05-as linguas do mundo

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 Fac u l d ad e d e L et ras d a U FMG : Text os de L i ng u í stic a C om p ar ad a 5 A S L ÍN G UA S DOMUN D O Tom m as o R as o e Jac yn thoLi ns Br and ão D as qu ase set e m i l l í n gu as h oj e em u s o n o m u n do, o n ú m er o d e fal an t es var ia d e m ai s de 1 bi l h ão, n ocaso d o chi n ês , a n ão m ai s qu e p oucas cent enas ou d eze n as, c om o n osc as os d o an t akarinya, f alado p orcerc a de50p es s oas n a A u str ál i a; o om ót i c o, com d u asd eze nasdef al antesno Q uêni a; o kat uki n a, l í n gu a f al ad an o est ad o do A cr e, n o B rasi l , p o r cer ca d e 300 pess o as; o h an , d o Alasca, com 40 f al an t es; o yevan i c ou j u deo- gre go , em I srael , c om 50; o h el eno r r om eno ou r om eno - gre go , d a G r éci a, com 30 – e i n ú m er as ou t r as. N a tab el a ab ai xo vo cê e n contr a u m a r el ação d as l í n g u as f al ad as c omolí n g u a mat er n a p or mais de 4 m i l h ões de p es soas, o q u e s e ap r es en t a n a col u n a “est i mati va 1”, conformea edi ç ão d e2009d o E t hn ol ogu e ( cf . L ew i s, Et hn ol ogu e , p . 2 0 - 2 6 ). J á a c ol u n a“es t i m ati va 2”m os traasomad o n ú m er o d ef al ant es n at i vosd eca d au m a d es s as l í n gu as ao n ú m ero d e f al antes qu e as u s am c om o s egu n da lí n gu a (os dados d es s a s egu n d a es t i m at i va s ão bast ant e ui d os e, qu ando n ãohái n f or m ações, o n ú m er o d a est i m ati va 1 .é r ep et id o ). A tabelas e or gani za na or d em d ecr es c ent e da es ti m ati va 1, deve n d oser o b se rva d o q ue, cas oo cr i tér i of o sseaes t i m at i va2, a o rden ação se m o di cari a em r i o s p o n t o s. Por exempl o , o i n g l ês p assaria d o terceiroluga r p ar ao se g u n d o , o árab e se col o cari a ant es d o es p an h o l e o r u s so u l tr ap ass ar i a o p o r t u g u ês e o b en g ali. A d i fer en ça en tr e as d u as c ol u n as s e exp l i ca em g r an d e p ar te em v i st a d e pr oces s os h ist ó r i co s h eg em ô n ico s d e nat u reza cu l tur al , reli g i o sa o u p olíti ca, q u e v o lt arem o s a exami n ar c om m ais det al h es ad i an te. V o cê e n con t r a ainda, n a segu n da col u n a d a t ab el a, a f am íli a a q u e cad a l í n g u a p er tence e, qu andoé ocaso, os g r u p os e sub grup os , o qu e l h e d ar á u m a primeir a ideia s o b r e q u ai s f am í l i as l i n g u í s ticas são p r ed o m i n antes, con s i d er ad oonúmero d e fal an t es . Ten d o em vi s t a, p o r exem plo, as d ez p r i m ei r as p osições, vo cê o b serva r á q u e h á set e l í n g u as i n d o -euro p ei as, e ap enas tr ês p er t en cen tes a o u t r as f am í l i as, u m fat o s ob r e o qu al t am bém vol t ar em os a r e et i r . Not e ai n d a com o, das lí n gu as ind í gen as d a A m ér i c a, ap enas o qu êc h u a ( com 10,1 m i l h ões d e f al an t es nat i vo s ) e o gu ar an i ( com 4, 9 m i l h õ es) i n t eg r am n o ss a l i st a. F i n al m en te, o b ser ve q ue a l i sta ap r esen ta, n ot o tal , cen toe q u arent a e ci n co d u as lí n g u as , ous ej a, m en os d e 2% d as qu ase set e m i l d e q ue se t em n ot í cia. I ss o i nd i c aq u em ai sde 80 % das l í ngu as do m un dosãofal adasporc om u ni d adesde m enos de 4 m i l es d e pes s oas. 1

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Faculdade de Letras da UFMG: Textos de Linguística Comparada 5AS LÍNGUAS DO MUNDOTommaso Raso e Jacyntho Lins Brandão

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Mas poderamos adotar outros critrios e chegar a nmeros diferentes

Faculdade de Letras da UFMG: Textos de Lingustica Comparada 5

AS LNGUAS DO MUNDO

Tommaso Raso e Jacyntho Lins BrandoDas quase sete mil lnguas hoje em uso no mundo, o nmero de falantes varia de mais de 1 bilho, no caso do chins, a no mais que poucas centenas ou dezenas, como nos casos do antakarinya, falado por cerca de 50 pessoas na Austrlia; o omtico, com duas dezenas de falantes no Qunia; o katukina, lngua falada no estado do Acre, no Brasil, por cerca de 300 pessoas; o han, do Alasca, com 40 falantes; o yevanic ou judeo-grego, em Israel, com 50; o helenorromeno ou romeno-grego, da Grcia, com 30 e inmeras outras.Na tabela abaixo voc encontra uma relao das lnguas faladas como lngua materna por mais de 4 milhes de pessoas, o que se apresenta na coluna estimativa 1, conforme a edio de 2009 do Ethnologue (cf. Lewis, Ethnologue, p. 20-26). J a coluna estimativa 2 mostra a soma do nmero de falantes nativos de cada uma dessas lnguas ao nmero de falantes que as usam como segunda lngua (os dados dessa segunda estimativa so bastante fluidos e, quando no h informaes, o nmero da estimativa 1 . repetido).A tabela se organiza na ordem decrescente da estimativa 1, devendo ser observado que, caso o critrio fosse a estimativa 2, a ordenao se modificaria em vrios pontos. Por exemplo, o ingls passaria do terceiro lugar para o segundo, o rabe se colocaria antes do espanhol e o russo ultrapassaria o portugus e o bengali. A diferena entre as duas colunas se explica em grande parte em vista de processos histricos hegemnicos de natureza cultural, religiosa ou poltica, que voltaremos a examinar com mais detalhes adiante.Voc encontra ainda, na segunda coluna da tabela, a famlia a que cada lngua pertence e, quando o caso, os grupos e subgrupos, o que lhe dar uma primeira ideia sobre quais famlias lingusticas so predominantes, considerado o nmero de falantes. Tendo em vista, por exemplo, as dez primeiras posies, voc observar que h sete lnguas indo-europeias, e apenas trs pertencentes a outras famlias, um fato sobre o qual tambm voltaremos a refletir. Note ainda como, das lnguas indgenas da Amrica, apenas o quchua (com 10,1 milhes de falantes nativos) e o guarani (com 4,9 milhes) integram nossa lista.Finalmente, observe que a lista apresenta, no total, cento e quarenta e cinco duas lnguas, ou seja, menos de 2% das quase sete mil de que se tem notcia. Isso indica que mais de 80% das lnguas do mundo so faladas por comunidades de menos de 4 milhes de pessoas.Tabela 1: Lnguas mais faladas (Fonte: Lewis, Ethnologue, 2009, p. 20-26)LnguaFamliaPais de baseEstimativa 1

(lngua materna)Estimativa 2

(lngua materna + segunda lngua)

ChinsSino-TibetanoChina1.213.000.0001.393.000.000

EspanholIndo-EuropeuEspanha329.000.000410.000.000

InglsIndo-EuropeuReino Unido328.000.000508.000.000

rabeAfro-AsiticoArbia Saudita221.000.000420.000.000

HindiIndo-Europeundia182.000.000487.000.000

BengaliIndo-EuropeuBangladesh181.000.000210.000.000

PortugusIndo-EuropeuPortugal178.000.000200.000.000

RussoIndo-EuropeuRssia144.000.000280.000.000

JaponsJaponsJapo122.000.000130.000.000

AlemoIndo-EuropeuAlemanha90.000.000130.000.000

JavansAustronsioIndonsia84.600.00089.600.000

LahndaIndo-europeuPaquisto78.300.00078.300,000

TeluguDravdicondia69.800.00085.000.000

VietnamitaAustro-asiticoVietnam68.600.00085.000.000

MarathiIndo-Europeundia68.100.00071.000.000

FrancsIndo-EuropeuFrana67.800.000130.000.000

CoreanoCoreanoCoreia66.300.00070.000.000

TamilDravdicondia65.700.00070.000.000

ItalianoIndo-EuropeuItlia61.700.00061.700.000

UrduIndo-EuropeuPaquisto60.600.000104.000.000

TurcoAltaicoTurquia50.800.00090.000.000

GujaratiIndo-Europeundia46.500.00046.500.000

PolonsIndo-EuropeuPolnia40.000.00050.000.000

MalayAustronsioMalsia39.100.00039.100.000

BhojpuriIndo-Europeundia38.500.00038.500.000

AwadhiIndo-Europeundia38.300.00038.300.000

UcranianoIndo-EuropeuUcrnia37.000,00047.000.000

MalaialaDravdicondia35.900.00048.000.000

KannadaDravdicondia35.300.00064.000.000

MahithiliIndo-Europeundia34.700.00045.000.000

SundansAustronsicoIndonsia34.000.00040.000.000

BurmeseSino-TibetanoMiamar32.300.00042.000.000

OriyaIndo-Europeundia31.700.00032.000.000

PersaIndo-EuropeuIr31.400.000100.000.000

MarwariIndo-Europeundia31.100.00031.100.000

PanjabiIndo-Europeundia28.200.00028.200.000

FilipinoAustronsioFilipinas28.000.00050.000.000

BhojpuriIndo-Europeundia26.000.000126.000.000

HauAfro-AsiticoNigria25.000.00025.000.000

TagalogAustronsioFilipinas23.900.00085.000.000

RomenoIndo-EuropeuRomnia23.400.00030.000.000

IndonsioAustronsioIndonsia23.200.000140.000.000

HolandsIndo-EuropeuHolanda21.700.00025.000.000

SindhiIndo-EuropeuPaquisto21.400.00028.000.000

ThaiTai-KadaiTailndia20.400.00028.000.000

PashtoIndo-EuropeuPaquisto20.300.00025.000.000

UzbekAltaicoUzbesquisto20.300.00025.000.000

RajasthaniIndo-Europeundia20.000.00025.000.000

ArzebaijanoAltaicoIr19.400.00039.000.000

IorubNigero-CongolsNigria19.400.00021.000.000

IgboNigero-CongolsNigria18.000.00018.000.000

AmhricoAfro-AsiticoEtipia17.500.00034.000.000

ChhattisgarhiIndo-Europeundia17.500.00017.500.000

OromoAfro-AsiticoEtipia17.300.00026.000.000

AssamsIndo-Europeundia16.800.00016.800.000

Servo-CroataIndo-EuropeuSrvia16.400.00017.000.000

CurdoIndo-EuropeuIraque16.000.00030.000.000

CebuanoAustronsioFilipinas15.800.00030.000.000

SinhalsIndo-EuropeuSri Lanka15.600.00015.600.000

RangpuriIndo-EuropeuBangladesh15.000.00015.000.000

Thai Norte-orientalTai-KadaiTailndia15.000.00015.000.000

ZhuangTai-KadaiChina14.900.00015.000.000

MalgaxeAustronsioMadagascar14.700.00014.700.000

NepaliIndo-EuropeuNepa13.900.00030.000.000

SomaliAfro-AsiticoSomlia13.900.00013.900.000

KhmerAustro-AsiticoCamboja13.600.00015.000.000

MadursAustronsioIndonsia13.600.00014.000.000

BvaroIndo-europeuAstria13.300.00013.300.000

GregoIndo-EuropeuGrcia13.100.00030.000.000

ChittagonianoIndo-EuropeuBangladesh13.000.00013.000.000

HaryanviIndo-Europeundia13.000.00013.000.000

MagahiIndo-Europeundia13.000.00013.000.000

DecanIndo-Europeundia12.800.00012.800.000

HngaroUrlicoHungria12.500.00014.000.000

FulaNigero-CongolsSenegal12.300.00012.300.000

CataloIndo-EuropeuEspanha11.500.00012.000.000

ShonaNigero-CongolsZimbabwe10.800.00017.000.000

SylhetiIndo-EuropeuBanghladesh10.300.00010.300.000

ZuluNigero-Congolsfrica do Sul10.300.00025.000.000

QuchuaAmerndioPeru10.100.00015.000.000

KanaujiNigero-Congolsndia9.500.0009.500.000

TchecoIndo-EuropeuRep. Tcheca9.500.00012.000.000

LombardoIndo-EuropeuItlia9.100.0009.100.000

BlgaroIndo-EuropeuBulgria9.000.0009.000.000

UyughurAltaicoChina8.800.0008.800.000

NyanjaNigero-CongolsMalawi8.700.0008.700.000

BielorussoIndo-EuropeuBielorssia8.600.00010.000.000

AkanNigero-CongolsGana8.300.00010.000.000

KazakhAltaicoCazaquisto8.300.00012.000.000

SuecoIndo-EuropeuSucia8.300.0009.000.000

BagheliIndo-Europeundia7.800.0007.8000.00

XhosaNigero-Congolsfrica do Sul7.800.0007.800.000

HaitianoIndo-EuropeuHaiti7.700.00012.000.000

ConcniIndo-Europeundia7.600.0007.600.000

RuandaNigero-CongolsRuanda7.500.0007.500.000

GikuyuNigero-CongolsQunia7.200.0007.200.000

BalochiIndo-EuropeuPaquisto7.000.0007.000.000

Napolitano-CalabrsIndo-EuropeuItlia7.000.0007.000.000

IlocanoAustronsioFilipinas7.000.00010.000.000

Varhadi-NagpuriIndo-Europeundia7.000.0007.000.000

TurcomenoAltaicoTurcomenisto6.600.0006.600.000

Alemo SuoIndo-EuropeuSua6.500.0006.500.000

HmongHmong-MienChina6.500.0006.500.000

TrtaroAltaicoRssia6.500.0006.500.000

ArmnioIndo-EuropeuArmnia6.400.0007.000.000

Luba-KasaiNigero-CongolsCongo6.300.0006.300.000

SantaliAustro-Asiticondia6.200.0006.200.000

VnetoIndo-EuropeuItlia6.200.0006.200.000

VlaamsIndo-EuropeuBlgica6.100.0006.100.000

CongolsNigero-CongolsCongo6.000.0009.000.000

LambadiIndo-Europeundia6.000.0006.000.000

SothoNigero-CongolsLesoto6.000.0006.000.000

Thai do NorteTai-KadaiTailndia6.000.0006.000.000

AlbansIndo-EuropeuAlbnia5.800.0005.800.000

HiligaynonAustronsioFilipinas5.800.00011.000.000

TigrnioAfro-AsiticoEtipia5.800.0007.000.000

MongolAltaicoMonglia5.700.0005.700.000

CashimirIndo-Europeundia5.600.0005.600.000

DinamarqusIndo-EuropeuDinamarca5.600.0005.600.000

MinangkabauAustronsioIndonsia5.500.0005.500.000

SukumaNigero-CongolsTanznia5.400.0005.400.000

HebraicoAfro-AsiticoIsrael5.300.00010.000.000

MorNigero-CongolsBurkina Faso5.100.0005.100.000

EslovacoIndo-EuropeuEslovquia5.000.0005.000.000

FinlandsUrlicoFinlndia5.000.0005.000.000

MewatiIndo-Europeundia5.000.0005.000.000

AfrikaansIndo-Europeufrica do Sul4.900.0004.900.000

GaraniAmerndioParaguai4.900.0004.900.000

MainfrnkischIndo-EuropeuAlemanha4.900.0004.900.000

RundiNigero-CongolsBurundi4.900.0004.900.000

BikolAustronsioFilipinas4.800.0004.800.000

SicilianoIndo-EuropeuItlia4.800.0004.800.000

NoruegusIndo-EuropeuNoruega4.600.0004.600.000

MandingoNigero-CongolsGuin4.500.0004.500.000

TswanaNigero-CongolsBotswana4.500.0004.500.000

Thai do SulTai-KadaiTailndia4.500.0004.500.000

TajikiIndo-EuropeuTajiquisto4.500.0004.500.000

DholuoNilo-SaarianoQunia4.400.0004.400.000

GeorgianoCartvelianoGergia4.300.0004.300.000

KitubaNigero-CongolsCongo4.200.0004.200.000

GandaNigero-CongolsUganda4.100.0004.100.000

Sotho do NorteNigero-Congolsfrica do Sul4.100.0004.100.000

UmbundoNigero-CongolsAngola4.000.0004.000.000

WolofNigero-CongolsSenegal4.000.0004.000.000

KambaNigero-CongolsQunia4.000.0004.000.000

KanuriNigero-CongolsNigria4.000.0004.000.000

1. reas e famlias lingusticas

Como apresentados acima, os dados dizem pouco em termos geogrficos e histricos no sentido de que possamos compreender por que as lnguas so tantas e so faladas em proporo to desigual. Para entender um pouco mais essa realidade, as agruparemos a partir de dois criterios: sua distribuio por reas; sua distribuio por famlias.

A tabela 2 organiza os dados quantitativos relativos a cinco grandes reas lingusticas: frica, Amricas, sia, Europa e Pacfico. Ressalte-se que estamos falando de reas lingusticas e no geogrficas, ainda que os espaos possam coincidir. O que nos interessa, neste caso, o local de procedncia das lnguas, mesmo que elas sejam faladas em espaos geogrficos distintos. Os milhes de falantes nativos de portugus, espanhol, ingls e francs nos pases americanos, por exemplo, so computados na rea lingustica da Europa, no na das Amricas, uma vez que essas lnguas tiveram origem naquele continente. O mesmo vale para os falantes nativos de ingls da Austrlia, computados na rea lingustica da Europa e no do Pacfico e assim por diante.Tendo em vista esses parmetros, os nmeros so os seguintes:

Tabela 2: Lnguas e falantes das cinco grandes reas lingusticas mundiais (fonte: Lewis, Ethnologue, p. 19)reaLnguasFalantes

Nmero de lnguasPercentualNmero de falantesPercentualMdiaPonto mdio

frica2.11030,5%726.453.40312,2%344.29125.200

Amrica99314,4%50.496.3210,8%50.8522.300

sia2.32233,6%3.622.771.26460,8%1.560.19411.100

Europa2343,4%1.553.360.94126,1%6.638.295201.500

Pacfico1.25018,16.429.7880,1%5.144980

Totais6.909100%5.959.511.717100%862.5727.560

Alguns dados so significativos:a) Como voc pode observar na segunda coluna, a rea com menos lnguas a Europa, com 234, enquanto a sia e a frica so as duas regies com mais lnguas, respectivamente 2.322 e 2.110.b) Assim, as lnguas europias representam apenas 3,4% das lnguas do mundo, enquanto tanto as asiticas quanto as africanas apresentam percentuais quase dez vezes maior.

c) Considerando-se o nmero de falantes, a situao se modifica bastante: as lnguas europeias, que constituem apenas 3,4% das lnguas do mundo, so faladas por mais de 26% da humanidade; ao contrrio, o Pacfico, que concentra mais de 18% do total de lnguas, responde por apenas 0,1% do de falantes.d) Note-se que as lnguas europeias e asiticas juntas representam 37% das lnguas do mundo, mas so faladas por quase 87% da populao mundial. J as lnguas das Amricas e do Pacfico juntas, apesar de representarem 32,5% do nmero de lnguas, no passam de 2% quanto se trata do nmero de falantes.

e) primeira vista, a sia apresenta uma situao bastante equilibrada, com os maiores percentuais em termos de lnguas e de falantes, o mesmo podendo se dizer com relao frica, com o segundo maior nmero de lnguas e o terceiro maior nmero de falantes.

f) Contudo, quando se considera, na penltima coluna da tabela, a mdia de falantes por lngua, observa-se que a mdia europeia, de mais de 6,3 milhes de falantes por lngua, mais de quatro vezes a das lnguas asiticas e quase vinte vezes a das africanas bem como mais de cento e trinta vezes a das lnguas americanas e mais de mil e quinhentas vezes a das lnguas do Pacfico!Evidentemente que nmeros, mdias e percentuais representam no mais que dados estatsticos de ordem geral, significativos em si, mas que no contemplam toda a diversidade de situaes. Se na rea lingustica europeia a mdia de falantes por lngua de mais de 6 milhes, como vimos, h nela lnguas faladas por muito menos pessoas, pois esse ndice tem como referncia, num extremo, o ingls, com seus 340 milhes de falantes nativos, e, no outro, o Helenorromeno, com seus 40.Por isso importante considerar o ndice da ltima coluna, o ponto mdio relativo a cada rea lingustica, assim estabelecido: o rol de lnguas faladas em cada rea dividido em duas metades, observando-se, na linha de corte, o nmero de falantes da lngua que ocupa essa posio. Assim, das 234 lnguas europeias, 117 contam com mais de 220 mil falantes e 117 com menos que isso; na frica, 1.055 lnguas tm mais de 25 mil falantes e o restante menos; na sia, 1.161 lnguas so faladas por mais de 11 mil pessoas e outras 1.161 por menos; nas Amricas, 496 lnguas tm mais de 2.300 falantes e outro tanto menos que isso; finalmente, no Pacfico, 625 lnguas tm mais de 980 falantes e outras 655 menos que 980.

Como se v, as lnguas do Pacfico esto em claro risco de extino, considerando-se tanto a mdia de falantes por lngua, que de 4.675 pessoas, quanto o ponto mdio, com 800 falantes. Com efeito, costuma-se considerar que, a longo prazo, uma lngua falada por menos de 100 mil pessoas est condenada ao desaparecimento. Uma projeo de ordem geral indica que 55% das lnguas do mundo conta com menos de 10 mil falantes, um quarto delas com menos de mil. provvel, portanto, que algumas das lnguas do Pacfico acima computadas j tenham desaparecido desde a publicao desses dados. Mas tambm nas Amricas a situao precria: a mdia de pouco mais de 50 mil falantes por lngua (e recorde-se que apenas o quchua o o guarani somam 15 milhes, ou seja, quase 30% do total de 50 milhes de pessoas que falam lnguas americanas), o ponto mdio sendo de pouco mais de dois mil falantes.

Outro modo de analisar a situao lingustica do mundo agrupar as lnguas por famlias, o que pode nos fornecer uma perspectiva histrica complementar relativa s reas lingusticas. O que se modifica, neste caso, que, por exemplo, algumas lnguas da rea europeia, como o hngaro e o finlands, da famlia urlica, no sero agrupadas com o grupo principal nesse espao, o indo-europeu, ao passo que uma parte das lnguas da sia, como o persa, o hindi e o bengali, o sero.

Os dados relativos s seis maiores famlias so os que se mostram na tabela 3:Tabela 3: Famlias lingusticas

reaLnguasFalantes

Nmero de lnguasPercentualNmero de falantesPercentualMdiaPonto mdio

Afro-asitica3535,11%339.478.6075,93%961.69620.151

Austronsia1.24618,03%311.740.1325,45%250.1933.384

Indo-europeia4306,22%2.562.896.42844,78%5.960.224150.000

Nigero-cordofoniana1.49521,63%358.091.1036,26%239.52626.000

Sino-tibetana3995,77%1.275.531.92122,28%3.196.82218.686

Trans-Nova-Guin5618,12%3.359.8940,06%5.9891.245

Outras famlias2.42835,13%872.763.12515,25%359.457

Observe que a famlia indo-europia, com apenas 6% do total de lnguas (430) atinge quase 45% da populao mundial, enquanto a famlia trans-Nova-Guin, que apresenta um nmero de lnguas bem prximo, embora ligeiramente maior (561 lnguas, ou seja, 8,12% do total), abrange s 0,06% dos falantes. Juntas, a famlia indo-europia e a sino-tibetana, que somam 829 lnguas (11,99% das lnguas do mundo), cobrem quase 70% da populao.

O que os dados das duas tabelas tm em comum a concentrao de grandes lnguas no espao da Europa e da sia. Apontam tambm em comum a tendncia a diminuio do nmero de falantes das lnguas dos outros continentes e aumento da quantidade de pessoas que falam lnguas euro-asiticas o que a mdia de falantes por lngua e o ponto mdio expressam com bastante clareza , a exceo ficando por conta do grupo banto, da famlia nigero-cordofoniana, pelas razes que veremos mais frente.

2. Fatores histricos, culturais e polticosComo se explicam esses fatos? Antes de tudo, devemos considerar que o destino das lnguas se liga ao destino dos povos que as falam. Hoje, por exemplo, o ingls to difundido porque os Estados Unidos so muito poderosos. Mas por que os indo-europeus e os sino-tibetanos se tornaram to poderosos, enquanto os aborgenes australianos e os amerndios brasileiros no? E mais: por que foram os povos e as lnguas europeus que conquistaram o mundo e no os amerndios que conquistaram a Europa e a sia?

Uma das explicaes possveis e que parece bastante razovel est no fato de que onde a agricultura chegou em tempos mais remotos e teve a possibilidade de espalhar-se, inevitavelmente as comunidades agrcolas acabaram se estendendo s custas das de caadores e coletores. Estas ltimas foram assimiladas pelas primeiras ou dizimadas ou, ainda, o que ocorreu em alguns casos, ficaram confinadas em pequenas reas marginais (cf. Diamonds, Armas, germes e ao, p. 83-192; Cavalli-Sforza, Genes, povos e lnguas, p. 127-176). O mesmo destino acompanhou as lnguas dessas comunidades, que acabaram desaparecendo ou, quando confinadas, reduzindo-se a poucos falantes, como parece ter acontecido com o basco, uma lngua europeia isolada, provavelmente falada no espao em que ainda se encontra anteriormente ocupao da Europa por falantes de lnguas indo-europeias. Evidentemente muito difcil determinar como se desenrolou a histria lingustica do mundo, pois isso supe embrenhar por eras muito antigas.Na esteira de Diamonds e Cavalli-Sforza, vamos dar um passo atrs para verificar a importncia da agricultura nos destinos da humanidade, acompanhando seu surgimento. A espcie humana, mas ainda no com as caractersticas cognitivas que tem, surgiu provavelmente na frica Oriental, por volta de sete milhes de anos atrs. Por volta de um milho de anos, essa espcie, chamada homo erectus, depois de ter-se expandido pela frica, ocupou o mundo todo, menos a Austrlia e as Amricas. Mas foi o homo sapiens, primeiro o neanderthaliano e depois a espcie que podemos chamar de nossa, que ocupou o mundo todo. A nossa espcie se desenvolveu cerca de 40 mil anos atrs, mas os neanderthalianos, que foram completamente eliminados, j eram bons caadores.No se pode ter certeza da cronologia da ocupao do mundo em pocas to remotas, mas uma boa hiptese que o homem saiu da frica h cerca de um milho de anos para ocupar o Oriente Mdio, depois se dividiu em dois grupos: um foi para o leste e ocupou toda a sia do Sul; outro foi para noroeste e ocupou a Europa, por volta de 500 mil anos atrs. Somente a nossa espcie, surgida faz 50 mil anos, conseguiu ocupar a sia do Norte, cerca de 20.000 a. C., a Austrlia, cerca de 40.000 a. C., e as Amricas. Pelo que se sabe, ainda que os dados no sejam to seguros, o homem moderno chegou Amrica do Norte apenas por volta de 12.000 a. C. e ocupou rapidamente todo o continente, atingindo o extremo sul em 10.000 a. C. A ocupao das Amricas foi, portanto, muito tardia, mas, ao mesmo tempo, extremamente rpida.

Esse quadro permite responder a uma outra pergunta importante: por que o continente sul-americano, que possui condies ambientais to parecidas s da frica, no possui grande mamferos. Parece sensata a seguinte hiptese: o homem, na frica, desenvolveu suas prprias caractersticas cognitivas e suas prprias capacidades de caador apenas aos poucos; e, enquanto o homem desenvolvia essas capacidades, os animais aprendiam a defender-se. Ao contrrio, quando o homem chegou Amrica do Sul, depois de sete milhes de anos, j era o homem da nossa espcie, cognitivamente muito mais evoluido e treinado por milnios de caa. Isso fez com que ele exterminasse rapidamente todos os grandes mamiferos, os quais estavam despreparados para lidar com um predador to poderoso. Foi o primeiro desastre ecolgico da humanidade. Isso ter consequncias importantes para a agricultura.

Sabemos que a agricultura surgiu no Oriente Mdio cerca de 10.000 a. C. (mais ou menos quando o homem chegava nas Amricas). Portanto, o homem, que surgiu cerca de sete milhes de anos atrs, passou apenas 0,5% da prpria histria com a agricultura e 99,5% sem agricultura. Ou seja, se consideramos a histria da humanidade como um dia, podemos dizer que a agricultura surgiu por volta de dez ou quinze minutos antes da meia-noite. Seria estranho pensar somente nos ltimos quinze minutos e no dar nenhuma ateno s 23 horas e 45 minutos que vieram antes. Mesmo se nos interessssemos somente pelos humanos da nossa espcie, aquela de todo cognitivamente desenvolvida e que acabou com os neanderthalianos, partindo da agricultura perderamos 80% de sua histria. preciso considerar outro aspecto: se a agricultura se desenvolveu no Oriente Mdio por volta de 10.000 a. C., nas Amricas isso aconteceu somente em 1.500 d. C., na Austrlia, como em outros muitos locais, bem depois e em alguns poucos lugares, como em algumas tribos indgenas da Amaznia, isso ainda no se verificou. Portanto, no entender as condies de vida do homem caador significaria no entender os ndios brasileiros at a chegada dos portugueses e as condies de algumas tribos at hoje.

Os caadores-coletores viviam de maneira muito diferente dos agricultores, ou seja, de ns. Eles se alimentavam, obviamente, com o que a natureza oferecia: os frutos naturalmente produzidos pela vegetao nativa e os animais que eles conseguiam caar. Periodicamente, mudavam de lugar, sendo nmades. Isso era necessrio para fazer com que uma rea, cujos produtos j tivessem sido desfrutados, pudesse regenerar-se. Eles no podiam guardar nada, porque os frutos e as carnes, depois de poucos dias, apodrecem. De igual modo, no podiam formar grupos muito numerosos, porque a natureza no forneceria alimento para muitas pessoas e seria difcil transportar as crianas quando se mudava de rea. Assim, as comunidades de caadores-coletores eram formadas por um nmero pequeno de indivduos e ocupavam uma rea muito grande. Existia um equilibrio natural entre o espao geogrfico-alimentar e o nmero de indivduos que nele podia ser hospedado.

Obviamente, a vida de uma comunidade de caadores-coletores era muito simples: a atividade principal era destinada busca de comida, com as mulheres se dedicando coleta e os homens caa. Eles tinham alguns rituais, fabricavam alguns objetos de pedra e madeira, no possuindo uma verdadeira hierarquia interna, pois todos desempenhavam as mesmas poucas atividades. De vez em quando, entravam em contato com comunidades vizinhas, que moravam, de toda maneira, bem longe, por poucas razes: para trocar parceiras em casamento; para trocar produtos, ou seja, para um comrcio extremamente incipiente; para fazer a guerra pelo domnio do territrio e de seus recursos alimentares. De vez em quando, se a comunidade crescia demais, uma parte se separava para buscar recursos. Em suma, a populao no tinha muitas possibilidades de crescer. O limite de recursos controlava a populao e, quando isso no era suficiente, a guerra com os vizinhos fazia o resto.

Quando surge a agricultura, esse equilbrio se quebra definitivamente. O homem pode plantar seus produtos, acumular bens, morar sempre no mesmo lugar. Manipulando a natureza, ele consegue uma quantidade de produtos superior ao necessrio para a sobrevivncia imediata e no precisa mais limitar o nmero de membros da comunidade. Deixando de ser nmade, no tem mais problemas de transporte e pode ter mais filhos e riquezas. O crescimento traz, assim, vrias consequncias, esquematizadas na tabela que segue:

Tabela 4: Organizaes populacionais humanas (Fonte: Diamonds, Armas, germes e ao, p. 268) Tipo de organizaoBandoTriboTribo centralizadaEstado

Dimenso

Nmero de pessoasDezenasCentenasMilharesMais de 50.000

AssentamentosNmadeVilarejoVilarejosCidades

RelaesParentescoClClasse socialClasse social

Etnias e lnguasUmaUmaUmaUma ou mais

Formas de governo

DecisesIgualitriasInfluenciadas por um chefeCentralizadasCentralizadas

BurocraciaNo existeNo existeSimplesComplexa

Controle do poderNo existeNo existeSimSim

Suloo de conflitosInformalInformalCentralizadaLeis, juzes

Hierarquia dos assentamentosNo existeNo existeVilarejo centralCidade central

Religio

Justifica a cleptocracia?NoNoSimSim > no

Economia

Agricultura e criao animal?NoNo > simSim > intensivaIntensiva

Diviso trabalho?NoNoNo > simSim

Trocas?RecprocasRecprocasRedistribudas (impostos)Redistribudas (impostos)

Organizao social

Estratificao?NoNoSim (cl)Sim

Escravido?NoNoEm pequena escalaEm grnde escala

Produo de bens de luxo para as elites?NoNoSimSim

Edifcios pblicos?NoNoNo > simSim

Escrita?NoNoNoFreqentemente

O que se pretende no mais que esquematizar os possveis estgios em que se d a passagem, graas agricultura, das comunidades em bandos at as sociedades modernas. Observe alguns aspectos:

1. Passa-se de uma organizao igualitria para uma estratificao em classes socias. O fato que, com o crescimento populacional, se torna mais conveniente diferenciar e especializar o trabalho, ou, noutros termos, quando a comunidade comea a tornar-se complexa, parece melhor que cada qual conhea melhor um tipo de trabalho, gerando implementaes. Mas, naturalmente, no todos os trabalhos esto no mesmo nvel: se todo mundo pode ser agricultor, no todos podem ser bons guerreiros e, menos ainda, bons polticos. Assim, gera-se uma estratificao social baseada, em princpio, nas capacidades e, em seguida, no interesse. Essa diviso se auto-alimenta, pois quem est numa situao melhor tem acesso a bens e oportunidades que servem para perpetuar a sua superioridade e tornar maior a sua prpria prosperidade.

2. Somente as sociedades complexas conhecem a escrita, a qual surge no Oriente Mdio, cerca de 3.500 a. C., pressupondo a agricultura. A escrita potencializa enormemente as atividades de uma sociedade e contribui para uma mudana de foco e de cognio. Ela permite superar os limites de tempo e espao na comunicao, liberar a memria e fixar as normas, as tradies e a histria em uma verso nica, com a qual todos podem se confrontar. Ao contrrio, as culturas exclusivamente orais permitem que a histria seja transformada por quem o depositrio dela.

3. As indicaes sobre as lnguas, na tabela, devem ser interpretadas. Quando se diz que, nos primeiros estgios, se possui uma lngua, e, no ltimo, vrias, entende-se que as sociedades complexas hospedam imigrantes que falam outras lnguas bem como que, nelas, se promove o aprendizado de lnguas diferentes.

Por que este longo discurso sobre os efeitos da agricultura num curso de lingustica? Porque a agricultura que gera o quadro mostrado nas tabelas anteriores. Os povos de agricultura mais antiga cresceram rapidamente e foram dominando territrios cada vez mais amplos, absorvendo ou exterminando os caadores-coletores que encontravam no caminho. Seu predomnio se fez destruindo o meio-ambiente de onde os caadores-coletores tiravam seu alimento, j que a agricultura destroi a natureza nativa, para mold-la a seus objetivos; seu predomnio se deu pela fora dos nmeros, j que as comunidades de caadores-coletores eram sempre pequenas e as organizaes agrcolas podiam crescer sem limites; seu predomnio se deu pela superioridade tecnolgica, j que, com o acmulo de bens, sua organizao social complexa e a especializao do trabalho, as comunidades agrcolas criaram exrcitos profissionais, descobriram e desenvolveram armas superiores, treinaram os cavalos para a guerra e criaram mquinas capazes de multiplicar a fora destruidora das armas primitivas.

No momento em que as organizaes agrcolas absorvem ou destroem os bandos de caadores, eliminam automaticamente suas lnguas. Num contexto de muitos bandos de caadores-coletores em equilbrio entre si, temos muitas lnguas tambm em equilbrio. Quando, ao contrrio, uma sociedade agrcola cresce, sempre a mesma lngua que cresce. Portanto, um contexto de comunidades de caadores-coletores gera um contexto de muitas lnguas, cada uma delas com poucos falantes. Um contexto agrcola faz com que a uma organizao social corresponda uma nica lngua com muitos falantes. Os locais de agricultura mais antiga, Oriente Mdio, Europa e sia, so aqueles onde se encontram tambm as mais antigas organizaes estatais (Egito, Mesopotmia, China, Prsia, Grcia, Roma etc.) e as famlias lingusticas predominantes (principalmente a sino-tibetana, a indo-europia e a afro-asitica). Os locais onde a agricultura chegou mais tarde ou ainda no chegou, so onde se encontram lnguas faladas por pequenos grupos.

Como vimos, a Europa , de longe, o continente com a menor diferenciao lingustica. Mas, ao mesmo tempo, famosa exatamente pela impresso que d ao viajante de que com frequncia h mudana de lnguas. Quem se desloca por aquele continente percebe isso claramente, enquanto quem viaja pelo Brasil ou pelos Estados Unidos tem a sensao que esses paises, to vastos quanto a Europa, so monolngues, sem suspeitar que a diferenciao lingustica americana e brasileira muito maior do que a europeia. Como explicar essa contradio? Com a colonizao iniciada no sculo XVI, os europeus empurraram as comunidades locais que sobreviveram aos processos de extermnio e assimilao para lugares impenetrveis, como a floresta amaznica, ou para pequenas reservas. Portanto, na maior parte dos pases da Amrica h uma lngua que abrange a quase totalidade do territrio e dos falantes e muitas lnguas faladas em pequenos enclaves pouco acessveis e com pouqussimos falantes.

Como aconteceu esse processo? Como foi possvel que poucos milhares de espanhois, ingleses e portugueses destruissem, em poucas dcadas, de 90 a 95% da populao amerndia? No foi somente nem principalmente com a fora das armas, mas com uma fora que nem os prprios europeus imaginavam ter: a das doenas. De fato, um bom pacote agrcola, como o euro-asitico, juntava a produo estritamente agrcola com a criao de animais domsticos, os quais, dependendo do lugar, podiam ser vrios, mas quase todos parecem ter uma origem medio-oriental: a galinha, o boi, a cabra, a ovelha etc. Eles contribuam de vrias maneiras: com as peles e a l, para fazer tecidos; com a carne e os ovos, para fornecer as protenas antes encontradas na caa; com o leite e seus derivados, para enriquecer a alimentao; com sua fora de trao, para guiar o arado e melhorar as tcnicas agrcolas, bem como para facilitar o transporte. Trata-se de um conjunto poderosssimo de vantagens. Ora, como homens e animais passam a viver juntos, isso fez com que passassem a compartilhar tambm as doenas. Como nos pases de agricultura mais antiga o contato entre homem e animais foi gradual, os agricultores desenvolveram tambm anticorpos contra as enfermidades transmitidas pelos animais domsticos. Quando sociedades que vinham de milnios de agricultura, como as dos portugueses, dos espanhois e dos ingleses, entraram em contato com as comunidades indgenas das Amricas, estas no tinham nenhuma defesa contra as epidemias comuns na Europa, seus integrantes vindo a morrer de gripe, varola e outras enfermidades. (cf. Diamond, Armas, germes e ao, p. xx)Precisamos agora formular e responder uma outra pergunta. Por que a agricultura nasceu no Oriente Mdio e por que se desenvolveu to bem na Eursia? E ainda: por que a agricultura no nasceu ou no se desenvolveu em outros continentes com a mesma pujana que na Eursia? Um primeiro problema dado pelo fato de que parece que as condies de vida dos agricultores, por muito tempo, foram piores que as dos caadores-coletores. Os dados arqueolgicos mostram uma reduo da estatura dos primeiros agricultores e uma dimuio na durao de suas vidas. Por que ento se passou da caa agricultura? Como normalmente acontece na histria, parece que o motivo da mudana foi uma crise. Neste caso, uma crise relativa s condies ambientais, como uma reduo forte e imprevista dos animais e dos frutos por motivos desconhecidos. A populao teve ento de inventar um novo sistema de sobrevivncia e comeou a cultivar, com tcnicas rudimentares, frutos que certamente eram de qualidade e tamanho muito diferentes daqueles que temos agora, aps treze mil anos de domesticao. Mas aos poucos o novo sistema foi-se aperfeioando e revelou potencialidades impensveis, como vimos pelas consequncias que trouxe. Portanto, nos lugares onde no ocorreram as mesmas dificuldades, as populaes no tiveram motivos para mudar os hbitos tradicionais.

Observe-se que a agricultura surgiu, mesmo que no em pocas to antigas, tambm em outros locais: na Amaznia, no vale do Mississipi, no nordeste dos Estados Unidos, nos Andes, nas montanhas de Papua-Nova Guin, na frica Oriental, na regio entre Camares e a Nigria. O que fez com que esses lugares no produzissem civilizaes poderosas, como as da China, da Europa e do Oriente Mdio? provvel, como cr Diamonds, que sobretudo devido tambm a questes ambientais. De fato, o pacote desenvolvido na China e no Oriente Mdio tinha dois motivos para prevalecer fortemente.O primeiro, que nas Amricas e em Papua-Nova Guin praticamente no existiam mais grandes mamferos, todos massacrados, provavelmente, na primeira chegada do homem. A frica subsaariana possua muitos grandes mamferos, mas nenhum domesticvel: at hoje ningum conseguiu domesticar lees, veados, girafas ou zebras; quanto aos elefantes, podem ser adestrados, mas no podem se reproduzir nesse estado. O mesmo pode ser dito, ainda que com menos evidncias, com relao s plantas. O inhame da frica, a batata doce de Papua-Nova Guin e a mandioca da Amaznia no podiam competir com o trigo medio-oriental e com o arroz chins.

O segundo motivo parece estar na estrutura geogrfica dos continentes: a Eursia se estende ao longo de um eixo leste-oeste e, portanto, apresenta o mesmo clima por toda a sua extenso. Alm disso, no existem grandes barreiras entre o Oriente Mdio, a Europa e a sia. Isso fez com que os pacotes agrcolas fossem transportados e se integrassem com facilidade em vrias regies. Ao contrrio, a frica e as Amricas se extendem ao longo do eixo norte-sul, com abruptas mudanas de clima, o que torna difcil transportar de uma regio para a outra a mesma planta ou mesmo animal, em vista das condies ambientais. A isso aliam-se barreiras naturais. A agricultura que surgiu nas montanhas andinas no desceu para a Amaznia, apesar da pouca distncia. Na frica, o deserto do Saara funcionou como uma grande barreira entre o resto do continente e o Oriente Mdio, bem como a Nigria estava separada, pela floresta equatorial, da frica oriental.

Ora, na tabelas anteriores voc pde verificar que duas famlias lingusticas, a indo-europia e a sino-tibetana, ou seja as maiores da Eursia, com apenas 829 lnguas (muitas das quais faladas por comunidades muito pequenas), abrangem 3,8 bilhes de falantes, uma alta percentagem da populao mundial. Todavia, enquanto a famlia sino-tibetana est localizada numa nica regio da sia, a indo-europeia est presente em todos os continentes. Esses dados apresentam dois aspectos: a) que a agricultura, surgida e desenvolvida nos dois continentes da Eursia, determinou em grande parte que as grandes famlias euro-asiticas crescessem como nenhuma outra do planeta; b) mas tambm algo, num certo ponto da histria, determinou que somente os europeus se expandissem por outros continentes, enquanto os asiticos permaneceram numa regio definida. Isso verdade at um certo ponto, pois a tambm a famlia indonsia chegou at Madagascar, expandindo-se por uma enorme rea do Oceano ndico e do Pacfico.

O que determinou que os europeus viajassem at as Amricas e os chineses, com uma cultura, uma economia, um potencial militar e uma frota naval superiores, ficassem parados? Parece que a resposta est na crise que a Europa viveu com a grande peste do sculo XIV, a qual destruiu as populaes numa fase de grande expanso econmica. O continente j tinha passado antes por uma crise gigantesca, com a queda do Imprio Romano, como se pode constatar por seu decrscimo em termos demogrficos: se na parte da Eursia pertencente ao Imprio Romano de Portugal at o Oriente Mdio, incluindo o norte da frica a populao era, por volta do nascimento de Cristo, de mais de 200 milhes, com a crise que se seguiu dissoluo decresceu consideravelmente, voltando ao mesmo patamar somente mais de mil anos depois. A grande peste de metade do sculo XIV tambm produziu abrupta diminuio populacional, somente por volta de 1500 voltando a verificar-se nmeros compatveis com os anteriores epidemia. Por que essas crises poderiam apontar alguma explicao para o fato de terem sido os europeus (e no os chineses) a chegar nos outros continentes? O que parece que aconteceu foi que, com a retomada do crescimento demogrfico depois do ano 1000, enquanto o continente se desenvolvia economicamente e produzia muitos bens, de repente, em 1350, grande parte da populao que podia adquirir e consumir tanta produo desapareceu. Isso deu incio s grandes navegaes, em busca de outros mercados, principalmente na frica e na sia. Foi assim, buscando um caminho mais curto para a sia, que se descobriu, por acaso, a Amrica, tendo incio a fase da colonizao. A China no passou por crises semelhantes e, portanto, nunca precisou buscar outros mercados.

Voltando tabela 1, voc poder observar como parece que todos esses fatores sugerem, pelo menos em parte, razes para o predomnio de certas famlias e reas lingusticas todas da Eursia. Se tomarmos apenas as lnguas hoje faladas para mais de 100 milhes de pessoas, como primeira ou segunda lngua, fica claro sua procedncia europeia e asitica, como se recorda na tabela abaixo:Tabela 5: Lnguas mais faladas, famlias e reas lingusticasLnguaFamliarea lingusticaNmero de falantes

ChinsSino-Tibetano, ChinsAsitica1.393.000.000

InglsIndo-Europeu, GermnicoEuropeia508.000.000

HindiIndo-Europeu, Indo-Iraniano, ndicoAsitica487.000.000

rabeAfro-Asitico, SemticoAsitica420.000.000

EspanholIndo-Europeu, Itlico, RomnicoEuropeia410.000.000

RussoIndo-Europeu, EslavoEuropeia280.000.000

BengaliIndo-Europeu, Indo-Iraniano, ndicoAsitica210.000.000

PortugusIndo-Europeu, Itlico, RomnicoEuropeia200.000.000

JaponsJaponsAsitica130.000.000

AlemoIndo-Europeu, GermnicoEuropeia130.000.000

FrancsIndo-Europeu, Itlico, RomnicoEuropeia130.000.000

Instrutivo tambm ser considerar a distribuio geogrfica das lnguas atualmente ameaadas de extino. Considerando, dentre estas, apenas aquelas faladas por pessoas idosas e no mais transmitidas s crianas ou seja, em estado de extino iminente temos o seguinte quadro:Tabela 6: Lnguas ameaadas de extino

rea lingusticaNmero total de lnguasLnguas ameaadas de extinoPercentual de lnguas ameaadas na rea

Amrica1.00217016,96%

Pacfico1.31021016,03%

Europa239125,02%

sia2.269783,43%

frica2.092462,19%

Observe como as situaes mais graves se encontram, pela ordem, na Amrica e no Pacfico. Tomando como referncia as outras reas, podemos admitir que, considerando-se que as lnguas tanto surgem quanto desaparecem, percentuais em torno de 3,5 seriam de se esperar. Na Amrica e no Pacfico o que temos, contudo, so percentuais mais de quatro vezes maiores, o que constitui uma situao anmala, uma razo provvel estando no fato de que se trata de reas de expanso recente de lnguas hegemnicas de origem europeia no caso das Amricas , ou europeias e asiticas com relao ao Pacfico.H todavia outro aspecto a ser lembrado: nas reas com menos lnguas ameaadas a grande extino lingustica j teve lugar h muito mais tempo o que vale se considerarmos a expanso tanto indo-europeia, quanto sino-tibetana, que vm se desenrolando desde eras pr-histricas. O mesmo vale para a frica, em que se observa a predomnio de dois grupos lingusticos, o nigero-cordofaniano e o nilo-saariano, cujas populaes dominaram vastas reas do continente. A diferena com o que ocorre hoje com as lnguas das Amricas e do Pacfico que talvez nunca o processo se tenha acelerado tanto.Em alguns poucos casos possvel saber com preciso a data de extino de uma lngua. Um dos exemplos mais famosos relativo ao dlmata, lngua romnica, procedente do latim, como o portugus, falada desde fins da Antiguidade no litorial e nas ilhas de onde hoje se encontram a Crocia e Montenegro. De dois de seus dialetos se possuem registros: o ragusano (cuja denominao provm de Ragusa, nome antigo da atual cidade de Dubrovnik, na Crocia), conhecido por textos datados de entre os sculos XIV e XVI, quando deixou definitivamente de ser falado, suplantado pelas lnguas eslavas da regio; e o velhoto, falado na ilha de Veglia (nome italiano da antiga Viklasun, atualmente chamada de Krk) at o sculo XIX. Com relao a este ltimo, a data de seu desaparecimento precisa: 10 de junho de 1898, quando morreu, vitimado por uma mina terrestre, seu ltimo falante, Tuone Udaina Burbur (tambm conhecido por seu nome italiano: Antonio Udina). Consta que este Tuone Udaina, submetido a um interrogatrio, se recusou a responder em italiano, falando intencionalmente em dlmata, a fim de confudir os policiais. Tendo sido chamada a ateno para esse fato, o acadmico italiano Matteo Giulio Bartoli, ele prprio natural de uma regio prxima, a stria, visitou, em 1897, Tuone Udaina, registrando cerca de 2.800 palavras do velhoto, alm contos e relatos da vida de seu informante. A partir sobretudo desse material, Bartoli escreveu um livro tratando do vocabulrio, da fonologia e da gramtica do dlmata, obra publicada em traduo para o alemo (Bartoli, M. G. Das Dalmatische. Viena: Kaiserliche Akademie der Wissenschaft, 1906). assim que o registro dessa lngua romnica oriental no se perdeu, permitindo o conhecimento de fenmenos fonolgicos, morfolgicos e sintticos que ela compartilha com o romeno e o vneto, bem como de caractersticas prprias apenas a ela. (cf. Vidos, Manual de lingstica romnica, p. 315-317).Outro exemplo recentssimo o do bo, lngua falada nas ilhas Andaman, no Golfo de Bengala, ndia. Conforme noticiou a Profa. Anvita Abbi, do Centro de Lingustica da Universidade Jawaharlal Nehru (Nova Delhi), com a morte de Boa Sr., em Port Blair, em 26 de janeiro de 2010, aos 85 anos, desapareceu a ltima falante desta lngua. Esta j no tinha mais com quem conversar no seu idioma materno, razo por que aprendera tambm outras lnguas andamanesas da mesma ilha, alm do hindi, mas era o nico membro de sua etnia que se recordava das antigas canes em bo. Em novembro de 2009, no mesmo local, tambm a morte de Boro F. representara o fim da ltima falante do khora, outra lngua andamanesa. Conforme a Profa. Abbi, que mantm o projeto VOGA (Vanishing Voices of the Great Andamaneses), provvel que essas lnguas remontem era pr-neoltica, quando os primeiros homens se instalaram na regio, contando elas, portanto, com quase setenta mil anos (cf. Abbi, Vanishing Voices of the Great Andamaneses).* * *

LEITURA COMPLEMENTAR

Seis mil lnguas: um patrimnio em perigo

Ranka Bjeljac-BabicUniversidade de Poitiers, Frana

Est condenada a desaparecer em curto prazo a imensa maioria das lnguas? Os linguistas estimam que uma lngua s pode sobreviver se conta com mais de 100.000 falantes. Pois bem, das cerca de 6.000 lnguas que existem hoje em dia no mundo, a metade falada por menos de 10.000 pessoas e um quarto por menos de 1.000. Apenas umas vinte contam com muitos milhes de falantes.

A morte das lnguas no um fenmeno novo. Desde que se diversificaram, pelo menos 30.000 (alguns falam inclusive de 500.000) nasceram e se extinguiram, em geral sem deixar traos. A essa grande mortalidade corresponde uma durao de vida relativamente breve. Escassos so os idiomas, como o basco, o egpcio, o chins, o grego, o latim, o persa, o snscrito, o tamil e alguns outros, que lograram atingir 2.000 anos.

O que uma novidade, entretanto, a rapidez com que perecem na atualidade. Voltando no tempo, constatamos que a diminuio da diversidade lingustica se acelerou consideravelmente em razo das conquistas coloniais europeias, que eliminaram pelo menos 15% das lnguas faladas naquela poca. E, se no decorrer dos trs ltimos sculos, a Europa perdeu umas dez lnguas, na Austrlia no restam mais que 20 das 250 faladas em fins do sculo XVIII. No Brasil, 540, ou seja, trs quartos das linguas morreram desde que se iniciou a colonizao portuguesa em 1530.

O nascimento dos Estados nacionais, cuja unidade territorial estava estreitamente ligada a sua homogeneidade lingustica, tambm foi um fator decisivo de consolidao das lnguas adotadas como nacionais e de marginalizao das demais. Os governos, em seu marcado empenho por instaurar uma lngua oficial na educao, nos meios de comunicao e na administrao, procuraram deliberadamente eliminar as lnguas minoritrias.

Esse processo de homogenizao lingustica foi reforado com a industrializao e o progresso cientfico, que impuseram novos modos de comunicao, rpidos, simples e prticos. A diversidade de idiomas foi ento considerada como um obstculo aos intercmbios e difuso do saber. O monolinguismo passou a ser um ideal. assim que, em fins do sculo XIX, surgiu a ideia de uma lngua universal (pensou-se, inclusive, em voltar-se ao latim), o que deu lugar a uma proliferao de lnguas artificiais. A primeira delas foi o volapk, sendo o esperanto a que teve xito mais ressonante e a maior longevidade.

Em tempos mais recentes, a internacionalizao dos mercados financeiros, a difuso da informao por meios de comunicao eletrnicos e os demais avatares da mundializao contriburam para acentuar as ameaas que pesavam sobre as lnguas pequenas. Uma lngua que no est na Internet uma lngua que quase deixou de existir. Fica margem do comrcio.

O ritmo de extino das lnguas alcanou, assim, propores sem precedentes na histria: dez a cada ano, em escala mundial. Segundo os prognsticos mais sombrios, de 50% a 90% das lnguas faladas hoje em dia morrero no curso do presente sculo. Preserv-las um assunto urgente.

As consequncias do desaparecimento das lnguas so graves em mais de um sentido. Em primeiro lugar, se nos tornssemos uniformemente monolngues, possvel que nosso crebro acabasse afetado ao ponto de perder parte de sua capacidade inata de criao lingustica. Na sequncia, todas as tentativas de remontar s origens da linguagem humana se tornariam impossveis e o mistrio do primeiro idioma jamais seria dilucidado. Por ltimo, com a morte de cada lngua, um captulo da histria da humanidade se fecha para sempre.

O plurilinguismo o reflexo mais fiel do multiculturalismo. A eliminao do primeiro acarretar inevitavelmente a perda do segundo. Impor um idioma seja regional ou internacional a populaes cuja cultura e estilo de vida no se identificam com ele fazer calar a expresso de seu esprito coletivo. As lnguas no s so o meio primordial de comunicao entre os seres humanos, como encarnam tambm a viso de mundo de seus falantes, sua imaginao, suas formas de transmitir o saber. Apesar de seu parentesco, refletem de maneira diferente a realidade. Se tratamos de inventariar as diferentes palavras que existem em todos os idiomas para expressar estritamente o mesmo sentido, damo-nos conta de que h no mximo 300, tais como eu, tu, ns, quem, que, no, tudo, um, dois, grande, comprido, pequeno, mulher, homem, comer, ver, ouvir, sol, lua, estrela, gua, quente, frio, branco, preto, noite, terra...

O perigo que ronda o plurilinguismo anlogo ao que afeta a biodiversidade. No s porque a grande maioria das lnguas so espcies em vias de desaparecimento, como tambm porque entre a diversidade biolgica e a diversidade cultural existe um lao intrnseco e causal. Do mesmo modo que as espcies vegetais e animais, as lnguas em perigo so endmicas, ou seja, esto confinadas em regies exguas. Mais de 80% dos pases onde existe uma megadiversidade biolgica formam parte dos que albergam o maior nmero de lnguas endmicas. Essa correlao explica-se pelo fato de que os grupos humanos, ao adaptar-se ao entorno em que evoluem, criam um conhecimento especial de seu ambiente, que reflete em sua lngua e, muitas vezes, unicamente nela. Grande parte dos recursos naturais em perigo s so conhecidos atualmente por alguns povos cujas lnguas esto em extino. Ao morrer, estas levam consigo todo o saber tradicional sobre o meio-ambiente.

Em 1992, a Cpula do Rio criou dispositivos para lutar contra a reduo da biodiversidade. Chegou a hora do Rio das lnguas. A tomada de conscincia da necessidade de proteger esse patrimnio surgiu em meados do sculo XX, quando os direitos lingusticos se integraram Declarao Universal dos Direitos Humanos. Desde ento tiveram incio diversos projetos internacionais voltados para salvaguardar o que agora se reconhece como patrimnio da humanidade. Ainda que no logrem pr trmino ao processo de extino das lnguas, tm o mrito de atenu-lo e de promover o plurilinguismo no mundo.* * *EXERCCIO

Nos prximos captulos vamos estudar as principais famlias lngusticas. A fim de preparar esse novo passo, tome como referncia a tabela 1 (as lnguas maternas faladas por mais de cinco milhes de pessoas) e verifique quais so as famlias lngusticas representadas por maior nmero de lnguas, completando o quadro abaixo:

FamliasNmero de lnguas

Indo-europeia

Nigero-congolesa

Austronsia

Altaica

Afro-asitica

Tai-Kadai

Dravdica

Austro-Asitica

Amerndia

Sino-tibetana

Urlica

Cartveliano

Cartveliano

Coreano

Hmong-Mien

Japons

Nilo-Saariano

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