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Evolucionismo versus criacionismo noensino de ciências: para além dascontrovérsias entre ciência e religião
Júlio César Castilho Razera
Departamento de Ciências Biológicas.
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.
“Se se respeita a natureza do ser humano, o
ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio
à formação moral do educando. Divinizar oudiabolizar a tecnologia ou a ciência é umaforma altamente negativa e perigosa de
pensar errado. De testemunhar aos alunos, àsvezes com ares de quem possui a verdade,
um rotundo desacerto” (Paulo Freire).
Resumo
Evolucionismo e criacionismo são temas que geram muitasdiscussões, mas com prevalência no embate entre ciência e
religião. No entanto, essa não é a única linha de discussãopossível, pois há outros aspectos subjacentes à controvérsia de
ambas - não menos importantes - que também extrapolampara o âmbito das escolas e são merecedores de atenção,
especialmente no ensino de Ciências. Tomando-se comoinspiração a citação de Paulo Freire, além de indicar no próprio
título deste ensaio os objetivos básicos de nossos propósitos,apresentamos inicialmente um breve recorte sobre as
divergências entre evolucionistas e criacionistas e,posteriormente, algumas possíveis conseqüências pedagógicas
que se colocam para além das controvérsias científico-religiosas. Nesse intuito, deslocamos intencionalmente o pano
de fundo dos nossos argumentos para a formação moral laica
dos alunos, tendo-se como referencial os estudos e princípiossociomorais de Piaget, Kohlberg e Habermas.
Palavras-chave: Assuntos Controvertidos; Formação MoralLaica; Ética; Racionalidade.
Introdução
Evolucionismo e criacionismo são temas que ainda geram
muitos debates nos dias atuais, mas cujas divergências maiscontundentes entre os dois temas são geradas por conflitos que
envolvem ciência e religião. Sobre esses conflitos, a literatura évasta e apresenta diferentes e interessantes construções
argumentativas (entre outros, vide FREIRE-MAIA, 1997a,1997b; EL-HANI; SEPULVEDA, 2001; SEPULVEDA; EL-HANI,
2004; SAMPAIO, 2006; FONSECA, 2008).
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Desviando-se intencionalmente dessas discussões maisdifundidas entre evolucionismo e criacionismo e, também, sem
entrar no mérito (ou demérito) de cada perspectiva, masressaltando-se apenas as contundências e imposições que elas
carregam (ou se fazem presentes nas argumentaçõescoercitivas de uma contra a outra), há uma preocupação nossa
de como o embate chega e é trabalhado nas salas de aula. Esseproblema noz conduz a um aspecto que ainda é pouco discutido
na área do ensino de Ciências, mas de grande relevância: aspossíveis implicações dos conflitos entre criacionismo e
evolucionismo para a formação moral (laica) dos alunos. Não há
minimização ou exclusão da relevância dos outros aspectosinerentes à polêmica, mas apenas um deslocamento de focopara esse outro ainda pouco discutido no meio educacional.
Com o intuito de trazer à discussão o viés da formação moral,
que também colocamos como inerente à temática entre
evolucionismo e criacionismo, o texto apresenta uma breve enão exaustiva seqüência de idéias que perpassam essa
interface entre moralidade e ensino de Ciências, tendo-sebases em Piaget, Kohlberg e Habermas – princípios do
desenvolvimento da autonomia moral e emancipação dossujeitos.
Ressaltamos que o leitor não encontrará nenhum receituário
pronto e acabado ou sugestões de estratégias docentes, masesperamos que os pressupostos teóricos, a linha
argumentativa e as respectivas reflexões sejampotencialmente úteis ao trabalho do professor.
Criacionistas e evolucionistas: diferentes no conteúdo,mas semelhantes nos discursos
Na seqüência, extraímos de publicações diversas alguns
exemplos de citações pró-criacionistas (itens a, b, c) e pró-evolucionistas (itens d, e, f).
a) [...] A equívoca ciência nos mostra um caos, [...] nãoexplicam a origem da vida e, quando tentam fazê-lo, o fazem
de forma ridícula (BOLETIM INFORMATIVO, 1999, p.1).
b) “[...] na Natureza as espécies não ocorrem numa série
contínua com diferenças graduais de uma para outra. Asespécies de um grupo são bastante diferentes das espécies deoutro grupo. Se o evolucionismo fosse correto, deveria ser
encontrada uma série contínua, o que não ocorre nem com os
seres vivos nem com os fósseis (GIBSON, 1990, p. 46).
c) [...] Precisamos encarar o fato de que a teoria da evoluçãoserve ao propósito de Satanás. [...] Deveríamos sentir a mais
forte indignação diante da doutrina da evolução e de seu
originador, uma vez que a intenção é privar-nos da vida eterna (WATCH TOWER..., 1985).
d) A idéia de que a teoria da evolução contraria as escrituras émuito ignorante (REVISTA ISTO É, 1997, p.31).
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e) [O ensino do criacionismo] é propaganda enganosa. É umcaso que deveria ser visto como de defesa do consumidor. Os
alunos deveriam procurar o Procon (CANDOTTI, 20041
1 Depoimento inserido em: GAZIR, A. Escolas do Rio vão ensinarcriacionismo. Folha de São Paulo (on line), 2004.
).
f) [Evolução é] fato largamente comprovado, uma realidade enão uma hipótese [...] Os oponentes atuais da evolução, quase
sem exceção, sustentam suas posições não com base emargumentação lógica, mas em emoções e crenças religiosas
(FUTUYMA, 1993, p. 16).
Sobre os fragmentos acima, não entraremos nos méritos de
diferenciação entre os conhecimentos oriundos da ciência e dareligião. Há uma vasta literatura que dá conta disso. Para a
linha argumentativa que traçamos, queremos apenas que osleitores identifiquem as semelhanças no formato contundente e
impositivo dos discursos, que assim também podem chegar àssalas de aula: ignorância de um lado, ridículo de outro; caos de
um lado, emoções e crenças de outro; fato e realidade de umlado e de outro; verdade de um lado e de outro; mentira de
um lado e de outro; enganação de um lado e de outro etc.
Evolucionismo versus criacionismo no ensino de Ciências
Não são poucos os casos nos quais as controvérsias entreevolucionismo e criacionismo se alastraram para o âmbito da
educação escolar, por meio de interferências judiciais oudecisões legislativas sobre aquilo que os alunos poderiam ou
não “aprender” sobre o tema em questão.
Um dos mais famosos episódios ocorreu em 1925, no
Tennesse, Estados Unidos, onde o professor John Scopes foi a júri por ensinar a teoria da evolução (vide Figura 1). Desde
1920 havia se tornado ilegal o ensino dessa teoria nas escolasamericanas.
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Figura 1 - John Scopes (de camisa branca) a caminho do tribunal eum dos textos de suas aulas sobre evolução (Reprodução autorizada
por Douglas O. Linder, professor da University of Missouri-Kansas City
School of Law).
Nos Estados Unidos a polêmica parece não ter fim. Mesmo nosdias atuais não é difícil encontrarmos publicações diversas
sobre o tema, de jornais diários a periódicos científicos (vide
Figura 2).
Figura 2 - Reprodução da primeira página do “The Denver Post”, de
11/03/2000, cujo título revela a força do criacionismo nos Estados
Unidos: “79% querem a volta do criacionismo nas escolas” (Fonte:
MOORE, 2000, p. 19).
No Brasil a influência criacionista no ensino mostra-se menor,mas não é desprezível e parece ganhar cada vez mais espaço
(vide Figura 3). Isso nos faz pensar que, no passar dos anos,haverá um aumento de debates também em nosso país, e
talvez com as contundências que muitos deles carregam.
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Figura 3. Versão eletrônica do Jornal Folha de São Paulo, com artigo
de Augusto Gazir sobre a introdução do ensino do criacionismo nas
escolas estaduais do Rio de Janeiro (Fonte: www.folha.com.br).
Ressaltando-se, mais uma vez, que o pano de fundo de nossas
discussões intencionalmente está deslocado para as questões
psicológicas e sociais da formação moral laica (bases teóricasem Piaget, Kohlberg e Habermas, apresentadas com maioresdetalhes mais à frente) e não em outras questões
(epistemológicas, por exemplo) também relevantes e inclusivasao tema.
Por que falar em formação moral no espaço escolar,incluindo-se o ensino de Ciências
A resposta que damos é simples: porque ela está
obrigatoriamente ocorrendo. A resposta mais complexa estáem “como ela ocorre?” A complexidade está nos diferentes
métodos, princípios e linhas teóricas possíveis para esse tipo
de formação.
Antes de apresentarmos e justificarmos a opção peloreferencial do desenvolvimento moral, açamos um breve
resgate de alguns itens inseridos na LDBEN e nos PCN.
A Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
- LDBEN), no artigo 32, inciso II, que trata sobre o EnsinoFundamental, cita que esse nível de ensino
“terá por objetivo a formação básica do
cidadão, mediante: a compreensão doambiente natural e social, do sistema político,
da tecnologia, das artes e dos valores em que
se fundamenta a sociedade; odesenvolvimento da capacidade deaprendizagem, tendo em vista a aquisição de
conhecimentos e habilidades e a formação de
atitudes e valores”.
http://www.folha.com.br/http://www.folha.com.br/http://www.folha.com.br/http://www.folha.com.br/
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O artigo 35, inciso III, da mesma Lei, determina que o EnsinoMédio terá como uma de suas finalidades “o aprimoramento do
educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e odesenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento
crítico”.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais incluem nas suas
orientações a ética no processo de formação escolar do serhumano. Estabelecem que as capacidades éticas, entre outras,devem ser adquiridas pelos alunos no processo de
aprendizagem escolar. Nesse caso, haveria que ampliar noâmbito da educação formal a noção de conteúdo para além de
conceitos e informativos de fatos, incorporando neles as
inerências de valores, normas, atitudes e procedimentos. ParaLa Taille (1997, p.7), as propostas de formação éticapressupõem "um trabalho pedagógico explícito, específico e
sistemático de análise de valores, de aprendizagem de
conceitos e práticas e de desenvolvimento de atitudes quefavoreçam a vida democrática”, justificando o papel
institucional da escola nas questões sobre a formação moral.
Como se vê, questões referentes à moral2
2 Ética e moral apresentam relações, mas diferem no conceito. A éticaseria a teoria; a moral, o objeto dessa teoria, como uma ciênciaespecífica e seu objeto de estudo. Moral vem do latim mos ou mores, “costume” ou “costumes”, no sentido de normas ou regras adquiridaspor hábito, referindo-se ao comportamento adquirido ou modo de serconquistado pelo homem. Ética vem do grego ethos, que significaanalogamente “modo de ser” ou “caráter”, enquanto forma de vida
estão presentes nosdocumentos legais, sustentadas por princípios democráticos e
levando-se em consideração bases construtivistas e deemancipação dos sujeitos.
Diante dessa perspectiva, espera-se que o ensino de Ciências
também despenda estímulos à formação moral dos alunos enão se restrinja apenas aos aspectos conteudista, isto porque
essa disciplina trabalha com muitas possibilidades deconteúdos polêmicos que propiciam trabalhar a moralidade.
As perspectivas sociomorais em Piaget, Kohlberg e
Habermas
Há diferentes métodos e princípios pelos quais a formaçãomoral pode ocorrer (seja na escola, na família etc.). Alguns são
baseados em aspectos religiosos. Outros, na racionalidade elaicidade. Assim, há métodos e princípios com bases na difusão
de hábitos virtuosos, clarificação de valores, ou tratando aformação moral como processo de socialização. (entre outros,
vide PUIG, 1998). Especificamente por causa dos princípiosdemocráticos, bases construtivistas e objetivos voltados para
um projeto racional de emancipação dos sujeitos, escolhemosarticular este ensaio com as bases teóricas de Piaget, Kohlberg
e Habermas.
também adquirida ou conquistada pelo homem (VÁZQUEZ, 1990,p.14).
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Processos investigativos sobre formação moral com bases naracionalidade hoje são possíveis porque têm bases
experimentais e teóricas bastante sólidas, devendo-se atransformação da moralidade em objeto de pesquisa, em
grande parte, aos estudos de Piaget e, mais tarde, de maneiramais estruturada e completa, aos trabalhos de Kohlberg, que
"abriu a possibilidade de um conhecimento científico sobre umaeducação moral sistemática que vá além da doutrinação moral
de um lado e do relativismo moral desinteressado de outro"(LIND, 2000, p.400).
Piaget e Kohlberg não concentraram seus estudos diretamente
na conduta moral, mas no raciocínio ou juízo de valor das
condutas adotadas. Para esses autores, as análises das razõeseram mais reveladoras do que as análises de condutas. Comalgumas ressalvas sobre "um grande número de variáveis
dentro da situação social ou na personalidade do indivíduo que
tem influência sobre essas condutas" (Kohlberg; Candee,1992, p.532), parece haver indicativos nas próprias pesquisas
de Kohlberg e de outros pesquisadores sobre a presença derelações entre conduta e raciocínio moral.
Em seus estudos publicados na obra intitulada "O juízo moral
na criança" , Piaget (1994) demonstra que ocorre ao longo dotempo de vida a construção e evolução da moral, ou seja, ela
se desenvolve progressivamente por intermédio de várias fasese etapas, desde a heteronomia até à autonomia moral. Esses
dois conceitos, extraídos de Kant, referem-se à forma deobediência e não às normas ou regras. Assim, heteronomia
moral é a obediência motivada por controle externo, porinteresse, enquanto autonomia moral é a obediência motivada
por controle interno, na escolha de um princípio aceito comoválido. Em outras palavras, o estágio de heteronomia moral
tem características resultantes de algum tipo de coerção,coação, imposição ou obediência a alguém ou alguma coisa,
mas por causa de medo. O estágio da autonomia moral temcaracterísticas de consciência interna, de entendimento e
aceitação ou não sobre as escolhas que o próprio sujeito faz,sem imposições externas.
Kohlberg (1992), em seqüência aos trabalhos de Piaget, e com
um grau de maior profundidade nos seus estudos sobre
moralidade, considera três níveis hierárquicos dedesenvolvimento moral, cada qual com dois estágios.
O primeiro nível é denominado de Pré-Convencional. No
estágio I desse nível, as ações são qualificadas como boas oumás, dependendo do que tais ações vão acarretar para si
próprio. Respeita-se uma autoridade, que seria inquestionável.No estágio II, as ações denominadas corretas satisfazem as
necessidades próprias ou talvez as de outros. Caracteriza-sepela consciência do relativismo do valor segundo as
necessidades e perspectivas de cada sujeito.
O segundo nível é o Convencional. O estágio III, que faz parte
desse nível, o moralmente bom liga-se à aprovação dos outros.O estágio IV é caracterizado pela manutenção das normas,
respeitando-se as regras e as autoridades.
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O terceiro e último nível é o Pós-Convencional. No estágio V,que inicia esse nível, as leis não são mais válidas apenas por
que são leis, entrando o consenso e a consciência derelatividade entre os valores e as regras. No último estágio
(VI), é moralmente correto seguir princípios fundamentadosem critérios universais de justiça. A orientação como critério
nas escolhas funda-se sobre os princípios de justiça, respeito àvida, igualdade econômica, social e jurídica etc. Portanto, a
orientação transcende as regras de ordem social dada para pora ênfase nos princípios da racionalidade nas escolhas éticas.
Kohlberg (1992, p. 188-189) ainda apresentou para cada
estágio as seguintes perspectivas sociais: I) Não se faz o
relacionamento de dois pontos de vista; faz-se consideraçãofísica dos fatos no lugar dos interesses psicológicos dos outros;há confusão entre a perspectiva da autoridade com a sua
própria. II) Consciência de que todo mundo tem seus
interesses e o correto é relativo, no sentido individualista. III)Consciência de sentimentos compartilhados que tem
preferência sobre os interesses individuais; há relacionamentode dois pontos de vista; não se considera a perspectiva do
sistema generalizado. IV) Há distinção entre o ponto de vistada sociedade e os motivos interpessoais; há consideração
sobre as relações individuais segundo o lugar que ocupam nosistema. V) Consciência individual racional dos valores e
direitos anteriores aos contratos e compromissos sociais;integra perspectivas por mecanismos formais de acordo e
imparcialidade; consideração dos pontos de vista legal e moral,sabendo-se que um pode entrar em conflito com o outro. VI)
Reconhecimento racional sobre a natureza da moralidade ou ofato de que as pessoas são fins em si mesmas e devem ser
tratadas como tais.
Piaget e Kohlberg, baseando-se na universalidade dosprincípios morais e tendo a justiça como critério de regulação
moral, concluíram, entre outros pontos, que o desenvolvimento
moral é influenciado pela aprendizagem formal.
Aos pressupostos de Piaget e Kohlberg, também podemosfazer algumas aproximações com as idéias de verdade,
liberdade e justiça que estão inseridas em Habermas (1999,2003). É uma teoria densa que mereceria maior espaço para
detalhes, mas vamos recortar a seguinte idéia que o autordefende: pode-se pretender que algo seja bom ou verdadeiro
impondo a força ou entrando num diálogo no qual osargumentos dos outros podem mudar sua opinião. No primeiro
caso, há uma pretensão de poder; no segundo, uma pretensãode validade. Quando vencem as pretensões de poder, se aplica
o argumento da força. Quando se abrem às pretensões devalidade, se impõe à força dos argumentos. Por meio da
linguagem, busca-se o consenso de uma forma livre de todacoação externa e interna. A base de toda interação é o
entendimento mútuo pela argumentação e simetria departicipação.
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“Quem participa convictamente numaargumentação tem necessariamente de partir
do princípio de que a situação comunicativa é,em princípio, garante dum acesso público, de
iguais direitos de participação, autenticidadedos participantes, ausência de coacção na
tomada de posições, etc. Os intervenientes sóse conseguem persuadir reciprocamente, se
partirem do pressuposto pragmático de que oseu sim e não se deixam determinar em
exclusivo pelo imperativo do melhorargumento.” (HABERMAS, 2003).
Segundo Gonçalves (1999), o modelo de Habermas traz, entreoutros, os seguintes pressupostos que podem servir de subsídio
ao trabalho docente: i) mobilização do potencial racional para oentendimento; ii) caminhos para proporcionar a formação
crítica dos alunos. A autora ressalta que nesse processo: i) ogrupo se auto-governa e deve estar livre e isento de coação; ii)
cada um oferece ao outro a possibilidade de críticas einterpretações; iii) o caminho a ser percorrido é imprevisível e
de construção; iv) é tentativa permanente para elevar o nívelde argumentação dos participantes.
O desenvolvimento moral no ensino de Ciências: breverecorte retrospectivo
Em análise retrospectiva, vemos que diferentes modelos de
ensino de Ciências não apresentavam evidências de
preocupação com o fenômeno do desenvolvimento moral. Ochamado modelo tradicional de ensino de Ciências, na sua
proposta de transmitir o conhecimento científico de acordo comuma lógica inexistente, por intermédio de métodos expositivo-
demonstrativos, fracionando teoria e prática, serviu-se muito
mais à coerção intelectual. Distante, portanto, da construçãoda autonomia moral. O modelo da redescoberta, da mesmaforma, parecia restringir-se aos fundamentos da heteronomia
moral. A valorização da ciência era destaque e a preocupaçãorecaía no ensino do método científico, mas revestido de
características ingênuas de um perfil inexistente de ciência.Esse modelo pedagógico, aliás, impunha a hierarquização do
conhecimento científico sobre os demais tipos deconhecimento, que eram vistos e difundidos como não válidos,
ou seja, ao aluno não cabia escolha, pois os caminhos do bome do ruim já estavam impostos.
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Os atuais trabalhos de Didática ampliaram-se, mas aindapriorizam o cognitivismo. Astolfi e Develay (1991, p.76)
avançam, apresentando um "quadro de modelo didáticocomposto", no qual o aluno é o centro organizador essencial de
seu saber, sendo função do trabalho didático tornar possível "aevolução cognitiva que se tenta". Integraríamos nessa
composição também os aspectos inerentes à evolução moral.
Para nós, o avanço continua, mas ainda é tímido na interfaceentre moral e ensino de Ciências. Vemos avanços, por
exemplo, no modelo de perfil conceitual de Mortimer (1995)em relação às anteriores propostas de mudança conceitual,
mas há carência de pesquisas e discussões mais específicas e
profundas sobre a interface ensino de Ciências –desenvolvimento moral. E essa lacuna traz conseqüênciastambém aos professores da escola básica, na falta de subsídios
consistentes sobre o tema.
Considerações finais
Mesmo que as considerações dos alunos inicialmente estejamdistantes do conhecimento científico, não será por meio de umambiente cercado de heteronomia moral (como nos discursosexemplificados) que a mudança ocorrerá. No entanto, se o
objetivo for a construção da autonomia moral, prevalecerá o
diálogo, a cooperação e a busca compartilhada de um sensocrítico racional que deixará o aluno mais apto nas escolhas que
fará diante dos vários pontos de vista. Nessa perspectiva, o
ensino de Ciências tem o seu papel preservado junto aoconhecimento científico. No entanto, sem coação e coerção,
explícita ou velada, pois as opções de escolha sempre estarão– e assim deverão permanecer – com o aluno.
Para finalizar, apresentamos dois comentários. O primeiro
refere-se a um esclarecimento: não houve neste ensaio
nenhuma pretensão de defesa de uma ou de outra parte dadiscordância entre evolucionismo e criacionismo, mesmoporque nos posicionamos pela teoria da evolução. Não porque
somos formados em Biologia, mas porque compreendemosracional e criticamente os diferentes argumentos e contextos
que cercam essa temática. Não fomos externamente forçados
a aceitar isso ou aquilo por meio de discursos impositivos e/oucoercitivos. O segundo comentário refere-se à escolha dasnossas referências, que são pautadas em objetivos
educacionais que buscam a autonomia e emancipação dos
sujeitos. Essa escolha já significa que há outras possibilidadese que o assunto não se fecha em si mesmo. No entanto,
encontramos nessa nossa opção bases teóricas consistentesque podem subsidiar o ensino de Ciências, pois a busca da
autonomia moral está ligada, entre outros aspectos, àconstrução de uma visão mais consciente e crítica de ciência.
Nesse caso, o exercício da consciência crítica e racionalpermitirá ao aluno um melhor entendimento sobre o processo
de construção do conhecimento científico, auxiliando nacomparação e diferenciação dos demais tipos de
conhecimentos e, portanto, na sua escolha; sem a obrigaçãodele aceitar esse ou aquele por algum tipo de imposição
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externa. A busca da consciência crítica e racional, nesse caso,tende a jogar a favor do conhecimento científico.
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Sobre o autor
Júlio César Castilho Razera é professor Assistente do
Departamento de Ciências Biológicas (UESB). Mestre emEducação para a Ciência (UNESP). Doutorando em Educaçãopara a Ciência (UNESP). Membro do Grupo de Pesquisa em
Ensino de Ciências (UNESP). Atuou por 15 anos como professor
da Educação Básica da Rede Pública, nas disciplinas de
Ciências e Biologia.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722000000300009&lng=en&nrm%20=isohttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722000000300009&lng=en&nrm%20=isohttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722000000300009&lng=en&nrm%20=isohttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722000000300009&lng=en&nrm%20=isohttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722000000300009&lng=en&nrm%20=iso
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Evolutionism versus creationism in science teaching:beyond controversies between science and religion
Abstract
Evolutionism and creationism are themes that generate a great
deal of discussion, with a prevalence of ´clashes´ between
science and religion. However, this is not the only possible lineof discussion as there are other subjacent and not less
important aspects to that controversy that reach the schooland deserve attention, especially within the scope of science
teaching. Based on a Paulo Freire´s quotation, aside from the
indication of our objectives in the title, we present a briefdiscussion about some aspects of divergences betweenevolutionists and creationists and, also, some possible
pedagogical consequences that lie beyond the science/religioncontroversy. In this way we argue for a lay moral education,
whose main references lay in Piaget´s, Kohlberg´s andHabermas´s studies on sociomoral principles.
Keywords: controversial issues; lay moral education; ethics;
rationality