- voz partitura da ação

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  • 7/25/2019 - Voz Partitura Da Ao

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    YOTIO

    ISBN 8 323 128

  • 7/25/2019 - Voz Partitura Da Ao

    2/67

    t t

    t

    T TU

    ft

    t

    DD-792.028

    I .Partituras 2. Voz

    tulo .

    ndices para ca tlogo sistemtico:

    I . Voz: Representao teatral 792 .028

    Bibliografia.

    ISBN 85-323-06 12-8

    Gayotto, Lucia Helena

    Voz, parti tura da ao / Lucia Helena Gayotto. - So Pau

    lo : Summus, 1997.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao CIP

    Cmara Brasileira do Livro,

    SP,

    Brasil

    97-3245

  • 7/25/2019 - Voz Partitura Da Ao

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    VOZ. PARTITURA DA

    O

    Copyright 1997 by Lucia Helena Gayotto

    Capa:

    Raghy

    Desenho da capa :

    Maria Eugenia

    Proibida a reproduo total ou parcial

    deste livro, por qualquer meio e sistema,

    sem o prvio consentimento da Editora.

    Direitos desta edio

    reservados por

    SUMMUS EDITORIAL LTDA.

    Rua Cardoso de Almeida, 1287

    05013-001 - So Paulo , SP

    Caixa Postal 62.505 - CEP 01214-970

    Telefone 011 3872-3322

    http ://www.summus.com.br

    e-mail:[email protected]

    Impresso no Brasil

    SU R O

    resentao de Lui; Augusto de Paula Souza Tuto 7

    Prefcio de Fernando J. Carvalhaes Duarte 11

    Abertura

    15

    I Ao Vocal

    19

    Uma escuta da voz no palco 19

    Ao na voz .................................................................................. 20

    A voz dentro e fora de cena 21

    A preparao da voz na criao.... .. ....................................... 22

    O movimento da voz em movimento 24

    As caractersticas cnicas na

    ao

    vocaL .................. ............ 28

    Falar agir............................................... .............................. 34

    II Partitura Vocal

    Recursos vocais na partitura 41

    As palavras e sua natureza no texto e na voz .. 48

    Como compor a partitura 52

    III H am Iet . .............................................. ..................... ............... 62

    Passagem pelo Teat r o Oficina 62

    Anlises das partituras 66

    Ophlia 68

    Polnio ;....................... 85

    Hamlet 102

    IV Voz Cnica: Domnio Tcnico Dimenso Criativa 110

    Posfcio de Jos Celso Martinez Correa 118

    Bibliografia 130

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    COL OR DORES

    SUELY M STER

    P S O L D ON EIO

    GR DECIMENTOS

    Adriana da Cunha, Alleyona Cavalli, B ia Gayot to , Fabiane M. Stefani,

    Mura Su

    zana

    Berlau, Marcelo Drumrnond,

    Maria eonor

    da

    unha

    Gayotto,

    Lslie

    Piccolotto Ferreira, Luis Augusto de Paula Souza Tuto ,

    Luis Carlos da Costa Gayot to, Sandra Madureira, Silvia Pinho, Teatro

    Oficina, Vera Lucia Ferreira Mendes, Z Celso Martinez Correa, aos meus

    alunos de voz, a todos os a te res que deliberadamente buscam ao vocal.

    PRESENT O

    com

    a legr ia que apresento este livro de Lucia Helena Gayot to .

    Acompanhei de perto

    sua

    elaborao, assim

    como

    tenho estado prximo

    da trajetria profissional da autora. Conheo a aguda inteligncia, sensi

    bilidade e inquietao da Lucia, e as vejo intensamente investidas aqui,

    seja no trato

    com

    as tcnicas e os conce itos de que lanou mo, seja na

    narrativa e na anlise das experincias que,

    como

    fonoaudiloga/prepara

    dora vocal , desembocaram neste livro .

    Apresso-me em dizer que o leitor encontrarnestetrabalho uma com

    binao de vigor e sutileza na exposio das concepes de voz e de pre

    parao vocal com as quais a autora opera. Combinaoque permite pensar

    e p reparar - de manei ra con sistente e inovadora - a voz para seus usos

    profissionais, mais especificamente para interpretao teatral , mas podendo

    ser til tambm no canto, na locuo, na docncia etc.

    So trs as razes de ser do livro; as razes que se articulam e se

    completam. A primeira a afi rmao de que

    voz

    o

    sobretudo

    se proferida desde os afectos, da capacidade humana de afetar e ser afeta

    do pelo Outro nossa alteridade . Quando assim , a au tora nos mos tra

    que a voz age n o mundo que engendra, tanto em quem a emite quanto

    em quem a ouve.

    A segunda razo diz respeito ao fato de que a

    voz

    sempreoutr

    isto

    ,

    uma

    emisso vocal - a rt iculadaou no - pode ser repet ida. mas nun

    ca de modo idnt ico; ao contrr io , ela traz marcas - mesmo que sutis

    da singularidade de cada situao ou experincia.

    que

    uma

    voz

    com

    ao, para a autora, aquela que arrasta, em seu movimento, as sensaes

    e os estados subjetivos inditos, fazendo

    com

    que ganhem existncia so

    nora e transitem at incidirem e ressoarem no seu destino.

    7

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    A terceira razo da ordem de uma escuta, de um desejo e de uma

    inveno: construir

    sistematizar uma forma de apreender a ao na voz.

    tornando comunicvel sua

    r

    cepo e potencializando seu uso.A autora

    desenvolve, na posteridade de Stanislavski , um operador - a partitura vo

    c l que permite traarcartografias de emisses vocais, para que se possa

    perceber e pensar o quanto, o como e o porqu da ao numa voz em um

    dado momento, bem como suas relaes com a fala, com o corpo e com os

    contextos onde produzida e efetuada.

    Isto j seria o suficiente para atestar a fecundidade do livro, mas, no

    entanto, ainda no tudo. O modo e ascondies que incitaram sua escri

    ta so tambm fundamentais. A gestao do livro veio de um encontro,

    no de um, mas de vrios. Encontro com o trabalho de fonoaudiloga e

    preparadora vocal de elencos teatrais no qual Lucia vai desdobrando sua

    inquietao em relao s concepes de trabalho vocal que isolam as

    tcnicas de preparao e de cuidado vocal dos usos afectivos e de cria

    o de sentido pela voz. Encontro radicalmente importante com oTeat r)o

    Oficina Companhia Teat r)o Oficina Uzyna Uzona) e, por meio deste,

    com Shakespeare ; o que parece ter funcionado omo catalisador das

    transformaes que

    j

    germinavam, culminando, at aqui, no livro e no

    amadurecimento de uma posio e de uma prtica que pem o conheci

    mento tcnico-cientfico da fonoaudiologia a servio da sensibilidade,

    particularmente na criao teatral, mas tambm em qualquer outro cam

    po onde o uso das potencialidades da voz faa diferena.

    O Teat r)o Oficina acolheu a procura e a experimentao de Lucia,

    permitindo que ela mergulhasse namontagem que fazia de Ham-let . Uma

    dupla articulao: de um lado, com uma companhia de teatro aberta

    di

    menso trgica da criao teatral, do desejo e das hibridaes; de outro

    lado, e no por acaso, com um texto visceral de Shakespeare. no qual o

    carter problemtico da existncia humana levado s ltimas conseqn

    cias, e onde o par texto/voz tem papel decisivo, omo alis comum na

    dramaturgia shakespeariana. Territrio mais do que propcio para que a au

    tora espreitasse a ao vocal, em seus mltiplos agenciamentos com o tex

    to, com a montagem, com a direo da pea, com os atarese com o pblico.

    a partir da que Lucia desenvolve sua investigao, dialogando tam

    bm com outros estudiosos da voz e do teatro, entre os quais: Cecily Berry,

    Grotowski, Eugnio Barba e, sobretudo, Stanislavski. Nesta trajetria, ela

    vai tomando explcito e operativo seu conceito de ao vocal e compondo

    as partituras vocais: cartografias e emoes das cenas particularizadas em

    Ham-let , por meio dos modos pelos quais os recursos vocais foram utili

    zados pelos atores.

    O livro corre por fluxos rpidos e insinuantes, num narrativa densa

    e apaixonada. Em ltima anlise, o texto arrebatador porque, atravs da

    8

    ao vocal, toca o in acto ou a vida como processualidade, como algo sem

    pre se fazendo, como um devir permanente. Desta ao a cada vez renova

    da, ele instila a necessidadee o desejo de expresso e de escuta no encontro

    com o Outro; o que implica ir alm do senso comum e do bom senso, en

    trando em contato com aquilo que a autora chamou de foras vitais .

    Diferentes sons, silncios e sentidos nos esperam. Quando nos permi

    timos escut-los, eles contagiam pela msica, pelos rudos e pelos ecos de

    uma voz que no apenas suporte para estruturas lingsticas convencio

    nais e utilitrias, antes um sopro/linguagem afectivo que, quando entra em

    ao,

    tem o poder de engravidar engendrar vida) tambm a lngua e a fala.

    Lui; Augusto de Paula Souza Tuto)

    SP/outono/1997

    9

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    PR F IO

    Em

    oz artitura da o

    assis timos a um ritual de conta to:

    uma

    fonoaudiloga, consciente de seu ofcio a emisso da voz) mergulha no

    teatro de Z CelsoMartinez Correa. Um ritual em que o domnio do fisio

    lgico, do trabalho com os recursos vocais ultrapassado , ou melhor,

    expandido. companhamosno texto todo o percu rso que Lucia Helena

    atravessa, ao entregar-se experincia teatral, na busca de sua atuao

    profissional

    como

    preparadoravocal de atores. Os captulos abrem-se

    como

    fases deste ritual : antes da emisso da voz para a qual Lucia Helena re

    torna apenas no final) , preciso escutar... E aqui ela segue r isca o pre

    c ei to do p rpr io Z Celso para seu teat ro de Relao ): o t exto todo

    reveste-se desta entrega a uma escuta ingnua, noenvenenada.

    Uma escuta, digamos, no muito fcil: a produo da voz neste teatro

    sempre mutante, sempre parte de aes instauradoras e disruptoras ...

    Teatro de presentificao, no qual a constante mutao essencial. Fato

    para o qual Lucia Helena sempre retoma, em todos os instantes do texto, e

    toma inclusive como tema de sua concluso: a nfase dada transitoriedade

    da voz nunca

    em

    demasia) alerta para um paradoxo inexorvel que existe

    entre a variao do fluxo vocal e a tentativa de fix-la .

    Depois da escuta, a ao. No texto h sempre um espelhamento: a

    vivncia pessoal sempre intercalada com a progressiva conceituao de

    ao vocal e par ti tura vocal , um conce ito central e de

    sua

    aplicao

    prtica. A delimitao se d

    em

    um percurso no qual Lucia Helena se vale

    de outras experincias teatrais. Neste contraponto

    com

    outros preparadores

    vocais, diretores, atores, so traadas analogias e semelhanas com sua

    vivncia no Oficina, e, a partirdelas, a busca vai tomando corpo. O objeti-

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    vo cientfico , digamos, se fazer valer desta experincia singular e cami

    nhar para uma generalizao do trabalho do preparador vocal no teatro.

    Neste contraponto a ao vocal aparece primeiro como registro do

    trabalho pessoal de Lucia Helena com os atores do Teatro Oficina e de

    pois generalizada (o termo em si conjuga Stanislavski e Eugenio Barba:

    ao fsica , ao sonora ). Interveno na dinmica cnica, confluncia

    de recursos vocais e foras vitais do ator, resultante de sua interao e

    contracenao, a ao vocal depois utilizada como um conceito para

    que melhor se entenda /escute a voz do ator, no que ela tem de especfico.

    A partir dele uma interface proposta, para o qual converge a ativida

    de da fonoaudiloga, da preparadora vocal: a partitura vocal . Traos so

    noros presentes em umaaovocal so detectados e transcritos.As diversas

    modulaes vocais tornam-se elementos de uma gstica vocal (na medi

    da em que o corpo, em seus gestos, se deixa transcrever.. .) . A partitura

    vocal surge a partir do ator (como resultado final de vrias fases de trans

    cries : partitura do papel , partitura interior ...), e volta para ele. Misto

    de registro e elaborao, ela se define como uma ferramenta de trabalho,

    tanto para o preparador vocal quanto para o ator: o desejo da ao vocal

    leva elaborao da partitura vocal e vice-versa . A linearidade da notao

    (um mapeamento de gestos, univocamente transcrito) apenas aparente: a

    partitura vocal o instantneo de uma possibilidade...

    Voz. Partitura da Ao uma contribuio tanto para os profissionais

    da voz, em

    especial para

    atores

    quanto para fonoaudilogos e ou

    preparadores vocais. No h, no Brasil, uma tradio do trabalho tcni

    co da voz do ator. Esta ausncia talvez responsvel pela constante cr

    tica emisso vocal dos atores brasileiros: h uma rejeio tanto ao modelo

    de ressonncia historicamente proposto (confundindo necessidades acs

    ticas da voz de palco com a dico encasacada da ernpostao ) quan

    to ao t rabalho f is io lgico com os recursos vocais v isando uma

    ortofonia ...

    Neste ritual de aproximao entre o ofcio do fonoaudilogo inter

    pretao teatral , Lucia Helena vai paulatinamente chegando s sedutoras

    descries de trs aes vocais individuais. Falas cnicas de Ham-let

    uma montagemdo Teat(r)o Oficina, uma ao teatral vivenciada comopon

    to de partida e de chegada do texto. Acompanhamos as cenas, e os instant

    neos sonoros as tornam presentes: Ophelia , Polnio e Hamlet. Aes,

    partituras e ... a voz do ponto de vista fisiolgico. Chega-se no ltimo cap

    tulo descrio das vozes de Alleyona Cavalli, Pascoal da Conceio e

    Marcelo Drummond, atores que presentificaram os papis, e s interven

    es da preparadora vocal.

    O percurso de Voz. Partitura da

    do teatro teraputica vocal,

    reflete o percurso inverso daquele vivido pela autora. No final, o texto

    verte-se sobre o indivduo, sobre a totalidade que refletida pela voz que

    verdadeiramente singular (fazendo uso aqui de idias de Edson da Cunha

    Swain, o dentista-filsofo , como quer Jos Miguel Wisnik). Saindo do

    ortodoxo e caminhando para o paradoxo, acompanhamos a passagem de

    uma ortofonia em direo a uma para-fonia . Esta sim realmente huma

    na e universal. A in-vocao por ltimo, e antes da leitura: Eureka Evo

    Fernando

    Carvalhaes Duarte

    3

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    ERTUR

    A voz interfere nas situaes da vida quando realizada como ao. Esta

    pode ser uma busca deliberada para o falante e especialmente tambm

    objetivo para o profissional da voz: atar cantor locutor executivo poltico

    professor e advogado entre outros. Uma voz que com ao escancare os

    desejos conquiste as intenes no texto e se dirij a aos propsitos de cada

    profissional se realizando como movimento vivo e transformador.

    Foi nesta ptica que comecei a perceber a voz mais especificamente

    a do ator. Como fonoaudiloga era habitual em terapias e/ou treinamen

    tos o e nf oq ue nas necessidades vocais bsicas para se estar no palco:

    aspectos como articulao e projeo; e na sade vocaldo atar.Ma s par

    ticipando de montagens de espetculos teatrais como preparadora vocal

    de elencos acompanhando todo o processo criativo desde as primeiras

    leitura s e ensaios at a estria do espetculo ficou claro que al m de

    cuidar da vo z dos atores e da r conta da s suas necessidades deveria inter

    vi r na construo vocal de seus personagens acrescentando este trabalho

    quele habitualmente realizado.

    Assistindo a espetculos notei que algumas vezes a voz e stava sinto

    nizada com as caractersticas do personagem mas a manei ra de us-la

    podia ser prejudicial ao ator; em outras ela cumpria as necessidades bsi

    cas para o palco mas estava distante das situaes vividas pelo persona

    gem muitas vezes incomodando o e sp ec ta do r que no via e m c ena uma

    person

    e a inda ca sos em que o a tor po upa va sua voz na tenta tiva de

    preservar a sade no se permitindo experimentar novas possibilidades

    de emi sso. Por todos estes n gulo s de e sc ut a ha via uma falta que me

    inquietava conduzindo-me s questes: Como trabalhar a voz colocan-

    15

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    do-a no apenas a servio do ator mas tambm do personagem? Como

    concretizar as

    aes vocais

    no texto falado? E muitas outras.

    Observando vozes bem trabalhadas cenicamente, notei que a emis

    so se afinava com a si tuao da cena e com as aes do personagem;

    eram vozes criadas a partir das exigncias da pea, atuando decisivamen

    te na trajetria do espetculo.

    O desejo de que os treinamentos de voz fossem engendrados pelo

    processo criativo foi, aos poucos, clareando o que era ao vocal: a voz

    como arma de primeira necessidade para o ator, devendo interagir com

    as situaes cnicas sugeridas pelo texto, pela encenao e na relao

    como pblico. O primeiro captulo deste livro, Ao Vocal traz a semente

    desta dimenso a partir de uma certa escuta da voz no palco.

    Neste contexto, os enfoques do trabalho de voz - necessidades b

    sicas para o palco, sade dos atores e a construo dos personagens

    fundem-se, sendo viabilizados e priorizados pela noo de que a voz

    uma ao que faz diferena quilo que est sendo encenado. O preparador

    vocal participa como um facilitador na procura de caminhos para se al

    canar e exercitar ao vocal.

    Na busca de mapear e praticar ao vocal absorvi, durante ensaios

    de peas, o trabalho de interpretao. Observando as anotaes que os

    atores fazem no seu texto, elaborei, a partir da, um registro da voz cnica,

    o qual nomeei

    rtitur

    Vocal.

    O captulo II desenvolve este registro/mapa da

    ao vocal

    de maneira

    associada s anotaes da partitura do papel , feita pelos atores no texto

    teatral, que uma referncia importante de trabalho interpretativo no texto.

    Este captulo apresenta ainda os

    recursos vocais

    escolhidos para anlise das

    partituras e como trabalh-los em qualquer fala, texto, discurso.

    Esta partitura

    da voz falada mais uma contribuio a umtema que

    tem sido objeto de interesse de autores nacionais e internacionais. Definir

    ao vocal

    e mostrar como ela se d navozdos atores, por meio da anli

    se de

    partituras

    abre um campo de interveno e de compreenso da voz,

    trazendo subsdios ao trabalho de preparao vocal, assim como instru

    mentaliza o ator na criao de seus personagens.

    A prtica da

    ao vocal

    e a utilizao da

    partitura

    no se limitam ao

    ator e ao texto teatral, podendo ser aplicadas a qualquer profissional, em

    sua criao express iva, ampliando tambm o

    mpo

    de a tuao do

    preparador vocal, seja ele fonoaudilogo, diretor, ator, professor de orat

    ria ou cantor.

    O terceiro captulo, Ham-let iniciado por minha trajetria no

    Teat(r)oOficina, pois a concepo departitura vocal foi retrabalhada quan

    do fazia preparao vocal com o elenco da Companhia Teat(r)o Oficina

    Uzyna Uzona. Aqui,

    partituras vocais

    de trs personagens - Ophl ia ,

    16

    Polnio e Hamlet - so expostas e analisadas, a partir da emisso de

    atores desta Companhia, na montagem da pea Ham-let dirigida por

    Z Celso Martinez Correa. As anlises so referenciais importantes para a

    elaborao de

    partituras

    por profissionais da voz e preparadores vocais,

    pois como so feitas luz da concepo de ao vocal estabelecem liga

    es entre as caractersticas da voz e de suas situaes cnicas na interpre

    tao.

    O captulo Voz cnica: domnio tcnico, dimenso criativa encerra

    o livro. Nele, a preparao vocal e a interpretao do ator so (re)visitados,

    fazendo da tcnica e da criao vocal cmplices para a concretizao do

    trabalho da arte teatral.

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    OVO L

    UM

    ES UT D VOZ NO

    P L O

    Ouvi muitas vozes em cena. Absorvi atenta as substncias da voz

    seus movimentos e diversidades. Fui percebendo que ouvir os

    re ursos

    vo is isoladamente no dava conta daquilo que atravessou meus senti

    dos que era com certeza misto destes re ursos com outros elementos da

    interpretao e das sensaes que estes provocavam. Esta escuta permitiu

    um refinamento no qual a audio reconhece ao mesmo tempo as carac

    tersticas da voz e sua relao no plano das afeces. Neste estado de

    escuta o tom e a inteno as pausas e o subtexto o volume e a situao

    convergem num fluxo necessrio de ao na voz.

    Sinto que nos momentos em que ouo uma emisso vocal de qualida

    de sou arrebatada por uma espcie de esquecimento de mim como se

    fosse envolvida por uma trama invisvel e s depois que me dou conta

    de aquela ter sido uma boa interpretao vocal. Importa no haver ru

    dos interferindo nesta situao. Esses instantes tm algo de pleno em si.

    Estamos na verdade mergulhando no universo da criao artstica onde

    a conscincia entrega-se complacentementea umprazer esttico e se religa

    a algo vital. Esta voz faz parte do personagem interpretado acolhe meus

    sentidos me abre para devires em cena. Sua tenso seu silncio seu

    desejo so apropriados pelo ator e por quem o ouve

    como criao

    como algoque est nascendo. Uma voz em movimento que no igual ao

    que foi ontem; est presente h pouco agora e cria o novo a cada minuto;

    j um depois.

    do eco desta situao que brota a elaborao do meu

    trabalho de preparao vocal.

    19

  • 7/25/2019 - Voz Partitura Da Ao

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    A voz que comecei a ouvir, rep aro, a voz que me afe ta, me trans

    porta, me transforma.Age sobre mim. Eu j sabiadisso, mas quanto mais

    assistia, com esta esc uta aberta para a dimenso criadora, mais sent ia, por

    assim dizer, todo meu corpo escutar. Minh a gargalhada, minha lgrima,

    minha revolta, meu desejo, minha indignao, minha surpresa, eram vi

    braes produzidas tambm por um ntata fsico invisvel, que ocorria

    quando havia ao na fala do atar.

    AO VOZ

    o

    f ato de no haver sintonia entre palavras atas e sentimentos.

    to rna o homem no s e scravo das palavras mas t

    m

    m

    escravo das convenes que as criame por isso mesmo escra-

    vo do

    sentir

    in

    ju

    sto mio conseguindo expressar seus prprios

    sentimentos.

    Rosa Maria Dias

    No trabalho de preparao vocal pode haver abertura para o atar in

    ventarexistncias na construo da voz do personagem, quando (re)pensa/

    (re)vive pela voz a sua natureza. Porm, nem sempre a voz do atar se

    atualiza, no sentido de ocorrer renovada a cada momento, em cada novo

    espetculo. Algumas vezes somente a reproduo de uma padronizao

    ou estereotipia de voz, uma voz anestesiada pela rotina ou reificada numa

    couraa, e no uma voz viva , isto , (re)criada diariamente nas suas rela

    es cnicas.

    Trata-se, ento, de int

    erf

    erir nesse padro de voz, que tantas vezes

    somente a reproduo mecnica de um mesmo tipo voca l para persona

    gens e situaes diferentes, e possibilita r a elaborao de novos modos de

    emisso no trabalho de preparao vocal. Ao atar cabe mant er o fresco r

    de sua criao nos ensaios e nos espetculos, que podem ocorrer dezenas,

    centenas de vezes.

    Ouvi r a dimenso criadora da voz do ator um deixar-se afetar por

    uma ao vocal que se constitui, a um s tempo, de recursos vocais e de

    foras vitais .

    Recursos vocais

    entendido como tudo o que se dispe para falar,

    compreendem: os recursos primrios da voz - respirao, intensidade,

    freqncia, ressonncia, articula o; os recursos resultantes que so di-

    nm icas da voz - projeo, vo lume, r itmo, velocidade, cadncia,

    entonao, fluncia, durao, pausa e nfase. Estes recursos combinados

    1. Dias. R.M.

    Nietzsche e a msica.

    Rio de Janeiro: Imago. 1994.

    20

    expressam as intenes e/ou os sentidos vocais na emisso. Foras vitais

    expresso empregada por Nietzsche, so aquelas por meio das quai s se

    opera a relao sensvel com o mundo, fundamentalmente no que permite

    a expanso da vida em seus vrios planos. Dizem respeito, por exemplo,

    ao querer, ao imaginar. ao conceber, ao atentar, ao perceber... No caso da

    voz, tais for as sustentam e fazem com que esta venha ton a instigada

    pelas sensaes, afetos, vontades, desejos.

    A

    v

    ENTROE FORAE ENA

    Me lembro do eco como uma das primeiras coisas da minha me-

    mria mgica.Como era possvel aquela voz que ret

    om

    ava e que

    se

    p r

    ecia com a minha ? Ficava pensando num interlocutor dis-

    tante que me sacaneava repetindo tudo que eu fa lava e passava

    horas divertidas me reouvindo. Hoje quando vejo ecoar no outro

    aquilo que fal o. no deixo de pensar no quanto mgico isto .

    Acho

    quefoi d

    que veio essa minha vontade de ser ato

    O

    dese-

    jo de que o eco fosse uma companhia. A troca do que se fala com

    o que se ouve.

    O atorf l

    e ouve o que o pblico ouviu.

    Pascoal da Conceio

    A voz do atar ganha em cena ajustes que esto ligados a mudan as

    no uso dos recursos vocais integr ados s situaes do personagem , em

    sua trajetria no espetculo. Como, ento, compreender e treinar os re-

    cursos vocais em cena?

    comum tais questes surgirem durante a preparao vocal no tea

    tro, na elaboraojunto ao ator de uma ou vrias vozes

    cnicas.

    Na cons

    truo vocal do personagem muitas vozes so possveis, at asconsideradas

    esteticamente desagradveis ou mesmo com caracterstica s semelhantes

    voz disfnica. O atar, por sua vez, precisa estar disponvel durante seu

    processo criati vo, desde as primeiras leituras da pea at a estria,a inves

    tigar vrias maneiras de expressar vocalmente o personagem na monta

    gem do texto teatral.

    Na busca da voz do personagem seria desejvel que nenhuma restri

    o fosse imposta, possibilitando o mximo de experimentaes pelo atar.

    2. Qualquer dificuldade naemisso vocalque impea a produo natural da vozcontigura

    uma disfonia.Essa dificuldade pode ser expressa atravsde uma srie ampla de alteraes. como

    esforo

    emisso. diticuldade em manter a voz. cansao ao falar. variaes no tom habitual.

    rouquido. falta de

    projc o

    adequada. etc.

    Behlau, M. ; Pontes. PA. L. Avuliuo global da voz. So Paulo: Paulista Publicaes M

    dicas. 1992. p.17.

  • 7/25/2019 - Voz Partitura Da Ao

    12/67

    Teoricamente, pode-se at idealizar estados propcios manifestao vocal,

    porm na prtica o que se v que os recursos vocais apropriados para o

    palco, os possveis distrbios vocais decorrentes do seu ofcio e a construo

    vocal do personagem esto mesclados, num momento ou noutro, naprepara

    o vocal - nos treinamentos com elencos teatrais ou em fonoterapia.

    Neste trabalho necessria a procura de entradas que permitam

    conjugar a interveno na voz do ator e na do personagem, percebendo

    suas especificidades e penetrando na zona que funde os recursos fisiol

    gicos com as

    f oras vitais

    na produo vocal.

    Este encontro, evidentemente , pode se dar, sob certas circ unstncias,

    na voz de qualquer pessoa e, por isso mesmo, ocorre tanto na voz cnica

    quanto na voz no-cnica do atar. A diferena na produo de voz no

    teatro que neste h a busca deliberada, intensificada e sistemtica de

    promover, o mais possvel, este encontro na construo dos personagens.

    Quando na emisso da voz cn ica se fundem as ras vitais e os

    recursos vocais tem-se o que ser chamado de ao vocal : a voz interfe

    rindo decisivamente na situao cnica e, conseqentemente, afetando os

    rumo s do espetculo e atando o espectador.

    PREP

    R

    A DAV Z N RI

    inevitvel todo atar passar pelo momento em que ele perde a

    voz vrias vezes mas se ele tem conjugado com isso todo um

    trabalho cientfico e potico ele novamente aprende a fa la

    a

    balbuciar de novo... Eu acho que a voz uma coisa que cada

    pea inventa cadapea talvez derrube as vozes que existem cons

    truindo outras sendo necessrio aprender afala r tudo de novo.

    Z Celso Martinez Correa

    Na perspectiva fonoaudiolgica, o trato com a sade vocal do ator e com

    a construo vocal de seu personagem

    s

    vezes realizado separadamente,

    como se fossem universos distintos: o trabalho restrito ao aprimoramento dos

    recursos vocais - atuao mais tradicional da fonoaudiologia - funciona

    apenas como um suporte construo criativa dos personagens - trabalho

    do diretor e dos atores. Na verdade, pude perceber que no se trata nem de se

    limitar ao aperfeioamento dos recursos vocais

    e nem de tom-los exclusiva

    mente como suporte fisiolgico atividade teatral propriamente dita.Trata-se

    3. Este trecho faz parte da ent revista que me foi conced ida pelo diretor teatral Z Celso

    Martinez Correada CompanhiaTeat(r)o Oficina Uzyna Uzona, em 1994, durante a temporadad a

    pea Ham-let dirigida por ele.

    22

    de preparar a voz, desde o incio, articulando a sade vocal do ator com a

    realidade e a necessidade de seus usos cnicos e, mais do que isso, trata-se de

    trabalhar os recursos vocais implicados na criao.

    Este caminho vem fazendo om que minha atuao como preparado

    ra vocal situe-se na interseco de dois campos: o tcnico-cientfico e o

    teatral, colocando o primeiro a servio das exigncias ticas e estticas do

    teatro, especialmente na criao vocal dos personagens e na preservao

    e promoo da sade dos atares.

    Trabalhar a voz cnica envolve, muitas vezes e ao mesmo tempo, o

    treinamento de atares que fazem abuso ou mau uso vocal, o trabalho om

    as necessidades vocais par ao palco e a construo voca l do personagem;

    e isto pressupe o conhecimento da voz nas circunstncias cnicas e nos

    entrechos emocionais especficos s suas cenas.

    O conhecimento necessrio a essa preparao seria similar ao da voz

    do ser humano em diferentes circunstncias da vida cotidiana fora do

    palco? Ou seja, este conhecimento seria equivalente ao da voz no-cnica

    do ator? H, obviamente, semelhanas entre as duas vozes, mas tambm

    dif

    erenas bsicas entre a produ o da voz no-cnica e da voz cnica do

    ator. As exigncias fundamentais de projeo no espao e articulao na

    emisso da voz cnica diferem da no-cnica, na qual, por exemplo, as

    condies de espao so outras. E tambm, por outro lado, a exibio de

    uma variao emocionalconstante exige ajustes vocais cnicos que trans

    gridam a voz habitual, do dia-a-dia, e isto est diretamente ligado

    vivncia que o ator ter de seu personagem.

    A trajetria da construo vocal do personagem vai se delimitando por

    intermdio de um estudo aprofundado feito pelo atar. Este estudo se d em

    vrios nveis, em prticas corporais e vocais e na investigao das emoes

    e intenes do personagem que o ator quer encarnar. Quanto mais instru

    mentalizado o atar estiver para revel-las por meio da voz, mais poten

    cializado estar para manifest-las naquele personagem especfico.

    H um movimento do t r

    buscando expressar-se vocalmente na

    presentificao de seu personagem, que vem estruturado pela escrita de

    um autor; pelo texto atravessado por conjunes de situaes diversas;

    por um personagem que realiza um caminho prprio dentro dessa hist

    ria; pela direo e pela interpretao do ator em sua poca.

    Desta maneira, cada som, cada palavra deste personagem - ou

    poderia ser - embebida por sua singularidade, situada na contracenao

    om os outros atores e om o pblico ouvinte/atuante.

    Ao t r no dado o direito de repetidamente todas as noites reci

    tar uma melodia petrificada, entoada por uma curva de estereotipia cni

    ca. Em movimento permanente deve manter sua voz viva , em harmonia

    23

  • 7/25/2019 - Voz Partitura Da Ao

    13/67

    com o espetculo e com o pblico. Ele no ouve apenas a sua voz, mas

    ouve agora a voz do pblico.

    Nesta perspectiva, vai se definindo uma voz cnica ativa, uma

    ao

    vocal

    plugada no contexto cnico. Ela se constitui com atitude, porque

    no representa meramente o personagem ou a histria da qual faz parte,

    mas faz (a) his tria em seu movimento vivo: recria quando interpreta,

    multiplicando, ao mesmo tempo, as possibilidades vocais quando diaria

    mente revive sua trajetria.

    O trabalho de treinamento vocal do ator deve ser referenciado por

    ae

    s

    vocais

    nas quais o uso atualizado da voz est mais presente e fala da neces

    sidade de sintonia entre evocao, atos e sentimentos e, portanto, de uma

    linguagem veraz. Pressupe um adentrar do ator na voz do personagem,

    que , assim, vivenciada por ele e present if icada- aos vivos - e no mera

    representao de um tipo vocal.

    um pensar sobre si, numa constante

    transmutao vocal. Neste estado ele, misteriosamente, idntico quela

    imagem do conto de fadas que pode revirar os olhos e ver a simesma; ele

    agora, ao mesmo tempo, sujeito e objeto, poeta, ator e espectador.

    oMOVIMENTO

    VOZ

    EM MOVIMENTO

    difcil acharuma extravagncia na linguagem uma msica que

    valm de seu uso cotidiano e acho que a sada tem de ser atra-

    vs de uma forma de liberao fsica: eu no estoufalando de

    movimentos amplos mas simplesmente da conscincia de que as

    palavras so em si mesmas movimento

    -

    e isto bastante sutil.

    Parece me mais apropriado expressar grandes emoes atravs

    da dana e do canto do que

    por

    meio das palavras e inflexes

    que usamos no cotidiano; ento temos queficar atentos s nossas

    atitudes no trabalho prtico que nos ajudaro a conquistar esta

    liberdade.

    Cicely Berry

    4.Chacra, S. Natureza e sentido da improvisaco teatral. So Paulo: Perspectiva, 1983, p.62

    5. Nietzsche, apud Dias, op. cit., p.43.

    6.BerryC.

    The actornd the t xt

    Nova York:AplauseTheatre Books, 1992, p.23.

    It

    is difficult to find an extravagance in language, a music wich is perhaps beyond our

    everyday usage, and I think the answerhas always tobe through some form of phsysical release:

    am not talking about large movements, but simply anawareness that the words are themselves a

    movement- and this isqui te subtle. It would seem more appropriate to express large emotions

    through dance and song than through the words and inflections that weuse every day,so we must

    now look at our attitudesto the praticaI work that will help us through to this freedorn,

    As citaesdiretasde livrosem ingls, usadas neste livro,foram traduzidas livremente pormim.

    4

    O ator fala. Todos ns falamos. Muitas vezes nos repetindo, no nos

    arriscando em novas possibilidades de movimento vocal. Quando traba

    lhei, em dana, as dinmicas de movimento descritas por Laban,? percebi

    que conhecer e experimentar o movimento de sacudir, flutuar os braos,

    pontuar partes diferentes do corpo e outras dinmicas era fundamental

    para minha dana e, mais do que isto, importante para a relao do meu

    corpo em seus movimentos, na descoberta de suas potencialidades. Mais

    tarde, trabalhando a voz dos atores e a minha tambm, reparei que podia

    brincar com as dinmicas e ritmos da voz, o que se afinava ao conheci

    mento e ao experimento dos

    recursos vocais.

    Nesta vivncia, elaborando

    palavras, sons, textos, percebi que a emisso era em si movimento, ou

    potncia de movimento. Mas, em qualquer situao de fala, os movimen

    tos dos

    recursos vocais

    no podem ficar fechados em si, ou seja, a mobi

    lidade pela mobilidade; precisam ser objetivados.

    Ento, nos treinamentos vocais com atores, este pressuposto ficou

    transparente, pois a voz em cena no pode ser simplesmente o mover-se,

    o vir tuos ismo vocal. No sufic iente para o ator ter um vozeiro . No

    palco, a voz tem de ter fora para fazer a cena, estarem situao. Da que

    todo o leque de possibi lidades de movimento da voz, no uso de seus

    re-

    cursos

    deve ser vivido por quem trabalha a voz profissionalmente e, para

    alm disso, experenciado como ao vocal.

    Quando o ator fala no palco assume uma outra postura, tomada por uma

    energia intensificada, diferente da vida cotidiana, passando a um outro esta

    do . Revela,

    a,

    o que j era a priori visvel seu corpo e sua voz mas

    que pela acentuao de diversas dinmicas (re)conhecido em sua nova dis

    posio cnica.

    Nesta outra postura, a voz deve ser

    oo.

    tanto na sua componente semnticae lgica quanto na sua componente sono

    ra , uma fora mater ia l, um verdadeiro a to que pe em movimento, dir ige, d

    forma, pra. Na verdade, pode-sefalar em aes sonoras que provocamuma rea

    o imediata naquele que at ingido. Como uma mo invisvel , a voz parte do

    nosso corpo e age, e todo o nosso corpo vivee participa desta ao. O corpo a

    parte visvel da voz

    oo.

    A voz o corpo invisvel que opera no espao. No

    existem dualidades, subdivises: voz e corpo. Existem apenas aes e reaes

    que envolvem o nosso organismo em sua totalidade.

    Por meio de seus ensaios, o diretor teatral Eugnio Barba comeou a

    usar o termo ao sonora e observou a relao entre a dimenso fsica e as

    foras vitais:

    7. Laban, R.

    Domnio do movimento.

    Trad. AnnaM.B. deVecchi, Maria S.M. Netto. 2.ed.

    So Paulo: Summus, 1978.

    8. Barba, E lm das ilhas flutuantes. Trad. Luis Otvio Burnier. So Paulo/Campinas:

    Hucitec/Editora da Unicamp, 1991,p.56.

    25

  • 7/25/2019 - Voz Partitura Da Ao

    14/67

    Aquilo que para n s, anteriormen te, tinh a sido um postulado: a voz um pro

    cesso fisiolgico - tomou-se, ento, realidade palpvel que engajava o organismo

    inteiro e projetava no espao.A voz era um prolongamento do corpo, que atravs

    do espao golpeava, tocava, acariciava, cercava, empurrava ou sondava

    distn

    cia ou a poucos centmetros.

    Isto significa perceber a voz como

    uma

    fora cni ca capaz de modi

    ficar a situao, os atores e o pbli co. Cicel y Berry,' no seu trabalho de

    preparao vocal, fala: Depois que as palavras so ditas, nada permane

    ce exatamente igual . E pro ssegue afirmando que , em treinamentos com a

    comp

    anhia do diretor Peter Brook, repentinamente apercebeu-se de

    com

    o

    era

    importante pensar so bre as palavras desta maneira, visto que elas se

    tomam

    uma fora ativa, no somente para o atar, mas tambm para os

    vrios personagens interpretados.

    O diretor teatral Z Celso Martinez Correa. '

    re f

    erindo-se a Stanis

    lavski, diz:

    o desejo sai pe lo sopro , o sop ro passa pela corda e a co rda toca a fala, phala

    inclusive com ph, a fala flica. Stanislavski t

    amb

    m falava bonito isso, que era

    necessrio voc soprar no sopro a ao, para a ao acontecer na ao da fala,

    para a fala agir tambm, para fala caminhar, para fala

    interf

    erir, parafala ter vida,

    ter tanta vida que ela vai virando ritmo, que ela vai virando msica.

    A voz ganha uma qualidade de movimento, pois age no acontecimento

    cnico. A fala vem acompanhada pelo percurso do personagem , no qual,

    por exemplo, o p ice de uma projeo de voz tambm um momento

    emotivo culminante do personagem.

    Normalmente aumentamos a energia do som, o v

    olum

    e, sem estarem equilb r io

    com a energia ve rba l do personagem.

    Ago

    ra , a energia r

    equ

    erida para co m

    part ilhar a voz com um gra nde nmero de pessoas soment e em parte tem a ver

    com

    volume , mas tem tudo a ver com como ns pre enchemos as palavras de

    sentido.

    Assim, os

    recursos vocais

    podem ganhar uma amplitude que, quan

    do acontece, corporifica o personagem e ata o pblico . O ator, neste esta

    do, capaz de perc

    eber

    plenamente esta atmosfera.

    Por

    exemplo,

    9. Op. cit., p.62.

    10. Berry, op. cit. , p.20.

    After words are spoken, nothing is quite the sarne again,

    11. Op, cit.

    12. Berry, op. cit ., p.21.

    ln fact we increase the sound energy, the volume, but do not increase lhe verbal energy to

    balance with it. Now lhe energy required lo share with a large number of peopleis only partly to

    do with volume. but i t is ali lodo with how we fillthe words themselves.

    quando per

    guntar

    am a Tommaso Salvini como que ele, com sua idade avana

    da, encontrava foras para gritar com tanto vigorem certo papel ,e le retru cou

    Eu no grito, vocs que gr itam em meu lugar. Eu somente abro a boca . A

    minhafuno levar gradualmente meu papel at o seu ponto culminante e de

    pois disso fei to . o pblico que gr ite, se sen ti rque preciso.

    Falar em intensidade fort e no palco, ento, no deve ser somente

    necessidade do

    atar

    , mas principalmente, e ao mesmo tempo, dirigido aos

    propsitos do personagem, pois as palavras devem vir esposadas pelos

    contextos.

    Neste sentido, na voz do atorh uma necessidade de ao, de uma fala

    penetrante , na qual os recursos vocais so elaborados de maneira abrangente.

    Ela deve resultar na criao ou modificao da realidade, como gerador de

    impacto sobre algum ou alguma coisa, que toma atitude, faz acontecer.

    Comunicar-se em cena pressupe agir sobre o outro

    por

    meio de uma

    linguagem que a lm de representacional, comunicativa e expressiva,

    componente na criao do real, na produo de sentido (

    .,, 4

    O conceito de ao vocal pretende uma emisso

    em

    aco rdo com a

    ao cnic a e no uma voz apenas dramatizada, distante da realidade do

    texto. Ela deve ser con struda em harmonia com a cena, para que seefetue

    como acontecimento expressivo concreto, vivo, que fuja dos clichs vo

    cais vazios de sentido, contendo

    em

    si mesma todos os elementos do per

    sonagem: psquicos, culturais, situacionais, corporais.

    Quando ocorre de fato, o ouvido do ator, atento expresso, se reco

    nhece na voz, em seu desenho meldico .A audio satisfeita refora o ato

    da fonao em acordo

    com

    o personagem. Mas se, ao contrrio, houver

    uma dissonncia entre a produo vocale o personagem, isto leva habitual

    mente a um padro estereotipado de emisso. Assim, a ima

    gem

    do perso

    nagem apresenta-se aos olhos do pblico tecida, tambm, pelos recursos

    vocais que revem e completam sua natureza.

    A ao vocal se d tambm num plano invisvel, mobilizando sensa

    es, impresses. Desloca-se no apenas fisicamente, atravs de ondas sono

    ras, maspelos sentidos e afetosque provoca noencontro entre os personagen s,

    e destes com o pblico. Deve comunicar as nuanas mais impalpveis do

    pensamento e dos sentidos.

    As palavras de um texto pos

    suem

    ilimitadas possibilidades de movi

    mento, assim como o mover-se corporalmente. Um enunciado, um texto

    13.Stanislavski, C.

    construo da personagem

    Trad. Pontes de Paula Lima. 4. ed. Rio de

    Janeiro: Civilizao Brasileira, 1986, p.171.

    14. Souza, L.A.P. Linguagem, representao e alteridade.

    Cadernos de Subjetividade

    So Paulo. Ncleo de Estudos e Pesquisas da Subjetividade , Programa de Estudos Ps-Graduados

    em Psicologia Clnica da PUC-SP, v.2, n.1 e 2, p.79-86, mar.lago. -

    set.zfev,

    p.80.12.

    27

  • 7/25/2019 - Voz Partitura Da Ao

    15/67

    inteiro, podem e devem ser elaborados como ao vocal pois a pal avra

    destituda de situao pe rde vigor.

    Realizar ao vocal amplia o uso dos recursos vocais na criao, ou

    seja , abre as combinaes e possibilidades de movimento da voz em cena,

    prtica essencial para o ato r e para o preparador vocal.

    R

    TERST

    I S

    CtNICS

    N O VO L

    (...) necessrio fa lar de aes sonoras exatamente

    COl

    sefa la

    de aes fisicas

    (...)

    Este tecido das aes sonoras

    -

    em conflito

    mtuo complementaridade e contraponto - se entrelaa com o

    tecido das aesfisicas das situaes (...).

    Eugenio Barbai;

    No comeo deste sculo, fez muito sucesso em Moscou a montagem

    do espetculoAs trs irms , texto deTchecov, com direo deStanislavski.

    Sucesso que fez com que a pea se mantivesse em cartaz durante muito

    tempo. ssim, muitos espectadores viram o espetculo bem mais de uma

    vez. Ficou famosa uma brincadeira feita pelo pbli co que , a um fim de

    conve rsa , um fim de assunto , um silncio, um vazio, algum interrompia

    propondo: Vamos ao teatro ver como esto passando as trs irms?

    Como que isso pode acontecer?Como possvelum espetculo se renovar

    de maneira a apresentar-se sempre como sendo a primeira e nica vez? S um

    espctculo carregado de algo muito vivo e novo poderia sugerir um interesse

    assim no pblico.

    Stanislavski no teatro uma referncia com quem todos continuam apren

    dendo muito, seja pelos livros que escreveu, seja por aqueles que de muitas for

    ma deramcontinuidade aseu

    tr

    abalho. Elenoseachavacriadorde ummtodo

    para atores,por acreditar que a Arte.com A maisculo, como ele chamava a arte

    do teatro, era possuidom de uma amplitude na qual nocaberia a couraa de uma

    concepo, de um modo prtico, um exerccio, um manual de como ser ator .

    Mas, embora reconhecido como um dos grandes tericos do teatro,

    Stanislavski foi tambm um homem da cena, exercendo numerosas funes na

    produo dosespetculos, o que lhe deu a oportunidade de escrever pela ptica

    daqueles que sofrem a angstia do fazer teatral.

    Em qualquer tentativa que se faa para compreender o teatro. se esta

    r, sempre, tangenciando seu sentido mais pro fundo , poi s sua natureza

    abarca mai s mistrios c, do que possa sonhar noss a v filosofi a. Isto no

    impede a reflexo sobre os aspectos que fazem do teatro um

    of

    cio prti co

    15. Barba, op. c it., pp.80 e 83.

    28

    e rduo trabalho de criao. os muitos livros que escreveu sobre a Arte,

    Stanislavski vrias vezes deparou com esta que sto.

    Se ro aqui

    de

    sc ri tas a lg umas das exp re ss es c unhadas po r

    Stanislavski, que compem uma espcie de glossrio das caractersticas

    cnicas: ao fsica, superobjetivo, objetivos ,situao, inteno e subtexto

    dentre outras . E tambm a maneira pela qual a manifestao da ao vo-

    cal nessas caractersticas inter fer e e complementa o trabalho de cr iao

    artst ica do intrprete.

    o

    Fsica

    Qualquer coisa que ocorra no palco, mais especificamente ligada ao

    corpo e

    voz , deve acontecer c

    om

    algum propsito. Uma de

    movimento. como andar, vem obje tivada por um comeo e um fim . sa ir de

    um lu

    crar

    a outro. Andar, efetivando-se como ao fs ica, preenchido de

    um e um por que, de uma int

    en

    o objetivada . Porm, a ao fsica

    no est es tritamente ligada ao movimento como f

    orm

    a de deslocamento,

    e pode ser a prpria imobilidade, o estar parado, pleno de

    a t i v i d

    inten

    cional do

    atar

    . Somente quando a ao obj etivada tendo, con sciente ou

    inconscientemente, uma ju stificao, um motivo par a se r, que ela se

    efe tua em aco ntecimento interpretativo: n o se trata de r

    epr

    es

    entar

    o an

    dar pelo movimento em si e, sim, andar como ao fsica. O mesmo pode

    se dizer do ato da fala em cena.

    A ao fsica, tal qual definida por Stanislavski, at hoj e ampla

    mente usada por atores e diretores no processo de construo dos perso

    nagens. O ator se pergunta: O que eu fao para sati sfaze r minha inteno,

    os objetivos do persona

    gem

    ? Stanislavski dizia aos atares : No pergun

    tem o que o per

    sona

    gem sen te, mas o que ele faz. (. ..) Em cena, vocs

    tm sempre de pr alguma coisa em ao. A ao, o movimento. a base

    da arte que o ator persegue (.. .) no at uem de um modo ge ra l, pela ao

    simplesmente, atuem sempre com um objetivo, A ao fs ic a defini

    da, por Stanislavski, tanto

    em

    relao ao corpo quanto voz do atar, po

    rm foi desenvolvida mais det alhadamente em rela o ao corpo. Apesar

    de dedicar vr ios captulos aos recursos vocais Stanislavski no desen

    volveu especificamente a ao vocal. Por isso, no presente livro, a descri

    o de ao fsica estar se referindo ao corpo, mesmo co nsiderando corpo

    e voz, juntos , em ao.

    A noo do que ao fs ic a serviu de base para (re)elaborao do

    con ceito de ao vocal Stanislavski diz: O corpo convocvel. Os sen-

    16. Stanislavski,

    C.

    A

    preparao do ator

    Trad. Pontes de Paula Lima. 10. cd. Rio de

    Jane iro: Civilizao Brasileira. 1991.pp.64-7.

    29

  • 7/25/2019 - Voz Partitura Da Ao

    16/67

    timentos so caprichosos. Portanto se vocs no puderem criar esponta

    neamente um esprito humano em seus papis

    criem

    a entidade fsica do

    papel . A necessidade de um trabalho de preparao vocal mais l igado

    ao processo criat ivo do ator conduziu-me a este estudo. Na ao fsica os

    objetivos e as intenes do

    personagem

    deveriam ficar expostos ; da mes

    ma maneira a vida verbal do

    personagem

    deve ganharmaterialidade e

    se r

    t raba lhada em forma de ao. omo afirma Berry a conexo ent re a

    vida fsica e a ve rbal do per sonagem deve ficar aparente e palpvel no

    s para o ator mas tambm

    para

    o espectador.

    Deste modo a ao fsica e a ao vocal ocorrem em comunho

    fazendo a histria acontecer. O texto requer ao a ao pedeo texto

    para

    manifestar-se. Assim a interpretao do ator tem na fala um movimento

    de ati tude que t raduz a prpr ia ao cnica.

    ouperobjetivo

    eobjetivo

    Quando se tem pela frente um papel a cumprir tem-se desenhado a partir

    do texto um percurso com comeo meio e fim. Essa trajetria feita de in

    meros acontecimentos que como uma escada vo se fazendo pouco a pouco.

    Visto assim cada lance da escada compreender ento um acontecimento co

    berto de sentidos e dimenses que deixam ver a humanidade do personagem.

    Se cada degrau imaginado um a um como uma seqncia de lances fulminan

    tes fosse considerado como a conquista de um objetivo o ltimo lance da

    escada o local da chegada seria o superobjetivo do personagem.

    dipo personagem da tragdia de Sfocles sabe por um orculo que

    seu destino ser casar-se

    com

    a me e mata r o pai. Foge ent o daqueles

    que ele acredita serem seus pais na verdade pais adotivos com o intui to

    de proteg-los do destino previsto pelos deuses. Durante sua viagem de

    fuga mata um viajante que se pe em seu caminho. Continua em direo a

    Tebas cidadeque sofre o flagelo do enigmaimpostopela esfinge devoradora

    de todos que no o dec ifram. dipo deci fr a e der ro ta a es finge e como

    prmio casa-se

    com

    a rainha de Tebas ocupando o trono vago em virtude

    da morte do rei. Em Tebas um novo desafio: encontrar e punir aquele que

    matou o antigo rei . dipo incita toda cidade a procurar o criminoso para o

    qual prev o maiordos castigos. Mas o assassino de Laio rei de Tebas que

    se casou com a rainha Jocasta dipo. Ele cumpre assim o destino profe

    rido pelo orculo de Delfos. Desesperado com a descoberta arranca os pr

    prios olhos e

    tem

    fim esta primeira parte da tragdia.

    17. Stanis1avski C.

    criao de um papel

    Trad. Pontes de Paula Lima. 3. ed. Rio de

    Janeiro: Civi lizao Brasileira 1987 p.169 .

    18. Berry op. cit.

    30

    I

    d

    Esses acontecimentos so conhecidos pelo ator e de certo modo at

    pelo p e ~ o n g e m porm aquilo que se sabe desde o incio no o impede

    como a Edipo de ir at o fim na expectativa de que em algum momento seja

    dada a vitria sobre o impondervel. Cabe ao ator correresse risco e fazer de

    cada um desses momentos um salto entusiasmado do trajeto que arremessa o

    personagem ao seu superobjetivo na sua instigante e intrincada trajetria.

    A fala do a to r tambm uma ao que se d ir ige a um superobjetivo

    por intermdio de um fio de tenso invisvel que l iga todas as cenas e cria

    sentidos a cada recurso de voz que bro ta na ao vocal O texto falado

    movimento que no est separado de nenhuma outra ao da pea; depois

    que

    dito mai s um

    degrau

    ter s ido ult rapass

    ado

    . Ser definit ivo e

    modificador de todos os acontecimentos que o antecederam projetando o

    personagem ao devir.

    ituao

    Na vida estamos sempre em situao.

    Ontem

    h poucas horas agora

    estamos em situao. Em cena necessrio reaprender a estar nos lugares

    com esta propriedade. O

    recurso vocal

    de velocidade rpida por exemplo

    num dado momento flui e conduzuma cena de urgncia. O ator uti liza este

    recurso quando naturalmente se percebe em situao . Outros

    recursos

    ob

    viamente so usados mas neste exemplo a velocidade rpida o que mais

    aprox ima o ator da situao do personagem e portanto se sobressai. A

    prontido de estar em situao traz uma agilidade quase pontual em que o

    atorparece no perder nenhuma fala est sempre afiado com seu texto.

    Estar em situao localizar-se geogrfica e afetivamente em cena.

    O personagem est sempre fazendo parte de algo que acontece num lugar

    com algum ou sem algum num momento art iculado a out ros momen

    tos do s mai s variados modos. Localizar-se geograficamente atuar

    com

    a a teno em tudo que nos cerca quando estamos em cena: pessoas coi

    sas lugares temperaturas son s luzes etc . Da me

    sma

    forma

    uma

    locali

    zao afetiva a que leva o ator a se or ien ta r no p lano das afec es:

    emoes memrias perspectivas desejos dores pressas etc .

    H um monlogo de Tchecov chamado Os malefcios do tabaco

    em

    que

    Cheiro o personagem por obra de sua mulher se apresenta

    platia para uma conferncia sobre os male s que o tabaco traz a sade. A

    mulher de Cheiro que alis no est presente

    conferncia uma matrona

    ditatorial dona de

    uma

    escola para moas

    onde

    ele trab alha

    como

    um

    asno sob os maus-tratos desta criatura. A conferncia que ela mesma arran

    jou para que ele proferi sse no o que ele gostari a de estar fazendo ali

    naquele momento com aqueles que l esto . Assim vai contando sua vida

    seus sonhos de juventude sua amargura seus arrependimentos e seudesejo

    31

  • 7/25/2019 - Voz Partitura Da Ao

    17/67

    mais inconfessvel que o de correr correr e ficar como um espantalho

    olhando as estrelas no meio do campo. Tudo isso interrompido abrupta

    mente algumas vezes pela possibilidade iminente da chegada da mulher.

    Por fim dado o adiantado da hora encerra a conferncia sem no entanto

    antes se dirigir suplicante assistncia pedindo a todos que no contem

    sua mulhero que aconteceu ali naquela noite .Seela perguntar digam que

    foi feita a conferncia como estava combinado. E estando todos de acor

    do d

    por

    encerrada a sesso agradece e sai.

    O lugar onde est o pblico da conferncia o dia de hoje a hora suas

    emoes.

    essa situao vivida por Cheiro que trar tanto para o perso

    nagem quanto para o ator informaes das quais seu trabalho tirar provei

    to para tornar mais clara e sensvel sua atuao.

    A atuao no uma abstrao uma ausncia; ao contrrio ela se

    determina pela presena da a importncia de trazer para os sentidos esse

    reconhecimento geogrfico e afetivo que mesmo se no for aplicado in

    terpretao no poder nunca ser ignorado. Uma interpretao viva enten

    der sempre que no a mesma coisa interpretar

    em

    lugares dias horas

    situaes diferentes e tirar proveito dessas possibilidades. Este ser um

    reconhecimento provocativo para uma disposio prtica a mais viva poss

    vel. Porqueisso importante: o personagem conduzindoo ator a atuar verda

    deiramente frente ao carter singular da situao em que se encontra.

    nt no

    Em Esperando Godot texto de Samuel Beckett dois mendigos es

    peram ao

    p

    de uma rvore aquele que motivo de toda sua caminhada at

    a cena: o senhorGodot. Haver um encontro e como ele disse seria numa

    estrada prximo a uma rvore. Ento sentam e esperam. Pausa. Todas as

    aes

    foram cumpridas localizadas geograficamente objetivo realizado

    tudo agora esperar o senhor Godot . Pausa.

    odot

    no vem? Ser que

    estamos no lugar certo? Quem Godot? Por que esperamos Godot?

    As intenes do ator e do personagem esto vinculadas vontade ao

    desejo ao pensamento. Elas podem referir desde o conjuntodos motivos do

    autor ao escrever uma obra at a sua man ifes tao na voz do ator. Est

    ligada a um vir a ser que pode se atualizar com a chegada do senhorGodot.

    As perguntas dos personagens e suas aes no texto de Beckett vo

    determinar no campo das intenes as mais variadas possibilidades tanto

    para

    quem

    pergunta quanto para

    quem

    ouve a pergunta. O ponto de inter

    rogao

    como

    um anzol mergulha no desconhecido e sempre traz de l

    uma surpresa. O jogo da

    cena

    se apropria sobretudo desta aventura em

    que a inteno pincela cores e desenhos inimaginados. ecursos vocais

    como a entonao trazem em suas curvas meldicas intenes que inte-

    32

    i

    gradas ao geral criam no ouvinte um corpo imaginrio para investi

    gao dos muitos sentidos que

    compem

    uma obrade arte. E e sse o seu

    movimento sua tempestade que sacode o

    campo

    das idias preconcebi

    das sobre os significados das coisas.

    A inteno portanto regida pelo querer instigada por

    uma

    necessida

    de e conec tada ao texto ao autor e por conseguinte ao personagem

    por meio dele ao ator ao diretor e ao pblico

    gera movimentos que se

    efetuam pela voz e pelo corpo determinando ao.

    Subtexto

    Quandopela primeira vez alguns atares encontram pela frente um tex

    to de Shakespeare com falas imensas pginas de monlogos tm como

    primeiro impulso o desejo de reduzir todas aquelas falas metade seno a

    um quarto ou menos. A impresso de que tanto texto desnecessr io e

    com

    poucas palavras se poderia transmitir plenamente todo o universo to

    cado pelo autor. Mas a leitura aprofundada do texto o conhecimento mais

    amplo da situao dos desejos que ali esto objetivos superobjetivos aca

    bam colocando-nos frente seguinte concluso: o texto pequeno para

    tudo o que se quer dizer e mesmo depois de tantas vezes representado fica

    a sensao de no ter dito tudo de fal ta rem palavras para t razer tona a

    fria de um rei Lear o horrorde Macbeth a questo de Hamlet o cime de

    Othelo e um caldo imenso de sentimentos inominados que passam pela

    obra do grande autor que William Shakespeare. Por ele possvel com

    provar que o texto uma pele um tecido a cobrir a carne os ossos o san

    gue as vsceras de

    uma

    humanidade inaudita oculta impronuncivel

    profunda milenar que cada palavra exige para ser manifesta.

    A compreenso dessa dimenso da fala que faz com que tenhamos a

    emisso vocal cnica como algo que no pode se dar numa enunciao

    impensada como mera tagarelice ou fala decorada. O ator se apropriar

    daquilo que diz se dando como terra para as palavras e far suas as razes

    dessas palavras o que ser o seu subtexto. A formao dessas razes se dar

    por intermdio da compreenso e elaborao dramtica com o ator atento a

    todas as sugestes e situaes trazidas pela pea. O texto escrito ser recria

    do na encenao sob o qual ser escrito um outro texto de desejos objeti

    vos intenes: o subtexto. O diretor e os atares produziro esses fluxos

    subtextuais a partir das interpretaes que fazem dos elementos que acres

    centam e retiram do texto e dos modos

    como

    os transformam em realidade

    cnica. Eles criam uma histria singular uma corrente subtextual conectada

    ao enredo do texto teatral. Esta corrente subtextual age como um impulso

    que impele emisso. Este subtexto se deixar ver impresso na voz no

    corpo do atar e se manifestar por meio. tambm de suas intenes.

    33

  • 7/25/2019 - Voz Partitura Da Ao

    18/67

    A id ia do sub text o, um outro texto no d ito mas te cid o no seu

    subsolo, abre para a criao

    um

    imenso

    campo

    de possibilidades. O

    subtexto permite ao atar emitir recados, num texto no visvel mas que

    est sendo ouvido de diferentes maneiras, percebido pelos sentidos dos

    presentes. O autor, ao escrevero texto, deu a ele a dimenso de seu tempo.

    dentro do contexto e objet ivos que ele pretendia atingir. Mas por meio do

    subtexto possvel criar e at ampliar perspectivas sugeridas pelo autor,

    que vo dar contemporaneidade ao texto.

    A interpretao sempre uma associao livre de idias, sensaes,

    percepes, com a ambio de tocar o homem nos terrenos mais diferen

    tes e desconhecidos. Quando o intrprete entra em cena, ouve e est sen

    do ouvido, reage a incontveis estmulos do espetculo. Esses estmulos

    estaro sempre disposio do ator para inveno de novos sentidos

    subtextuais ao texto que ele ter de dizer.

    L R

    GIR

    Pode-sedizer que

    o voc l

    comea a realizar-se mais freqentemente

    em estdios mais avanados do processo criativo. Nesta fase, a aspirao do

    atarem executar aes fsicas e vocais, como derivao das vontades criado

    ras, muito forte, como se no fosse possvel conterseu corpo e sua voz.

    Neste momento as palavras do texto so

    como

    armas para entrar em

    ao , e

    bom

    que se espere at

    que

    estas se tornem de primeira necessi

    dade para a execuo de seus objet ivos.

    Vocs logo compreendero, assim que tenham se identificado com os verdadeiros

    objetivos de seus papis, que no h melhor meio de atingi-los seno atravs das

    palavras escritas com a genialidadede Shakespeare . Ento, vocs se agarraro a elas

    com entusiasmo, elas viro ao seu esprito cheias de vio, e no manchadas e gastas

    por terem sido arrastadas por adurante todo o rude trabalho de preparao.

    10

    As aes fsicas e vocais so referncias concretas

    que

    ,

    conectadas

    s c r cterstic s cnic s ori en tam o t raba lho do ator. As palavra s do

    texto so guias aos quais o ator deve se apegar para a con struo vocal.

    Ele tem nas aes um

    start

    que

    o incita ao personagem e a um reviver

    constante deste. O espr ito no pode deixar de reagi r s aes do corpo,

    desde que, evidentemente, estas sejam autnticas, tenham um propsito e

    sejam produtivas,? Quanto mais conectada estiver a o voc l em suas

    c r cterstic s cnic s e imantada pela criat iv idade do ator, mais bela,

    19. Stani slavski , op. cit., p.ISS.

    20. Stanislavski, op. cit. , p.162.

    34

    mais elaborada ser sua voz. Isto quer dizer que o treinamento vocal do

    ator fica impregnado, incorporado nele como uma espcie de memria,

    pronta para realizar-se

    como

    o

    voc l

    na interpretao.

    A

    o voc l

    ento, mobiliza no ator impulsos ligados aos superobjetivos

    e objetivos, s situaes, s aes fsicas e ao subtexto. Imbricada nos

    recur-

    sos voc is ela reflete e recria as intenes do personagem; e se d no s no

    plano consciente, pois no se pode controlar todas as matizes de uma expres

    so conscientemente. Muitas vezes, quando a voz produzida, o ator a perce

    como uma sensao geral sintonizada na situao do personagem.

    Pode-se

    dizer que

    a

    o

    voc l

    faz o

    atar

    rever

    sua

    voz e a do per so

    nagem, (re)atualizando os

    recursos voc is

    em sua manifestao. Por isso,

    j aconteceu de atores relatarem o medo de trabalhar a voz , com receio de

    desestabilizar a interpretao conquistada para o personagem.

    Como

    se

    esta conquista fosse estanque e no contnua Porm, em vrias compa-

    nhias h um trabalho constante de direo e ( re)e laborao do texto na

    boca do atar. Desde as primeiras lei turas, e tambm no momento de deco

    rar o texto, importante ficar atento para no congelar formas de emisso,

    investigando p rtitur s interpretaes vocais.

    Esta voz capaz de metamorfose pode se materializar nas nuanas dos

    recursos voc is

    trabalhados para aquele personagem . As palavras na

    o

    voc l

    so

    como

    est ra tgias para se a lcanar um

    determinado

    objetivo,

    uma inteno,

    para

    t ransmitir um subtexto, para estar em situao.

    Este processo de transmutao auxiliado, tambm, pelo pensamen

    to e pela imaginao. que so trabalhados na voz pondo

    em

    relevo signi

    f icados e permitindo aos atores e ao pblico ver

    com

    o ouvido . O

    pensamento do ato r no caminho do text o deve segui r o f luxo do pensa

    mento do personagem. Berry afirma que a fala sendo ativa aclara o pen

    samento do personagem; ao contrrio, passiva quando o ator, na busca

    das intenes, acaba pensando muito antes de falar e, portanto, no vive o

    pensamento quando este ocorre na fala. fazendo des ta somente a repre

    sentao do pensamento e no ele mesmo. Isto se se entender por pensa

    mento

    no

    apenas

    uma faculdade racional/ intelectual

    .

    mas t ambm

    disponibilidade ao plano das sensaes, percepes e afectos

    ,

    abertura ao

    jogo, ao acaso, ao destino. O pensamento, assim concebido. da o rdem da

    criao de sentidos e expresses, advindas do contato com as for s vit is

    se nd o a razo um importante meio de que se dispe para a elaborao

    21. Berry, op. cito

    22. Optou-sepor usar o termo afecto (no sentido de afeco), para diferen ciar do

    significado

    corriqueiro do t

    ermo

    afeto, que quer dizer carinho. afeio. Aqui. afeco significa capacidade de

    afetar e ser afetado pelo outro,o que provoca transformaes irreversveis na subjetividade. ou seja ,

    afetamosou somos afetados todasas vezes que produzimos um diferencial em ns e/ou nos outros.

    35

  • 7/25/2019 - Voz Partitura Da Ao

    19/67

    formal e representacional do pensamento . No trabalho de interpreta

    o, o ator pode mobilizar imagens-sensaes que reavivam suas pala

    vras e criam um subtexto imaginrio. A imaginao excit a a atuao. A

    brincadeira de imaginar pode tambm ser a de criar realidades, discuti

    las, recri-las e, por fim, interferir nelas.A imaginao uma das armas da

    qual se vale a vontade desejosa e provocadora. Imaginamos longe daqui, aqui

    mesmo e, nesse sentido, a imaginao no um processo alienatrio, mas

    sim ummeio ativo de se contracenar com a realidade. Falando o texto o ator

    destaca imagens, faz as palavras vibrarem. Estas imagens-sensaes deve

    riam estar a servio do ator/personagem em seu superobjetivo na pea.

    O ator no pode explicar ou comentar seu texto enquanto fala, como

    se mostrasse para o pblico a razo dessas palavras; ao contrrio, tem de

    liber-las, como se estivesse descobrindo-as por meio dos pensamentos

    do personagem e de sua prpria imagin ao no momento da emisso. Na

    a o vocal

    preciso que a voz seja fluxo das

    f oras vitais

    exprimindo

    sensaes, idias, emoes, imagens. Ao vocal fluxo, escoamento e

    mobilidade, processo dinmico; pode ser no silncio, na pausa, pois no

    , neste estado, somente ausncia de som, ao.

    O ator tem de tocar o personagem pelo texto, e permitir que este

    conduza suas prprias experincias, de maneira que o encontro entre eles

    se torne catalisador ,das foras que vo sustentar a voz, ampliando

    sua capacidade de ao . E certo que quanto mais depurada e eficaz for a

    voz do ator, mais refinadas as relaes com suas intenes; quando a voz

    ao, j corporificou o prprio personagem.

    A ao vocal em sua abrangncia, fetua-se nas vrias concepes

    de atuao teatral, em qualquer teatro. Na qualidade de movimento , a voz

    em ao no se limit a a um tipo especfico de interpretao, mas, certa

    mente, se potencializa naquelas que vicej m, que fazem diferena para

    quem fala e para quem ouve. So as foras vitais emergindo na voz.

    Da necessidade no teatro de vnculo entre a emisso das palavras , de

    outros sons e seu contexto vivo, emergiu esta (re)conceituao de

    ao

    vocal

    e a elaborao/anlise das

    partituras vocais

    pois estas permit em

    captar as caractersticas da voz cnica em momentos diversos do processo

    criativo do ator, em ensaios e espetculos.

    Nesta prtica de preparar a voz, o domn io tcnico e o trabalho est

    tico de criao voca l podem e devem se esposar, ambos a servio do tra

    balho de criao e reflexo do ator. Este cruzamento define uma maneira

    de trabalhar a voz do ator em suas a es vocais registradas nas partituras

    vocais como ser visto nos captulos seguintes.

    23. Souza. L.A.P.

    Entre corpos. .subje tiva o e processos urbanos .

    So Paulo, 1997. Tese

    de Doutorado em Psicologia Clnica, PUC/SP.

    36

    II

    P RT TUR VO L

    Quando o ato em sua criatividade se mostra

    altura de um

    texto notvel as palavras de seu papel revelam se como a me-

    lhor a mais indispensvel e a maisfcildas ormas deencarnao

    verbal com que ele pode man

    estar suas prprias emoes cria-

    tivas

    por

    meio de sua partitura inter or Ento. as palavras de um

    outro. o auto

    tornam se a melhor partitura para o prprio ator.

    Ento as f ormas e ritmos incomuns dos versos (...) se tornaro

    necessrios mi o s para o prazer do ouvido mas tambm por

    causa da acuidade e do acabamento na transmiss odas emoes

    e de tudo que h na partitura do

    ator:

    Stanislavski

    I

    O texto teatral uma composio dramtica feita para ser encenada. A

    interpretao dos atores, entre outras coisas, produz variaes no texto, e

    estas podem ser registradas na partitu ra vocal. A passagem do texto escrito

    ao cnica reestrutura sua concepo inicial. Talma afirma que a

    paixo

    no caminha como a gramtica, no pra sempre nos pontos e nas

    vrgulas, que ela os desloca ao sabor dos seus arroubos ? A partitura vocal

    descreve graficamente a voz cnica do ator em determinados momentos.

    Laurence Olivier, ator, referindo-se a outro atar, Edmund Kean, relata:

    No Museu Britnico h um exemplar de Ricardo III usado pelo ponto , onde um

    providencial assistentede direo anotou asinflexes do mestre Kean. Assim, pode-

    I. Stanislavski, C.A criao de umpapel. Trad, Pontes de Paula Lima.3. ed. Rio de Janeiro:

    Civilizao Brasileira, 1987,1 .108.

    2. Aslan. O. O alar no sculo

    xx.

    Trad. Rachel A.B. Fuser, Fausto Fuser e J. Guinsburg.

    So Paulo: Editora Perspectiva, 1994, 1.19.

    37

  • 7/25/2019 - Voz Partitura Da Ao

    20/67

    seteruma idia ainda que vagade comoele desempenhava ritmicamente. onde fazia

    as pausas e, talvez,

    com

    o deve ter soado aos ouvidos de seus contemporneos.

    O segundo uma cpia t irada do texto do ator Marcelo Drummond,

    que interpretava Hamlet. com algumas anotaes interpretativas:

    HAMLET

    P (

    1.0

    NI O

    U fil p o u c o .

    El \

    ~ D U ~ e l q ~ e t r c l 1 0

    9 0 {

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    pssa

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    i

    meus

    OUV lua , :>

    3. Olivier,

    L. Ser ato

    Trad . Beth Vieira. 2 .ed. Rio de Janeiro: Glob o, 1987, p.33.

    4. Brmont, apudAslan, op. cit., pA.

    5. Stanislavski, op. cito

    6. Este texto foi adaptado porZCe lsoMartinez Correa, Nelson de S e Marcelo Drummond .

    O ttulo originald a pea

    Hamlet

    sem o hfenno meio da palavra, mas nesta montagem a diviso

    Conta-se tambm que, no inciodo sculo XX, o atar chamadoTalma

    pensou em esconder-se na caixa do ponto para descobrir os segredos da

    respirao de Monvel, outro ator da poca.

    Participando de ensaios em montagens teatrais, minha escuta como pre

    paradora vocal sempre esteve aguada aos desenhos que a voz do ator fazia.

    Percebia que, dia aps dia, ia se configurando uma composio dada por sua

    interpretao do texto. O trabalho vocal deveria conjugar as implicaes tc

    nicas da voz dos atores e as demandas vocais do texto em suas situaes

    cnicas. Observava, nos ensaios, o tratamento que o ator dava aquele texto e

    como o diretor o conduzia nos objetivos e intenes de seu personagem. De

    certa forma, como se eu ficasse e scondida , ouvindo da caixa do ponto os

    s egredos das interpretaes vocais. A proximidade com o texto e sua mon

    tagem catalisou minha compreenso da voz no teatro. Com isso, em ensaios e

    leituras de peas, absorvi o trabalho no texto - as decupagens da

    situaes

    dos personagens, as anlises dos seus objetivos, suas pautas de aes - e a

    concepo teatral especfica de cada companhia.

    Na trajetria de construo dos personagens, o texto escrito vai sen

    do singularizado, os atores anotam e fazem indicaes nele, refletindo o

    processo de (re)criao do texto na montagem, partindo de suas compre

    enses e impresses, da dire o da pea, dos treinamentos vocais e cor

    porai s. Na primeira leitura, o texto mostra-se como um universo do autor,

    a ser descoberto na voz do ator. Est ainda nu .Aos poucos, o ator vai se

    apropriando do texto, mais especificamente de seu personagem, e ves

    tindo-o com

    anotaes interpretativas que recolhe nos ensaios com o

    auxlio da direo. O ator, assim, inventa o seu registro no texto teatral.

    Por meio de um longo percurso de treinamentos, leituras e ensaios,

    adicionvamos referncias interpretativas ao texto que, desta maneira, ia

    se estruturando, passando da escrita a uma fala em cena, deixando marcas

    de anotaes no texto. Em decorrncia deste processo, tem-se trs dese

    nhos de um mesmo texto, que ser desdobrado na construo do persona

    gem, ganhando consistncia na voz do ator: o primeiro, o texto teatral que

    recebido para a primeira leitura; o segundo, a

    partitura do papel

    5

    referncias interpretativas que os atores

    mar

    cam ou acrescentam ao texto

    escrito; e o terceiro, a partitura vocal mapeamento da a o vocal do ator.

    Para melhor entendimento do que nomeei

    partitura vocal

    necessrio

    conhecer os doi s primeiros desenhos referidos. O texto que se segue do

    personagem Hamlet, da pea Ham-let de William Shakespeare (ato II,

    cena 2), conforme recebido para primeira leitura:

    38

    39

  • 7/25/2019 - Voz Partitura Da Ao

    21/67

    No texto trabalhado

    pelo

    ator, alguns dados

    importantes

    da cen a apa

    recem escritos ao lado da fala, dando corpo e possibilidades s intenes

    do

    per

    sonagem.

    A elaborao da

    partitura vocal

    na construo dos

    per

    sonagens, se de

    senvolveu tambm nos ensaios, mas foi registrada, mais detalhadamente, pe

    los atores e por mim nos treinamentos vocais. Ela no categrica, no sentido

    de fechar-se numa nica forma ou marcao; ao contrrio, mutvel, multi

    plicando-se e transformando-se ao longo do processo criativo. A fala

    partitu

    rizada

    revela uma linguagem que no s explicita os

    recursos vocais

    mas os

    liga situao cnica como um todo. A voz muitas vezes realiza- se t

    ambm

    como cena e

    com

    atitude objetivada pela processualidade do personagem em

    sintonia com o atol, ou seja,nestas circunstncias ela

    ao vocal.

    A

    partitu

    ra vocal

    o meio pelo qual a ao

    vocal

    poder ser (re)visitada, permitindo

    que ela e tambm outras aes cnicas sejam (re)elaboradas.

    A

    partitura vocal

    singular

    a

    cada

    interpretao; o me

    smo

    persona

    gem ganha

    partituras

    diversas na voz de diferentes atores. O texto dram-

    tico recebe, portanto, um

    desenho

    pe ssoal

    que

    se

    transmuta

    me

    smo depois

    da estria, e at de espetculo

    par

    a espetculo, quando novas referncias

    interpretativas e vocais vo modificando-o. A fala, sendo instvel, no

    estabiliza melodias ou ritmos como a ms ica faz e, por tant o, a

    partitura

    vocal

    no regular ,

    com

    not as e

    andamentos

    definidos. Ela tem

    outra

    trama

    ,

    determinada

    pelos usos do s recursos vocais nas situaes do per

    sonagem e do atol , em

    cada

    pea e em seus espetculos.

    Na

    primeira

    leitura do texto feita pelos atores e

    pelo

    diretor, diversas

    possibilidades de interpretao se desdobram.

    Neste

    momento

    e no

    de-

    senrolar do

    proce

    sso criativo, as notaes no te

    xto

    feitas pelo atol

    vo

    de

    sde

    de

    senhos

    e expresses que ref le tem a cena,

    situae

    s do texto, do

    per

    son

    agem

    seus objetivos etc ., at as marcaes especficas da fala do

    ator. Este conjunto de elementos define a

    partitura do

    p p

    el

    vista na fala

    de Hamlet, e engloba referncias vocais.

    ada diretor tem modos caractersticos de

    criao

    e montagem tea

    tral,

    com

    variaes de

    pea para pea

    , o me

    smo ocorrendo

    na

    con

    struo

    do per

    sonagem pelo

    ator: o pro cesso criativo no

    comporta

    regras fixas .

    A

    partitura do papel

    escri ta sobre o texto ou fora dele,

    uma

    anota

    o repleta de dados e marcos deste processo. As

    circunst

    ncias dadas

    pelo

    autor, t ipo de proposta teatral , lugar e

    poca

    da

    montagem

    e as rela

    es entre o elenco e a direo afetam o a to r e certamente ressoam em sua

    partitura .

    Nela, uma espcie de plano, de mapa da

    pea

    traado,

    como

    da palavra quis dar o sentido de soltar o canastro : ler - soltar. e Ham - canastro (apesar da

    traduo literal ser outra, foi uti lizado o emprego deste termo para o teatro). O hfen funciona

    tambm como ponte de ligao entre essas duas noes. Portanto, ser usado aqui

    Ham-let

    quando referidoa esta montagem da pea. e Hamlet (sem o hfen) para o personagem. Esta fala

    originalmente de Polnio, porm namontagem passou a ser de Hamlet.

    40

    pontos de referncias, com os quais o atol se posiciona e se desloca, esta

    belecendo objetivos

    cnicos

    .

    Estes do

    propsitos s aes fsicas, orien-

    tam

    as intenes, incitando desejos.

    Por

    meio

    da

    contribuio de Stanslavski, o atol ganhou instrumentos que

    o ajudam na manifestao das emoes do personagem. As caractersticas da

    partitura do papel

    e sua efetuao nas aes do atol em cena trouxeram urna

    percepo ao meu trabalho de preparao vocal; pude ver que a j estava em

    butido um esboo inicial da

    partitura vocal.

    Assim como o corpo carrega as

    caractersticas cnicas

    na ao fsica, a voz, tambm, na

    ao vocal

    conduz

    intenes, objetivos e situaes, Ela arrasta, quando de fato age, o corpo e suas

    aes, fazendo com que se tomem indiscernveis; o que, alis, provavelmente,

    seria mais perceptvel no fossepredomnio, em nossa cultura, de uma certa

    tradio racionalista, que dicotomizou corpo e mente, razo e emoo, operan

    do a separao entre o real visvel e o real impalpvel. O registro grfico dos

    desdobramentos da

    ao vocal

    sem tais dicotomias, constitui a

    partitura vocal.

    Da mesma forma que S tanislavski props a

    partitura do papel

    o

    preparador vocal cria seu registro, a

    partitura vocal

    onde os movimentos

    da voz

    cnica

    do a to r

    para

    aquele

    personagem

    esto desenhados. A

    sua

    anlise oferece, portanto, subsdios

    para

    o

    trabalho

    de voz no teatro, tanto

    para o atol e

    para

    o diretor quanto para o preparador vocal.

    A capacidade de esculpir sonoramente as vontades e necessidades do

    personagem vital para o atol. A anotao da partitura vocal retrato do per

    cur

    so de construo vocal do personagem e de sua encarnao na voz do ator,

    reflete esta ao

    num

    dado momento expressivo. Por intermdio dessas nota

    es tem-se referncias das caractersticas do personagem e vice-versa, as

    caractersticas cnicas

    sugerem

    recursos vocais

    como ser visto adiante.

    RECURSOS VOCAISN

    P RTITUR

    ...que os trgicos gregossabiamalternadamente acelerar ou ralentar

    a elocuo. aumentar ou diminuir o volume da voz. entrecortar as

    palavras amenizar a expresso tecer longamente a fra se. numa

    respirao. Sua palavra traduzia sobressaltos at mesmo signos

    ela consentia imitava. ria. caoava insultava. Depois como dois

    cantores que se respondem asvozes iam de um a outro interlocutor:

    at uma palavra fo i inventada para exprimir esse dilogo dos

    jambos esticomitia (...) a conversa das linhas dos versos. Alm

    di sso o t r era conhecdo

    omo

    gravissonante ressonante

    crcussonante encorpando sua voz falando com curiosidade.fo rte

    ou docemente feminino ou masculno.

    Ren

    Cl

    ment

    7. Clment, R., apud Aslan, p.IO.

  • 7/25/2019 - Voz Partitura Da Ao

    22/67

    As opes de

    recursos vocais

    usados na

    partituravocal

    ficaromais claras

    a partirda observao da

    partiturado papel

    de outro ator,Pascoalda Conceio,

    que interpretouo personagem Polnio na pea

    Ham-let

    (ato I,cena3):

    Um texto antes de mais nada uma respirao. A arte do comediante con

    siste em querer igualar-se ao poeta por um simulacro respiratrio que, por alguns

    momentos, se identifica com o sopro criador. Logrei uma certeza maravilhada da

    importncia respiratria de um texto quand o chegamos ao Marrocos e obtive a

    permisso de ver as primeiras cpias do Coro dapoca da Hgira. Perguntei o

    que significavam, no meio das pginas cobertas de uma escrita em fonna de aletria.

    de grandes e pequenas manchas amarelas semelhantes a girassis que se repro

    duziam ao longo do manuscrito: as manchas grandes . explicou o bibliote crio.

    so a marca dos versculos, as pequenas so a marca das respiraes. Logo que

    o senhor aprender isso, acrescentou ele, um texto no tero mesmo significado

    nem a mesma eficciase no for respirado como foi escr ito .

    lO .

    Oque h uma comunho entre a estrutura do texto escrito, a fala do

    ator e sua atuao na pea.

    A diviso do texto, na p rtitura vocal, deve ser feita respeitando-se

    as

    pausas

    dos atores. Basicamente, trs tipos de pausas interpretativas

    unindo as palavras em grupos conforme o entendimento lgico do texto. O

    segundo, os dois traos, representa a pausa psicolgica, mais longa, que d

    vida aos pensamentos e ajudaa transmitir o contedo subtextual das

    palavras,

    Desta maneira, os primeiros elementos escolhidos para nota o da

    partitura vocal

    foram as palavras-chave, chamadas aqui de nfases, e as

    pausas, dada a freq ncia e importncia destes na partitura do papel e,

    portanto, na interpretao do ator. Este foi o

    en f

    oque inicial priorizado

    nos treinamentos voca is e, por meio de notaes das interpretaes no

    texto, a

    partitura com

    seus

    recursos vocais

    foi se constituindo.

    Nos exemplos expostos, de partituras do papel, pelas divises das

    falas, percebe-se a compreenso lgica e emotiva do texto pelo ator. H

    doi s momentos: um, no qual, por intermdio da leitura e do conhecimento

    do texto, ele toma contato com a divi so versificada da pea, no caso

    Shakespeare, ou , mais precisamente, com aquela oriunda da tradu ol

    adaptao efetuada para esta montagem. O out ro, quando expressa sua

    relao com o personagem, por intermdio, tambm, da fala cnica. Este

    o movimento que se produz entre a busca da respirao e a encarnao

    do pensamento do personagem pelo

    ator, ?

    Logo, as pausas possibilitam a

    divi so interpretativa do texto e determinam um andamento voca l ao fa

    lante. Para se entender melhor esta afirmao, evoco aqu i a histria

    reveladora do ato r Jouvet:

    8. Stanislavski, C.A construo da personagem. Trad. Ponte s de Paula Lima.4 .ed. Riode

    Janeiro: Civilizao Brasileira. 1986. pp.133-72.

    9. Berry, Theactor

    n

    the t

    xt

    Nova York: Aplause Theatre Books, 1992.

    10. Jouvet, L.. apud Aslan, 1994. p.20.

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    fz

    me::t=

    Basicamente, as notaes voca is de maior ocorrncia na sua partitu

    ra do papel so algumas palavras sublinhadas como palavras-chave da

    fala e, ainda, os blocos de palavras ou frases que so agrupados pelo sen

    tido e entendimento