a equa¸c˜ao de catalan ap´os mih˘ailescu · 5 teorema de cassels 43 ... 6.1 soma de gauss e de...

90
A equa¸ ao de Catalan ap´ os Mih˘ ailescu Aluno:Gabriel Araujo Guedes Orientador:Fabio E. Brochero Mart´ ınez 7 de junho de 2009

Upload: dinhquynh

Post on 10-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

A equacao de Catalan apos Mihailescu

Aluno:Gabriel Araujo Guedes

Orientador:Fabio E. Brochero Martınez

7 de junho de 2009

Sumario

1 Um pouco de Historia 5

2 Preliminares 9

2.1 Domınios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

2.2 Domınios de Dedekind e Ideais fracionarios . . . . . . . . . . . . . . . 13

2.3 Valorizacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

2.4 Equacao de Pell . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

2.5 Divisibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

3 Expoentes Pares 21

3.1 Caso q = 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

3.2 Caso p = 2 e q = 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

3.3 Caso p = 2 e q ≥ 5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

4 Um Pouco de Teoria Algebrica dos Numeros 28

4.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

4.2 Ramificacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

4.2.1 Teorema de Kummer-Dedekind . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

4.3 O Grupo de Classes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

4.4 Aneis de Grupo e Modulos Galoisianos . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

4.5 Unidades Ciclotomicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

5 Teorema de Cassels 43

5.1 Alguns Lemas Tecnicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

5.2 Teorema de Cassels . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

5.3 Estimativas para x e y . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

5.4 Aplicacoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

6 O teorema de Stickelberger 53

6.1 Soma de Gauss e de Jacobi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

1

SUMARIO 2

6.2 Valorizacao e caracteres especiais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

6.3 Teorema de Stickelberger . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

7 Resultados de Mihailescu 68

7.1 Generalizacao do teorema de Cassels . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

7.2 Quando p e q sao pequenos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

8 Caso q divide p− 1 77

8.1 O terceiro teorema de Mihailescu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

8.2 Consequencia Importante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84

Agradecimentos

Agradeco primeiramente a Deus, criador de mundos belos como a Terra, a Matematica

e tantos outros.

A minha Maeinha (Maria Pureza), meu porto seguro. Que do alto dos seus 1,50cm

foi e e amparo de muita gente. Ela que lutou tao bravamente e sozinha para que

minhas conquistas se tornassem possıveis.

A Fabio Brochero Martınez, meu orientador, pela dedicacao, entusiasmo, paciencia

e compreensao. A ele que nao foi so meu orientador, mas meu amigo.

Aos meus amigos verdadeiros (coisa muito difıcil de se ter hoje em dia), que tantos

bons momentos me proporcionaram: Gigi, Ricatti e formiga (Anderson).

Ao presidente Lula, no seu governo o Brasil investiu muito em ciencia e tecnologia.

Ao CNPq pelo suporte financeiro, sem o qual nada disso seria possıvel.

Ao professor Eduardo Shirlippie, que acreditou na minha capacidade e me deu a

possibilidade de trabalharmos juntos.

Ao professor Antonio Carlos, que me mostrou o mundo fascinante da teoria dos

numeros e quao instigante e este tema.

A Andrea e ao Valdney, que tanto trabalho os dei na secretaria da pos-graduacao

da UFMG.

Aos meus amigos mineiros Danilo e Dudu.

Ao professor Israel Vainsencher, que sempre me apoiou quando precisei.

Ao professor Renato Vidal, pelos conselhos e pelo bom-humor.

3

Resumo

Nesta dissertacao estudamos a conjectura de Catalan (a mesma levou 153 anos

para ser reslovida), um problema classico em equacoes diofantinas, a qual afirma

que as unicas solucoes inteiras nao nulas da equacao xu − yv = 1 sao (x, y, u, v) =

(±3, 2, 2, 3). Exibimos diversos resultados obtidos por Mihailescu quando o mesmo

resolveu a conjectura em 2002.

Nos primeiros capıtulos mostramos alguns resultados antigos, validando a con-

jectura quando u ou v e par.

No desenvolvimento da mesma enunciamos e demonstramos bons resultados da teo-

ria algebrica dos numeros, dedicando a alguns deles capıtulo inteiro, como por ex-

emplo, o teorema de Stikelberger.

Por fim, mergulhamos de vez na teoria criada por Mihailescu.

4

Capıtulo 1

Um pouco de Historia

Paulo Ribenboim observa em seu muito apreciavel livro [41] que problemas en-

volvendo potencias consecutivas ja vem intrigando matematicos por seculos. Em

“History of the number theory, vol. II” esta documentado que a primeira pergunta

feita neste sentido e devida a Phillippe de Vitry(1291-1361): Existe algum inteiro

m > 1 tal que 3m ± 1 e uma potencia de 2?

Cabe ressaltar que Vitry e muito mais conhecido como compositor e teorico da

musica do que como matematico. Este problema foi resolvido por Levi Ben Gerson

- Espanha, 1288-1344. Ele mostrou que se 3m ± 1 = 2n, entao m = 2 e n = 3.

Euler demonstrou em 1738, que se um cubo difere de um quadrado por mais ou

menos 1, entao estes numeros sao 8 e 9 (Euler tambem demonstrou que se um cubo

difere de um quadrado por 2, entao estes numeros sao 27 e 25). Sua prova baseia-se

no metodo da descida ao infinito, metodo inventado por Pierre Fermat, o Prıncipe

dos Amadores.

Em 1844 foi publicado no Crelle’s Journal o seguinte trecho de uma carta de Catalan

ao editor do Jornal:

“Je vous prie, Monsieur, de vouloir bien enoncer, dans votre recueil, le

theoreme suivant, que je crois vrai, bien que je n’aie pas encore reussi a

le demontrer completement: d’autres seront peut-etre plus heureux:

Deux nombres entiers consecutifs, autres que 8 et 9, ne peuvent etre des

puissances exactes; autrement dit: l’ equation xu−yv = 1 , dans l’aquelle

les inconnues sont entieres et positives, n’admet qu’une seule solution?”

Ou seja, a equacao xu − yv = 1 so possui a solucao x = v = 3 e y = u = 2.

O matematico belga Eugene Catalan (1814-1894), na epoca da publicacao desta

carta, era professor da Ecole Polytechnique de Paris. Ressaltamos que Catalan e

5

CAPITULO 1. UM POUCO DE HISTORIA 6

famoso pela solucao de um problema de analise combinatoria. Ate hoje a expressao–

numeros de Catalan– e usada para nomear uma sequencia relacionada a este prob-

lema.

Em 1850 (apenas 6 anos apos o problema ser formulado), o matematico Frances

Monsenhor Victor Amedee Lebesgue (1791-1875), mostrou que a equacao xu−y2 = 1

nao tem solucao inteira para u > 2. Na prova, Lebesgue usa a aritmetica dos inteiros

gaussianos, Z[i]. No fim do seu artigo, Lebesgue diz que os outros casos apresen-

tavam muita dificuldade e nao sabia onde Catalan tinha chegado. Na realidade,

Catalan nunca publicou nenhum grande resultado relacionado com sua conjectura.

Os poucos resultados que obteve, na verdade apenas observacoes ou fatos triviais,

foram publicados em seu Melanges Mathematiques XV de 1885 quando ja era profes-

sor da universidade de Liege, na Belgica. Neste artigo ele nos fala como era penoso

o tempo em que estava tentando resolver sua conjectura:

“Apres avoir perdu pres d’une annee a la recherche d’une demonstration

qui fuyait toujours, j’abandonnai cette recherche fatigante.”

Pouco progresso foi feito nas decadas seguintes. Todos os resultados tratavam

da equacao para expoentes especıficos. Somente em 1921, Nagell provou que as

equacoes x3 − yn = 1, xm − y3 = 1, nao possuem solucao se m > 2 e n > 2.

Em 1932, Selberg demonstrou que x4 − ym = 1 nao tem solucao para numeros

naturais e m > 1. Somente em 1965, o matematico Chines Ko Chao mostrou

que x2 − yv = 1 nao possui solucao inteira quando v ≥ 5, (na verdade, sua prova

foi publicada no oriente em 1960, mas este resultado so foi conhecido no ocidente

quando foi publicado novamente em 1965).

Observe que 120 anos separam os resultados de Lebesgue e o de Ko Chao. Com

estes resultados e facil ver que e necessario resolver a equacao apenas quando u e v

sao primos ımpares, isto e, xp − yq = 1, com p e q primos ımpares distintos.

Em 1953 e 1960, Cassels publicou dois trabalhos, que continham dentre outros

resultados aritmeticos que, se x e y sao inteiros positivos e cumprem a equacao

de Catalan, entao p divide y e q divide x. Em 1962, A. Makowski [27] mostrou,

usando estes resultados, num artigo bem curto, que tres inteiros consecutivos, nao

nulos, nao podem ser potencias perfeitas e em 1964 Hyyro, baseado nos resultados

de Cassels, determinou varias congruencias satisfeitas por x, y > 1 e p, q primos

ımpares satisfazendo xp − yp = 1.

A teoria desenvolvida pelo brilhante Alan Baker [3] sobre cotas efetivas para

uma grande classe de equacoes diofantinas tambem pode ser aplicada a equacao de

CAPITULO 1. UM POUCO DE HISTORIA 7

Catalan. Em 1976, Tijdemann [48], usando a teoria de Baker, provou o teorema

mais importante, antes do resultado de Mihailescu.

“ Existe uma constante positiva, efetiva e computavel C, tal que, se

m,n ≥ 2, x, y ≥ 1 e xm − yn = 1 entao x, y,m, n < C.”

Observe que este foi um grande passo, pois agora a conjectura de Catalan tinha

uma cota superior para suas solucoes, bastando por tanto verificar os casos menores

que esta cota. Todavia estas cotas eram imensas; como diz Tauno Metsankyla em

seu artigo expositivo, a Conjectura de Catalan permanecia “criptograficamente pro-

tegida”. Muitos esforcos teoricos-computacionais foram feitos nos anos seguintes,

para diminuir estas cotas, no qual o principal representante foi o matematico Michael

Bennett.

Inkeri definiu o conceito de “par de Wieferich” (uma analogia aos numeros de

Wieferich, usados na demonstracao parcial de Wieferich para o Ultimo Teorema

de Fermat) no contexto da equacao de Catalan. Chamamos de par de Wieferich o

par de primos ımpares (p, q) que satisfazem pq−1 ≡ 1 (mod q2) e qp−1 ≡ 1 (mod p2).

Em 1990, ele mostrou que se a conjectura de Catalan vale, entao ou (p, q) e um

par de Wieferich ou q divide hp ou p divide hq, onde hn representa o numero de

classe do corpo ciclotomico Q(ζn).

Em 2002, Preda Mihailescu, um matematico praticamente desconhecido da co-

munidade matematica, deu a primeira prova completa da conjectura. O mais bril-

hante da sua prova e que usava muito pouco de computacao, fazendo uso porem de

resultados profundos em teoria de corpos ciclotomicos. Mihailescu, nasceu em 1955

na Romenia, fez seus estudos na Eth Zurique, trabalhou muitos anos no mercado

financeiro e atualmente faz pesquisa na universidade de Paderbon. Nesta prova,

Mihailescu mostra um criterio de divisibilidade mais forte do que o achado por Cas-

sels, mostrando que q2 divide x e que p2 divide y. Em 1999 ele demonstrou que o

resultado de Inkeri era valido, quando sao eliminadas as condicoes de numeros de

classe. Em 2002, ele achou importantes relacoes satisfeitas pelo grupo de unidades

de corpos ciclotomicos.

Esta prova pode ser separada em dois grandes casos, que sao tratados de formas

diferentes:

1. Caso 1: p 6≡ 1 (mod q) e q 6≡ 1 (mod p)

2. Caso 2: p ≡ 1 (mod q) ou q ≡ 1 (mod p)

CAPITULO 1. UM POUCO DE HISTORIA 8

O primeiro caso e resolvido usando tecnicas algebricas em teoria de corpos ci-

clotomicos. Contudo, o segundo requer uma maquinaria analıtica complicada (argu-

mento de Tijdeman, formas lineares em logaritmos) e por pouco que seja faz uso de

recursos computacionais. Nesta dissertacao sera solucionado totalmente o segundo

caso.

Em 1999, Bugeaud e Hanrot provaram que toda solucao (x, y, p, q) da equacao

de Catalan com p > q, o expoente q divide o numero relativo de classe do corpo

Q(ζp). Note que este resultado nao foi usado na demonstracao da conjectura no

artigo de 2002. Em 2004, Mihailescu deu uma nova demonstracao do segundo caso,

atraves de uma mudanca no argumento de Bugeaud e Hanrot. A vantagem desta

nova prova esta no fato que tambem (como no primeiro caso) necessita apenas de

resultados de teoria algebrica dos numeros, nao dependendo de metodos analıticos

intrincados e nem de metodos computacionais. E uma prova limpa.

O estagio atual de pesquisa nesta area esta em:

1. Equacoes Super-Fermat

Que sao equacoes da forma xp + yp = zq com p e q primos distintos. Em um

de seus artigos, Mihailescu discute no apendice o porque das tecnicas “kum-

merianas” nao funcionarem para o Ultimo Teorema de Fermat e funcionarem

bem para a Conjectura de Catalan. Estas equacoes surgem como uma gen-

eralizacao das duas equacoes. Para um enfoque de formas modulares (com a

maquinaria desenvolvida por Wiles) veja o capıtulo escrito por Samir Siksek

no livro do Cohen [13]. Aqui sao consideradas equacoes mais gerais do tipo

xp + yq = zr com 1p

+ 1q

+ 1r< 1.

2. Conjectura de Pillai

E muito similar a Conjectura de Catalan, afirma que xu − yv = c so tem um

numero finito de solucoes para cada constante fixa c. Apesar da semelhanca,

esta equacao e muito mais complexa do que a de Catalan. As tecnicas atuais

parecem nao ser estendidas tao facilmente para a equacao de Pillai. Alguns

fatos importantes sobre a conjetura de Pillai podem ser encontradas no ar-

tigo de Michael Bennett [2]. Observamos que Chudowski tem reivindicado a

solucao desta conjectura. Porem, ainda nao submeteu nenhum artigo com a

prova.

3. Mihailescu e Bugeaud [7] tambem aplicaram suas tecnicas para dar cotas efe-

tivas para a equacao de Nagell-Junggren, xp−1x−1

= yq.

Capıtulo 2

Preliminares

Com o intuito de tornar este texto o mais auto-contido possıvel reunimos nesta secao

alguns resultados e definicoes que nao estao diretamente relacionados ao problema

de potencias consecutivas, mas que serao usados diversas vezes nas demonstracoes.

O leitor familiarizado com estes resultados podera ir direto as secoes seguintes,

retornando a esta quando achar necessario.

2.1 Domınios

Sejam A um anel comutativo (com identidade) e a um elemento de A, dizemos que

a e uma unidade, ou invertıvel, se existe b ∈ A tal que a · b = 1.

Um elemento q ∈ A nao unidade e chamado de irredutivel se toda vez que fatoramos

q = m · n, entao m ou n for uma unidade. E se o elemento p ∈ A e tal que toda

vez que p divide r · t com r e t nao unidades, entao p|r ou p|t diremos que p e um

elemento primo do anel A.

Seja R um domınio. Diremos que um ideal I ⊆ R e principal se ele e ger-

ado por um unico elemento, isto e, I = (a) = {ar : r ∈ R} e diremos que R e um

domınio de ideais principais (ou abreviadamente DIP) se todo ideal de R e principal.

O domınio R e dito Euclidiano (DE), se existe uma funcao ϕ de R\{0} em Ncom a seguinte propriedade: Se α, β ∈ R e β 6= 0 entao existem q, r ∈ R tais que

α = βq + r, onde r = 0 ou ϕ(r) < ϕ(β).

Definimos o domınio R como sendo de fatoracao unica (DFU) se R satisfaz as

seguintes propriedades:

1. Todo elemento nao-nulo a ∈ R pode ser escrito como a = up1p2 · · · pr onde u

e uma unidade e os pi’s sao irredutıveis.

9

CAPITULO 2. PRELIMINARES 10

2. Se a = vq1 · · · qs e outra fatoracao de a em irredutıveis, entao r = s e a menos

de reordenacao pi e associado de qi.

Proposicao 2.1. Todo domınio de ideais principais e um domınio de fatoracao

unica.(DIP⇒ DFU)

Este resultado tambem e conhecido como teorema fundamental da aritmetica

para DIP´S. Para demonstra-lo precisamos do seguinte lema.

Lema 2.2. Se R e um domınio de ideais principais, entao ele satisfaz a condicao

de cadeia ascendente, isto e, toda cadeia ascendente I1 ⊆ I2 ⊆ · · · ⊆ Ik ⊆ Ik+1 . . . e

estacionaria, ou seja, para algum n temos que In = In+1 = . . .

Prova do Lema. Se verifica diretamente I =⋃Ik e um ideal. Por R ser DIP temos

que I = (a). Como a ∈ I, entao a ∈ Ij para algum j e assim I = (a) ⊆ Ij.

Logo para todo i > j, Ii ⊆ I ⊆ Ij ⊆ Ii e assim Ij = Ii e consequentemente

Ij = Ij+1 = . . . = Ij+r = . . ..

Prova do teorema.

Existencia da fatoracao em irredutıveis.

Seja a0 ∈ R e a0 6= 0 e nao sendo unidade. Se a0 e um irredutıvel, nada temos

a mostrar. Agora, suponahmos por contradicao que a0 nao e produo de irredu-

tiveis,assim existem a1, b1 ∈ R nao unidades tais que a0 = a1b1. Se a1 e b1 podem

ser escritos como o produto de irredutıveis, entao a0 tambem pode.

Logo, suponhamos que a1 nao pode ser escrito como produto de irredutıveis. Por-

tanto, a1 = a2b2, onde nenhum dos termos e unidade.

Continuando este processo teremos uma sequencia a0, a1, . . . na qual an = an+1bn+1

e como bn+1 nao e unidade

(a0) ⊂ (a1) ⊂ . . . ⊂ (an) . . . ,

isto e, uma cadeia ascendente infinita, contrariando o lema anterior.

Unicidade da fatoracao.

Faremos por inducao sobre o numero de fatores irredutıveis do elemento. Seja a ∈ Rum elemento que possui duas fatoracoes, a = up1p2 · · · pr = vq1 · · · qs.Se r = 1 entao a e irredutıvel e claramente s = 1 e p1 = q1.

Suponhamos que todo elemento que e produto de r−1 irredutıveis e escrito de modo

unico (a menos da ordem e de associados). Entao temos que q1 = u1p1, isto implica

que u1a = u(u1p1)p2 · · · pr = u1vq1 · · · qs. Usando a igualdade acima e cancelando

p1 segue que up2p3 · · · pr = v1q2q3 · · · qs por hipotese estas fatoracoes sao iguais, logo

sera para o elemento a.

CAPITULO 2. PRELIMINARES 11

Proposicao 2.3. Todo domınio euclidiano R e um domınio de ideias principais.

(DE ⇒ DIP ⇒ DFU)

Demonstracao. Seja I um ideal de R. Se I = {0}, ele e automaticamente principal.

Suponhamos entao que I 6= {0}. Assim {ϕ(b) : b ∈ I, b 6= 0} e um conjunto nao

vazio de inteiros positivos, logo pelo princıpio da boa ordenacao, o mesmo possui

um elemento mınimo, que denotaremos por n. Seja b ∈ I, tal que ϕ(b) = n.

Afirmamos que I = (b). De fato, para todo a ∈ R, existem q e r, tais que, a = bq+r,

onde r = 0 ou ϕ(r) < ϕ(b). Se r 6= 0 temos que ϕ(r) < ϕ(b), mas isso contraria a

nossa escolha de ϕ(b) ser mınima. Portanto r = 0 e assim todo a ∈ I e da forma

a = bq e I e gerado por b.

Proposicao 2.4. Seja Z[√d] = {a + b

√d : a, b ∈ Z}. Se d = −2,−1, 2, 3 entao

Z[√d] e um domınio euclidiano, com ϕ(a+ b

√d) = |a2 − db2|.

Demonstracao. E facil verificar que Z[√d] e um domınio. Mostraremos que o mesmo

e euclidiano. Sejam a = a1 + a2

√d, b = b1 + b2

√d e

a

b=a1 + a2

√d

b1 + b2√d

=a1b1 − da2b2

b12 − db2

2 +(a2b1 − a1b2)

√d

b12 − db2

2 = x+ y√d, em que x, y ∈ Q.

Definimos

q = q1 + q2√d ∈ Z[

√d] tal que |x− q1| ≤

1

2, |y − q2| ≤

1

2

e r = a− bq = b((x− q1) + (y − q2)√d) ∈ Z[

√d].

Basta mostrar que ϕ(r) < ϕ(b).

E facil verificar que para δ, γ ∈ Q[√d], ϕ(δγ) = ϕ(δ) · ϕ(γ) e portanto ϕ(r) =

ϕ(b) ·ϕ(ab− q) , ou seja ϕ(r) = ϕ(b)[(x− q1)2−d(y− q2)2] e o termo entre parenteses

e no maximo 14+ 1

4|d| ≤ 1

4+ 3

4= 1. A unica possibilidade para a igualdade e quando

d = 3 (observe que d = −3 foi excluıdo na hipotese) e |x − q1| = 12

e |y − q2| = 12.

Neste caso, o termo entre parenteses e no maximo |14− 3(1

4)| = 1

2< 1. Isso mostra

que ϕ(r) < ϕ(b), portanto Z[√d] e um domınio euclidiano.

Observacao 2.5. Determinar se um domınio e euclideano ou nao, em geral, e um

problema extremamente difıcil e ainda em aberto para muitos casos. A norma como

definimos na proposicao anterior e dita a norma euclidiana. Para esta norma a clas-

sificacao dos domınios quadraticos, isto e Q(√d), que sao euclidianos esta completa.

Sabemos que Q(√d) e Euclidiano para d = −1,−2,−3,−7,−11, 2, 3, 5, 6, 7, 11, 13, 17,

19, 21, 29, 33, 37, 41, 57, 73. Contudo existem domınio quadraticos que sao euclideanos,

mas nao para a norma euclideana. O primeiro exemplo foi dado por Clark em [16],

CAPITULO 2. PRELIMINARES 12

o seu exemplo foi Q(√

69). Recentemente Malcon Harper [22] mostrou que Z[√

14]

e euclideano, mas nao para a norma euclideana. Uma boa referencia sao o artigo do

Lemmermeyer [24] e a dissertacao de mestrado de Akthar [1] .

Proposicao 2.6. Sejam d = 1, 2 ou 3 e n = a2 +db2 inteiro tal que mdc(a, db) = 1.

Se p e primo impar tal que p | n, entao p = e2 + df2 com e, f ∈ N.

Demonstracao. Como p|n, temos a2 ≡ −db2 (mod p), mas p nao divide abd, pois

caso contrario mdc(a, bd) 6= 1, assim b e invertivel modulo p. Portanto a congruencia

X2 ≡ −d (mod p) tem solucao. Seja A uma solucao de tal congruencia. Consider-

amos o conjunto

C = {(x, y) | 0 ≤ x, y ≤ √p}

que possui ([√p] + 1)2 > p elementos. A aplicacao

ϕ : C → Z/pZ(x, y) 7→ x+ Ay (mod p)

nao e injetiva, logo existem (x0, y0), (x1, y1) ∈ C tais que

x0 + Ay0 ≡ x1 + Ay1 (mod p)

assim

x0 − x1 ≡ A(y0 − y1) (mod p)

e elevando a congruencia ao quadrado

(x0 − x1)2 ≡ A2(y0 − y1)

2 (mod p),

mas ja vimos que A2 ≡ −d (mod p). Portanto p|(x0 − x1)2 + d(y0 − y1)

2.

Denotaremos x = x0 − x1 e y = y0 − y1. Observamos que 0 < x2 < p e 0 < y2 <

p. Multiplicando a segunda desigualdade por d e somando com a primeira temos

x2 + dy2 < (d+ 1)p. Assim x2 + dy2 = kp com k ∈ {1, 2, · · · , d}.Consideremos agora os casos:

1. Se d = 1 isto implica que x2 + y2 = p como queriamos.

2. Se d = 2 temos duas alternativas x2 + 2y2 = p ou 2p. Se x2 + 2y2 = 2p temos

que x e par, entao podemos fazer a substituicao x = 2x e portanto 2x2+y2 = p

como queriamos mostrar.

3. Por ultimo se d = 3 entao x2 +3y2 = p, 2p ou 3p. No caso x2 +3y2 = 3p temos

que 3|x assim x = 3x e logo 3x2 + y2 = p.

No caso x2 +3y2 = 2p temos que x e y tem a mesma paridade, assim x = z+w

e y = z−w com z, w ∈ Z. Entao 2p = (z+w)2 +3(z−w)2 = 4z2−4zw+4w2

logo 4 | 2p ouse 2 | p mas p e primo impar portanto este caso e impossivel.

CAPITULO 2. PRELIMINARES 13

Corolario 2.7. Nas mesmas hipoteses da proposicao , se m|n e m e impar entao

m = e2 + df2 com e, f ∈ Z.

Demonstracao. Como m e produto de primos que se escrevem da forma r2 + ds2,

basta mostrar que o produto de dois numeros desta forma e ainda desta forma, de

fato

(e21 + df21 )(e22 + df2

2 ) = (e1e2 + df1f2)2 + d(e1f2 − e2f1)

2.

Como queriamos demonstrar.

2.2 Domınios de Dedekind e Ideais fracionarios

Um domınio R e dito de Dedekind se satisfaz as seguintes condicoes:

(i) Todo ideal e finitamente gerado (isto e, ele e noetheriano).

(ii) Todo ideal primo nao nulo e maximal.

(iii) R e integralmente fechado em seu corpo de fracoes, isto e, se αβ∈ K, com K

corpo de fracoes de R, e raiz de algum polinomio monico sobre R, entao de

fato αβ∈ R.

Observe que existem tres definicoes equivalentes de ser noetheriano, a que apresen-

tamos acima e as seguintes:

(i.2) Toda cadeia ascendente de ideais e estacionaria.

(i.3) Todo conjunto nao vazio de ideais S possui um elemento maximal.

Observe que todo corpo e domınio de Dedekind, pois todo corpo e Noetheriano e

integralmente fechado e por vacuidade (corpo nao possui ideais proprios) todo ideal

primo e maximal. Se R um domınio e K seu corpo de fracoes, entao um ideal

fracionario I de R e um R-submodulo de K tal que xI ⊂ R para algum x ∈ K\{0},isto e, ele satisfaz as seguinte condicoes:

1) Se α, β ∈ I, entao α− β ∈ I.

2) Se α ∈ R, β ∈ I, entao αβ ∈ I.

3) Existe x ∈ K, x 6= 0 tal que xβ ∈ R para todo β ∈ I.

CAPITULO 2. PRELIMINARES 14

Dizemos que o ideal fracionario I e inteiro se I ⊂ R e se I e da forma xR com

x ∈ K∗ diremos que e principal. Diremos que I e um ideal fracionario primo se R/I

e um domınio.

Afirmacao 2.8. Se I e J sao ideais fracionarios, entao I + J , IJ , I ∩ J e I : J

tambem sao, onde I : J = {x ∈ K : xJ ⊂ I}.

Demonstracao. Basta verificar as condicoes acima.

Lema 2.9. Em um domınio de Dedekind todo ideal contem o produto de ideais

primos.

Demonstracao. Suponhamos por absurdo que nao, entao o conjunto dos ideais que

nao contem produto de ideais primos e nao vazio, logo ( pela caracterizacao (i.2)

de ser noetheriano) este conjunto tem um elemento maximal que designaremos por

M . Como M nao e primo, entao existem elementos r, s ∈ R\M tais que rs ∈ M .

Os ideais M + (r) e M + (s) sao estritamente maiores que M , portanto eles contem

produtos de primos; mas (M + (r))(M + (s)) esta contido em M , chegando assim a

um absurdo.

Lema 2.10. Seja A um ideal proprio em um domınio de Dedekind R e K seu corpo

de fracoes. Entao existe um elemento γ ∈ K\R tal que γA ⊂ R.

Demonstracao. Fixemos um elemento a ∈ A. Pelo lema anterior o ideal principal

(a) contem produto de ideais primos, digamos P1, P2, . . . , Pr com P1P2 . . . Pr ⊂ (a)

e r o menor valor possıvel. Pelo lema de Zorn temos que todo ideal esta contido

num ideal maximal P (e que tambem e primo por definicao). Assim A ⊂ P onde

P e primo, portanto P contem o produto P1P2 . . . Pr, consequentemente P contem

algum dos Pi. Suponhamos sem perda de generalidade que Pi ⊂ P . Pela segunda

condicao de domınios de Dedekind temos que P = Pi.

Finalmente relembre que (a) nao pode ser o produto de menos que r ideais primos,

em particular existe b ∈ (P2P3 . . . Pr)− (a) . E entao γ = ba∈ K\R e γA ⊂ R.

Teorema 2.11. Seja I ideal em um domınio de Dedekind R, entao existe um ideal

J tal que IJ e principal.

Demonstracao. Seja α um elemento nao nulo de I e J = {β ∈ R : βI ⊂ (α)}, obseve

que o lema 2.10 garante que J e nao trivial e claramente IJ ⊂ (α). Vamos agora

mostrar IJ ⊃ (α).

Seja A = 1αIJ e A ⊂ R. Se A = R, entao IJ = (α) e principal, caso contrario

terıamos que A e um ideal proprio. Logo pelo lema 2.10 existe γ ∈ K\R tal que

CAPITULO 2. PRELIMINARES 15

γA ⊂ R.

Queremos mostrar que este caso nao pode ocorrer, entao suponhamos por con-

tradicao que ele ocorra; como R e integralmente fechado em K, basta mostrar que

γ e raiz de um polinomio monico com coeficientes em R.

Observe que A = 1αIJ contem J pois α ∈ I e assim γJ ⊂ γA ⊂ R e segue que

γJ ⊂ J .

Fixando uma base α1, α2, . . . , αn para o ideal J e usando o fato de que γJ ⊂ J

obtemos que a equacao matricial

γ

α1

...

αn

= M

α1

...

αn

⇔ (M − γI)

α1

...

αn

= 0,

onde M e uma matriz n × n sobre R. Multiplicando aos dois lados pela matriz

autoadjunta, obtemos det(M − γI)~α = 0, de onde concluımos que γ e raiz do

polinomio monico p(x) = det(M − xI).

Corolario 2.12. Sejam A, B e C ideais num domınio de Dedekind tais que AB =

AC entao B = C. Essa propriedade e algumas vezes chamada de lema do corte.

Demonstracao. Pelo teorema anterior existe um ideal J tal que AJ = (a) e assim

JAB = JAC que e igual (a)B = (a)C e portanto B = C.

Dizemos que o ideal A divide o ideal B se existe um ideal C tal que AC = B.

Corolario 2.13. Sejam A e B ideais num domınio de Dedekind entao A|B se, e

somente se, B ⊂ A.

Demonstracao. (⇒) e imediato.

(⇐)Suponhamos que B ⊂ A, existe J tal que AJ = (α), assim BJ ⊂ (α),definido

C = 1αJB temos que C e um ideal de R e disto segue que AC = B.

Teorema 2.14. Todo ideal num domınio de Dedekind se fatora unicamente como

produto de ideais primos.

Demonstracao. Existencia

Suponhamos por contradicao que existam ideais que nao se fatoram como produto

de ideais primos, entao o conjunto destes ideais e nao vazio e pela propriedade

noetheriana este conjunto tem um elemento maximal que denotaremos por M .

Pelo lema de Zorn este ideal esta contido num ideal maximal e como todo ideal

maximal e primo. M esta contido num ideal primo P . Pelo corolario do teorema

anterior temos queM = PI. Assim I contemM e pelo lema do corte esta relacao (de

CAPITULO 2. PRELIMINARES 16

conter) e estrita, pois caso contrario se I = M entao RM = PM e consequentemente

R = P o que seria absurdo.

Entao I e estritamente maior que M , logo se decompoe em fatores primos, mas com

isto M tambem se decompoe em fatores primos, chegando ao absurdo desejado.

Unicidade

Suponhamos que exista um ideal I com duas fatoracoes P1P2 . . . Pr = Q1Q2 . . . Qs.

Assim P1 ⊃ Q1Q2 . . . Qs, o que implica em P1 ⊃ Qi para algum i. Reordenado

os termos se necessario, podemos supor Q1 ⊂ P1 e entao P1 = Q1 e pelo lema do

corte P2P3 . . . Pr = Q2Q3 . . . Qs, continuando este argumento acharemos que r = s

e Pi = Qi para todo i, mostrando assim a unicidade.

Definimos o inverso do ideal I o conjunto (que nao necessariamente e um ideal,

mas na verdade um ideal fracionario), I−1 = {α ∈ K : αI ⊂ R}. Diremos que I e

invertıvel se II−1 = R.

Observacao 2.15.

(a) Todo ideal principal e invertıvel.

(b) Em um domınio de Dedekind todo ideal e invertıvel.

2.3 Valorizacao

Seja m ∈ Z e m 6= 0 e p ∈ Z primo, dizemos que o primo p tem ordem e em m

se pe | m mas pe+1 - m. Denotaremos a ordem de p em m por e = ordp(m). Seja

l = mn∈ Q, definimos ordp(l) := ordp(m)− ordp(n).

Uma valorizacao p - adica nos numeros inteiros e uma funcao:

vp : Z∗ → Zm 7→ ordp(m)

que pode ser estendida para os racionais como

vp : Q∗ → Zmn

7→ ordp(m)− ordp(n)

Propriedades

1. vp(ab) = vp(a) + vp(b).

2. vp(a+ b) ≥ min{vp(a), vp(b)}.

3. Se p|a, b1, . . . , bk e vp(a) < vp(b1), . . . , vp(bk) entao vp(a+ b1 + · · ·+ bk) = vp(a).

CAPITULO 2. PRELIMINARES 17

2.4 Equacao de Pell

Chamamos de equacao de Pell a toda equacao da forma x2 − dy2 = 1. Observe que

se d e um numero negativo, entao esta equacao so tem as solucoes triviais. No caso

que d e um quadrado perfeito, d = k2, terıamos (x+ yk)(x− yk) = 1, que so possui

um numero finito de solucoes. Por fim, se d = ab2 podemos reescrever a equacao

como x2 − ay2 = 1 em que y = by, restando assim o caso interessante em que d e

um inteiro positivo livre de quadrados.

Dizemos que uma solucao da equacao de Pell e a fundamental se x0 + y0

√d > 1 e o

menor valor possıvel entre todas as solucoes nao triviais.

Teorema 2.16. Seja d um inteiro positivo livre de quadrados. Se (x0, y0) e a solucao

fundamental, entao existem infinitas solucoes inteiras e todas sao da forma (xn, yn),

onde xn + yn√d = (x0 + y0

√d)n e n ∈ N.

Demonstracao. Antes de comecar com a demonstracao, faremos duas obeservacoes.

Note que a definicao acima dos inteiros xn, yn independe da escolha do sinal, isto e,

se tomarmos xn + yn√d = (x0 + y0

√d)n ou xn − yn

√d = (x0 − y0

√d)n, estes sao os

mesmo.

Para verificar isto, basta separar potencias ımpares e pares no desevolvimento bino-

mial de (x0 ± y0

√d)n.

Observe que o produto de duas solucoes da equacao de Pell tambem e solucao.

Seja (x0, y0) a solucao fundamental. Notemos que x02 − dy0

2 = 1 implica que

(x0 + y0

√d)n(x0 − y0

√d)n = (x0

2 − dy02)n = (1)n = 1.

Assim mostramos que existem infinitas solucoes.

Suponhamos agora, por contradicao, que existe um par de inteiros (a, b) tais que

a2 − db2 = 1, com a 6= xn e/ou b 6= yn, para todo n ∈ N.

Como 1 < x0 + y0

√d e mınima, entao existem solucoes (xi, yi) e (xi+1, yi+1) tais que

xi + yi√d < a+ b

√d < xi+1 + yi+1

√d,

multiplicando a desigualdade anterior por xi−yi√d = (xi+yi

√d)−1 = (x0+y0

√d)−i

obtemos

1 < (axi − dbyi) + (bxi − ayi)√d < x0 + y0

√d.

Portanto (axi − dbyi, bxi − ayi) e uma solucao menor que a solucao fundamental,

chegando a um absurdo.

Mostraremos agora que a equacao de Pell sempre possui pelo menos uma solucao.

Para isso mostraremos primeiro um resultado de aproximacoes diofantinas.

CAPITULO 2. PRELIMINARES 18

Proposicao 2.17 (Dirichlet). Seja α um numero irracional. Entao existem infinitos

racionais pq∈ Q tais que |α− p

q| ≤ 1

q2.

Demonstracao. Seja Q um inteiro positivo arbitrario; definimos o conjunto C =

{qα− [qα] : q = 0, 1, . . . Q}, onde [ ] denotando a funcao parte inteira.

Este conjunto possui Q + 1 numeros distintos no intervalo (0, 1); pelo princıpio

das casas dos pombos existem inteiros q1, q2 com 0 ≤ q1 < q2 ≤ Q, satisfazendo

|(q1α− [q1α])− (q2α− [q2α])| < 1Q

.

E assim ∣∣∣∣ [q2α]− [q1α]

q2 − q1− α

∣∣∣∣ < 1

(q2 − q1)Q≤ 1

(q2 − q1)2.

Portanto conforme aumentemos o inteiro Q iremos obter uma infinidade de racionais

satisfazendo a desigualdade.

Teorema 2.18 (Lagrange). A equacao x2−dy2 = 1, com d um inteiro positivo livre

de quadrados, sempre possui solucao.

Demonstracao. Definimos a seguinte funcao norma:

N : Q[√d] → Q

x+ y√d 7→ x2 − dy2

Como foi observado na demonstracao da proposicao 2.4, esta funcao e multi-

plicativa, isto e, δ, γ ∈ Q[√d], N(δγ) = N(δ) · N(γ). Seja p

q∈ Q um numero

racional tal que |√d− p

q| ≤ 1

q2. Pela proposicao 2.17, existem infinitos racionais com

esta propriedade.

Assim como esta desigualdade e valida temos

|p2 − dq2| = |p− q√d||p+ q

√d| = q

∣∣∣∣√d− p

q

∣∣∣∣ |p+ q√d|

< q · 1

q2· |p+ q

√d| =

∣∣∣∣√d+p

q

∣∣∣∣≤ 2

√d+

∣∣∣∣√d− p

q

∣∣∣∣ < 2√d+ 1.

Considerando infinitos valores de inteiros positivos (pn, qn) com

∣∣∣∣√d− pnqn

∣∣∣∣ < 1

qn2

teremos sempre que |pn2 − dqn2| < 2

√d+ 1, e portanto temos um numero finito de

possibilidades para o valor (inteiro) de pn2 − dqn

2.

Consequentemente, existe um inteiro k 6= 0 para infinitos valores de n. Obtemos

portanto duas sequencias crescentes de inteiros positivos (ur) e (vr) com r ∈ N, tais

que ur2 − dvr

2 = k para todo r.

CAPITULO 2. PRELIMINARES 19

Como ha apenas |k|2 possibilidades para os pares (ur (mod |k|)), (vr (mod |k|)),existem infinitos valores de r, e inteiros a e b, tais que ur ≡ a (mod |k|) e vr ≡ b

(mod |k|). Tomamos entao r < s com as propriedades acima. Seja

x+ y√d =

us + vs√d

ur + vr√d

=(us + vs

√d)(ur − vr

√d)

us2 − dvs2

= (usur − dvsvr

k) + (

urvs − usvrk

)√d.

Observe que usur − dvsvr ≡ ur2 − dvr

2 ≡ 0 (mod |k|) e urvs − usvr ≡ ab − ab ≡ 0

(mod |k|) e portanto, x e y sao inteiros.

Por outro lado, (x+y√d)(ur +vr

√d) = (us+vs

√d) e aplicando a norma temos que

N(x+ y√d)N(ur + vr

√d) = N(us + vs

√d),

mas

N(ur + vr√d) = N(us + vs

√d) = k,

segue entao que N(x+ y√d) = x2 − dy2 = 1.

Para o leitor interessado em equacoes mais gerais do tipo ±Ex2 ± Fy2 = G

indicamos [41] e ainda para aqueles interessados em aproximacoes diofantinas in-

dicamos [39].

2.5 Divisibilidade

Nesta secao faremos dois lemas sobre divisibilidade que serao muito utilizados no

restante da dissertacao.

Lema 2.19. Sejam a, b ∈ Z, com mdc(a, b) = 1 e p primo entao

mdc

(ap − bp

a− b, a− b

)= 1 ou p.

Demonstracao. Observe queap − bp

a− b= ap−1 + ap−2b+ . . .+ abp−2 + bp−1.

Do fato que a ≡ b (mod a− b), temos que

ap − bp

a− b≡ ap−1 + ap−1 + . . .+ ap−1 + ap−1 ≡ pap−1 (mod a− b).

Assim mdc

(ap − bp

a− b, a− b

)= mdc(pap−1, a− b) = mdc(p, a− b).

Lema 2.20. Sejam a, b ∈ Z, com mdc(a, b) = 1, p e q primos, um deles diferente

de 2, p - c e ap − bp = cq, entao a− b eap − bp

a− bsao potencias q-esimas.

CAPITULO 2. PRELIMINARES 20

Demonstracao. Dado que cq = ap − bp = (a− b) · ap − bp

a− b= cq, e por hipotese p - c

assim p - a− b. Segue do lema anterior que mdc

(ap − bp

a− b, a− b

)= 1.

Como o produto deles e uma potencia q-esima e eles nao tem fator comum, con-

cluımos que cada um deles e uma potencia q-esima.

Apesar da simplicidade do lema acima, ele sera empregado diversas vezes e de

forma essencial na demonstracao do teorema de Ko Chao. E tambem e utilizado

para demonstar a importante relacao que segue abaixo.

Lema 2.21. Sejam p, q primos x, y ≥ 2 e xp − yq = 1.

(1) Se p e ımpar, entao{x− 1 = aq com y = aa′, p - aa′xp−1x−1

= a′q mdc(a, a′) = 1

ou {x− 1 = pq−1aq com y = paa′, p - a′xp−1x−1

= pa′q mdc(a, a′) = 1

(2) Se q e ımpar, entao {y − 1 = bp com x = bb′, q - bb′yq−1y−1

= b′q mdc(b, b′) = 1

ou {y − 1 = qp−1bp com x = qbb′, p - b′yp−1y−1

= qb′p mdc(b, b′) = 1

Demonstracao. (1)Temos que yq = xp−1 = (x−1)(xp−1x−1

), pelo lema 2.19 mdc(x−

1, xp−1x−1

) = 1 ou p. O primeiro caso se deduz do fato se mdc(x − 1, xp−1x−1

) = 1. No

segundo caso p|y, temos p2 - xp−1x−1

e do lema 2.20 isto nos da o segundo caso.

(2) E analogo ao caso anterior.

Capıtulo 3

Expoentes Pares

Como ja falamos nas notas historicas, Mihailescu resolveu a conjectura de Catalan

para p e q primos ımpares. Os casos em que p ou q e igual 2 foram resolvidos

anteriormente por outros matematicos. Neste capıtulo, iremos mostrar a validade

da conjectura nestes casos particulares em que um dos expoentes e par.

3.1 Caso q = 2

Este teorema e devido ao matematico frances Monsenhor Victor Amedee Lebesgue

(1791 - 1875). Nao confundir com seu homonimo mais famoso Henri Leon Lebesgue

(1875-1941), criador de uma generalizacao da integral de Riemann, a qual atual-

mente tem seu nome como homenagem.

Teorema 3.1 (V. Lebesgue). Se p e um primo ımpar, entao a equacao

xp − y2 = 1 (3.1)

nao tem solucao nos numeros inteiros nao nulos.

Demonstracao. Suponhamos por absurdo que existe uma solucao.

No caso em que x e par, temos que 4|xp, o que implica que −y2 ≡ 1 (mod 4) ou

equivalentemente y2 ≡ 3 (mod 4) o que e absurdo, ja que todo quadrado e congru-

ente a 0 ou 1 modulo 4. Logo x e ımpar e consequentemente y e par.

Fatoramos xp = (y − i)(y + i) em Z[i], que e um domınio de fatoracao unica,

mais ainda como mostramos anteriormente e um domınio euclideano.

Observamos que y − i e y + i sao coprimos em Z[i], caso contrario, se π um

irredutıvel de Z[i] e π divide simultaneamente (y + i) e (y − i), logo π divide a

diferenca, π|(y+ i)− (y− i),ou seja, π|2i, mas como i e uma unidade em Z[i] temos

21

CAPITULO 3. EXPOENTES PARES 22

que π|2 e isto implica que 2|x, absurdo uma vez que x e ımpar.

Concluımos que y+ i e y− i sao coprimos em Z[i] e entao pelo teorema fundamental

da aritmetica cada um sera uma potencia p-esima de um elemento de Z[i], isto e,

y + i = (a+ bi)p =

p∑j=0

(p

j

)ajbp−j(i)p−j (3.2)

y − i = (a− bi)p =

p∑j=0

(p

j

)ajbp−j(−i)p−j (3.3)

Tomando a diferenca das equacoes acima obtemos que

2i =

p−12∑j=0

(p

j

)ajbp−j[(i)p−j − (−i)p−j],

mas

(i)p−j − (−i)p−j = (i)p−j[1− (−1)p−j] =

{2(−i)p−j, se p− j e impar

0, se p− j e par,

assim, como p e ımpar, so sobrevivem no somatorio os termos em que j e par,

logo

2i = 2

p−12∑

k=0

(p

2k

)a2kbp−2k(i)p−2k.

Dividindo os dois lados da igualdade por 2i chegamos a

1 =

p−12∑

k=1

(p

2k

)a2kbp−2kip−2k−1. (3.4)

Colocando b em evidencia

1 = b

p−12∑

k=1

(p

2k

)a2kbp−2k−1ip−2k−1,

portanto b divide 1, ou seja, b = ±1.

Voltando a equacao original temos que

xp = y2 + 1 = (a+ i)p(a− i)p = (a2 + 1)p,

assim x = a2 + 1 e como x e ımpar segue que a e par.

CAPITULO 3. EXPOENTES PARES 23

Pela equacao 3.4 e substituindo na mesma a igualdade i2 = −1

±1 =

p−12∑

k=0

(p

2k

)a2k(−1)

p−12−k = (−1)

p−12

p−12∑

k=0

(p

2k

)a2k(−1)k

simplificando obtemosp−12∑

k=0

(p

2k

)(−a2)k = ±1.

Olhando essa equacao modulo p temos que o lado esquerdo e congruente a 1, uma

vez que p divide todos os coeficientes binomiais, exceto o primeiro. Logo, o lado

direito tambem tem que ser igual a 1, assim podemos cortar o primeiro termo do

somatorio obtendo

Entaop−12∑

k=1

(p

2k

)(−a2)k = 0

ou de forma analoga

p−12∑

k=2

(p

2k

)(−a2)k =

(p

2

)a2. (3.5)

Para mostrar que a equacao anterior nao tem solucao trivial em a, suponhamos

que tem e obtemos uma contradicao, mostrando que todos os fatores ao lado es-

querdo tem mais fatores de 2 que o lado direito, isto e, mostrando que equacao 3.5

nao tem solucao com a par e nao nulo.

Para isto, usando a valorizacao 2-adica, mostraremos a seguinte desigualdade

v2

(a2

(p

2

))< v2

p−12∑

k=2

(p

2k

)(−a2)k

o que nos levara a impossibilidade da igualdade em 3.5.

Comecamos por calcular(p2k

)(p2

) =

p!(p−2k)!(2k)!

p!(p−2)!2!

=(p− 2)!

(p− 2k)!(2k − 2)!· 2

2k(2k − 1)=

(p− 2

2k − 2

)· 1

k(2k − 1)·

aplicando a valorizacao 2-adica a equacao acima temos que

v2

((p2k

)(p2

) ) = v2

((p− 2

2k − 2

)· 1

k(2k − 1)

)= v2

((p− 2

2k − 2

))− v2(k) ≥ −v2(k)

CAPITULO 3. EXPOENTES PARES 24

Observemos que a e par, logo v2(a) ≥ 1 e para todo inteiro k > 1 se tem k < 22k−2,

assim v2(k) < 2k − 2 e 2k − 2− v2(k) > 0.

Portanto,

v2

(a2k(p2k

)a2(p2

) ) = (2k − 2)v2(a) + v2

((p2k

)(p2

) ) ≥ (2k − 2)− v2(k) > 0.

Utilizando o fato que v2(mn) = v2(m)+ v2(n), a desigualdade acima nos diz que

v2

(a2(p2

))< v2

((p2k

)a2k)

para k > 1, chegando na contradicao desejada.

3.2 Caso p = 2 e q = 3

Nesta secao, estudaremos o caso em que p = 2 e q = 3. Este resultado e um

teorema devido ao grande matematico Leonhard Euler que o demonstrou em 1738,

muito antes da Conjectura de Catalan ser formulada. Na bibliografia existente,

encontramos diversas demonstracoes deste teorema. As provas curtas usam tecnicas

razoavelmente avancadas e as demonstracoes elementares continham paginas e mais

paginas de conta.

A demonstracao dada aqui e uma adaptacao nossa das provas elementares, tendo

em vista diminuir o tamanho das mesmas.

Para o leitor mais curioso, e muito interessante comparar a demonstracao dada por

Euler e a demonstracao usando pontos racionais sobre curvas elıpticas. E perceber

que Euler, mesmo sem saber, estava utilizando de modo rudimentar esta teoria.

Como referencia indicamos [17].

Teorema 3.2 (Euler). As unicas solucoes da equacao

x2 − y3 = 1

com x, y inteiros nao nulos sao (±3, 2).

Para provar este teorema precisamos do seguinte lema.

Lema 3.3. A equacao x3 + y3 = 2z3 so tem as solucoes ±(1, 1, 1) nos inteiros nao

nulos com mdc(x, y, z) = 1.

Prova do lema. Utilizaremos o metodo de descida infinita de Fermat. Suponhamos

que exista uma solucao (x, y, z) que e minimal, isto e, |xyz| e o menor possıvel.

Como x e y tem a mesma paridade podemos fazer a seguinte mudanca de variaveis

CAPITULO 3. EXPOENTES PARES 25

x = p+q e y = p−q, com (p, q) = 1. Note que no caso em que p ou q e nulo teremos

as solucoes triviais, portanto podemos supor que p e q sao nao nulos. Assim

2z3 = (p+ q)3 + (p− q)3

= (p3 + 3p2q + 3pq2 + q3) + (p3 − 3p2q + 3pq2 − q3)

= 2p(p2 + 3q2)

Observe que (p, p2 + 3q2) = (p, 3q2) = (p, 3). Logo temos dois possıveis casos a

considerar:

1. Se 3 - z, neste caso p e p2 + 3q2 sao coprimos e logo, cubos perfeitos, isto e,

p = r3 e p2 + 3q2 = s3. Pelo corolario 2.6 existem u e v tais que

s = u2 + 3v2, p = u(u2 − 9v2) e q = 3v(u2 − v2) com (u, 3v) = 1.

Mas p = r3 = u(u − 3v)(u + 3v), fazendo u − 3v = a3, u + 3v = b3 e u = c3,

chegamos a a3 + b3 = 2c3, entretanto, nossa hipotese e de que |xyz| e o menor

possıvel, portanto para concluir a prova basta mostrar que |abc| < |xyz|.De fato, |abc| < |xyz| se, e somente se, |abc|3 < |xyz|3 ou equivalentemente

|p| < |p+ q||p− q||p2 + 3q2|, que simplificando 1 < |p2 − q2||p2 + 3q2| o que e

sempre verdade.

2. Suponhamos agora que 3|z. Fazendo a mesma substituicao do caso anterior,

temos que p(p2 + 3q2) = 27z3 como ja vimos anteriormente (p, p2 + 3q2) =

(p, 3q2) = (p, 3) e isto implica que (p, 3) = 3; caso contrario a equacao seria

divisıvel por 3 do lado direito, mas nao ao lado esquerdo. Assim tomando

p = 3p com isto p(3p2 + q2) = 3z3 e pelo mesmo argumento 3|p.Entao facamos p = 3p = 9p e obtenhamos p(27p2 + q2) = z3 e de imediato

p = r3 , 27p2+q2 = s3, analogamente ao caso anterior r3 = p = u(u−v)(u+v)

e q = u(u − 3v)(u + 3v). Neste ponto a prova e similar ao caso anterior, e e

deixada para o leitor interessado.

Prova do teorema. Escrevendo a equacao da seguinte forma x2 − 1 = y3 ou ainda

(x− 1)(x + 1) = y3. Calculando o maximo divisor comum entre os fatores do lado

esquerdo da equacao anterior temos que mdc(x− 1, x+ 1) = mdc(x− 1, 2).

Se x e par (x− 1, 2) = 1 e entao x− 1 = m3 e x + 1 = n3 ⇒ n3 −m3 = 2, porem,

os unicos cubos cuja diferenca e 2 sao 1 e −1. O que implica em x = 0 o que foi

descartado nas hipoteses.

Se x e ımpar (2, x − 1) = 2 e portanto x + 1 = 4a3 e x − 1 = 2b3, 2 = 4a3 − 2b3 e

CAPITULO 3. EXPOENTES PARES 26

1 = 2a3 − b3.

Homogeneizando esta ultima equacao temos que c3 + b3 = 2a3 e pelo lema anterior

sabemos que esta so possui as solucoes ±(1, 1, 1) e isto nos leva as solucoes desejadas

x = ±3, y = 2.

3.3 Caso p = 2 e q ≥ 5

Este teorema foi primeiramente demonstrado pelo matematico chines Ko Chao em

1960. Uma prova bastante elementar foi apresentada por E. Chein em 1976 . Apre-

sentaremos aqui a prova devida a H.W. Lenstra Jr., que e uma modificacao da prova

de E. Chein. Observe como curiosidade, que entre este resultado e o demonstrado

por Euler passaram-se 227 anos.

Teorema 3.4 (Ko Chao). Seja q ≥ 5 primo, entao a equacao

x2 − yq = 1

nao tem solucao em inteiros nao nulos.

Observemos que se x e solucao, entao −x tambem sera, logo podemos assumir

x > 0 e como q e ımpar se y < 0 entao x2 − yq ≥ 2 e assim podemos supor y > 0.

Demonstracao. Suponhamos x e par e portanto y e ımpar. Fazendo yq = x2 − 1 =

(x−1)(x+1) e utilizando o lema 2.20 temos que x−1 e x+1 sao potencias q-esimas,

ou seja, x − 1 = sq e x + 1 = tq ⇒ tq − sq = 2 com s, t ∈ Z e q ≥ 5. Com isto a

unica solucao e t = 1 e s = −1, mas isso implica que x = 0, o que foi descartado

nas hipoteses.

Agora, analisamos o caso em que x e ımpar e y e par. Neste caso x+ 1 e x− 1 sao

pares e mdc(x+1, x−1) = 2. Daqui temos dois sub-casos. No caso que x−12

e ımpar

temos quex− 1

2= wq,

x+ 1

2= 2q−2zq

e

y = 2wz com mdc(w, 2z) = 1.

Assim

wq =x+ 1

2− 1 = 2q−2zq − 1 ≥ (2q−2 − 1)zq,

isto e, (wz

)q≥ 2q−2 − 1 > 1,

CAPITULO 3. EXPOENTES PARES 27

portanto w > z.

Por outro lado

w2q =

(x− 1

2

)2

=x2 − 2x+ 1

4=x2 + 6x+ 9− 8(x+ 1)

4=

(x+ 3

2

)2

− (2z)q .

Chegando a equacao (w2)q + (2z)q = (x+32

)2. Se q - x+32

temos pelo lema 2.18 que

w2 + 2z e um quadrado. Mas w2 < w2 + 2z < w2 + 2w < (w + 1)2 assim w2 + 2z

nao pode ser um quadrado, logo q|x+32

, mas por hipotese q > 3, assim q - x .

De forma similar no caso que x+12

= wq , x−12

= 2q−2zq e usando a equacao (w2)q +

(2z)q = (x−32

)2. Concluımos analogamente que q|x−32

e portanto q - x.Voltando a equacao original temos que x2 = yq + 1q. Como q - x, pelo lema

2.20 temos que y + 1 = s2. Logo, concluımos que (s, 1) e (x, yq−12 ) sao solucoes da

equacao de Pell

u2 − yv2 = 1 .

Observe que (s, 1) e uma solucao fundamental pela minimalidade da segunda coor-

denada, entao existe um natural m ∈ N tal que

x+ yq−12√y = (s+

√y)m .

Assim

x = sm +

(m

2

)sm−2y +

(m

4

)sm−4y2 . . .

yq−12 = msm−1 +

(m

3

)sm−3y +

(m

5

)sm−5y3 . . .

(3.6)

Desta segunda equacao temos em particular que y divide o termo msm−1, ou seja,

msm−1 ≡ 0 (mod y) .

Como y e par e s e ımpar segue que m e par. Novamente usando a segunda equacao

temos que cada somando a direita esta elevado a um potencia ımpar, em particular

temos que s | y p−12 .

Mas y + 1 = s2 , assim y ≡ −1 (mod s) elevando tudo a q−12

ficamos com

yq−12 ≡ (−1)

q−12 ≡ 0 (mod s),

isto implica que, s = 1 e neste caso y = 0. Portanto a unica solucao de x2 = yq + 1

e x± 1 e y = 0.

Capıtulo 4

Um Pouco de Teoria Algebrica dos

Numeros

Antes de comecarmos com a demonstracao de Mihailescu propriamente dita, relem-

braremos neste capıtulo alguns conceitos, definicoes e teoremas de teoria algebrica

dos numeros e teoria de corpos ciclotomicos, que serao importantes nos capıtulos

seguintes.

4.1 Introducao

Um corpo K e chamado de corpo numerico se ele for uma extensao algebrica finita

de Q como espaco vetorial, isto e, Q < K = Q[α] onde α e um numero algebrico.

Se α e raiz de um polinomio ciclotomico, dizemos que Q[α] e um corpo ciclotomico.

Dizemos que um corpo K e perfeito se e de caracterıstica zero ou se tiver carac-

terıstica prima p com Kp = K. Sejam K < L corpos onde K e um corpo perfeito.

L e chamada extensao galoisiana de K se satisfaz alguma das seguintes afirmacoes

equivalentes:

(i) Todo polinomio irredutıvel sobre K que possui uma raiz em L se decompoe

totalmente em L, ou seja, se α ∈ L e raiz do polinomio f(x) irredutıvel sobre

K, entao todos os conjugados de α (raızes do mesmo polinomio) tambem

pertencem a L.

(ii) Existem exatamente n = [L : K] automorfismo de L que fixam K, tambem

chamados de K-automorfismos de L.

(iii) Se σ e um K morfismo de L sobre K, entao σ(L) ⊂ L, onde K denota o fecho

algebrico do corpo K.

28

CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 29

Definimos o grupo de Galois de uma extensao K < L como o grupo gerado pelos

automorfismos de L que fixam K e o denotamos por Gal(L/K).

Por outra lado, chamamos um numero complexo de inteiro algebrico se ele e raiz

de um polinomio monico com coeficientes inteiros.

As seguintes afirmacoes sao equivalentes:( e para sua demonstracao nos indicamos

Marcus[29], pagina 15)

(a) α e algebrico;

(b) O grupo aditivo do anel Z[α] e finitamente gerado;

(c) O elemento α pertence a algum subanel de C que possui o subgrupo aditivo

finitamente gerado;

(d) αA ⊂ A para algum subgrupo aditivo finitamente gerado A ⊂ C;

Se γ, δ sao dois inteiros algebricos, usando (c) vemos que γ+ δ e γδ sao inteiros

algebricos, pois sao elementos da extensao algebrica Z[γ, δ].

Com a observacao acima percebemos que o subconjunto dos inteiros algebricos e

um anel, o qual sera denotado por A. Em particular A∩K e um subanel para todo

corpo numerico K chamado anel de inteiros algebricos do corpo K e e denotado

por Ok. Se K = Q(ζ) e um corpo ciclotomico, entao seu anel de inteiros sera

OK = A ∩ Q(ζ) = Z[ζ]. A prova deste fato pode ser encontrada em Washington

[49], paginas 2 a 4.

Proposicao 4.1. Sejam a0, a1, . . . , an inteiros algebricos e α um numero complexo

que satisfaz

αn+1 + anαn + · · ·+ a1α+ a0 = 0.

Entao α e um inteiro algebrico.

Demonstracao. Seja mj o grau do polinomio mınimo de aj sobre Z. Assim o con-

junto de monomios

{αjak00 · · · aknn | 0 ≤ j ≤ n, 0 ≤ ki ≤ mi, i = 0, . . . n}

e um conjunto de geradores como Z-modulo de Z[a0, . . . , an, α], isto e, Z[a0, . . . , an, α]

e finitamente gerado como grupo aditivo, e assim pelo item (c) da observacao ante-

rior temos que α e um inteiro algebrico.

Proposicao 4.2 (Kronecker). Seja p(x) ∈ Z[x] um polinomio monico com coefi-

cientes inteiros. Suponha que todas as raızes de p(x) nos numeros complexos tem

modulo 1. Entao todas as raızes de p(x) sao raızes da unidade.

CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 30

Demonstracao. Sem perda de generalidade, podemos assumir que p(x) e irredutıvel

em Z. Escrevemos p(x) = (x − α1) · · · (x − αn) com αj ∈ C. Para cada k ∈N consideremos o polinomio pk(x) = (x − αk1) · · · (x − αkn). Observemos que os

coeficientes de pk sao polinomios simetricos em αk1, . . . , αkn, e portanto tambem sao

polinomios simetricos em α1, . . . , αn, logo podem ser escritos como polinomios que

dependem das funcoes simetricas elementares de α1, . . . , αn, que coincidem com os

coeficientes de p,mas os estes sao inteiros, logo os coeficientes de pk sao inteiros.

Por outra parte, como |αkj | = 1 temos que o coeficiente de xn−m de pk(x) e um

numero inteiro que em modulo e menor do que(nm

). Isto implica que o numero

de possıveis polinomios pk e finito e portanto o numero de valores possıveis para

αkj , com k ∈ N e finito. Segue que existem k1 6= k2 tais que αk1j = αk2j , ou seja,

αk2−k1j = 1 e portanto αj e uma raiz da unidade.

Corolario 4.3. Se α e um inteiro algebrico e todos os seus conjugados tem modulo

1 em C, entao α e uma raiz da unidade.

Se denotarmos por σ1, σ2, . . . , σn todas as imersoes de K em C, definiremos a

norma e o traco de um numero algebrico α como sendo:

• A norma de α e N(α) = σ1(α)σ2(α) . . . σn(α).

• E o traco como sendo T (α) = σ1(α) + σ2(α) + . . .+ σn(α).

Sejam p um numero primo ımpar e φp(x) o p-esimo polinomio ciclotomico em Q[x],

explicitamente φp(x) = xp−1x−1

= xp−1 + xp−2 + . . . + x + 1. Fazendo a translacao

φp(x+ 1) e aplicando o Criterio de Eisenstein concluımos que φp(x) e irredutıvel.

Consideremos a extensao de corpos

Q[x]/φp(x) ' Q(ζ),

no qual ζ e raiz p-esima primitiva da unidade. Como φp(x) e irredutıvel de grau

p − 1, entao esta extensao tambem tem grau p − 1. Ela e claramente galoisiana,

uma vez que Q tem caracterıstica zero e os conjugados de ζ sao da forma ζm com

0 ≤ m ≤ p− 1 e ζm ∈ Q(ζ).

Seu grupo de Galois e canonicamente isomorfo a (Z/pZ)∗ dado por:

ψ : (Z/pZ)∗∼→ Gal(Q(ζ)/Q)

a 7→ σa

no qual σa e o automorfismo:

σa : Q(ζ) → Q(ζ)

ζ 7→ ζa

CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 31

O automorfismo σp−1 age em todas as imersoes como a conjugacao complexa age

nos numeros complexos. Assim e comum chamar σp−1 de conjugacao complexa e

denota-la por ı.

Dado σ um automorfismo de um corpo L chamamos de corpo fixo pelo automorfismo

σ o subcorpo de L:

Lσ = {α ∈ L : σ(α) = α}.

Afirmacao 4.4. O corpo fixo de Q(ζ) pela conjugacao complexa e igual a

Q(ζ + ζ−1) = R ∩Q(ζ) ·

Demonstracao. O corpo fixo de Q(ζ) por ı e L = {α ∈ Q(ζ) : ı(α) = α}, mas

ı(α) = α. Logo α ∈ L se e somente se α = α, isto e, α ∈ R e portanto L = R∩Q(ζ).

Vejamos que Q(ζ + ζ−1) = R ∩Q(ζ). Note que ζ−1 = ζ, entao

ζ + ζ−1 = ζ + ζ−1 = ζ + ζ,

assim ζ + ζ−1 ∈ L e portanto Q(ζ + ζ−1) ⊂ R ∩Q(ζ).

Por outro lado se α = α ∈ L entao α =∑aiζ

i e α =∑aiζ

−i, logo α = α+α2

=∑ai

2(ζ + ζ−1), basta mostrar que ζ i + ζ−i ∈ Q(ζ + ζ−1) para todo i, mas este fato

segue por inducao sobre i.

Logo Q(ζ + ζ−1) e o subcorpo real maximal de Q(ζ), o qual denotaremos por

K+; algumas vezes tambem escreveremos ζ + ζ−1 = θ e assim Q(ζ + ζ−1) = Q(θ).

Afirmacao 4.5. A extensao Q(ζ + ζ−1) tem grau p−12

.

Demonstracao. O polinomio mınimo de ζ em Q(ζ+ζ−1) = Q(θ) e f(x) = x2−θx+1,

logo [Q(θ) : Q(ζ)] = 2 e como [Q : Q(ζ)] = [Q : Q(θ)] · [Q(θ) : Q(ζ)] temos que

[Q : Q(θ)] = p−12

.

Afirmacao 4.6. O grupo de Galois de K+ = Q(ζ + ζ−1) = Q(θ) e

G+ = Gal(Q(ζ + ζ−1)/Q) ' (Z/pZ)∗/± 1

onde neste ultimo quociente estamos identificando cada elemento com seu simetrico

modulo p.

Demonstracao. Seja xp−1 + xp−2 + . . . + x2 + x + 1 = 0, o polinomio irredutıvel de

ζ, dividindo este polinomio por xp−12 chegamos a

xp−12 + x

p−32 + . . .+ 1 +

1

x+ . . .+

1

xp−32

+1

xp−12

= 0 .

CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 32

Tomando y = x + x−1 e substituindo na equacao acima, obtemos um polinomio

em y, f(y) tal que f(ζa + ζ−a) = 0 para todo a = 1, 2, . . . , p−12

, entao todos os

conjugados de ζ + ζ−1 sao da forma ζa + ζ−a.

Portanto todo automorfismo de K = Q(ζ) define por restricao um automorfismo

de K+ = Q(ζ + ζ−1). O unico problema e que podemos ter dois ou mais automor-

fismos de K que quando restritos a K+ geram o mesmo automorfismo.

Mas isso so ocorre se

σa(ζ + ζ−1) = ζa + ζ−a = 2cos(θa)

σb(ζ + ζ−1) = ζb + ζ−b = 2cos(θb)

forem iguais, isto e, 2cos(θa) = 2cos(θb) que implica em θa = θb ou θa = 2π − θb e

assim a = b ou a = −b. Logo

G+ = Gal(Q(ζ + ζ−1)/Q) ' (Z/pZ)∗/± 1.

4.2 Ramificacao

Dado um primo p em Z, uma pergunta natural e, quando p e primo no anel de

inteiros de um extensao Q(α)?

A resposta depende da extensao. Nesta secao estudaremos um pouco deste fenomeno

e suas consequencias.

Proposicao 4.7. Todo anel de inteiros OK de um corpo numerico K e um domınio

de Dedekind.

Demonstracao. Para mostrar isso verificamos as propriedades que caracterizam um

domınio de Dedekind.

(i) Sabemos que todo anel de inteiros e (aditivamente) um grupo livre abeliano fini-

tamente gerado. Um ideal e um subgrupo aditivo, logo e um grupo livre abeliano e

consequentemente e finitamente gerado.

(ii) Mostraremos que todo ideal primo p nao nulo e maximal, mostrando que

OK/pOK e na verdade um corpo. Para isto, verificaremos que este domınio e finito

e utilizando o fato que todo domınio finito e um corpo, concluiremos este item.

Mais geralmente, se I e um ideal nao nulo qualquer entao OK/IOK e finito. Seja

α ∈ I, temos que N(α) = m ∈ Z\{0}, agora perceba que m ∈ I, uma vez que

m = αβ, onde β e o produto dos conjugados de α e β = mα

logo β ∈ K, entao

CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 33

(m) ⊂ I.

Como |OK/(m)| ≤ m[K:Q], assim OK/(m) e finito e portanto OK/I e finito.

(iii) Se αβ

e raiz de um polinomio monico sobre OK entao (αβ)n + an−1(

αβ)n−1 + . . .+

a1(αβ)+a0 = 0 implica αn+an−1βα

n−1 + . . .+αβn−1a1 +a0αn = 0 e pela proposicao

4.1 este numero e algebrico.

Como vimos no capıtulo 2, num domınio de Dedekind todo ideal se fatora uni-

camente em ideais primos, entao pela proposicao acima todos os ideais de OK tem

essa propriedade.

Definicao 4.8. Sejam L/K uma extensao de corpos numericos, p um ideal primo

de K e

p =

g∏i=1

Peii

sua decomposicao em OL, com ei ≥ 1.

(a) O expoente ei e dito ındice de ramificacao de Pi sobre p e e comum denota-lo

por e(Pi/p).

(b) O grau da extensao finita de corpos [OL/Pi : OK/p] e dito o grau residual, e o

denotamos por fi = f(Pi/p).

(c) Dizemos Pi e ramificado se ei > 1. Tambem dizemos que p e ramificado para

indicar que algum dos Pi tem ındice de ramificacao maior do que um. Com

esta definicao dizemos que um primo p e ramificado se o seu ideal e ramificado.

(d) Diremos que p e totalmente ramificado se ei = n = [L : K].

Lema 4.9. Em um corpo ciclotomico Q(ζ) temos que:

(i) O primo p se fatora em Q(ζ) como p =

p−1∏k=1

(1− ζk).

(ii) O elemento 1− ζ e irredutıvel em Q(ζ) e portanto seu ideal (1− ζ) e primo.

(iii) Se mdc(j, p) = 1, o numero 1+ζ+ζ2+. . .+ζj−1 e uma unidade em OK = Z[ζ].

(iv) Se r e s inteiros tais que mdc(p, rs) = 1, entao 1−ζr

1−ζs e uma unidade em OK =

Z[ζ].

(v) p = u(1− ζ)p−1, onde u e uma unidade e seu ideal sera (p) = (1− ζ)p−1.

CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 34

Demonstracao. (i) Observe que tp−1 + tp−2 + . . .+ t+1 = (t−ζ)(t−ζ2) . . . (t−ζp−1)

tomando t = 1, obtemos p =

p−1∏k=1

(1− ζk).

(ii) Aplicando a norma ao elemento 1− ζ temos que

N(1− ζ) = (1− ζ)(1− ζ2) . . . (1− ζp−1) = p,

logo 1 − ζ e irredutıvel. Sabemos da proposicao 4.7 que o anel de inteiros de um

corpo numerico e um domınio de Dedekind, portanto Z[ζ] e dominio de Dedekind

e temos fatoracao unica em ideais nestes domınios. Como (p) = (1 − ζ)p−1 tem no

maximo p − 1 = [Q(ζ) : Q] fatores primos em Q(ζ), segue que (1 − ζ) tem que ser

primo, pois caso contrario (p) teria mais de p− 1 fatores.

(iii) Pela igualdade 1+ζ+ζ2+. . .+ζj−1 = 1−ζj

1−ζ , logo a afirmacao equivale a mostrar

que seu inverso 1−ζ1−ζj tambem esta em Z[ζ]. Mas como mdc(j, p) = 1, existe h ∈ Z tal

que ζ = ζhj e portanto 1−ζ1−ζj = 1−ζhj

1−ζj = 1+ζ+ζj+ . . .+ζj(h−1) o qual pertence a Z[ζ].

(iv) Como 1−ζr

1−ζs = 1−ζr

1−ζ ·1−ζ1−ζs , pelo item (iii) essa fracao sera o quociente de duas

unidades.

(v) Vimos no primeiro item que p =

p−1∏k=1

(1− ζk), utilizando os fatos de que 1− ζk =

(1− ζ)(1 + ζ + ζ2 + . . .+ ζk−1) e que (1 + ζ + ζ2 + . . .+ ζk−1) e uma unidade para

todo 1 ≤ k ≤ p − 1, entao 1 − ζk = (1 − ζ)uk, logo p =

p−1∏k=1

(1 − ζk) = u(1 − ζ)p−1,

onde u = u1u2 . . . uk.

Proposicao 4.10. O primo p e totalmente ramificado em Q(ζ).

Demonstracao. Segue de imediato do item (v) do lema 4.9.

Afirmacao 4.11. Todos os primos q ∈ Z distintos de p nao se ramificam em Z[ζ].

Existem duas maneiras de provar essa afirmacao, uma usando o fato de que p

se ramifica em Q(ζm), onde ζm e uma raiz m-esima da unidade se, e somente se, p

divide o discriminante relativo desta extensao. A outra e como consequencia de um

belo teorema devido a Kummer e a Dedekind; optamos pela segunda forma.

4.2.1 Teorema de Kummer-Dedekind

Teorema 4.12 (Kummer-Dedekind). Seja K = Q(α), com α inteiro algebrico tal

que OK = Z[α], f o polinomio monico minimal de α sobre Q. Denotemos por f a

CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 35

classe de f em Fp[x], onde p e um numero primo e

f(x) = g1e1(x)g2

e2(x) . . . grer(x) ∈ Fp[x]

onde gi(x) sao polinomios monicos irredutıveis em Fq[x].Se gi(x) e um representante de gi(x) em Z[x] e Pi = (p, gi(α)) o ideal sobre OK

gerado por p e gi(α), entao

pOK = Pe11 Pe2

2 . . .Perr

com deg(Pi) = deg(gi).

Demonstracao. Seja η uma raiz de gi. Como gi e irredutıvel, o polinomio minimal

de η tambem e irredutıvel. Consideremos agora o homomorfismo

ρi : OK → Fp(η)P (α) 7→ P (η)

Verifiquemos que esta aplicacao esta bem definida, para isto basta mostrar que

se P (α) = 0 entao P (η) = 0. Suponhamos P (α) = 0, como f(X) e o polinomio

minimal de α segue que P (x) = f(x)h(x) ∈ Z[X], por esta razao P (X) = f(x)h(x)

e como gi divide f temos P (η) = f(η)h(η) = 0 provando a afirmacao. Observamos

que ρi e um homomorfismo sobrejetivo. Definimos Pi = kerρi, assim ρi induz um

isomorfismo

ρ∗i : OK/Pi → Fp(η) ' Fp[X]/gi

Como Fq(η) e corpo, entao OK/Pi e corpo e portanto Pi e maximal.

A seguir mostraremos que Pi = (p, gi(α)).

Por definicao ρi(p) = p = 0 e ρi(gi(α)) = gi(η) = 0 o que nos da (p, gi(α)) ⊂ Pi. Re-

ciprocamente tomamos r(α) ∈ Pi; r(X) ∈ Z[X]. Como r(η) = 0 e gi e o polinomio

minimal de η, temos gi | r, isto e, r = gih com h ∈ Z[X] logo todos os coeficientes

de r − hgi ∈ Z[X] sao divisıveis por p, assim r(X) = h(X)gi(X) + pq(X).

Substituindo X por α na igualdade r(α) = h(α)gi(α)+pq(α) ∈ (p, gi(α)) mostrando

que Pi = (p, gi(α)).

Resta mostrar a decomposicao pOK = Pe11 Pe2

2 . . .Perr . Primeiro observamos que

Pi 6= Pj para i 6= j, caso contrario se Pi = Pj terıamos que gj(η) = 0, pois

gj(α) ∈ Pi, entretanto gi(η) = 0 e gi, gj sao irredutıveis, portanto gi = gj, gerando

um absurdo pois gi e gj sao fatores primos distintos de f .

Mostraremos agora que pOK nao e divisıvel por nenhum outro ideal primo P

alem dos Pi. De fato se P|pOK entao, como Z[α]/P e um corpo finito, podemos

CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 36

escrever Z[α]/P = Fp[α] com α = α (mod P). Lembrando que f(α) = 0, temos

f(α) = 0 e assim gi(α) = 0 para algum i, isto implica que gi(α) ∈ P e consequente-

mente P = (p, gi(α)) ⊂ P, concluindo que P = Pi, portanto

pOK = Pk11 · . . . ·Pkr

r . (4.1)

Por fim precisamos mostrar que ki = ei para todo i.

Por hipotese f(X) − g1(X)e1 . . . gr(X)er = p · h(X). Substituindo α no lugar de

X segue que g1(α)e1 . . . gr(α)er ∈ pOK . Observamos que Peii ⊂ (p, gi(α)ei) assim

Pe11 · . . . · Per

r ⊂ (p, g1(α)e1 . . . gr(α)er) ⊂ pOK = Pk11 · . . . · Pkr

r , entao ki ≤ ei e

1 ≤ i ≤ r.

Por outro lado, lembrando que a norma de Pi e pfi e tirando a norma em 4.1

temos que

N((p)) = pn =r∏i=1

N(Pi)ki =

r∏i=1

pfiki

Ou seja k1f1 + . . .+krfr = n = e1f1 + . . .+ erfr, com ki ≤ ei portanto ei = ki, como

querıamos.

Demonstracao da afirmacao. Sabemos que o polinomio xp−1 e separavel em Z/qZ,

pois sua derivada pxp−1 e nao nula nas raizes de xp− 1. O polinomio xp−1 + xp−2 +

. . .+x+1 modulo q tambem e separavel, ja que e um divisor de xp−1, assim usando

o teorema de Kummer-Dedekind temos que q nao se ramifica em Q(ζ).

Afirmacao 4.13. Se p e totalmente ramificado em Q(ζ), entao p sera em Q(ζ+ζ−1).

Demonstracao. Vimos no lema 4.9 que p = u(1− ζ)p−1, que pode ser reescrito como

p = u(1−2ζ+ζ2)p−12 . Colocando ζ em evidencia temos que p = uζ

p−12 (ζ+ζ−1−2)

p−12

e como ζp−12 = ±1 e uma unidade temos que p = v(ζ + ζ−1 − 2)

p−12 , por essa razao

p e totalmente ramificado em Q(ζ + ζ−1).

Consequentemente temos que (p) = ((1 − ζ)(1 − ζ−1))p−12 . Denotaremos os

elementos (1 − ζ)(1 − ζ−1) e (1 − ζ) por λ e π respectivamente. O Ok+−ideal

((1 − ζ)(1 − ζ−1)) por p e P = (1 − ζ) o OK− ideal. Pelo lema 4.9 temos que os

ideais π = (1 − ζ) e σa(π) = (1 − ζa) sao iguais, pois 1 − ζa = u(1 − ζ) onde u e

unidade.

CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 37

Colocando estas observacoes em um diagrama temos que:

K = Q(ζ)

?????

Q

G

K+ = Q(ζ + ζ−1)

G+�����

4.3 O Grupo de Classes

O grupo de classes juntamente com as unidades ciclotomicas desempenham um

papel importante no artigo do Mihailescu.

Dados OK o anel de inteiros do corpo numerico K, I e J ideais de OK , diremos

que estes ideais sao equivalentes se existem α, β ∈ OK nao nulos tais que αI =

βJ . Esta relacao e uma relacao de equivalencia. Denotamos por [I] a classe de

equivalencia do ideal I.

Afirmacao 4.14. Com a seguinte operacao entre as classes [I] · [J ] := [IJ ] o con-

junto das classes de ideais de um anel de inteiros algebricos e um grupo.

Demonstracao. Ver [40], pagina 77.

Proposicao 4.15.

(a) Dados αI e βJ ideais fracionarios, definimos a operacao: αI · βJ := αβIJ .

Com esta operacao o conjunto dos ideais fracionarios formam um grupo G,

onde o elemento neutro e a classe de ideais pincipais e o inverso e I−1.

(b) Seja H o subgrupo (normal) dos ideais principais, o grupo quociente G/H e

isomorfo ao grupo de classes como foi definido anteriormente.

Demonstracao. Ver [29], pagina 91.

Denotamos por h a ordem do grupo de classes de OK .

Proposicao 4.16. O grupo de classes de ideais de OK tem ordem finita, isto e,

h <∞.

Demonstracao. Os casos em que precisaremos aqui podem ter sua demonstracao

referida a [40], pagina 76. Todavia casos mais gerais sao de difıcil demonstracao,

necessitando de muita teoria sobre funcoes L.

Seja K = Q(ζm) e K+ seu subcorpo real maximal, denotamos por h+ a ordem

do grupo de classe de ideais de O+K .

CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 38

Teorema 4.17. Seja K e K+ como definimos anteriormente e h e h+ os respectivos

numeros de classes, entao h+ divide h.

Demonstracao. Ver [49], pagina 38 ou [13], pagina 149.

Chamamos de numero relativo de classe o quociente h− = hh+ .

4.4 Aneis de Grupo e Modulos Galoisianos

Sejam G um grupo e A um anel com unidade. Definimos o anel de grupo A[G] da

seguinte maneira. Um elemento δ ∈ A[G] e uma soma formal δ =∑

g∈G agg, onde ag

e nulo a menos de um numero finito de ındices. Se γ =∑

h∈G bhh ∈ A[G] definimos

as seguintes operacoes:

γ + δ =∑g∈G

(ag + bg)g

γδ =∑g,h∈G

agbhgh.

Com as operacoes acima A[G] e um anel. Se o anel A e comutativo, entao A[G]

define um algebra sobre G, chamada algebra de grupo.

Seja L uma extensao galoisiana finita de Q. O grupo de Galois age canonicamente

em todos os objetos que estao naturalmente definidos em termos de L como ideais,

unidades, grupo ideais fracionarios invertıveis, grupo de classes etc.

Assim podemos ver estes conjuntos como Z[G]- modulos com a estrutura natural

dada pela formula (∑g∈G

agg

)· v =

∏g∈G

(g · v)ag .

Se γ =∑

g∈G agg, e comum a notacao exponencial vγ, em vez de γ · v. Sejam q

um numero primo (de Z) e M um Z[G]-modulo que e aniquilado por q ( isto e,

(M : (q)) = 0 vista como modulos e nao a que foi definida para ideais fracionarios)

e na verdade um Fq[G]-modulo.

Definiremos agora duas funcoes que tem um papel importante em aneis de grupo.

Definicao 4.18. Seja θ um elemento de Z[G], dado por θ =∑σ∈G

nσσ, entao a funcao

peso e definida por:

ω : Z[G] → Zθ 7→

∑σ∈G

CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 39

E facil verificar que esta funcao e na verdade um homomorfismo de aneis. O seu

nucleo e um ideal que chamaremos ideal de aumento, e o denotaremos por Iaug.

A funcao tamanho e definida por:

|| || : Z[G] → Zθ 7→

∑σ∈G

|nσ|

Afirmacao 4.19. A funcao tamanho satisfaz as seguintes desigualdades:

(a) ||θ1θ2|| ≤ ||θ1|| · ||θ2||

(b) ||θ1 + θ2|| ≤ ||θ1||+ ||θ2||

Demonstracao. (a) Escrevemos θ1 =∑σ∈G

nσσ e θ2 =∑σ∈G

mσσ, assim

||θ1θ2|| =∑σ∈G

|nσmσ| ≤(∑σ∈G

|nσ|)(∑

σ∈G

|mσ|).

(b) Pela desigualdade triangular em Z temos que

||θ1 + θ2|| ≤∑σ∈G

|nσ +mσ| ≤(∑σ∈G

|nσ|)

+(∑σ∈G

|mσ|).

Mostraremos agora uma proposicao sobre aneis de grupo, quando o anel base e

um corpo finito.

Proposicao 4.20. Sejam p e q primos ımpares tais que q nao divide p − 1. Se

G = Gal(Q(ζ)/Q), entao o anel de grupo Fq[G] e isomorfo a um produto de corpos

finitos, ou seja,

Fq[G] 'l∏

i=1

Fi

com Fi corpo finito para i = 1, 2, . . . , l.

Demonstracao. Ja mostramos anteriormente que G = Gal(Q(ζ)/Q) e isomorfo a

(Z/pZ)∗, logo G e cıclico de ordem p − 1. Seja σ um gerador de G, entao todo

elemento de Fq[G] pode ser escrito da forma θ =

p−1∑i=1

niσi.

Definimos o homomorfismo de Fq-modulos:

ψ : Fq[x] → Fq[G]

x 7→ σ

CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 40

Notemos que o polinomio xp−1 − 1 e um elemento do nucleo e como σ tem ordem

p− 1 ele sera um gerador do nucleo. Pelo primeiro teorema dos isomorfismos temos

que Fq[G] ' Fq[x]/(xp−1 − 1).

O polinomio xp−1 − 1 e separavel em Fq, pois sua derivada (p − 1)xp−2 e diferente

de zero uma vez que q nao divide p− 1.

Pelo teorema chines do resto temos que :

Fq[x](xp−1 − 1)

'l∏

i=1

Fq[x](gi(x))

,

onde os gi(x) ∈ Fq[x] sao polinomios irredutıveis que dividem xp−1 − 1 e como

este polinomio e separavel, cada um dos gi aparece com multiplicidade 1. Conse-

quentemente, cada um dos Fq[x]/(gi(x)) e uma extensao finita de Fq, por essa razao

tambem sao corpos finitos.

Para o anel de grupo Fq[G+] a demonstracao e totalmente analoga, bastando apenas

tomar Fq[G+] ' Fq[x]/(xp−12 − 1).

4.5 Unidades Ciclotomicas

Faremos agora uma pequena exposicao das unidades ciclotomicas, que sao um dos

principais elementos da demonstracao. No que se segue deste capıtulo, K denotara

o corpo Q(ζ), onde ζ e a raiz p- esima da unidade.

Definicao 4.21. Sejam E o grupo das unidades de OK e V o grupo multiplicativo

gerado por {±ζ, 1 − ζa : 1 ≤ a < p − 1} := V . O grupo de raızes ciclotomicas C e

definido por

C = V ∩ E .

Igualmente definimos C+ para o corpo K+; seja E+ o grupo das unidades de K+

entao,

C+ = E+ ∩ C .

Lema 4.22. Sejam p primo e K = Q(ζ) a extensao p ciclotomica, entao:

(a) As unidades ciclotomicas C+ de K+ = Q(ζ + ζ−1), sao geradas por −1 e pelas

unidades ηa = ζ1−a2 · 1− ζa

1− ζ, com 1 < a ≤ p−1

2.

(b) As unidades ciclotomicas C de K sao geradas por ζ e pelas unidades ciclotomicas

de K+ = Q(ζ + ζ−1).

CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 41

Demonstracao. Percebamos que 1− ζa e 1− ζ−a diferem apenas por uma potencia

de ζ, mais especificamente −ζa(1− ζ−a) = 1− ζa, por isso so precisamos considerar

1 ≤ a ≤ p−12

. Suponhamos agora que

ε = ±ζd∏

1<a≤ p−12

mdc(a,p)=1

(1− ζa)ca

e uma unidade de K = Q(ζ), aplicando a norma dos dois lados temos que

N(ε) = ±N(ζ)d∏

N(1− ζa)ca ,

mas N(ε) = ±1, pois por hipotese ela e unidade e N(ζ) = ±1, logo

±1 = ±1∏

N(1− ζa)ca = N((1− ζ)

Pca)·N(∏(

1− ζa

1− ζ

)ca).

Como 1−ζa

1−ζ e unidade, isto e igual a N(1 − ζ)Pca = p

Pca = ±1, mas isto implica

que∑ca = 0. Consequentemente

ε = ±ζd∏

1<a≤ p−12

mdc(a,p)=1

(1− ζa

1− ζ

)ca= ±ζe

∏a 6=1

ηa

com e = d+ 12

∑ca(a−1). Note que se p = 2 entao (a, p) = 1 implica que a e ımpar

entao ζe pertence a K = Q(ζ) em todo caso. E isto prova (b).

Se ε ∈ K+ cada um dos fatores acima tem que ser real, e ±ζe tem que ser real, logo

igual a ±1.

Por mais “estranho” que pareca as unidades ciclotomicas se relacionam com o

numero de classe h+ de K+ como se pode ver no seguinte teorema.

Teorema 4.23. As unidades ciclotomicas C+ de K+ = Q(ζ+ζ−1) tem ındice finito

no grupo das unidades E+, mais ainda

h+ = [E+ : C+].

Demonstracao. Ver [49], pagina 145.

Apesar do teorema acima nos dizer que o grupo CLK+ tem a mesma quantidade

de elementos que o grupo E+/C+, ele nao nos diz nada que relacione a estrutura

destes dois grupos.

O teorema de Thaine relaciona estes grupos achando uma surpreendente relacao sat-

isfeita por (E+/C+)q, o q-subgrupo de Sylow de E+/C+ e (CLK+)q, o q- subgrupo

de Sylow do grupo de classes de K+.

CAPITULO 4. UM POUCO DE TEORIA ALGEBRICA DOS NUMEROS 42

Como referencia historica cabe ressaltar que Francisco Thaine e matematico brasileiro

formado pelo Impa. Foi professor por muito tempo da Unicamp, onde desenvolveu

estes e outros excelentes resultados em teoria dos numeros. Atualmente e professor

na Concorida University, Montreal, Canada. Vale destacar que a cidade de Mon-

treal possui cinco grandes universidades onde se encontra um dos maiores grupos

em qualidade e quantidade de pesquisadores em teoria dos numeros da atualidade.

Capıtulo 5

Teorema de Cassels

Neste capıtulo estudaremos um teorema devido a Cassels sobre divisibilidade na

equacao de Catalan e algumas de suas consequencias. Estamos seguindo aqui o

livro do Ribenboim [41]. Queremos mostrar que se p, q sao primos ımpares e se

x, y ∈ N∗ e xp− yq = 1, entao p|y e q|x. Para chegar a este resultado precisamos de

alguns lemas.

5.1 Alguns Lemas Tecnicos

Lema 5.1. Sejam a, b, t numeros reais, tais que b > 0 , t > 1 e fa,b(t) = (a + bt)1t .

fa,b(t) e crescente se, e somente se, btlog(bt) > (a+ bt)log(a+ bt).

Em particular se m > n > 1, entao{(zn − 1)m < (zm − 1)n

(zm + 1)n < (zn + 1)m.

Demonstracao. Por simplicidade escreveremos fa,b(t) = f(t). Dado que f e difer-

enciavel, basta determinar o sinal da derivada, mas

f ′(t) =(a+ bt)

1t

t

[btlog(b)

(a+ bt)− log(a+ bt)

t

].

Consequentemente f ′(t) > 0 se, e somente se,btlog(b)

(a+ bt)>log(a+ bt)

tou equivalen-

temente btlog(bt) > (a+ bt)log(a+ bt).

Em particular tomando a = −1; b = z > 1 e t > 1, obtemos que zt > zt − 1 > 0

o que implica que log(zt) > log(zt − 1) e fazendo o produto temos ztlog(zt) >

(zt − 1)log(zt − 1).

Portanto f ′−1,z(t) e crescente, e assim

(zn − 1)1n < (zm − 1)

1m , ou seja, (zn − 1)m < (zm − 1)n

43

CAPITULO 5. TEOREMA DE CASSELS 44

para m > n > 1. Analogamente, tomamos a = 1, b = 1z, t > 1 , entao 0 < 1

zt < 1 e

1

ztlog(

1

zt) < 0 <

(1 +

1

zt

)log

(1 +

1

zt

).

Como f ′1, 1

z

(t) < 0 e m > n > 1 chegamos a(1 + 1

zm

) 1m <

(1 + 1

zn

) 1n e por essa razao

(zm + 1)n < (zn + 1)m.

Lema 5.2. Sejam r,m, n inteiros positivos e l um primo que nao divide n. Entao

vl(r!) ≤ vl

(mn

(mn− 1). . .(mn− r + 1

)),

onde vl denota a valorizacao l- adica.

Demonstracao. Seja

a =m

n

(mn− 1

). . .(mn− r + 1

)e vl(a) = e <∞.

Como l - n entao e ≥ 0, e ainda existe n′ ≥ 1 tal que n · n′ ≡ 1 (mod le+1).

Definimos m′ = mn′, logo

m

n−m′ =

m

n(1− nn′) ≡ 0 (mod le+1).

A congruencia anterior implica que mn−k ≡ m′−k (mod le+1) para k = 0, 1 . . . , r−1.

Definamos a′ = m′(m′ − 1) . . . (m′ − r + 1), assim a′ ≡ a (mod le+1), e portanto

vl(a− a′) ≥ e+ 1. Observe que a′

r!=(m′

r

)logo vl(a

′) ≥ vl(r!).

Se vl(r!) > vl(a), temos que vl(a−a′) = vl(a) = e, chegando a uma contradicao.

Lema 5.3. Se p > q sao primos ımpares e x, y ≥ 2 inteiros, tais que xp − yq = ±1

entao

(x∓ 1)pq(p−1)q > (y ± 1)q ·

Demonstracao. Comox∓ 1 ≥ x2, xp = yq ± 1 > yq

2e y > y±1

2temos que,

(x∓ 1)p ≥(x

2

)p>

yq

2p+1>

(y ± 1)q

2p+q+1.

Mas q(p−1)q > 2p+q+1, portanto (x∓ 1)p >(y ± 1)q

q(p−1)qconcluindo a prova.

Lema 5.4. Sejam p um numero primo e n um inteiro positivo. Seja n =k∑i=0

nipi

seu desenvolvimento p-adico, com 0 ≤ ni ≤ p− 1 para i = 0, . . . , k =[log(n)log(p)

], onde

CAPITULO 5. TEOREMA DE CASSELS 45

[ ] denota a funcao parte inteira de x. Definimos S como a soma destes coeficientes,

ou seja, S =k∑i=0

ni, entao temos que

vp(n!) =∞∑i=1

[n

pi

]=n− S

p− 1.

Observe que quando i > k os termos dessa soma sao nulos.

Demonstracao. Os multiplos de pmenores do que n sao p, 2p, . . . , [np]·p. Os multiplos

de p2 sao p2, 2p2, . . . ,[np2

]· p2. E assim por diante, logo a primeira igualdade esta

provada.

Pelo desenvolvimento p-adico temos que

[n

pj

]=

[∑nip

i

pj

]=

k∑i=j

nipi−j. Logo

somando todos os termos ficamos com

∞∑j=1

[n

pj

]=

k∑j=1

k∑i=j

nipi−j

=k∑j=1

njp0 +

k∑j=2

njp1 + . . .+

k∑j=k

njpk−1 =

k∑j=1

nj

j−1∑s=0

ps

=k∑j=1

nj ·pj − 1

p− 1=

1

p− 1

(k∑j=1

njpj −

k∑j=1

nj

)=

1

p− 1· (n− S).

5.2 Teorema de Cassels

Teorema 5.5 (Cassels). Sejam p, q primos ımpares e x, y inteiros tais que xp−yq =

±1. Entao p divide y e q divide x.

Demonstracao. Observe que podemos supor sem perda de generalidade que p > q e

x, y ≥ 2. Primeiro mostraremos que q | x.Suponhamos por contradicao que q - x e portanto q - yq ± 1. Do fato que xp =

yq ± 1 = (y ± 1) · yq±1y±1

e do lema 2.20 , segue que existe b ≤ 1 tal que y ± 1 = bp.

Daqui temos dois casos dependendo do sinal:

Caso 1. Se y + 1 = bp, entao b ≥ 2 e xp = yq + 1 = (bp − 1)q + 1 < bpq.

E pela desigualdade acima x < bq e mais ainda x ≤ bq − 1. Segue do lema 5.2 que

(bq − 1)p < (bp − 1)q. Consequentemente yq + 1 = xp ≤ (bq − 1)p < (bp − 1)q = yq,

CAPITULO 5. TEOREMA DE CASSELS 46

chegando a um absurdo.

Caso 2. Se y − 1 = bp, temos xp = yq − 1 e como p > q segue que y > x, em

particular y ≥ 3, b ≥ 2 e xp = (bp + 1)q − 1 > bpq, por essa razao x > bq e com

isso x ≥ bq + 1. Do lema 5.1 que(1 + 1

bp

)q<(1 + 1

bq

)pe portanto yq − 1 = xp ≥

(bq + 1)p > (bp + 1)q = yq chegando novamente a um absurdo.

Mostraremos agora que p|y. Observe que yq ≥ xp − 1 ≥ 35 − 1 ≥ 242 e

como q|x segue que q ≤ x e de xp = yq ± 1 = (y ± 1) · yq±1y±1

e consequentemente

mdc(y ± 1, y

q±1y±1

)= q.

Pelo Lema 2.21 temos que existem b, c > 0 tais que y ± 1 = qp−1bp

yq ± 1

y ± 1= qcp

com q - c e x = qbc.

No caso que c = 1, concluımos que y = 2, q = 3, x = 3 e p = 2, contrariando a

hipotese de p > q. Logo podemos supor que c 6= 1.

Novamente pelo lema 2.21 chegamos a qcp =yq ± 1

y ± 1= k(y ± 1) + q, onde k e

um inteiro multiplo de q. Assim substituindo y ± 1 = qp−1bp na equacao anterior

qcp = kqp−1bp + q que e igual a q(cp− 1) = kqp−1bp. E como k e multiplo de q entao

qp divide q(cp − 1), logo pp−1 divide cp − 1, ou de outra forma, cp ≡ 1 (mod qp−1).

Suponhamos que c 6≡ 1 (mod qp−1), entao c teria ordem p, o que implicaria que

p divide ϕ(qp−1) = qp−2(q − 1) e consequentemente p|(q − 1), logo p < q o que

contradiz as hipoteses. Portanto c ≡ 1 (mod qp−1), segue que x 6= qb, pois c 6= 1, e

x ≡ qb mod qp e c = mqp−1 + 1, onde m e um inteiro positivo.

Suponhamos agora por contradicao que p - y.De yq = xp ∓ 1 = (x ∓ 1)

xp ∓ 1

x∓ 1e do lema 2.20 segue que existe um inteiro a ≥ 1

tal que x∓ 1 = aq.

Agora estimaremos os inteiros a, b. Pelo lema 5.3 temos que

apq = (x± 1)p >(y ± 1)q

q(p−1)q= bpq

e por essa razao a > b.

Vejamos que aq ≥ 12qp. Para isto, suponhamos por contradicao que ap < 1

2qp.

Como ja observamos x 6= qb e x ≡ qb (mod qp), logo

qp ≤ |x− qb| = |aq ± 1− qb| ≤ aq + qb± 1 <1

2qp + qb± 1,

CAPITULO 5. TEOREMA DE CASSELS 47

mas isto implica que qb ∓ 1 > 12qp e como b ≥ 2 e q ≥ 3 temos que aq > bq >

qb+ 1 > qb± 1 > 12qp chegando a um absurdo. Logo a ≥ 1

2qp.

Vamos agora dar cotas inferiores para xp e yq.

Primeiro observamos que

xp = (aq ± 1)p ≥ (aq − 1)p e yq = xp ∓ 1 = (aq ∓ 1)p ∓ 1 ≥ (aq − 1)p.

Por (1− 2

qp

)p≥(

1− 2

3p

)p>

1

3≥ 1

q,

segue que

min{xp, yq} ≥ (aq − 1)p = apq(

1− 1

aq

)p≥ apq

(1− 2

qp

)> apq

(1− 2

qp

)p>apq

q.

O proximo passo e dar uma cota superior para |xpq − y|. Como

(xpq )q − yq = xp − yp = ±1 e |x

pq − y|

∣∣∣∣∣q−1∑i=0

xpqiyq−1−i

∣∣∣∣∣ = 1,

entao

|xpq − y| = 1∣∣∣∣∣

q−1∑i=0

xpqiyq−1−i

∣∣∣∣∣.

Mas para i = 0, 1, . . . , q − 1 temos que

xpqiyq−1−i >

(apq

q

) iq+ q−1−i

q

= ap(q−1) 1

qq−1

q

> ap(q−1) · 1

q,

assim |xpq − y| < 1

ap(q−1). Escrevendo

xpq = (aq ± 1)

pq = ap

(1± 1

aq

) pq

=∞∑r=0

tr,

onde usamos o desenvolvimento do binomio de Newton generalizado

tr = (±1)r ·pq(pq− 1) . . . (p

q− r + 1)

r!· ap−qr 6= 0

e o primeiro termo e definido como t0 = ap.

Tomando agora l um numero primo arbitrario, com l 6= q e r ≥ 1, entao pelo

lema 5.2

vl(r!) ≤ vl

(p

q

(p

q− 1

). . .

(p

q− r + 1

)),

CAPITULO 5. TEOREMA DE CASSELS 48

portanto vl(tr) ≥ vl(ap−qn) ≥ 0, para p ≥ nq. Definindo

R =

[p

q

]+ 1 , ρ =

[R

q − 1

]e Rq > p,

pelo lema 5.4 temos que vq(R!) = R−sq−1

onde s e a soma do dıgitos de R na expansao

q-adica , isto e, R = R0 + R1q + . . . + Rmqm e 0 ≤ Ri ≤ q − 1, s =

∑mi=0Ri como

R−sq−1

< Rq−1

entao vq(R!) ≤ ρ.

Para todo r < R, se l 6= q entao

vl(trqR+ρaRq−p) ≥ vl(a

p−qr) + vl(aRq−p) = vl(a

(R−r)q) ≥ 0.

E tambem temos que

vq(trqR+ρaRq−p) = vq

(p

q

(p

q− 1

). . .

(p

q− r + 1

))︸ ︷︷ ︸

≥−r

−vq(r!) +R + ρ+ (Rq − p)vq(a)

≥ R− r + ρ− vq(r!) + (Rq − p)vq(a) ≥ 0

Assim o numero trqR+ρaRq−p e inteiro para r = 0, 1, . . . , R.

De igual forma o numero

I = aRq−pqR+ρ(y − x

pq +

∑r≥R+1

tr

)= aRq−pqR+ρ

(y +

R∑r=0

tr

)tambem e um inteiro, desde que Rq − p > 0.

Iremos provar agora que I 6= 0. Para isto, escrevemos I = I1 + I2 + I3, comI1 = aRq−pqR+ρ(y − x

pq )

I2 = aRq−pqR+ρtR+1 6= 0

I3 = aRq−pqR+ρ∑

r>R+1

tr

,

e vejamos primeiro que∣∣∣ I3I2 ∣∣∣ < 1

10e que

∣∣∣ I1I2 ∣∣∣ < 110

.

Se r > R temos

∣∣∣∣tr+1

tr

∣∣∣∣ =

∣∣∣∣∣pq− r

r + 1

∣∣∣∣∣ · 1

aq<

2

qp, pois

∣∣∣pq − r∣∣∣ = r − p

q< r + 1.

Consequentemente,

∣∣∣∣I3I2∣∣∣∣ =

∣∣∣∣∣ ∑r>R+1

trtR+1

∣∣∣∣∣ ≤ ∑r>R+1

∣∣∣∣ trtR+1

∣∣∣∣=

∣∣∣∣tR+2

tR+1

∣∣∣∣+ ∣∣∣∣tR+3

tR+2

∣∣∣∣ ∣∣∣∣tR+2

tR+1

∣∣∣∣+ . . .

<

(2

qp

)+

(2

qp

)2

+ . . .

=2

qp· 1

1− 2qp

=2

qp − 2≤ 1

35 − 2<

1

10.

CAPITULO 5. TEOREMA DE CASSELS 49

Vamos agora a mostrar a segunda desigualdade (∣∣∣ I1I2 ∣∣∣ < 1

10); o primeiro passo

aqui e mostrar que 1q2(R+1)2

≤∣∣a(R+1)q−ptR+1

∣∣ ≤ 14. Antes disto, note que (R− p

q) +

(pq

+ 1− R) = 1 entao e imediato de calculo em uma variavel que o produto destes

dois numeros e menor ou igual a um quarto, isto e, |R− pq| · |p

q+ 1−R)| ≤ 1

4.

Dai entao,∣∣∣∣pq(p

q− 1

). . .

(p

q−R

)∣∣∣∣ ≤ R · (R− 1) . . . · 2 ·∣∣∣∣pq −R + 1

∣∣∣∣ · ∣∣∣∣pq −R

∣∣∣∣≤ R! · 1

Por outra parte temos que∣∣∣∣pq(p

q− 1

). . .

(p

q−R

)∣∣∣∣ ≥ (R− 1) · (R− 2) . . . · 1 ·∣∣∣∣pq −R + 1

∣∣∣∣ · ∣∣∣∣pq −R

∣∣∣∣≥ (R− 1)! · 1

q2,

pois pq−R ≥ 1

qe pq−R + 1 ≥ 1

q. De onde obtemos

|tR+1| =

∣∣∣∣∣∣pq

(pq− 1). . .(pq−R

)(R + 1)!

∣∣∣∣∣∣ ap−(R+1)q ≥ ap−(R+1)q

q2R(R + 1)

e portanto

1

q2(R + 1)2≤ 1

q2(R + 1)R≤∣∣tR+1 · ap−(R+1)q

∣∣ ≤ 1

4(R + 1)≤ 1

4.

Vamos usar estas estimativas para calcular

∣∣∣∣I1I2∣∣∣∣ < 1

10. Pelas desigualdades prece-

dentes temos que∣∣∣∣I1I2∣∣∣∣ =

∣∣∣∣∣y − xpq

tR+1

∣∣∣∣∣ ≤ ap−(R+1)q∣∣∣y − x

pq

∣∣∣ q2R(R + 1)

<ap−(R+1)qq2(R + 1)2

ap(q−1)=q2(R + 1)2

aq(p−R−1).

Agora mostraremos que p−R− 1 ≥ 2, ou seja R+ 1 ≤ p. Reescrevendo temos que

p−R− 1 = p−[pq

]− 2 ≥ 2 e assim p−

[pq

]≥ 4. Separaremos agora em tres casos:

• Se p = 5 entao q = 3 e p−[pq

]= 4 o que esta de acordo com o que afirmamos.

• Se p = 7, entao q = 3ou 5, e p −[pq

]= 5 ou 6, novamente de acordo com o

que afirmamos.

CAPITULO 5. TEOREMA DE CASSELS 50

• Se p ≥ 11, entao p(q−1q

)≥ p

23 ou equivalentemente p

13 ≥ q

q−1, onde p

13 ≥

1113 ≥ 3

2. Daı p −

[pq

]≥ p − p

q= p

(q−1q

)≥ 4. Concluindo assim que

p−R− 1 ≥ 2.

Voltando para a cadeia de desigualdades de I1I2

temos que:∣∣∣∣I1I2∣∣∣∣ ≤ q2(R + 1)2

a2q<q2(R + 1)2

(12qp)2

≤(

2p

qp−1

)2

≤(

2p

3p−1

)2

≤(

25

34

)2

≤ 1

10·

Deduzimos portanto que :

|I| = |I2| ·∣∣∣∣1 +

I1I2

+I3I2

∣∣∣∣ ≥ |I2|(1− 1

10− 1

10

)6= 0 ·

Observe que

|I2| =∣∣∣∣qR+ρtR+1a

(R+1)q−p

aq

∣∣∣∣ ≤ qR+ρ

4aq≤ 1

2qR+ρ−p ·

Preparemo-nos para o fim:

1 ≤ |I| = |I2| ·∣∣∣∣1 +

I1I2

+I3I2

∣∣∣∣ ≤ 1

2qR+ρ−p

(1 +

1

10+

1

10

)< qR+ρ−p ·

E portanto temos que R + ρ− p > 0, mas isto e impossıvel uma vez que ρ =[

Rq−1

]de onde segue que

R + ρ ≤ R

(1 +

1

q − 1

)≤(p

q+ 1

)(q

q − 1

)=p+ q

q − 1<

2p

q − 1≤ p ·

Logo R + ρ− p < 0, chegamos enfim a contradicao desejada, assim concluımos que

p | y.

Podemos deduzir (e reescrever) o lema 2.21 como consequencia imediata do teo-

rema de Cassels.

Corolario 5.6 (Relacoes de Cassels). Sejam p, q primos ımpares , x, y ≥ 1 in-

teiros, tais que xp − yq = 1, entao existem naturais u, v, b, c > 0, com mdc(b, c) =

mdc(u, v) = 1 tais que

y ± 1 = qp−1bp

yq ± 1

y ± 1= qcp

com q - c e x = qbc e

x∓ 1 = pq−1uq

xp ∓ 1

x∓ 1= pvq

com p - v e y = puv.

CAPITULO 5. TEOREMA DE CASSELS 51

5.3 Estimativas para x e y

Nesta secao faremos algumas estimativas para o tamanho de |x|, que serao muito

uteis quando formos tratar do caso q divide p− 1, no capıtulo 8.

Das Relacoes de Cassels e razoavelmente facil ver que |x| ≥ pq−1−1 e |y| ≥ qp−1−1.

Lema 5.7. Sejam p, q e c como no corolario 5.6; se p nao divide q − 1, entao qp−2

divide c− 1.

Demonstracao. Observemos que

q(cp − 1) =yq + 1

y + 1− q = yq−1 − yq−2 + yq−3 − . . .− y + 1− q =

= yq−1 − 1− yq−2 − 1 + yq−3 − 1− . . .− y − 1

= ((−y)q−1 − 1) + ((−y)q−2 − 1) + ((−y)q−3 − 1) + . . .+ (−y − 1),

como y + 1 divide todos os termos da forma (−y)i − 1, com i ∈ N e novamente

do corolario 5.6, existe um inteiro b 6= 0 tal que y + 1 = qp−1bq e dai qp−1bq divide

q(cp − 1).

Portanto qp−2 divide cp − 1, isto e, cp ≡ 1 (mod qp−2).

A ordem do grupo (Z/qp−2Z)∗ e igual ϕ(qp−2) = qp−3(q − 1), por hipotese p nao

divide esta ordem, de onde v ≡ 1 (mod qp−2).

Corolario 5.8. |x| e limitado inferiormente por uma cota que depende de p e q,

especificamente

|x| ≥ qp−1.

Demonstracao. Se p divide q−1, entao p > q como xp = yq+1 temos |x|p ≥ |y|q−1.

e como p > q temos |x| > |y|, consequentemente |x| > |y| ≥ qp−1 − 1, ou seja

|x| ≥ qp−1.

Se p nao divide q − 1, temos pelo lema anterior que qp−2 divide c− 1 e como c > 1

ficamos com c ≥ qp−2 + 1.

Logo como x = qbc e |x| = |qbc| ≥ qc ≥ qp−1 > qq−1.

5.4 Aplicacoes

Como o leitor podera constatar nas proximas paginas, as Relacoes de Cassels serao

usadas uma porcao de vezes no restante desta dissertacao. Mas nao e so em questoes

diretamente ligadas a Conjectura de Catalan, que estas relacoes tem seu valor.

Alguns resultados interessantes podem ser obtidos a partir delas. Apresentaremos

aqui dois desses fatos. Um devido a A. Makowski e outro devido a Paulo Ribenboim.

CAPITULO 5. TEOREMA DE CASSELS 52

Proposicao 5.9 (Makowski). Tres inteiros consecutivos nao nulos, nao podem ser

potencias perfeitas.

Demonstracao. Suponhamos que existam tais potencias, entao existem x, y, z in-

teiros e l, p, q primos tais que

xl − yp = 1 e yp − zq = 1 .

Pelo teorema de Cassels temos que, p|x e p|z logo p| xl − zq = 2 o que implica que

p = 2 e portanto substituindo na primeira equacao ficamos com xl − y2 = 1. O que

e impossıvel como vimos no capıtulo 3, teorema de Lebesgue.

Proposicao 5.10 (Ribenboim). Seja Fa,n = aan

+ 1, com a ≥ 2, n ≥ 0. Assim

Fa,n nao e uma potencia propria para n ≥ 1.

Demonstracao. Suponhamos por absurdo que Fa,n e uma potencia propria, entao

escrevemos aan

+ 1 = mp, com p e m ≥ 2. Se q e um primo que divide a, fazemos

an = qa′, assim mp−(aa′)q = 1. Pelo teorema de Cassels, q divide m, mas q tambem

divide o elemento a, o que implica que q divide 1, chegando a um absurdo.

Capıtulo 6

O teorema de Stickelberger

Este capıtulo e um dos importantes passos na direcao da prova de Mihailescu. Nele

nos iremos mais fundo na teoria de corpos ciclotomicos e nos aventuraremos um

pouco pelo mundo desenvolvido por Iwasawa. Nosso guia para escrever este capıtulo

foi o artigo do Mischler [37], todavia as duvidas e algumas demonstracoes mais curtas

foram tiradas do fascinantemente autocontido livro do Cohen [13].

6.1 Soma de Gauss e de Jacobi

Seja G um grupo abeliano finito. Dizemos que χ e um caracter multiplicativo se

χ : G→ C∗ e um homomorfismo de grupos abelianos.

No caso em que F e um corpo finito, este determina duas estruturas de grupo

abeliano (F,+) e (F∗, ·). Portanto no que segue ψ : F → C∗ sera chamado caracter

aditivo e χ : F∗ → C∗ sera chamado de caracter multiplicativo.

Os caracteres multiplicativos do grupo G formam um grupo, com a operacao χ1(g) ·χ2(g) =: χ1χ2(g). Para todo grupo abeliano G e conhecido que o grupo de carac-

teres possui |G| elementos, ver por exemplo [13], pagina 18, onde podemos ver que

a prova deste fato depende do teorema de classificacao de grupos abelianos finitos.

Duas relacoes bem conhecidas satisfeitas pelos caracteres sao:

(i)∑g∈G

χ(g) =

{0 se χ 6= Id

|G| se χ = Id(ii)

|G|∑i=1

χi(g) =

{0 se g 6= e

|G| se g = e

Demonstracao. Seja S =∑

g∈G χ(g) e tomemos χ(h) 6= 1. Multiplicando a igual-

dade precedente por χ(h) ficamos com χ(h)S =∑

g∈G χ(hg), observe que do lado

direito da equacao continuamos a somar os mesmos elementos, so que em outra

53

CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 54

ordem. Portanto χ(h)S = S, ou seja, (χ(h)− 1)S = 0 e como escolhemos χ(h) 6= 1

temos que S = 0. A prova da segunda relacao e analoga multiplicando por um

elemento de G diferente da identidade.

Como trabalharemos com muitos objetos distintos, porem de notacao semel-

hante, faremos uma pausa agora nas demonstracoes, para explicar cada um deles.

Sejam L > K extensao de corpos e (p) um ideal primo de OK , dizemos que o ideal

primo p ∈ L esta acima de p se p ∩ OK = (p).

Denotaremos a m-esima raiz da unidade por ζm, como antes ζp = ζ com p primo

ımpar, K = Q(ζ), OK = Z[ζ], λ = 1− ζ e p = λOK . Assim p = (λ) e o unico ideal

acima de p, com (p) = pp−1.

Seja F um corpo finito com q elementos. Sabemos que a caracterıstica de um corpo e

zero ou um numero primo. Como F e finito, logo tem caracterıstica prima, digamos

p, entao F e uma extensao finita de Fp = Z/pZ, isto e, uma algebra de dimensao

finita sobre Fp, assim q = pf onde f e a dimensao de F sobre Fp.Seja q = pf com f ≥ 1. Definimos L = Q(ζq−1, ζp), como p e q − 1 sao coprimos,

entao Q(ζq−1) e Q(ζp) sao linearmente disjuntos, isto e, Q(ζq−1)∩Q(ζp) = Q e entao

Q(ζq−1, ζp) = Q(ζp(q−1)). A posteriori trabalharemos com os corpos Q(ζm) ⊂ Q(ζq−1)

e Q(ζm, ζp) ⊂ L, onde m e um divisor de q − 1. Para um inteiro qualquer n deno-

taremos por Kn o corpo ciclotomico Q(ζn) e para m|q− 1, denotaremos Lm o corpo

Q(ζm, ζp). Como vimos na proposicao 4.7 o quociente de OK/I e finito. Definimos

assim a norma do ideal I como N(I) = |OK/I|.Comecaremos agora com um conjunto de lemas necessarios para demonstrar o

teorema de Stickelberger; o primeiro e um fato basico da teoria de corpos finitos, o

qual precisaremos mais adiante.

Lema 6.1. O grupo multiplicativo F∗ = F\{0} e cıclico.

Demonstracao. Observemos que xq − x ∈ Fq[x] tem q raızes distintas em Fq, logo

xq−1 − 1 tem q − 1 raızes distintas em F∗q.Por outro lado, se d | (q − 1) entao xd − 1 | xq−1 − 1 e assim xd − 1 tambem tem

d raızes distintas em F∗q. Denotamos por ρ(d) o numero de elementos em F∗ com

ordem exatamente d, assim d =∑

t|d ρ(t).

Aplicando a formula de inversao de Mobius temos

ρ(d) =∑c|d

µ(c)d

c= φ(d)

Em particular ρ(q − 1) = φ(q − 1) > 0, portanto existem φ(q − 1) elementos em F∗qcom ordem q−1, como φ(q−1) ≥ 1 temos que existem elementos que sao geradores

de F∗, isto e, F∗q e cıclico.

CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 55

Observe que podemos estender a definicao de caracteres multiplicativos a todo

corpo definindo χ(0) = 0 se χ 6= Id e χ(0) = 1 se χ = Id. Chamamos de traco a

aplicacao

Tr : Fq → Fpt 7→

∑fi=0 t

pi

Se verifica usando propriedades do binomio que Tr(t1 + t2) = Tr(t1) + Tr(t2). A

partir deste fato definimos o caracter aditivo ψ(t) = ζTr(t)p .

Com isto definimos a soma de Gauss do caracter multiplicativo χ por

G(χ) = −∑t∈F∗

χ(t) · ψ(t)

e a soma de Jacobi dos caracteres multiplicativos χ1 e χ2 como

J(χ1, χ2) = −∑t∈F

χ1(t) · χ2(1− t).

Lema 6.2. Sejam χ1, χ2 caracteres multiplicativos diferentes da identidade e tais

que χ1χ2 6= Id, entao:

(a) G(χ1)G(χ2) = G(χ1χ2)J(χ1, χ2).

(b) Se G(χ)G(χ−1) = q · χ(−1).

Demonstracao. Observemos que com ψ(t) · ψ(s) = ψ(t+ s) temos

G(χ1)G(χ2) =∑t,s∈F

χ1(t) · χ2(s)ψ(t+ s)s+t=r=

∑t,r∈F

χ1(t) · χ2(r − t)ψ(r)

=∑t∈F

χ1(t) · χ2(−t) +∑t,r∈F∗

χ1(t) · χ2(r − t)ψ(r)

Calculando separadamente cada somatorio ( e lembrando que χ1 6= χ−12 ) segue que

∑t∈F

χ1(t) · χ2(−t) = χ2(−1)∑t∈F

χ1χ2(t) = 0.

Para o segundo termo fazemos t = ra∑a,r∈F∗

χ1(ra) · χ2(r − ra)ψ(r) =∑r∈F∗

χ1χ2(r)ψ(r)∑a∈F∗

χ1(a)χ2(1− a)

= G(χ1χ2)J(χ1, χ2).

CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 56

Concluindo a parte (a).

Do mesmo modo que no item anterior, segue que

G(χ)G(χ−1) =∑t∈F

χ(t) · χ−1(−t) +G(χχ−1)J(χ, χ−1).

Calculando o primeiro somatorio temos que∑t∈F∗

χ(t) · χ−1(−t) = χ−1(−1)∑t∈F∗

Id(t) = χ(−1)(q − 1).

Para o outro termo temos que G(χχ−1) = G(Id) = 1.

Por fim, usando o fato que a funcao

f : F\{−1} → F\{−1}t 7→ t

1−t .

Se que que

J(χ, χ−1) =∑t∈F

χ(t)χ−1(1− t) =∑

t∈F\{1}

χ

(t

1− t

)=

∑s∈F\{−1}

χ(s) = χ(−1) +∑s∈F

χ(s) = χ(−1).

Somando os dois termos (q − 1)χ(−1) + χ(−1) = q · χ(−1).

Lema 6.3. Seja χ 6= Id um caracter multiplicativo de F. Entao:

(a) G(χ) = χ(−1)G(χ−1).

(b) G(χ)G(χ) = q.

(c) Se χ tem ordem m, entao G(χ)m ∈ Q(ζm).

Demonstracao. (a) Como χ(t) e ψ(t) sao raızes da unidade e imediato que

χ(t)χ(t) = ψ(t)ψ(t) = 1, de onde concluımos que χ(t) = χ(t)−1 = χ−1(t) e

ψ(t) = ψ(t)−1 = ψ−1(t) = ψ(−t), com isto

G(χ) = −∑t∈F∗

χ(t) · ψ(t) = −∑t∈F∗

χ−1(t) · ψ(−t)

= −∑t∈F∗

χ−1(−t) · ψ(t) = χ(−1)G(χ−1).

(b) G(χ)G(χ) = G(χ)χ(−1)G(χ−1) = qχ(−1)χ(−1) = q.

(c) Do lema anterior temos que G(χ)2 = G(χ2) = J(χ, χ) e pelo mesmo lema

(aplicado duas vezes) G(χ)3 = G(χ3)J(χ, χ)J(χ, χ2) e indutivamente chegamos

CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 57

a G(χ)m−1 = G(χm−1)J(χ, χ)J(χ, χ2) · · · J(χ, χm−2); multiplicando os dois lados

desta ultima igualdade por G(χ) chegamos a

G(χ)m = G(χ) ·G(χm−1)︸ ︷︷ ︸=G(χ−1)

J(χ, χ)J(χ, χ2) · · · J(χ, χm−2)

pela parte (b) deste mesmo lema temos que isto e igual a

qχ(−1)J(χ, χ)J(χ, χ2) · · · J(χ, χm−2) ∈ Q(ζm).

Lema 6.4. Sejam m ∈ N, K um corpo numerico contendo ζm, p um ideal primo

de Q tal que p - m e P um ideal primo acima de p, isto e, P ∩ Z = pZ. Entao a

aplicacao canonica π : OK → OK/P := Fq leva Z sobre Z/pZ, N(P) = pf = q,

onde f = [OK/P : Z/pZ] e m | (q − 1).

Demonstracao. O que de fato iremos mostrar e que o grupo {ζ im : 1 ≤ i ≤ m} ⊂OK e enviado injetivamente por π, assim {π(ζ im) | 1 ≤ i ≤ m} e um subgrupo

de (OK/P)∗ com m elementos e pelo teorema de Lagrange m divide a ordem de

(OK/P)∗, assim m | q − 1.

Para isto e suficiente mostrar que ζm 6≡ ζ im(P) para todo i = 2, 3, · · · ,m. Seja

f(x) =m∏i=1

(x − αi) um polinomio de grau m. Entao derivando e avaliando em α1

obtemos f ′(α1) =m∏i=2

(α1 − αi). Fazendo o mesmo ao polinomio f(x) = xm − 1 =

m∏i=1

(x− ζ im) temos que f ′(ζm) =m∏i=2

(ζm − ζ im) = mζm−1

m .

Como P e primo e nem m e nem ζm−1

m pertencem a P , temosm∏i=1

(ζm − ζ im) 6∈ P ,

assim cada um dos fatores e distinto modulo P e portanto ζm 6≡ ζ im (mod P),

para todo i = 2, 3, · · · ,m.

6.2 Valorizacao e caracteres especiais

Sejam m ∈ N, K um corpo contendo Q(ζm), P um ideal primo tal que m 6∈ P e α

um elemento de OK/P ' Fq ' F, onde q = N(P). Observe que αq−1 ≡ 1 (mod P),

assim αq−1

= 1 ∈ F e portanto αq−1m e uma unidade em F, logo, pelo lema anterior,

esta raiz e unica em F.

CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 58

Usando a unicidade definimos o sımbolo(αP

)m≡ α

q−1m (mod P) se α 6∈ P e(α

P

)m

= 0 caso contrario.

Lema 6.5. Sob as mesmas hipoteses acima

(a) Se α ≡ β(P) entao(αP

)m

=

P

)m

.

(b)(αP

)m≡ α

q−1m (mod P) para todo α ∈ Z[ζ].

(c)

(αβ

P

)m

=(αP

)m·(β

P

)m

.

(d)(αP

)m

= 1 se, e somente se, existe β ∈ OK tal que α ≡ βm (mod P).

(e) Se m = 2, ζ2 = −1 e K = Q, entao este e conhecido como sımbolo de Legendre.

Demonstracao. Os ıtens (a), (b) e (c) sao imediatos da definicao. Para o item (d)

temos que, se existe β ∈ OK tal que α ≡ βm (mod P), entao αq−1m ≡ (βm)

q−1m ≡

1 (mod P). Reciprocamente, suponhamos que(αP

)m

= 1, isto e, αq−1m ≡ 1 (mod P).

Como F∗ e um grupo cıclico gerado por um elemento δ. Assim existe um 1 ≤ s ≤ q−1

tal que α ≡ δs (mod P). Logo αq−1m ≡ δ

s· q−1m ≡ 1 (mod P), mas a ordem de δ e

q−1 e portanto q−1 divide s · q−1m

e s sera multiplo de m, assim s = mk, finalmente

α ≡ (δk)m ≡ βm (mod P).

O item (e) e consequencia do item (d).

Definicao 6.6. Faremos abaixo algumas definicoes:

• Denotaremos por El o anel de inteiros de Q(ζl), P o ideal primo de Eq−1 que

esta acima de p e P o ideal primo de Ep(q−1) que esta acima de P. Observe

que nao temos unicidade na relacao de um ideal estar acima do outro, todavia

os ideais primos que estao acima do ideal primo (p) sao todos conjugados por

automorfismo.

• Definimos o caracter multiplicativo ω =

(·P

)−1

q−1

e a soma de Gauss como

G(ωa) ∈ Q(ζp(q−1)).

• Seja 0 ≤ a ≤ q − 1 entao como consequencia do algoritmo de Euclides temos

que a se escreve de maneira unica com a = a0 + a1p + a2p2 + · · · + af−1p

f−1

com 0 ≤ ai ≤ p− 1.

CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 59

• Definimos S(a) =

f−1∑i=0

ai e γ(a) =

f−1∏i=0

ai! e estendemos a definicao para todo

a ∈ N, S(a) = S(r) e γ(a) = γ(r), se a ≡ r mod q − 1 e 0 ≤ r ≤ q − 1.

Teorema 6.7. Sejam ω, S e γ como na definicao anterior. Se a ∈ N, entao

G(ωa)

λS(a)≡ 1

γ(a)(mod P).

Demonstracao. Comecamos fazendo algumas observacoes. Pela definicao so pre-

cisamos mostrar o teorema para 0 ≤ a ≤ q − 1 e alem disso se a = bp temos que

S(a) = S(b), γ(a) = γ(b) e Tr(tp) = tp+ tp2+ · · ·+ tp

f︸︷︷︸=t

= Tr(t) e tomando χ = ωbp,

G(ωbp) = −∑t∈F∗

χp(t)ζTr(t)

p= −

∑t∈F∗

χp(tp)ζTr(tp)

p

= −∑t∈F∗

χ(t)ζTr(t)

p= G(ωb), (6.1)

assim basta mostrar para os numeros que sao coprimos com p. Faremos a demon-

stracao em tres etapas:

(a) Se S(a) = 0, entao a = 0, G(Id) = 1 e γ(0) = 1 validando a congruencia.

(b) Se S(a) = 1 pela equacao 6.1 podemos supor a = 1, portanto temos que

mostrar G(ω)λ

≡ −1 (mod P). Como∑

t∈F∗ χ(t) = 0 para qualquer caracter

χ 6= 0, entao em particular para ω temos que

G(ω) = −∑t∈F∗

ω(t)ζTr(t)

p= −

∑t∈F∗

ω(t)(ζ

Tr(t)

p− 1).

MasζTr(t) − 1

λ=ζTr(t)p − 1

ζp − 1=

∑0≤j<Tr(t)

ζjp ≡∑

0≤j<Tr(t)

1 ≡ Tr(t) (mod λEp).

Contudo λEp ⊂ P e P ⊂ P, logo a congruencia vale modulo P. Por definicao,

ω(t) = t−1, |F∗| = q−1, assim existe um gerador de t ∈ F∗ que e um raiz q−1-esima

da unidade.

Segue que−G(ω)

λ=∑

0≤i<f

∑t∈F∗

tpi−1 (mod P).

Todavia, a soma interna e zero para 1 ≤ i < f e −1 para i = 0 e assim

−G(w)

λ≡ −1 (mod P).

CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 60

Mostrando a validade para o caso S(a) = 1.

(c) Suponhamos por inducao que o teorema e valido para todo numero menor que

a com 0 < a ≤ q − 1, assim temos que mostrar a afirmacao para a. Escrevemos

a = a0 + a1p + · · · + af−1pf−1 em notacao base p e como estamos supondo que a

e p sao coprimos, segue que a0 6= 0. E imediato que S(a − 1) = S(a) − 1 porque

os primeiros dıgitos em notacao base p nao mudam, somente muda o ultimo. Pelo

lema 6.2 temos G(ωa−1)G(ω) = G(ωa)J(ω, ωa−1).

Tomando b = q − a = (q − 1) − (a − 1) > 1. Se t 6= 1 e u = 1 − t, entao

ω(1− t) = u−1. Com isto temos que ωa−1(1− t) = u−(a−1) = ub = (1− t)b e

−J(ω, ωa−1) =∑t∈F∗

ω(t)ωa−1(1− t) =∑t∈F∗

t−1

b∑j=0

(b

j

)(−1)jtj

=b∑

j=0

(b

j

)(−1)j

∑t∈F∗

tj−1

︸ ︷︷ ︸=0 exceto se j=1

= −b(q − 1) = −a ≡ −a0 (mod P ).

Como 0 < a0 ≤ p− 1, a0 sera invertıvel modulo P. Pela hipotese de inducao e pelo

caso (b) temos que

G(ωa)

λS(a)≡ G(ωa−1)

λS(a−1)· G(ω)

λ· 1

J(ω, ωa−1)=

1

γ(a− 1) · a0

≡ 1

γ(a)(mod P).

Corolario 6.8. Nas mesmas hipoteses do teorema 6.7, para todo a ∈ N :

vP(G(ωa)) = S(a).

Demonstracao. Pelo teorema temos que anterior vP

(G(ωa)

λS(a)

)= v

P

(1

γ(a)

). Por

definicao γ(a) e coprimo com p, logo e invertıvel modulo P, entao

vP(G(ωa))− v

P(λ) · S(a) = 0,

como vP(λ) = 1, assim concluımos que v

P(G(ωa)) = S(a).

Lema 6.9. Para todo a ∈ N temos que: S(a) = (p − 1) ·f−1∑i=0

{pia

q − 1

}, onde { }

denota a funcao parte fracionaria.

CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 61

Demonstracao. Como pf ≡ 1 (mod q − 1) montamos assim o seguinte sistema de

congruencias:

a ≡ a0 + a1p+ a2p2 + · · ·+ a

f−1pf−1 (mod q − 1)

ap ≡ af−1 + a0p+ a1p2 + · · ·+ a

f−2pf−1 (mod q − 1)

...

apf−1 ≡ a1 + a2p+ a3p2 + · · ·+ a0p

f−1 (mod q − 1)

Observamos que o lado direito das congruencias sao todos menores que q − 1 entao{piaq−1

}e igual ao lado direito das congruencias dividido por q − 1. Somando todos

os fatores, obtemos

f−1∑i=0

{pia

q − 1

}=S(a)

q − 1· (1 + p+ p2 + · · ·+ pf−1) =

S(a)

p− 1.

Definicao 6.10. Seja p e um ideal primo de Q(ζm) acima de p, definimos pt = pσ−1t ,

onde

σt ∈ Gal(Q(ζm)/Q), σt(ζm) = ζtm e χ =

(·p

)−1

m

.

Lema 6.11. Seja G(χ) a soma de Gauss do caracter χ. Entao G(χ)m ∈ Q(ζm) e

G(χ)m =∏

t∈(Z/mZ)∗

pt

rt

com rt =m

p− 1· S(t(q − 1)

m

).

Demonstracao. Ja mostramos que G(χ)m ∈ Q(ζm) no lema 6.3 parte (c) e pelo

mesmo lema temos que G(χ) ·G(χ) = q = pf , de onde concluımos que os ideais que

aparecem na fatoracao em ideais do ideal (G(χ)) sao ideais que estao acima de p,

ou seja, sao da forma pt . Assim e suficiente mostrar que

vpt(G(χ)m) =

m

p− 1· S(t(q − 1)

m

).

Como m|(q − 1), temos a seguinte torre de corpos

Q ⊂ Q(ζm) ⊂ Q(ζq−1) ⊂ Q(ζp(q−1)).

Tomamos P ideal primo de Eq−1 acima de p e P ideal primo de Ep(q−1) acima

de P. Como P nao e ramificado sobre p (pois p nao divide q − 1), entao P nao

CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 62

e ramificado acima de p, assim vP(aEq−1) = vp(a) para todo ideal a em Em e

PEp(q−1) = Pp−1 e por este motivo vP(bEp(q−1)) = (p− 1)v

P(b) para todo ideal b de

Q(ζq−1).

Observamos que Eq−1/P contem canonicamente Em/p e |Eq−1/P| = q, entretanto

|Em/p| = q. Logo F = Em/p = Eq−1/P. Definimos assim um “novo” caracter

multiplicativo como ω =

(·P

)−1

q−1

.

Seja α ∈ Em, χ−1(α) =(αp

)m≡ α

q−1m (mod p) e ω−1(α) =

(αP

)q−1

≡ α (mod P)

utilizando a definicao nas congruencias acima temos que(α

P

) q−1m

q−1

≡ α (mod P).

Observando que esta congruencia tambem vale modulo p = P ∩ Em. Ou seja(αP

) q−1m

q−1≡(αP

)m

(mod p) por causa disto, temos uma igualdade(αP

) q−1m

q−1=(αP

)m

uma vez que ja mostramos que todas as raızes m-esimas da unidade sao distintas

modulo p.

Seja σt ∈ Gal(Q(ζm)/Q) e σt sua extensao pertencente a Gal(Q(ζpm)/Q) tal que

σt |Q(ζm )= σt e σt |Q(ζp)

= IdQ(ζp ).

Efetuando o calculo

G(χ)σt =

(−∑x∈F∗

χ(x)ψ(x)

)σt

= −∑x∈F∗

χ(x)tψ(x) = G(χt).

Por outro lado (G(χ)m)σt = (G(χ)m)σt = (G(χ)σt)m = G(χt)m. Finalmente tomando

a =t(q − 1)

m:

vpt(G(χ)m)σt = vp(G(χt)m) = mvp(G(χt)) = mvp(G(ωa)) =

m

p− 1· v

P(G(ωa))

=m

p− 1· S(a) =

m

p− 1· S(t(q − 1)

m

).

Demonstraremos a seguir um importante teorema conhecido como “A relacao de

Stickelberger”.

Teorema 6.12. Sejam p um numero primo com p - m, p um ideal primo em Em

acima de p e χ o caracter

(·p

)−1

m

. Entao:

G(χ)mEm = pmΘ,

CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 63

onde Θ e um elemento de Q(G) definido por

Θ =∑

t∈(Z/mZ)∗

{t

m

}σ−1t =

∑t=0,··· ,m−1mdc(t,m)=1

t

mσ−1t .

O elemento Θ assim definido e chamado de elemento de Stickelberger da extensao.

Demonstracao. Sejam t1, · · · , tg um sistema de representantes de (Z/mZ)∗ modulo

o subgrupo gerado por p, pela teoria de Galois temos que pt1 , · · · , ptg e uma lista de

ideais primos (sem redundancia) de Em que estao acima de p. Portanto,

G(χ)mEm =

g∏i=1

ptivpti

(G(χ)m)= pγ

′.

Com γ′ =m

p− 1

g∑i=1

S

(ti(q − 1)

m

)σ−1ti.

Observe que pjti com 1 ≤ i ≤ g e 0 ≤ j ≤ f − 1 representam todos os elementos de

(Z/mZ)∗, denotando pσ−1ti = p

σ−1

pjti , entao pelo lema anterior temos que

pγ′

= pm

p−1

Pgi=1(p−1)

Pf−1j=0 {

pjtim

}σ−1ti = p

mPg

i=1

Pf−1j=0 {

pjtim

}σ−1

pjti

= pmP

t{tm}σ−1

t = pmΘ.

Como querıamos demonstrar. Observe que o G(χ) depende do primo p, para o qual

χ =

(·p

)−1

m

foi definido. Alguns autores utilizam a notacao G(χpi) para explicitar

o primo que esta sendo tomado em questao.

Afirmacao 6.13. Sejam K um corpo numerico, a um ideal fracionario de K, C

a classe de a e m ∈ N. Entao existe b ∈ C, tal que m e coprimo com b e vp(b) ·vp(mOK) = 0 para todo ideal primo p.

Demonstracao. Sejam a =∏

pvp(a), mOK =∏

pvp(m) e V o conjunto de todos

os ideais primos que dividem a ou mOK . Para todo ideal p ∈ V escolhemos

xp ∈ pvp(a)\pvp(a)+1 . Pelo teorema chines do resto existe l ∈ OK , tal que a ≡ xp

(mod pvp(a)+1). Assim tomando b como o ideal fracionario 1la, temos que vp(

1la) =

vp(1l) + vp(a) = 0 para todo p ∈ V , e se p 6∈ V , entao vp(mOK) = 0.

Corolario 6.14. Seja a um ideal fracionario de Q(ζm). Entao amΘ e principal.

Demonstracao. Pela afirmacao anterior, podemos supor a = lb, com b coprimo com

m. Para todo ideal primo p que divide b, temos pela relacao de Stickelberger que

pmΘ = G(χ)mEm. Como isto vale para todo ideal primo dividindo b, consequente-

mente por multiplicatividade, vale para amΘ = lmΘbmΘ que e produto de ideais

principais.

CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 64

6.3 Teorema de Stickelberger

No que segue, G denotara o grupo Gal(Q(ζm)/Q).

Definicao 6.15. O ideal IS = Z[G] ∩ ΘZ[G] e chamado ideal de Stickelberger e

para todo inteiro b coprimo com m, denotamos Θb := (σb − b)Θ ∈ ΘZ[G].

Lema 6.16. Para todo inteiro b coprimo com m se tem que Θb ∈ IS.

Demonstracao. Observe que basta mostrar que Θb ∈ Z[G]. Assim calculando

σbΘ =∑{

t

m

}σ−1t σb =

∑{t

m

}σ−1b−1t

t=b−1t=

∑{bt

m

}σ−1t ,

onde a soma esta sendo avaliada em 1 ≤ t ≤ m − 1 e m.d.c(t,m) = 1, e b−1 e o

inteiro, tal que bb−1 ≡ 1 (mod m).

Utilizando a ultima igualdade podemos escrever

θb =∑({

bt

m

}− bt

m

)σ−1t = −

∑[bt

m

]σ−1t ∈ Z[G].

Como querıamos.

Exemplo 6.17. Este exemplo sera de grande utilidade mais adiante. Sejam m = p

primo ımpar, b = 2 e 1 ≤ t ≤ p− 1

[2t

p

]=

{0 se t ≤ p−1

2

1 se t ≥ p+12

Θ2 = −∑[

2t

p

]σ−1t = −

p−1∑t= p+1

2

σ−1t .

Lema 6.18. O ideal IS e gerado pelos elementos Θb. Mais precisamente e gerado

sobre Z por Θm+1 e Θb com 1 ≤ b ≤ m e m.d.c(b,m) = 1.

Demonstracao. Pela definicao, um elemento η ∈ IS e da forma η = δΘ com

δΘ ∈ Z[G]. Escrevemos δ =∑

t∈(Z\mZ)∗

dtσt ∈ Z.

δΘ =

∑t∈(Z\mZ)∗

dtσt

∑a∈(Z\mZ)∗

{ am

}σ−1a

=∑

t,a∈(Z\mZ)∗

dt

{ am

}σ−1at−1

a=ct=

∑c∈(Z\mZ)∗

∑t∈(Z\mZ)∗

dt

{ct

m

}σ−1c =

∑c∈(Z\mZ)∗

bcσ−1c

CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 65

onde bc =∑

t∈(Z\mZ)∗

dt

{ct

m

}que por hipotese pertence a Z.

Em particular se c = 1, bc ∈ Z. Definimos o elemento u como∑dtt

m:= u ∈ Z,

mais ainda∑dtt = um e observamos que mΘ = (m + 1− σm+1︸ ︷︷ ︸

=Id

) = −Θm+1, assim

concluımos que

δΘ =∑

t∈(Z\mZ)∗

dt(σt − t)Θ +∑

t∈(Z\mZ)∗

dttΘ

=∑

t∈(Z\mZ)∗

dtΘt + umΘ =∑

t∈(Z\mZ)∗

dtΘt − uΘm+1,

mostrando que este elemento e gerado pelos Θb e por Θm+1.

Afirmacao 6.19. O elemento G(χ)σb−b pertence a Q(ζm).

Demonstracao. Para mostrar esta afirmacao e suficiente mostrar que G(χ)σb−b e

invariante por G′ = Gal(Q(ζpm)/Q(ζm)) . Seja c ∈ Z tal que m.d.c(c, pm) = 1,

todo elemento τc do grupo G′ e da forma τc(ζpm) = ζcpm, portanto G′ = {τc | c ≡ 1

(mod m)}.

Sabemos que para todo x pertencente a F∗ = Em/p, χ(x) e uma raiz m-esima

da unidade e que ψ(x) e uma raiz p-esima da unidade. Fazendo as contas, vemos

que

(G(χ)σb)τc = −∑x∈F∗

χ(x)ψ(x))σbτc = −∑x∈F∗

χ(x)bψ(x)c

= −∑x∈F∗

χ(x)bψ(cx) = −χ(c)−b∑x∈F∗

χ(cx)bψ(cx)

= −χ(c)−b∑x∈F∗

χ(x)bψ(x) = −χ(c)−bG(χ)σb . (6.2)

Em particular para b = 1 temos (G(χ))τc = χ−1(c)G(χ), elevando os dois lados a b

ficamos com

(G(χ)b)τc = χ−b(c)G(χ)b. (6.3)

Fazendo o quociente de 6.2 e 6.3 chegamos a

(G(χ)σb−b)τc = G(χ)σb−b.

Mostrando assim que e invariante pelo automorfismo τc, como querıamos.

CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 66

Agora estamos aptos a demonstrar o teorema que da o tıtulo deste capıtulo.

Teorema 6.20 (Teorema de Stickelberger). O ideal de Stickelberger IS aniquila

o grupo de classe de ideais de Q(ζm), em outras palavras, para qualquer elemento

γ ∈ IS e qualquer ideal fracionario a ∈ Q(ζm), o ideal aγ e principal.

Demonstracao. Observamos que e suficiente mostrar o teorema no caso em que a = p

e um ideal primo qualquer, daı o resultado sai por multiplicatividade.

Dado p um ideal primo de Em coprimo com m a relacao de Stickelberger nos da que

pmΘ = G(χ)Em, elevando os dois lados a σb − b temos

pmΘb = (G(χ)m)σb−b = (G(χ)σb−b)m.

A seguir mostraremos uma proposicao que sera util nos capıtulos seguintes.

Proposicao 6.21. Para todo inteiro b 6= 0 coprimo com p, denotamos Θb o elemento

(b − σb)Θ como em 6.15. para os inteiro k = 1, 2, . . . , p−12

; definimos os elementos

θk de I−S como θk = (θk+1 − θk)(1 − ı), onde ı denota o automorfismo conjugacao

complexa. Estes elementos formam uma base de I−S = IS(1−ı) sobre Z e satisfazem:

||θk|| ≤ p− 1.

Demonstracao. Mostramos no lema 6.18 que o ideal de Stickelberger IS e gerado

sobre Z pelos os θb. Abaixo, evidenciamos duas igualdades que nos serao uteis:

θc + pθS =

p−1∑a=1

[ac

p

]σ−1a + p

p−1∑a=1

a

pσ−1a =

p−1∑a=1

([ac

p

]+ a

)σ−1a

=

p−1∑a=1

[a(c+ p)

p

]σ−1a = θc+p.

Ou seja, o ideal IS e gerado pelos conjunto θ1, θ2, . . . , θp−1 e θS. A outra igualdade:

θb(1− ı) + θp−b(1− ı) = (b− σb)θS(1− ı) + (p− c− σp−c)θS(1− ı)

= θS(p(1− ı)− σb + σb(p−1) − σ−b + σ−b(p−1))

= θS(p(1− ı)− σb + σ−b − σ−b + σb) = pθS(1− ı).

Desta ultima, concluımos que o ideal I−S e gerado pelos elementos θ1(1− ı), θ2(1−ı), . . . , θ p+1

2(1− ı) e como θ1 = 0 o ideal tambem e gerado por θ1, θ2, . . . , θ p−1

2, com

θk = (θk+1 − θk)(1− ı).

CAPITULO 6. O TEOREMA DE STICKELBERGER 67

Da definicao temos que o posto de Z[G] e p − 1 e das duas igualdades acima

segue que o posto de Z[G](1− ı) e p−12

.

Observemos tambem que o ındice de I−S = IS(1 − ı) em Z[G](1 − ı) e finito; de

fato isto e consequencia da formula de Iwasawa para o numero de classe que vimos

no teorema 4.23, que nos diz que [Z[G](1 − ı) : I−S ] = h−. Portanto o ındice de I−Sem Z[G](1− ı) e finito e consequentemente, o posto de I−S e p−1

2.

Vamos agora a calcular a norma de cada um dos θk. Para isso calculemos primeiro

o peso de θS:

ω(θS) =

p−1∑a=1

a

p=

1

p· p(p− 1)

2=p− 1

2.

Ja vimos que a funcao peso e um homomorfismo de aneis, logo para todo b coprimo

com p: ω(θb) = ω(b − σb) · ω(θS) = (c − 1) · p−12

. Alem disso, sabemos que θb =p−1∑a=1

[acp

]σ−1a , ou seja, todos os coeficientes de θb+1− θb sao positivos ou iguais a zero.

Por este motivo,

||θb+1 − θb|| = ω(θb+1 − θb) =p− 1

2,

segue que

||θk|| = ||(θk+1 − θk) · (1− ı)|| ≤ ||θk+1 − θk|| · ||1− ı|| = p− 1.

Capıtulo 7

Resultados de Mihailescu

Mostraremos aqui dois resultados de Mihailescu: O primeiro funciona como uma

extensao do teorema de Cassels e sera uma peca importante na prova final da con-

jectura. O segundo lida com a equacao de Catalan quando um dos expoentes e

pequeno. A exposicao dada aqui e uma mescla dos artigos [17] e [37].

7.1 Generalizacao do teorema de Cassels

Neste capıtulo estaremos utilizando a seguinte notacao: π = 1 − ζ e P o ideal

gerado por este elemento em Z[ζ] = OK , isto e, P = (π) = (1 − ζ), ζ denota a

raiz p-esima da unidade, isto e, ζ = ζp. Salvo em mencao contraria G e o grupo de

Galois G = Gal(Q(ζp)/Q).

Lema 7.1. Sejam x, y numeros inteiros nao nulos que sao solucao da equacao

xp − yq = 1.Entao o numero λ := x−ζ1−ζ pertence ao anel de inteiros OK = Z[ζ], e o

ideal principal (λ) e uma potencia q-esima de um ideal de OK.

Demonstracao. Do corolario 5.6 (Relacoes de Cassels), sabemos que p | y e y | xp−1

assim p | xp − 1, logo pelo teorema de Fermat p | x − 1 e portanto x ≡ 1

(mod Pp−1), logo x − ζ ≡ 1 − ζ ≡ 0 (mod P), ou seja, P divide x − ζ. Alem

disso P2 nao divide x− ζ, pois caso contrario P dividiria 1− ζ. Consequentemente

λ = x−ζ1−ζ e um inteiro algebrico tal que (λ) nao e divisıvel por P.

Observamos que λσ ∈ OK = Z[ζ] para todo σ ∈ G = Gal(Q(ζp)/Q), mais ainda

temos que P nao divide (λσ). Do lema 4.9 temos que (1 − ζ) = (1 − ζσ). Agora

para σ, τ ∈ G, temos a identidade

(1− ζσ)λσ − (1− ζτ )λτ = (1− ζσ)x− ζσ

1− ζσ− (1− ζτ )

x− ζτ

1− ζτ= ζτ − ζσ.

68

CAPITULO 7. RESULTADOS DE MIHAILESCU 69

Portanto, para elementos distintos σ, τ ∈ G, o maximo divisor comum de (λσ), (λτ )

divide o ideal (ζσ − ζτ ) = P, mas P nao divide nenhum dos dois termos, segue que

o m.d.c.(λσ, λτ ) = 1. O que mostra que quaisquer desses ideais sao dois a dois

coprimos.

Consideramos agora o produto∏σ∈G

λσ =∏σ∈G

x− ζσ

1− ζσ=xp − 1

x− 1

∏σ∈G

1

1− ζσ=

1

p· x

p − 1

x− 1

Pelas Relacoes de Cassels do corolario 5.6, existe um inteiro positivo u tal quexp−1x−1

= puq, logo∏σ∈G

λσ = uq. Como os ideais principais (λσ) sao coprimos, cada

um deles e uma potencia q-esima.

Lema 7.2. O anel OK/(q) nao contem elementos nilpotentes. Alem disso se α, β ∈OK = Z[ζ] satisfazem a congruencia αq ≡ βq (mod q), entao αq ≡ βq (mod q2).

Demonstracao. Como foi mostrado na afirmacao 4.11 o ideal gerado por q nao se

ramifica. Portanto (q) = q1 · . . . · qs onde os qi sao ideais primos distintos de OK .

Pelo teorema chines dos restos OK/(q) ' OK/q1 × . . .×OK/qs. Como os ideais qi

sao primos, segue que OK/(q) nao possui elementos nilpotentes diferentes de 0.

Sejam α, β ∈ Z[ζ] tal que αq ≡ βq (mod q) e assim (α−β)q ≡ αq−βq ≡ 0 (mod q).

Ja vimos que OK/(q) nao possui elementos nilpotentes diferentes de zero, por-

tanto α− β ≡ 0 (mod q) e assim α = β + jq com j ∈ OK . Daı

αq = (β + jq)q ≡ βq + qβq−1jq + . . .+ (jq)q ≡ βq (mod q2).

Onde ı = σp−1 denota a conjugacao complexa e I−S e o Z[G]-ideal que e obtido

quando multiplicamos o ideal de Stickelberger IS por 1− ı, isto e, I−S = IS(1− ı).

Para α um elemento de K∗, utilizando a notacao exponencial definida na secao

4.4, pagina 35, temos que α1−ı = αα, e para qualquer imersao σ de K em C, temos

que |σ(α1−ı)| = 1.

Teorema 7.3 (Mihailescu). Para qualquer Θ ∈ I−S , o elemento (x − ζ)Θ e uma

potencia q-esima em K = Q(ζ).

Demonstracao. Seja Θ um elemento de I−S e escrevemos Θ = (1− ı)Θ′, com Θ′ ∈ IS.Tomamos λ = x−ζ

1−ζ e pelo lema 7.1 sabemos que (λ) e uma potencia q- esima de um

ideal em OK , digamos (λ) = aq. Do Teorema de Stickelberger segue que aΘ′e

principal, aΘ′= (α), com α ∈ K = Q(ζ). Observemos que

(λΘ′) = (aq)Θ′

= (aΘ′)q = (α)q.

CAPITULO 7. RESULTADOS DE MIHAILESCU 70

Consequentemente, λΘ′= ηαq, onde η e uma unidade de OK . Destes ideais obtemos

uma relacao util para o elemento (x− ζ)Θ:

(x− ζ)Θ = (λ(1− ζ))Θ = λ(1−ı)Θ′(1− ζ)(1−ı)Θ′

=

λ

)Θ′ (1− ζ

1− ζ

)Θ′

=

(λΘ′

λΘ′

)(1− ζ

1− ζ

)Θ′

η

(αα

)q (1− ζ

1− ζ

)Θ′

.

Sabemos do capıtulo 4 que e1−ζ1−ζ = −ζ e unidade e |α

α| = 1, logo temos que (x−ζ)Θ e

uma potencia q-esima de uma raiz da unidade. Todas as raızes da unidade em Q(ζ)

sao da forma ±ζa com a inteiro. Lembrando que p e q sao coprimos e q e ımpar, cada

uma delas e uma potencia q-esima em Q(ζ), chegando ao resultado desejado.

Corolario 7.4. Sejam p e q primos ımpares, e x, y inteiros nao nulos tais que

xp − yq = 1, entao:

(i) p2 | x e q2 | y.

(ii) pq−1 ≡ 1 (mod q2) e qp−1 ≡ 1 (mod p2).

Demonstracao. Observe que (1 − ζ−1x)Θ = (−ζ−1(x − ζ))Θ, como (x − ζ)Θ e uma

potencia q- esima e ζ−1 e unidade, entao (−ζ−1(x − ζ))Θ tambem e uma potencia

q- esima de Z[ζ], digamos (1− ζ−1x)Θ = aq. Pelas relacoes de Cassels 5.6 sabemos

que q divide x, isto implica que (1− ζ−1x)Θ ≡ 1 (mod q).

Aplicando o lema 7.2 para α = a e β = 1 obtemos

(1− ζ−1x)Θ ≡ 1 (mod q2). (7.1)

Se Θ =∑σ∈G

nσσ calculamos

(1− ζ−1x)Θ =∏σ∈G

(1− σ(ζ−1)x)nσ ≡∏σ∈G

(1− nσσ(ζ−1)x) (mod q2)

≡ 1− x∑σ∈G

nσσ(ζ−1) (mod q2). (7.2)

As congruencias 7.1 e 7.2 implicam que

x∑σ∈G

nσσ(ζ−1) ≡ 0 (mod q2).

Suponhamos, procedendo por contradicao, que q2 nao divide x, donde q divide∑σ∈G

nσσ(ζ−1). Como esta afirmacao e valida para todo elemento Θ pertencente a

I−S , em particular vale para

Θ = (1− ı)Θ2 = −σ−11 − · · · − σ−1

p−12

+ · · ·+ σ−1p−1.

CAPITULO 7. RESULTADOS DE MIHAILESCU 71

Mas

Θ(ζ−1) = ζ + · · ·+ ζp−12 − ζ

p+12 − · · · − ζp−1 = ζ

(1− ζp−12 )2

1− ζ,

e a norma deste numero e p, que por hipotese nao e divisıvel por q, o que e absurdo.

Concluımos entao que q2 tem que dividir x. O resultado para y segue por simetria,

concluindo a parte (i) do corolario. Juntando o primeiro item das relacoes de Cassels

5.6 com a primeira parte deste corolario chegamos a:

pq−1uq ≡ x− 1 ≡ −1 (mod q2). (7.3)

Com u inteiro nao nulo e do pequeno teorema de Fermat sabemos que pq−1 ≡ 1

(mod q). Aplicando isto a 7.3 temos uq ≡ −1 (mod q) e assim pelo lema 7.2 temos

uq ≡ −1 (mod q2). Novamente juntando a 7.3 ficamos com

pq−1 ≡ 1 (mod q2).

Por simetria temos que qp−1 ≡ 1 (mod p2).

7.2 Quando p e q sao pequenos

Em 2000, Bugeaud e Hanrot publicaram um artigo validando a conjectura de Cata-

lan quando p ou q e menor que 43. Nesta secao usaremos as ideais deste artigo [6],

entretanto so precisaremos que p ou q > 11.

Lema 7.5. Se ζ e uma raiz p- esima da unidade entao

p−1∑i=1

1

x− ζ i=φ′p(x)

φp(x)e

p−1∑i=1

ζ i

(x− ζ i)2=

1− p2

12

com φp(x) = xp−1 + xp−2 + . . .+ x+ 1 o p-esimo polinomio ciclotomico.

Demonstracao. Integrando o primeiro somatorio∫ (p−1∑i=1

1

x− ζ i

)dx =

p−1∑i=1

(∫1

x− ζ idx

)= ln(c

∏(x− ζ i)) = ln (c · φp(x)) ,

com c constante.

Derivando e utilizando o teorema fundamental do calculo temos quep−1∑i=1

1

x− ζ i=φ′p(x)

φp(x), o que mostra a primeira igualdade.

CAPITULO 7. RESULTADOS DE MIHAILESCU 72

Fazendo x = 1 nesta igualdade

p−1∑i=1

1

1− ζ i=φ′p(1)

φp(1)=

p(p−1)2

p=p− 1

2.

Derivando a primeira igualdade do lema temos que

p−1∑i=1

1

(x− ζ i)2=φ′p(x)

2 − φ′′p(x) · φp(x)φp(x)2

.

Novamente tomando x = 1,

p−1∑i=1

1

(1− ζ i)2=φ′p(1)

2 − φ′′p(1) · φp(1)φp(1)2

.

Como φ′′p(1) =

p−2∑k=1

k(k+1) =(p− 2)(p− 1)p

3, substituindo e simplificando chegamos

a

p−1∑i=1

1

(1− ζ i)2=−(p− 5)(p− 1)

12.

Finalmente

p−1∑i=1

ζ i

(1− ζ i)2=

p−1∑i=1

1

(1− ζ i)2−

p−1∑i=1

1

1− ζ i

=1− p

2+

(p− 5)(1− p)

12=

1− p2

12.

Proposicao 7.6 (Lema de Hensel). Sejam f ∈ Zp[X1, X2, · · · , Xm], x = (xi) ∈(Zp)

m e n, k ∈ Z. Suponha 0 < 2k < n,

f(x) ≡ 0 (mod pn) e vp

(∂f(x)

∂Xj

)= k.

Entao existe um zero de f , que denotaremos por y ∈ (Zp)m, que e congruente a x

modulo pn−k.

Demonstracao. Ver [43], pagina 14.

Proposicao 7.7. Sejam CLk o grupo de classe de Q(ζn) e CLk+ o grupo de classe

de Q(ζn + ζ−1n ). A aplicacao natural ψ : CLk+ → CLk e injetiva.

Demonstracao. Ver [49], pagina 40.

Vimos no teorema 4.17 que a cardinalidade do grupo de classe de Q(ζ+) := h+p

divide a cardinalidade do grupo de classe de Q(ζ) := hp. E chamamos este quociente

de numero relativo de classe e o denotamos por h−p .

CAPITULO 7. RESULTADOS DE MIHAILESCU 73

Teorema 7.8. Seja h−p = hp

h+p

o numero relativo de classe de Q(ζ). Se q nao divide

h−p ou p nao divide h−q , entao a equacao de Catalan xp − yq = 1 nao tem solucao

em inteiros nao nulos.

Demonstracao. Faremos esta demonstracao por contradicao. Suporemos que q - h−pe xp−yq = 1 tem solucao, entao chegaremos que pq−1 divide q−1 gerando o absurdo.

Das relacoes de Cassels 5.6 tiramos que x ≡ 1 (mod pq−1) ≡ 1 (mod π4).

Vimos no lema 7.1 que(x−ζ1−ζ

)= aq com a ideal de OK = Z[ζ]. Como este ideal e

principal, pelo teorema de Lagrange, q divide o numero de classes hp de Q(ζ).

Por hipotese q nao divide h−p , assim q divide h+p , o qual e o numero de classe de

K+ = Q(ζ + ζ−1). Vimos na proposicao 7.7, temos que a aplicacao natural ψ

de CLK+ em CLK e injetiva, consequentemente #(CLK/ψ(CLK+)) = hp

h+p

= h−p .

Definimos a seguinte sequencia exata

0 −→ CLK+ψ−→ CLK

ϕ−→ CLkψ(CLK+)

−→ 0,

ψ([I]) = [IOK ]. Como aq = (x−ζ1−ζ ) e principal temos que [aq] e a classe trivial

de CLk e pela igualdade [aq] = [a]q temos que ord([a]) e um divisor de q e assim

ord(ϕ([a])) | q e ord(ϕ([a])) divide∣∣∣ CLK

ψ(CLK+ )

∣∣∣ = h−p . Mas por hipotesemdc(q, h−p ) = 1,

assim temos que ord(ϕ([a])) = 1, logo ϕ([a])1 e o elemento identidade em CLK

ψ(CLK+ ).

Pela sequencia ser exata temos que existe [b] ∈ CLK+ tal que ψ([b]) = [a].

Mais ainda existe γ ∈ K∗ = Q(ζ)∗, tal que a = (γ)b′, onde estamos vendo

b′ = bOK como um OK-ideal. Desta igualdade temos que b′q e um ideal principal.

Portanto existem um elemento β ∈ Q(ζ)∗ e uma unidade η0 , tal que x−ζ1−ζ = η0βγ

q.

Definimos µ = x−11−ζ . Como x − 1 ∈ pq−1Z ⊂ π(p−1)(q−1)Ep, segue que µ ∈ Ep e

vπ(µ) ≥ (p− 1)(q − 1)− 1 ≥ 4.

Portanto1 + µ

1 + µ=

1− ζ

1− ζ· x− ζ

x− ζ= −ζ−1 · x− ζ

x− ζ.

Entao1 + µ

1 + µ= ζ−1αq = βq com α, β ∈ Q(ζ) e

q√1+µq√1+µ

= β. Consideremos o elemento

η = ( q√

1 + µ+ ζ−1q q√

1 + µ)q = (1 + µ)(β + ζ−1q )q

= (1 + µ)(ζ−1q α+ ζ

−1q )q = ζ−1(1 + µ)(1 + α)q ∈ Q(ζ). (7.4)

Do fato que a+b divide aq+bq, temos que q√

1 + µ+ζ−1q q√

1 + µ divide ( q√

1 + µ)q+

(ζ−1q q√

1 + µ)q = (1+µ)+ζ−1(1+ µ). E como (1+µ)+ζ−1(1+ µ) = x−ζ1−ζ +ζ−1 · x−ζ−1

1−ζ−1

que como consequencia do lema 4.9 e uma unidade, mais ainda e uma unidade ci-

clotomica como foi definido no capıtulo 4,e temos que NQ(ζ)/Q(η) = 1.

CAPITULO 7. RESULTADOS DE MIHAILESCU 74

Aplicando o Lema de Hensel ao anel de valorizacao Zp[ζ] (anel de inteiros p-

adicos) e ao polinomio Xq − (µ+ 1) implica que u = q√

1 + µ+ ζ−1q q√

1 + µ ∈ Zp[ζ],

com N(η) = N(u)q = 1, ou seja N(u) = 1. Fazendo o desenvolvimento binomial de

u temos que

u =

(1 +

µ

q

)+ ζr

(1 +

µ

q

)+O

(µ2)

onde rq ≡ −1 (mod q).

Assim u = (1 + ζr)

(1 +

x− 1

q· 1− ζr+1

(1− ζ)(1 + ζr)

)+O(µ2).

Observamos que 1 + ζr = 1−ζ2r

1−ζr que pelo lema 4.9 e uma unidade. Calculando a

norma de u

N(u) =∏ζ 6=1

(1 +

µ

q+ ζr + ζr · µ

q

)+O(µ2)

=∏ζ 6=1

(1 + ζr)∏ζ 6=1

(1 +

µq

+ ζr · µq

1 + ζr

)+O(µ2)

= N(−1− ζ)

(1 +

∑ζ 6=1

µ+ ζrµ

q(1 + ζr)

)+O(µ2)

= 1 +∑ζ 6=1

µ+ ζrµ

q(1 + ζr)+O(µ2) (7.5)

a ultima igualdade vem de queN(−1−ζ) = (−1)p−1+(−1)p−2+. . .+(−1)+1 = 1.

Substituindo µ = x−11−ζ encontramos

N(u) = 1 +x− 1

q

∑ζ 6=1

11−ζ + ζr

1−ζ

1 + ζr+O

((x− 1)2

π2

)(7.6)

Calculando em separado

11−ζ + ζr

1−ζ

1 + ζr=

1− ζr+1

(1− ζ)(1 + ζr)=

1− (1− π)r+1

π(1 + (1− π)r)

=1− 1 + (r + 1)π +O(π2)

π(2− rπ) +O(π3)=r + 1

2+O(π) (7.7)

Sabemos que vπ(x− 1) ≥ 4, assim π(x− 1)|µ2 = (x−1)2

π2 .

De 7.6 e 7.7 temos que

1 = 1 +x− 1

q· (r + 1)(p− 1)

2+O(π(x− 1))

(x− 1)(r + 1)(p− 1)

2q≡ 0 ( mod (π(x− 1))) (7.8)

CAPITULO 7. RESULTADOS DE MIHAILESCU 75

ou seja π|(r + 1) de outra forma r ≡ −1 (mod p), mas r foi tomado de forma que

qr ≡ −1 (mod p) , logo q ≡ 1 (mod p).

Deste fato decorre que ζ−1q = ζ−1 e µ+ ζ−1µ = x−1

1−ζ + ζ−1 · x−11−ζ = 0.

Assim os termos lineares na expansao binomial deN(u) sao todos nulos. Expandindo

novamente N(u) pela serie de Taylor, mas agora permitindo termos quadraticos

temos

N(u) =∏ζ 6=1

(1 +

(1q

2

)µ2 + ζ−1 + ζ−1

(1q

2

)µ2

)+O(µ3)

= 1 +

(1q

2

)· (x− 1)2

∑ζ 6=1

1(1−ζ)2 + ζ−1

(1−ζ−1)2

(1 + ζ−1)+O(µ3). (7.9)

Calcularemos em separado1

(1−ζ)2+ ζ−1

(1−ζ−1)2

(1+ζ−1)usando a identidade −ζ−1(1 − ζ) =

1− ζ−1 e assim

1(1−ζ)2 + ζ−1

(1−ζ−1)2

(1 + ζ−1)=

(1− ζ−1)2 + ζ−1(1− ζ)(1− ζ)

(1− ζ)2(1− ζ−1)(1 + ζ−1)

=(1− ζ−1)(1 + ζ)

(1− ζ)2(1− ζ−1)(1 + ζ−1)=

ζ

(1− ζ)2. (7.10)

Utilizando o lema 7.5

N(u) = 1 +(1− q)(x− 1)2

2q

∑ ζ

(1− ζ)2+O(µ3)

= 1 +(1− q)(x− 1)2(1− p2)

24q+O(µ3)

sabemos que µ3 = (x− 1)2 · (x− 1)

π3e tomando modulo na equacao acima

(1− q)(x− 1)2(1− p2)

24q≡ 0

(mod (x− 1)2 · (x− 1)

π3

).

Portanto x−1π3 divide (1−q)(1−p2)

24q, assim x− 1 divide (1−q)(1−p2)π3

24qcomo pq−1 divide

x− 1 temos pq−1|(q − 1)π3.

Contudo p - π3 logo pq−1|(q − 1), mas pq−1 e muito maior do que q − 1, chegando a

um absurdo.

Lema 7.9. Sejam p um numero primo ımpar e γ ∈ N, tal que γ gera todo o grupo

CAPITULO 7. RESULTADOS DE MIHAILESCU 76

F∗q. Definimos γi ≡ γi (mod p) e o polinomio Fp(X) =

p−1∑i=1

γiXi, entao

h−p =

∣∣∣∣∣∣p−12∏

k=1

Fp

2k−1

p−1

)∣∣∣∣∣∣(2p)

p−32

.

Demonstracao. A demonstracao deste resultado e consequencia de toda a teoria

desenvolvida ate o capıtulo 6 do livro de Edwards, [21] pagina 234, sobre funcoes

L de Dirichlet, e sera omitida neste texto. Outra referencia muito interessante e o

livro de Cohen volume 2 [14] pagina 234.

Teorema 7.10 (Mihailescu). Sejam p e q primos ımpares distintos com p ou q ≤ 19,

entao a equacao de Catalan xp − yq = 1 nao possui solucao nos numeros inteiros

nao nulos.

Demonstracao. Do lema anterior verifica-se, que h−p = 1 para p ≤ 19. Assim q nao

divide h−p entao pelo teorema 7.8 concluımos que a equacao nao tem solucao. O

caso p divide h−q e analogo.

Capıtulo 8

Caso q divide p− 1

Neste capıtulo mostraremos a validade da Conjectura de Catalan para este caso.

Notamos que se (x, y, p, q) e solucao da equacao xp − yq = 1, entao (−y,−x, q, p)tambem e, e vice-versa. Portanto se mostrarmos que a equacao anterior nao tem

solucao quando p divide q−1, tambem estaremos mostrando que nao existe solucao

quando q divide p− 1.

8.1 O terceiro teorema de Mihailescu

Teorema 8.1 (Mihailescu). Sejam p, q ≥ 5 numeros primos e s =[

3q2(p−1)2

]. Se(

s+ p−12s

)≥ s+1

3(p − 1)2 + 1 entao a equacao xp − yq = 1 nao tem solucao para x, y

inteiros nao nulos.

Este teorema nos diz que se p, q ≥ 5 e se q e “muito maior” que p entao a equacao

de Catalan nao tem solucao, assim bastara mostrar que quando p divide q − 1 a

condicao do teorema e satisfeita.

No resto deste capıtulo estaremos assumindo que p, q ≥ 5 sao primos e que x, y sao

inteiros nao nulos que satisfazem xp − yq = 1 e s =

[3q

2(p− 1)2

].

Afirmacao 8.2. Seja C o conjunto das k-uplas de numeros naturais cuja soma e

menor que s, isto e, C =

{(λ1, . . . , λk) ∈ Nk

∣∣∣∣ k∑i=1

λi ≤ s

}, entao |C| =

(s+kk

).

Demonstracao. Veremos que este problema e equivalente a uma serie de outros

problemas, e resolveremos o ultimo. O que estamos querendo achar sao todas as

solucoes nao negativas de x1 + x2 + . . . xk ≤ s, mas achar essas solucoes e o mesmo

que achar as solucoes de x1 + x2 + . . . xk + y = s. Mas este e equivalente a um

problema de analise combinatoria, ao numero de formas de escolhermos s objetos

em k + 1 classes, ou seja,(s+kk

).

77

CAPITULO 8. CASO Q DIVIDE P − 1 78

Lema 8.3. Se(s+ p−1

2s

)> s+1

3(p−1)2+1, entao existem mais de q elementos distintos

θ ∈ I−S = (1− ı)IS, tal que ||θ|| ≤ 3q2(p−1)

.

Demonstracao. Pela proposicao 6.21, existem elementos θ1, θ2, . . . , θ p−12

, que formam

uma base sobre Z para I−S , tais que ||θi|| ≤ p− 1.

Definimos o elemento θ =

p−12∑i=1

λiθi, com λi ∈ Z≥0. Se os λi satisfazem a seguinte

condicaok∑i=1

λi ≤ s =

[3q

2(p− 1)2

], entao θ satisfaz a propriedade de que ||θ|| ≤

3q2(p−1)

. Pela afirmacao 8.2 temos que existem(s+ p−1

2s

)destes elementos. Repetindo o

argumento, mas para λi ∈ Z≤0 temos que o numero total e pelo menos 2·(s+ p−1

2s

)−1,

o menos 1 vem de θ = 0.

Por hipotese(s+ p−1

2s

)> s+1

3(p− 1)2 + 1, e assim

2 ·(s+ p−1

2

s

)− 1 >

2

3(s+ 1)(p− 1)2 + 1

e como 23(s+ 1)(p− 1)2 e no mınimo q, logo a quantidade de elementos θ ∈ I−S , que

satisfaz ||θ|| ≤ 3q2(p−1)

e maior do que q.

Para provar o teorema 8.1 suporemos que existe uma solucao em inteiros nao

nulos x, y da equacao xp − yq = 1. Mostraremos que este valor e bem pequeno,

contradizendo o corolario 5.8, faremos isto construindo um elemento especial θ ∈ I−Se manipulando o elemento α ∈ Q(ζ)∗, que satisfaz (x− ζ)θ = αq.

Aqui faremos uma sequencia de lemas para chegar na demonstracao.

Lema 8.4. Sejam θ ∈ I−S e α o elemento de K tal que (x− ζ)θ = αq.

A aplicacao ψ : I−S → K∗

θ 7→ α

e um homomorfismo de grupos, que e injetivo.

Demonstracao. A aplicacao esta bem definida pois K = Q(ζp) nao possui raiz q-

esima da unidade diferente do 1. Logo α esta bem determinado. O fato de que e

homomorfismo e de facil verificacao. Resta mostrar a injetividade.

Para isso suponhamos que existam dois elementos θ e θ′ tais que ψ(θ) = ψ(θ′). Isto

e o mesmo que (x− ζ)θ = (x− ζ)θ′, ou equivalentemente (x− ζ)θ−θ

′= 1.

Chamando θ′′ = θ−θ′, (x−ζ)θ′′ = 1 e θ′′ =∑

σ∈G nσσ e para concluir a injetividade

teremos que verificar que nσ e igual a zero para todo σ ∈ G.

Logo suponhamos que∏

σ∈G(x−ζσ)nσ = 1. Tomando λ = x−ζ1−ζ como no lema 7.1,

vimos que os ideais (λσ) e (λτ ) sao coprimos para σ, τ distintos. Tambem mostramos

CAPITULO 8. CASO Q DIVIDE P − 1 79

que (1 − ζ)2 nao divide nem (x − ζ) e nem nenhum dos conjugados. Segue que os

ideais (x− ζσ) e (x− ζτ ) so tem o ideal (1− ζ) como fator comum.

Tambem mostramos que (x− ζσ) tem um fator primo distinto de (1− ζ) e sabemos

que (1− ζ) divide (x− ζσ) para todo σ ∈ G. Assim temos que mostrar que (x− ζσ)nao divide (1 − ζ), mas sabemos que isto nao ocorre pois x−ζ

1−ζ nao e uma unidade

e N(x−ζσ

1−ζ ) = N(x−ζσ)N(1−ζ) > N(x−ζ)

p> 1. Seja pσ um divisor primo de (x − ζσ), distinto

de (1− ζ) e eσ ≥ 1 a multiplicidade de pσ em (x− ζσ). Mas isto implica que peσnσσ

divide 1, ou seja nσ = 0, como querıamos mostrar.

Seja uma imersao qualquer τ : Q(ζ) → C, o elemento α, que associamos ao

θ ∈ I−S tem norma 1 para qualquer destas imersoes, pois:

|τ(γ1−ı)| = |τ(γ)1−ı| = |τ(γ)||τ(γ)|

= 1

como (1−ı) divide θ = θ′(1−ı) para todo θ em I−S , assim 1 = |τ(x−ζ)θ| = |τ(αq)| =|τ(α)|q e consequentemente |τ(α)| = 1.

Uma outra observacao e que como todo θ ∈ I−S e da forma θ = θ′(1− ı) onde θ′ ∈ IS,temos que o peso de θ e zero, isto e, w(θ) = w(θ′(1− ı)) = w(θ′)w(1− ı) = 0.

Isto nos diz que I−S esta contido no ideal de aumento Iaug de Z[G]. Em particular,

para qualquer θ ∈ I−S temos que xθ = xw(θ) = 1 e assim(1− ζ

x

)θ=

(x− ζ

x

)θ= (x− ζ)θ. (8.1)

Seja z ∈ C definimos o ramo principal do logaritmo como sendo log(z) =

log(|z|) + i arg(z), com −π < arg(z) ≤ π. Temos que elog(z) = z, para todo z ∈ C e

se w ∈ C tal que ew = z, entao existe k ∈ Z tal que w = log(z) + 2πki.

Observacao 8.5. Usaremos os seguintes fatos da analise complexa:

(a) | log(z1 · z2)| = | log(z1) + log(z2)| ≤ | log(z1)|+ | log(z2)| .

(b) ez =∞∑n=0

zn

n!.

(c) log(1 + z) =∞∑n=1

−(−z)n

n, para |z| < 1.

A demonstracao destes fatos pode ser encontrada em qualquer bom livro de

analise complexa, como por exemplo [15].

Da equacao 8.1, αq =(1− ζ

x

)θ, logo podemos usar as expansoes acima para estimar

| log(σ(α))q|.

CAPITULO 8. CASO Q DIVIDE P − 1 80

Afirmacao 8.6. Com as hipotese anteriores temos que | log(σ(α))q| ≤ 3||θ||2|x| .

Demonstracao. De imediato temos

|log (σ (α))q| =

∣∣∣∣∣log

((1− ζ

x

)θ))∣∣∣∣∣ =

∣∣∣∣∣log

(∏τ∈G

((1− σ (ζ)τ

x

)nτ))∣∣∣∣∣

≤∑τ∈G

|nτ | ·∣∣∣∣log

(1− σ (ζτ )

x

)∣∣∣∣ . (8.2)

Calculando separadamente

∣∣∣∣log

(1− σ(ζτ )

x

)∣∣∣∣ =

∣∣∣∣∣σ(ζτ )

x+

1

2

(σ(ζτ )

x

)2

+1

3

(σ(ζτ )

x

)3

+ . . .

∣∣∣∣∣≤∣∣∣∣σ(ζτ )

x

∣∣∣∣+ 1

2

∣∣∣∣σ(ζτ )2

x

∣∣∣∣+ 1

3

∣∣∣∣σ(ζτ )3

x

∣∣∣∣+ . . .

=1

|x|+

1

2

1

|x|2+

1

3

1

|x|3+ . . .

≤ 1

|x|

(1 +

1

|x|2+

1

|x|3+ . . .

)=

1

|x|· 1

1− 1|x|. (8.3)

Incluindo a equacao 8.3 de volta em 8.2 obtemos

| log(σ(α))q| ≤∑τ∈G

|nτ | ·

(1

|x|· 1

1− 1|x|

)≤∑τ∈G

|nτ | ·(

1

|x|· 1

1− 13

)

=∑τ∈G

|nτ | ·(

1

|x|· 3

2

)= ||θ|| 3

2|x|. (8.4)

Aqui usamos que |x| ≥ 3 que pode ser obtido das equacoes de Cassels.

Como |σ(α)q| = 1, temos

| log(σ(α))q| = | log(|σ(α)q|) + i arg(σ(α)q)| = | arg(σ(α)q)|.

E da equacao 8.4 temos | arg(σ(α)q)| = | log(σ(α))q| ≤ ||θ|| 32|x| . Como arg(σ(α)q) ≡

q arg(σ(α)) (mod 2π) concluımos que existe um inteiro k associado a θ, tal que−q2< k < q

2e assim ∣∣∣∣arg(σ(α))− 2kπ

q

∣∣∣∣ ≤ 3||θ||2q|x|

.

CAPITULO 8. CASO Q DIVIDE P − 1 81

Note que a igualdade acima esta nos dizendo que para todo θ ∈ I−S , o σ(α)

correspondente e muito proximo de uma raiz q-esima da unidade, ja que |σ(α)| = 1.

Se ||θ|| ≤ qp−1

, entao so existe um unico inteiro k tal que a desigualdade acima

e satisfeita. Podemos ver isto da seguinte forma. Suponhamos que existam dois

inteiros k e l tais que | arg(σ(α)) − 2kπq| ≤ 3||θ||

2q|x| e | arg(σ(α)) − 2lπq| ≤ 3||θ||

2q|x| , pela

desigualdade triangular temos∣∣∣∣2kπq − 2lπ

q

∣∣∣∣ ≤ ∣∣∣∣arg(σ(α))− 2kπ

q

∣∣∣∣+ ∣∣∣∣arg(σ(α))− 2lπ

q

∣∣∣∣ ≤ 3||θ||q|x|

.

E por essa razao

|k − l| ≤ 3||θ||2π|x|

≤ 3q

2π(p− 1)qp−1< 1.

De onde segue que k = l. No lema 8.1 mostramos que havia mais de q elementos

θ ∈ I−S com a propriedade de ||θ|| ≤ 3q2(p−1)

. Pelo princıpio das casas dos pombos,

existem dois elementos distintos de I−S de tamanho no maximo 3q2(p−1)

que estao

associados ao mesmo k. Isto significa que os α′s correspondentes a estes elementos

estao muito proximos da mesma raiz q- esima da unidade.

Denotaremos estes elementos por θ1 e θ2, e αi os elementos associados. Definimos

tambem o elemento θ = θ1 − θ2 e portanto como (x− ζ)θ = αq, temos que α = α1

α2.

Como θ1 e θ2 estao perto da mesma raiz q-esima esperamos que σ(α) esteja perto

de 1. Como |σ(α)| = 1, | log(σ(α))| e igual | arg(σ(α))|. Explicitando temos:

| log(σ(α))| = | arg(σ(α))| ≤ | arg(σ(α1))− arg(σ(α2))|

= | arg(σ(α1))−2kπ

q+

2kπ

q− arg(σ(α2))|

≤ | arg(σ(α1))−2kπ

q|+ |2kπ

q− arg(σ(α2))|

≤ 3||θ1||2q|x|

+3||θ2||2q|x|

≤ 23

2

3q2(p−1)

q|x|=

32

2

1

|x|(p− 1). (8.5)

Como ja observamos queremos mostrar que |x| e pequeno o suficiente para con-

tradizer o corolario 5.8, e daı concluir o teorema 8.1. E para isso primeiro precisamos

aproximar |σ(α− 1)|.

Afirmacao 8.7. Sejam p, q ≥ 5, x, y inteiros nao nulos, tais que xp − yq = 1 e α,

tal que (x− ζ)θ = αq. Entao:

(a) |σ(α)− 1| ≤ 33

221

|x|(p−1).

CAPITULO 8. CASO Q DIVIDE P − 1 82

(b) N(α− 1) ≤(

33

22 · 1|x|(p−1)

)2

· 2p−3

Demonstracao. Da equacao 8.5 e da observacao 8.5 temos

|σ(α)− 1| = |elog(σ(α)) − 1|

= | − 1 + 1 + log(σ(α)) +1

2!log(σ(α))2 +

1

3!log(σ(α))3 + . . . |

≤ | log(σ(α))|+ 1

2!| log(σ(α))|2 +

1

3!| log(σ(α))|3 + . . .

≤ 32

2

1

|x|(p− 1)+

1

2!

(32

2

1

|x|(p− 1)

)2

+1

3!

(32

2

1

|x|(p− 1)

)3

+ . . .

≤ 32

2

1

|x|(p− 1)

(1 +

1

|x|+

1

|x|2+

1

|x|3+ . . .

)=

32

2

1

|x|(p− 1)

1

1− 1|x|≤ 32

2

1

|x|(p− 1)

1

1− 13

=33

22

1

|x|(p− 1)(8.6)

demonstrando a parte (a). Ou seja σ(α − 1) e muito pequeno, o que implica que

σ(α) esta bem proximo de 1 e o mesmo vale para seu conjugado, uma vez que

|σ(α) − 1| = (σ(α) − 1) · (σ(α)− 1). Para qualquer outra imersao τ : Q(ζ) ↪→ Ctambem temos que |τ(α)| = 1 , logo |τ(α − 1)| = |τ(α) − 1| ≤ |τ(α)| + 1 = 2. De

onde obtemos:

|N(α− 1)| =

∣∣∣∣∣∏σ∈G

σ(α− 1)

∣∣∣∣∣ ≤(

33

22

1

|x|(p− 1)

)2

· 2p−3.

Note que o numero α − 1 nao e zero pois se α = 1 entao θ = 0 o que nao pode

ser verdade pois estamos tomando θ1 e θ2 distintos.

Agora faremos um pausa para definir alguns objetos.

Definicao 8.8. Seja β ∈ Q(ζ). Entao βEp = ab−1, com a e b ideais coprimos de

Ep. O ideal b e dito o ideal denominador de β e a e dito o ideal numerador.

Lema 8.9. Com a definicao acima temos que:

(i) ab−1 ∩ Ep = a.

(ii) b = {x ∈ Ep | x · β ∈ Ep}.

(iii) (β) e (β − 1) tem o mesmo ideal denominador.

CAPITULO 8. CASO Q DIVIDE P − 1 83

Demonstracao. (i) temos que a ⊂ ab−1 ∩ Ep := a′. Por outro lado, a′ ⊂ ab−1 e

a′b ⊂ a, o que implica que a′ ⊂ a, uma vez que a e b sao coprimos.

(ii)Pela definicao b ⊂ {x ∈ Ep | x · β ∈ Ep} := b′. Seja x ∈ b′, logo x · β ∈Ep ∩ ab−1 (i)

= a. De onde temos que x ∈ β−1Epa = b.

(iii) Segue de (ii).

Prova do Teorema 8.1. Consideremos o ideal (α), seja J o ideal denominador e J ′ o

ideal numerador de (α), como∏

σ∈G |σ(α)| = 1 temos que N(J) = N(J ′), e do fato

que (x− ζ)θ = αq, segue que Jq e o ideal denominador e J ′q e o ideal numerador do

ideal (x− ζ)θ. E mais Jq =∏

nσ>0(x− ζσ)nσ e Jq =∏

nσ<0(x− ζσ)|nσ |, isto implica

que

N((JJ ′)q) = N(J)2q ≤ N

(∏τ∈G

(x− ζτ )|nτ |

).

Computando a norma de (x− ζτ )

N(x− ζτ ) =∏σ∈G

σ(x− ζτ ) =∏σ∈G

(x− σ(ζτ ))

= xp−1 + xp−2 + . . .+ x+ 1

≤ |x|p−1 +

(p

1

)|x|p−2 + . . .

(p

p− 1

)|x|+ 1

= (|x|+ 1)p−1. (8.7)

E de ||θ|| = ||θ1 − θ2|| ≤ ||θ1||+ ||θ2|| ≤ 3qp−1

e daqui segue que

N(∏τ∈G

(x− ζτ )|nτ |) ≤ (1 + |x|)||θ||(p−1) ≤ (1 + |x|)3q.

Ou seja N(J) ≤ (|x|+ 1)32 .

Tudo isto nos leva a seguinte desigualdade

(|x|+ 1)−32 ≤ N(J)−1 ≤ |N(α− 1)| ≤

(33

22

1

|x|(p− 1)

)2

· 2p−3

a qual implica que

√|x|+ 1 ≤ (|x|+ 1)2

|x|2

(33

22

1

(p− 1)

)2

· 2p−3

≤(

33

22

1

p− 1

)2

· 2p−2 ≤ 46

(p− 1)22p−2.

CAPITULO 8. CASO Q DIVIDE P − 1 84

Usando o corolario 5.8, temos√|x|+ 1 ≥

√qp−1 =

√qp−1 ≥

√5p−1

.

Contudo √5p−1

>46

(p− 1)22p−2

para todo primo p ≥ 5. Mas isto contradiz nossas duas ultimas desigualdades,

terminando assim a demonstracao do teorema.

8.2 Consequencia Importante

Antes de enunciar o resultado que da o tıtulo a este capıtulo precisamos de um

pequeno lema.

Lema 8.10. Sejam k ≥ 2 e s ≥ 4 numeros inteiros. Se a desigualdade(s+ k

k

)=

(s+ k

s

)>

4

3(s+ 1)k2 + 1,

e valida, entao tambem vale para s′ ≥ s e para k′ ≥ k.

Demonstracao. E facil verificar a desigualdade para os caso (s, k) = (6, 4)(7, 3) e (9, 2).

Suponhamos por inducao que vale a desigualdade para (s, k). Iremos primeiro fazer

a inducao em s. Assim temos(s+ k + 1

s+ 1

)=

s+ 1 + k

s+ 1

(s+ k

s

)>

s+ 1 + k

s+ 1

(4

3(s+ 1)k2 + 1

)>

4

3(s+ 1 + k)(k2) + 1.

Bastando verificar que s+1+k > s+2, mas por hipotese k ≥ 2. Agora para o caso

(s, k + 1) calculemos(s+ k + 1

k + 1

)=

s+ 1 + k

k + 1

(s+ k

s

)>

s+ 1 + k

k + 1

(4

3(s+ 1)k2 + 1

)>

4

3

(s+ 1 + k)(s+ 1)

k + 1k2 + 1

Portanto resta verificarmos a desigualdade (s+1+k)k+1

k2 > (k+1)2, ou seja, (s+k+

1)k2 > (k + 1)3. Como s ≥ 4 temos, (k + 5)k2 > (k + 1)3 o que e sempre verdade

pois k ≥ 2.

CAPITULO 8. CASO Q DIVIDE P − 1 85

Corolario 8.11. Sejam p, q ≥ 5 primos tais que p divide q − 1, entao a equacao

xp − yq = 1 nao possui solucao com x, y inteiros nulos.

Demonstracao. Como p | (q − 1), ou seja, existe um inteiro k tal que q = pk + 1,

vimos no corolario 7.4 que pq−1 ≡ 1 (mod q2). Assim

qp−1 = (1 + kp)p−1

= 1 + (p− 1)kp+

(p− 1

2

)(kp)2 + . . .+ (p− 1)(kp)p−1 + (kp)p−1

≡ 1 + (p− 1)kp (mod p2).

Do corolario 7.4 temos que 1 + (p− 1)kp ≡ 1 (mod p2). Como p nao divide p− 1,

logo p divide k, isto e, q e da forma q = 1 + lp2.

Observe que q nao pode ser da forma 1 + p2 e nem da forma 1 + 3p2, pois estes

numeros sao pares. E nao pode ser da forma 1 + 2p2 pois este numero e divisıvel

por 3. Portanto q ≥ 1 + 4p2 > 4(p− 1)2.

O numero s =

[3q

2(p− 1)2

]que aparece nas hipoteses do teorema 8.1 satisfaz s ≥

6. Vimos que a inequacao do lema 8.10 e satisfeita para os pares (6, 4), (7, 3) e (9, 2).

Assim, de acordo com o lema, a inequacao vale para todo par (s, k) com s ≥ 6 e

k ≥ 2 exceto para os pares (6, 3) e (s, k) tais que k = 2 e s ≤ 8

Tomando k = p−12

e aplicando o lema 8.10, segue que a desigualdade do teorema

8.1 e satisfeita para p ≥ 5, exceto para os casos com p−12

= 3 e s = 6 e p−12

= 2 e

s ≤ 8. Todavia, estes casos nao correspondem aos primos tais que p, q ≥ 5 e q ≡ 1

(mod p2), pois para p−12

= 3 e s = 6 temos que p = 7 e 3q2(p−1)2

< 7 o que implica

que q < 168. Por outro lado, q ≥ 1 + 4p2 = 197, gerando um absurdo.

Se p−12

= 2 e s ≤ 8, logo p = 5 e de s ≤ 8 segue que q < 96. Mas novamente

q ≥ 1 + 4p2 = 101, ou seja estes casos tambem geram um absurdo. Portanto, o

teorema 8.1 e satisfeito para todos os primos p, q ≥ 5, tais que q ≡ 1 (mod p).

Referencias Bibliograficas

[1] Akthar, R. Cyclotomic Euclidean Number

Fields Senior Thesis, Harvard University, 1995,

http://calico.mth.muohio.edu/reza/research/seniorthesis/seniorthesis.pdf

[2] Bennett, M. Pillai conjecture Revisited, J. of Num. Theo., 98, 228-235, 2003.

[3] Baker, A. Transcendental number theory. Cambridge University Press, London-

New York, 1975

[4] Bilu, Y.Catalan’s conjecture (after Mihailescu), Seminaire Boubaki, n 909,

2002-2003.

[5] Bilu, Y. Catalan without logarithmic (after Bugeaud, Hanrot and Mihailescu),

Journal de theorie des nombres de Bordeaux 17 (2005), 69-85. Disponivel na

internet em www.math.u-bordeaux.fr/yuri.

[6] Bugeaud, Y. & G. Hanrot, Un nouveu critere pour l’equation de Catalan,

Matematika, 47, 15-33, 2000.

[7] Bugeaud, Y. & Mihailescu, P. On the Nagell-Ljunggren equation xn−1x−1

= yq.

Math. Scand. 101 (2007), no. 2, 177–183

[8] Cassels, J.W.S. On the equation ax + by = 1, Amer J. of Maths, 75, 159-162,

1953.

[9] Cassels, J.W.S.On the equation ax + by = 1, Proc. Cambridge Phil. Soc. 56,

97-103, 1960.

[10] Catalan,E. Note extraite d’une lettre adressee a l’editeur, J. reine Angew. Math,

27, 192, 1844.

[11] Catalan, E. Quelques Theormes empiriques in Melanges Mathematiques, M.

Soc. Royale de sciences de Liege 12, 42-43, 1885.

86

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 87

[12] Chein, E.Z. A note on the equation x2 = yq + 1., Proc. Amer. Math. Soc. 56,

83-84, 1976.

[13] Cohen, H.Number Theory. Volume I: Tools and Diophantine Equations, Grad.

Texts Math. 239, 2007.

[14] Cohen, H.Number theory. Volume II: Analytic and modern tools, Grad. Texts

Math.240, 2007.

[15] Conway, J.B. Functions of one complex variable Grad. Texts Math. 11 1978.

[16] Clark, D.A Quadratic Field Wich I s Euclidean But Not Norm-Euclidean

Manus. Math. 83 327-330 1994.

[17] Daems, J.A cyclotomic proof of catalan’s conjecture, Master thesis, Leiden,

29/09/2003

[18] Dickson, L.E.History of the Number Theory vol. II, Chelsea, New York, 1952.

[19] Chao Ko, On the diophantine equation x2 = yn + 1, xy 6= 0, Acta Sci. Natur.

Univ. Szechaum 2, 57-64, 1960.

[20] Chao Ko, On the diophantine equation x2 = yn + 1, xy 6= 0, Sci. Sinica, 14,

457-460, 1965.

[21] Edwards, H.M. Fermat’s Last Theorem: A genetic Introduction to Algebraic

Number Theory, Grad. texts in Math.,Springer, 1977.

[22] Harper, M Z[√

14] is Euclidean, Cana. J. of Math, 56 55-70, 2004.

[23] Inkeri, K.On Catalan conjecture, J. Num. Theo. 34, 142-152, 1990.

[24] Lemmermeyer, F. The Euclidean Algorithm is Algebraic Number Fields,

http://www.rzuser.uni-heidelberg.de/ hb3/survey.ps.

[25] Lebesgue, V.A.Sur L’impossiblite, en nombres entiers, de ’equation xm = y2 +

1., Nouv. Ann. De Math., 9, 178-181, 1850.

[26] LeVeque, W.J. On the equation ax − by = 1, Amer. J. of Math. 74, 325-331,

1952.

[27] Makowski, A.Three consecutive integers cannot be powers, Colloquium Mathe-

maticum, IX:297, 1962.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 88

[28] Matsumura, H. Commutative ring Theory, Cambridge Studies in advanced

Mathematics 8.

[29] Marcus, D. Number fields, Unversitext, springer, 1977.

[30] Mignotte, M.A criterion on Catalan equation, J. Num. Theo. 52, 280-284, 1995.

[31] Mihailescu, P. A class Number of free Criterion for Catalan Conjecture, J.

Num. Theo. 99, 225-231, 2003.

[32] Mihailescu, P. Primary cyclotomic units and a proof of catalan’s conjecture, J.

Reine Angew. Math. ,572, 167-195, 2004.

[33] Mihailescu, P. On the class groups of cyclotomic extensions in presence of a

solution to Catalan’s equation, J. Num. Theo. 118, 123-144, 2006.

[34] Mihailescu, P. A cyclotomic investigation of the Catalan-Fermat Conjecture,

ww.arxiv.org, 2007.

[35] Mihailescu, P. On the Nagell-Ljunggren equation , Preprint.

[36] Metsankyla, T. Catalan’s conjecture: Another old diophatine problem solved,

Bul. Amer. Math. Soc. 41, 43-57, 2003.

[37] Mischler, M.& J. Boechat , La conjecture de catalan, Racontee a un ami qui a

le temps, www.arxiv.org, 2005.

[38] Nagell, T. Des equations inderterminees x2 + x+ 1 = yn and x2 + x+ 1 = 3yn

Norsk Matem. Forenings Skrifter I,2, 1921. (Veja Tambem: Collected Pap-

pers of Trygve Nagell, ed P. Ribenboim, Queens Papers in Pure and Applied

Math.121, Kingston, vol.1, 79-94, 2002)

[39] Niven, I. Diophantine Approxiation. Dover, 2008.

[40] Ono, T. An Introduction to Algebraic Number Theory, Plenum, The univ. Series

in Math., 1990.

[41] Ribenboim, P. Catalan’s Conjecture, Academic Press, San Diego, 1994.

[42] Rosen M.& K. Ireland, A classical introduction to modern number theory, Grad.

Texts Math. , second edition, 84, 1990.

[43] Serre, J.P. A Course in Arithmetic, Grad. Texts Math. 7 1973.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 89

[44] Scott, R. & R. Styer, On px − qy = c and related three term exponential dio-

phantine equations with prime bases, J. Num. Theo. 105, 212-234, 2004.

[45] Scott, R.& R. Styer, On the generalized Pillai equation ±ax ± by = c, J. Num.

Theo. 118, 236-265, 2006.

[46] Thaine, F. On the ideal class group of real abelian number fields, Ann. Math.

128, 1-18, 1988.

[47] Thaine, F. on Fermat’s last theorem and the arithmetic of Z[ζp+ζ−1p ]∗, J. Num.

Theo. 29, Nr. 3, 297-299, 1988.

[48] Tijdeman, R. On the equation of Catalan, Act. Arith. 29, 197-209, 1976.

[49] Washington, L. Introduction to Cyclotomic Fields, Springer, Grad. texts Math.

83, 1996.