a decada perdida - microsoft e apple(1)

Upload: larissa-oliveira

Post on 28-Feb-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/25/2019 A Decada Perdida - Microsoft e Apple(1)

    1/9

    http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-73/questoes-tecno-empresariais/a-decada-perdida

    A dcada perdida

    Como a Microsoft, a empresa mais valiosa do mundo em 2000, perdeu a vanguarda tecnolgica, se burocratizou e foi atropeladapelos concorrentespor KURT EICHENWALD

    Ao som de uma msica melosa de elevador, Steve Ballmer atravessou correndo o palco do salo de baile do Venetian, um luxuosohotel-cassino de Las Vegas. Numa parede de 7 metros de al-tura, dezenas de telas piscavam seu nome. O presidente mundial daMicrosoft, de 56 anos, deu um abrao apertado no apresentador de rdio e tev Ryan Seacrest, que acabava de convid-lo parafazer a palestra de abertura da Consumer Electronics Show 2012, a grande feira de tecnologia de Las Vegas.

    Mais de 150 mil nerds e executivos caram como uma nuvem de gafanhotos nos hotis da cidade em janeiro para esse megafestivalanual de engenhocas e tecnologia de ponta. Os participantes corriam de um estande para outro, agarrando brindes e trombandocom estrelas como Justin Bieber.Mas naquela noite havia um clima de mal-estar no salo onde Ballmer estava prestes a abrir a feirauma honra que coube aopresidente da Microsoft em quinze dos dezessete anos anteriores (Bill Gates nos primeiros onze anos e Ballmer nos demais).Semanas antes, a empresa tinha declarado que esse seria seu ltimo discurso inaugural no e-ventoe o pior: que ela no voltarno ano que vem para expor suas inovaes. A poca de anunciar as grandes novidades sobre seus produtos, disse a Microsoft, nocoincidia com as datas da feira anual de tecnologia.Os boatos tinham fervilhado o dia todo. Diziam que Ballmer planejava sair de cena por cima, fazendo uma rpida apresentao dealgum produto indito sensacional, vindo de uma empresa cujas inovaes recentes haviam sido com frequncia sem brilho, paradizer o mnimo. Mas, em vez disso, aconteceu um espetculo estranho, uma conversa entre Seacrest e Ballmer. Apareceram o

    monstro dos Come-Come doVila Ssamoe um coro gospel berrando uma cano bizarra, composta inteiramente de tutesaleatrios enviados ao ciberespao, sabe-se l por quem.

    http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-73/questoes-tecno-empresariais/a-decada-perdidahttp://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-73/questoes-tecno-empresariais/a-decada-perdidahttp://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-73/questoes-tecno-empresariais/a-decada-perdida
  • 7/25/2019 A Decada Perdida - Microsoft e Apple(1)

    2/9

    o houve nenhum anncio de um grande salto tecnolgico. Ballmer elogiou o sistema operacional Windows 8, muitoaguardado (que no momento em que escrevo est disponvel apenas como umpreviewonline). Falou com entusiasmo sobre suasexpectativas para o Xbox, o console de jogos que compete com xito com o PlayStation, da Sony. E l veio de novo o WindowsPhone 7, que, apesar dos elogios dos usurios, teve vendas desanimadoras. Seguiu-se uma demonstrao que acabou sendovergonhosa: o recurso de reconhecimento de voz para criar mensagens escritas no funcionou; em seguida, outro problema

    tcnico obrigou um funcionrio da Microsoft a ir buscar outro telefone.O canto do cisne da Microsoft foi um smbolo perfeito de uma dcada eivada de erros, oportunidades perdidas e de transformaode uma das maiores inovadoras do setor em uma maria vai com as outras, que tentava correr atrs de produtos de outrasempresas. Ao longo desses anos, firminhas desimportantescomo Google, Facebook, Applepassaram frente, transformando ouso da mdia social e da tecnologia, enquanto a pesadona Microsoft continuava dependendo dos seus velhos produtos bemconhecidos, como Windows e Office. Num mercado em constante mutao, a Microsoftque no quis falar para este artigosetornou a equivalente, no mundo da tecnologia, auma velha fbrica de automveis de Detroit lanando modelos mais vistosos deprodutos velhos, enquanto os concorrentes viravam o mundo de cabea para baixo.A maioria das inovaes da Microsoft acabou em desastres financeiros. E esse desempenho ficou bem evidente nas Bolsas: apesarde grandes vendas e dos lucros vindos dos seus produtos principais, nos ltimos dez anos a ao da Microsoft quase no saiu damarca dos 30 dlares, enquanto a da Apple vale hoje mais de vinte vezes o que valia h dez anos. Em dezembro de 2000, aMicrosoft era a empresa mais valiosa do mundo, com valor de mercado de 510 bilhes de dlares. Em junho de 2012 ela era anmero 3, com valor de mercado de 249 bilhes de dlares. Por outro lado, em dezembro de 2000, a Apple valia 4,8 bilhes dedlares e nem estava na lista das dez mais. Em junho deste ano, ela era a nmero 1 do mundo, com valor de mercado de

    541 bilhes de dlares.Como aconteceu essa inverso de papis? Como possvel que uma empresa que est entre as mais ricas do mundo, queconseguiu quebrar o predomnio frreo da IBM no setor da informtica, tenha tropeado e cado to feio numa corrida que ela jestava ganhando?

    histria dos dez anos perdidos da Microsoft poderia servir como estudo de caso nas escolas de administrao,no captuloarmadilhas do sucesso. Ela, que comeou to gil, uma mquina de competir liderada por jovens visionrios, se transformounuma empresa inchada, sobrecarregada de burocracia, com uma cultura interna que recompensa, involuntariamente, os chefesque asfixiam as ideias inovadoras, capazes de ameaar a ordem estabelecida.Na aurora do novo milnio, nos corredores da Microsoft no havia mais programadores descalos de camisa havaiana, que viravamas noites e os fins de semana trabalhando para um objetivo comum de excelncia. Em vez disso, a vida por trs das grossas paredesda empresa se tornou sria, formal e brutal. Dominar a politicagem interna passou a ser indispensvel para o sucesso na carreira.Naqueles anos, a Microsoft havia intensificado seus esforos para cortar as pernas dos concorrentes, masdevido a uma srie dedecises de gesto incrivelmente tolasos competidores que estavam sendo mutilados muitas vezes eram os colegas de trabalhona prpria empresa. Os funcionrios eram recompensados no s por fazer um bom trabalho, mas tambm por fazer os colegasfracassarem. O resultado que a empresa foi consumida por uma srie interminvel de lutas internas. Produtos com potencial deexplodir no mercadocomo o livro eletrnico e osmartphoneforam eliminados, descarrilados ou postos em banho-maria, emmeio a brigas e jogos de poder.Esse o retrato da Microsoft que aparece em entrevistas com dezenas de executivos e ex-executivos da empresa, bem como emmilhares de pginas de documentos internos e registros legais.Eles apontavam o dedo para a IBM e davam risada, disse Bill Hill, ex-gerente da Microsoft. Agora eles se transformaram naquiloque eles mesmos desprezavam.Hoje a Microsoft est beira de um precipciouma oportunidade do tipo tudo ou nada, que pode ser a ltima chance de Ballmerdemonstrar para Wall Street que ele o homem certo com o plano certo para liderar rumo ao futuro. Com o Surface,

    seu tabletrecm-lanado, o Windows 8, o WindowsPhone 7, o Windows Server 2012 e o Xbox 720 chegando em breve, Ballmertalvez esteja perto de provar que suas estratgias do certoincluindo a polmica aquisio do Skype, feita no ano passado por8,5 bilhes de dlares. Mas quer esses novos produtos tenham sucesso ou no, dizem os executivos, a Microsoft de outrora, togil, que conquistou o entusiasmo de toda uma geraode gente apaixonada por tecnologia e engenheiros de software, est mortae enterrada.Vejo a Microsoft como a verso tecnolgica da Sears, disse Kurt Massey, ex-gerente de marketing. Nas dcadas de 40, 50e 60, aSears acertou em cheio. Era a nmero 1, e hoje no passa de terra arrasada. E isso que a Microsoft. A empresa deixou deser cool.Ser cool, moderno o que deseja o consumidor de tecnologia. Prova nmero 1: hoje o iPhone gera mais receitas do que aMicrosoft inteira. srio. Um nico produto da Apple, algo que no existia cinco anos atrs, tem mais vendas hoje do que tudo o que a Microsoft tempara oferecer. Vende mais que Windows, Office, Xbox, Bing, Windows Phone e todos os outros produtos que a Microsoft crioudesde 1975. No trimestre que terminou em 31 de mar-o de 2012, o iPhone teve vendas de 22,7 bilhes de dlares, e a MicrosoftCorporation, de 17,4 bilhes.

  • 7/25/2019 A Decada Perdida - Microsoft e Apple(1)

    3/9

    Dinheiro e monoplio

    mbora a Microsoft j tenha sido a empresa mais moderna e avanada do planeta, suas origens vm l de trsremontam Bblia Sagrada dos nerds, a revista Popular Electronics.Em dezembro de 1974, um jovem de 21 anos chamado Paul Allen, que acabava de abandonar a faculdade, comprou o novo nmerodessa revista dedicada a amadores de eletrnica, numa banca de jornal na praa Harvard, em Cambridge, Massachusetts. Ele mal

    conseguia conter o entusiasmo. Em letras garrafais, a manchete na capa gritava que o primeiro minicomputador do mundo compotncia para rivalizar com os modelos comerciais tinha sido inventado. Allen correu at o Harvard College, onde estudava seuantigo colega de ginsio, Bill Gates. Os dois h muito tempo queriam criar um programa de controle operacional usando alinguagem computacional chamada Basic; mas Gates tinha resolvido esperar. S comearia um projeto assim quando fossefabricado um computador com um processador rpido. Allen jogou a revista nas mos de Gates, e os dois concordaram: omomento tinha chegado.As coisas andaram rpido. Gates, Allen e mais um amigo criaram um programa que chamaram de Altair Basic, e convenceram aempresa que fabricava o computadora MITS, de Albuquerque, no estado do Novo Mxicoa us-lo sob licena. Deram o nome sua nova empresa de Micro-soft. Depois, o mercado de computadores pessoais explodiu. A Microsoft comeou a vender seusprogramas para firmas cada vez maiores. Dentro de dois anos a empresa, rebatizada como Microsoft, j estava definindo ospadres de programao para microprocessadores. Trabalhar na jovem Microsoft era, segundo todos os relatos, emocionante, mastambm enervante. Gates era incansvel, e exigia a mesma dedicao de todos os que contratava.Em 1980, a IBM, ento a maior fabricante mundial de computadores, procurou Gates e Allen e licenciou a Microsoft para criar osoftware operacional para um novo produto que seria lanado em breve, o ibm pc. Foi a grande chance da Microsoft, trazendo-lhe

    o dinheiro de que ela precisava para financiar sua ascenso estratosfera.No mesmo ano, Gates e Allen concluram que nenhum dos dois tinha experincia nem competncia para administrar uma empresacomo a Microsoft. Gates procurou um amigo de Harvard, um sujeito falante, espalhafatoso, cheio de energia, formado emmatemtica e economiaBallmerpara comandar o lado comercial. Ballmer fora assistente na gerncia de produto da Procter &Gamble; depois entrou na Escola de Negcios de Stanford, e abandonou o curso para entrar na Microsoft.A empresa comeou a dobrar e triplicar de tamanho a cada ano, e os sistemas operacionais da Microsoft ficaram mais sofisticados.O MS-DOS ainda era baseado em comandos escritos, mas depois veio o Windows, que trouxe a interface grfica, comandada porcones na rea de trabalho, menus e outros meios visuais, para os PCs e qualquer outro tipo de computador.Em 24 de agosto de 1995, a Microsoft atingiu o auge da modernidade lanando o sistema operacional que viria a ser o seu best-seller: o Windows 95. Para comprar os primeiros pacotes, os nerds comearam a fazer fila meia-noite na porta das lojas, dando avolta no quarteiro. O Empire State Building ficou todo iluminado com cores da Microsoft, vermelho, amarelo, azul e verde. Gatespagou 3 milhes de dlares para os Rolling Stones pelo direito de usar seu clssicoStart Me Upcomo msica-tema para seusanncios e outras apresentaes. Uma msica-tema para um software!

    No final de 1997 o Windows 95, juntamente com outros sistemas operacionais da Microsoft, rodava em 86,3% dos PCs dos EstadosUnidos (em contraste, o Mac OS da Apple tinha na poca apenas 4,6% do mercado). Ser nerd agora era chique, e a Microsoftexerceu um poder sem precedentes sobre a sociedade americana. Parecia que nada poderia deter o passo do Golias do software.

    or outro lado, o investidor Warren Buffett, chamado de Orculo de Omaha, no entendia a Microsoft.Era agosto de 1997 e o executivo responsvel pelas vendas, marketing e servios da Microsoft, Jeff Raikes, insistia com Buffett paracomprar aes da empresa. A Microsoft, escreveu Raikes em um e-mail, era exatamente como a Coca-Cola, um dos investimentosmais conhecidos de Buffett. A Coca-Cola recebia, em suma, royalties sobre cada gole; e a Microsoft controlava o posto de pedgiode quase todos os computadores pessoais vendidos no mundo.Mesmo assim, reconheceu Raikes, havia um perigo em comprar aes da Microsoft. A ameaa, escreveu ele, era que ocorressealguma transformao imprevistano mercado de tecnologiao mesmo fenmeno que tinha prejudicado tanto a IBM, a vov dasgigantes da informtica, quando a Microsoft entrou em cena.

    Creio que a IBM ficou viciada no poder que ela teve nas mos durante vrias geraes de computadores, e isso a deixou cega paraa mudana de paradigma que veio com o PC, escreveu ele.Essa preocupao fazia sentido para Buffett. Ser que a Microsoft seria vtima da mesma arrogncia que fez a IBM cair do trono?Haveria outra mudana de paradigma que a Microsoft s enxergaria quando fosse tarde demais?Raikes reconheceu que tinha as mesmas preocupaes. Eu fico pensando, sim, sobre o que acontecer daqui a dez ou vinte anos,escreveu ele.E tinha bons motivos para se preocupar. J havia sinais de que a Microsoft iria perder o trem da histria na prxima dcada.Naquele exato momento, na sede da Microsoft em Redmond, no estado de Washington, um grupo de engenheiros estavadesenvolvendo um aparelho que, dali a dez anos, se transformaria numa indstria multibilionria: um leitor eletrnico que permitiabaixar uma verso digital de qualquer material escrito: livros, revistas, jornais. Apesar dessa vantagem de anos, a Microsoft noseria a empresa a lanar no mercado essa inovao, que transformaria a indstria editorial. Em vez disso, os grandes lucrosacabariam indo para a Amazon e a Apple.A fasca de inspirao para o aparelho veio de um livro de fico cientfica de 1979,O Guia do Mochileiro das Galxias, de Douglas

    Adams. O romance apresentava a ideia de que um nico livro podia conter todos os conhecimentos do universo. Um livroeletrnico, pensavam os desenvolvedores de produtos da Microsoft, daria vida viso de Adams. Em 1998 um prottipo j estavapronto. Prevendo elogios, o grupo de tecnologia enviou o aparelho para Bill Gates, que o rejeitou de imediato. O e-book no serviapara a Microsoft, declarou ele.

  • 7/25/2019 A Decada Perdida - Microsoft e Apple(1)

    4/9

    Ele no gostou da interface com o usurio porque no tinha cara de Win-dows, recorda um programador envolvido no projeto.Mas o Windows seria um sistema operacional completamente errado para um e-book, acreditavam os membros da equipe.O objetivo era que a tela inteira mostrasse um livro, e apenas um livro. Um livro de verdade no tem imagens do Windowsflutuando nas margens; coloc-las numa verso eletrnica s serviria para atrapalhar o usurio.A equipe que trabalhava na iniciativa deixou de ser subordinada diretamente a Gates e foi transferida para a diviso que criavasoftware para o Officea outra fbrica de dinheiro da Microsoft, alm do Windows. A equipe no era mais encarregada deimaginar e concretizar novas ideias, mas obrigada a relatar a todo momento lucros e perdas.Todo o nosso plano teve que ser antecipado, e tivemos que lanar um produto em 1999, disse Steve Stone, um dos fundadores

    da equipe de tecnologia. No podamos mais nos concentrar em desenvolver tecnologias que fossem boas para os usurios. Emvez disso, de repente tnhamos que olhar o produto e pensar: Como podemos usar isso para ganhar dinheiro?

    anar o produto no mercado s pressas custou caro para a Microsoft. O software tinha sido projetado para rodar emum tablet com tela de toque, uma caracterstica popularizada mais tarde com o iPhone. Em vez disso, a empresa lanou o MicrosoftReader para rodar no Microsoft Pocket PC (um aparelhinho do tamanho de um telefone) e, logo depois, no Windows. O plano dedar aos consumidores algo leve e simples, que lhes permitiria ler em uma tela do tamanho de um livro, foi morto e enterrado.A morte da iniciativa do e-book no foi simples consequncia do desejo de lucro imediato, segundo um ex-gerente da divisoOffice. O verdadeiro problema para seus colegas era que um aparelho simples, com tela de toque, era visto como um desvioridculo das formas j testadas e aprovadas de lidar com dados. O Office foi projetado para receber dados via teclado, no comuma canetinha metlica nem com o dedo, disse o gerente.

    De fato, segundo os executivos, a Microsoft deixou, repetidas vezes, de se atirar de cabea em novas tecnologias emergentesdevido fidelidade da empresa ao Windows e ao Office. O Windows era o deus tudo tinha que funcionar com o Windows, disseStone. Ideias sobre computao mvel, que dessem ao usurio uma experincia mais simples do que com um pc, eramconsideradas sem importncia por algumas pessoas poderosas daquela diviso, e elas conseguiram matar o projeto.Esse preconceito permeava toda a empresa, tornando-a incapaz de reagir depressa diante dos desafios vindos de novosconcorrentes. Cada coisinha que voc quer programar tem que se basear no Windows ou em outros produtos j existentes, disseum engenheiro de software.Mas o grande poder das divises Windows e Office, que ditavam o rumo do desenvolvimento dos produtos, foi apenas um dosproblemas internos da Microsoft que acabavam esmagando as inovaes. Uma questo muito mais ampla, disseram os executivos,era uma cultura empresarial que em 2001 estava rumando para a autoimolao e o caos.

    O estouro da bolha

    o incio de 1990, era como se o computador de cada funcionrio da Microsoft rodasse um aplicativo que deixava umaimagem na tela o tempo todo: a caricatura de um rosto cuja expresso mudava conforme a cotao da ao da empresa. Quando aao subia, o rosto sorria; e quando perdia valor, ele franzia a testa.Quase todos os funcionrios recebiam uma participao na empresa por meio de opes de aes. Quando a ao subia, todosficavam mais ricos. E quando a cotao caa, todos ficavam... bem, um pouquinho menos ricos. Nos primeiros tempos, a Microsoftfazia milionrios quase to depressa quanto embalava seus pacotes de software. Os primeiros onze empregados, excetuando Gatese Allen, saram com quantias variando de 1 milho a 100 milhes de dlares. O resultado que todos trabalhavam a todo vapor, naesperana de levantar a ao um pouquinho mais.As pessoas tinham muita pressa de capitalizar todas as oportunidades de au-mentar a receita, disse Ed McCahill, que trabalhoudezesseis anos na Microsoft como gerente de marketing. Em cada reunio, havia objetivos claros e resultados claros, porque

    todos sabiam que, quanto mais rpido agissem, mais rpido a ao subiria na Bolsa e mais r-pido eles ficariam ricos.Os currculos chegavam Microsoft em pencas, vindos de estudantes de administrao e de engenharia atrados pelas histrias dequem fez fortuna. A empresa entrou numa febre de contrataes. Muitos executivos veteranos deixavam o trabalho por causa dosnovos funcionrios, enquanto eles prprios faziam cera pelos corredores, espera do fim do prximo perodo de carncia, quandopoderiam lucrar com suas aes.

    oi ento que tudo mudou. Em 30 de dezembro de 1999, a carinha na tela do computador franziu a testa. Na vspera, acotao da Microsoft tinha atingido seu valor recorde antes do desdobramento das aes119,94 dlares por aoe em seguidacomeou a cair. Nem a Microsoft ficou imune ao estouro da bolha das ponto-com.Dezesseis dias depois, Bill Gates entregou a presidncia executiva para Ballmer. Fiquei abismado quando Bill anunciou que estavasaindo para se tornar arquiteto-chefe de software, em janeiro de 2000, deixando Steve Ballmer no seu lugar, lembrou Paul Allen.verdade que Steve h muito tempo era o brao direito de Bill, mas a gente sentia, nos anos 90, que ele no estava sendopreparado, necessariamente, para o cargo mais alto da Microsoft. Eu diria que Bill o considerava um executivo muito esperto,menos afinado com a tecnologia do que com o lado comercial. Steve no era um cara ligado nos produtos.Um homem de negcios, com experincia em acordos, finanas e marketing, vinha substituir um gnio do software e da tecnologia.

  • 7/25/2019 A Decada Perdida - Microsoft e Apple(1)

    5/9

    Em um ano, a ao da Microsoft perdeu mais da metade do valor, e nunca mais voltou para os pncaros do passado.A msica tinha parado. Os Milionrios da Microsoft agora trabalhavam lado a lado com a Ral da Microsoft. A poca em que asequipes lutavam juntas para conquistar o mundo tinha acabado. O golpe financeiro piorou ainda mais as relaes j tensas entre avelha guarda e o sangue novo.Pequenas mudanas na poltica da empresa comearam a ser vistas como manifestaes de desprezo pelos que no tiveram asorte de entrar na Microsoft a tempo de enriquecer. Quando a empresa decidiu, por volta de 2003, economizar dinheiro nofornecendo mais toalhas para os funcionrios que usavam os seus chuveiros, houve uma reao de fria. O qu?Os veteranostinham milhes e os mais novos no podiam nem ganhar toalhas?

    As toalhas voltaram, mas o azedume sobre os cortes de custos no acabou. A Microsoft abandonou seu excelente plano de sade.Ficou difcil at mesmo conseguir material de escritrio.Pior: a estratgia de sucesso da Microsoft foi virada de cabea para baixo. Se antes criar inovaes era o que dava emoo aotrabalho e tambm o caminho para a riqueza, por meio dasopes de aes, agora o sucesso financeiro s podia ser garantido pelamaneira como ocorria nas firmas caretas como General Motors ou IBMpor meio das promoes.As pessoas perceberam que no iam ficar ricas, disse um ex-executivo. E se transformaram em pessoas empenhadas em galgaros degraus da hierarquia, e no em dar uma grande contribuio para a empresa.

    ssim comeou a burocratizao da Microsoft. Alguns executivos acreditam que a mudana comeou com a ascenso deBallmer. Na verdade, a poca em que se ganhava dinheiro fcil foi, quase certamente, a origem desse processo.Com mais funcionrios procurando postos de direo, o resultado foi mais gerentes; com mais gerentes, havia mais reunies; commais reunies, mais memorandos; e mais burocracia resultavaem menos inovao. Tudo, como disse um executivo, avanava numritmo de caracol. Havia aquele sistema institucionalizado. Era como criar soft-ware por meio de um comit, disse Pra-sannaSankaranarayanan, ex-engenheiro da Microsoft.Assim como havia ocorrido com os e-books, as oportunidades de desenvolver produtos importantes escapavam pelos dedos.O Windows CE, um sistema operacional diferente do Windows que foi usado originalmente para aparelhos de bolsocomopalmtops, acabaria por ser a base do sistema operacional para dispositivos mveis que rodaria nos primeirossmartphonesdaMicrosoft. Mas, embora a Microsoft j tivesse ultrapassado a concorrncia com o Windows CE, ela perdeu a corrida paraos smartphones.Voc olha para o Windows Phone e no pode deixar de se perguntar: como foi que a Microsoft desperdiou a liderana que jtinha com o Windows ce?, disse McCahill. Eles tinham uma grande vantagem, estavam anos frente. Estragaram tudo por causada burocracia.Os processos eram to lentos que s vezes a coisa beirava o cmico. Marc Turkel, gerente de produto, me contou sobre umainiciativa que supervisionou por volta de 2010, envolvendo vrios grupos. Quando o projeto comeou, havia operrios escavando aterra para construir um edifcio de doze andares que iria ocupar um quarteiro inteiro; a janela da sala de Turkel dava para a

    construo.Turkel comeou a negociar com vrios gerentes; depois com os supervisores dos gerentes, e depois com os supervisores dossupervisores. Era incrvel a quantidade de acordos que eram necessrios, disse ele. Era uma coisa para levar seis semanas, nomximo, se no perdssemos tanto tempo. Um dia Turkel estava em mais uma reunio interminvel quando olhou pela janela.O edifcio estava terminado. O projeto no.

    s vezes, porm, os problemas burocrticos provinham de uma simples realidade: os jovens dos anos 80, nerds que tinhamentrado na empresa quando estavam pelos 20 ou 30 anos, tinham virado gerentes de meia-idade, na faixa dos 40 ou 50 anos. E,segundo alguns engenheiros mais jovens, boa parte deles no entendia a nova gerao de usurios de computador, que eramcrianas ou nem tinham nascido quando a Microsoft abriu as portas. Quando os funcionrios mais jovens tentavam apontar astendncias que surgiam entre seus amigos, os supervisores no davam a menor ateno.Um exemplo: em 1997 a AOL lanou seu programa de mensagens de texto instantneas, chamado AIM, um precursor dos torpedosno telefone celular. Dois anos depois, a Microsoft acompanhou com um programa semelhante, o MSN Messenger. Em 2003, umjovem desenvolvedor percebeu que seus colegas de faculdade entravam exclusivamente no AIM, e o deixavam rodando o tempotodo na tela. O motivo? Queriam usar a mensagem de status online do programa, que permitia escrever uma notinha dizendoaos amigos o que a pessoa estava fazendo, mesmo quando no estava no computador. Mensagens como fui fazer compras ouestudando para o exame tornaram-se comuns.Esse foi o incio da tendncia que foi acabar no Facebook um lugar para as pessoas colocarem seus pensamentos, um fluxo deconscincia contnuo, disse o engenheiro que trabalhou na diviso do MSN Messenger. O principal objetivo do AIM no era baterpapo, mas dar a chance de entrar a qualquer momento e dar uma olhada no que os amigos estavam fazendo.O engenheiro concluiu que nenhum jovem passaria do AIM para o MSN Messenger, que no tinha esse recurso de mensagembreve. Ele falou sobre o problema com seu chefe, um homem de meia-idade. Este achou que era uma preo-cupao tola. Por queum jovem haveria de querer escrever apenas algumas palavras? Quem quisesse contar aos amigos o que estava fazendo podiaescrever isso na sua pgina de perfil, disse ele. Ou seja, o usurio teria que abrir as pginas de perfil de todos os amigos, uma de

    cada vez, procurando uma mensagem de status, se que haveria alguma.Ele no entendeu o esprito da coisa, disse o engenheiro. E, como ele no sabia nada sobre como os jovens estavam usando asmensagens, ns no fizemos nada.

  • 7/25/2019 A Decada Perdida - Microsoft e Apple(1)

    6/9

  • 7/25/2019 A Decada Perdida - Microsoft e Apple(1)

    7/9

    funcionrios, ouve as opinies sobre o problema, tenta resolv-lo sempre da mesma maneira, e a coisa nunca d certo, disseTurkel.E assim a Microsoft continuou levando surras da concorrncia. A Apple lanou o tocador de msica iPod em 2001; dois anos depois,o alto escalo da Microsoft ainda tentava descobrir de que modo competir com ele.Como vamos entrar com muito atraso no negcio da msica, parece que sempre estamos atrs dos outros, escreveu Bill Gatesem um e-mail de 2 de novembro de 2003 a um grupo de gerentes. As pessoas no vo querer abandonar o hardware que jcompraram.O resultado, escreveu Gates, era que eles no conseguiriam convencer os clientes a usar um sistema da Microsoft: Acho que no

    estamos fazendo o suficiente para sermos vistos como uma empresa lder. Pessoas que eu conheo (gente rica, verdade) estcomprando iPods que j vm com milhares de msicas. Herbert Allen Jr., bilionrio banqueiro de investimentos da Allen &Company, havia comprado dezenas de iPods para dar de presente aos amigos, disse Gates. Warren Buffett adora esse troo,escreveu ele.Menos de duas semanas depois, Allchin experimentou um dispositivo para tocar msica que estava sendo desenvolvido por umfabricante de hardware contratado pela Microsoft. Ele resumiu a experincia em um e-mail de 13 de novembro para um grupo deexecutivos. Tenho que dizer a vocs que minha experincia com o nosso software e esse aparelho foi horrvel, escreveu ele. AApple est to mais frente.Passaram-se anos. Finalmente, em 14 de novembro de 2006, a Microsoft lanou seu tocador de msica, o Zune. Dali a 56 dias,Steve Jobs apresentou o iPhone, que combinava telefone celular, tocador de msica, acesso internet, cmera fotogrfica e outrosrecursos no disponveis no Zune. Mas o iPod continuava disponvel para quem no queria um telefone. Na verdade, a Apple jhavia lanado seu iPod de quinta gerao, o iPod Mini, mais barato, e dali a um ano lanaria seu tocador de msica mais barato detodos, o iPod Nano.

    O Zune foi atropelado. Em 2009, o iPod conservava uma fatia de mercado espantosa: 71%, uma aprovao de eleies na Coreia doNorte. Enquanto isso o Zune ia capengando, com menos de 4%. Em outubro de 2011, a Microsoft matou o produto, na esperanade que seus clientes comprem, no lugar dele, um Windows Phone, que, tal como o iPhone, tambm tocador de msica.

    As criaes de Jobs

    urante a dcada perdida, a Apple disparou na frente mesmo no setor de sistemas operacionais, o feijo com arroz daMicrosoft. Em maio de 2001, a Microsoft iniciou um projeto com o codinome LongHorn, que deveria ser lanado no final de2003 com o nome de Windows Vista. Os executivos tinham diversos objetivos para o LongHorn. Para competir com o Linux, sistemaoperacional gratuito, ele seria compatvel com a linguagem de programao C#, que permitia desenvolver outros softwares mais

    facilmente. O LongHorn tambm criaria um sistema de arquivamento, o Windows File System, ou WinFS, capaz de armazenarvrios tipos de arquivos em um nico banco de dados; e teria um sistema de visualizao, de codinome Avalon, que daria aosoftware a mesma aparncia de um website.Quando o desenvolvimento do produto decolou, os engenheiros da Microsoft colocaram uma quantidade de funes no LongHorn.Equipes enormes foram designadas para o projeto. Apesar de todo o trabalho, o lanamento foi adiado inmeras vezes.O programa levava at dez minutos para iniciar. Era instvel e dava pau com frequncia.Foi ento que, em junho de 2004, Steve Jobs anunciou que a Apple estava lanando seu novo sistema operacional, chamado Tiger.Dentro da Microsoft, muitos ficaram de queixo cado. O Tiger fazia muitas coisas planejadas para o LongHorns que no Tiger elasfuncionavam direito. Os e-mails voaram pela Microsoft, expressando consternao sobre a qualidade do Tiger. Era difcil acreditar,mas o programa continha funes equivalentes s do Avalon e do WinFS.Foi um espanto, escreveu Lenn Pryor, da equipe do LongHorn. Foi como se eu ganhasse um bilhete grtis para chegar terraprometida do Long-Horn, s que hoje mesmo.Vic Gundotra, outro membro do grupo, experimentou o Tiger. O concorrente deles para o Avalon (processamento de vdeo e deimagem) quentssimo, escreveu ele. J tenho todos esses recursos bacanas rodando no meu Macintosh agora mesmo, comtodos os efeitos que Jobs demonstrou no palco. O programa est rodando h cinco horas seguidas e no deu pau nenhuma vez.O e-mail de Gundotra foi enviado a executivos em toda a sede da Microsoft, incluindo Allchin. Ele o repassou a Gates e Ballmer,acrescentando em baixo seu nome e apenas uma palavra: Suspiro...O LongHorn estava condenado. Alguns meses depois, Allchin reuniu a equipe do LongHorn e deu o anncio: a Microsoft noconseguiria finalizar o Windows Vista a tempo de cumprir a mais recente data de lanamento prevista. Na verdade, a empresa notinha como prever nenhuma data de lanamento. Assim, tinha sido tomada uma deciso nos escales mais altos da Microsoft:depois de trs anos de trabalho, jogar tudo fora e comear de novo. Foi decidido, pelo menos naquele momento, abandonar oumodificar muitos dos objetivos originais: no usar mais a linguagem C#, abandonar o WinFS e revisar o Avalon.A Apple j tinha posto esses recursos no mercado; e a Microsoft estava desistindo de tentar descobrir como faz-los funcionar.Mais de dois anos se passaram at que o Vista apareceu nas lojas, e a resposta do pblico foi vitrilica. A revistaPC World declarouque foi a maior decepo de 2007 no mundo da tecnologia. A Apple tinha ganhado de lavada num campo que sempre tinha sidoum forte da Microsoft, os sistemas operacionais.

  • 7/25/2019 A Decada Perdida - Microsoft e Apple(1)

    8/9

    eio depois o Bing. (Entra a trilha sonora: risada maldosa e msica de rgo.)No outono de 2004, a Microsoft enfrentava um grande desafio do Google: esta empresa, bem menor, estava pescando muitosjovens e talentosos designers de software. O Google ia surgindo como a nova empresa da moda. A gigante das ferramentas debusca tinha aberto o capital em agosto e, tal como a Microsoft dos velhos tempos, estava fabricando milionrios com a venda deaes que tinham sido distribudas aos funcionrios. Dia aps dia, mais e mais executivos da Microsoft anunciavam seus planos deabandonar o barco e passar para a nova concorrente.

    Um engenheiro de alto nvel, Mark Lucovsky, fez uma reunio com Ballmer em 11 de novembro de 2004, como sinal de cortesia,para comunicar que tinha aceitado uma oferta do Google, na poca sob a chefia de Eric Schmidt. E, segundo uma declaraojuramentada, apresentada por Lucovsky em outro processo judicial no relacionado sua sada, Ballmer explodiu.Ele atirou uma cadeira contra a parede, gritando: Esse puto desse Eric Schmidt um babaca! Vou enterrar esse cara! Eu j fiz issoantes, e vou fazer de novo. Vou matar essa porra desse Google!.A pesquisa na internet ia surgindo como a mais nova alta prioridade da Microsoft. Nessa poca a empresa j tinha uma ferramentade busca medo-cre, chamada MSN Search, que no chegava nem aos ps do Google. Assim, a Microsoft desenvolveu o WindowsLive Search, que tambm se revelou inferior. Depois de mais modificaes, a Microsoft anunciou sua nova plataforma, a LiveSearch. Finalmente, em maio de 2009, Ballmer lanou o Bing. Mas, nessa altura, a diviso de busca online j tinha se tornadoesclerosada com a burocracia da Microsoft e a costumeira destrutividade que a acompanhava.Aquilo era uma mistura de gente, e gente demais, disse Johann Garcia, ex-gerente de produto da Microsoft que trabalhou noprojeto Bing. O nmero de pessoas era o dobro ou o triplo do necessrio.Trabalhar na diviso de pesquisa online acabou sendo uma experincia horrvel, disseram pessoas do grupo. A maioria das

    inovaes nascidas na empresa era jogada fora. Em vez disso, os chefes passavam o dia estudando o Google e mandando ossubordinados fazerem o Bing replicar qualquer recurso lanado pelo concorrente. Havia uma exigncia interminvel de alcanaroGoogle, e depois de um tempo no vimos mais nenhuma inovao no Bing, disse Garcia.At hoje, o Bing deu um prejuzo de cerca de 6 bilhes de dlares Microsoft; se acrescentarmos as ferramentas de buscaanteriores, a quantia despejada nesse esforo sobe para quase 10 bilhes. A Microsoft teve algum sucesso fechando acordos para oBing, em particular com a Yahoo. Em 2009, as duas empresas chegaram a um acordo pelo qual o site da Yahoo rodaria com o Bing,e as duas firmas dividiriam as receitas.Nos anos seguintes, a Microsoft se gabou de que a fatia de mercado do Bing teve crescimento significativo. Em maro de 2012,todos os sites de busca da Microsoft representavam 15,3% do mercado de pesquisas onlinenos Estados Unidos, segundo acomScore Inc.um aumento em relao aos 11,7% de maro de 2010. Olhando de perto, vemos que os nmeros no so toimpressionantes assim. Durante o mesmo perodo, a participao do Google no mercado de fatosubiu. E o aumento nos negciosdo Bing veio sobretudo de usurios que deixavam o Yahoo para passar para o Bing. Ou seja, o melhor desempenho do Bing estariaocorrendo custa da Yahoo, sua parceira. A Microsoft estava devorando a prpria famlia.

    uando a Apple lanou o iPhone, Steve Ballmer riu. No h chance de que o iPhone consiga uma fatia de mercadoimportante, disse ele em 2007. Eacrescentou no mesmo ano: OiPod uma marca quente, no a Apple.Ele tambm ridicularizou o iPad quando foi lanado, em 2010, mas otabletcontinua arrebentando e j vendeu mais de 55 milhesde unidades. Quanto ao Google, as previses de Ballmer foram igualmente furadas. Segundo documentos judiciais, em 2005 eleproclamou: O Google no uma empresa de verdade. um castelo de cartas.Muitas pessoas podem fazer previses que acabam se revelando bobagens. Mas as previses erradas de Ballmer foram muitoprejudiciais para ele dentro da Microsoft. At seus ltimos dias de vida, Steve Jobs conseguia no s prever a direo que omercado iria tomar, como tambm ajud-lo a chegar l. O Google continua a lanar novos recursos, e agora est concorrendodiretamente com os principais produtos Microsoft: o Google Docs um programa gratuito, baseado na web, que compete com oOffice. O Google Chrome um navegador de internet gratuito, que concorre com o Explorer do Windows.Com os concorrentes apresentando esses sucessos, e ganhando tantos elogios, as previses erradas de Ballmer tm sido um grandeconstrangimento para os tcnicos da Microsoft, gerando queixas, murmuradas em voz baixa, de que o presidente mundial daempresa, um homem com poucos conhecimentos tcnicos, estava minando a reputao da equipe na comunidade da tecnologia.Steve Ballmer tem um talento especial para falar besteiras e acabar parecendo um idiota, e isso sempre irritou as pessoas daMicrosoft, disse um ex-gerente de programas que deixou a empresa no ano passado para trabalhar no Google. Quando ele fazessas previses to erradas, isso significa que ele est fora de contato com a realidade, e no est escutando o pessoal tcnico sua volta.A principal filosofia de negcios de Ballmer era to antiquada que chegava a ser irrelevante. O presidente da Microsoft costumavaproclamar que a empresa no era a mais badalada, mas era a primeira a ganhar dinheiro vendendo sua prpria verso de novastecnologias. Mas isso dependia de um fator: a Microsoft podia comprar o caminho para a liderana, porque tinha muito dinheironas mos, mais do que qualquer concorrente.Isso acabou. A vantagem que Ballmer aproveitou durante tanto tempo agora inexistente. O Google tem quase a mesma quantiaem caixa que a Microsoft50 bilhes de dlares, contra 58 bilhes da Microsoft. A Apple comeou o ano com cerca de100 bilhes. Usar sua capacidade financeira superior para dominar um mercado no vai mais funcionar para a Microsoft nem para

    Ballmer.Mas, contraditoriamente, Ballmer pode ser inestimvel para o futuro da empresa. Pode estar chegando o momento em que oimprio da Microsoft ter que ser subdividido, como acontece com qualquer empresa que tenta abranger demasiadas linhas de

  • 7/25/2019 A Decada Perdida - Microsoft e Apple(1)

    9/9

    produtos e no d conta de todas elas. E um especialista em negociaes e acordos como Ballmer o tipo certo para chefiar essemodelo de reestruturao corporativa.

    allmer j disse que pretende continuar no comando at 2018. Mas, independentemente da vontade dele e dos outrosexecutivos da Microsoft, a mudana ser inevitvel quando os investidores de Wall Street se cansarem das promessas nocumpridas da empresa. J h rumores de que sua partida talvez esteja prxima.

    Na biografia autorizada Steve Jobs, de Walter Isaacson, Jobs reconheceu que Ballmer contribuiu para os problemas da Microsoft: Aempresa comea a valorizar os bons vendedores, porque so os nicos capazes de fazer a agulha avanar no marcador de receitas,e no os designers e engenheiros de produto. Assim, os vendedores acabam governando a empresa. [....] Da os caras de produtono tm mais tanta importncia assim, e muitos desistem. Foi o que aconteceu na Apple quando John Sculley entrou, o que foiculpa minha, e aconteceu quando Ballmer assumiu a Microsoft. A Apple teve sorte e se recuperou, mas acho que nada vai mudarna Microsoft enquanto Ballmer continuar no comando.O mais interessante, porm, que Jobs punha a culpa final sobre Bill Gates: Eles nunca foram to ambiciosos em relao aosprodutos como deveriam ser. Bill gosta de dizer que o homem dos produtos, mas na verdade no . Ele um homem denegcios. Conquistar novos negcios era mais importante do que fabricar excelentes produtos. A Microsoft nunca teve as cinciashumanas e as artes no seu DNA.