeiro um resultado de aproximacoes diofantinas.
CAPITULO 2. PRELIMINARES 18
Proposicao 2.17 (Dirichlet). Seja α um numero irracional. Entao existem infinitos
racionais pq∈ Q tais que |α− p
q| ≤ 1
q2.
Demonstracao. Seja Q um inteiro positivo arbitrario; definimos o conjunto C =
{qα− [qα] : q = 0, 1, . . . Q}, onde [ ] denotando a funcao parte inteira.
Este conjunto possui Q + 1 numeros distintos no intervalo (0, 1); pelo princıpio
das casas dos pombos existem inteiros q1, q2 com 0 ≤ q1 < q2 ≤ Q, satisfazendo
|(q1α− [q1α])− (q2α− [q2α])| < 1Q
.
E assim ∣∣∣∣ [q2α]− [q1α]
q2 − q1− α
∣∣∣∣ < 1
(q2 − q1)Q≤ 1
(q2 − q1)2.
Portanto conforme aumentemos o inteiro Q iremos obter uma infinidade de racionais
satisfazendo a desigualdade.
Teorema 2.18 (Lagrange). A equacao x2−dy2 = 1, com d um inteiro positivo livre
de quadrados, sempre possui solucao.
Demonstracao. Definimos a seguinte funcao norma:
N : Q[√d] → Q
x+ y√d 7→ x2 − dy2
Como foi observado na demonstracao da proposicao 2.4, esta funcao e multi-
plicativa, isto e, δ, γ ∈ Q[√d], N(δγ) = N(δ) · N(γ). Seja p
q∈ Q um numero
racional tal que |√d− p
q| ≤ 1
q2. Pela proposicao 2.17, existem infinitos racionais com
esta propriedade.
Assim como esta desigualdade e valida temos
|p2 − dq2| = |p− q√d||p+ q
√d| = q
∣∣∣∣√d− p
q
∣∣∣∣ |p+ q√d|
< q · 1
q2· |p+ q
√d| =
∣∣∣∣√d+p
q
∣∣∣∣≤ 2
√d+
∣∣∣∣√d− p
q
∣∣∣∣ < 2√d+ 1.
Considerando infinitos valores de inteiros positivos (pn, qn) com
∣∣∣∣√d− pnqn
∣∣∣∣ < 1
qn2
teremos sempre que |pn2 − dqn2| < 2
√d+ 1, e portanto temos um numero finito de
possibilidades para o valor (inteiro) de pn2 − dqn
2.
Consequentemente, existe um inteiro k 6= 0 para infinitos valores de n. Obtemos
portanto duas sequencias crescentes de inteiros positivos (ur) e (vr) com r ∈ N, tais
que ur2 − dvr
2 = k para todo r.
CAPITULO 2. PRELIMINARES 19
Como ha apenas |k|2 possibilidades para os pares (ur (mod |k|)), (vr (mod |k|)),existem infinitos valores de r, e inteiros a e b, tais que ur ≡ a (mod |k|) e vr ≡ b
(mod |k|). Tomamos entao r < s com as propriedades acima. Seja
x+ y√d =
us + vs√d
ur + vr√d
=(us + vs
√d)(ur − vr
√d)
us2 − dvs2
= (usur − dvsvr
k) + (
urvs − usvrk
)√d.
Observe que usur − dvsvr ≡ ur2 − dvr
2 ≡ 0 (mod |k|) e urvs − usvr ≡ ab − ab ≡ 0
(mod |k|) e portanto, x e y sao inteiros.
Por outro lado, (x+y√d)(ur +vr
√d) = (us+vs
√d) e aplicando a norma temos que
N(x+ y√d)N(ur + vr
√d) = N(us + vs
√d),
mas
N(ur + vr√d) = N(us + vs
√d) = k,
segue entao que N(x+ y√d) = x2 − dy2 = 1.
Para o leitor interessado em equacoes mais gerais do tipo ±Ex2 ± Fy2 = G
indicamos [41] e ainda para aqueles interessados em aproximacoes diofantinas in-
dicamos [39].
2.5 Divisibilidade
Nesta secao faremos dois lemas sobre divisibilidade que serao muito utilizados no
restante da dissertacao.
Lema 2.19. Sejam a, b ∈ Z, com mdc(a, b) = 1 e p primo entao
mdc
(ap − bp
a− b, a− b
)= 1 ou p.
Demonstracao. Observe queap − bp
a− b= ap−1 + ap−2b+ . . .+ abp−2 + bp−1.
Do fato que a ≡ b (mod a− b), temos que
ap − bp
a− b≡ ap−1 + ap−1 + . . .+ ap−1 + ap−1 ≡ pap−1 (mod a− b).
Assim mdc
(ap − bp
a− b, a− b
)= mdc(pap−1, a− b) = mdc(p, a− b).
Lema 2.20. Sejam a, b ∈ Z, com mdc(a, b) = 1, p e q primos, um deles diferente
de 2, p - c e ap − bp = cq, entao a− b eap − bp
a− bsao potencias q-esimas.
CAPITULO 2. PRELIMINARES 20
Demonstracao. Dado que cq = ap − bp = (a− b) · ap − bp
a− b= cq, e por hipotese p - c
assim p - a− b. Segue do lema anterior que mdc
(ap − bp
a− b, a− b
)= 1.
Como o produto deles e uma potencia q-esima e eles nao tem fator comum, con-
cluımos que cada um deles e uma potencia q-esima.
Apesar da simplicidade do lema acima, ele sera empregado diversas vezes e de
forma essencial na demonstracao do teorema de Ko Chao. E tambem e utilizado
para demonstar a importante relacao que segue abaixo.
Lema 2.21. Sejam p, q primos x, y ≥ 2 e xp − yq = 1.
(1) Se p e ımpar, entao{x− 1 = aq com y = aa′, p - aa′xp−1x−1
= a′q mdc(a, a′) = 1
ou {x− 1 = pq−1aq com y = paa′, p - a′xp−1x−1
= pa′q mdc(a, a′) = 1
(2) Se q e ımpar, entao {y − 1 = bp com x = bb′, q - bb′yq−1y−1
= b′q mdc(b, b′) = 1
ou {y − 1 = qp−1bp com x = qbb′, p - b′yp−1y−1
= qb′p mdc(b, b′) = 1
Demonstracao. (1)Temos que yq = xp−1 = (x−1)(xp−1x−1
), pelo lema 2.19 mdc(x−
1, xp−1x−1
) = 1 ou p. O primeiro caso se deduz do fato se mdc(x − 1, xp−1x−1
) = 1. No
segundo caso p|y, temos p2 - xp−1x−1
e do lema 2.20 isto nos da o segundo caso.
(2) E analogo ao caso anterior.
Capıtulo 3
Expoentes Pares
Como ja falamos nas notas historicas, Mihailescu resolveu a conjectura de Catalan
para p e q primos ımpares. Os casos em que p ou q e igual 2 foram resolvidos
anteriormente por outros matematicos. Neste capıtulo, iremos mostrar a validade
da conjectura nestes casos particulares em que um dos expoentes e par.
3.1 Caso q = 2
Este teorema e devido ao matematico frances Monsenhor Victor Amedee Lebesgue
(1791 - 1875). Nao confundir com seu homonimo mais famoso Henri Leon Lebesgue
(1875-1941), criador de uma generalizacao da integral de Riemann, a qual atual-
mente tem seu nome como homenagem.
Teorema 3.1 (V. Lebesgue). Se p e um primo ımpar, entao a equacao
xp − y2 = 1 (3.1)
nao tem solucao nos numeros inteiros nao nulos.
Demonstracao. Suponhamos por absurdo que existe uma solucao.
No caso em que x e par, temos que 4|xp, o que implica que −y2 ≡ 1 (mod 4) ou
equivalentemente y2 ≡ 3 (mod 4) o que e absurdo, ja que todo quadrado e congru-
ente a 0 ou 1 modulo 4. Logo x e ımpar e consequentemente y e par.
Fatoramos xp = (y − i)(y + i) em Z[i], que e um domınio de fatoracao unica,
mais ainda como mostramos anteriormente e um domınio euclideano.
Observamos que y − i e y + i sao coprimos em Z[i], caso contrario, se π um
irredutıvel de Z[i] e π divide simultaneamente (y + i) e (y − i), logo π divide a
diferenca, π|(y+ i)− (y− i),ou seja, π|2i, mas como i e uma unidade em Z[i] temos
21
CAPITULO 3. EXPOENTES PARES 22
que π|2 e isto implica que 2|x, absurdo uma vez que x e ımpar.
Concluımos que y+ i e y− i sao coprimos em Z[i] e entao pelo teorema fundamental
da aritmetica cada um sera uma potencia p-esima de um elemento de Z[i], isto e,
y + i = (a+ bi)p =
p∑j=0
(p
j
)ajbp−j(i)p−j (3.2)
y − i = (a− bi)p =
p∑j=0
(p
j
)ajbp−j(−i)p−j (3.3)
Tomando a diferenca das equacoes acima obtemos que
2i =
p−12∑j=0
(p
j
)ajbp−j[(i)p−j − (−i)p−j],
mas
(i)p−j − (−i)p−j = (i)p−j[1− (−1)p−j] =
{2(−i)p−j, se p− j e impar
0, se p− j e par,
assim, como p e ımpar, so sobrevivem no somatorio os termos em que j e par,
logo
2i = 2
p−12∑
k=0
(p
2k
)a2kbp−2k(i)p−2k.
Dividindo os dois lados da igualdade por 2i chegamos a
1 =
p−12∑
k=1
(p
2k
)a2kbp−2kip−2k−1. (3.4)
Colocando b em evidencia
1 = b
p−12∑
k=1
(p
2k
)a2kbp−2k−1ip−2k−1,
portanto b divide 1, ou seja, b = ±1.
Voltando a equacao original temos que
xp = y2 + 1 = (a+ i)p(a− i)p = (a2 + 1)p,
assim x = a2 + 1 e como x e ımpar segue que a e par.
CAPITULO 3. EXPOENTES PARES 23
Pela equacao 3.4 e substituindo na mesma a igualdade i2 = −1
±1 =
p−12∑
k=0
(p
2k
)a2k(−1)
p−12−k = (−1)
p−12
p−12∑
k=0
(p
2k
)a2k(−1)k
simplificando obtemosp−12∑
k=0
(p
2k
)(−a2)k = ±1.
Olhando essa equacao modulo p temos que o lado esquerdo e congruente a 1, uma
vez que p divide todos os coeficientes binomiais, exceto o primeiro. Logo, o lado
direito tambem tem que ser igual a 1, assim podemos cortar o primeiro termo do
somatorio obtendo
Entaop−12∑
k=1
(p
2k
)(−a2)k = 0
ou de forma analoga
p−12∑
k=2
(p
2k
)(−a2)k =
(p
2
)a2. (3.5)
Para mostrar que a equacao anterior nao tem solucao trivial em a, suponhamos
que tem e obtemos uma contradicao, mostrando que todos os fatores ao lado es-
querdo tem mais fatores de 2 que o lado direito, isto e, mostrando que equacao 3.5
nao tem solucao com a par e nao nulo.
Para isto, usando a valorizacao 2-adica, mostraremos a seguinte desigualdade
v2
(a2
(p
2
))< v2
p−12∑
k=2
(p
2k
)(−a2)k
o que nos levara a impossibilidade da igualdade em 3.5.
Comecamos por calcular(p2k
)(p2
) =
p!(p−2k)!(2k)!
p!(p−2)!2!
=(p− 2)!
(p− 2k)!(2k − 2)!· 2
2k(2k − 1)=
(p− 2
2k − 2
)· 1
k(2k − 1)·
aplicando a valorizacao 2-adica a equacao acima temos que
v2
((p2k
)(p2
) ) = v2
((p− 2
2k − 2
)· 1
k(2k − 1)
)= v2
((p− 2
2k − 2
))− v2(k) ≥ −v2(k)
CAPITULO 3. EXPOENTES PARES 24
Observemos que a e par, logo v2(a) ≥ 1 e para todo inteiro k > 1 se tem k < 22k−2,
assim v2(k) < 2k − 2 e 2k − 2− v2(k) > 0.
Portanto,
v2
(a2k(p2k
)a2(p2
) ) = (2k − 2)v2(a) + v2
((p2k
)(p2
) ) ≥ (2k − 2)− v2(k) > 0.
Utilizando o fato que v2(mn) = v2(m)+ v2(n), a desigualdade acima nos diz que
v2
(a2(p2
))< v2
((p2k
)a2k)
para k > 1, chegando na contradicao desejada.
3.2 Caso p = 2 e q = 3
Nesta secao, estudaremos o caso em que p = 2 e q = 3. Este resultado e um
teorema devido ao grande matematico Leonhard Euler que o demonstrou em 1738,
muito antes da Conjectura de Catalan ser formulada. Na bibliografia existente,
encontramos diversas demonstracoes deste teorema. As provas curtas usam tecnicas
razoavelmente avancadas e as demonstracoes elementares continham paginas e mais
paginas de conta.
A demonstracao dada aqui e uma adaptacao nossa das provas elementares, tendo
em vista diminuir o tamanho das mesmas.
Para o leitor mais curioso, e muito interessante comparar a demonstracao dada por
Euler e a demonstracao usando pontos racionais sobre curvas elıpticas. E perceber
que Euler, mesmo sem saber, estava utilizando de modo rudimentar esta teoria.
Como referencia indicamos [17].
Teorema 3.2 (Euler). As unicas solucoes da equacao
x2 − y3 = 1
com x, y inteiros nao nulos sao (±3, 2).
Para provar este teorema precisamos do seguinte lema.
Lema 3.3. A equacao x3 + y3 = 2z3 so tem as solucoes ±(1, 1, 1) nos inteiros nao
nulos com mdc(x, y, z) = 1.
Prova do lema. Utilizaremos o metodo de descida infinita de Fermat. Suponhamos
que exista uma solucao (x, y, z) que e minimal, isto e, |xyz| e o menor possıvel.
Como x e y tem a mesma paridade podemos fazer a seguinte mudanca de variaveis
CAPITULO 3. EXPOENTES PARES 25
x = p+q e y = p−q, com (p, q) = 1. Note que no caso em que p ou q e nulo teremos
as solucoes triviais, portanto podemos supor que p e q sao nao nulos. Assim
2z3 = (p+ q)3 + (p− q)3
= (p3 + 3p2q + 3pq2 + q3) + (p3 − 3p2q + 3pq2 − q3)
= 2p(p2 + 3q2)
Observe que (p, p2 + 3q2) = (p, 3q2) = (p, 3). Logo temos dois possıveis casos a
considerar:
1. Se 3 - z, neste caso p e p2 + 3q2 sao coprimos e logo, cubos perfeitos, isto e,
p = r3 e p2 + 3q2 = s3. Pelo corolario 2.6 existem u e v tais que
s = u2 + 3v2, p = u(u2 − 9v2) e q = 3v(u2 − v2) com (u, 3v) = 1.
Mas p = r3 = u(u − 3v)(u + 3v), fazendo u − 3v = a3, u + 3v = b3 e u = c3,
chegamos a a3 + b3 = 2c3, entretanto, nossa hipotese e de que |xyz| e o menor
possıvel, portanto para concluir a prova basta mostrar que |abc| < |xyz|.De fato, |abc| < |xyz| se, e somente se, |abc|3 < |xyz|3 ou equivalentemente
|p| < |p+ q||p− q||p2 + 3q2|, que simplificando 1 < |p2 − q2||p2 + 3q2| o que e
sempre verdade.
2. Suponhamos agora que 3|z. Fazendo a mesma substituicao do caso anterior,
temos que p(p2 + 3q2) = 27z3 como ja vimos anteriormente (p, p2 + 3q2) =
(p, 3q2) = (p, 3) e isto implica que (p, 3) = 3; caso contrario a equacao seria
divisıvel por 3 do lado direito, mas nao ao lado esquerdo. Assim tomando
p = 3p com isto p(3p2 + q2) = 3z3 e pelo mesmo argumento 3|p.Entao facamos p = 3p = 9p e obtenhamos p(27p2 + q2) = z3 e de imediato
p = r3 , 27p2+q2 = s3, analogamente ao caso anterior r3 = p = u(u−v)(u+v)
e q = u(u − 3v)(u + 3v). Neste ponto a prova e similar ao caso anterior, e e
deixada para o leitor interessado.
Prova do teorema. Escrevendo a equacao da seguinte forma x2 − 1 = y3 ou ainda
(x− 1)(x + 1) = y3. Calculando o maximo divisor comum entre os fatores do lado
esquerdo da equacao anterior temos que mdc(x− 1, x+ 1) = mdc(x− 1, 2).
Se x e par (x− 1, 2) = 1 e entao x− 1 = m3 e x + 1 = n3 ⇒ n3 −m3 = 2, porem,
os unicos cubos cuja diferenca e 2 sao 1 e −1. O que implica em x = 0 o que foi
descartado nas hipoteses.
Se x e ımpar (2, x − 1) = 2 e portanto x + 1 = 4a3 e x − 1 = 2b3, 2 = 4a3 − 2b3 e
CAPITULO 3. EXPOENTES PARES 26
1 = 2a3 − b3.
Homogeneizando esta ultima equacao temos que c3 + b3 = 2a3 e pelo lema anterior
sabemos que esta so possui as solucoes ±(1, 1, 1) e isto nos leva as solucoes desejadas
x = ±3, y = 2.
3.3 Caso p = 2 e q ≥ 5
Este teorema foi primeiramente demonstrado pelo matematico chines Ko Chao em
1960. Uma prova bastante elementar foi apresentada por E. Chein em 1976 . Apre-
sentaremos aqui a prova devida a H.W. Lenstra Jr., que e uma modificacao da prova
de E. Chein. Observe como curiosidade, que entre este resultado e o demonstrado
por Euler passaram-se 227 anos.
Teorema 3.4 (Ko Chao). Seja q ≥ 5 primo, entao a equacao
x2 − yq = 1
nao tem solucao em inteiros nao nulos.
Observemos que se x e solucao, entao −x tambem sera, logo podemos assumir
x > 0 e como q e ımpar se y < 0 entao x2 − yq ≥ 2 e assim podemos supor y > 0.
Demonstracao. Suponhamos x e par e portanto y e ımpar. Fazendo yq = x2 − 1 =
(x−1)(x+1) e utilizando o lema 2.20 temos que x−1 e x+1 sao potencias q-esimas,
ou seja, x − 1 = sq e x + 1 = tq ⇒ tq − sq = 2 com s, t ∈ Z e q ≥ 5. Com isto a
unica solucao e t = 1 e s = −1, mas isso implica que x = 0, o que foi descartado
nas hipoteses.
Agora, analisamos o caso em que x e ımpar e y e par. Neste caso x+ 1 e x− 1 sao
pares e mdc(x+1, x−1) = 2. Daqui temos dois sub-casos. No caso que x−12
e ımpar
temos quex− 1
2= wq,
x+ 1
2= 2q−2zq
e
y = 2wz com mdc(w, 2z) = 1.
Assim
wq =x+ 1
2− 1 = 2q−2zq − 1 ≥ (2q−2 − 1)zq,
isto e, (wz
)q≥ 2q−2 − 1 > 1,
CAPITULO 3. EXPOENTES PARES 27
portanto w > z.
Por outro lado
w2q =
(x− 1
2
)2
=x2 − 2x+ 1
4=x2 + 6x+ 9− 8(x+ 1)
4=
(x+ 3
2
)2
− (2z)q .
Chegando a equacao (w2)q + (2z)q = (x+32
)2. Se q - x+32
temos pelo lema 2.18 que
w2 + 2z e um quadrado. Mas w2 < w2 + 2z < w2 + 2w < (w + 1)2 assim w2 + 2z
nao pode ser um quadrado, logo q|x+32
, mas por hipotese q > 3, assim q - x .
De forma similar no caso que x+12
= wq , x−12
= 2q−2zq e usando a equacao (w2)q +
(2z)q = (x−32
)2. Concluımos analogamente que q|x−32
e portanto q - x.Voltando a equacao original temos que x2 = yq + 1q. Como q - x, pelo lema
2.20 temos que y + 1 = s2. Logo, concluımos que (s, 1) e (x, yq−12 ) sao solucoes da
equacao de Pell
u2 − yv2 = 1 .
Observe que (s, 1) e uma solucao fundamental pela minimalidade da segunda coor-
denada, entao existe um natural m ∈ N tal que
x+ yq−12√y = (s+
√y)m .
Assim
x = sm +
(m
2
)sm−2y +
(m
4
)sm−4y2 . . .
yq−12 = msm−1 +
(m
3
)sm−3y +
(m
5
)sm−5y3 . . .
(3.6)
Desta segunda equacao temos em particular que y divide o termo msm−1, ou seja,
msm−1 ≡ 0 (mod y) .
Como y e par e s e ımpar segue que m e par. Novamente usando a segunda equacao
temos que cada somando a direita esta elevado a um potencia ımpar, em particular
temos que s | y p−12 .
Mas y + 1 = s2 , assim y ≡ −1 (mod s) elevando tudo a q−12
ficamos com
yq−12 ≡ (−1)
q−12 ≡ 0 (mod s),
isto implica que, s = 1 e neste caso y = 0. Portanto a unica solucao de x2 = yq + 1
e x± 1 e y = 0.
Capıtulo 4
Um Pouco de Teoria Algebrica dos
Numeros
Antes de comecarmos com a demonstracao de Mihailescu propriamente dita, relem-
braremos neste capıtulo alguns conceitos, definicoes e teoremas de teoria algebrica
dos numeros e teoria de corpos ciclotomicos, que serao importantes nos capıtulos
seguintes.
4.1 Introducao
Um corpo K e chamado de corpo numerico se ele for uma extensao algebrica finita
de Q como espaco vetorial, isto e, Q < K = Q[α] onde α e um numero algebrico.
Se α e raiz de um polinomio ciclotomico, dizemos que Q[α] e um corpo ciclotomico.
Dizemos que um corpo K e perfeito se e de caracterıstica zero ou se tiver carac-
terıstica prima p com Kp = K. Sejam K < L corpos onde K e um corpo perfeito.
L e chamada extensao galoisiana de K se satisfaz alguma das seguintes afirmacoes
equivalentes:
(i) Todo polinomio irredutıvel sobre K que possui uma raiz em L se decompoe
totalmente em L, ou seja, se α ∈ L e raiz do polinomio f(x) irredutıvel sobre
K, entao todos os conjugados de α (raızes do mesmo polinomio) tambem
pertencem a L.
(ii) Existem exatamente n = [L : K] automorfismo de L que fixam K, tambem
chamados de K-automorfismos de L.
(iii) Se σ e um K morfismo de L sobre K, entao σ(L) ⊂ L, onde K denota o fecho
algebrico do corpo K.
28
CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 29
Definimos o grupo de Galois de uma extensao K < L como o grupo gerado pelos
automorfismos de L que fixam K e o denotamos por Gal(L/K).
Por outra lado, chamamos um numero complexo de inteiro algebrico se ele e raiz
de um polinomio monico com coeficientes inteiros.
As seguintes afirmacoes sao equivalentes:( e para sua demonstracao nos indicamos
Marcus[29], pagina 15)
(a) α e algebrico;
(b) O grupo aditivo do anel Z[α] e finitamente gerado;
(c) O elemento α pertence a algum subanel de C que possui o subgrupo aditivo
finitamente gerado;
(d) αA ⊂ A para algum subgrupo aditivo finitamente gerado A ⊂ C;
Se γ, δ sao dois inteiros algebricos, usando (c) vemos que γ+ δ e γδ sao inteiros
algebricos, pois sao elementos da extensao algebrica Z[γ, δ].
Com a observacao acima percebemos que o subconjunto dos inteiros algebricos e
um anel, o qual sera denotado por A. Em particular A∩K e um subanel para todo
corpo numerico K chamado anel de inteiros algebricos do corpo K e e denotado
por Ok. Se K = Q(ζ) e um corpo ciclotomico, entao seu anel de inteiros sera
OK = A ∩ Q(ζ) = Z[ζ]. A prova deste fato pode ser encontrada em Washington
[49], paginas 2 a 4.
Proposicao 4.1. Sejam a0, a1, . . . , an inteiros algebricos e α um numero complexo
que satisfaz
αn+1 + anαn + · · ·+ a1α+ a0 = 0.
Entao α e um inteiro algebrico.
Demonstracao. Seja mj o grau do polinomio mınimo de aj sobre Z. Assim o con-
junto de monomios
{αjak00 · · · aknn | 0 ≤ j ≤ n, 0 ≤ ki ≤ mi, i = 0, . . . n}
e um conjunto de geradores como Z-modulo de Z[a0, . . . , an, α], isto e, Z[a0, . . . , an, α]
e finitamente gerado como grupo aditivo, e assim pelo item (c) da observacao ante-
rior temos que α e um inteiro algebrico.
Proposicao 4.2 (Kronecker). Seja p(x) ∈ Z[x] um polinomio monico com coefi-
cientes inteiros. Suponha que todas as raızes de p(x) nos numeros complexos tem
modulo 1. Entao todas as raızes de p(x) sao raızes da unidade.
CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 30
Demonstracao. Sem perda de generalidade, podemos assumir que p(x) e irredutıvel
em Z. Escrevemos p(x) = (x − α1) · · · (x − αn) com αj ∈ C. Para cada k ∈N consideremos o polinomio pk(x) = (x − αk1) · · · (x − αkn). Observemos que os
coeficientes de pk sao polinomios simetricos em αk1, . . . , αkn, e portanto tambem sao
polinomios simetricos em α1, . . . , αn, logo podem ser escritos como polinomios que
dependem das funcoes simetricas elementares de α1, . . . , αn, que coincidem com os
coeficientes de p,mas os estes sao inteiros, logo os coeficientes de pk sao inteiros.
Por outra parte, como |αkj | = 1 temos que o coeficiente de xn−m de pk(x) e um
numero inteiro que em modulo e menor do que(nm
). Isto implica que o numero
de possıveis polinomios pk e finito e portanto o numero de valores possıveis para
αkj , com k ∈ N e finito. Segue que existem k1 6= k2 tais que αk1j = αk2j , ou seja,
αk2−k1j = 1 e portanto αj e uma raiz da unidade.
Corolario 4.3. Se α e um inteiro algebrico e todos os seus conjugados tem modulo
1 em C, entao α e uma raiz da unidade.
Se denotarmos por σ1, σ2, . . . , σn todas as imersoes de K em C, definiremos a
norma e o traco de um numero algebrico α como sendo:
• A norma de α e N(α) = σ1(α)σ2(α) . . . σn(α).
• E o traco como sendo T (α) = σ1(α) + σ2(α) + . . .+ σn(α).
Sejam p um numero primo ımpar e φp(x) o p-esimo polinomio ciclotomico em Q[x],
explicitamente φp(x) = xp−1x−1
= xp−1 + xp−2 + . . . + x + 1. Fazendo a translacao
φp(x+ 1) e aplicando o Criterio de Eisenstein concluımos que φp(x) e irredutıvel.
Consideremos a extensao de corpos
Q[x]/φp(x) ' Q(ζ),
no qual ζ e raiz p-esima primitiva da unidade. Como φp(x) e irredutıvel de grau
p − 1, entao esta extensao tambem tem grau p − 1. Ela e claramente galoisiana,
uma vez que Q tem caracterıstica zero e os conjugados de ζ sao da forma ζm com
0 ≤ m ≤ p− 1 e ζm ∈ Q(ζ).
Seu grupo de Galois e canonicamente isomorfo a (Z/pZ)∗ dado por:
ψ : (Z/pZ)∗∼→ Gal(Q(ζ)/Q)
a 7→ σa
no qual σa e o automorfismo:
σa : Q(ζ) → Q(ζ)
ζ 7→ ζa
CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 31
O automorfismo σp−1 age em todas as imersoes como a conjugacao complexa age
nos numeros complexos. Assim e comum chamar σp−1 de conjugacao complexa e
denota-la por ı.
Dado σ um automorfismo de um corpo L chamamos de corpo fixo pelo automorfismo
σ o subcorpo de L:
Lσ = {α ∈ L : σ(α) = α}.
Afirmacao 4.4. O corpo fixo de Q(ζ) pela conjugacao complexa e igual a
Q(ζ + ζ−1) = R ∩Q(ζ) ·
Demonstracao. O corpo fixo de Q(ζ) por ı e L = {α ∈ Q(ζ) : ı(α) = α}, mas
ı(α) = α. Logo α ∈ L se e somente se α = α, isto e, α ∈ R e portanto L = R∩Q(ζ).
Vejamos que Q(ζ + ζ−1) = R ∩Q(ζ). Note que ζ−1 = ζ, entao
ζ + ζ−1 = ζ + ζ−1 = ζ + ζ,
assim ζ + ζ−1 ∈ L e portanto Q(ζ + ζ−1) ⊂ R ∩Q(ζ).
Por outro lado se α = α ∈ L entao α =∑aiζ
i e α =∑aiζ
−i, logo α = α+α2
=∑ai
2(ζ + ζ−1), basta mostrar que ζ i + ζ−i ∈ Q(ζ + ζ−1) para todo i, mas este fato
segue por inducao sobre i.
Logo Q(ζ + ζ−1) e o subcorpo real maximal de Q(ζ), o qual denotaremos por
K+; algumas vezes tambem escreveremos ζ + ζ−1 = θ e assim Q(ζ + ζ−1) = Q(θ).
Afirmacao 4.5. A extensao Q(ζ + ζ−1) tem grau p−12
.
Demonstracao. O polinomio mınimo de ζ em Q(ζ+ζ−1) = Q(θ) e f(x) = x2−θx+1,
logo [Q(θ) : Q(ζ)] = 2 e como [Q : Q(ζ)] = [Q : Q(θ)] · [Q(θ) : Q(ζ)] temos que
[Q : Q(θ)] = p−12
.
Afirmacao 4.6. O grupo de Galois de K+ = Q(ζ + ζ−1) = Q(θ) e
G+ = Gal(Q(ζ + ζ−1)/Q) ' (Z/pZ)∗/± 1
onde neste ultimo quociente estamos identificando cada elemento com seu simetrico
modulo p.
Demonstracao. Seja xp−1 + xp−2 + . . . + x2 + x + 1 = 0, o polinomio irredutıvel de
ζ, dividindo este polinomio por xp−12 chegamos a
xp−12 + x
p−32 + . . .+ 1 +
1
x+ . . .+
1
xp−32
+1
xp−12
= 0 .
CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 32
Tomando y = x + x−1 e substituindo na equacao acima, obtemos um polinomio
em y, f(y) tal que f(ζa + ζ−a) = 0 para todo a = 1, 2, . . . , p−12
, entao todos os
conjugados de ζ + ζ−1 sao da forma ζa + ζ−a.
Portanto todo automorfismo de K = Q(ζ) define por restricao um automorfismo
de K+ = Q(ζ + ζ−1). O unico problema e que podemos ter dois ou mais automor-
fismos de K que quando restritos a K+ geram o mesmo automorfismo.
Mas isso so ocorre se
σa(ζ + ζ−1) = ζa + ζ−a = 2cos(θa)
σb(ζ + ζ−1) = ζb + ζ−b = 2cos(θb)
forem iguais, isto e, 2cos(θa) = 2cos(θb) que implica em θa = θb ou θa = 2π − θb e
assim a = b ou a = −b. Logo
G+ = Gal(Q(ζ + ζ−1)/Q) ' (Z/pZ)∗/± 1.
4.2 Ramificacao
Dado um primo p em Z, uma pergunta natural e, quando p e primo no anel de
inteiros de um extensao Q(α)?
A resposta depende da extensao. Nesta secao estudaremos um pouco deste fenomeno
e suas consequencias.
Proposicao 4.7. Todo anel de inteiros OK de um corpo numerico K e um domınio
de Dedekind.
Demonstracao. Para mostrar isso verificamos as propriedades que caracterizam um
domınio de Dedekind.
(i) Sabemos que todo anel de inteiros e (aditivamente) um grupo livre abeliano fini-
tamente gerado. Um ideal e um subgrupo aditivo, logo e um grupo livre abeliano e
consequentemente e finitamente gerado.
(ii) Mostraremos que todo ideal primo p nao nulo e maximal, mostrando que
OK/pOK e na verdade um corpo. Para isto, verificaremos que este domınio e finito
e utilizando o fato que todo domınio finito e um corpo, concluiremos este item.
Mais geralmente, se I e um ideal nao nulo qualquer entao OK/IOK e finito. Seja
α ∈ I, temos que N(α) = m ∈ Z\{0}, agora perceba que m ∈ I, uma vez que
m = αβ, onde β e o produto dos conjugados de α e β = mα
logo β ∈ K, entao
CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 33
(m) ⊂ I.
Como |OK/(m)| ≤ m[K:Q], assim OK/(m) e finito e portanto OK/I e finito.
(iii) Se αβ
e raiz de um polinomio monico sobre OK entao (αβ)n + an−1(
αβ)n−1 + . . .+
a1(αβ)+a0 = 0 implica αn+an−1βα
n−1 + . . .+αβn−1a1 +a0αn = 0 e pela proposicao
4.1 este numero e algebrico.
Como vimos no capıtulo 2, num domınio de Dedekind todo ideal se fatora uni-
camente em ideais primos, entao pela proposicao acima todos os ideais de OK tem
essa propriedade.
Definicao 4.8. Sejam L/K uma extensao de corpos numericos, p um ideal primo
de K e
p =
g∏i=1
Peii
sua decomposicao em OL, com ei ≥ 1.
(a) O expoente ei e dito ındice de ramificacao de Pi sobre p e e comum denota-lo
por e(Pi/p).
(b) O grau da extensao finita de corpos [OL/Pi : OK/p] e dito o grau residual, e o
denotamos por fi = f(Pi/p).
(c) Dizemos Pi e ramificado se ei > 1. Tambem dizemos que p e ramificado para
indicar que algum dos Pi tem ındice de ramificacao maior do que um. Com
esta definicao dizemos que um primo p e ramificado se o seu ideal e ramificado.
(d) Diremos que p e totalmente ramificado se ei = n = [L : K].
Lema 4.9. Em um corpo ciclotomico Q(ζ) temos que:
(i) O primo p se fatora em Q(ζ) como p =
p−1∏k=1
(1− ζk).
(ii) O elemento 1− ζ e irredutıvel em Q(ζ) e portanto seu ideal (1− ζ) e primo.
(iii) Se mdc(j, p) = 1, o numero 1+ζ+ζ2+. . .+ζj−1 e uma unidade em OK = Z[ζ].
(iv) Se r e s inteiros tais que mdc(p, rs) = 1, entao 1−ζr
1−ζs e uma unidade em OK =
Z[ζ].
(v) p = u(1− ζ)p−1, onde u e uma unidade e seu ideal sera (p) = (1− ζ)p−1.
CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 34
Demonstracao. (i) Observe que tp−1 + tp−2 + . . .+ t+1 = (t−ζ)(t−ζ2) . . . (t−ζp−1)
tomando t = 1, obtemos p =
p−1∏k=1
(1− ζk).
(ii) Aplicando a norma ao elemento 1− ζ temos que
N(1− ζ) = (1− ζ)(1− ζ2) . . . (1− ζp−1) = p,
logo 1 − ζ e irredutıvel. Sabemos da proposicao 4.7 que o anel de inteiros de um
corpo numerico e um domınio de Dedekind, portanto Z[ζ] e dominio de Dedekind
e temos fatoracao unica em ideais nestes domınios. Como (p) = (1 − ζ)p−1 tem no
maximo p − 1 = [Q(ζ) : Q] fatores primos em Q(ζ), segue que (1 − ζ) tem que ser
primo, pois caso contrario (p) teria mais de p− 1 fatores.
(iii) Pela igualdade 1+ζ+ζ2+. . .+ζj−1 = 1−ζj
1−ζ , logo a afirmacao equivale a mostrar
que seu inverso 1−ζ1−ζj tambem esta em Z[ζ]. Mas como mdc(j, p) = 1, existe h ∈ Z tal
que ζ = ζhj e portanto 1−ζ1−ζj = 1−ζhj
1−ζj = 1+ζ+ζj+ . . .+ζj(h−1) o qual pertence a Z[ζ].
(iv) Como 1−ζr
1−ζs = 1−ζr
1−ζ ·1−ζ1−ζs , pelo item (iii) essa fracao sera o quociente de duas
unidades.
(v) Vimos no primeiro item que p =
p−1∏k=1
(1− ζk), utilizando os fatos de que 1− ζk =
(1− ζ)(1 + ζ + ζ2 + . . .+ ζk−1) e que (1 + ζ + ζ2 + . . .+ ζk−1) e uma unidade para
todo 1 ≤ k ≤ p − 1, entao 1 − ζk = (1 − ζ)uk, logo p =
p−1∏k=1
(1 − ζk) = u(1 − ζ)p−1,
onde u = u1u2 . . . uk.
Proposicao 4.10. O primo p e totalmente ramificado em Q(ζ).
Demonstracao. Segue de imediato do item (v) do lema 4.9.
Afirmacao 4.11. Todos os primos q ∈ Z distintos de p nao se ramificam em Z[ζ].
Existem duas maneiras de provar essa afirmacao, uma usando o fato de que p
se ramifica em Q(ζm), onde ζm e uma raiz m-esima da unidade se, e somente se, p
divide o discriminante relativo desta extensao. A outra e como consequencia de um
belo teorema devido a Kummer e a Dedekind; optamos pela segunda forma.
4.2.1 Teorema de Kummer-Dedekind
Teorema 4.12 (Kummer-Dedekind). Seja K = Q(α), com α inteiro algebrico tal
que OK = Z[α], f o polinomio monico minimal de α sobre Q. Denotemos por f a
CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 35
classe de f em Fp[x], onde p e um numero primo e
f(x) = g1e1(x)g2
e2(x) . . . grer(x) ∈ Fp[x]
onde gi(x) sao polinomios monicos irredutıveis em Fq[x].Se gi(x) e um representante de gi(x) em Z[x] e Pi = (p, gi(α)) o ideal sobre OK
gerado por p e gi(α), entao
pOK = Pe11 Pe2
2 . . .Perr
com deg(Pi) = deg(gi).
Demonstracao. Seja η uma raiz de gi. Como gi e irredutıvel, o polinomio minimal
de η tambem e irredutıvel. Consideremos agora o homomorfismo
ρi : OK → Fp(η)P (α) 7→ P (η)
Verifiquemos que esta aplicacao esta bem definida, para isto basta mostrar que
se P (α) = 0 entao P (η) = 0. Suponhamos P (α) = 0, como f(X) e o polinomio
minimal de α segue que P (x) = f(x)h(x) ∈ Z[X], por esta razao P (X) = f(x)h(x)
e como gi divide f temos P (η) = f(η)h(η) = 0 provando a afirmacao. Observamos
que ρi e um homomorfismo sobrejetivo. Definimos Pi = kerρi, assim ρi induz um
isomorfismo
ρ∗i : OK/Pi → Fp(η) ' Fp[X]/gi
Como Fq(η) e corpo, entao OK/Pi e corpo e portanto Pi e maximal.
A seguir mostraremos que Pi = (p, gi(α)).
Por definicao ρi(p) = p = 0 e ρi(gi(α)) = gi(η) = 0 o que nos da (p, gi(α)) ⊂ Pi. Re-
ciprocamente tomamos r(α) ∈ Pi; r(X) ∈ Z[X]. Como r(η) = 0 e gi e o polinomio
minimal de η, temos gi | r, isto e, r = gih com h ∈ Z[X] logo todos os coeficientes
de r − hgi ∈ Z[X] sao divisıveis por p, assim r(X) = h(X)gi(X) + pq(X).
Substituindo X por α na igualdade r(α) = h(α)gi(α)+pq(α) ∈ (p, gi(α)) mostrando
que Pi = (p, gi(α)).
Resta mostrar a decomposicao pOK = Pe11 Pe2
2 . . .Perr . Primeiro observamos que
Pi 6= Pj para i 6= j, caso contrario se Pi = Pj terıamos que gj(η) = 0, pois
gj(α) ∈ Pi, entretanto gi(η) = 0 e gi, gj sao irredutıveis, portanto gi = gj, gerando
um absurdo pois gi e gj sao fatores primos distintos de f .
Mostraremos agora que pOK nao e divisıvel por nenhum outro ideal primo P
alem dos Pi. De fato se P|pOK entao, como Z[α]/P e um corpo finito, podemos
CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 36
escrever Z[α]/P = Fp[α] com α = α (mod P). Lembrando que f(α) = 0, temos
f(α) = 0 e assim gi(α) = 0 para algum i, isto implica que gi(α) ∈ P e consequente-
mente P = (p, gi(α)) ⊂ P, concluindo que P = Pi, portanto
pOK = Pk11 · . . . ·Pkr
r . (4.1)
Por fim precisamos mostrar que ki = ei para todo i.
Por hipotese f(X) − g1(X)e1 . . . gr(X)er = p · h(X). Substituindo α no lugar de
X segue que g1(α)e1 . . . gr(α)er ∈ pOK . Observamos que Peii ⊂ (p, gi(α)ei) assim
Pe11 · . . . · Per
r ⊂ (p, g1(α)e1 . . . gr(α)er) ⊂ pOK = Pk11 · . . . · Pkr
r , entao ki ≤ ei e
1 ≤ i ≤ r.
Por outro lado, lembrando que a norma de Pi e pfi e tirando a norma em 4.1
temos que
N((p)) = pn =r∏i=1
N(Pi)ki =
r∏i=1
pfiki
Ou seja k1f1 + . . .+krfr = n = e1f1 + . . .+ erfr, com ki ≤ ei portanto ei = ki, como
querıamos.
Demonstracao da afirmacao. Sabemos que o polinomio xp−1 e separavel em Z/qZ,
pois sua derivada pxp−1 e nao nula nas raizes de xp− 1. O polinomio xp−1 + xp−2 +
. . .+x+1 modulo q tambem e separavel, ja que e um divisor de xp−1, assim usando
o teorema de Kummer-Dedekind temos que q nao se ramifica em Q(ζ).
Afirmacao 4.13. Se p e totalmente ramificado em Q(ζ), entao p sera em Q(ζ+ζ−1).
Demonstracao. Vimos no lema 4.9 que p = u(1− ζ)p−1, que pode ser reescrito como
p = u(1−2ζ+ζ2)p−12 . Colocando ζ em evidencia temos que p = uζ
p−12 (ζ+ζ−1−2)
p−12
e como ζp−12 = ±1 e uma unidade temos que p = v(ζ + ζ−1 − 2)
p−12 , por essa razao
p e totalmente ramificado em Q(ζ + ζ−1).
Consequentemente temos que (p) = ((1 − ζ)(1 − ζ−1))p−12 . Denotaremos os
elementos (1 − ζ)(1 − ζ−1) e (1 − ζ) por λ e π respectivamente. O Ok+−ideal
((1 − ζ)(1 − ζ−1)) por p e P = (1 − ζ) o OK− ideal. Pelo lema 4.9 temos que os
ideais π = (1 − ζ) e σa(π) = (1 − ζa) sao iguais, pois 1 − ζa = u(1 − ζ) onde u e
unidade.
CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 37
Colocando estas observacoes em um diagrama temos que:
K = Q(ζ)
?????
Q
G
K+ = Q(ζ + ζ−1)
G+�����
4.3 O Grupo de Classes
O grupo de classes juntamente com as unidades ciclotomicas desempenham um
papel importante no artigo do Mihailescu.
Dados OK o anel de inteiros do corpo numerico K, I e J ideais de OK , diremos
que estes ideais sao equivalentes se existem α, β ∈ OK nao nulos tais que αI =
βJ . Esta relacao e uma relacao de equivalencia. Denotamos por [I] a classe de
equivalencia do ideal I.
Afirmacao 4.14. Com a seguinte operacao entre as classes [I] · [J ] := [IJ ] o con-
junto das classes de ideais de um anel de inteiros algebricos e um grupo.
Demonstracao. Ver [40], pagina 77.
Proposicao 4.15.
(a) Dados αI e βJ ideais fracionarios, definimos a operacao: αI · βJ := αβIJ .
Com esta operacao o conjunto dos ideais fracionarios formam um grupo G,
onde o elemento neutro e a classe de ideais pincipais e o inverso e I−1.
(b) Seja H o subgrupo (normal) dos ideais principais, o grupo quociente G/H e
isomorfo ao grupo de classes como foi definido anteriormente.
Demonstracao. Ver [29], pagina 91.
Denotamos por h a ordem do grupo de classes de OK .
Proposicao 4.16. O grupo de classes de ideais de OK tem ordem finita, isto e,
h <∞.
Demonstracao. Os casos em que precisaremos aqui podem ter sua demonstracao
referida a [40], pagina 76. Todavia casos mais gerais sao de difıcil demonstracao,
necessitando de muita teoria sobre funcoes L.
Seja K = Q(ζm) e K+ seu subcorpo real maximal, denotamos por h+ a ordem
do grupo de classe de ideais de O+K .
CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 38
Teorema 4.17. Seja K e K+ como definimos anteriormente e h e h+ os respectivos
numeros de classes, entao h+ divide h.
Demonstracao. Ver [49], pagina 38 ou [13], pagina 149.
Chamamos de numero relativo de classe o quociente h− = hh+ .
4.4 Aneis de Grupo e Modulos Galoisianos
Sejam G um grupo e A um anel com unidade. Definimos o anel de grupo A[G] da
seguinte maneira. Um elemento δ ∈ A[G] e uma soma formal δ =∑
g∈G agg, onde ag
e nulo a menos de um numero finito de ındices. Se γ =∑
h∈G bhh ∈ A[G] definimos
as seguintes operacoes:
γ + δ =∑g∈G
(ag + bg)g
γδ =∑g,h∈G
agbhgh.
Com as operacoes acima A[G] e um anel. Se o anel A e comutativo, entao A[G]
define um algebra sobre G, chamada algebra de grupo.
Seja L uma extensao galoisiana finita de Q. O grupo de Galois age canonicamente
em todos os objetos que estao naturalmente definidos em termos de L como ideais,
unidades, grupo ideais fracionarios invertıveis, grupo de classes etc.
Assim podemos ver estes conjuntos como Z[G]- modulos com a estrutura natural
dada pela formula (∑g∈G
agg
)· v =
∏g∈G
(g · v)ag .
Se γ =∑
g∈G agg, e comum a notacao exponencial vγ, em vez de γ · v. Sejam q
um numero primo (de Z) e M um Z[G]-modulo que e aniquilado por q ( isto e,
(M : (q)) = 0 vista como modulos e nao a que foi definida para ideais fracionarios)
e na verdade um Fq[G]-modulo.
Definiremos agora duas funcoes que tem um papel importante em aneis de grupo.
Definicao 4.18. Seja θ um elemento de Z[G], dado por θ =∑σ∈G
nσσ, entao a funcao
peso e definida por:
ω : Z[G] → Zθ 7→
∑σ∈G
nσ
CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 39
E facil verificar que esta funcao e na verdade um homomorfismo de aneis. O seu
nucleo e um ideal que chamaremos ideal de aumento, e o denotaremos por Iaug.
A funcao tamanho e definida por:
|| || : Z[G] → Zθ 7→
∑σ∈G
|nσ|
Afirmacao 4.19. A funcao tamanho satisfaz as seguintes desigualdades:
(a) ||θ1θ2|| ≤ ||θ1|| · ||θ2||
(b) ||θ1 + θ2|| ≤ ||θ1||+ ||θ2||
Demonstracao. (a) Escrevemos θ1 =∑σ∈G
nσσ e θ2 =∑σ∈G
mσσ, assim
||θ1θ2|| =∑σ∈G
|nσmσ| ≤(∑σ∈G
|nσ|)(∑
σ∈G
|mσ|).
(b) Pela desigualdade triangular em Z temos que
||θ1 + θ2|| ≤∑σ∈G
|nσ +mσ| ≤(∑σ∈G
|nσ|)
+(∑σ∈G
|mσ|).
Mostraremos agora uma proposicao sobre aneis de grupo, quando o anel base e
um corpo finito.
Proposicao 4.20. Sejam p e q primos ımpares tais que q nao divide p − 1. Se
G = Gal(Q(ζ)/Q), entao o anel de grupo Fq[G] e isomorfo a um produto de corpos
finitos, ou seja,
Fq[G] 'l∏
i=1
Fi
com Fi corpo finito para i = 1, 2, . . . , l.
Demonstracao. Ja mostramos anteriormente que G = Gal(Q(ζ)/Q) e isomorfo a
(Z/pZ)∗, logo G e cıclico de ordem p − 1. Seja σ um gerador de G, entao todo
elemento de Fq[G] pode ser escrito da forma θ =
p−1∑i=1
niσi.
Definimos o homomorfismo de Fq-modulos:
ψ : Fq[x] → Fq[G]
x 7→ σ
CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 40
Notemos que o polinomio xp−1 − 1 e um elemento do nucleo e como σ tem ordem
p− 1 ele sera um gerador do nucleo. Pelo primeiro teorema dos isomorfismos temos
que Fq[G] ' Fq[x]/(xp−1 − 1).
O polinomio xp−1 − 1 e separavel em Fq, pois sua derivada (p − 1)xp−2 e diferente
de zero uma vez que q nao divide p− 1.
Pelo teorema chines do resto temos que :
Fq[x](xp−1 − 1)
'l∏
i=1
Fq[x](gi(x))
,
onde os gi(x) ∈ Fq[x] sao polinomios irredutıveis que dividem xp−1 − 1 e como
este polinomio e separavel, cada um dos gi aparece com multiplicidade 1. Conse-
quentemente, cada um dos Fq[x]/(gi(x)) e uma extensao finita de Fq, por essa razao
tambem sao corpos finitos.
Para o anel de grupo Fq[G+] a demonstracao e totalmente analoga, bastando apenas
tomar Fq[G+] ' Fq[x]/(xp−12 − 1).
4.5 Unidades Ciclotomicas
Faremos agora uma pequena exposicao das unidades ciclotomicas, que sao um dos
principais elementos da demonstracao. No que se segue deste capıtulo, K denotara
o corpo Q(ζ), onde ζ e a raiz p- esima da unidade.
Definicao 4.21. Sejam E o grupo das unidades de OK e V o grupo multiplicativo
gerado por {±ζ, 1 − ζa : 1 ≤ a < p − 1} := V . O grupo de raızes ciclotomicas C e
definido por
C = V ∩ E .
Igualmente definimos C+ para o corpo K+; seja E+ o grupo das unidades de K+
entao,
C+ = E+ ∩ C .
Lema 4.22. Sejam p primo e K = Q(ζ) a extensao p ciclotomica, entao:
(a) As unidades ciclotomicas C+ de K+ = Q(ζ + ζ−1), sao geradas por −1 e pelas
unidades ηa = ζ1−a2 · 1− ζa
1− ζ, com 1 < a ≤ p−1
2.
(b) As unidades ciclotomicas C de K sao geradas por ζ e pelas unidades ciclotomicas
de K+ = Q(ζ + ζ−1).
CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 41
Demonstracao. Percebamos que 1− ζa e 1− ζ−a diferem apenas por uma potencia
de ζ, mais especificamente −ζa(1− ζ−a) = 1− ζa, por isso so precisamos considerar
1 ≤ a ≤ p−12
. Suponhamos agora que
ε = ±ζd∏
1<a≤ p−12
mdc(a,p)=1
(1− ζa)ca
e uma unidade de K = Q(ζ), aplicando a norma dos dois lados temos que
N(ε) = ±N(ζ)d∏
N(1− ζa)ca ,
mas N(ε) = ±1, pois por hipotese ela e unidade e N(ζ) = ±1, logo
±1 = ±1∏
N(1− ζa)ca = N((1− ζ)
Pca)·N(∏(
1− ζa
1− ζ
)ca).
Como 1−ζa
1−ζ e unidade, isto e igual a N(1 − ζ)Pca = p
Pca = ±1, mas isto implica
que∑ca = 0. Consequentemente
ε = ±ζd∏
1<a≤ p−12
mdc(a,p)=1
(1− ζa
1− ζ
)ca= ±ζe
∏a 6=1
ηa
com e = d+ 12
∑ca(a−1). Note que se p = 2 entao (a, p) = 1 implica que a e ımpar
entao ζe pertence a K = Q(ζ) em todo caso. E isto prova (b).
Se ε ∈ K+ cada um dos fatores acima tem que ser real, e ±ζe tem que ser real, logo
igual a ±1.
Por mais “estranho” que pareca as unidades ciclotomicas se relacionam com o
numero de classe h+ de K+ como se pode ver no seguinte teorema.
Teorema 4.23. As unidades ciclotomicas C+ de K+ = Q(ζ+ζ−1) tem ındice finito
no grupo das unidades E+, mais ainda
h+ = [E+ : C+].
Demonstracao. Ver [49], pagina 145.
Apesar do teorema acima nos dizer que o grupo CLK+ tem a mesma quantidade
de elementos que o grupo E+/C+, ele nao nos diz nada que relacione a estrutura
destes dois grupos.
O teorema de Thaine relaciona estes grupos achando uma surpreendente relacao sat-
isfeita por (E+/C+)q, o q-subgrupo de Sylow de E+/C+ e (CLK+)q, o q- subgrupo
de Sylow do grupo de classes de K+.
CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 42
Como referencia historica cabe ressaltar que Francisco Thaine e matematico brasileiro
formado pelo Impa. Foi professor por muito tempo da Unicamp, onde desenvolveu
estes e outros excelentes resultados em teoria dos numeros. Atualmente e professor
na Concorida University, Montreal, Canada. Vale destacar que a cidade de Mon-
treal possui cinco grandes universidades onde se encontra um dos maiores grupos
em qualidade e quantidade de pesquisadores em teoria dos numeros da atualidade.
Capıtulo 5
Teorema de Cassels
Neste capıtulo estudaremos um teorema devido a Cassels sobre divisibilidade na
equacao de Catalan e algumas de suas consequencias. Estamos seguindo aqui o
livro do Ribenboim [41]. Queremos mostrar que se p, q sao primos ımpares e se
x, y ∈ N∗ e xp− yq = 1, entao p|y e q|x. Para chegar a este resultado precisamos de
alguns lemas.
5.1 Alguns Lemas Tecnicos
Lema 5.1. Sejam a, b, t numeros reais, tais que b > 0 , t > 1 e fa,b(t) = (a + bt)1t .
fa,b(t) e crescente se, e somente se, btlog(bt) > (a+ bt)log(a+ bt).
Em particular se m > n > 1, entao{(zn − 1)m < (zm − 1)n
(zm + 1)n < (zn + 1)m.
Demonstracao. Por simplicidade escreveremos fa,b(t) = f(t). Dado que f e difer-
enciavel, basta determinar o sinal da derivada, mas
f ′(t) =(a+ bt)
1t
t
[btlog(b)
(a+ bt)− log(a+ bt)
t
].
Consequentemente f ′(t) > 0 se, e somente se,btlog(b)
(a+ bt)>log(a+ bt)
tou equivalen-
temente btlog(bt) > (a+ bt)log(a+ bt).
Em particular tomando a = −1; b = z > 1 e t > 1, obtemos que zt > zt − 1 > 0
o que implica que log(zt) > log(zt − 1) e fazendo o produto temos ztlog(zt) >
(zt − 1)log(zt − 1).
Portanto f ′−1,z(t) e crescente, e assim
(zn − 1)1n < (zm − 1)
1m , ou seja, (zn − 1)m < (zm − 1)n
43
CAPITULO 5. TEOREMA DE CASSELS 44
para m > n > 1. Analogamente, tomamos a = 1, b = 1z, t > 1 , entao 0 < 1
zt < 1 e
1
ztlog(
1
zt) < 0 <
(1 +
1
zt
)log
(1 +
1
zt
).
Como f ′1, 1
z
(t) < 0 e m > n > 1 chegamos a(1 + 1
zm
) 1m <
(1 + 1
zn
) 1n e por essa razao
(zm + 1)n < (zn + 1)m.
Lema 5.2. Sejam r,m, n inteiros positivos e l um primo que nao divide n. Entao
vl(r!) ≤ vl
(mn
(mn− 1). . .(mn− r + 1
)),
onde vl denota a valorizacao l- adica.
Demonstracao. Seja
a =m
n
(mn− 1
). . .(mn− r + 1
)e vl(a) = e <∞.
Como l - n entao e ≥ 0, e ainda existe n′ ≥ 1 tal que n · n′ ≡ 1 (mod le+1).
Definimos m′ = mn′, logo
m
n−m′ =
m
n(1− nn′) ≡ 0 (mod le+1).
A congruencia anterior implica que mn−k ≡ m′−k (mod le+1) para k = 0, 1 . . . , r−1.
Definamos a′ = m′(m′ − 1) . . . (m′ − r + 1), assim a′ ≡ a (mod le+1), e portanto
vl(a− a′) ≥ e+ 1. Observe que a′
r!=(m′
r
)logo vl(a
′) ≥ vl(r!).
Se vl(r!) > vl(a), temos que vl(a−a′) = vl(a) = e, chegando a uma contradicao.
Lema 5.3. Se p > q sao primos ımpares e x, y ≥ 2 inteiros, tais que xp − yq = ±1
entao
(x∓ 1)pq(p−1)q > (y ± 1)q ·
Demonstracao. Comox∓ 1 ≥ x2, xp = yq ± 1 > yq
2e y > y±1
2temos que,
(x∓ 1)p ≥(x
2
)p>
yq
2p+1>
(y ± 1)q
2p+q+1.
Mas q(p−1)q > 2p+q+1, portanto (x∓ 1)p >(y ± 1)q
q(p−1)qconcluindo a prova.
Lema 5.4. Sejam p um numero primo e n um inteiro positivo. Seja n =k∑i=0
nipi
seu desenvolvimento p-adico, com 0 ≤ ni ≤ p− 1 para i = 0, . . . , k =[log(n)log(p)
], onde
CAPITULO 5. TEOREMA DE CASSELS 45
[ ] denota a funcao parte inteira de x. Definimos S como a soma destes coeficientes,
ou seja, S =k∑i=0
ni, entao temos que
vp(n!) =∞∑i=1
[n
pi
]=n− S
p− 1.
Observe que quando i > k os termos dessa soma sao nulos.
Demonstracao. Os multiplos de pmenores do que n sao p, 2p, . . . , [np]·p. Os multiplos
de p2 sao p2, 2p2, . . . ,[np2
]· p2. E assim por diante, logo a primeira igualdade esta
provada.
Pelo desenvolvimento p-adico temos que
[n
pj
]=
[∑nip
i
pj
]=
k∑i=j
nipi−j. Logo
somando todos os termos ficamos com
∞∑j=1
[n
pj
]=
k∑j=1
k∑i=j
nipi−j
=k∑j=1
njp0 +
k∑j=2
njp1 + . . .+
k∑j=k
njpk−1 =
k∑j=1
nj
j−1∑s=0
ps
=k∑j=1
nj ·pj − 1
p− 1=
1
p− 1
(k∑j=1
njpj −
k∑j=1
nj
)=
1
p− 1· (n− S).
5.2 Teorema de Cassels
Teorema 5.5 (Cassels). Sejam p, q primos ımpares e x, y inteiros tais que xp−yq =
±1. Entao p divide y e q divide x.
Demonstracao. Observe que podemos supor sem perda de generalidade que p > q e
x, y ≥ 2. Primeiro mostraremos que q | x.Suponhamos por contradicao que q - x e portanto q - yq ± 1. Do fato que xp =
yq ± 1 = (y ± 1) · yq±1y±1
e do lema 2.20 , segue que existe b ≤ 1 tal que y ± 1 = bp.
Daqui temos dois casos dependendo do sinal:
Caso 1. Se y + 1 = bp, entao b ≥ 2 e xp = yq + 1 = (bp − 1)q + 1 < bpq.
E pela desigualdade acima x < bq e mais ainda x ≤ bq − 1. Segue do lema 5.2 que
(bq − 1)p < (bp − 1)q. Consequentemente yq + 1 = xp ≤ (bq − 1)p < (bp − 1)q = yq,
CAPITULO 5. TEOREMA DE CASSELS 46
chegando a um absurdo.
Caso 2. Se y − 1 = bp, temos xp = yq − 1 e como p > q segue que y > x, em
particular y ≥ 3, b ≥ 2 e xp = (bp + 1)q − 1 > bpq, por essa razao x > bq e com
isso x ≥ bq + 1. Do lema 5.1 que(1 + 1
bp
)q<(1 + 1
bq
)pe portanto yq − 1 = xp ≥
(bq + 1)p > (bp + 1)q = yq chegando novamente a um absurdo.
Mostraremos agora que p|y. Observe que yq ≥ xp − 1 ≥ 35 − 1 ≥ 242 e
como q|x segue que q ≤ x e de xp = yq ± 1 = (y ± 1) · yq±1y±1
e consequentemente
mdc(y ± 1, y
q±1y±1
)= q.
Pelo Lema 2.21 temos que existem b, c > 0 tais que y ± 1 = qp−1bp
yq ± 1
y ± 1= qcp
com q - c e x = qbc.
No caso que c = 1, concluımos que y = 2, q = 3, x = 3 e p = 2, contrariando a
hipotese de p > q. Logo podemos supor que c 6= 1.
Novamente pelo lema 2.21 chegamos a qcp =yq ± 1
y ± 1= k(y ± 1) + q, onde k e
um inteiro multiplo de q. Assim substituindo y ± 1 = qp−1bp na equacao anterior
qcp = kqp−1bp + q que e igual a q(cp− 1) = kqp−1bp. E como k e multiplo de q entao
qp divide q(cp − 1), logo pp−1 divide cp − 1, ou de outra forma, cp ≡ 1 (mod qp−1).
Suponhamos que c 6≡ 1 (mod qp−1), entao c teria ordem p, o que implicaria que
p divide ϕ(qp−1) = qp−2(q − 1) e consequentemente p|(q − 1), logo p < q o que
contradiz as hipoteses. Portanto c ≡ 1 (mod qp−1), segue que x 6= qb, pois c 6= 1, e
x ≡ qb mod qp e c = mqp−1 + 1, onde m e um inteiro positivo.
Suponhamos agora por contradicao que p - y.De yq = xp ∓ 1 = (x ∓ 1)
xp ∓ 1
x∓ 1e do lema 2.20 segue que existe um inteiro a ≥ 1
tal que x∓ 1 = aq.
Agora estimaremos os inteiros a, b. Pelo lema 5.3 temos que
apq = (x± 1)p >(y ± 1)q
q(p−1)q= bpq
e por essa razao a > b.
Vejamos que aq ≥ 12qp. Para isto, suponhamos por contradicao que ap < 1
2qp.
Como ja observamos x 6= qb e x ≡ qb (mod qp), logo
qp ≤ |x− qb| = |aq ± 1− qb| ≤ aq + qb± 1 <1
2qp + qb± 1,
CAPITULO 5. TEOREMA DE CASSELS 47
mas isto implica que qb ∓ 1 > 12qp e como b ≥ 2 e q ≥ 3 temos que aq > bq >
qb+ 1 > qb± 1 > 12qp chegando a um absurdo. Logo a ≥ 1
2qp.
Vamos agora dar cotas inferiores para xp e yq.
Primeiro observamos que
xp = (aq ± 1)p ≥ (aq − 1)p e yq = xp ∓ 1 = (aq ∓ 1)p ∓ 1 ≥ (aq − 1)p.
Por (1− 2
qp
)p≥(
1− 2
3p
)p>
1
3≥ 1
q,
segue que
min{xp, yq} ≥ (aq − 1)p = apq(
1− 1
aq
)p≥ apq
(1− 2
qp
)> apq
(1− 2
qp
)p>apq
q.
O proximo passo e dar uma cota superior para |xpq − y|. Como
(xpq )q − yq = xp − yp = ±1 e |x
pq − y|
∣∣∣∣∣q−1∑i=0
xpqiyq−1−i
∣∣∣∣∣ = 1,
entao
|xpq − y| = 1∣∣∣∣∣
q−1∑i=0
xpqiyq−1−i
∣∣∣∣∣.
Mas para i = 0, 1, . . . , q − 1 temos que
xpqiyq−1−i >
(apq
q
) iq+ q−1−i
q
= ap(q−1) 1
qq−1
q
> ap(q−1) · 1
q,
assim |xpq − y| < 1
ap(q−1). Escrevendo
xpq = (aq ± 1)
pq = ap
(1± 1
aq
) pq
=∞∑r=0
tr,
onde usamos o desenvolvimento do binomio de Newton generalizado
tr = (±1)r ·pq(pq− 1) . . . (p
q− r + 1)
r!· ap−qr 6= 0
e o primeiro termo e definido como t0 = ap.
Tomando agora l um numero primo arbitrario, com l 6= q e r ≥ 1, entao pelo
lema 5.2
vl(r!) ≤ vl
(p
q
(p
q− 1
). . .
(p
q− r + 1
)),
CAPITULO 5. TEOREMA DE CASSELS 48
portanto vl(tr) ≥ vl(ap−qn) ≥ 0, para p ≥ nq. Definindo
R =
[p
q
]+ 1 , ρ =
[R
q − 1
]e Rq > p,
pelo lema 5.4 temos que vq(R!) = R−sq−1
onde s e a soma do dıgitos de R na expansao
q-adica , isto e, R = R0 + R1q + . . . + Rmqm e 0 ≤ Ri ≤ q − 1, s =
∑mi=0Ri como
R−sq−1
< Rq−1
entao vq(R!) ≤ ρ.
Para todo r < R, se l 6= q entao
vl(trqR+ρaRq−p) ≥ vl(a
p−qr) + vl(aRq−p) = vl(a
(R−r)q) ≥ 0.
E tambem temos que
vq(trqR+ρaRq−p) = vq
(p
q
(p
q− 1
). . .
(p
q− r + 1
))︸ ︷︷ ︸
≥−r
−vq(r!) +R + ρ+ (Rq − p)vq(a)
≥ R− r + ρ− vq(r!) + (Rq − p)vq(a) ≥ 0
Assim o numero trqR+ρaRq−p e inteiro para r = 0, 1, . . . , R.
De igual forma o numero
I = aRq−pqR+ρ(y − x
pq +
∑r≥R+1
tr
)= aRq−pqR+ρ
(y +
R∑r=0
tr
)tambem e um inteiro, desde que Rq − p > 0.
Iremos provar agora que I 6= 0. Para isto, escrevemos I = I1 + I2 + I3, comI1 = aRq−pqR+ρ(y − x
pq )
I2 = aRq−pqR+ρtR+1 6= 0
I3 = aRq−pqR+ρ∑
r>R+1
tr
,
e vejamos primeiro que∣∣∣ I3I2 ∣∣∣ < 1
10e que
∣∣∣ I1I2 ∣∣∣ < 110
.
Se r > R temos
∣∣∣∣tr+1
tr
∣∣∣∣ =
∣∣∣∣∣pq− r
r + 1
∣∣∣∣∣ · 1
aq<
2
qp, pois
∣∣∣pq − r∣∣∣ = r − p
q< r + 1.
Consequentemente,
∣∣∣∣I3I2∣∣∣∣ =
∣∣∣∣∣ ∑r>R+1
trtR+1
∣∣∣∣∣ ≤ ∑r>R+1
∣∣∣∣ trtR+1
∣∣∣∣=
∣∣∣∣tR+2
tR+1
∣∣∣∣+ ∣∣∣∣tR+3
tR+2
∣∣∣∣ ∣∣∣∣tR+2
tR+1
∣∣∣∣+ . . .
<
(2
qp
)+
(2
qp
)2
+ . . .
=2
qp· 1
1− 2qp
=2
qp − 2≤ 1
35 − 2<
1
10.
CAPITULO 5. TEOREMA DE CASSELS 49
Vamos agora a mostrar a segunda desigualdade (∣∣∣ I1I2 ∣∣∣ < 1
10); o primeiro passo
aqui e mostrar que 1q2(R+1)2
≤∣∣a(R+1)q−ptR+1
∣∣ ≤ 14. Antes disto, note que (R− p
q) +
(pq
+ 1− R) = 1 entao e imediato de calculo em uma variavel que o produto destes
dois numeros e menor ou igual a um quarto, isto e, |R− pq| · |p
q+ 1−R)| ≤ 1
4.
Dai entao,∣∣∣∣pq(p
q− 1
). . .
(p
q−R
)∣∣∣∣ ≤ R · (R− 1) . . . · 2 ·∣∣∣∣pq −R + 1
∣∣∣∣ · ∣∣∣∣pq −R
∣∣∣∣≤ R! · 1
4·
Por outra parte temos que∣∣∣∣pq(p
q− 1
). . .
(p
q−R
)∣∣∣∣ ≥ (R− 1) · (R− 2) . . . · 1 ·∣∣∣∣pq −R + 1
∣∣∣∣ · ∣∣∣∣pq −R
∣∣∣∣≥ (R− 1)! · 1
q2,
pois pq−R ≥ 1
qe pq−R + 1 ≥ 1
q. De onde obtemos
|tR+1| =
∣∣∣∣∣∣pq
(pq− 1). . .(pq−R
)(R + 1)!
∣∣∣∣∣∣ ap−(R+1)q ≥ ap−(R+1)q
q2R(R + 1)
e portanto
1
q2(R + 1)2≤ 1
q2(R + 1)R≤∣∣tR+1 · ap−(R+1)q
∣∣ ≤ 1
4(R + 1)≤ 1
4.
Vamos usar estas estimativas para calcular
∣∣∣∣I1I2∣∣∣∣ < 1
10. Pelas desigualdades prece-
dentes temos que∣∣∣∣I1I2∣∣∣∣ =
∣∣∣∣∣y − xpq
tR+1
∣∣∣∣∣ ≤ ap−(R+1)q∣∣∣y − x
pq
∣∣∣ q2R(R + 1)
<ap−(R+1)qq2(R + 1)2
ap(q−1)=q2(R + 1)2
aq(p−R−1).
Agora mostraremos que p−R− 1 ≥ 2, ou seja R+ 1 ≤ p. Reescrevendo temos que
p−R− 1 = p−[pq
]− 2 ≥ 2 e assim p−
[pq
]≥ 4. Separaremos agora em tres casos:
• Se p = 5 entao q = 3 e p−[pq
]= 4 o que esta de acordo com o que afirmamos.
• Se p = 7, entao q = 3ou 5, e p −[pq
]= 5 ou 6, novamente de acordo com o
que afirmamos.
CAPITULO 5. TEOREMA DE CASSELS 50
• Se p ≥ 11, entao p(q−1q
)≥ p
23 ou equivalentemente p
13 ≥ q
q−1, onde p
13 ≥
1113 ≥ 3
2. Daı p −
[pq
]≥ p − p
q= p
(q−1q
)≥ 4. Concluindo assim que
p−R− 1 ≥ 2.
Voltando para a cadeia de desigualdades de I1I2
temos que:∣∣∣∣I1I2∣∣∣∣ ≤ q2(R + 1)2
a2q<q2(R + 1)2
(12qp)2
≤(
2p
qp−1
)2
≤(
2p
3p−1
)2
≤(
25
34
)2
≤ 1
10·
Deduzimos portanto que :
|I| = |I2| ·∣∣∣∣1 +
I1I2
+I3I2
∣∣∣∣ ≥ |I2|(1− 1
10− 1
10
)6= 0 ·
Observe que
|I2| =∣∣∣∣qR+ρtR+1a
(R+1)q−p
aq
∣∣∣∣ ≤ qR+ρ
4aq≤ 1
2qR+ρ−p ·
Preparemo-nos para o fim:
1 ≤ |I| = |I2| ·∣∣∣∣1 +
I1I2
+I3I2
∣∣∣∣ ≤ 1
2qR+ρ−p
(1 +
1
10+
1
10
)< qR+ρ−p ·
E portanto temos que R + ρ− p > 0, mas isto e impossıvel uma vez que ρ =[
Rq−1
]de onde segue que
R + ρ ≤ R
(1 +
1
q − 1
)≤(p
q+ 1
)(q
q − 1
)=p+ q
q − 1<
2p
q − 1≤ p ·
Logo R + ρ− p < 0, chegamos enfim a contradicao desejada, assim concluımos que
p | y.
Podemos deduzir (e reescrever) o lema 2.21 como consequencia imediata do teo-
rema de Cassels.
Corolario 5.6 (Relacoes de Cassels). Sejam p, q primos ımpares , x, y ≥ 1 in-
teiros, tais que xp − yq = 1, entao existem naturais u, v, b, c > 0, com mdc(b, c) =
mdc(u, v) = 1 tais que
y ± 1 = qp−1bp
yq ± 1
y ± 1= qcp
com q - c e x = qbc e
x∓ 1 = pq−1uq
xp ∓ 1
x∓ 1= pvq
com p - v e y = puv.
CAPITULO 5. TEOREMA DE CASSELS 51
5.3 Estimativas para x e y
Nesta secao faremos algumas estimativas para o tamanho de |x|, que serao muito
uteis quando formos tratar do caso q divide p− 1, no capıtulo 8.
Das Relacoes de Cassels e razoavelmente facil ver que |x| ≥ pq−1−1 e |y| ≥ qp−1−1.
Lema 5.7. Sejam p, q e c como no corolario 5.6; se p nao divide q − 1, entao qp−2
divide c− 1.
Demonstracao. Observemos que
q(cp − 1) =yq + 1
y + 1− q = yq−1 − yq−2 + yq−3 − . . .− y + 1− q =
= yq−1 − 1− yq−2 − 1 + yq−3 − 1− . . .− y − 1
= ((−y)q−1 − 1) + ((−y)q−2 − 1) + ((−y)q−3 − 1) + . . .+ (−y − 1),
como y + 1 divide todos os termos da forma (−y)i − 1, com i ∈ N e novamente
do corolario 5.6, existe um inteiro b 6= 0 tal que y + 1 = qp−1bq e dai qp−1bq divide
q(cp − 1).
Portanto qp−2 divide cp − 1, isto e, cp ≡ 1 (mod qp−2).
A ordem do grupo (Z/qp−2Z)∗ e igual ϕ(qp−2) = qp−3(q − 1), por hipotese p nao
divide esta ordem, de onde v ≡ 1 (mod qp−2).
Corolario 5.8. |x| e limitado inferiormente por uma cota que depende de p e q,
especificamente
|x| ≥ qp−1.
Demonstracao. Se p divide q−1, entao p > q como xp = yq+1 temos |x|p ≥ |y|q−1.
e como p > q temos |x| > |y|, consequentemente |x| > |y| ≥ qp−1 − 1, ou seja
|x| ≥ qp−1.
Se p nao divide q − 1, temos pelo lema anterior que qp−2 divide c− 1 e como c > 1
ficamos com c ≥ qp−2 + 1.
Logo como x = qbc e |x| = |qbc| ≥ qc ≥ qp−1 > qq−1.
5.4 Aplicacoes
Como o leitor podera constatar nas proximas paginas, as Relacoes de Cassels serao
usadas uma porcao de vezes no restante desta dissertacao. Mas nao e so em questoes
diretamente ligadas a Conjectura de Catalan, que estas relacoes tem seu valor.
Alguns resultados interessantes podem ser obtidos a partir delas. Apresentaremos
aqui dois desses fatos. Um devido a A. Makowski e outro devido a Paulo Ribenboim.
CAPITULO 5. TEOREMA DE CASSELS 52
Proposicao 5.9 (Makowski). Tres inteiros consecutivos nao nulos, nao podem ser
potencias perfeitas.
Demonstracao. Suponhamos que existam tais potencias, entao existem x, y, z in-
teiros e l, p, q primos tais que
xl − yp = 1 e yp − zq = 1 .
Pelo teorema de Cassels temos que, p|x e p|z logo p| xl − zq = 2 o que implica que
p = 2 e portanto substituindo na primeira equacao ficamos com xl − y2 = 1. O que
e impossıvel como vimos no capıtulo 3, teorema de Lebesgue.
Proposicao 5.10 (Ribenboim). Seja Fa,n = aan
+ 1, com a ≥ 2, n ≥ 0. Assim
Fa,n nao e uma potencia propria para n ≥ 1.
Demonstracao. Suponhamos por absurdo que Fa,n e uma potencia propria, entao
escrevemos aan
+ 1 = mp, com p e m ≥ 2. Se q e um primo que divide a, fazemos
an = qa′, assim mp−(aa′)q = 1. Pelo teorema de Cassels, q divide m, mas q tambem
divide o elemento a, o que implica que q divide 1, chegando a um absurdo.
Capıtulo 6
O teorema de Stickelberger
Este capıtulo e um dos importantes passos na direcao da prova de Mihailescu. Nele
nos iremos mais fundo na teoria de corpos ciclotomicos e nos aventuraremos um
pouco pelo mundo desenvolvido por Iwasawa. Nosso guia para escrever este capıtulo
foi o artigo do Mischler [37], todavia as duvidas e algumas demonstracoes mais curtas
foram tiradas do fascinantemente autocontido livro do Cohen [13].
6.1 Soma de Gauss e de Jacobi
Seja G um grupo abeliano finito. Dizemos que χ e um caracter multiplicativo se
χ : G→ C∗ e um homomorfismo de grupos abelianos.
No caso em que F e um corpo finito, este determina duas estruturas de grupo
abeliano (F,+) e (F∗, ·). Portanto no que segue ψ : F → C∗ sera chamado caracter
aditivo e χ : F∗ → C∗ sera chamado de caracter multiplicativo.
Os caracteres multiplicativos do grupo G formam um grupo, com a operacao χ1(g) ·χ2(g) =: χ1χ2(g). Para todo grupo abeliano G e conhecido que o grupo de carac-
teres possui |G| elementos, ver por exemplo [13], pagina 18, onde podemos ver que
a prova deste fato depende do teorema de classificacao de grupos abelianos finitos.
Duas relacoes bem conhecidas satisfeitas pelos caracteres sao:
(i)∑g∈G
χ(g) =
{0 se χ 6= Id
|G| se χ = Id(ii)
|G|∑i=1
χi(g) =
{0 se g 6= e
|G| se g = e
Demonstracao. Seja S =∑
g∈G χ(g) e tomemos χ(h) 6= 1. Multiplicando a igual-
dade precedente por χ(h) ficamos com χ(h)S =∑
g∈G χ(hg), observe que do lado
direito da equacao continuamos a somar os mesmos elementos, so que em outra
53
CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 54
ordem. Portanto χ(h)S = S, ou seja, (χ(h)− 1)S = 0 e como escolhemos χ(h) 6= 1
temos que S = 0. A prova da segunda relacao e analoga multiplicando por um
elemento de G diferente da identidade.
Como trabalharemos com muitos objetos distintos, porem de notacao semel-
hante, faremos uma pausa agora nas demonstracoes, para explicar cada um deles.
Sejam L > K extensao de corpos e (p) um ideal primo de OK , dizemos que o ideal
primo p ∈ L esta acima de p se p ∩ OK = (p).
Denotaremos a m-esima raiz da unidade por ζm, como antes ζp = ζ com p primo
ımpar, K = Q(ζ), OK = Z[ζ], λ = 1− ζ e p = λOK . Assim p = (λ) e o unico ideal
acima de p, com (p) = pp−1.
Seja F um corpo finito com q elementos. Sabemos que a caracterıstica de um corpo e
zero ou um numero primo. Como F e finito, logo tem caracterıstica prima, digamos
p, entao F e uma extensao finita de Fp = Z/pZ, isto e, uma algebra de dimensao
finita sobre Fp, assim q = pf onde f e a dimensao de F sobre Fp.Seja q = pf com f ≥ 1. Definimos L = Q(ζq−1, ζp), como p e q − 1 sao coprimos,
entao Q(ζq−1) e Q(ζp) sao linearmente disjuntos, isto e, Q(ζq−1)∩Q(ζp) = Q e entao
Q(ζq−1, ζp) = Q(ζp(q−1)). A posteriori trabalharemos com os corpos Q(ζm) ⊂ Q(ζq−1)
e Q(ζm, ζp) ⊂ L, onde m e um divisor de q − 1. Para um inteiro qualquer n deno-
taremos por Kn o corpo ciclotomico Q(ζn) e para m|q− 1, denotaremos Lm o corpo
Q(ζm, ζp). Como vimos na proposicao 4.7 o quociente de OK/I e finito. Definimos
assim a norma do ideal I como N(I) = |OK/I|.Comecaremos agora com um conjunto de lemas necessarios para demonstrar o
teorema de Stickelberger; o primeiro e um fato basico da teoria de corpos finitos, o
qual precisaremos mais adiante.
Lema 6.1. O grupo multiplicativo F∗ = F\{0} e cıclico.
Demonstracao. Observemos que xq − x ∈ Fq[x] tem q raızes distintas em Fq, logo
xq−1 − 1 tem q − 1 raızes distintas em F∗q.Por outro lado, se d | (q − 1) entao xd − 1 | xq−1 − 1 e assim xd − 1 tambem tem
d raızes distintas em F∗q. Denotamos por ρ(d) o numero de elementos em F∗ com
ordem exatamente d, assim d =∑
t|d ρ(t).
Aplicando a formula de inversao de Mobius temos
ρ(d) =∑c|d
µ(c)d
c= φ(d)
Em particular ρ(q − 1) = φ(q − 1) > 0, portanto existem φ(q − 1) elementos em F∗qcom ordem q−1, como φ(q−1) ≥ 1 temos que existem elementos que sao geradores
de F∗, isto e, F∗q e cıclico.
CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 55
Observe que podemos estender a definicao de caracteres multiplicativos a todo
corpo definindo χ(0) = 0 se χ 6= Id e χ(0) = 1 se χ = Id. Chamamos de traco a
aplicacao
Tr : Fq → Fpt 7→
∑fi=0 t
pi
Se verifica usando propriedades do binomio que Tr(t1 + t2) = Tr(t1) + Tr(t2). A
partir deste fato definimos o caracter aditivo ψ(t) = ζTr(t)p .
Com isto definimos a soma de Gauss do caracter multiplicativo χ por
G(χ) = −∑t∈F∗
χ(t) · ψ(t)
e a soma de Jacobi dos caracteres multiplicativos χ1 e χ2 como
J(χ1, χ2) = −∑t∈F
χ1(t) · χ2(1− t).
Lema 6.2. Sejam χ1, χ2 caracteres multiplicativos diferentes da identidade e tais
que χ1χ2 6= Id, entao:
(a) G(χ1)G(χ2) = G(χ1χ2)J(χ1, χ2).
(b) Se G(χ)G(χ−1) = q · χ(−1).
Demonstracao. Observemos que com ψ(t) · ψ(s) = ψ(t+ s) temos
G(χ1)G(χ2) =∑t,s∈F
χ1(t) · χ2(s)ψ(t+ s)s+t=r=
∑t,r∈F
χ1(t) · χ2(r − t)ψ(r)
=∑t∈F
χ1(t) · χ2(−t) +∑t,r∈F∗
χ1(t) · χ2(r − t)ψ(r)
Calculando separadamente cada somatorio ( e lembrando que χ1 6= χ−12 ) segue que
∑t∈F
χ1(t) · χ2(−t) = χ2(−1)∑t∈F
χ1χ2(t) = 0.
Para o segundo termo fazemos t = ra∑a,r∈F∗
χ1(ra) · χ2(r − ra)ψ(r) =∑r∈F∗
χ1χ2(r)ψ(r)∑a∈F∗
χ1(a)χ2(1− a)
= G(χ1χ2)J(χ1, χ2).
CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 56
Concluindo a parte (a).
Do mesmo modo que no item anterior, segue que
G(χ)G(χ−1) =∑t∈F
χ(t) · χ−1(−t) +G(χχ−1)J(χ, χ−1).
Calculando o primeiro somatorio temos que∑t∈F∗
χ(t) · χ−1(−t) = χ−1(−1)∑t∈F∗
Id(t) = χ(−1)(q − 1).
Para o outro termo temos que G(χχ−1) = G(Id) = 1.
Por fim, usando o fato que a funcao
f : F\{−1} → F\{−1}t 7→ t
1−t .
Se que que
J(χ, χ−1) =∑t∈F
χ(t)χ−1(1− t) =∑
t∈F\{1}
χ
(t
1− t
)=
∑s∈F\{−1}
χ(s) = χ(−1) +∑s∈F
χ(s) = χ(−1).
Somando os dois termos (q − 1)χ(−1) + χ(−1) = q · χ(−1).
Lema 6.3. Seja χ 6= Id um caracter multiplicativo de F. Entao:
(a) G(χ) = χ(−1)G(χ−1).
(b) G(χ)G(χ) = q.
(c) Se χ tem ordem m, entao G(χ)m ∈ Q(ζm).
Demonstracao. (a) Como χ(t) e ψ(t) sao raızes da unidade e imediato que
χ(t)χ(t) = ψ(t)ψ(t) = 1, de onde concluımos que χ(t) = χ(t)−1 = χ−1(t) e
ψ(t) = ψ(t)−1 = ψ−1(t) = ψ(−t), com isto
G(χ) = −∑t∈F∗
χ(t) · ψ(t) = −∑t∈F∗
χ−1(t) · ψ(−t)
= −∑t∈F∗
χ−1(−t) · ψ(t) = χ(−1)G(χ−1).
(b) G(χ)G(χ) = G(χ)χ(−1)G(χ−1) = qχ(−1)χ(−1) = q.
(c) Do lema anterior temos que G(χ)2 = G(χ2) = J(χ, χ) e pelo mesmo lema
(aplicado duas vezes) G(χ)3 = G(χ3)J(χ, χ)J(χ, χ2) e indutivamente chegamos
CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 57
a G(χ)m−1 = G(χm−1)J(χ, χ)J(χ, χ2) · · · J(χ, χm−2); multiplicando os dois lados
desta ultima igualdade por G(χ) chegamos a
G(χ)m = G(χ) ·G(χm−1)︸ ︷︷ ︸=G(χ−1)
J(χ, χ)J(χ, χ2) · · · J(χ, χm−2)
pela parte (b) deste mesmo lema temos que isto e igual a
qχ(−1)J(χ, χ)J(χ, χ2) · · · J(χ, χm−2) ∈ Q(ζm).
Lema 6.4. Sejam m ∈ N, K um corpo numerico contendo ζm, p um ideal primo
de Q tal que p - m e P um ideal primo acima de p, isto e, P ∩ Z = pZ. Entao a
aplicacao canonica π : OK → OK/P := Fq leva Z sobre Z/pZ, N(P) = pf = q,
onde f = [OK/P : Z/pZ] e m | (q − 1).
Demonstracao. O que de fato iremos mostrar e que o grupo {ζ im : 1 ≤ i ≤ m} ⊂OK e enviado injetivamente por π, assim {π(ζ im) | 1 ≤ i ≤ m} e um subgrupo
de (OK/P)∗ com m elementos e pelo teorema de Lagrange m divide a ordem de
(OK/P)∗, assim m | q − 1.
Para isto e suficiente mostrar que ζm 6≡ ζ im(P) para todo i = 2, 3, · · · ,m. Seja
f(x) =m∏i=1
(x − αi) um polinomio de grau m. Entao derivando e avaliando em α1
obtemos f ′(α1) =m∏i=2
(α1 − αi). Fazendo o mesmo ao polinomio f(x) = xm − 1 =
m∏i=1
(x− ζ im) temos que f ′(ζm) =m∏i=2
(ζm − ζ im) = mζm−1
m .
Como P e primo e nem m e nem ζm−1
m pertencem a P , temosm∏i=1
(ζm − ζ im) 6∈ P ,
assim cada um dos fatores e distinto modulo P e portanto ζm 6≡ ζ im (mod P),
para todo i = 2, 3, · · · ,m.
6.2 Valorizacao e caracteres especiais
Sejam m ∈ N, K um corpo contendo Q(ζm), P um ideal primo tal que m 6∈ P e α
um elemento de OK/P ' Fq ' F, onde q = N(P). Observe que αq−1 ≡ 1 (mod P),
assim αq−1
= 1 ∈ F e portanto αq−1m e uma unidade em F, logo, pelo lema anterior,
esta raiz e unica em F.
CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 58
Usando a unicidade definimos o sımbolo(αP
)m≡ α
q−1m (mod P) se α 6∈ P e(α
P
)m
= 0 caso contrario.
Lema 6.5. Sob as mesmas hipoteses acima
(a) Se α ≡ β(P) entao(αP
)m
=
(β
P
)m
.
(b)(αP
)m≡ α
q−1m (mod P) para todo α ∈ Z[ζ].
(c)
(αβ
P
)m
=(αP
)m·(β
P
)m
.
(d)(αP
)m
= 1 se, e somente se, existe β ∈ OK tal que α ≡ βm (mod P).
(e) Se m = 2, ζ2 = −1 e K = Q, entao este e conhecido como sımbolo de Legendre.
Demonstracao. Os ıtens (a), (b) e (c) sao imediatos da definicao. Para o item (d)
temos que, se existe β ∈ OK tal que α ≡ βm (mod P), entao αq−1m ≡ (βm)
q−1m ≡
1 (mod P). Reciprocamente, suponhamos que(αP
)m
= 1, isto e, αq−1m ≡ 1 (mod P).
Como F∗ e um grupo cıclico gerado por um elemento δ. Assim existe um 1 ≤ s ≤ q−1
tal que α ≡ δs (mod P). Logo αq−1m ≡ δ
s· q−1m ≡ 1 (mod P), mas a ordem de δ e
q−1 e portanto q−1 divide s · q−1m
e s sera multiplo de m, assim s = mk, finalmente
α ≡ (δk)m ≡ βm (mod P).
O item (e) e consequencia do item (d).
Definicao 6.6. Faremos abaixo algumas definicoes:
• Denotaremos por El o anel de inteiros de Q(ζl), P o ideal primo de Eq−1 que
esta acima de p e P o ideal primo de Ep(q−1) que esta acima de P. Observe
que nao temos unicidade na relacao de um ideal estar acima do outro, todavia
os ideais primos que estao acima do ideal primo (p) sao todos conjugados por
automorfismo.
• Definimos o caracter multiplicativo ω =
(·P
)−1
q−1
e a soma de Gauss como
G(ωa) ∈ Q(ζp(q−1)).
• Seja 0 ≤ a ≤ q − 1 entao como consequencia do algoritmo de Euclides temos
que a se escreve de maneira unica com a = a0 + a1p + a2p2 + · · · + af−1p
f−1
com 0 ≤ ai ≤ p− 1.
CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 59
• Definimos S(a) =
f−1∑i=0
ai e γ(a) =
f−1∏i=0
ai! e estendemos a definicao para todo
a ∈ N, S(a) = S(r) e γ(a) = γ(r), se a ≡ r mod q − 1 e 0 ≤ r ≤ q − 1.
Teorema 6.7. Sejam ω, S e γ como na definicao anterior. Se a ∈ N, entao
G(ωa)
λS(a)≡ 1
γ(a)(mod P).
Demonstracao. Comecamos fazendo algumas observacoes. Pela definicao so pre-
cisamos mostrar o teorema para 0 ≤ a ≤ q − 1 e alem disso se a = bp temos que
S(a) = S(b), γ(a) = γ(b) e Tr(tp) = tp+ tp2+ · · ·+ tp
f︸︷︷︸=t
= Tr(t) e tomando χ = ωbp,
G(ωbp) = −∑t∈F∗
χp(t)ζTr(t)
p= −
∑t∈F∗
χp(tp)ζTr(tp)
p
= −∑t∈F∗
χ(t)ζTr(t)
p= G(ωb), (6.1)
assim basta mostrar para os numeros que sao coprimos com p. Faremos a demon-
stracao em tres etapas:
(a) Se S(a) = 0, entao a = 0, G(Id) = 1 e γ(0) = 1 validando a congruencia.
(b) Se S(a) = 1 pela equacao 6.1 podemos supor a = 1, portanto temos que
mostrar G(ω)λ
≡ −1 (mod P). Como∑
t∈F∗ χ(t) = 0 para qualquer caracter
χ 6= 0, entao em particular para ω temos que
G(ω) = −∑t∈F∗
ω(t)ζTr(t)
p= −
∑t∈F∗
ω(t)(ζ
Tr(t)
p− 1).
MasζTr(t) − 1
λ=ζTr(t)p − 1
ζp − 1=
∑0≤j<Tr(t)
ζjp ≡∑
0≤j<Tr(t)
1 ≡ Tr(t) (mod λEp).
Contudo λEp ⊂ P e P ⊂ P, logo a congruencia vale modulo P. Por definicao,
ω(t) = t−1, |F∗| = q−1, assim existe um gerador de t ∈ F∗ que e um raiz q−1-esima
da unidade.
Segue que−G(ω)
λ=∑
0≤i<f
∑t∈F∗
tpi−1 (mod P).
Todavia, a soma interna e zero para 1 ≤ i < f e −1 para i = 0 e assim
−G(w)
λ≡ −1 (mod P).
CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 60
Mostrando a validade para o caso S(a) = 1.
(c) Suponhamos por inducao que o teorema e valido para todo numero menor que
a com 0 < a ≤ q − 1, assim temos que mostrar a afirmacao para a. Escrevemos
a = a0 + a1p + · · · + af−1pf−1 em notacao base p e como estamos supondo que a
e p sao coprimos, segue que a0 6= 0. E imediato que S(a − 1) = S(a) − 1 porque
os primeiros dıgitos em notacao base p nao mudam, somente muda o ultimo. Pelo
lema 6.2 temos G(ωa−1)G(ω) = G(ωa)J(ω, ωa−1).
Tomando b = q − a = (q − 1) − (a − 1) > 1. Se t 6= 1 e u = 1 − t, entao
ω(1− t) = u−1. Com isto temos que ωa−1(1− t) = u−(a−1) = ub = (1− t)b e
−J(ω, ωa−1) =∑t∈F∗
ω(t)ωa−1(1− t) =∑t∈F∗
t−1
b∑j=0
(b
j
)(−1)jtj
=b∑
j=0
(b
j
)(−1)j
∑t∈F∗
tj−1
︸ ︷︷ ︸=0 exceto se j=1
= −b(q − 1) = −a ≡ −a0 (mod P ).
Como 0 < a0 ≤ p− 1, a0 sera invertıvel modulo P. Pela hipotese de inducao e pelo
caso (b) temos que
G(ωa)
λS(a)≡ G(ωa−1)
λS(a−1)· G(ω)
λ· 1
J(ω, ωa−1)=
1
γ(a− 1) · a0
≡ 1
γ(a)(mod P).
Corolario 6.8. Nas mesmas hipoteses do teorema 6.7, para todo a ∈ N :
vP(G(ωa)) = S(a).
Demonstracao. Pelo teorema temos que anterior vP
(G(ωa)
λS(a)
)= v
P
(1
γ(a)
). Por
definicao γ(a) e coprimo com p, logo e invertıvel modulo P, entao
vP(G(ωa))− v
P(λ) · S(a) = 0,
como vP(λ) = 1, assim concluımos que v
P(G(ωa)) = S(a).
Lema 6.9. Para todo a ∈ N temos que: S(a) = (p − 1) ·f−1∑i=0
{pia
q − 1
}, onde { }
denota a funcao parte fracionaria.
CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 61
Demonstracao. Como pf ≡ 1 (mod q − 1) montamos assim o seguinte sistema de
congruencias:
a ≡ a0 + a1p+ a2p2 + · · ·+ a
f−1pf−1 (mod q − 1)
ap ≡ af−1 + a0p+ a1p2 + · · ·+ a
f−2pf−1 (mod q − 1)
...
apf−1 ≡ a1 + a2p+ a3p2 + · · ·+ a0p
f−1 (mod q − 1)
Observamos que o lado direito das congruencias sao todos menores que q − 1 entao{piaq−1
}e igual ao lado direito das congruencias dividido por q − 1. Somando todos
os fatores, obtemos
f−1∑i=0
{pia
q − 1
}=S(a)
q − 1· (1 + p+ p2 + · · ·+ pf−1) =
S(a)
p− 1.
Definicao 6.10. Seja p e um ideal primo de Q(ζm) acima de p, definimos pt = pσ−1t ,
onde
σt ∈ Gal(Q(ζm)/Q), σt(ζm) = ζtm e χ =
(·p
)−1
m
.
Lema 6.11. Seja G(χ) a soma de Gauss do caracter χ. Entao G(χ)m ∈ Q(ζm) e
G(χ)m =∏
t∈(Z/mZ)∗
pt
rt
com rt =m
p− 1· S(t(q − 1)
m
).
Demonstracao. Ja mostramos que G(χ)m ∈ Q(ζm) no lema 6.3 parte (c) e pelo
mesmo lema temos que G(χ) ·G(χ) = q = pf , de onde concluımos que os ideais que
aparecem na fatoracao em ideais do ideal (G(χ)) sao ideais que estao acima de p,
ou seja, sao da forma pt . Assim e suficiente mostrar que
vpt(G(χ)m) =
m
p− 1· S(t(q − 1)
m
).
Como m|(q − 1), temos a seguinte torre de corpos
Q ⊂ Q(ζm) ⊂ Q(ζq−1) ⊂ Q(ζp(q−1)).
Tomamos P ideal primo de Eq−1 acima de p e P ideal primo de Ep(q−1) acima
de P. Como P nao e ramificado sobre p (pois p nao divide q − 1), entao P nao
CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 62
e ramificado acima de p, assim vP(aEq−1) = vp(a) para todo ideal a em Em e
PEp(q−1) = Pp−1 e por este motivo vP(bEp(q−1)) = (p− 1)v
P(b) para todo ideal b de
Q(ζq−1).
Observamos que Eq−1/P contem canonicamente Em/p e |Eq−1/P| = q, entretanto
|Em/p| = q. Logo F = Em/p = Eq−1/P. Definimos assim um “novo” caracter
multiplicativo como ω =
(·P
)−1
q−1
.
Seja α ∈ Em, χ−1(α) =(αp
)m≡ α
q−1m (mod p) e ω−1(α) =
(αP
)q−1
≡ α (mod P)
utilizando a definicao nas congruencias acima temos que(α
P
) q−1m
q−1
≡ α (mod P).
Observando que esta congruencia tambem vale modulo p = P ∩ Em. Ou seja(αP
) q−1m
q−1≡(αP
)m
(mod p) por causa disto, temos uma igualdade(αP
) q−1m
q−1=(αP
)m
uma vez que ja mostramos que todas as raızes m-esimas da unidade sao distintas
modulo p.
Seja σt ∈ Gal(Q(ζm)/Q) e σt sua extensao pertencente a Gal(Q(ζpm)/Q) tal que
σt |Q(ζm )= σt e σt |Q(ζp)
= IdQ(ζp ).
Efetuando o calculo
G(χ)σt =
(−∑x∈F∗
χ(x)ψ(x)
)σt
= −∑x∈F∗
χ(x)tψ(x) = G(χt).
Por outro lado (G(χ)m)σt = (G(χ)m)σt = (G(χ)σt)m = G(χt)m. Finalmente tomando
a =t(q − 1)
m:
vpt(G(χ)m)σt = vp(G(χt)m) = mvp(G(χt)) = mvp(G(ωa)) =
m
p− 1· v
P(G(ωa))
=m
p− 1· S(a) =
m
p− 1· S(t(q − 1)
m
).
Demonstraremos a seguir um importante teorema conhecido como “A relacao de
Stickelberger”.
Teorema 6.12. Sejam p um numero primo com p - m, p um ideal primo em Em
acima de p e χ o caracter
(·p
)−1
m
. Entao:
G(χ)mEm = pmΘ,
CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 63
onde Θ e um elemento de Q(G) definido por
Θ =∑
t∈(Z/mZ)∗
{t
m
}σ−1t =
∑t=0,··· ,m−1mdc(t,m)=1
t
mσ−1t .
O elemento Θ assim definido e chamado de elemento de Stickelberger da extensao.
Demonstracao. Sejam t1, · · · , tg um sistema de representantes de (Z/mZ)∗ modulo
o subgrupo gerado por p, pela teoria de Galois temos que pt1 , · · · , ptg e uma lista de
ideais primos (sem redundancia) de Em que estao acima de p. Portanto,
G(χ)mEm =
g∏i=1
ptivpti
(G(χ)m)= pγ
′.
Com γ′ =m
p− 1
g∑i=1
S
(ti(q − 1)
m
)σ−1ti.
Observe que pjti com 1 ≤ i ≤ g e 0 ≤ j ≤ f − 1 representam todos os elementos de
(Z/mZ)∗, denotando pσ−1ti = p
σ−1
pjti , entao pelo lema anterior temos que
pγ′
= pm
p−1
Pgi=1(p−1)
Pf−1j=0 {
pjtim
}σ−1ti = p
mPg
i=1
Pf−1j=0 {
pjtim
}σ−1
pjti
= pmP
t{tm}σ−1
t = pmΘ.
Como querıamos demonstrar. Observe que o G(χ) depende do primo p, para o qual
χ =
(·p
)−1
m
foi definido. Alguns autores utilizam a notacao G(χpi) para explicitar
o primo que esta sendo tomado em questao.
Afirmacao 6.13. Sejam K um corpo numerico, a um ideal fracionario de K, C
a classe de a e m ∈ N. Entao existe b ∈ C, tal que m e coprimo com b e vp(b) ·vp(mOK) = 0 para todo ideal primo p.
Demonstracao. Sejam a =∏
pvp(a), mOK =∏
pvp(m) e V o conjunto de todos
os ideais primos que dividem a ou mOK . Para todo ideal p ∈ V escolhemos
xp ∈ pvp(a)\pvp(a)+1 . Pelo teorema chines do resto existe l ∈ OK , tal que a ≡ xp
(mod pvp(a)+1). Assim tomando b como o ideal fracionario 1la, temos que vp(
1la) =
vp(1l) + vp(a) = 0 para todo p ∈ V , e se p 6∈ V , entao vp(mOK) = 0.
Corolario 6.14. Seja a um ideal fracionario de Q(ζm). Entao amΘ e principal.
Demonstracao. Pela afirmacao anterior, podemos supor a = lb, com b coprimo com
m. Para todo ideal primo p que divide b, temos pela relacao de Stickelberger que
pmΘ = G(χ)mEm. Como isto vale para todo ideal primo dividindo b, consequente-
mente por multiplicatividade, vale para amΘ = lmΘbmΘ que e produto de ideais
principais.
CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 64
6.3 Teorema de Stickelberger
No que segue, G denotara o grupo Gal(Q(ζm)/Q).
Definicao 6.15. O ideal IS = Z[G] ∩ ΘZ[G] e chamado ideal de Stickelberger e
para todo inteiro b coprimo com m, denotamos Θb := (σb − b)Θ ∈ ΘZ[G].
Lema 6.16. Para todo inteiro b coprimo com m se tem que Θb ∈ IS.
Demonstracao. Observe que basta mostrar que Θb ∈ Z[G]. Assim calculando
σbΘ =∑{
t
m
}σ−1t σb =
∑{t
m
}σ−1b−1t
t=b−1t=
∑{bt
m
}σ−1t ,
onde a soma esta sendo avaliada em 1 ≤ t ≤ m − 1 e m.d.c(t,m) = 1, e b−1 e o
inteiro, tal que bb−1 ≡ 1 (mod m).
Utilizando a ultima igualdade podemos escrever
θb =∑({
bt
m
}− bt
m
)σ−1t = −
∑[bt
m
]σ−1t ∈ Z[G].
Como querıamos.
Exemplo 6.17. Este exemplo sera de grande utilidade mais adiante. Sejam m = p
primo ımpar, b = 2 e 1 ≤ t ≤ p− 1
[2t
p
]=
{0 se t ≤ p−1
2
1 se t ≥ p+12
Θ2 = −∑[
2t
p
]σ−1t = −
p−1∑t= p+1
2
σ−1t .
Lema 6.18. O ideal IS e gerado pelos elementos Θb. Mais precisamente e gerado
sobre Z por Θm+1 e Θb com 1 ≤ b ≤ m e m.d.c(b,m) = 1.
Demonstracao. Pela definicao, um elemento η ∈ IS e da forma η = δΘ com
δΘ ∈ Z[G]. Escrevemos δ =∑
t∈(Z\mZ)∗
dtσt ∈ Z.
δΘ =
∑t∈(Z\mZ)∗
dtσt
∑a∈(Z\mZ)∗
{ am
}σ−1a
=∑
t,a∈(Z\mZ)∗
dt
{ am
}σ−1at−1
a=ct=
∑c∈(Z\mZ)∗
∑t∈(Z\mZ)∗
dt
{ct
m
}σ−1c =
∑c∈(Z\mZ)∗
bcσ−1c
CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 65
onde bc =∑
t∈(Z\mZ)∗
dt
{ct
m
}que por hipotese pertence a Z.
Em particular se c = 1, bc ∈ Z. Definimos o elemento u como∑dtt
m:= u ∈ Z,
mais ainda∑dtt = um e observamos que mΘ = (m + 1− σm+1︸ ︷︷ ︸
=Id
) = −Θm+1, assim
concluımos que
δΘ =∑
t∈(Z\mZ)∗
dt(σt − t)Θ +∑
t∈(Z\mZ)∗
dttΘ
=∑
t∈(Z\mZ)∗
dtΘt + umΘ =∑
t∈(Z\mZ)∗
dtΘt − uΘm+1,
mostrando que este elemento e gerado pelos Θb e por Θm+1.
Afirmacao 6.19. O elemento G(χ)σb−b pertence a Q(ζm).
Demonstracao. Para mostrar esta afirmacao e suficiente mostrar que G(χ)σb−b e
invariante por G′ = Gal(Q(ζpm)/Q(ζm)) . Seja c ∈ Z tal que m.d.c(c, pm) = 1,
todo elemento τc do grupo G′ e da forma τc(ζpm) = ζcpm, portanto G′ = {τc | c ≡ 1
(mod m)}.
Sabemos que para todo x pertencente a F∗ = Em/p, χ(x) e uma raiz m-esima
da unidade e que ψ(x) e uma raiz p-esima da unidade. Fazendo as contas, vemos
que
(G(χ)σb)τc = −∑x∈F∗
χ(x)ψ(x))σbτc = −∑x∈F∗
χ(x)bψ(x)c
= −∑x∈F∗
χ(x)bψ(cx) = −χ(c)−b∑x∈F∗
χ(cx)bψ(cx)
= −χ(c)−b∑x∈F∗
χ(x)bψ(x) = −χ(c)−bG(χ)σb . (6.2)
Em particular para b = 1 temos (G(χ))τc = χ−1(c)G(χ), elevando os dois lados a b
ficamos com
(G(χ)b)τc = χ−b(c)G(χ)b. (6.3)
Fazendo o quociente de 6.2 e 6.3 chegamos a
(G(χ)σb−b)τc = G(χ)σb−b.
Mostrando assim que e invariante pelo automorfismo τc, como querıamos.
CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 66
Agora estamos aptos a demonstrar o teorema que da o tıtulo deste capıtulo.
Teorema 6.20 (Teorema de Stickelberger). O ideal de Stickelberger IS aniquila
o grupo de classe de ideais de Q(ζm), em outras palavras, para qualquer elemento
γ ∈ IS e qualquer ideal fracionario a ∈ Q(ζm), o ideal aγ e principal.
Demonstracao. Observamos que e suficiente mostrar o teorema no caso em que a = p
e um ideal primo qualquer, daı o resultado sai por multiplicatividade.
Dado p um ideal primo de Em coprimo com m a relacao de Stickelberger nos da que
pmΘ = G(χ)Em, elevando os dois lados a σb − b temos
pmΘb = (G(χ)m)σb−b = (G(χ)σb−b)m.
A seguir mostraremos uma proposicao que sera util nos capıtulos seguintes.
Proposicao 6.21. Para todo inteiro b 6= 0 coprimo com p, denotamos Θb o elemento
(b − σb)Θ como em 6.15. para os inteiro k = 1, 2, . . . , p−12
; definimos os elementos
θk de I−S como θk = (θk+1 − θk)(1 − ı), onde ı denota o automorfismo conjugacao
complexa. Estes elementos formam uma base de I−S = IS(1−ı) sobre Z e satisfazem:
||θk|| ≤ p− 1.
Demonstracao. Mostramos no lema 6.18 que o ideal de Stickelberger IS e gerado
sobre Z pelos os θb. Abaixo, evidenciamos duas igualdades que nos serao uteis:
θc + pθS =
p−1∑a=1
[ac
p
]σ−1a + p
p−1∑a=1
a
pσ−1a =
p−1∑a=1
([ac
p
]+ a
)σ−1a
=
p−1∑a=1
[a(c+ p)
p
]σ−1a = θc+p.
Ou seja, o ideal IS e gerado pelos conjunto θ1, θ2, . . . , θp−1 e θS. A outra igualdade:
θb(1− ı) + θp−b(1− ı) = (b− σb)θS(1− ı) + (p− c− σp−c)θS(1− ı)
= θS(p(1− ı)− σb + σb(p−1) − σ−b + σ−b(p−1))
= θS(p(1− ı)− σb + σ−b − σ−b + σb) = pθS(1− ı).
Desta ultima, concluımos que o ideal I−S e gerado pelos elementos θ1(1− ı), θ2(1−ı), . . . , θ p+1
2(1− ı) e como θ1 = 0 o ideal tambem e gerado por θ1, θ2, . . . , θ p−1
2, com
θk = (θk+1 − θk)(1− ı).
CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 67
Da definicao temos que o posto de Z[G] e p − 1 e das duas igualdades acima
segue que o posto de Z[G](1− ı) e p−12
.
Observemos tambem que o ındice de I−S = IS(1 − ı) em Z[G](1 − ı) e finito; de
fato isto e consequencia da formula de Iwasawa para o numero de classe que vimos
no teorema 4.23, que nos diz que [Z[G](1 − ı) : I−S ] = h−. Portanto o ındice de I−Sem Z[G](1− ı) e finito e consequentemente, o posto de I−S e p−1
2.
Vamos agora a calcular a norma de cada um dos θk. Para isso calculemos primeiro
o peso de θS:
ω(θS) =
p−1∑a=1
a
p=
1
p· p(p− 1)
2=p− 1
2.
Ja vimos que a funcao peso e um homomorfismo de aneis, logo para todo b coprimo
com p: ω(θb) = ω(b − σb) · ω(θS) = (c − 1) · p−12
. Alem disso, sabemos que θb =p−1∑a=1
[acp
]σ−1a , ou seja, todos os coeficientes de θb+1− θb sao positivos ou iguais a zero.
Por este motivo,
||θb+1 − θb|| = ω(θb+1 − θb) =p− 1
2,
segue que
||θk|| = ||(θk+1 − θk) · (1− ı)|| ≤ ||θk+1 − θk|| · ||1− ı|| = p− 1.
Capıtulo 7
Resultados de Mihailescu
Mostraremos aqui dois resultados de Mihailescu: O primeiro funciona como uma
extensao do teorema de Cassels e sera uma peca importante na prova final da con-
jectura. O segundo lida com a equacao de Catalan quando um dos expoentes e
pequeno. A exposicao dada aqui e uma mescla dos artigos [17] e [37].
7.1 Generalizacao do teorema de Cassels
Neste capıtulo estaremos utilizando a seguinte notacao: π = 1 − ζ e P o ideal
gerado por este elemento em Z[ζ] = OK , isto e, P = (π) = (1 − ζ), ζ denota a
raiz p-esima da unidade, isto e, ζ = ζp. Salvo em mencao contraria G e o grupo de
Galois G = Gal(Q(ζp)/Q).
Lema 7.1. Sejam x, y numeros inteiros nao nulos que sao solucao da equacao
xp − yq = 1.Entao o numero λ := x−ζ1−ζ pertence ao anel de inteiros OK = Z[ζ], e o
ideal principal (λ) e uma potencia q-esima de um ideal de OK.
Demonstracao. Do corolario 5.6 (Relacoes de Cassels), sabemos que p | y e y | xp−1
assim p | xp − 1, logo pelo teorema de Fermat p | x − 1 e portanto x ≡ 1
(mod Pp−1), logo x − ζ ≡ 1 − ζ ≡ 0 (mod P), ou seja, P divide x − ζ. Alem
disso P2 nao divide x− ζ, pois caso contrario P dividiria 1− ζ. Consequentemente
λ = x−ζ1−ζ e um inteiro algebrico tal que (λ) nao e divisıvel por P.
Observamos que λσ ∈ OK = Z[ζ] para todo σ ∈ G = Gal(Q(ζp)/Q), mais ainda
temos que P nao divide (λσ). Do lema 4.9 temos que (1 − ζ) = (1 − ζσ). Agora
para σ, τ ∈ G, temos a identidade
(1− ζσ)λσ − (1− ζτ )λτ = (1− ζσ)x− ζσ
1− ζσ− (1− ζτ )
x− ζτ
1− ζτ= ζτ − ζσ.
68
CAPITULO 7. RESULTADOS DE MIHAILESCU 69
Portanto, para elementos distintos σ, τ ∈ G, o maximo divisor comum de (λσ), (λτ )
divide o ideal (ζσ − ζτ ) = P, mas P nao divide nenhum dos dois termos, segue que
o m.d.c.(λσ, λτ ) = 1. O que mostra que quaisquer desses ideais sao dois a dois
coprimos.
Consideramos agora o produto∏σ∈G
λσ =∏σ∈G
x− ζσ
1− ζσ=xp − 1
x− 1
∏σ∈G
1
1− ζσ=
1
p· x
p − 1
x− 1
Pelas Relacoes de Cassels do corolario 5.6, existe um inteiro positivo u tal quexp−1x−1
= puq, logo∏σ∈G
λσ = uq. Como os ideais principais (λσ) sao coprimos, cada
um deles e uma potencia q-esima.
Lema 7.2. O anel OK/(q) nao contem elementos nilpotentes. Alem disso se α, β ∈OK = Z[ζ] satisfazem a congruencia αq ≡ βq (mod q), entao αq ≡ βq (mod q2).
Demonstracao. Como foi mostrado na afirmacao 4.11 o ideal gerado por q nao se
ramifica. Portanto (q) = q1 · . . . · qs onde os qi sao ideais primos distintos de OK .
Pelo teorema chines dos restos OK/(q) ' OK/q1 × . . .×OK/qs. Como os ideais qi
sao primos, segue que OK/(q) nao possui elementos nilpotentes diferentes de 0.
Sejam α, β ∈ Z[ζ] tal que αq ≡ βq (mod q) e assim (α−β)q ≡ αq−βq ≡ 0 (mod q).
Ja vimos que OK/(q) nao possui elementos nilpotentes diferentes de zero, por-
tanto α− β ≡ 0 (mod q) e assim α = β + jq com j ∈ OK . Daı
αq = (β + jq)q ≡ βq + qβq−1jq + . . .+ (jq)q ≡ βq (mod q2).
Onde ı = σp−1 denota a conjugacao complexa e I−S e o Z[G]-ideal que e obtido
quando multiplicamos o ideal de Stickelberger IS por 1− ı, isto e, I−S = IS(1− ı).
Para α um elemento de K∗, utilizando a notacao exponencial definida na secao
4.4, pagina 35, temos que α1−ı = αα, e para qualquer imersao σ de K em C, temos
que |σ(α1−ı)| = 1.
Teorema 7.3 (Mihailescu). Para qualquer Θ ∈ I−S , o elemento (x − ζ)Θ e uma
potencia q-esima em K = Q(ζ).
Demonstracao. Seja Θ um elemento de I−S e escrevemos Θ = (1− ı)Θ′, com Θ′ ∈ IS.Tomamos λ = x−ζ
1−ζ e pelo lema 7.1 sabemos que (λ) e uma potencia q- esima de um
ideal em OK , digamos (λ) = aq. Do Teorema de Stickelberger segue que aΘ′e
principal, aΘ′= (α), com α ∈ K = Q(ζ). Observemos que
(λΘ′) = (aq)Θ′
= (aΘ′)q = (α)q.
CAPITULO 7. RESULTADOS DE MIHAILESCU 70
Consequentemente, λΘ′= ηαq, onde η e uma unidade de OK . Destes ideais obtemos
uma relacao util para o elemento (x− ζ)Θ:
(x− ζ)Θ = (λ(1− ζ))Θ = λ(1−ı)Θ′(1− ζ)(1−ı)Θ′
=
(λ
λ
)Θ′ (1− ζ
1− ζ
)Θ′
=
(λΘ′
λΘ′
)(1− ζ
1− ζ
)Θ′
=η
η
(αα
)q (1− ζ
1− ζ
)Θ′
.
Sabemos do capıtulo 4 que e1−ζ1−ζ = −ζ e unidade e |α
α| = 1, logo temos que (x−ζ)Θ e
uma potencia q-esima de uma raiz da unidade. Todas as raızes da unidade em Q(ζ)
sao da forma ±ζa com a inteiro. Lembrando que p e q sao coprimos e q e ımpar, cada
uma delas e uma potencia q-esima em Q(ζ), chegando ao resultado desejado.
Corolario 7.4. Sejam p e q primos ımpares, e x, y inteiros nao nulos tais que
xp − yq = 1, entao:
(i) p2 | x e q2 | y.
(ii) pq−1 ≡ 1 (mod q2) e qp−1 ≡ 1 (mod p2).
Demonstracao. Observe que (1 − ζ−1x)Θ = (−ζ−1(x − ζ))Θ, como (x − ζ)Θ e uma
potencia q- esima e ζ−1 e unidade, entao (−ζ−1(x − ζ))Θ tambem e uma potencia
q- esima de Z[ζ], digamos (1− ζ−1x)Θ = aq. Pelas relacoes de Cassels 5.6 sabemos
que q divide x, isto implica que (1− ζ−1x)Θ ≡ 1 (mod q).
Aplicando o lema 7.2 para α = a e β = 1 obtemos
(1− ζ−1x)Θ ≡ 1 (mod q2). (7.1)
Se Θ =∑σ∈G
nσσ calculamos
(1− ζ−1x)Θ =∏σ∈G
(1− σ(ζ−1)x)nσ ≡∏σ∈G
(1− nσσ(ζ−1)x) (mod q2)
≡ 1− x∑σ∈G
nσσ(ζ−1) (mod q2). (7.2)
As congruencias 7.1 e 7.2 implicam que
x∑σ∈G
nσσ(ζ−1) ≡ 0 (mod q2).
Suponhamos, procedendo por contradicao, que q2 nao divide x, donde q divide∑σ∈G
nσσ(ζ−1). Como esta afirmacao e valida para todo elemento Θ pertencente a
I−S , em particular vale para
Θ = (1− ı)Θ2 = −σ−11 − · · · − σ−1
p−12
+ · · ·+ σ−1p−1.
CAPITULO 7. RESULTADOS DE MIHAILESCU 71
Mas
Θ(ζ−1) = ζ + · · ·+ ζp−12 − ζ
p+12 − · · · − ζp−1 = ζ
(1− ζp−12 )2
1− ζ,
e a norma deste numero e p, que por hipotese nao e divisıvel por q, o que e absurdo.
Concluımos entao que q2 tem que dividir x. O resultado para y segue por simetria,
concluindo a parte (i) do corolario. Juntando o primeiro item das relacoes de Cassels
5.6 com a primeira parte deste corolario chegamos a:
pq−1uq ≡ x− 1 ≡ −1 (mod q2). (7.3)
Com u inteiro nao nulo e do pequeno teorema de Fermat sabemos que pq−1 ≡ 1
(mod q). Aplicando isto a 7.3 temos uq ≡ −1 (mod q) e assim pelo lema 7.2 temos
uq ≡ −1 (mod q2). Novamente juntando a 7.3 ficamos com
pq−1 ≡ 1 (mod q2).
Por simetria temos que qp−1 ≡ 1 (mod p2).
7.2 Quando p e q sao pequenos
Em 2000, Bugeaud e Hanrot publicaram um artigo validando a conjectura de Cata-
lan quando p ou q e menor que 43. Nesta secao usaremos as ideais deste artigo [6],
entretanto so precisaremos que p ou q > 11.
Lema 7.5. Se ζ e uma raiz p- esima da unidade entao
p−1∑i=1
1
x− ζ i=φ′p(x)
φp(x)e
p−1∑i=1
ζ i
(x− ζ i)2=
1− p2
12
com φp(x) = xp−1 + xp−2 + . . .+ x+ 1 o p-esimo polinomio ciclotomico.
Demonstracao. Integrando o primeiro somatorio∫ (p−1∑i=1
1
x− ζ i
)dx =
p−1∑i=1
(∫1
x− ζ idx
)= ln(c
∏(x− ζ i)) = ln (c · φp(x)) ,
com c constante.
Derivando e utilizando o teorema fundamental do calculo temos quep−1∑i=1
1
x− ζ i=φ′p(x)
φp(x), o que mostra a primeira igualdade.
CAPITULO 7. RESULTADOS DE MIHAILESCU 72
Fazendo x = 1 nesta igualdade
p−1∑i=1
1
1− ζ i=φ′p(1)
φp(1)=
p(p−1)2
p=p− 1
2.
Derivando a primeira igualdade do lema temos que
p−1∑i=1
1
(x− ζ i)2=φ′p(x)
2 − φ′′p(x) · φp(x)φp(x)2
.
Novamente tomando x = 1,
p−1∑i=1
1
(1− ζ i)2=φ′p(1)
2 − φ′′p(1) · φp(1)φp(1)2
.
Como φ′′p(1) =
p−2∑k=1
k(k+1) =(p− 2)(p− 1)p
3, substituindo e simplificando chegamos
a
p−1∑i=1
1
(1− ζ i)2=−(p− 5)(p− 1)
12.
Finalmente
p−1∑i=1
ζ i
(1− ζ i)2=
p−1∑i=1
1
(1− ζ i)2−
p−1∑i=1
1
1− ζ i
=1− p
2+
(p− 5)(1− p)
12=
1− p2
12.
Proposicao 7.6 (Lema de Hensel). Sejam f ∈ Zp[X1, X2, · · · , Xm], x = (xi) ∈(Zp)
m e n, k ∈ Z. Suponha 0 < 2k < n,
f(x) ≡ 0 (mod pn) e vp
(∂f(x)
∂Xj
)= k.
Entao existe um zero de f , que denotaremos por y ∈ (Zp)m, que e congruente a x
modulo pn−k.
Demonstracao. Ver [43], pagina 14.
Proposicao 7.7. Sejam CLk o grupo de classe de Q(ζn) e CLk+ o grupo de classe
de Q(ζn + ζ−1n ). A aplicacao natural ψ : CLk+ → CLk e injetiva.
Demonstracao. Ver [49], pagina 40.
Vimos no teorema 4.17 que a cardinalidade do grupo de classe de Q(ζ+) := h+p
divide a cardinalidade do grupo de classe de Q(ζ) := hp. E chamamos este quociente
de numero relativo de classe e o denotamos por h−p .
CAPITULO 7. RESULTADOS DE MIHAILESCU 73
Teorema 7.8. Seja h−p = hp
h+p
o numero relativo de classe de Q(ζ). Se q nao divide
h−p ou p nao divide h−q , entao a equacao de Catalan xp − yq = 1 nao tem solucao
em inteiros nao nulos.
Demonstracao. Faremos esta demonstracao por contradicao. Suporemos que q - h−pe xp−yq = 1 tem solucao, entao chegaremos que pq−1 divide q−1 gerando o absurdo.
Das relacoes de Cassels 5.6 tiramos que x ≡ 1 (mod pq−1) ≡ 1 (mod π4).
Vimos no lema 7.1 que(x−ζ1−ζ
)= aq com a ideal de OK = Z[ζ]. Como este ideal e
principal, pelo teorema de Lagrange, q divide o numero de classes hp de Q(ζ).
Por hipotese q nao divide h−p , assim q divide h+p , o qual e o numero de classe de
K+ = Q(ζ + ζ−1). Vimos na proposicao 7.7, temos que a aplicacao natural ψ
de CLK+ em CLK e injetiva, consequentemente #(CLK/ψ(CLK+)) = hp
h+p
= h−p .
Definimos a seguinte sequencia exata
0 −→ CLK+ψ−→ CLK
ϕ−→ CLkψ(CLK+)
−→ 0,
ψ([I]) = [IOK ]. Como aq = (x−ζ1−ζ ) e principal temos que [aq] e a classe trivial
de CLk e pela igualdade [aq] = [a]q temos que ord([a]) e um divisor de q e assim
ord(ϕ([a])) | q e ord(ϕ([a])) divide∣∣∣ CLK
ψ(CLK+ )
∣∣∣ = h−p . Mas por hipotesemdc(q, h−p ) = 1,
assim temos que ord(ϕ([a])) = 1, logo ϕ([a])1 e o elemento identidade em CLK
ψ(CLK+ ).
Pela sequencia ser exata temos que existe [b] ∈ CLK+ tal que ψ([b]) = [a].
Mais ainda existe γ ∈ K∗ = Q(ζ)∗, tal que a = (γ)b′, onde estamos vendo
b′ = bOK como um OK-ideal. Desta igualdade temos que b′q e um ideal principal.
Portanto existem um elemento β ∈ Q(ζ)∗ e uma unidade η0 , tal que x−ζ1−ζ = η0βγ
q.
Definimos µ = x−11−ζ . Como x − 1 ∈ pq−1Z ⊂ π(p−1)(q−1)Ep, segue que µ ∈ Ep e
vπ(µ) ≥ (p− 1)(q − 1)− 1 ≥ 4.
Portanto1 + µ
1 + µ=
1− ζ
1− ζ· x− ζ
x− ζ= −ζ−1 · x− ζ
x− ζ.
Entao1 + µ
1 + µ= ζ−1αq = βq com α, β ∈ Q(ζ) e
q√1+µq√1+µ
= β. Consideremos o elemento
η = ( q√
1 + µ+ ζ−1q q√
1 + µ)q = (1 + µ)(β + ζ−1q )q
= (1 + µ)(ζ−1q α+ ζ
−1q )q = ζ−1(1 + µ)(1 + α)q ∈ Q(ζ). (7.4)
Do fato que a+b divide aq+bq, temos que q√
1 + µ+ζ−1q q√
1 + µ divide ( q√
1 + µ)q+
(ζ−1q q√
1 + µ)q = (1+µ)+ζ−1(1+ µ). E como (1+µ)+ζ−1(1+ µ) = x−ζ1−ζ +ζ−1 · x−ζ−1
1−ζ−1
que como consequencia do lema 4.9 e uma unidade, mais ainda e uma unidade ci-
clotomica como foi definido no capıtulo 4,e temos que NQ(ζ)/Q(η) = 1.
CAPITULO 7. RESULTADOS DE MIHAILESCU 74
Aplicando o Lema de Hensel ao anel de valorizacao Zp[ζ] (anel de inteiros p-
adicos) e ao polinomio Xq − (µ+ 1) implica que u = q√
1 + µ+ ζ−1q q√
1 + µ ∈ Zp[ζ],
com N(η) = N(u)q = 1, ou seja N(u) = 1. Fazendo o desenvolvimento binomial de
u temos que
u =
(1 +
µ
q
)+ ζr
(1 +
µ
q
)+O
(µ2)
onde rq ≡ −1 (mod q).
Assim u = (1 + ζr)
(1 +
x− 1
q· 1− ζr+1
(1− ζ)(1 + ζr)
)+O(µ2).
Observamos que 1 + ζr = 1−ζ2r
1−ζr que pelo lema 4.9 e uma unidade. Calculando a
norma de u
N(u) =∏ζ 6=1
(1 +
µ
q+ ζr + ζr · µ
q
)+O(µ2)
=∏ζ 6=1
(1 + ζr)∏ζ 6=1
(1 +
µq
+ ζr · µq
1 + ζr
)+O(µ2)
= N(−1− ζ)
(1 +
∑ζ 6=1
µ+ ζrµ
q(1 + ζr)
)+O(µ2)
= 1 +∑ζ 6=1
µ+ ζrµ
q(1 + ζr)+O(µ2) (7.5)
a ultima igualdade vem de queN(−1−ζ) = (−1)p−1+(−1)p−2+. . .+(−1)+1 = 1.
Substituindo µ = x−11−ζ encontramos
N(u) = 1 +x− 1
q
∑ζ 6=1
11−ζ + ζr
1−ζ
1 + ζr+O
((x− 1)2
π2
)(7.6)
Calculando em separado
11−ζ + ζr
1−ζ
1 + ζr=
1− ζr+1
(1− ζ)(1 + ζr)=
1− (1− π)r+1
π(1 + (1− π)r)
=1− 1 + (r + 1)π +O(π2)
π(2− rπ) +O(π3)=r + 1
2+O(π) (7.7)
Sabemos que vπ(x− 1) ≥ 4, assim π(x− 1)|µ2 = (x−1)2
π2 .
De 7.6 e 7.7 temos que
1 = 1 +x− 1
q· (r + 1)(p− 1)
2+O(π(x− 1))
(x− 1)(r + 1)(p− 1)
2q≡ 0 ( mod (π(x− 1))) (7.8)
CAPITULO 7. RESULTADOS DE MIHAILESCU 75
ou seja π|(r + 1) de outra forma r ≡ −1 (mod p), mas r foi tomado de forma que
qr ≡ −1 (mod p) , logo q ≡ 1 (mod p).
Deste fato decorre que ζ−1q = ζ−1 e µ+ ζ−1µ = x−1
1−ζ + ζ−1 · x−11−ζ = 0.
Assim os termos lineares na expansao binomial deN(u) sao todos nulos. Expandindo
novamente N(u) pela serie de Taylor, mas agora permitindo termos quadraticos
temos
N(u) =∏ζ 6=1
(1 +
(1q
2
)µ2 + ζ−1 + ζ−1
(1q
2
)µ2
)+O(µ3)
= 1 +
(1q
2
)· (x− 1)2
∑ζ 6=1
1(1−ζ)2 + ζ−1
(1−ζ−1)2
(1 + ζ−1)+O(µ3). (7.9)
Calcularemos em separado1
(1−ζ)2+ ζ−1
(1−ζ−1)2
(1+ζ−1)usando a identidade −ζ−1(1 − ζ) =
1− ζ−1 e assim
1(1−ζ)2 + ζ−1
(1−ζ−1)2
(1 + ζ−1)=
(1− ζ−1)2 + ζ−1(1− ζ)(1− ζ)
(1− ζ)2(1− ζ−1)(1 + ζ−1)
=(1− ζ−1)(1 + ζ)
(1− ζ)2(1− ζ−1)(1 + ζ−1)=
ζ
(1− ζ)2. (7.10)
Utilizando o lema 7.5
N(u) = 1 +(1− q)(x− 1)2
2q
∑ ζ
(1− ζ)2+O(µ3)
= 1 +(1− q)(x− 1)2(1− p2)
24q+O(µ3)
sabemos que µ3 = (x− 1)2 · (x− 1)
π3e tomando modulo na equacao acima
(1− q)(x− 1)2(1− p2)
24q≡ 0
(mod (x− 1)2 · (x− 1)
π3
).
Portanto x−1π3 divide (1−q)(1−p2)
24q, assim x− 1 divide (1−q)(1−p2)π3
24qcomo pq−1 divide
x− 1 temos pq−1|(q − 1)π3.
Contudo p - π3 logo pq−1|(q − 1), mas pq−1 e muito maior do que q − 1, chegando a
um absurdo.
Lema 7.9. Sejam p um numero primo ımpar e γ ∈ N, tal que γ gera todo o grupo
CAPITULO 7. RESULTADOS DE MIHAILESCU 76
F∗q. Definimos γi ≡ γi (mod p) e o polinomio Fp(X) =
p−1∑i=1
γiXi, entao
h−p =
∣∣∣∣∣∣p−12∏
k=1
Fp
(ζ
2k−1
p−1
)∣∣∣∣∣∣(2p)
p−32
.
Demonstracao. A demonstracao deste resultado e consequencia de toda a teoria
desenvolvida ate o capıtulo 6 do livro de Edwards, [21] pagina 234, sobre funcoes
L de Dirichlet, e sera omitida neste texto. Outra referencia muito interessante e o
livro de Cohen volume 2 [14] pagina 234.
Teorema 7.10 (Mihailescu). Sejam p e q primos ımpares distintos com p ou q ≤ 19,
entao a equacao de Catalan xp − yq = 1 nao possui solucao nos numeros inteiros
nao nulos.
Demonstracao. Do lema anterior verifica-se, que h−p = 1 para p ≤ 19. Assim q nao
divide h−p entao pelo teorema 7.8 concluımos que a equacao nao tem solucao. O
caso p divide h−q e analogo.
Capıtulo 8
Caso q divide p− 1
Neste capıtulo mostraremos a validade da Conjectura de Catalan para este caso.
Notamos que se (x, y, p, q) e solucao da equacao xp − yq = 1, entao (−y,−x, q, p)tambem e, e vice-versa. Portanto se mostrarmos que a equacao anterior nao tem
solucao quando p divide q−1, tambem estaremos mostrando que nao existe solucao
quando q divide p− 1.
8.1 O terceiro teorema de Mihailescu
Teorema 8.1 (Mihailescu). Sejam p, q ≥ 5 numeros primos e s =[
3q2(p−1)2
]. Se(
s+ p−12s
)≥ s+1
3(p − 1)2 + 1 entao a equacao xp − yq = 1 nao tem solucao para x, y
inteiros nao nulos.
Este teorema nos diz que se p, q ≥ 5 e se q e “muito maior” que p entao a equacao
de Catalan nao tem solucao, assim bastara mostrar que quando p divide q − 1 a
condicao do teorema e satisfeita.
No resto deste capıtulo estaremos assumindo que p, q ≥ 5 sao primos e que x, y sao
inteiros nao nulos que satisfazem xp − yq = 1 e s =
[3q
2(p− 1)2
].
Afirmacao 8.2. Seja C o conjunto das k-uplas de numeros naturais cuja soma e
menor que s, isto e, C =
{(λ1, . . . , λk) ∈ Nk
∣∣∣∣ k∑i=1
λi ≤ s
}, entao |C| =
(s+kk
).
Demonstracao. Veremos que este problema e equivalente a uma serie de outros
problemas, e resolveremos o ultimo. O que estamos querendo achar sao todas as
solucoes nao negativas de x1 + x2 + . . . xk ≤ s, mas achar essas solucoes e o mesmo
que achar as solucoes de x1 + x2 + . . . xk + y = s. Mas este e equivalente a um
problema de analise combinatoria, ao numero de formas de escolhermos s objetos
em k + 1 classes, ou seja,(s+kk
).
77
CAPITULO 8. CASO Q DIVIDE P − 1 78
Lema 8.3. Se(s+ p−1
2s
)> s+1
3(p−1)2+1, entao existem mais de q elementos distintos
θ ∈ I−S = (1− ı)IS, tal que ||θ|| ≤ 3q2(p−1)
.
Demonstracao. Pela proposicao 6.21, existem elementos θ1, θ2, . . . , θ p−12
, que formam
uma base sobre Z para I−S , tais que ||θi|| ≤ p− 1.
Definimos o elemento θ =
p−12∑i=1
λiθi, com λi ∈ Z≥0. Se os λi satisfazem a seguinte
condicaok∑i=1
λi ≤ s =
[3q
2(p− 1)2
], entao θ satisfaz a propriedade de que ||θ|| ≤
3q2(p−1)
. Pela afirmacao 8.2 temos que existem(s+ p−1
2s
)destes elementos. Repetindo o
argumento, mas para λi ∈ Z≤0 temos que o numero total e pelo menos 2·(s+ p−1
2s
)−1,
o menos 1 vem de θ = 0.
Por hipotese(s+ p−1
2s
)> s+1
3(p− 1)2 + 1, e assim
2 ·(s+ p−1
2
s
)− 1 >
2
3(s+ 1)(p− 1)2 + 1
e como 23(s+ 1)(p− 1)2 e no mınimo q, logo a quantidade de elementos θ ∈ I−S , que
satisfaz ||θ|| ≤ 3q2(p−1)
e maior do que q.
Para provar o teorema 8.1 suporemos que existe uma solucao em inteiros nao
nulos x, y da equacao xp − yq = 1. Mostraremos que este valor e bem pequeno,
contradizendo o corolario 5.8, faremos isto construindo um elemento especial θ ∈ I−Se manipulando o elemento α ∈ Q(ζ)∗, que satisfaz (x− ζ)θ = αq.
Aqui faremos uma sequencia de lemas para chegar na demonstracao.
Lema 8.4. Sejam θ ∈ I−S e α o elemento de K tal que (x− ζ)θ = αq.
A aplicacao ψ : I−S → K∗
θ 7→ α
e um homomorfismo de grupos, que e injetivo.
Demonstracao. A aplicacao esta bem definida pois K = Q(ζp) nao possui raiz q-
esima da unidade diferente do 1. Logo α esta bem determinado. O fato de que e
homomorfismo e de facil verificacao. Resta mostrar a injetividade.
Para isso suponhamos que existam dois elementos θ e θ′ tais que ψ(θ) = ψ(θ′). Isto
e o mesmo que (x− ζ)θ = (x− ζ)θ′, ou equivalentemente (x− ζ)θ−θ
′= 1.
Chamando θ′′ = θ−θ′, (x−ζ)θ′′ = 1 e θ′′ =∑
σ∈G nσσ e para concluir a injetividade
teremos que verificar que nσ e igual a zero para todo σ ∈ G.
Logo suponhamos que∏
σ∈G(x−ζσ)nσ = 1. Tomando λ = x−ζ1−ζ como no lema 7.1,
vimos que os ideais (λσ) e (λτ ) sao coprimos para σ, τ distintos. Tambem mostramos
CAPITULO 8. CASO Q DIVIDE P − 1 79
que (1 − ζ)2 nao divide nem (x − ζ) e nem nenhum dos conjugados. Segue que os
ideais (x− ζσ) e (x− ζτ ) so tem o ideal (1− ζ) como fator comum.
Tambem mostramos que (x− ζσ) tem um fator primo distinto de (1− ζ) e sabemos
que (1− ζ) divide (x− ζσ) para todo σ ∈ G. Assim temos que mostrar que (x− ζσ)nao divide (1 − ζ), mas sabemos que isto nao ocorre pois x−ζ
1−ζ nao e uma unidade
e N(x−ζσ
1−ζ ) = N(x−ζσ)N(1−ζ) > N(x−ζ)
p> 1. Seja pσ um divisor primo de (x − ζσ), distinto
de (1− ζ) e eσ ≥ 1 a multiplicidade de pσ em (x− ζσ). Mas isto implica que peσnσσ
divide 1, ou seja nσ = 0, como querıamos mostrar.
Seja uma imersao qualquer τ : Q(ζ) → C, o elemento α, que associamos ao
θ ∈ I−S tem norma 1 para qualquer destas imersoes, pois:
|τ(γ1−ı)| = |τ(γ)1−ı| = |τ(γ)||τ(γ)|
= 1
como (1−ı) divide θ = θ′(1−ı) para todo θ em I−S , assim 1 = |τ(x−ζ)θ| = |τ(αq)| =|τ(α)|q e consequentemente |τ(α)| = 1.
Uma outra observacao e que como todo θ ∈ I−S e da forma θ = θ′(1− ı) onde θ′ ∈ IS,temos que o peso de θ e zero, isto e, w(θ) = w(θ′(1− ı)) = w(θ′)w(1− ı) = 0.
Isto nos diz que I−S esta contido no ideal de aumento Iaug de Z[G]. Em particular,
para qualquer θ ∈ I−S temos que xθ = xw(θ) = 1 e assim(1− ζ
x
)θ=
(x− ζ
x
)θ= (x− ζ)θ. (8.1)
Seja z ∈ C definimos o ramo principal do logaritmo como sendo log(z) =
log(|z|) + i arg(z), com −π < arg(z) ≤ π. Temos que elog(z) = z, para todo z ∈ C e
se w ∈ C tal que ew = z, entao existe k ∈ Z tal que w = log(z) + 2πki.
Observacao 8.5. Usaremos os seguintes fatos da analise complexa:
(a) | log(z1 · z2)| = | log(z1) + log(z2)| ≤ | log(z1)|+ | log(z2)| .
(b) ez =∞∑n=0
zn
n!.
(c) log(1 + z) =∞∑n=1
−(−z)n
n, para |z| < 1.
A demonstracao destes fatos pode ser encontrada em qualquer bom livro de
analise complexa, como por exemplo [15].
Da equacao 8.1, αq =(1− ζ
x
)θ, logo podemos usar as expansoes acima para estimar
| log(σ(α))q|.
CAPITULO 8. CASO Q DIVIDE P − 1 80
Afirmacao 8.6. Com as hipotese anteriores temos que | log(σ(α))q| ≤ 3||θ||2|x| .
Demonstracao. De imediato temos
|log (σ (α))q| =
∣∣∣∣∣log
(σ
((1− ζ
x
)θ))∣∣∣∣∣ =
∣∣∣∣∣log
(∏τ∈G
((1− σ (ζ)τ
x
)nτ))∣∣∣∣∣
≤∑τ∈G
|nτ | ·∣∣∣∣log
(1− σ (ζτ )
x
)∣∣∣∣ . (8.2)
Calculando separadamente
∣∣∣∣log
(1− σ(ζτ )
x
)∣∣∣∣ =
∣∣∣∣∣σ(ζτ )
x+
1
2
(σ(ζτ )
x
)2
+1
3
(σ(ζτ )
x
)3
+ . . .
∣∣∣∣∣≤∣∣∣∣σ(ζτ )
x
∣∣∣∣+ 1
2
∣∣∣∣σ(ζτ )2
x
∣∣∣∣+ 1
3
∣∣∣∣σ(ζτ )3
x
∣∣∣∣+ . . .
=1
|x|+
1
2
1
|x|2+
1
3
1
|x|3+ . . .
≤ 1
|x|
(1 +
1
|x|2+
1
|x|3+ . . .
)=
1
|x|· 1
1− 1|x|. (8.3)
Incluindo a equacao 8.3 de volta em 8.2 obtemos
| log(σ(α))q| ≤∑τ∈G
|nτ | ·
(1
|x|· 1
1− 1|x|
)≤∑τ∈G
|nτ | ·(
1
|x|· 1
1− 13
)
=∑τ∈G
|nτ | ·(
1
|x|· 3
2
)= ||θ|| 3
2|x|. (8.4)
Aqui usamos que |x| ≥ 3 que pode ser obtido das equacoes de Cassels.
Como |σ(α)q| = 1, temos
| log(σ(α))q| = | log(|σ(α)q|) + i arg(σ(α)q)| = | arg(σ(α)q)|.
E da equacao 8.4 temos | arg(σ(α)q)| = | log(σ(α))q| ≤ ||θ|| 32|x| . Como arg(σ(α)q) ≡
q arg(σ(α)) (mod 2π) concluımos que existe um inteiro k associado a θ, tal que−q2< k < q
2e assim ∣∣∣∣arg(σ(α))− 2kπ
q
∣∣∣∣ ≤ 3||θ||2q|x|
.
CAPITULO 8. CASO Q DIVIDE P − 1 81
Note que a igualdade acima esta nos dizendo que para todo θ ∈ I−S , o σ(α)
correspondente e muito proximo de uma raiz q-esima da unidade, ja que |σ(α)| = 1.
Se ||θ|| ≤ qp−1
, entao so existe um unico inteiro k tal que a desigualdade acima
e satisfeita. Podemos ver isto da seguinte forma. Suponhamos que existam dois
inteiros k e l tais que | arg(σ(α)) − 2kπq| ≤ 3||θ||
2q|x| e | arg(σ(α)) − 2lπq| ≤ 3||θ||
2q|x| , pela
desigualdade triangular temos∣∣∣∣2kπq − 2lπ
q
∣∣∣∣ ≤ ∣∣∣∣arg(σ(α))− 2kπ
q
∣∣∣∣+ ∣∣∣∣arg(σ(α))− 2lπ
q
∣∣∣∣ ≤ 3||θ||q|x|
.
E por essa razao
|k − l| ≤ 3||θ||2π|x|
≤ 3q
2π(p− 1)qp−1< 1.
De onde segue que k = l. No lema 8.1 mostramos que havia mais de q elementos
θ ∈ I−S com a propriedade de ||θ|| ≤ 3q2(p−1)
. Pelo princıpio das casas dos pombos,
existem dois elementos distintos de I−S de tamanho no maximo 3q2(p−1)
que estao
associados ao mesmo k. Isto significa que os α′s correspondentes a estes elementos
estao muito proximos da mesma raiz q- esima da unidade.
Denotaremos estes elementos por θ1 e θ2, e αi os elementos associados. Definimos
tambem o elemento θ = θ1 − θ2 e portanto como (x− ζ)θ = αq, temos que α = α1
α2.
Como θ1 e θ2 estao perto da mesma raiz q-esima esperamos que σ(α) esteja perto
de 1. Como |σ(α)| = 1, | log(σ(α))| e igual | arg(σ(α))|. Explicitando temos:
| log(σ(α))| = | arg(σ(α))| ≤ | arg(σ(α1))− arg(σ(α2))|
= | arg(σ(α1))−2kπ
q+
2kπ
q− arg(σ(α2))|
≤ | arg(σ(α1))−2kπ
q|+ |2kπ
q− arg(σ(α2))|
≤ 3||θ1||2q|x|
+3||θ2||2q|x|
≤ 23
2
3q2(p−1)
q|x|=
32
2
1
|x|(p− 1). (8.5)
Como ja observamos queremos mostrar que |x| e pequeno o suficiente para con-
tradizer o corolario 5.8, e daı concluir o teorema 8.1. E para isso primeiro precisamos
aproximar |σ(α− 1)|.
Afirmacao 8.7. Sejam p, q ≥ 5, x, y inteiros nao nulos, tais que xp − yq = 1 e α,
tal que (x− ζ)θ = αq. Entao:
(a) |σ(α)− 1| ≤ 33
221
|x|(p−1).
CAPITULO 8. CASO Q DIVIDE P − 1 82
(b) N(α− 1) ≤(
33
22 · 1|x|(p−1)
)2
· 2p−3
Demonstracao. Da equacao 8.5 e da observacao 8.5 temos
|σ(α)− 1| = |elog(σ(α)) − 1|
= | − 1 + 1 + log(σ(α)) +1
2!log(σ(α))2 +
1
3!log(σ(α))3 + . . . |
≤ | log(σ(α))|+ 1
2!| log(σ(α))|2 +
1
3!| log(σ(α))|3 + . . .
≤ 32
2
1
|x|(p− 1)+
1
2!
(32
2
1
|x|(p− 1)
)2
+1
3!
(32
2
1
|x|(p− 1)
)3
+ . . .
≤ 32
2
1
|x|(p− 1)
(1 +
1
|x|+
1
|x|2+
1
|x|3+ . . .
)=
32
2
1
|x|(p− 1)
1
1− 1|x|≤ 32
2
1
|x|(p− 1)
1
1− 13
=33
22
1
|x|(p− 1)(8.6)
demonstrando a parte (a). Ou seja σ(α − 1) e muito pequeno, o que implica que
σ(α) esta bem proximo de 1 e o mesmo vale para seu conjugado, uma vez que
|σ(α) − 1| = (σ(α) − 1) · (σ(α)− 1). Para qualquer outra imersao τ : Q(ζ) ↪→ Ctambem temos que |τ(α)| = 1 , logo |τ(α − 1)| = |τ(α) − 1| ≤ |τ(α)| + 1 = 2. De
onde obtemos:
|N(α− 1)| =
∣∣∣∣∣∏σ∈G
σ(α− 1)
∣∣∣∣∣ ≤(
33
22
1
|x|(p− 1)
)2
· 2p−3.
Note que o numero α − 1 nao e zero pois se α = 1 entao θ = 0 o que nao pode
ser verdade pois estamos tomando θ1 e θ2 distintos.
Agora faremos um pausa para definir alguns objetos.
Definicao 8.8. Seja β ∈ Q(ζ). Entao βEp = ab−1, com a e b ideais coprimos de
Ep. O ideal b e dito o ideal denominador de β e a e dito o ideal numerador.
Lema 8.9. Com a definicao acima temos que:
(i) ab−1 ∩ Ep = a.
(ii) b = {x ∈ Ep | x · β ∈ Ep}.
(iii) (β) e (β − 1) tem o mesmo ideal denominador.
CAPITULO 8. CASO Q DIVIDE P − 1 83
Demonstracao. (i) temos que a ⊂ ab−1 ∩ Ep := a′. Por outro lado, a′ ⊂ ab−1 e
a′b ⊂ a, o que implica que a′ ⊂ a, uma vez que a e b sao coprimos.
(ii)Pela definicao b ⊂ {x ∈ Ep | x · β ∈ Ep} := b′. Seja x ∈ b′, logo x · β ∈Ep ∩ ab−1 (i)
= a. De onde temos que x ∈ β−1Epa = b.
(iii) Segue de (ii).
Prova do Teorema 8.1. Consideremos o ideal (α), seja J o ideal denominador e J ′ o
ideal numerador de (α), como∏
σ∈G |σ(α)| = 1 temos que N(J) = N(J ′), e do fato
que (x− ζ)θ = αq, segue que Jq e o ideal denominador e J ′q e o ideal numerador do
ideal (x− ζ)θ. E mais Jq =∏
nσ>0(x− ζσ)nσ e Jq =∏
nσ<0(x− ζσ)|nσ |, isto implica
que
N((JJ ′)q) = N(J)2q ≤ N
(∏τ∈G
(x− ζτ )|nτ |
).
Computando a norma de (x− ζτ )
N(x− ζτ ) =∏σ∈G
σ(x− ζτ ) =∏σ∈G
(x− σ(ζτ ))
= xp−1 + xp−2 + . . .+ x+ 1
≤ |x|p−1 +
(p
1
)|x|p−2 + . . .
(p
p− 1
)|x|+ 1
= (|x|+ 1)p−1. (8.7)
E de ||θ|| = ||θ1 − θ2|| ≤ ||θ1||+ ||θ2|| ≤ 3qp−1
e daqui segue que
N(∏τ∈G
(x− ζτ )|nτ |) ≤ (1 + |x|)||θ||(p−1) ≤ (1 + |x|)3q.
Ou seja N(J) ≤ (|x|+ 1)32 .
Tudo isto nos leva a seguinte desigualdade
(|x|+ 1)−32 ≤ N(J)−1 ≤ |N(α− 1)| ≤
(33
22
1
|x|(p− 1)
)2
· 2p−3
a qual implica que
√|x|+ 1 ≤ (|x|+ 1)2
|x|2
(33
22
1
(p− 1)
)2
· 2p−3
≤(
33
22
1
p− 1
)2
· 2p−2 ≤ 46
(p− 1)22p−2.
CAPITULO 8. CASO Q DIVIDE P − 1 84
Usando o corolario 5.8, temos√|x|+ 1 ≥
√qp−1 =
√qp−1 ≥
√5p−1
.
Contudo √5p−1
>46
(p− 1)22p−2
para todo primo p ≥ 5. Mas isto contradiz nossas duas ultimas desigualdades,
terminando assim a demonstracao do teorema.
8.2 Consequencia Importante
Antes de enunciar o resultado que da o tıtulo a este capıtulo precisamos de um
pequeno lema.
Lema 8.10. Sejam k ≥ 2 e s ≥ 4 numeros inteiros. Se a desigualdade(s+ k
k
)=
(s+ k
s
)>
4
3(s+ 1)k2 + 1,
e valida, entao tambem vale para s′ ≥ s e para k′ ≥ k.
Demonstracao. E facil verificar a desigualdade para os caso (s, k) = (6, 4)(7, 3) e (9, 2).
Suponhamos por inducao que vale a desigualdade para (s, k). Iremos primeiro fazer
a inducao em s. Assim temos(s+ k + 1
s+ 1
)=
s+ 1 + k
s+ 1
(s+ k
s
)>
s+ 1 + k
s+ 1
(4
3(s+ 1)k2 + 1
)>
4
3(s+ 1 + k)(k2) + 1.
Bastando verificar que s+1+k > s+2, mas por hipotese k ≥ 2. Agora para o caso
(s, k + 1) calculemos(s+ k + 1
k + 1
)=
s+ 1 + k
k + 1
(s+ k
s
)>
s+ 1 + k
k + 1
(4
3(s+ 1)k2 + 1
)>
4
3
(s+ 1 + k)(s+ 1)
k + 1k2 + 1
Portanto resta verificarmos a desigualdade (s+1+k)k+1
k2 > (k+1)2, ou seja, (s+k+
1)k2 > (k + 1)3. Como s ≥ 4 temos, (k + 5)k2 > (k + 1)3 o que e sempre verdade
pois k ≥ 2.
CAPITULO 8. CASO Q DIVIDE P − 1 85
Corolario 8.11. Sejam p, q ≥ 5 primos tais que p divide q − 1, entao a equacao
xp − yq = 1 nao possui solucao com x, y inteiros nulos.
Demonstracao. Como p | (q − 1), ou seja, existe um inteiro k tal que q = pk + 1,
vimos no corolario 7.4 que pq−1 ≡ 1 (mod q2). Assim
qp−1 = (1 + kp)p−1
= 1 + (p− 1)kp+
(p− 1
2
)(kp)2 + . . .+ (p− 1)(kp)p−1 + (kp)p−1
≡ 1 + (p− 1)kp (mod p2).
Do corolario 7.4 temos que 1 + (p− 1)kp ≡ 1 (mod p2). Como p nao divide p− 1,
logo p divide k, isto e, q e da forma q = 1 + lp2.
Observe que q nao pode ser da forma 1 + p2 e nem da forma 1 + 3p2, pois estes
numeros sao pares. E nao pode ser da forma 1 + 2p2 pois este numero e divisıvel
por 3. Portanto q ≥ 1 + 4p2 > 4(p− 1)2.
O numero s =
[3q
2(p− 1)2
]que aparece nas hipoteses do teorema 8.1 satisfaz s ≥
6. Vimos que a inequacao do lema 8.10 e satisfeita para os pares (6, 4), (7, 3) e (9, 2).
Assim, de acordo com o lema, a inequacao vale para todo par (s, k) com s ≥ 6 e
k ≥ 2 exceto para os pares (6, 3) e (s, k) tais que k = 2 e s ≤ 8
Tomando k = p−12
e aplicando o lema 8.10, segue que a desigualdade do teorema
8.1 e satisfeita para p ≥ 5, exceto para os casos com p−12
= 3 e s = 6 e p−12
= 2 e
s ≤ 8. Todavia, estes casos nao correspondem aos primos tais que p, q ≥ 5 e q ≡ 1
(mod p2), pois para p−12
= 3 e s = 6 temos que p = 7 e 3q2(p−1)2
< 7 o que implica
que q < 168. Por outro lado, q ≥ 1 + 4p2 = 197, gerando um absurdo.
Se p−12
= 2 e s ≤ 8, logo p = 5 e de s ≤ 8 segue que q < 96. Mas novamente
q ≥ 1 + 4p2 = 101, ou seja estes casos tambem geram um absurdo. Portanto, o
teorema 8.1 e satisfeito para todos os primos p, q ≥ 5, tais que q ≡ 1 (mod p).
Referencias Bibliograficas
[1] Akthar, R. Cyclotomic Euclidean Number
Fields Senior Thesis, Harvard University, 1995,
http://calico.mth.muohio.edu/reza/research/seniorthesis/seniorthesis.pdf
[2] Bennett, M. Pillai conjecture Revisited, J. of Num. Theo., 98, 228-235, 2003.
[3] Baker, A. Transcendental number theory. Cambridge University Press, London-
New York, 1975
[4] Bilu, Y.Catalan’s conjecture (after Mihailescu), Seminaire Boubaki, n 909,
2002-2003.
[5] Bilu, Y. Catalan without logarithmic (after Bugeaud, Hanrot and Mihailescu),
Journal de theorie des nombres de Bordeaux 17 (2005), 69-85. Disponivel na
internet em www.math.u-bordeaux.fr/yuri.
[6] Bugeaud, Y. & G. Hanrot, Un nouveu critere pour l’equation de Catalan,
Matematika, 47, 15-33, 2000.
[7] Bugeaud, Y. & Mihailescu, P. On the Nagell-Ljunggren equation xn−1x−1
= yq.
Math. Scand. 101 (2007), no. 2, 177–183
[8] Cassels, J.W.S. On the equation ax + by = 1, Amer J. of Maths, 75, 159-162,
1953.
[9] Cassels, J.W.S.On the equation ax + by = 1, Proc. Cambridge Phil. Soc. 56,
97-103, 1960.
[10] Catalan,E. Note extraite d’une lettre adressee a l’editeur, J. reine Angew. Math,
27, 192, 1844.
[11] Catalan, E. Quelques Theormes empiriques in Melanges Mathematiques, M.
Soc. Royale de sciences de Liege 12, 42-43, 1885.
86
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 87
[12] Chein, E.Z. A note on the equation x2 = yq + 1., Proc. Amer. Math. Soc. 56,
83-84, 1976.
[13] Cohen, H.Number Theory. Volume I: Tools and Diophantine Equations, Grad.
Texts Math. 239, 2007.
[14] Cohen, H.Number theory. Volume II: Analytic and modern tools, Grad. Texts
Math.240, 2007.
[15] Conway, J.B. Functions of one complex variable Grad. Texts Math. 11 1978.
[16] Clark, D.A Quadratic Field Wich I s Euclidean But Not Norm-Euclidean
Manus. Math. 83 327-330 1994.
[17] Daems, J.A cyclotomic proof of catalan’s conjecture, Master thesis, Leiden,
29/09/2003
[18] Dickson, L.E.History of the Number Theory vol. II, Chelsea, New York, 1952.
[19] Chao Ko, On the diophantine equation x2 = yn + 1, xy 6= 0, Acta Sci. Natur.
Univ. Szechaum 2, 57-64, 1960.
[20] Chao Ko, On the diophantine equation x2 = yn + 1, xy 6= 0, Sci. Sinica, 14,
457-460, 1965.
[21] Edwards, H.M. Fermat’s Last Theorem: A genetic Introduction to Algebraic
Number Theory, Grad. texts in Math.,Springer, 1977.
[22] Harper, M Z[√
14] is Euclidean, Cana. J. of Math, 56 55-70, 2004.
[23] Inkeri, K.On Catalan conjecture, J. Num. Theo. 34, 142-152, 1990.
[24] Lemmermeyer, F. The Euclidean Algorithm is Algebraic Number Fields,
http://www.rzuser.uni-heidelberg.de/ hb3/survey.ps.
[25] Lebesgue, V.A.Sur L’impossiblite, en nombres entiers, de ’equation xm = y2 +
1., Nouv. Ann. De Math., 9, 178-181, 1850.
[26] LeVeque, W.J. On the equation ax − by = 1, Amer. J. of Math. 74, 325-331,
1952.
[27] Makowski, A.Three consecutive integers cannot be powers, Colloquium Mathe-
maticum, IX:297, 1962.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 88
[28] Matsumura, H. Commutative ring Theory, Cambridge Studies in advanced
Mathematics 8.
[29] Marcus, D. Number fields, Unversitext, springer, 1977.
[30] Mignotte, M.A criterion on Catalan equation, J. Num. Theo. 52, 280-284, 1995.
[31] Mihailescu, P. A class Number of free Criterion for Catalan Conjecture, J.
Num. Theo. 99, 225-231, 2003.
[32] Mihailescu, P. Primary cyclotomic units and a proof of catalan’s conjecture, J.
Reine Angew. Math. ,572, 167-195, 2004.
[33] Mihailescu, P. On the class groups of cyclotomic extensions in presence of a
solution to Catalan’s equation, J. Num. Theo. 118, 123-144, 2006.
[34] Mihailescu, P. A cyclotomic investigation of the Catalan-Fermat Conjecture,
ww.arxiv.org, 2007.
[35] Mihailescu, P. On the Nagell-Ljunggren equation , Preprint.
[36] Metsankyla, T. Catalan’s conjecture: Another old diophatine problem solved,
Bul. Amer. Math. Soc. 41, 43-57, 2003.
[37] Mischler, M.& J. Boechat , La conjecture de catalan, Racontee a un ami qui a
le temps, www.arxiv.org, 2005.
[38] Nagell, T. Des equations inderterminees x2 + x+ 1 = yn and x2 + x+ 1 = 3yn
Norsk Matem. Forenings Skrifter I,2, 1921. (Veja Tambem: Collected Pap-
pers of Trygve Nagell, ed P. Ribenboim, Queens Papers in Pure and Applied
Math.121, Kingston, vol.1, 79-94, 2002)
[39] Niven, I. Diophantine Approxiation. Dover, 2008.
[40] Ono, T. An Introduction to Algebraic Number Theory, Plenum, The univ. Series
in Math., 1990.
[41] Ribenboim, P. Catalan’s Conjecture, Academic Press, San Diego, 1994.
[42] Rosen M.& K. Ireland, A classical introduction to modern number theory, Grad.
Texts Math. , second edition, 84, 1990.
[43] Serre, J.P. A Course in Arithmetic, Grad. Texts Math. 7 1973.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 89
[44] Scott, R. & R. Styer, On px − qy = c and related three term exponential dio-
phantine equations with prime bases, J. Num. Theo. 105, 212-234, 2004.
[45] Scott, R.& R. Styer, On the generalized Pillai equation ±ax ± by = c, J. Num.
Theo. 118, 236-265, 2006.
[46] Thaine, F. On the ideal class group of real abelian number fields, Ann. Math.
128, 1-18, 1988.
[47] Thaine, F. on Fermat’s last theorem and the arithmetic of Z[ζp+ζ−1p ]∗, J. Num.
Theo. 29, Nr. 3, 297-299, 1988.
[48] Tijdeman, R. On the equation of Catalan, Act. Arith. 29, 197-209, 1976.
[49] Washington, L. Introduction to Cyclotomic Fields, Springer, Grad. texts Math.
83, 1996.