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João Bosco Mota Amaral A Revolução do 25 de Abril: Antecedentes e Consequências Conferência proferida nos Paços do Concelho de Ponta Delgada, a convite da Presidenta Berta Cabral e da Câmara Municipal, na abertura

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A REVOLUO DO 25 DE ABRIL: ANTECEDENTES E CONSEQUNCIAS

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Joo Bosco Mota Amaral

A Revoluo do 25 de Abril:

Antecedentes e Consequncias

Conferncia proferida nos Paos do Concelho de Ponta Delgada, a convite da Presidenta Berta Cabral e da Cmara Municipal, na abertura das comemoraes do Trigsimo Aniversrio da Revoluo, em 19 de Abril de 2004

Senhora Presidenta

Minhas Senhoras e

Meus Senhores:

Agradeo Presidenta Berta Cabral e Cmara Municipal de Ponta Delgada o gentil convite para participar nas comemoraes concelhias do trigsimo aniversrio do 25 de Abril.

distncia de trinta anos j possvel comear a perspectivar o profundo significado da Revoluo na sociedade portuguesa e na Histria de Portugal.

A minha exposio abordar alguns aspectos da gnese do 25 de Abril e tambm das suas consequncias.

Espero que a nossa reflexo de hoje a todos nos ajude a apreciar cada vez mais o valor da liberdade e da democracia e a exercer e cumprir sempre, com garbo, o conjunto dos direitos e deveres que integram a nossa cidadania.

Senhora Presidenta

Minhas Senhoras e

Meus Senhores:

Os histricos acontecimentos do dia 25 de Abril de 1974 pareceram configurar-se de incio, como um pronunciamento militar.

A sublevao de algumas unidades do Exrcito, na madrugada desse dia, em poucas horas alastrou ao conjunto das Foras Armadas.

Os Altos Comandos em funes verificaram, nas primeiras horas da tarde, no disporem de quaisquer meios para contrapor aos revoltosos.

Alis, a partir do Quartel da Pontinha, nos arredores da capital, o Movimento das Foras Armadas tinha j instalado um comando efectivo das unidades sublevadas e daquelas que iam aderindo aos ideais e propsitos proclamados, atravs da rdio, a toda a populao.

Esta dava j sinais de acatar a autoridade do MFA, paralisando, nos grandes centros urbanos, as actividades normais, conforme pelo mesmo determinado. E junto dos militares em operao iam surgindo populares, sobretudo jovens, a princpio curiosos, logo entusiasmados e em expresso de apoio e simpatia. Apareceram ento, no cano das espingardas, os primeiros cravos de Abril.

Cercado no Quartel da Guarda Nacional Repblica, situado no antigo Convento do Carmo, em Lisboa, e verificada a total incapacidade de resistncia, o Chefe do Governo decidiu render-se, entregando-se ao General Antnio de Spnola, que se julgou ser o inspirador do golpe, mas afinal no tinha sido bem assim

A festa popular pela liberdade reencontrada comeou logo ali. Mas j o jornal Repblica, horas antes, desafiando os censores do chamado Exame Prvio, que ainda julgavam ter algum poder, sara para a rua com as notcias de ltima hora sobre o iminente colapso do regime autoritrio e ditatorial.

Corriam as primeiras horas de 26 de Abril quando a Junta de Salvao Nacional se apresentou a todo o Pas, atravs da televiso. O programa anunciado, que se sintetizava nos famosos trs d democratizar, descolonizar, desenvolver aparecia avalizado por um naipe de generais prestigiados, tranquilizando a populao.

A queda definitiva do regime consumou-se na tarde desse dia, com a rendio da sede central da PIDE/DGS, de onde ainda foram feitos disparos criminosos, vitimando entre outros, um jovem estudante aoreano de Santo Antnio, concelho de Ponta Delgada, que veio assim a inscrever-se entre os mrtires da liberdade.

Pouco tempo depois, abriram-se as grades das cadeias onde se encontravam os presos polticos. Aps uma longa interrupo de quase meio sculo, os portugueses e as portuguesas recuperavam em plenitude a sua cidadania, passando a ser cidados e cidads livres de um Pas livre.

Eliminados os mecanismos repressivos, todas as insatisfaes e reivindicaes vieram tona, de uma s vez. O novo Poder, ainda a tentar estruturar-se, no tinha meios para conter e disciplinar o fortssimo desejo de mudana. Os grupos polticos mais activos tomaram a iniciativa: com os saneamentos de diversa natureza, a Revoluo acelerava.

A 1 de Maio um rio de gente invadiu as ruas, em todo o Pas, exprimindo a consagrao popular do 25 de Abril. Os lderes naturais do Partido Comunista Portugus e do Partido Socialista, regressados pressa do exlio, foram entusiasticamente aplaudidos. As teses marxistas, ento muito em voga, pareciam ter visto chegar a sua oportunidade de concretizao. O pndulo da vida poltica nacional, retido durante cerca de cinquenta anos na extrema-direita, movimentava-se agora, com velocidade vertiginosa, para a esquerda.

Aos Aores, a Revoluo chegou, naturalmente, pelos meios de comunicao distncia ento disponveis: o rdio, o telefone, o telgrafo. Depostos os governadores dos distritos autnomos e os comandantes militares, oficiais ligados ao MFA, nomeadamente Melo Antunes e Vasco Loureno, ambos para aqui transferidos, pouco tempo antes, na v tentativa de jugular a agitao que lavrava nas Foras Armadas, ocuparam e desmantelaram a delegao da PIDE/DGS. Os titulares da administrao distrital autnoma e local mantiveram-se em funes ainda por alguns meses. Os resistentes da Oposio Democrtica, agrupados no MDP/CDE, ao qual Melo Antunes estivera ligado, prepararam-se para tomar o poder, afastando tudo e todos os que pudessem fazer-lhe frente.

Revoluo democrtica do 25 de Abril e de verdadeira revoluo se tratou, porque instituiu um poder poltico novo, cuja legitimidade veio a ser confirmada em eleies livres e se consolidou com a Constituio de 1976 seguiu-se um perodo conturbado mas curto de revoluo econmica e social. Esta era talvez inevitvel, no quadro de foras e perante os problemas existentes, entre os quais avultavam a longa represso anterior, as gritantes carncias generalizadas e a questo colonial.

Em 25 de Novembro de 1975 posto fim influncia comunista e da extrema-esquerda no MFA. A Assembleia Constituinte, eleita em 25 de Abril anterior, consegue terminar o seu labor e a nossa Lei Fundamental entra em aplicao no segundo aniversrio da Revoluo, coincidindo com as eleies para a recm-criada Assembleia da Repblica. Em Junho seguinte eleito o Presidente da Repblica e, no mesmo dia, as Assembleias Regionais dos Arquiplagos dos Aores e da Madeira, erigidos em Regies Autnomas pela Constituio. Inicia-se o perodo constitucional que dura, estavelmente, at aos nossos dias, sendo j o mais longo, na vigncia de uma Constituio elaborada democraticamente, em toda a Histria de Portugal.

Com sucessivas revises, amplamente consensuais por sinal, em todas elas a Autonomia Insular tem sido reforada e ampliada, o que prova a sua dinmica de afirmao progressiva a Constituio do 25 de Abril tem demonstrado a sua vitalidade e a do regime democrtico que nela se fundamenta. Ao abrigo dela foram feitas em Portugal grandes reformas, desde logo as necessrias para corrigir os excessos revolucionrios, estruturando uma economia livre de mercado, com garantia dos direitos dos trabalhadores e dos seus sindicatos. A mais importante de todas foi a adeso s Comunidades Europeias, hoje Unio Europeia.

A sociedade portuguesa conheceu neste perodo um grande salto qualitativo em termos de desenvolvimento, nvel e qualidade de vida. Adoptaram-se outros padres culturais, infelizmente com perda de alguns importantes valores. Surgiram novos problemas: a quebra da natalidade, o envelhecimento da populao, a expanso da toxicodependncia, o aumento da criminalidade, a imigrao, nos tempos mais recentes, o desemprego, inclusivamente de quadros qualificados, em resultado da globalizao. O regime democrtico representativo, funcionando normalmente, no respeito das suas regras prprias, vai mobilizando ideias para enfrentar e resolver todos esses problemas.

Senhora Presidenta

Minhas Senhoras e

Meus Senhores:

Convm voltar agora um pouco atrs, para tentar perceber algumas questes em aberto, relativas ao 25 de Abril.

A ruptura tornara-se inevitvel, perante os bloqueios em que o regime autoritrio se finava. A questo colonial era decisiva e no havia maneira de lhe dar soluo. Tratava-se de um melindroso problema poltico, requerendo portanto uma soluo poltica.

Os ultras do regime pretendiam, porm, que as guerras em frica fossem vistas como simples campanhas militares de pacificao, do mesmo modelo de tempos antigos. Ora, a ecloso de movimentos nacionalistas em toda a frica, impulsionada pela prpria Carta das Naes Unidas, confrontava Portugal com uma situao totalmente nova, que no se resolveria pela fora das armas. Quanto muito estas permitiriam negociar numa posio favorvel, salvaguardando interesses legtimos, desde logo os das populaes de origem europeia, fixadas sobretudo em Angola e Moambique.

O regime ditatorial recusou, porm, frontalmente, qualquer dilogo, que no incio teria certamente sido possvel e frutuoso. Por esta via ter-se-ia talvez permitido uma transio pacfica para a independncia, em termos slidos e por isso, sem prejuzo do princpio maioritrio, numa base multi-racial, o que tornaria realidade o sonho dos novos Brasis A linha de rumo adoptada mergulhou o Pas na guerra, nela se perdendo vidas e haveres, bem como os necessrios recursos morais para resistir e persistir at ao fim.

O fim chegou por via dos prprios militares operacionais, os subalternos, de capito para baixo, causticados pela repetio de comisses em duras zonas de combate, nos matos africanos. Forado a recorrer a milicianos, devido quebra das vocaes militares, o Exrcito gerou um problema de carreiras, atropelando legtimas expectativas dos oficiais do quadro permanente. Foi este o rastilho do Movimento dos Capites, em pouco tempo transformado, sob a liderana dos mais politizados, no Movimento das Foras Armadas, com o preciso e declarado objectivo de derrubar o regime, propiciando condies para a democratizao do Pas e da para o fim da guerra colonial e a descolonizao.

Estes propsitos convergiam genericamente com os preconizados desde h muito pela Oposio Democrtica. Nesta se agrupavam diversas correntes que contestavam a ditadura autoritria. Os sobreviventes da I Repblica seriam j ento muito poucos, mas tinham sido eles os primeiros a marcar distncias, declarando-se contra o 28 de Maio e o Estado Novo. Foram-se-lhes juntando outras personalidades, representando diversas correntes ideolgicas.

O regime ditatorial no foi meigo para os seus opositores, perseguindo-os de todas as maneiras, censurando os seus manifestos e artigos de jornal, prendendo-os sob qualquer pretexto, expulsando-os das ctedras universitrias e de outros postos da funo pblica, empurrando-os para o exlio ou condenando-os a pesadas penas de priso, at em condies particularmente desumanas, como no Campo de Concentrao do Tarrafal, em Cabo Verde, de triste memria. Alguns dos mais aguerridos militantes da Oposio Democrtica vieram mesmo a morrer, de torturas e maus-tratos ou assassinados a sangue frio, como aconteceu com o General Humberto Delgado, candidato a Presidente da Repblica em 1958.

Na resistncia e luta contra a verso portuguesa do fascismo distinguiram-se os comunistas, que foram decerto os mais sacrificados pela represso. Atirados para a clandestinidade, mantiveram focos de doutrinao, organizaram protestos, participaram nas vrias conspiraes visando o derrube do regime ditatorial.

A sua alta motivao e capacidade organizadora atraram muita gente, sobretudo jovens, alguns dos quais vieram depois a afastar-se, desiludidos ou mesmo em ruptura com objectivos e mtodos. Protagonizando outras tendncias ou simplesmente alinhando nelas, alis com pessoas com diferente percurso, o certo que muitos desses ex-comunistas mantiveram o tropismo para a proximidade e cooperao com o Partido Comunista. A extrema dificuldade da luta poltica ajudava a justificar os movimentos de cariz unitrio. Nos anos sessenta do sculo passado alguns catlicos progressistas marcaram presena em organizaes desse gnero, tendo em vista a interveno em campanhas eleitorais e o objectivo final de pr termo ditadura e implantar um regime democrtico.

O programa da Oposio Democrtica era, fundamentalmente, a democratizao da Repblica. Pretendia-se a restaurao das liberdades pblicas, de expresso, de reunio, de associao, a abolio da Censura Imprensa, a extino da polcia poltica, a amnistia dos presos polticos. A questo colonial comeou por ser abordada ao de leve, mas acabou por ficar claro o apoio s teses da ONU e auto-determinao e independncia dos territrios e dos povos colonizados, mediante negociaes com os respectivos movimentos de libertao.

O regime ditatorial reagia em bloco contra todas estas propostas. Mas no seu seio houve momentos de sobressalto, o mais importante dos quais em 1961, envolvendo altos responsveis polticos e militares, abalados com o eclodir da guerra colonial e desejosos de uma soluo alternativa. A resposta do velho ditador foi de endurecimento, com purga imediata dos resistentes e ordens terminantes para avanar para Angola, rapidamente e em fora A opo ao menos parecia clara: depois de mim, o dilvio!

A sada de cena de Salazar, em Setembro de 1968, trouxe ao poder Marcelo Caetano e com ele um sopro de esperana. Tratava-se de uma personalidade do regime, um dos seus tericos at, por muitos considerado o delfim Mas, em 1951, tinha sido o primeiro a propor a transformao do imprio colonial numa comunidade de estados, inspirada nas solues ento ensaiadas pela Frana e pelo Reino Unido, esta ltima ainda existente. Na grande crise acadmica de 1962, sendo Reitor da Universidade Clssica de Lisboa, pusera-se do lado dos estudantes, em defesa dos privilgios universitrios, violados pela interveno da polcia de choque, chegando mesmo a demitir-se, em conflito com o Governo. Como professor distinto, mantinha dilogo com os seus assistentes e alunos, estando a par das novas tendncias e aspiraes.

A primavera poltica do consulado de Marcelo Caetano no durou muito, tal foi a reaco das correntes saudosistas do autoritarismo puro e duro. No entanto, permitiu o aparecimento de uma nova gerao de polticos, declaradamente empenhados na transio para a democracia. Alguns estiveram mesmo no Governo, outros aceitaram candidatar-se, como independentes, nas listas da Unio Nacional, outros ainda envolveram-se na fundao e implantao da SEDES, associao de bvias finalidades polticas e clara inspirao democrtica.

Os liberais, como genericamente foram designados, no procediam dos quadros e instituies do regime, nem das fileiras da Oposio Democrtica. Convergindo em muitos pontos com os intuitos democratizadores desta, no se identificavam com a ideologia marxista que nela ia j predominando, nem lhes agradava, por razes variadas, a colaborao, velada ou aberta, com o Partido Comunista e os seus companheiros de jornada. Procuravam uma Terceira Via, que no fosse a manuteno de statu quo, nos seus mltiplos aspectos, nem a subverso revolucionria do mesmo para a imposio de solues, que, por fora da capacidade de organizao e mobilizao de apoios externos, corriam o risco de vir a descambar para o modelo comunista, imposto fora e com sangrenta represso nos pases do leste da Europa.

O principal instrumento de interveno desta corrente poltica foi a Ala Liberal, formada por um punhado de deputados, roda de um dcimo da totalidade dos membros da Assembleia Nacional. Procediam de diversos pontos do Pas, representando portanto distritos diferentes, incluindo o distrito autnomo de Ponta Delgada, nos Aores.

As eleies legislativas de 1969 foram aqui particularmente disputadas. A lei eleitoral tinha sido revista pouco antes, reconhecendo-se, pela primeira vez, direito de voto s mulheres, em perfeita igualdade com os homens. Os cadernos eleitorais tinham por isso sido refeitos e ampliados com os novos eleitores. O Governo comprometera-se a respeitar regras de iseno quanto s vrias candidaturas. O acesso aos cadernos eleitorais era ento fundamental, porque as listas concorrentes que enviavam o seu prprio boletim de voto aos eleitores, escolhendo cada um qual iria levar s urnas, no dia das eleies.

A Oposio Democrtica, na impossibilidade de candidatar o ento Major Melo Antunes, por falta de autorizao dos seus superiores militares, encabeou a sua lista com o Dr. Antnio Borges Coutinho, seguindo-se os Drs. Manuel Barbosa e Joo Silvestre.

A Unio Nacional apresentou como candidatos o Eng Deodato Magalhes, ao tempo Presidente da Junta Geral, o Dr. Teodoro Sousa Pedro, distinto mdico, e eu prprio, tal como o anterior na qualidade de independente.

Estes candidatos elaboraram um Manifesto Eleitoral, que foi amplamente divulgado atravs dos meios de comunicao social e em comcios e sesses de esclarecimento realizadas em toda a roda das ilhas de So Miguel e Santa Maria. Nele se continha um compromisso de apoio crtico e exigente ao Governo de Marcelo Caetano, seguindo-se uma extensa lista de reformas democrticas e de reivindicaes autonomistas e de desenvolvimento distrital, que iriam definir a sua futura actuao parlamentar.

O manifesto causou alguns calafrios entre os hierarcas da Unio Nacional. Mas, enfim, a situao estava difcil, a palavra de ordem era de abertura e havia que correr riscos As eleies foram ganhas, mas a lista do MDP/CDE obteve mais de vinte por cento dos votos expressos, o segundo melhor resultado a nvel nacional, o que bem evidenciava a gravssima situao econmico-social das nossas ilhas e a forte insatisfao poltica da derivada.

A campanha eleitoral foi para mim um grande choque. No imaginava a situao de pobreza e atraso em que vivia grande parte da populao. Tratei portanto de organizar um programa de contactos regulares com as autoridades administrativas locais e com o eleitorado, que me permitisse actuar o mais eficazmente possvel, na soluo dos problemas existentes, junto do Poder Central.

Visitei todos os anos cada um dos concelhos e freguesias do distrito autnomo, mantendo depois intensa correspondncia com os responsveis e com os particulares que me apresentavam alguma questo ou simplesmente manifestavam interesse em ajudar-me no desempenho do meu mandato.

Sem prejuzo do dilogo leal com os dirigentes locais da Unio Nacional, depois transformada em Aco Nacional Popular, vim assim a estabelecer uma rede de relaes directas, que se mostrou muito eficaz. No faltou, de dentro da organizao, quem me criticasse e tentasse mesmo controlar a minha actuao. Esta, porm, desenrolava-se no exerccio de um mandato eleitoral inequvoco e granjeou depressa compreenso e apoio muito significativos.

Aproveitei, para divulgar as minhas pessoais opinies polticas, todas as oportunidades que me fossem oferecidas por grupos de pessoas e por associaes informais, visando a reflexo e a dinamizao dos problemas do distrito. Nunca recusei as entrevistas que me pediram os meios de comunicao social e mantive mesmo uma colaborao peridica no Dirio dos Aores, sob a epgrafe Cartas de um Deputado, na qual prestava contas da minha actuao como titular de um cargo electivo.

Muitos jovens da minha gerao tudo isso se passou h mais de trs dcadas e eu tinha ento vinte e tal anos vieram a aproximar-se de mim, interessando-se por uma forma nova de interveno poltica. Algumas das nossas reunies tinham o seu qu de clandestino, o que, devo confessar, as tornava mais aliciantes

Alis a PIDE/DGS ia acompanhando, a seu modo, a minha actuao e marcava presena nas conferncias para que me iam convidando, quase todos os anos, os Grupos de Amigos da Lagoa e da Ribeira Grande. No termo do debate que se seguiu a uma delas, em que se abordou, no seguimento de uma pergunta do Major Melo Antunes, a questo da guerra colonial, o Governador do Distrito, ento em funes, disse-me, muito transtornado, que se isso continuasse assim, essas conferncias tinham de acabar

A minha actividade poltica tambm no agradava aos dirigentes do MDP/CDE, que eram afinal um grupo pequeno e no muito fortemente identificado com a populao. Os resultados das eleies em 1973 deram disso sinal. Entretanto a prpria Aco Nacional Popular renovara-se amplamente e muitas das questes locais tinham comeado a resolver-se, dentro dos condicionalismos da poca. Fui eu a encabear a lista para essas eleies, sempre como independente, tendo como companheiros os Engs Fernando Monteiro e Eduardo Moura.

E na Assembleia Nacional, o que tinha sucedido?

Os deputados da tendncia liberal tinham feito, cada um por seu lado, declaraes pessoais sobre as suas concepes polticas e o contedo do compromisso que assumiam. Especialmente significativo foi o comunicado de quatro dos deputados do Porto, logo no incio da campanha eleitoral: Francisco S Carneiro, Joaquim Pinto Machado, Joaquim Correia e Jos da Silva deram pblico testemunho de terem aceite a candidatura na lista da Unio Nacional sem prejuzo das suas convices democrticas e do propsito de as manterem e promoverem.

Na lista de Lisboa, Jos Pedro Pinto Leite, Joo Pedro Miller Guerra, Raquel Ribeiro; na lista de Santarm, Joaquim Magalhes Mota e Jos Correia da Cunha; na lista da Guarda, Francisco Pinto Balsemo; outros ainda afinavam pelo mesmo diapaso.

A Ala Liberal revelou-se uma verdadeira pedrada no charco.

Os debates adquiriram uma vivacidade nunca vista, abordando temas quentes da actualidade. O eco desses debates na opinio pblica, apesar da filtragem feita, em alguns casos, pela Censura, foi enorme. Afinal, a aspirao pela liberdade e pela democracia, por uma via reformista, era partilhada por muita gente, em todo o Pas.

A aproximao de Portugal Europa, que os ultras do regime consideravam uma ameaa terrvel e era, efectivamente, para as suas posies retrgradas e anti-democrticas; a abolio do condicionamento industrial, sombra da qual medravam grupos privilegiados, enquanto a economia do Pas estiolava; a abolio das barreiras alfandegrias dentro do Pas, relativamente s chamadas ilhas adjacentes, que melhor se diriam subjacentes; a situao dos presos polticos; a liberdade de imprensa; a represso do debate sobre a guerra colonial; o direito de emigrar, ao tempo fortemente limitado, por razes econmicas e militares; a liberdade de associao, a propsito da extino arbitrria de muitas cooperativas; as garantias processuais dos suspeitos e arguidos em processo criminal, contra os poderes discricionrios da PIDE/DGS e da prpria Polcia Judiciria eis, apenas de memria, alguns dos temas da agenda da Ala Liberal.

A sntese do seu iderio poltico democrtico contm-se no projecto de reviso constitucional, apresentado em Dezembro de 1970. Dele constava: a abolio da censura e a proclamao da liberdade de Imprensa; a eliminao dos entraves administrativos liberdade de associao; a extino dos tribunais plenrios, onde se fazia a pardia de julgamento dos presos polticos; a proibio das medidas de segurana sem termo certo, que, aplicada aos mesmos presos polticos, acabavam por se assemelhar priso perptua; a limitao da priso preventiva sem culpa formada a um prazo mximo de setenta e duas horas; a incluso do direito ao trabalho e do direito emigrao na lista dos direitos fundamentais; o reforo dos poderes da Assembleia Nacional e a modernizao dos seus mtodos de trabalho; a restaurao do sufrgio universal para a eleio do Presidente da Repblica; a proibio do veto presidencial s leis de reviso constitucional. Numa palavra: a aprovao do projecto da Ala Liberal significaria a substituio do regime ditatorial e autoritrio por uma democracia de modelo europeu ocidental.

Claro que o projecto no foi aprovado e nem sequer se permitiu, com um expediente de duvidosa legalidade, a sua discusso parlamentar na especialidade. Mas a simples apresentao dele imps uma clarificao por parte dos responsveis do regime, que consideravam no ser possvel levar por diante a democratizao pretendida, visto tal pr em causa a continuao do esforo de defesa dos territrios do antigo imprio colonial. O n grdio do problema poltico portugus ficou assim totalmente a descoberto.

Em meios moderados ligados Oposio Democrtica, o projecto de reviso constitucional da Ala Liberal foi acolhido com entusiasmo. Mas isto mais azedou a atitude dos altos dirigentes do regime para com os liberais, que acabaram afastando-se ou sendo afastados. Ficava-lhes, porm, a crdito o arrojo das suas propostas de teor democratizante e a capacidade de interveno poltica demonstrada, que haveriam de dar fruto a seu tempo, como veio a ver-se.

A minha presena isolada, como independente, nas eleies de 1973 deveu-se a razes de ndole local, bem explicadas e compreendidas. Nos poucos meses que durou a XI Legislatura no deixei de insistir na apresentao dos meus pontos de vista, defendendo, designadamente, num debate dramtico realizado cerca de um ms antes da Revoluo, a transio progressiva dos territrios ultramarinos para a independncia. O meu ltimo acto como deputado foi a apresentao, no prprio dia 24 de Abril, de dois projectos de lei visando impor a chamada, s comisses parlamentares, dos responsveis da Administrao e permitir o acesso a elas, para declaraes, de cidados interessados. Tais eram praxes comuns em parlamentos democrticos e tinha-me sido possvel observ-las de perto durante uma visita de estudo realizada nos Estados Unidos da Amrica, em Junho de 1972. Na Assembleia da Repblica vigoram hoje regras similares.

Senhora Presidenta

Minhas Senhoras e

Meus Senhores:

A Revoluo do 25 de Abril proporcionou condies para a realizao daquilo que era tambm, em convergncia com outras correntes polticas, o projecto dos liberais. Alis, os objectivos por eles preconizados no se esgotavam na realizao da democracia poltica, mas apontavam para profundas reformas orientadas pelo ideal da justia social. A figura de proa do grupo, Francisco S Carneiro, em entrevista ao jornal Repblica, conduzida por sinal pelo ento ainda jovem universitrio Jaime Gama, declarou identificar-se como social-democrata.

A pedagogia democrtica levada a cabo pelos Deputados da Ala Liberal, tendo encontrado significativo eco em muitos meios de elite, incluindo militares, e tambm em meios populares, ajudou a criar o ambiente favorvel ruptura necessria com o impasse e o sufoco do regime ditatorial.

Abertas as portas construo da democracia, com o 25 de Abril, logo surgiu a expectativa em relao ao protagonismo poltico dos liberais.

Francisco S Carneiro anuncia, no Porto, no comeo de Maio de 1974, a sua disposio de fundar um partido poltico situado na rea da social-democracia. E em 7 do mesmo ms, em Lisboa, o PPD formalmente constitudo, juntando-se-lhe, como primeiros responsveis, Francisco Balsemo e Magalhes Mota. Poucos dias depois, com pleno acordo dos fundadores do PPD, um grupo de cidados micaelenses, reunidos no Centro Social da Faj de Baixo, delibera fundar o PPD Aoreano, embrio do que veio a ser depois e continua sendo, com muito vigor, o PSD/Aores.

A nova formao poltica encontrou grandes resistncias da parte dos que se encontravam j em campo, oriundos da antiga Oposio Democrtica, ansiosos de reservarem o poder s para si

Com determinao e pacincia, as dificuldades iniciais foram vencidas. O mandato popular recebido nas eleies para a Assembleia Constituinte fez do PSD um dos partidos fundadores e fundamentais da jovem democracia portuguesa, derivada da Revoluo do 25 de Abril.

A histria subsequente bem conhecida. Por vontade expressa dos cidados e das cidads de Portugal, o regime democrtico funciona plenamente, estando assegurada a saudvel alternncia, na Maioria e no Governo e tambm na Oposio, que igualmente importante, dos diferentes partidos.

H aqui e ali queixas sobre a democracia, o que natural e testemunha a nossa permanente insatisfao, porque queremos sempre mais e melhor para Portugal. E o mesmo se passa no mbito poltico prprio das Regies Autnomas dos Aores e da Madeira.

Nunca, porm, teramos ido to longe na proclamao e garantia das liberdades e dos direitos cvicos e a Autonomia democrtica das nossas ilhas afinal a aplicao concreta da liberdade do Povo Aoreano sem a luta pela democracia protagonizada por tantos concidados nossos, homens e mulheres, de cujo empenho brotou, naquela madrugada luminosa, por obra dos hericos capites, a Revoluo do 25 de Abril.